52
4. Poder, Poder Social e Poder Político Luiz Salvador de Miranda-Sá Jr. Onde se discorre sobre as diversas manifestações de poder, particularmente do poder político, destacando a influência destes compoentes conceituais na vida poltica de polítcos amadores, como todos os cidadãos devem ser. Mas que serão mais úteis para a sociedade se tiverem conhecimento destes fatos para que possam pensa e agir adequadamente. Limites do Significado do Poder Desde a época clássica, costuma-se definir poder, com sentido amplo e genérico, como a organização e emprego dos meios necessários para alcançar as finalidades propostas pela própria vontade ou pela necessidade reconhecida por qualquer ente individual ou social. Viu-se já que o termo poder pode ser empregado, mais ou menos indistintamente, como atributo individual ou característica coletiva, mas que, ao menos quando retrata um fenômeno da ciência política, deve ter conotação unicamente social, por isto, não se valoriza muito as manifestações da autoridade inter-pessoal, nem devem ser incluídos aqui as questões relacionadas com o poder individual, objeto de atenção da psicosociologia. No plano individual, o desenvolvimento de alguém é, ao menos em grande parte, a progressiva aquisição do poder individual expresso pelo auto- domínio, ou autocontrole indispensável às noções de autonomia e maturidade. No plano da evolução psicossocial, o reconhecimento que se tem do poder como fenômeno humano mais que pessoal ou social e 1

4. poder, poder social e poder político

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: 4. poder, poder social e poder político

4. Poder, Poder Social e Poder Político

Luiz Salvador de Miranda-Sá Jr.

Onde se discorre sobre as diversas manifestações de poder, particularmente do poder político, destacando a influência destes compoentes conceituais na vida poltica de polítcos amadores, como todos os cidadãos devem ser. Mas que serão mais úteis para a sociedade se tiverem conhecimento destes fatos para que possam pensa e agir adequadamente.

Limites do Significado do Poder

Desde a época clássica, costuma-se definir poder, com sentido amplo e genérico, como a organização e emprego dos meios necessários para alcançar as finalidades propostas pela própria vontade ou pela necessidade reconhecida por qualquer ente individual ou social.

Viu-se já que o termo poder pode ser empregado, mais ou menos indistintamente, como atributo individual ou característica coletiva, mas que, ao menos quando retrata um fenômeno da ciência política, deve ter conotação unicamente social, por isto, não se valoriza muito as manifestações da autoridade inter-pessoal, nem devem ser incluídos aqui as questões relacionadas com o poder individual, objeto de atenção da psicosociologia.

No plano individual, o desenvolvimento de alguém é, ao menos em grande parte, a progressiva aquisição do poder individual expresso pelo auto-domínio, ou autocontrole indispensável às noções de autonomia e maturidade.

No plano da evolução psicossocial, o reconhecimento que se tem do poder como fenômeno humano mais que pessoal ou social e institucional, indica para muitos que todo poder se originaria do poder parental (como aprendizado individual na infância dos indivíduos) e se continua nas necessidades de organização da vida coletiva e nas muitas exigências da civilização. De qualquer ponto de vista que se aprecie, o poder é sempre um instrumento de controle, uma forma de influir ou impor aos outros determinados comportamentos.

O poder é requisito essencial de todas as formas possíveis de controle social. Sem poder social não há, nem pode haver controle social; analogamente, sem controle social não há poder, porque não pode haver, sequer, organização da coletividade. Pois, o poder é

1

Page 2: 4. poder, poder social e poder político

importante instrumento de coerção social, destinado a manter a estrutura de um sistema social qualquer.

Parece bastante pacífico afirmar a impossibilidade de qualquer organização social sem que haja nela alguma forma de poder ou sem que exerça algum controle sobre seus componentes. Embora se possa mencionar o poder pessoal, o poder grupal e muitos outras formas possíveis de poder, por causa das finalidades deste texto, aqui deve-se destacar o poder político, tipo específico de poder social. Por causa dos objetivos deste capítulo, é dele que se trata aqui.

Do ponto de vista sociológico, sobretudo sócio-político, a prática do poder como atividade social concreta se traduz pela influência e autoridade de um indivíduo ou do detentor de um papel social em suas relações com os demais; expressa a capacidade de tomar decisões, ser capaz de implementá-las e, até, de obrigar os demais a obedecê-las.

Em qualquer sistema social organizado cada status e cada papel social detêm as quotas de poder e autoridade contidas neles e que se comunicam aos seus agentes por meio da investidura institucional. O poder político deve ser limitado no tempo, no espaço e quanto às prerrogativas de quem o exerce (seu alcance e possibilidades).

Evolução Social do Poder

Do ponto de vista sociológico, pode-se notar que o poder, como a sociedade, evoluiu através do tempo e sofre notável influência da evolução do processo civilizatório e, sobretudo, das relações sociais. Como os demais instrumentos sociais de convivência, o poder pode ser identificado em suas formas mais elementares nas comunidades primitivas, de onde evoluiu acompanhando as mudanças que se operaram ao longo da história das instituições políticas e das transformações sofridas pelos macro-sistemas sociais. De uma perspectiva histórico-social, pode-se verificar que, até obter sua fisionomia atual,  com a qual se apresenta em nossa sociedade e em nosso tempo, desde as épocas primitivas, o poder social evoluiu através de quatro formas sob as quais se exerce o poder na sociedade: o poder individual, o poder imediato, o poder individualizado e o poder instituído (ou institucionalizado).

Num primeiro passo, deve-se diferenciar duas classe qualitativamente bem diferenciadas de poder:

- o podet individual e

- o poder social.

O poder individual que melhor seria denominado poder pessoal ou personificado (para não se confundir com o autodomínio ou poder sobre si mesmo) é a forma mais primitiva de exercício da

2

Page 3: 4. poder, poder social e poder político

autoridade de uma pessoa sobre outrem, da possibilidade e capacidade de constranger alguém sem ser constrangido por ele. Esta modalidade de poder e influência não se distingue por coisa alguma do poder que existe nas coletividades animais, pelo qual um deles obriga a um outro ou aos outros a agir ou a não agir.

O poder pessoal é atributo mais físico ou psicológico que social, inclusivepolítico. O poder individualo ou pessoal manifesta-se em um membro do grupo por causa de sua força física, de seu carisma, do prestígio que angaria, do respeito que inspira aos outros; de seu saber ou sua autoridade.

Estas são as origens do poder individual. O poder individual é imposto à coletividade (porque se impõe ao conjunto de indivíduos que a compõem); no plano social, significa o poder que um indivíduo adquire sobre os demais em função de suas qualidades pessoais.

O poder imediato ou poder social difuso revela um momento mais evoluído que o anterior, porque é impessoal, existe independentemente das características dos seus agentes ou dos agentes dos organismos incumbidos sua execução; alguns exemplos do poder imediato são os usos, os costumes, os totens e os tabus, os valores e as crenças (inclusive as religiosas e todas as outras manifestações míticas e ideológicas); no entanto, este tipo de poder não é ainda político, no sentido com que esta expressão está sendo empregada;

o poder individualizado é talvez o primeiro momento do processo político, quando o poder social é atribuído a um indivíduo pelos membros de sua coletividade que o investem de poder e autoridade de modo a confundí-lo com o Estado; sua origem social distingue o poder individualizado do poder pessoal que tem sua única fonte na pessoa que o exerce (ainda que esta diferença nem sempre esteja clara na prática); a noção de poder individualizado se confunde com a de autoridade carismática;

o poder institucionalizado é a forma mais adiantada de manifestação do poder social e político; nela, o poder do papel e da função social é atribuído formalmente e é exercido por agentes e organismos institucionais específicos com estrutura e competência reguladas objetivamente e bastante independente da pessoa que o exerce; o caráter impessoal é sua característica específica mais marcada.

O poder institucionalizado é uma conquista da civilização e caracteriza os sistemas sociais mais adiantados e serve para substituir o poder individual pelo poder coletivo organizado e representa o ponto culminante da participação política e da luta pela ampliação da liberdade e da justiça, além de ser o único que pode ser suficientemente estável para atender às demandas da

3

Page 4: 4. poder, poder social e poder político

sociedade civilizada. Nas civilizações primitivas se confundem o poder político e o poderoso. Nas civilizações mais evoluídas, faz-se uma nítida separação entre o poder e seu detentor. O poder institucionalizado ou instituído no Estado de Direito representa o poder político por excelência das sociedades contemporâneas.

Tipos de Poder Social

Aristóteles, considerando a evolução histórica do processo, reconhecia três tipos de poder, que correspondem a três momentos evolutivos desta noção nas comunidades humanas desde sua origem mais primnitiva.

Estes três tipos de poder são:

- o poder paterno,

- o poder despótico e

- o poder social.

o poder paterno (o poder familiar patriarcal, originado do poder dos mais velhos na comunidade primitiva, do respeito e do temor que o cuidador inspira nas crianças);

o poder despótico (o poder do dirigente político primitivo, baseado na sua força e em sua capacidade de coação); e

o poder social que é o poder concedido a uma pessoa em função de seu lugar e de seu papel na sociedade, inclui o poder político (o poder político civilizado, baseado na lei e limitado pela justiça, gerado na liberdade e distribuído pelo livre consentimento de quem o delega para quem o exerce).

Pode-se traçar uma linha evolutiva ao longo da história da humanidade em que cada um destes tipos represente um momento qualitativo do processo evolutivo do poder e da autoridade ao longo do desenvolvimento da civilização. A evolução do poder paterno para o poder despótico foi assinalado pelo momento de predomínio da força física nas relações inter-individuais. Como se o emprego da força pela figura paterna legitimasse o emprego da força em outras situações e circunstâncias. Inclusive que permitisse identificar o emprego da fôrca física com o exercício da paternidade. Como se aquela fosse uma qualidade necessária desta.

Ainda hoje, mesmo em adultos, se escutam expressões como esta “você não é meu pai, não pode me bater”. Como expressão da legitimidade da agressão do filho pelo pai.

A evolução do poder paternal para o poder social assinalou o avanço da civilização desde sua origem remota até os

4

Page 5: 4. poder, poder social e poder político

dias atuais, nas sociedades mais desenvolvidas. Porque nem todas as sociedades desfrutam os mesmos níveis de civilizaçào

Qualidades de Poder Social

Doutro ângulo, caso se pretenda fazer uma abordagem qualitativa das diversas modalidades de poder social, quando se avalia do ponto de vista de sua natureza, podem ser reconhecidos três tipos qualitativamente diversos de poder social:

- o poder econômico,

- o poder ideológico e

- o poder político.

O poder econômico (fundamentado na posse e domínio de certos bens considerados como essenciais, que hoje se expressa pela riqueza e importânca social, o que gera uma relação de maior ou menor dependência pessoal e social).

Milionários, banqueiros, grande empresários (sobretudo de empresas estatais) e dirigentes de empresas concedidas pelo estado deve sofrer restrições políticas.

O poder ideológico (baseado na capacidade de exercer influência sobre os demais, atravé das ideias e do saber ou na difusão da crença da superioridade de alguns sobre os demais).

Os jornalistas, agentes religiosos e artistas são agentes deste tipo de poder que deveriam ser impedidos de se candidatarem a cargos públicos.

O poder político (o domínio sobre as instâncias coercitivas sociais, como as armas, a legislação e outros recursos do aparelho do Estado).

Quem exerce cargos públicos executivos dem ter restrições em sua atividade política, pelos moe serem constrangidos a se desemcompatibilizarem.

A experiência histórica ensina que, ao menos em princípio, não se deve permitir que ninguém acumule sequer duas destas três qualidades de poder, quanto mais todas. Pois, é bastante provável que pelo menos boa parte dos casos de exercício pervertidos do poder social, sobretudo do poder político, seja devida a tal superposição. De onde se pode inferir que a sociedade será bem melhor quando os instrumentos destas três manifestações do poder sejam cuidadosamente separadas e, mesmo, impedidas de se reunirem.

Em geral, quem detêm o poder econômico, compra e acumula o poder ideológico e o poder político. Porque a riqueza lhes possibilita dirigir as preferências nestes dois campos. Mas a história mostra

5

Page 6: 4. poder, poder social e poder político

muitos casos nos quais o poder econômico foi conquistado pela força ou o poder político tomado pelo poder ideológico. Sempre que o poder político conflita com o poder econômico ou o poder ideológico é derrubado ou ocasiona o separatismo.

No entanto, na prática política concreta e em atenção ao princípio da pulverização do poder social, ao menos na maior parte dos casos, não é conveniente atribuir o poder político a que já detenha o econômico ou o ideológico. Na prática política, deve-se procurar sempre avaliar a serviço de quais interesses sociais está este ou aquele agente político e esta ou aquela doutrina política (procurando bem, encontra, sobretudo quando se emprega a antiga fórmula da criminologia A quem interessa? Quem se beneficia?).

Jamais se deve acreditar naquilo que o político apregoa (por mais sincero que pareça). Em todos os casos, é melhor procurar saber e avaliar quem se beneficia, de fato, com sua atividade política e não o que ele promete.

O poder político nunca deveria ser atribuído a quem já possuir poder econômico ou ideológico. Contudo, a despeito disto, para estes, é muito mais fácil obter cargos políticos e ganhar eleições. A influência que o dinheiro e o poder ideológico garante aos seus possuidores constitui uma vantagem bem pouco democrática, porque destroi o princípio da igualdade.

Não deve ter cabimento que o dono de uma rede de televisão, concedida pelo poder público, exerça o poder que esta posição lhe confere, para disputar uma eleição e acumular mais poder.

Poder Social e Poder Político

Em sociologia e em ciência política, o poder político se confunde com a influência exercida em alguma instituição, principalmente o Estado, e que se manifesta através de algum tipo de superioridade institucional cujo agente (pessoa ou órgão) exerce sobre outro que lhe é (ou está) subordinado. Toda autoridade institucional é uma decorrência do poder político manifestado no seu âmbito. Porque embora a noção de poder político, embora seja uma abstração, ela corresponde a um dao da realidade que se manifesta quase sempre muito concretamente em certos fenômenos reais, como acontece aos atos de poder, enquanto a autoridade interpessoal (enquanto fato psicológico) se manifesta como influência ou dominação. É a ação de poder que o caracteriza como tal.

Não existe poder sem qualquer atividade de exercício de poder, nem pode existir algum tipo de exercício de poder sem que haja ao menos um agente que o exerça.

6

Page 7: 4. poder, poder social e poder político

Como a vontade, fenômeno individual subjetivo que só pode se expressar através dos atos voluntários e se confunde com eles, o poder social é um fenômeno sociológico que só se expressa através de atos concretos de poder exercidos por agentes específicos.

Não há nem pode haver poder político que não se concretize em atos de poder. Nem existe ato de poder que não seja exercido ao menos por um agente de poder. Por isto, a valiação do poder político deve ser realizada por meio da análise e da ponderação dos atos produzodos por seus agentes. Isto é, estuda-se o poder político através do estudo dos atos político que seus agentes produzem. Uma perpectiva política dualista distancia o poder do poderoso e pode-se colocar a ênfase em qualquer um destes dois polos inseparáveis. Perspectiva originada na ideia de que o poder é uma dádiva ou um prêmio concedido por uma divindade e que seria independente da pessoa que o exerce.

De qualquer maneira, quando estas duas entidades, o poder e seu agente, são avaliadas separamente, esta separação constitui uma importante causa de erro para o entendimento do processo. O poder, seu agente e os atos produzidos só podem ser entendidos como um amálgama inseparável em sua unidade factual.

Como já se viu, o poder político é sempre uma modalidade de poder social análogo ao poder ideológico e ao poder econômico, tanto em sua origem quanto em sua realização. Por esta convenção conceitual, a noção de poder político deve se restringir exclusivamente ao poder coletivo de caráter jurídico-institucional atribuído a um ou mais agentes (não devendo se aplicado às situações individuais ou interpessoais. O poder político é decorrente da representação política concedida ou arrebatada. Quando um número mais ou menos restrito de agentes políticos exerce o poder coletivo em nome de todos. Também já se mencionou, quando se adota um ponto de vista demasiado ampliado de política (como qualquer manifestação de poder), o conceito de poder político (fica confundido com autoridade pessoal) tem abrangência extremamente vasta e pode ser aplicado a praticamente todas as relações humanas, qualquer que seja sua natureza, inclusive nas relações psicológicas interpessoais, nas quais o poder se manifestaria nos comportamentos de maior ou menor influência ou de dominação e de submissão de umas pessoas em relação a outras.

É essa vastidão e inexatitude da noção de poder entendido como possibilidade de coagir e constranger, mesmo nas relações interpessoais movidas psicologicamente, que o desvalidam ou prejudicam como termo da ciência política,

7

Page 8: 4. poder, poder social e poder político

posto que ainda hoje não se lhe atribuiu qualquer definição satisfatória, a despeito de ninguém duvidar de sua realidade. Porque, nesse caso, nas relações entre pessoas, o poder pessoal se concretiza nas relações de dominação/submissão que acontecem no plano interpessoal, não institucional, enquanto o poder político se define e se concretiza nas relações de superioridade e subordinação ou liderança e subalternidade que acontecem no plano das relações sociais institucionais, geralmente, na instituição do Estado.

Em psiquiatria, é bem possível que a questão do sadomasoquismo traduza uma patologia da modulação comportamental da dominação/submissão, da qual as condutas eróticas relacionadas a dor, sofrimento e humilhação sejam simples corolários. O sadomasoquismo é, muito mais uma perturbação do relacionamento social e inter-pessoal, do que uma alteração instintivo-sexual, ccomo pensam muitas pessoas sem instrução. As conduta eróticas massoquistas são secundárias a este transtorno principal. O mesmo se dá na avaliação psiquiátrica e psicológica das personalidades ansioso-dependentes e nos relacionamentos de pessoas depressivas.

Na relação médico-paciente, na professor-aluno e marido-mulher, porque são relações institucionais muito além de interpessoais, se justifica o emprego da noção de poder, além da de autoridade.

Como acontece com o fenômeno político da participação, o controle social é uma necessidade imperiosa para a existência das coletividades humanas mais ou menos organizadas e um importante atributo dos Estados democráticos modernos. Como não existe civilização sem poder ou sem participação, a civilização também não pode existir sem aguma forma de controle social. Por isto, o poder, a participação e o controle social podem ser considerados os fenômenos mais importantes da dimensão sócio-política da existência humana.

Poder, participação e controle social são coisas necessárias à permanência dos sistemas sociais e, sobretudo, polít; o ruim, é abusar delas, inclusive por omissão. Os fenômenos políticos fundamentais denominados poder, participação e controlesocial são indispensáveis a qualquer forma de organização social mais ou menos complexa.

A participação (a dimensão centrípeta do poder) e o controle social (sua dimensão centrífuga, são os dois elementos que mantêm o equil’rio nas relações do poder político no sistema democrático.

No entanto, seria uma atitude ingênua considerar o poder exclusivamente como instrumento de controle social, ou

8

Page 9: 4. poder, poder social e poder político

imaginar todo controle social como negativo e indesejável (porque poder e controle social são processos sociais indispensáveis ao funcionamento e estabilidade política de qualquer coletividade minimamente organizada); pois, não pode haver sistema social que prescinda de algum tipo de instrumento destinado a manter sua conformação e melhorar seu rendimento. Bem como, não se deve supor que o poder e o controle social implícito nele seriam sempre bons e proveitosos para todos.

As noções de poder e de controle social, por si mesmas, são estranhas a quaisquer juízos de valor. Para uns, poder e controle social são fetiches; para outros, são tabus. E ambos parecem estar equivocados, poder e controle social são instrumentos ideológicos e políticos essenciais para a existência e a prática da democracia.

O conceito de poder se confunde com a noção de autoridade e se limita, quanto a sua intensidade, com o autoritarismo; e quanto à sua extensão com o totalitarismo. O autoritarismo e o totalitarismo são as duas dimensões do arbítrio que é a manifestação do poder sem autoridade.

As pessoas que tendem ao autoritarismo se mostram fascinadas pelo poder e se agradam de todos os instrumentos de controle social; já os anarquistas aborrecem todo poder e se horrorizam com os meios de controle social e repele seu emprego. Contudo, trata-se de posições extremadas as quais, todas as vezes que foram experimentadas, produziram resultados sociais danosos.

Atributos do Poder Político

Existem sete atributos básicos considerados para a caracterização do poder social, principalmente para cacterizar o poder político, seja qual for a sua natureza, seu agente, sua intensidade ou a modalidade de sua exteriorização.

Esses atributos do poder social são:

- o poder de conservar e mudar as diretrizes da ação política, isto é, o poder de decidir o que vai ser feito e como se vai fazer;

- o poder de determinar os limites da ação dos agentes, decidir o que é obrigatório e o que é proibido;

- o poder de recompensar as condutas consideradas positivas e a obediência das normas sociais estabelecidas;

- o poder de punir os que transgridem a ordem vigente e violam as normas sociais;

9

Page 10: 4. poder, poder social e poder político

- o poder de servir de modelo da tendência de identificação com o poderoso que se verifica em todas as organizações sociais (porque as pessoas poderosas e importantes servem de referência e modelo aos demais, por isto se concretiza a influência das pessoas ricas e celebridades nos demais componentes da sociedade; ou, em outro plano, a influência dos modelos estatais de poder nas instituições, nas relações grupais, nas associações e outras formas de organização);

- o poder do perito (autoridade ideológica ou científica, a autoridade do saber e do saber-fazer que se manifesta na possibilidade de exercer influência e determinar as opiniões e comportamentos dos demais) e

- o poder legitimamente delegado (poder exercido em nome de outrem, que é adquirido por representação, procuração ou delegação e que pode ser exercido no campo político ou no mundo privado das relações interpessoais, principalmente dos negócios e da defesa de direitos individuais ou sociais).

O poder de conservar e mudar as diretrizes da ação política em uma comunidade pode assumir numerosas formas desde a mais primitiva, a força bruta, até as mais sofisticadas e civilizadas, como a democracia a argumentação lógica, características da cultura contemporânea. O poder de determinar os limites da ação dos agentes, decidir o que é obrigatório e o que é proibido que em estruturas sociais mais primitivas se confunde com os interesses do agente do poder, nas sociedades modernas se transformou em poder ideológico, exercido por instituições sociais como a religião, a justiça, o direito.

Poder, Arbítrio e Autoridade

Arbítrio e autoridade são duas expressões genéricas que indicam perversões do poder social porque assinalam o exercício do poder contrariando os interesses sociais e o bem comum.

A origem na vontade coletiva, a limitação legal de sua extensão e intensidade, além da responsabilidades de seus agentes diferenciam a autoridade do arbítrio. E, por isto, permitem caracterizar o exercício da autoridade política.

Toda autoridade e todos os seus agentes estão sujeitos a normas sociais estabelecidas fora dela para limitar, definir e modular sua ação, promovendo as regras de sua responsabilização frente à coletividade. E isto torna o poder da autoridade no oposto do poder arbitrário. Em resumo, se pode afirmar que autoridade é legítima e legal (porque provém de mecanismos estabelecidos pela cultura para escolha e modulação dos agentes do poder) e, por isto, necessita ser negociada, aceita e reconhecida; a autoridade é limitada (o papel social do agente investido de autoridade necessita

10

Page 11: 4. poder, poder social e poder político

ser limitado em sua intensidade e extensão) e a autoridade é sempre responsável.

No caso da autoridade política no Estado de Direito, impõe-se que seja legal, mais que legítima (ainda que no mais das vezes, o conceito de legitimidade contenha o de legalidade), por isto sua fonte, seus meios, seu alcance e limitações necessitam ser especificamente definidos em lei, não devendo depender dos costumes ou de interesses momentâneos da coletividade como sucede em formas mais primitivas de comunidades simples.

Nas sociedades mais complexas e populosas, a noção de legitimidade inclui a de legalidade. Por isto, a rotura do estado de direito deve ser um acontecimento político transitório porque anárquico e caótico. O mesmo se dá no que respeita à limitação da autoridade. Nas sociedades simples e primitivas, a tradição é a fonte da autoridade e de sua limitação; nos Estados modernos, este papel é desempenhado unicamente pela lei e pela vontade dos cidadãos expressa nas eleições livres e limpas (e não nas pesquisas, veja-se bem).

As doutrinas anarquistas, muito do gosto das camadas médias da sociedade, repelem toda autoridade e todo mecanismo de controle social (ao menos, enquanto não detêm o poder). Submetidos ao mpoder de daqueles que inveja e cuja posição sonha assumir, proclamam toda autoridade como autoritária, totalitária e arbitrária e têm todo controle social como exercício de tirania. (Ao menos enquanbto não passam a exercer o poder). Estes exageros, como os demais, não correspondem à realidade nem têm utilidade social, embora se saiba que as vantagens do poder criam uma necessidade em seus detentores que passam a agir em função delas e tendem a se perpetuar naquela situação. E que muito facilmente se abusa dos instrumentos de controle social. Isto costuma acontecer em mudanças súbitas do poder, quando este passa a ser inteiramente controlado por pessoas convencidas de que têm a razão, não estão habituados às regras de controle e aos procedimentos de contensão de seu poder (que legitimam sua autoridade); e, por isto, tendem a super-simplificar os ritos limitadores do exercício da autoridade, quase sempre incorrendo em procedimentos arbitrários e tendendo muito facilmente para o totalitarismo; chegando a praticar atos de governo que consideram inaceitáveis em seus adversários.

Apenas como exemplos típicos, a história mostra que isto aconteceu naa inquisições católica e protestante, na revolução burguesa (o período de terror revolucionário na França), no poder bolchevique e no governo nazista, como em muitos outros momentos. O que leva a concordar com a opinião de JACOBI que nenhum animal é tão perigoso e destrutivo quanto um ser humano convencido de que tem razão (ou, o que é muito pior, com a certeza que tem a razão).

11

Page 12: 4. poder, poder social e poder político

Poder e Autoridade, Autoritarismo e Totalitarismo

Estes dois pares de conceitos políticos

Autoridade é o instrumento jurídico e psicológico pelo qual o agente de um certo poder e o exerce legitimamente em todos os seus sentidos; tanto como procedimento inter-pessoal quanto como processo político-social. As relações interpessoais são sempre intermediadas por algum tipo de autoridade (isto é, certo grau de dissimetria), ainda que isto possa não ocorrer em todas as manifestaçòes de uma mesma relação. Tampouco, pode existir organização social sem alguma menifestação de poder e autoridade.

Em ciência política, do ponto de vista da civilização, poder e autoridade são fenômenos complementares e não podem ser dicotomizados nas sociedades civilizadas regidas democraticamente. No plano psicológico, o conceito de autoridade diz respeito ao valor reconhecido em uma pessoa ou organização (uma autoridade científica, por exemplo) que fundamenta sua influência nas decisões e nas ações das outras pessoas neste organismo social.

Embora tenha uma inquestionável dimensão pessoal e psicológica bem mais ampla que a de poder, o conceito sócio-político de autoridade está umbelicalmente ligado às noções de poder, papel social e de política (conceitos nos queis se origina). De política, ao menos naquela dimensão deste significante que implica na administração do poder público, na coerção social e na origem e no manejo do poder político estatal ou, de qualquer maneira, institucional.

O poder e a autoridade são o fundamento das instituições, principalmente do Estado, posto que é possível haver autoridade sem poder, como acontece em muitas relações interpessoais e em certas situações políticas ditatoriais, casos em que se caracteriza o poder sem autoridade, porque a autoridade é unicamente expressão do poder político legítimo. O que hoje quer dizer poder democrático e, cada vez mais, quer dizer poder civilizado.

Todo poder político legítimo e legal se expressa por autoridade, enquanto o poder ilegítimo (em sua origem ou manifestação) se denomina poder autoritário ou totaliário. A noção de autoritarismo decorre da ilegitimidade original do poder. O autoritarismo se diferencia do arbítrio ou abuso do poder, fenômeno que se dá quando alguém usa o poder legal e legitimamente fundamentado para além de sua competência ou de sua jurisdição. A autoridade autoritária abusa do seu poder praticando atos cujo poder vai além da intensidade que seu papel lhe permite fora dos limites estabelecidos.

12

Page 13: 4. poder, poder social e poder político

Quando o abuso do poder se amplia muito, não deixando qualquer margem à vontade e à liberdade das pessoas submetidas a ele, isto deve ser denominado de totalitarismo. O poder totalitário pode pretender abranger todas ou quase todas as manifestações das liberdades individuais, não deixando qualquer opção ao indivíduo.

Há um antigo adágio que diz: queres conhecer o vilão, põe-lhe um chicote na mão. É bem assim.

Autoridade e Responsabilidade

A obrigação de responsabilidade é característica essencial da autoridade e elemento importante que a diferencia do arbítrio, (poder arbitrário). Toda autoridade deve responder pelas consequências de seus atos de poder (e omissões), principalmente pela sua manutenção nos limites legais de extensão e intensidade. Por isso, toda autoridade política carece de mecanismos que fiscalizem sua ação e a contenha em seus limites legais (a participação da cidadania e os contra-poderes legais). Responsabilidade é a faculdade de responder pelos próprios atos e decisões. Principalmente de responder pelas infrações legais e de idenizar prejuízos que eventualmente possa ter causado a outrem. Nos sistema democráticos todos devem ser responsáveis, principalmente as autoridades.

Para WEBER existem três tipos de autoridade: a tradicional, a carismática e a racional-legal. A autoridade tradicional é típica das sociedades primitivas e se legitima por meio dos valores tradicionais cultivados por aquelas pessoas, inclusive suas crenças religiosas. Mais tarde, na medida em se aperfeiçoa a cultura e os recursos de que dispõe, surge a institucionalização racional da estrutura de poder, e as autoridades se configuram no contexto da construção do Estado de direito.

Em ambos os casos, a responsabilidade da autoridade é decorrência de como ele presta contas a quem é responsável pela origem de seu poder. O líder carismático é aquele que se impõe pelas suas características pessoais e pela confiança mais ou menos cega das massas; ele mesmo é a fonte de seu poder. Por isto, não se responsabiliza pelas suas ações de autoridade diante de nenhum mecanismo institucional, a pretexto de dever contas apenas às massas que cultuam sua personalidade. Por isto mesmo, os dirigentes carismáticos tendem para a ditadura, o autoritarismo, a arbitrariedade. Qualquer que for a natureza do poder político, se ele for exercido sem responsabilidade não passa de arbítrio, não é autoridade (ainda que seus detentores e seus áulicos detestem que isto se faça público pois, quanto mais arbitrário é o agente do poder, mais ele aprecia ser denominado autoridade).

Existe uma diferença sutil entre um funcionário público investido de autoridade pública (tal como um delegado de polícia, um juíz, um diretor de escola) e um agente de autoridade (como o agente

13

Page 14: 4. poder, poder social e poder político

policial) que ilustram bem este apego pelo eufemismo. Se o título de um mandatário for Presidente Constitucional, desconfie-se que é um ditador. Da mesma maneira, deve-se denominar arbítrio ao poder individual exercido socialmente. Toda autoridade, isto é, todo poder legítimo se submete à prestação de contas de seus atos e convive com mecanismos políticos moderadores e moduladores de sua ação.

Relação de Poder e de Autoridade

Considerando-se, muito ampliadamente, o poder como a uma manifestação do império da vontade de um agente social sobre outrem (e não apenas como fundamento de autoridade política nas instituições), o conceito pode ser aplicado a quaisquer relações humanas, inclusive nas relações alguém consigo mesmo expresso no auto-domínio e auto-controle.

No entanto, com o sentido de fenômeno sócio-político com o qual se emprega aqui, o poder se restringe aos fenômenos sociais, a uma manifestação das relações sociais diante do poder coletivo.

Pode-se empregar o conceito de poder político para manifestar a interação de entes sociais, quando um, por causa de seu status superior exerce algum domínio sobre o outro que lhe fica subordinado, o que se pode denominar relação de poder.

No caso do poder social ou, mais especificamente de poder político, o conceito que expressa a relação sócio-política de domínio que o poderoso (indivíduo ou entidade coletiva) exerce sobre o indivíduo ou coletividade que se submete (ou é submetido) a ele. Contudo, a noção de relação de poder é um conceito político-social e deve ser encarado objetivamente como uma qualidade dos processos políticos e não para todas as relações sociais. Por isto, no terreno político-administrativo, deve-se considerar explicitamente a questão da legalidade da autoridade e de seus limites; a legitimidade, por causa de sua subjetividade, deve ficar restrita à análise individual.

Como manifestação da psicologia geral (individual), o poder se manifesta nos atos voluntários, na atividade conscientemente determinada e motivada, nas condutas exercidas com a finalidade de atingir algum objetivo a que o indivíduo se propõe, mas nas relações interpessoais isto acontece, sobretudo, nas interações do detentor com o objeto do poder, entendido, sempre, como uma qualidade coletivamente determinada e socialmente praticada; por isto, um dos elementos da psicologia social.

No domínio da psicologia social, de uma maneira um tanto generalizada, há quem aplique neste caso o conceito político a todo poder social e afirme haver uma relação de poder naquele relacionamento, tanto em se tratando do poder em uma coletividade, quanto quando se tratar de em uma modalidade qualquer relacionamento inter-pessoal, desde que, nas relações

14

Page 15: 4. poder, poder social e poder político

entre dois ou mais indivíduos, alguém tenha a capacidade de mandar e o outro ou os outros, tenha o dever de obedecer (ou a impossibilidade objetiva ou subjetiva de desobedecer, o que representa mais ou menos a mesma coisa). Mas, como se viu antes, neste último caso, seria melhor falar em relação de poder pessoal, de superioridade individual, de influência ou de dominação em vez de relação de poder (porque esta designação presume relações políticas). Quando os fenômenos psicossociais de dominação x submissão e dominação são denominados relações de poder isto se caracteriza sempre por uma relação interpessoal ou intergrupal dissimétrica não compensada. Quando os agentes sociais em interação têm autoridade igual ou equivalente, diz-se que sua relação de poder ou autoridade é simétrica; quando um deles detem mais autoridade que o outro (ou os outros) sua relação é dissimétrica.

Uma relação interpessoal ou inter-grupal deve ser chamada de relação simétrica as interações que acontecem entre pessoas ou grupos que têm poder igual ou análogo que, por isto, se relacionam com igualdade (independente da natureza deste poder). Nas relações simétricas, os integrantes (sejam indivíduos ou detentores de um certo papel social) devem ter autoridade igual ou equivalente. Técnicamente, não existem relações de poder nas relações interpessoais sejam ou não simétricas e, por isto, desierarquizadas; a noção de relação de poder (quando se refere ao poder político) deve ser aplicada em certas relações sociais: as relações sócio-políticas.

O poder define a simetria e a assimetria das relações interpessoais e sociais. Diz-se que as relações entre dois indivíduos ou dois grupos são relações dissimétricas ou relações assimétricas, quando um deles pode constranger o outro sem ser constrangido por ele; quando um deles é potencialmente capaz de determinar o comportamento do outro, por ter mais poder que ele e, consequentemente, mais autoridade.

A simetria e a assimetria (ou dissimetria) das relações de poder se manifestam na igualdade ou na maior ou menor desigualdade que podem ser verificadas no relacionamento das pessoas que estão investidas de autoridade quando interagem formalmente. A simetria e a dissimetria se manifestam tanto nas relações de poder inter-individual, quanto do poder imediato ou do poder institucionalizado, mas seu emprego é bem mais adequado quando se refere a uma relação de papéis e não a uma relação de pessoas, isto é, uma relação institucional. Contudo, não é conveniente reduzir a política ao poder e considerar como política qualquer maior ou menor influência que uns indivíduos ou grupos exerçam sobre outros.

15

Page 16: 4. poder, poder social e poder político

A Autoridade da Autoridade

Como acontece com as noções de poder e poderoso, no conceito de autoridade, se confundem o poder e seu agente. Na linguagem comum, a noção de autoridade encerra estes dois sentidos. Já em sociologia política, as noções de poder e de autoridade aceita, reconhecida e limitada são complementares e inseparáveis. A expressão autoridade legítima é completamente redundante. Em tese, pode haver poder sem legitimidade, não pode haver autoridade ilegítima; a autoridade pressupõe a legitimidade e a legalidade.

A autoridade se manifesta sempre em um agente social que a encarna, o detentor da autoridade. Nos sistemas sociais limitados (nos pequenos grupos sociais e em muitas associações, comunidades e organizações), a autoridade se manifesta apenas em seus dirigentes, os líderes, cuja origem e poderes são dados pela tradição. No entanto, a tradição não é suficiente nas organizações sociais mais complexas, exigindo-se o império da lei como fator que define a origem, o poder e a delegação de toda autoridade.

Nos Estados democráticos republicanos, a autoridade pressupõe a impessoalidade de seu agente, que não deve ser confundida com sua pessoa. Entretanto, pode-se observar que, quanto mais ilegítimo e ilegal for o poder, tanto mais fortemente ele é personificado, inclusive pelos áulicos, como acontece no culto à personalidade dos ditadores de todas as tendências.

No plano político, quando se trata da atribuição ou delegação de alguma autoridade a um funcionário eleito ou da carreira, é a função social exercida pelo funcionário a quem se atribui autoridade e não ao seu ocupante individualmente, como acontece na aristocracia.

Mais adiante, em outro momento deste trabalho (quando se tratar dos aspectos sócio-antropológicos da Medicina há de se considerar algumas questões de liderança e autoridade nos sistemas sociais limitados (inclusive nas organizações sanitárias e estabelecimentos de saúde). A seguir, trata-se desta questão como fenômeno político mais difuso.

Na democracia quem ocupa uma posição de autoridade e desfruta a autoridade daquela função, é quem decide, define, programa e executa as políticas do governo nos limites da legalidade. Nos governos parlamentares isto é feito pelo parlamento e pelo gabinete. Nos governos presidencialistas, pelos presidentes, governadores, prefeitos e seus funcionários de confiança. É da própria natureza destes sistemas que isto se faça assim, independente de quem exerça o poder.

16

Page 17: 4. poder, poder social e poder político

Pode-se acreditar que a modalidade parlamentarista de exercício governamental permita uma maior participação dos grupos e comunidades politicamente organizados na prática do poder, embora limitem o poder de representação das minorias. No entanto, a escolha majoritária dos eleitores do distrito reduz a importância do voto comprado e aumenta o vínculo de compromisso entre o eleito e seus eleitores.

No sistema parlamentar, o voto distrital assegura que o eleito seja um representante de um segmento definido da população e ele nunca sabe quando voltará a necessitar de seus sufrágios, por causa do instituto da dissolução do parlamento que nem sempre lhe permite dispor de tempo para se reabilitar. Já quando se trata de governos e governantes presidencialistas, eles tendem a ser personalistas, pela própria natureza de seu mandato obtido em eleições diretas e, por isto, se inclinam a dificultarem a participação popular cidadã nas decisões do governo. Além de tenderem a se fazerem proprietários da entidades social que governam. O presidencialismo é uma monarquia com tempo certo e uma tentação para o poderoso e seus áulicos de a extenderem pelo tempo que poderem.

O mesmo acontece com o voto proporcional dos parlamentares. Poder obter votos em um grande contingente eleitoral, faz com que os eleitos se sintam bem mais comprometidos com seus esquemas político-publicitário-financeiros do que com o eleitorado.

É bem conhecida a história do deputado que procurado por um prefeito para defender um pleito de seu interesse, negou-se a atuar como se lhe pedia. Diante da alegação de que fora votado com tantos votos no municipio, consultor sua agenda e retrucou: Paguei tanto por cada um deles. Inclusive a Você que recebeu tal quantia. E encerrou o assunto.

Fontes do Poder Político

Poder, participação e controle social são fatores inerentes aos sistemas sociais que não podem existir sem eles; mas não devem ser considerados como detentores de algum valor por si mesmos. São instrumentos sócio-políticos e, como todos os instrumentos, não são bons ou maus. Bom e mau são juízos de valor que as pessoas fazem quando avaliam alguma coisa e, principalmente, o emprego que se faz daquilo. Como bom ou mau é o emprego que se faz deste instrumento.

Em sociologia política, em geral, os juízos de valor que se fazem sobre os fenômenos sociais se referem ao uso que se faz deles (poder, participação, controle social) ou ao resultado de seu emprego sobre os indivíduos ou sistemas sociais. (Sem falar que um acontecimento social deve

17

Page 18: 4. poder, poder social e poder político

sempre ser avaliado em uma perspectiva relativa, pode ser ótimo para uns e péssimo para outros).

Considerando-se as fontes do poder social, isto é, aquilo que determina que algumas pessoas ou coletividades tenham mais poder que as outras, deve-se diferenciar três origens ou fontes principais do poder político nos sistemas sociais, mas, principalmente nos sistemas sócio-político: a força, a riqueza e a sabedoria.

Cada um destes atributos constituiu, a seu tempo, a fonte mais importante de poder.

a força (não apenas força física, mas outras superioridades capazes de resultar em poder, inclusive o exercício de funções de autoridade),

a riqueza, e

a sabedoria que inclui a informação e a tecnologia (entendida como aplicação do conhecimento).

Ainda que se deva destacar que cada um destas fontes de poder pode assumir formas e aparências diferentes em cada caso concreto de poder individual ou social em que se manifeste.

Como se vê, as fonte de poder social reunem todos os atributos que podem determinar autoridade ou proporcionar a alguém a possibilidade de iunfluir sobre as ações e, principalmente, sobre as decisões dos outros.

Força, riqueza e sabedoria são, em última análise, instâncias progressivamente mais evoluídas de origem de poder. Embora todas elas devam estar presentes na origem de todas as manifestações de poder, o predomínio de cada uma delas representa uma etapa das instâncias mais primitivas, baseadas na força, até as mais civilizadas (baseadas no saber).

Todo e qualquer poder, individual ou social, se origina de alguma combinação destes três elementos essenciais, sendo possível que um deles exerça predomínio relativo, que pode ser maior ou menor em cada situação concreta.

Adiante, quando se tratar de conhecer algo sobre as estruturas de poder há de se verificar que as fontes do poder são mais importantes pela sua origem (indivíduo, grupos de interesses, associações ou a sociedade toda) do que pelos meios acima de que se valem para assumir o controle político do sistema social (principalmente quando se trata do poder estatal).

18

Page 19: 4. poder, poder social e poder político

É bastante provável que cada uma destas fontes de poder - fôrça, riqueza e sabedoria – a última corresponda ao momento mais evoluído da sociedade humana – a civilização.

Objetivos do Poder Político

O poder social objetiva a satisfação de algum interesse que varia de acordo com o sistema social onde se concretiza e com as necessidades de seus atores sociais. O poder se dirige para finalidades que podem ser objetivas e subjetivas. E que se traduzem, ambas, pela situação de superioridade de alguém detentor daquela qualidade em relação aos demais.

O que se discute é se esta superioridade é um fenômeno basicamente individual ou social, psicológico ou ideológico. Noutro plano, o poder pode ser dirigido para atender aos interesses de todos (o poder democrático), de alguns poucos (a oligarquia), ou de um só indivíduo (a monarquia).

Discute-se muito a natureza primária dos interesses do poder; se seriam fenômenos de natureza objetiva ou subjetiva. Os dois pontos de vista têm defensores mais ou menos entusiastas (objetivistas e subjetivistas). Como em outras dicotomias análogas, é bem possível que ambos os fenômenos correspondam à realidade, o que parece correponder à verdade. Aparentemente, existem situações específicas nas quais há predomínio de um destes tipos de motivo, mas, na maioria eles coexistem como um amálgama muito difícil ou impossível de ser separado.

Existem duas posições opostas quanto a isto:

- a dos individualistas,

- a dos coletivistas e,

- uma terceira, dialética, que pretende sintetizar as duas.

Do ponto de vista objetivo, um indicador precioso para se conhecer quem tem o poder real em uma estrutura de autoridade, é procurar saber quais os interesses que estão sendo satisfeitos por ela; quem se beneficia concretamente de sua ação? Os mesmos agentes de poder que negam recursos para a educação, a saúde e a previdência podem subvencionar fortemente bancos, indústrias e outras grandes empresas. Independente do que digam ou escrevam, o poder real está evidente.

No plano individual e psicológico, existem dois objetivos de caráter subjetivo que impelem as pessoas à luta pelo poder:

- a possibilidade concreta de realizar projetos sociais ou políticos (mais altruístas que egoístas) e

- a busca de prestígio e outras vantagens pessoais (subjetivas ou objetivas) que advêm do exercício do poder.

19

Page 20: 4. poder, poder social e poder político

Muitas personalidades narcisistas buscam o poder principalmente por causa do prestígio e importância que ele acarreta; personalidades histriônicas buscam-no para se exibir; personalidades anti-sociais, para deles se servirem em seus propósitos ego-centrados. Mas seria bastante errado supor que a procura e necessidade de poder teria sempre uma motivação patológica. A luta pelo poder é uma característica essencial e geral dos indivíduos da espécie humana.

Em princípio, quanto mais individualistas e egoístas forem os padrões morais e modelos de conduta da sociedade, tão mais individualistas e egocentrados haverão de ser os políticos que ela produz. Assim como, quanto mais tolerante for a cultura para com a desonestidade, mais desonestos serão seus políticos (e também seus médicos, advogados, comerciantes, enfim, todo mundo).

Poder Político e Hegemonia

Em grego, hegemônia é a forma nominal do verbo guiar, conduzir. Na Grécia antiga, a hegemonia política significava a influência que um Estado (a Cidade-Estado grega) exercia sobre os demais que se confederavam com ele sempre com algum objetivo defido. Em geral, uma guerra.

Nos processos de liderança grupal, pode ser denominada hegemonia a influência maior ou menor que um de seus componentes exerce sobre os demais levando-os a acompanhá-lo ou a seguir suas opiniões.

Nas relações entre as classes sociais, pode-se denominar hegemonia à maior influência que a classe dominante exerce sobre as dominadas. Em política internacional, o termo mantém idêntico significado, traduzindo poder e a influência que um Estado soberano exerce sobre outro ou outros em sua esfera de influência política internacional. Em geral, na política internacional, a hegemonia política costuma ser uma decorrência política de um certo sistema econômico que tende a expandir sia influência e seus mercados, seja na intimidade de um Estado, nas relações entre suas regiões e suas classes sociais, seja nas relações econômicas inter-estatais.

A hegemonia política é uma manifestação política da supremacia econômica; mas, pode exteriorizar outra forma de autoridade, como a influência ideológica (como a influência do Vaticano na Europa medieval e moderna). Na medida em que a cultura é um artefato ideológico e que não é possível distinguir os limites exatos entre o que é ideológico e o que é psicológico, a noção de hegemonia cultural, tem este significado ideológico e inconsciente e, geralmente, é fruto da hegemonia econômica e política; indica a preponderância e a maior importância que uma dada cultura, a dominante, atribui aos seus próprios valores e como se comporta em relação aos valores das demais culturas, as dominadas.

20

Page 21: 4. poder, poder social e poder político

Num segundo sentido de hegemonia política, a expressão pode ser aplicável a um contexto social menor, neste caso, a palavra significa a importância maior ou menor que alguém possa exercer no poder de decisão política que um grupo social, partido político ou Estado; ou a influência que uma destas coletividades organizadas é capaz de exercer sobre os seus aliados em um processo de aliança política ou na gestão dos negócios do governo. Neste sentido, hegemonia significa participação política decisiva, prioritária. A hegemonia é uma manifestação do poder ideológico dos indivíduos ou coletividades tidas como imitáveis pelos demais.

Como fenômeno psicossocial a hegemonia é o processo pelo qual uma entidade social, seja sociedade, classe, grupo ou pessoa assume o papel de modelo para as demais, passando a ser imitada e copiada (ou, ao contrário, induzindo comportamentos exatamente opostos, que é uma forma disfarçada de imitar); neste processo, o ente social que serve de modelo exerce sempre alguma dominação ideológica, cultural, psicológica e política, ainda que este caráter político não seja declarado ou direto. Pode ser, por exemplo, justificado pela religião, pela doutrina política, pela etnia comum ou outra desculpa, o que põe a descoberto a impossibilidade de serem separados os elementos subjetivos e objetivos na análise dos fenômenos concretos.

Como fenômeno psicológico, a questão da hegemonia interessa principalmente à psicologia social. Até porque não parece haver possibilidade de ser estabelecido um limite definido e expresso para as dimensões sociais, políticas e psicológicas de uma determinada conduta ou de um dado fenômeno. Em cada acontecimento social ou individual, todas estas dimensões se confundem.

O fenømeno da hegemonia é uma dimensão política, ideológica e psicológica daquilo que a liderança significa em termos da dimensão inter-individual da Psicologia Social e do relacionamento inter-pessoal, designando o poder político e a autoridade que uma classe, um estado ou outro sistema social complexo exercem sobre os demais ou sobre o conjunto social total. No plano psicológico-individual, a hegemonia implica, sempre, em um certo grau de influência ou dominação política e cultural sobre um indivíduo ou uma coletividade, mas se manifesta mais poderosamente como um sentimento de submissão do dominado.

Instrumentos Políticos da Sociedade

O instrumento social mais abrangente em que se manifesta o poder político é o poder estatal; numa esfera de alcance mais reduzido, situam-se as organizações e instituições sociais específicas (governo, forças armadas, organismos judiciais e policiais, além de outros); finalmente, a política se manifesta em sua instância de menor alcance, na luta pelo poder em todos os segmentos da vida social. Antes de aparecer o Estado, entendido como instrumento e

21

Page 22: 4. poder, poder social e poder político

agência evoluída do poder político, existiu o poder familiar que se confundia com o poder das comunidades primitivas, o poder da horda nômade e o poder tribal.

Nos Estados africanos, a organização pré-estatal tribal é impede à modernização. Foi a organização tribal africana que propiciou e revigoração das instituições escravistas entre os séculos desesseis e dezenove. A cultura tribal africana praticava o escravismo milernarmente. Por isto, quando os europeus se estabeleceram com empresas comerciais na costa do continente, os comerciantes árabes passaram a lhes vender os escravos comprados das tribos. O que, naturalmente, incrementou o processo de escravização.

O poder estatal se concretiza nos diversos organismos governamentais e nas instituições existentes em seu interior. Mas se manifesta também nas ideologias e aparatos ideológicos que originam, modelam e mantém o poder e as relaçòes de poder no interior dos sistemas sociais.

No entanto, não se pode crer que estes fenômenos sejam passivos e estáticos. Ao contrário, são dinâmicos e seu dinamismo é garantido pela sua possibilidade de mudança, inclusive de mudanças dos interesses sociais hegemônicos. O primeiro momento do poder é convencer aos outros (principalmente seus adeptos e instrumentos) de que ele é real e forte. Adiante, há de se ver que a dinâmica social costuma ser assegurada pelas contradições estabelecidas entre os diversos interesses sociais através de um conflito entre o Estado e a sociedade civil.

Poder e Mudança

Ao menos em princípio, não pode haver qualquer mudança significativa nos sistemas de relações sociais, que não seja propulsada por alguma forma de poder, porque toda situação social surge e se mantém como atividade de poder. Do ponto de vista da ação política, uma das facetas mais importantes do poder, é a possibilidade de mudar a situação social através de alterações mais ou menos importantes da ordem social. O poder de mudar, total ou parcialmente, uma situação política pressupõe a superação no poder ou do poder que o mantém por outro que encarne o desejo político da mudança. Entretanto, a política também encerra a possibilidade de manter o que está estabelecido, de conservar a situação social como ela estiver.

Na teoria e na prática políticas se confrontam os interesses conservadores e os que têm interesse em mudar o que está estabelecido.

Poder e Contrapoder

A noção de contrapoder é uma exigência da necessidade civilizada (mais que democrática) de manter sob controle a ação dos agentes

22

Page 23: 4. poder, poder social e poder político

da autoridade institucional (nas organizações ou nas sociedades complexas), constitui-se nos instrumentos políticos que enquadram e mantêm sob fiscalização a atividade dos agentes da autoridade. Nas organizaçòes sociais simples, como empresas com alguns sócios que conviveme permanentemente, as diferenças de opinião são objeto de comunicação permanente e, por isto, elaboradas permanentemente.

Nas sociedades complexas e organizadas, como acontece com os Estados, os contrapoderes são instrumentos frenadores e moduladores do poder político para evitar que se abuse deles. Às vezes, como na organização dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), cada um deles é um contrapoder para os outros dois. Ao mesmo tempo, cada sistema político deve ter seus próprios mecanismos internos de auto-controle. E todos devem estar submetidos a algum tipo de fiscalização pela participação política da cidadania.

Entretanto, ninguém pode ignorar a influência relativamente desproporcional do executivo sobre os outros poderes, principalmente porque controla os cofres públicos. Quando se restringe esta possibilidade de participação à militância em algum tipo de organização que não seja os partidos políticos, isto distorce a igualdade pressuposta em toda atividade democrática e cria um novo tipo de exclusão política, a dos cidadãos que não se organizam senão nos partidos. O que, na prática, consiste em estimular o aparecimento de organizações de fachada não política, mas a serviço do governo (os pelegos) ou a serviço dos partidos (a partidarização da vida civil).

Nos Estados complexos e democráticos modernos, o contrapoder pode ser exercido em dois níveis bem diferentes mas complementares de atividade extra-governamental:

- a oposição política (atividade social dos agentes políticos que confrontam com o governo ou não apoiam sua ação e agem através dos partidos políticos) e

- a sociedade civil (as pessoas e organizações que não estão vinculadas ao Estado ou ao governo).

A rigor, apenas a oposição política corresponde a um exato contra-poder, nos termos em que ele foi posto acima.

Em geral, a sociedade civil deve manter o mesmo perfil da cidadanía frente ao governo.

Quando o Estado é democrático, ao menos a maioria da sociedade civil deve apoiar o governo. A oposição só se identifica com a sociedade civil quando o governo perde o apoio da sociedade, o que acontece em certas situaçòes de crise. Sem falar de que o governo pode ter origem impopular ou antipopular, como acontece nos golpes de Estado militares a serviço de interesses minoritários

23

Page 24: 4. poder, poder social e poder político

As diferentes modalidades de participação política, os processos eleitoriais e a prática parlamentar são a maneira civilizada (e, por isto, democrática) de se concretizar as contradições existentes entre o poder e o contra-poder, entre o geoverno e a oposição, entre os que exercem o poder e os que pretendem exercê-lo (ou julgam que ele deveria ser exercido diferentemente). A rotatividade no governo e, mais que isto, no poder estatal é um dos atributos essenciais da democracia.

Poder e Organização

Apesar da irritação que isto causa em pessoas de vocação anarquista, não pode existir organização de alguma complexidade sem hierarquia; e em todas as organizações hierarquizadas precisa existir, necessariamente, uma disposição dissimétrica de poder e de autoridade nos quadros daquele sistema social, sobretudo entre os quadros dirigentes e em suas relações com os demais. Isto é, não existe ou pode existir qualquer organização humana sem que nela se manifeste alguma forma de poder. Além disto, aparecem as possíveis contradições que podem se dar entre os interesses da organização, como expressão das necessidades da coletividade, e os desejos das personalidades individualizadas são conflitos muito comuns na gestão do poder social; e este conflito necessita ser normatizado e controlado.

Não é possível haver organização complexa sem hierarquia ou hierarquia sem autoridade, nem pode haver autoridade institucional sem que haja relações de poder entre seus agentes e os agentes ou organismos sociais que lhes sejam subordinados. A desigualdade (mas não a injustiça) é exigência cada vez maior da organização social e da civilização. Não existe nem pode existir organização sem poder nem poder organizado sem hierarquia.

Acontece, que existem muitas formas de poder e, pode-se afirmar, como exemplo, que algumas destas relações de poder podem ser impostas ou mantidas pela força (como o conceito aristotélico de poder despótico) ou podem se originar em concessão livremente aceita como exercício da liberdade social pelos interessados. Mas, é muito mais comum que resultem da expectativa culturalmente assimiladas sobre as características dos status e dos papéis dos atores sociais com os quais se interage; de condicionamentos sócio-culturais mais ou menos arraigados na população.

As relações sócio-políticas dissimétricas e as relações de poder não devem ser consideradas boas ou más por si mesmas, porque não devem ter qualquer conotação de valor; muitas vezes representam uma exigência indispensável das organizações sociais e, em nível mais amplo, da própria civilização.

Não existe, nem pode existir civilização sem poder, sem autoridade e sem dissimetria nas relações entre os papéis. Mas a rigidez das

24

Page 25: 4. poder, poder social e poder político

hierarquias pode variar, principalmente em função das circunstâncias e dos objetivos daquela organização específica.

Disciplina é o grau de obediência com que se cumprem as ordens dos superiores e as normas sociais numa estrutura hierarquizada. A disciplina é indispensável à manutenção da estrutura dos sistemas sociais, ainda que possa variar muito em função de seus objetivos e funções.

Numa equipe cirúrgica, por exemplo, na qual a rapidez e habilidade com que seus membros cumprem uma ordem do dirigente pode determinar a vida ou a morte do paciente. Como sucefe nas forças armadas (por outras razões também socialmente aceitáveis) e em muitos outros sistemas sociais que necessitem ser hierarquizados por causa de suas finalidades ou outras características, a autoridade dos chefes e a disciplina do grupo precisam ser maiores que aquelas necessárias em uma equipe de pesquisadores ou em outras formas de organização cujos objetivos e procedimentos não imponham rigidez hierárquica, nem careçam de semelhante autoridade.

Nas organizações de hierarquia rígida (como acontece necessariamente nas forças armadas ou nas organizaçòes religiosas, como na igreja católica romana, por exemplo), quando um membro do sistema é subordinado a outro em um momento de sua trajetória funcional, é extremamente difícil que lhe venha a ser superior em fases posteriores de sua carreira, exatamente para preservar o princípio da autoridade como necessidade das organizações duradouras.

Ao contrário disto, atualmente, no serviço público civil (onde a hierarquia frequentemente se concretiza a partir de procedimentos completamente irracionais, como o rodízio em posições de autoridade, indicações de interesses exógenos ou decisões técnicas tomadas por eleição) pode-se citar dois exemplos muito comuns: a escolha dos dirigentes de fora dos organismos públicos por protecionismo político, parentesco (nepotismo) e a influência de outros interesses privados, compadrio ou cumplicidade (no caso das quadrilhas organizadas);o burocratismo (quando a organização social é posta a serviço de seus funcionários). Os planos de carreira estão mais voltados para os salários que para as funções, é muito comum que um funcionário ao deixar uma função de responsabilidade, passe a ser o último na hierarquia funcional, passando a ser hostilizado e punido não pelos seus erros, mas pelos seus acertos. Principalmente se estes incluiam a defesa mais ou menos intransigente dos interesses públicos frente às pretensões corporativas ou de grupos mais ou menos organizados de funcionários. Um dos fatores de ruína do serviço público.

Frente à disciplina diante do poder, é possivel que assuma duas posições acríticas extremas:

- o conformismo automático e

25

Page 26: 4. poder, poder social e poder político

- o anarquismo que redunda na oposição sistemática.

Posições extremas características da falta ou insuficiência de crítica e que podem decorrer de condicionamentos biológicos e ou psicossociais. Devendo-se registrar que as diferentes tendências reducionistas da cultura (os biologicismos, os sociologicismos e os psicologicismos) procurem puxar as opiniões, cada um para o seu lado. Quando é bastante provável que os casos extremos de predomínio de um único destes vetores sejam relativamente raros e os três exerçam influências simultâneas na maior parte dos casos.

Esta duas posições extremas frente à autoridade nas instituições oficiais, a autoridade rígida e a anarquia, devem poder admitir uma mediania mais eficaz que seja compatível com o momento presente de evolução da sociedade e, no seu interior, da evolução das relações políticas e das instituições políticas. Mas é sobretudo importante que se saiba que não pode haver organização sem autoridade, mas que esta se circunscreve aos limites legais.

A lei deve regular os limites de extensão e de intensidade da autoridade pública.

O recrudescimento atual da deformação anárquica pode ter sido mais fruto da deterioração do princípio da autoridade e da consciência social sobre a necessidade do poder, resultante dos governos autoritários e ditatoriais que o país viveu nos últimos anos.

Como consequência, o povo experimentou um surto de anarquismo como reação pendular ao arbítrio, da mesma maneira que o populismo demagógico constituiu em reação ao elitismo oligárquico.

Não é demais que se repita que o conceito de relação de poder presume, sempre, um contexto político e, por isto um tipo de relacionamento que envolve pessoas, mas é impessoal, a relação de papéis especificamente no contexto político.

Há quem denomine, sobretudo no campo de psicologia social, a autoridade pessoal dos indivíduos nos grupos naturais, como relações políticas ou relações de poder, confundindo os dois fenômenos e os dois conceitos. No entanto, isto, não parece correto, sendo muito provável que este equívoco traduza desconhecimento dos conceitos empregados, incapacidade para manejá-los ou propósito deliberado de torcer os fatos para tirar proveito ou em uma interpretação excessivamente individualista dos fenômenos sócio-políticos.

26

Page 27: 4. poder, poder social e poder político

Quando se faz referência às manifestações de autoridade nas relações interpessoais não institucionalizadas, parece bem melhor denominar esta situação de dissimetria de autoridade na relação interpessoal, de dominação/submissão, de relação de autoridade, de relação de dominação/submissão ou, até mesmo, ainda que sujeito a restrições, de relações de poder; mas, nunca deveriam ser chamadas relações políticas, porque este termo talvez deva ser reservado para designar situações sócio-políticas mais estritas. Para muitos, as noções de assimetria e dissimetria nas relações de poder dependem da legitimidade ou ilegitimidade da autoridade e da estabilidade temporal do fenômeno. Para estes, a desigualdade legítima e legal não deve ser chamada de dissimetria. No entanto, esta noção degradada e pejorativa dos fenômenos de simetria/assimetria, mais parece ser uma concessão ao anarquismo que uma avaliação objetiva.

Quando as relações dissimétricas de autoridade política democrática não são impostas pelo detentor de alguém com poder maior, mas são fruto de uma negociação ou resultam de um procedimento qualquer de compensação entre os interessados, então elas se dividem ou se alternam a curto, médio ou longo prazo, de tal modo que, nesse caso, parece correto que se deva falar em dissimetria de autoridade política ou em relação de poder.

As relações de poder, como fenômenos políticos psicossociais grupais, associativos ou, de qualquer maneira, interpessoais, quase sempre tendem a se exteriorizar como condutas abusivas e ilegítimas, sobretudo quando demoram muito para serem substituídos. Não obstante, isto é diferente do exercício do poder pelo Estado e seus agentes, desde que tal poder seja legitimamente originado e exercido nos limites éticos e legais, onde são indispensáveis. Por causa disto, as relações dissimétricas dos cidadãos na estrutura hierarquizada do Estado democrático são relações de poder legítimas, sempre que caracterizarem o exercício do poder legítimo e baseado no direito que é uma das resultantes do monopólio da violência pelos agentes do poder estatal nos limites da lei.

Na prática política no interior dos sistemas sociais mais ou menos estáveis, principalmente quando a propaganda política é mais uma manobra de marketing do que fruto de avaliação política madura, costuma haver uma pseudo-rotatividade no poder, quando dois grupos (geralmente representados por dois políticos, mas nem sempre, podem ser dois partidos) se alternam no poder, simulando mudanças, mas, na verdade, apenas garantindo que nada mude substancialmente. Devendo-se notar que não se trata de coisa de país subdesenvolvido, parecendo acontecer em toda parte.

No serviço público, é importante que a posição hierárquica do funcionário seja determinada por sua eficiência e não por sua intimidade com alguém poderoso. Porque a desmoralização da

27

Page 28: 4. poder, poder social e poder político

carreira pelo governo e pelos funcionários é o fator mais importante da depreciação dos servidores e do serviço.

Poder e Administração

A administração, onde quer que seja, é uma modalidade de exercício de poder nos sistemas sociais minimamente organizados.

Define-se administração como função do governo, da direção de organismos ou personalidades jurídicas, incumbidos de ditar e aplicar as disposições necessárias para o cumprimento e efetividade das regras (leis, regulamentos, instruções) para conservação e fomento dos interesses daquela organização e para resolver reclamações que lhe cheguem acerca de suas obrigações.

A partir da definição, constata-se que não há, nem pode haver qualquer administração sem algum tipo de exercício de poder, sem algum tipo de hierarquização do poder das autoridades que a exercem. Em política, o conceito de administração se confunde com o de administração pública e com a noção de governo. Os agentes do governo exercem o poder como uma forma de administração; pois, governar é administrar os recursos do poder estatal. A necessidade de gerenciar os negócios públicos do Estado é a grande justificativa para existir governo.

A administração é a maneira de exercer o poder. gerenciando seus recursos. Em geral, os agentes da administração (os funcionários de qualquer categoria que trabalham nela) se incumbem das atividades-meio das estruturas sociais devendo mantê-las em condições de cumprir com a maior eficiência e economia possíveis suas atividades-fim. Por isto, a partir de sua conceituação, torna-se muito fácil qualquer um verificar que a atividade-fim é principal e a atividade-meio lhe é secundária e em tudo subordinada a ela.

Os funcionários administrativos de uma organização social qualquer podem ser chamados genericamente de burocratas, ainda que suas funções e atividades possam ser muito diferentes entre si.

A designação de burocrata, por si só, não deveria constituir agravo para quem quer que seja. Ainda que este termo tenha assumido sentido pejorativo em praticamente todas as culturas contemporâneas desenvolvidas.

Burocracia é o termo que designa genericamente os recursos humanos que se incumbem das atividades-meio de uma organização social produtiva ou que incumbidos de fazer funcionar as organizações administrativas do Estado.

Talvez por causa desta mudança do sentido, a tendência atual é reservar a designação de burocratas apenas para funcionários das atividades-meio; os funcionários das atividades-fim são chamados técnicos. Estas duas atividades diferenciam-se dos funcionários auxiliares sem

28

Page 29: 4. poder, poder social e poder político

qualificação que exercem atividade não especializada (como faxineiros, copeiros, mensageiros).

É necessário diferenciar a burocracia do burocratismo. Burocrtaismo é o desvio ideológico que faz superestimar a importância e a influência dos burocratas nas organizações sociais, inclusive nas organizações políticas. O burocratismo faz com que os agentes da atividade-meio subordinem os agentes das atividades-fim nas organizações sociais. Do ponto de vista funcional, a administração pode ser descentralizada ou centralizada (geográfica e funcionalmente). Também se pode dividir em administração de serviços ou organismos públicos (estatais) e privados. Administração pública e privada. Sendo que, como entidade propriamente política, o interesse deste estudo deveria se restringir às questões referentes à administração pública, aos negócios de governo.

No serviço público, a distribuição hierarquizada da autoridade pode ser delegada a funcionários eleitos ou escolhidos por sua competência demonstrada cabalmente e avaliada segundo critérios comuns a todos.

Do ponto de vista político, interessa conhecer a administração pública e nela devem ser aplicados o que foi mencionado acerca da burocracia, aplicando-se-lhe os conceitos de poder, autoridade, legalidade, legitimidade e organização. Mas é preciso, fundamentalmente, distinguir o que é político-partidário do que é político-administrativo e do que é o interesse dos burocratas.

Administração Pública

A noção de administração pública abrange tanto as decisões e a condução dos negócios estatais (no âmbito da união, dos estados e dos municípios) quanto a gestão de outros organismos detentores do poder público (e gastadores de seus recursos) como as autarquias, as empresas públicas, as fundações de direito público e tantas outras organizações instituídas e mantidas pelo Estado. Ainda que, ao menos no Brasil, muitas empresas privadas, como universidades e faculdades particulares sejam largamente subvencionadas pelo governo de maneira direta ou, indiretamente, através de numerosos recursos mais ou menos evidentes.

Em cada um destes níveis administrativos, podem ser identificados quatro grupos principais de funções:

- administração da ordem pública (polícia, defesa);

- administração da ordem econômica (moeda e crédito, regulação do comércio e sistema bancário, alfândega e tributos) ;

- administração da ordem social (seguridade social, beneficência e assistência social, educação e saúde);

29

Page 30: 4. poder, poder social e poder político

- administração de serviços públicos vinculados à infra-estrutura e de bens necessários ao desenvolvimento sócio-econômico (transportes, comunicações, energia, construção de estradas e outras obras públicas).

O sistema presidencialista é um dos maiores entraves ao desenvolvimento da democracia. Só a ditadura é pior. A despeito do princípio da impessoalidade que deve reger toda atividade na administração pública, na prática, a administração pública se confunde com o exercício personalizado do governo pelo agente do poder executivo nos sistemas presidencialistas (mas que é integrado pelo governo e pela administração como entidades distintas nos sistemas parlamentaristas, o que é muito mais civilizado).

A personalização da administração pública é uma herança da monarquia, uma forma primitiva de poder político. Figuras mais ou menos obsoletas, como primeira dama, são uma sobrevivência destas estruturas políticas antigas e nominalmente superadas.

O presidencialismo também é uma obsolecência política assim, que decorre diretamente da monarquia absoluta. O presidencialismo pluripartidário resuta num gerador de corrupção. Um dos mais interessantes vestígios monárquicos é a figura da mulher do presidente, quanse sempre travestida numa espécie de rainha ou coisa que o valha.

Em princípio, o poder executivo, como governo, mas em especial, como administração pública, sofre o controle externo do poder legislativo (que lhe traça e dita as regras para funcionar, através da legislação administrativa e lhe controla o cumprimento das regras, através dos tribunais de conta); e do poder judiciário (que julga as reclamações quanto à legalidade da gestão administrativa pública).

Acontece que na prática política nacional dos últimos tempos, o executivo além de comprar votos legislativos, ainda legisla por meio de uma aberração doutrinária denominada medida provisória.

Poder de Polícia

Seria muito bom se a força, a violência e a coação pudessem ser abolidas da convivência humana. Como isto não é possível, deve ser disciplinado. Um dos aspectos mais importantes desta disciplina é que a violência deve se constituir em monopólio do Estado e empregado exclusivamente a serviço da sociedade, nunca de interesses pessoais ou setoriais nas sociedades. Este pressuposto civilizado acabou por se transformar em um direito humano e em um critério de civilização. Não há civilização se cada um pode exercer a violência ao seu arbítrio.

30

Page 31: 4. poder, poder social e poder político

O poder de coação do Estado quando empregado para defender os interesses coletivos e sua estabilidade interna se chama poder de polícia e é uma expressão do monopólio da violência pelo Estado, nos estritos limites da lei (nos Estados democráticos). Muitas vezes, a sociedade necessita que se exerça alguma forma de violência, contudo, esta deve ser executada sempre por agentes estatais. Como fator civilizatório, o monopóplio da violência é uma das características essenciais dos Estados modernos. Não se pode admitir a existência de um Estado contemporâneo que permita a particulares o exercício legal da força e da violência como acontece nos Estados feudais. (Aliás, esta é uma das características de feudalidade: a privatização da força e do poder).

No Estados democráticos, os agentes governamentais devem ser investidos da capacidade e dos meios para coagirem aqueles que atuam ilegalmente de modo a prejudicar os interesses coletivos a cessarem esta conduta anti-social. Para isto, devem dispor de poder e de recursos suficientes para cumprirem sua missão repressiva, ainda que não se deva duvidar que a prevenção deve ser a atitude mais correta e bem mais desejável.

Todos os Estados necessitam exercer o poder de polícia para garantir sua estabilidade e segurança e a segurança de seus cidadãos. Contudo, não se deve confundir o poder estatal de polícia com o Estado Policial, que é uma ditadura baseada na repressão policial dos opositores, uma forma de governo ditatorial que se mantém empregando o terror policial e a castração das liberdades públicas e individuais.

As ditaduras militares experimentadas recentemente pelos países da América Latina foram, em verdade, Estados policiais, podendo-se diferenciar nitidamente os militares que se travestiram de policiais dos que se conservaram em seu papel e recusaram a agir como capitães-de-mato (como om militares do império frente à campanha abolicionista).

O poder de polícia deve ser exercido normalmente em todas as instâncias da ação governamental, embora sua manifestação mais conhecida seja a ação dos agentes policiais incubidos de zelar pela ordem pública (o que se confunde com a própria designação de polícia, policial). Talvez seja esta a circustância política mais importante para determinar a repressão às organizações que atuam empregando a violência (e, por sito, se configuram como Estados dentro do Estado) como o crime organizado e as tendência políticas armadas (milícias políticas) sejam quais forem seus objetivos.

Polícia Sanitária

Uma das formas pelas quais se manifesta o poder de polícia do Estado é a Polícia Sanitária. Desde há muito as autoridades da saúde são investidas do poder de polícia para proteger a saúde dos

31

Page 32: 4. poder, poder social e poder político

indivíduos e das comunidades. O banimento da coletividade de pessoas tidas como um risco para a saúde (o que aconteceu com os leprosos, como exemplo mais evidente) e, depois, a quarentena (restrição da liberdade de transitar de animais, pessoas, famílias, grupos humanos ou tripulantes e passageiros de navios) são dois exemplos dos mais antigos e dos mais significativos do poder de polícia sanitária a serviço dos interesses da sociedade.

A autoridade pública que exerce a administração do sistema de saúde, ou qualquer outra autoridade sanitária ou agente seu, para cumprir suas finalidades sociais, pode e deve exercer o poder de polícia sanitária, no âmbito de sua jurisdição, pelo qual obriga a todos que ali residem, trabalhem ou circulem a cumprir as medidas consideradas importantes para o fomento, prevenção e reabilitação da saúde enquanto direito individual essencial, além de elemento importante da segurança coletiva.

Vigilância sanitária é a ação sanitária voltada para o controle da higiene e saneamento do meio especificamente no que diz respeito aos alimentos, aos medicamentos e a outros produtos de consumo nos lares; ultimamente, tem se agregado as medidas de polícia sanitária destinadas a manter a higiene e a salubridade do ambiente de trabalho. Um dos mais confiáveis critérios de subdesenvolvimento, é o subdesenvolvimento da vigilãncia sanitária dos países subdesenvolvidos. O serviço de vigilância sanitária do ambiente (inclusive do ambiente do trabalho e da escola), dos alimentos, dos medicamentos e de outros tipos se concretiza, exatamente, na ação governamental para garantir um mínimo de salubridade à população e deve ser confiado à agência prestadora de serviços de saúde, sintonizando-se com suas diretrizes políticas.

Por muito tempo se criticou que a autoridade da vigilância sanitária no Brasil estava distribuída em diversos ministérios e em muitos outros organismos estaduais e municipais, agora, estão centralizados no SUS.

Mas, desgraçadamente o SUS tem recebido muito menos atenção do que merece dos governos, desde a redemocratização. Os partidos que mais se esforçaram pele inclusão do Sistema Único de Saúde na Costituinte, se notabilizaram pela sabotagem de seu conteúdo. Como também aconteceu com o sistema brasilero de instrução pública nos três grau de sua estrutura.

No capítulo das atividades de vigilância sanitária de medicamentos, alimentos, material de higiene pessoal e ambiental os interesses que confronntam com as autoridades estatais representam muito milhões de qualquer unidade monetária e detêm poder social correspondente à sua fortuna. Inclusive o poder de corromper os funcionários e agentes políticos no poder.

32

Page 33: 4. poder, poder social e poder político

Poder, Autodeterminação e Autogestão

Autodeterminação é, em tese, a capacidade que podem manifestar as pessoas de exercerem, com liberdade, os atos da sua vida civil e fazerem as opções exigidas pelo convívio e interação social independente da opinião dos demais. Como característica da liberdade e do poder, a auto determinação nunca é ilimitada ou absoluta.

Considerando-se necessariamente sua limitação e sua relatividade, o termo autodeterminação tem dois níveis principais de abrangência: um, individual que se confunde com a capacidade civil (que inclui a capacidade de exercer os direitos políticos da cidadania) e outro, coletivo, que diz respeito aos direitos políticos dos Estados que se manifestam na possibilidade de autogestão e autonomia, o que se confunde com a noção de soberania. A noção de soberania encerra o máximo possível de autodeterminação, de autonomia, de capacidade de gerir-se com liberdade.

Por causa da extensão e das implicações do conceito de soberania, só os Estados são ou podem ser verdadeiramente soberanos. Em seu interior, as demais instituições não são, nem podem ser soberanas, embora possam ser autônomas; contudo tal autonomia nunca pode ser completa, por maior que for, ela necessita ser formalmente contida nos limites de sua competência, de suas atribuições legais e de sua jurisdição.

Costuma-se dizer que uma assembléia geral de associonistas de uma empresa ou de associados de uma entidade civil é soberana. Isto é só uma expressão equivocada, ainda que de uso geral. Não é soberana, nunca. Nem pode ser. Não há, nem pode haver entidade civil, associação ou assembléia soberana que possa ser tolerada pelo Estado (por mais ximfrim que ele seja). Aqui, é importante que se saiba, a expressão soberana se resume a uma figura de linguagem a um simples eufemismo. Porque esta alegada soberania é muitas vezes mais metafórica que real, mais eufêmica que jurídico-política, um artifício retórico porque se aplica apenas dentro de limites legais mais ou menos estritos. Trata-se de um eufemismo, uma figura de linguagem, pois de fato, não se trata de soberania, mas de autogestão limitada.

Os conceitos de auto-gestão e de cogestão correspondem melhor a duas realidades políticas que costumam ser descritas imperfeitamente como soberania a autonomia.

Autogestão. Capacidade de auto-regulação e gestão autônoma nos limites da lei que caracteriza as autarquias públicas e as empresas de capital estatal ou privado. A organização estatal prevê alguns organismos que dispõem deste atributo administrativo para lhes facilitar cumprir suas tarefas sociais e atingir seus objetivos administrativos e políticos.

33

Page 34: 4. poder, poder social e poder político

Cogestão quando duas organizações políticas (a união e o estado, o estado e algum municípios ou mais de um municípios) administram conjuntamente uma atividade, um programa ou um serviço.

Autonomia

A autonomia pode ser entendida como poder de se governar ou poder de administrar os próprios interesses. A noção de autonomia se confunde com as noçòes de liberdade e independência e exercer seus direitos. Por isto, por causa da amplitude que requer, ao menos genericamente, a condição autônoma  se opõe à situação de dependência. Autonomia significa plena indetendência.

No caso dos sistemas sociais, com poder se de governar é prerrogativa dos Estados, a noção e o ercício da autonomia se confunde com o conceito de soberania.

O termo autonomia pode ser aplicado a indivíduos ou a coletividades, mas a expressão soberania só deve ser aplicada aos Estados. Autonomia também se emprega em biologia para designar a possibilidade de certos organismos manterem a si mesmos no processo de seu desenvolvimento e, em psicologia, é usado para significar a autonomia pessoal, capacidade de sobreviver sem uma relação imediata de dependência ou subordinação.

Como termo da ciência política, autonomia significa a capacidade de auto-administração de uma entidade coletiva, em geral, como um atributo político de organismos intermediários contidos no Estado: uma unidade dos Estados federativos ou uma organização autônoma como o Poder Judiciário, o Poder Legislativo e esta especialidade do Estado brasileiro criado pela Constituição de 88 que é o Ministério Público (ente jurídico acima de todos os poderes e sem qualquer possibilidade de fiscalização e controle pelos meios participativos). A legislação reconhece a autonomia universitária como uma forma parcial de autonomia no âmbito do poder estatal, mas com âmbito muito mais restrito, como se vê logo adiante.

Autonomia Universitária.

O conceito de autonomia, quando aplicado à universidade ou a outro organismo estatal (que não as unidades federadas ou os poderes da República) quer dizer, na verdade, autarquia. Isto é, capacidade de se autoadministrar nos exatos limites que lhe são impostos pela lei; porque não existe autarquia ilimitada (a não ser a do Estado).

O conceito de autonomia universitária é mais um exercício de eufemismos que consiste no embelezamento e glamourização das palavras em que somos peritos os brasileiros, para agradar a nós mesmos. Como denominar a instrução de educação, por exemplo. E depois brigar para sustentar este contra-senso e os outros que resultem dele.

34

Page 35: 4. poder, poder social e poder político

Contudo a necessária autoridade para reinvindicar a prática da autarquia da administração universitária, decorre da democratização de sua ação, no sentido de estar voltada para os interesses da população e não para os seus. Na universidade, as eleições nem sempre são expressão de democracia. Podem ser seu oposto: o exercício do burocratismo ou outros corporativismos. Entretanto, o pricípio gerador da autonomia universitária deve ser a neritocracia e não, a democracia.

Autonomia Coletiva e Autonomia Individual

Como já se viu acima, a noção de autonomia coletiva se confunde com os conceitos de soberania e aindependência política que são atributos essenciais do Estado desde que esta macro-instituição social apareceu na história da sociedade humana. No interior da sociedade, a noção de autonomia que se pode atribuir a grupos, associações ou comunidades, tem uma caráter essencialmente relativo e deve se referir sempre ao seu alcance, autonomia para que?

A autonomia pessoal ou individual é uma condição que caracteriza uma pessoa que pode decidir livremente sobre seu destino no plano físico, psicológico e social. A autonomia física depende da integridade de seus atributos orgânicos que lhes permitam ter vida independente. A autonomia psicológica manifesta a capacidade das pessoas de decidirem sobre sua vida com liberdade, pressupõe um mínimo de maturidade, sanidade e competência.

A maturidade social se revela na capacidade do indivíduo prover suas necessidades com seu próprio trabalho ou rendimento e se manter como unidade social independente. Por isto, a autonomia individual está sujeita à maioridade civil.

A autonomia econômica (como a possibilidade de prover o próprio sustento) é o fundamento necessário da autonomia social. Autonomia é a capacidade de decidir por si mesmo e administrar seu próprio destino, o que pode se dar em indivíduos ou em sistemas sociais.

Um aspecto fundamental da autonomia individual, do ponto de vista da prática médico, é o princípio bioético da autonomia que garante a todas as pessoas o direito de decidir livremente sobre seus interesses, inclusive exames e tratamentos médicos. Sendo que a liberdade de decidir presume a posse prévia de todas as informações necessárias para que tome uma decisão madura.

A noção de consentimento informado, exigência indispensável para que alguém tome parte como objeto em qualquer investigação, submeta-se a qualquer exame com algum rismo, ou seja subjetido a algum tratamento médico-cirúrgico, é uma implicação direta do reconhecimento da autonomia como atributo essencial dos seres humanos. Uma das consequências mais dramáticas de certos

35

Page 36: 4. poder, poder social e poder político

acometimentos psicopatológicos é a incapacitação para o exercício da autonomia.

Autonomia e autodeterminação. Dois conceitos que podem ser considerados como equivalentes em termos de significado. Mas, nem sempre. Aplicada aos indivíduos, a palavra autonomia tem sabor kantiano e jansenista, tendo uma conotaçnao de completa independência do indivíduo frente à coletividade. Autodeperminação, tem marca socialista e remete à noção de interdependência destas duas entidades.

Dependência Individual e Coletiva

A dependência individual pode se dar em diversos planos da existência desde a dependência e autonomia em relação ao ambiente. Pode ser psicológica, fisiológica, patológica ou social.

Dependência psicológica é a condição ou estado de uma pessoa incapaz de ser psicologicamente autônoma e que necessita de contar mais ou menos incessantemente com alguém, para lhe garantir apoio, consolo ou direção na tomada de suas decisões e em suas opções diante da vida.

Os seres humanos ao nascer apresentam um estado de completa dependência de seus cuidadores, não tendo a menor possibilidade de sobrevivência autônoma. A infância dos humanos é um período demasiado longo, se comparado com a de qualquer outra espécie. E este é um dos fatores que os tornam muito vulneráveis diante das demais espécies que lhe são assemelhadas. Por outro lado, esta inferioridade natural é premissa e consequência de seu potencial maior de desenvolvimento. A humanidade é fruto e condição deste desenvolvimento quantitativa e qualitativamente maior que os das demais espécies vivas: o desenvolvimento mental e o desenvolvimento social.

A dependência coletiva é o estado de falta de autonomia ou de soberania, conforme for o caso, de um sistema social que necessita de outro para existir. O processo de dependência coletiva não se dá apenas no plano material (econômico, político, militar), trata-se de um processo ideológico que guarda alguma analogia com a dependência individual.

Autonomia Social

Autonomia social é a capacidade, a liberdade e o direito de alguém ou de uma coletividade de se reger por suas próprias decisões e leis. No plano pessoal, confunde-se com a autonomia e a autodeterminação individuais. No plano coletivo, a autonomia manifesta a capacidade política de uma entidade social (grupo, associação, organização ou outra coletividade organizada) decidir por si mesma, pela vontade de seus membros. Este direito à

36

Page 37: 4. poder, poder social e poder político

liberdade individual (os às liberdades individuais) se completa no dever de responsabilidade social.

Em sociologia política, a autonomia pode ser entendida com dois sentidos bem diferentes:

a) no maior nível de abrangência - o poder de governar, a capacidade para elaborar suas próprias leis estabelecendo suas ordens econômica, política e social (confundindo-se com independência, soberania); e

b) em um nível mais restrito - é o poder que é atribuído a uma unidade político-administrativa de administrar a si própria e estabelecer, pelo menos, uma parte significativa de suas normas de funcionamento, principalmente de definir o emprego de seus recursos (materiais, pessoais e orçamentário-financeiros).

O primeiro tipo de autonomia se confunde com a soberania e é atributo exclusivo dos Estados soberanos. Este segundo tipo de autonomia é característico dos Estados federativos e das unidades governamentais autárquicas. Aliás, chamam-se autarquias exatamente por desfrutar essa autonomia administrativa, a possibilidade de gerenciar os meios que lhes são atribuídos em benefício de suas funções sociais.

Autarquia é a entidade coletiva que detém a capacidade política, técnica e administrativa de gerir seus próprios recursos. As empresas privadas são exemplos de autarquia.

Desde o século passado se nota a tendência política cada vez mais acentuada das nacionalidades se autonomizarem como Estados soberanos pelo aparecimento dos Estados nacionais. Importa saber que só os Estados podem ser soberanos. A expressão: a assembléia é soberana, muito empregada na lide parlamentar em qualquer tipo de organização social, é uma metáfora, não deve ser entendida ao pé da letra, porque todas às assembleias, menos a constituinte de um Estado, têm limitações exteriores que impedem sua soberania de fato, uma vez que sua autoridade sofre muitas limitações.

Autonomia Universitária

Desde a Idade Média, reconhece-se que os estabelecimentos universitários, por causa da própria natureza de sua atividade, não podem ser contidos por limitações religiosas ou políticas exógenas. Aí surgiu o conceito de autonomia universitária (que, como há de se ver, é um eufemismo um tanto exagerado porque, na verdade, se trata de autonomia que deve ser limitada à esfera didático-pegagógica e a uma modalidade de autarquia administrativa). No caso da autonomia didática e da liberdade administrativa dos estabelecimentos de ensino superior, que estão consagradas na legislação brasileira, para referir um exemplo importante neste momento, a autonomia da universidade não deve ser buscada em

37

Page 38: 4. poder, poder social e poder político

nome da democracia, mas em nome da eficiência por causa da importância que têm o conhecimento, a arte e a investigação científica para o desenvolvimento social.

Na universidade, a automia se justifica porque a ela é (ou deve ser) um instrumento da elite intelectual e científica do povo a serviço da sociedade; e porque é (e necessita ser) uma organização social hierarquizada composta por uma estrutura de pessoal essencial e necessariamente desigual, razão pela qual necessita ser edificada como uma estrutura piramidal que hierarquize funções que exigem méritos desiguais.

A autonomia universitária é função da necessidade que a sociedade tem da universidade, principalmente por causa de suas agências produtoras de conhecimento, mais dos que da tarefas ligadas à difusão de informações e ao ensino de habilidades.

Desde a Idade Média se reconhece que a autonomia política e administrativa é uma necessidade da universidade para levar a cabo eficaz e eficientemente esta sua tarefa social. Mas esta tarefa não pode ser levada a cabo caso se comprometam as condições de concretização de sua atividade fim.

Desde a Idade Média, tem-se como certo que as universidades, por serem indispensáveis à sociedade enquanto organizações sociais geradoras de conhecimento e formadoras dos recursos humanos mais qualificados, não podem e não devem estar submetidas aos humores dos poderosos ou as oscilações políticas na disputa pelo poder estatal e das intrigas dos governos.

Nem devem estar sujeitas a dogmatismos políticos, filosóficos ou religiosos; porque nenhum conhecimento prospera sem liberdade de pensamento. Esta foi e continua a ser a razão e a raíz histórica de sua autonomia. Desde o Renascimento, se tem como certo que a liberdade de ensino é essencial para o desempenho funcional e político da universidade, neste sentido de comunidade acadêmica de professores e alunos em busca do conhecimento.

O caráter democrático dos estabelecimentos públicos de educação pode ser avaliado em função de dois fatores primordiais:

1. a quem serve o produto de sua atividade e quem se serve principalmente de seus recursos; e

2. que cada lugar em cada patamar de sua hierarquia esteja franqueado a todos que demonstrarem estar em condições técnicas, científicas e éticas de ocupá-lo.

O ingresso e as promoções por concurso público são exigências técnicas e políticas que se deve fazer à universidade como justificativa de sua autonomia. E esta regra deve valer para todos os

38

Page 39: 4. poder, poder social e poder político

seus componentes: discentes, docentes e outros funcionários (técnicos, administrativos e auxiliares).

A necessidade social de garantir a conservação, o aperfeiçoamento e o progresso dos diversos ramos do conhecimento humanista, técnico e científico (pelo que isto representa para o desenvolvimento social) fazem da universidade uma organização ímpar e única para a sociedade e justificam a sua autonomia como uma necessidade muito mais da sociedade que dela, a universidade.

Não teria qualquer sentido que a universidade pública fosse autônoma, ainda que não soberana, se não fosse seu significado singular de entidade de elite intelectual e científica e a importância que tem para o desenvolvimento da sociedade (como preparadora de recursos humanos do mais alto nível, do qual os bacharéis e demais graduados são o nível mais baixo), mas como geradora de conhecimentos e cultivadora da atividade científica. Caso se perca ou se danifique gravemente esta função social da universidade, por certo há de desaparecer a razão de sua autonomia, pois se igualaria a qualquer outra repartição, como qualquer outra agência do serviço público.

Caso os seus burocratas não percebam isto a tempo, findarão por perder a galinha dos ovos de ouro. E os líderes do movimento estudantil, se não perceberem em tempo esta realidade, estarão deixando a seus sucessores um triste legado.

39

Page 40: 4. poder, poder social e poder político

40