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5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Processos de difusão e difusão por membranas
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Processos de Difusão
Vamos agora discutir alguns processos de difusão que são
diretamente relevantes para a difusão em células e através de
membranas celulares.
Processos de Difusão Invariantes no Tempo
Equilíbrio
Por definição, no equilíbrio o fluxo é zero e a concentração é
independente do tempo: φ = 0 e c(x,t) = c(x).
Neste caso, a lei de Fick nos dá que:
φ = −Ddc x( )dx
= 0⇒dc x( )dt
= 0⇒ c = constante. (1)
No equilíbrio a concentração é constante, independente do tempo e
do espaço.
Note que dizer que o fluxo é zero não implica que não haja
movimento de partículas. O importante aqui é que o fluxo total ou
líquido seja zero.
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Estado Estacionário
Em um regime estacionário, tanto o fluxo como a concentração são
independentes do tempo, mas o fluxo (o fluxo líquido) não é nulo.
Nesta situação, a equação da continuidade, tcx ∂∂−=∂∂φ , nos
dá:
∂φ∂x
= 0⇒ φ = constante. (2)
O fluxo líquido é constante, independente do espaço e do tempo
(mas note que não é nulo como no caso anterior!).
Neste caso, a lei de Fick pode ser escrita trocando-se a derivada
parcial de c em relação a x por uma derivada total,
φ = −D ∂c∂x
= −D dcdx. (3)
Esta equação pode ser integrada e sua solução geral é
( ),)()( 00 xxD
xcxc −−=φ
(4)
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onde x0 é uma constante de integração que dá o valor da
concentração em algum ponto de referência definido pelas condições
de contorno do problema.
Portanto, em um regime estacionário o fluxo é constante e a
concentração é uma função linear da distância x, como mostrado na
figura abaixo.
Um regime estacionário de difusão pode ocorrer quando houver um
grande reservatório de partículas interagindo difusivamente com um
sistema contendo poucas partículas.
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Porém, num caso mais realista, tanto o fluxo como a concentração
dependem do tempo e do espaço e somente a solução da equação de
difusão pode nos revelar como eles se comportam.
Processos de Difusão Dependentes do Tempo
O estudo das soluções da equação de difusão para situações
dependentes do tempo está além do escopo deste curso. Porém,
vamos apresentar a solução para um caso importante, a saber, o de
uma fonte pontual de partículas.
Este caso corresponde a uma situação física em que se colocam n0
moles/cm2 de partículas na posição x = 0 em t = 0 (pense num pingo
de tinta caindo sobre uma tigela com água).
A solução da equação de difusão para este caso particular para t > 0
pode ser obtida pelo método de separação de variáveis (isto não será
feito aqui) dando:
,4
),( 40 2 DtxeDtn
txc −=π para t > 0. (5)
Esta solução tem a forma espacial de uma distribuição gaussiana
centrada na origem (compare com o que foi visto na aula de Difusão
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Micro). À medida que o tempo aumenta, a distribuição fica mais e
mais espalhada e a sua altura diminui.
A largura (medida pelo desvio padrão) da distribuição aumenta no
tempo como Dt2 , mas a área abaixo da curva permanece
constante (pois o número de partículas se conserva). Isto está
ilustrado na figura abaixo à esquerda.
Na figura da direita, vemos como o valor de c(x,t) se comporta no
tempo para três posições fixas (diferentes da origem). Para cada
posição o comportamento é qualitativamente o mesmo: a
concentração começa como c(x,0) = 0, aumenta para um valor
máximo e então decai se aproximando assintoticamente de um valor
de equilíbrio (este decaimento vai com t-1/2).
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Difusão através de Membranas
Membranas Homogêneas
Estado Estacionário
Vamos começar estudando o regime estacionário de difusão de um
soluto através de uma membrana homogênea.
Vamos considerar uma membrana que separa duas regiões,
chamadas de interior e exterior. A membrana tem espessura d e
separa duas soluções que contém o soluto n nas concentrações cni no
interior e cne no exterior (veja a figura acima).
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A concentração do soluto dentro da membrana é cn(x) (note que
estamos supondo estado estacionário, portanto não há dependência
com t).
Vamos supor que a membrana é homogênea e que o coeficiente de
difusão do soluto n através da membrana é Dn. O fluxo por difusão
das partículas do soluto n através da membrana será indicado por φn.
Como estamos supondo um regime estacionário, o fluxo φn das
partículas do soluto através da membrana é constante e cn(x)
obedece à equação (4),
( ).)()( 00 xxD
xcxcn
nnn −−=
φ (6)
Fazendo x0 = 0, temos:
.)0()( xD
cxcn
nnn
φ−=
(7)
Aplicando esta equação para x = d,
cn(d)− cn(0) = −φnDnd⇒ φn =
Dndcn(0)− cn(d)( ) . (8)
Substituindo este valor de φn em (7) obtemos,
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[ ] .)()0()0()(dxdcccxc nnnn −−= (9)
Esta equação expressa o comportamento da concentração de soluto
no interior da membrana em função de dois parâmetros, cn(0) e
cn(d). Estes são os valores da concentração nas interfaces entre a
membrana e as soluções do lado interior e do lado exterior,
respectivamente (interfaces membrana-solução).
Numa interface membrana-solução, o soluto está distribuído de
acordo com a sua solubilidade na membrana e no solvente.
Vamos supor que o solvente é o mesmo dos dois lados da
membrana, por exemplo, água. Neste caso, define-se o coeficiente
de partição membrana-solução para o soluto n como:
.)()0(
en
nin
nn c
dccc
k == (10)
Este coeficiente mede a razão entre a concentração do soluto na
membrana e na solução, numa situação de equilíbrio. Se kn > 1, o
soluto é mais solúvel na membrana do que na solução; se kn < 1, o
soluto é mais solúvel na solução do que na membrana.
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Por exemplo, como se mede o coeficiente de partição para um dado
soluto n na interface água-óleo? Joga-se água, óleo e o soluto n em
um recipiente e agita-se. Depois de algum tempo, como a água e o
óleo são imiscíveis, o óleo estará flutuando sobre a água (figura
abaixo). O soluto n estará distribuído pelos dois meios conforme seu
coeficiente de partição água-óleo kn. Se ele for mais solúvel no óleo,
sua concentração no óleo será maior do que na água (figura da
esquerda abaixo). Se ele for mais solúvel na água, sua concentração
na água será maior do que no óleo (figura da direita abaixo).
Em termos de kn, a equação (9) pode ser reescrita como
[ ] .)(dxcckckxc e
ninn
innn −−= (11)
Note que esta equação só exige o conhecimento das concentrações
do soluto n nas soluções exterior e interior (cni e cn
e) e do coeficiente
de partição kn.
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A equação (11) permite uma análise gráfica do comportamento de
cn(x) através da membrana. O gráfico da figura abaixo foi construído
supondo que cni > cn
e, de maneira que a concentração diminui
linearmente à medida que cruzamos a membrana do interior para o
exterior (se cni < cn
e, a concentração aumentaria linearmente).
Se kn = 1, a concentração é uma função contínua de x para qualquer
ponto. Se kn ≠ 1, a concentração é uma função descontínua nas
interfaces entre a membrana e a solução.
Em termos do coeficiente de partição kn, o fluxo (equação 8) pode
ser escrito como:
φn =Dnknd
cni − cn
e( ) . (12)
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Define-se a permeabilidade da membrana ao soluto, Pn, como:
dkD
P nnn = . (13)
A permeabilidade é proporcional ao coeficiente de difusão e ao
coeficiente de partição e inversamente proporcional à espessura da
membrana. As dimensões de Pn são:
[ ] [ ][ ]
[ ][ ] [ ]
[ ][ ]
,tempo
ocomprimentocomprimenttempo
áreadD
=×
==P
ou seja, Pn tem dimensões de velocidade (por exemplo, cm/s).
Em termos da permeabilidade Pn o fluxo estacionário através de uma
membrana homogênea é descrito pela equação
φn = Pn cni − cn
e( ) . (14)
Segundo esta equação, a direção do fluxo de soluto é para fora da
membrana (φn > 0) se a concentração do soluto no interior for maior
do que a concentração no exterior. Na situação oposta, o fluxo é para
dentro da membrana (φn < 0).
A equação (14) é algumas vezes chamada de lei de Fick para
membranas, pois mostra que o fluxo por difusão através da
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membrana ocorre no sentido contrário ao do gradiente de
concentração.
Um tipo de transporte de partículas cujo sentido de movimento é
contrário ao do gradiente de concentração das partículas é chamado
de transporte passivo. Portanto, o fluxo por difusão através de uma
membrana é passivo.
Note que o fluxo de soluto é proporcional ao produto da diferença de
concentração pela permeabilidade. Se Pn for grande, dizemos que a
membrana é altamente permeável ao soluto n. Se Pn for pequena,
dizemos que a membrana é pouco permeável ao soluto n. Já se Pn =
0, dizemos que a membrana é impermeável ao soluto n.
O caso Pn = 0 é possível quando kn = 0 (o soluto não é solúvel na
membrana), ou quando Dn = 0 (o soluto não pode se difundir pela
membrana), ou quando ambos são nulos.
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Transiente1
Em geral, quando um soluto se difunde através de uma membrana
existe um período transiente antes que o regime estacionário se
estabeleça. No regime estacionário, sabemos que a concentração
varia linearmente através da membrana, mas como é o seu
comportamento durante o período transiente? Nesta seção, vamos
procurar estimar o tempo de duração do período transiente até que o
estado estacionário seja atingido.
Vamos supor que os valores da concentração no interior e no
exterior da membrana, cni e cn
e, permanecem constantes durante todo
o processo e que a forma inicial da função cn(x,t) é arbitrária como
mostrado na figura abaixo.
1 Esta seção pode ser omitida numa primeira leitura.
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O valor inicial de cn(x,t) é cn(x,0) e o valor estacionário, atingido
após um longo tempo, é cn(x,∞). As condições de contorno são: innn cktc =),0( em x = 0 e e
nnn cktdc =),( em x = d (para t > 0).
Para obter a solução geral cn(x,t) para este problema, devemos
resolver a equação de difusão sujeita às condições iniciais e de
contorno impostas. Como a solução estacionária é uma função linear
em x, podemos escrever a solução geral na forma:
),,(),(),( txcxctxc tnnn +∞=
onde cn(x,∞) é a componente estacionária, dada por (11), e cnt(x,t) é
a componente transiente da solução.
Note que a solução estacionária já satisfaz as condições de contorno
para x = 0 e x = d. Isto implica que a solução transiente deve
satisfazer as seguintes condições de contorno:
.0 para 0),(),0( >== ttdctc tn
tn
Portanto, para resolver o problema precisamos encontrar uma função
cnt(x,t) que satisfaça: (i) a equação de difusão; (ii) as condições de
contorno acima; e (iii) tenha um valor inicial arbitrário dado por
cnt(x,0) = cn(x) - cn(x,∞).
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Os métodos de solução da equação de difusão estão além dos
propósitos deste curso (eles serão tratados nos cursos de Física
Matemática). Para nossos objetivos aqui, basta saber que uma
solução da equação de difusão que satisfaça as condições de
contorno impostas sobre cnt(x,t) é dada pelo produto de uma função
do tipo
sen px, p = lπ/d (l inteiro)
com uma função do tipo
tDp ne2−
.
Isto é, uma solução geral da equação de difusão para este caso é
dada por uma superposição de termos do tipo
( ) tDp nedxl2
sen −π :
( ) ,sen),(1
lt
ll
tn edxlatxc τπ −
∞
=∑= (15)
onde
.122
2
2nn
l Dld
Dp πτ == (16)
Os coeficientes al podem ser obtidos pela condição inicial
( ),sen)0,(1∑∞
=
=l
ltn dxlaxc π (17)
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que é a expansão em série de Fourier de cnt(x,0).
A componente transiente da concentração ao longo da membrana é
dada por uma superposição de termos senoidais com amplitudes
decaindo exponencialmente no tempo (equação 15). As
componentes com valores grandes de l correspondem a oscilações
com grandes frequências espaciais e constantes temporais τl
pequenas (que decaem rapidamente). Já as componentes com
valores pequenos de l correspondem a oscilações de baixa
frequência espacial e decaimento temporal lento (τl grande). A
componente de decaimento mais lento é a de maior τl, que ocorre
para l = 1. Ela é definida como,
τ ee =d 2
π 2Dn
. (18)
Esta componente é chamada de constante temporal (ou constante de
tempo) do estado estacionário, pois é ela que limita o tempo que a
concentração leva para atingir o regime estacionário.
Para uma membrana de espessura d = 10 nm (típica de uma
membrana celular) e para uma difusão com Dn = 10-5 cm2/s (difusão
de uma molécula pequena na água), τee ≈ 10 ns. Este é um tempo
muito curto, indicando que o transiente que precede o regime de
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difusão de estado estacionário em uma membrana celeular é muito
rápido, podendo ser desprezado na maioria das vezes.
Mesmo que o valor de Dn fosse várias ordens de grandeza maior,
ainda assim o valor de τee seria pequeno para uma membrana de
espessura da ordem de grandeza da membrana celular.
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