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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO-RJ
EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) JUIZ (A) FEDERAL DA VARA ÚNICA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE MAGÉ-RJ
INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO Nº 1.30.020.016.000057/2006-49
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo procurador da
República abaixo assinado, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com
fundamento nos artigos 129, III e 225 da Constituição Federal, no art. 5º, caput, da Lei n.º
7.347/85 e nos artigos 5º, III, “b” e “d” e 6º, VII, “b” da Lei Complementar n.º 75/93, tendo por
referência o Inquérito Civil Público nº 1.30.016.000057/2006-49, comparece a este Juízo para
propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de liminar, em face de:
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL - IPHAN, autarquia federal, representada pela Superintendente no Estado do Rio de Janeiro, com endereço na Avenida Rio Branco, 46, 5º andar, Centro, Rio de Janeiro-RJ;
INTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL – INEPAC, autarquia estadual, representada por sua Diretora-Geral, com endereço na Rua da Ajuda, nº 05, 14º andar, Centro, Rio de Jneiro-RJ;
MUNICÍPIO DE MAGÉ, pessoa jurídica de direito público interno, a ser citada na pessoa de seu Prefeito, na Praça Dr. Nilo Peçanha, s/nº, Centro, Magé, RJ;
pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos:
Av. Nilo Peçanha, nº 31, Centro, Rio de Janeiro/RJ, CEP 20.020-100, Telefone (21) 3971-9532
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 2
1. DO OBJETO DA PRESENTE AÇÃO
A presente ação civil pública objetiva a preservação do valor
cultural do patrimônio formado pelas ruínas da Igreja Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim,
situada na localidade de Bongaba, distrito de Piabetá, no Município de Magé.
Embora não haja tombamento consumado, cabe proteger, na via
judiciária, bem inegavelmente integrante do patrimônio histórico arquitetônico nacional,
impondo-se aos demandados a adoção das medidas necessárias para a preservação da integridade
desse valioso patrimônio cultural.
Na hipótese, conquanto o IPHAN, o INEPAC e o MUNICÍPIO DE
MAGÉ reconheçam o valor cultural do monumento em questão, todos omitem-se no
cumprimento de seu dever constitucional e legal de proteção ao patrimônio histórico-cultural,
não adotando as medidas concretas, nem mesmo junto ao proprietário do bem, com a finalidade
de impedir a deterioração da sobredita edificação.
Diante da inércia reiterada desses órgãos públicos de proteção ao
longo dos anos em zelar por esse patrimônio histórico e cultural, em clara ofensa ao disposto no
art. 216, IV e V, da Constituição Federal, não resta ao Ministério Público Federal outra
alternativa senão a propositura da presente ação.
2 . DOS FATOS
2.1 Do Valor Histórico do Bem
Nos séculos XVIII e XIX, a região do fundo da Baía de Guanabara
foi cenário de vital importância na vida econômica do Brasil. No território atualmente ocupado
pelos Municípios de Duque de Caxias e Magé, existiam portos fluviais através dos quais
realizou-se importante movimento comercial entre as regiões de produção mineira e o Rio de
Janeiro. Com vistas a garantir o percurso do ouro, evitando-se o comércio ilegal, a Coroa
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Portuguesa proibiu, em 1733, que se abrissem novos caminhos para as minas descobertas ou por
descobrir, só podendo o produto ser transportado por caminhos previamente estabelecidos. Um
destes caminhos foi justamente aquele que se estendia de Minas Gerais até o Porto de Estrela, na
Freguesia de Nossa Senhora da Piedade.
Esta história de auge da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de
Inhomirim acabou por envolver, diretamente, a sua paróquia sede, a Igreja de Nossa Senhora da
Piedade de Inhomirim.
Segundo alguns dados históricos, a criação da igreja dataria de
1.696, embora existam registros da edificação já no ano de 1.677. À primeira capela de Nossa
Senhora da Piedade sucederam outras duas, ambas em locais próximos à primeira, dentro da
mesma região de Inhomirim. Uma, por volta de 1.700 que, do mesmo modo que a primeira e
mais antiga, desapareceu. A terceira foi construída por doação de terreno em 1.784, na Fazenda
da Figueira.
Apesar de encontrar-se localizada num ponto de menor
importância, a Igreja Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim, ainda capela à época, foi
escolhida como paróquia sede da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade e capital do distrito
miliciano que compreendia os territórios das freguesias de Nossa Senhora da Piedade de Magé,
de Nossa Senhora da Guia de Pacobaíba e de São Nicolau de Suruí. Com isto, se tornou não só o
centro da freguesia, mas de toda a Baixada Fluminense, de modo que sua influência ultrapassava
a Serra da Estrela até o Rio Paraíba.
Segundo o historiador Dario Navarro, “com base numa série de
estudos”, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, quando de suas rondas pelo Caminho
novo, teria visitado várias vezes a Igreja da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de
Inhomirim, onde se aconselhava com o Frei Domingos Dias de Carvalho de Andrade.
De fato, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, percorreu os
caminhos de Magé escoltando as tropas que conduziam o ouro de Minas Gerais até o Porto da
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Estrela, onde os tesouros escoavam para Portugal. A última visita de Tiradentes a Bongaba teria
ocorrido em março de 1.789, quando recebeu os conselhos do frei Andrade – pároco da Igreja –
que o alertou sobre o falso inconfidente Jerônimo de Castro e Souza, mais um delator que em
troca de favores da Coroa se juntou a Joaquim Silvério dos Reis. Teria ainda Tiradentes se
confessado ali dias antes de ser preso, quando se dirigia para o Rio de Janeiro, em busca de apoio
para as ideias libertárias da Inconfidência Mineira.
Embora não haja registros, estudiosos aduzem que Luiz Alves de
Lima e Silva, o Duque de Caxias – herói e patrono do Exército Nacional – foi batizado na Igreja
de Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim. Segundo o Padre Milton, da Matriz Nossa Senhora
Aparecida, em Piabetá, paróquia à qual a igreja de Bongaba está subordinada, “ele mesmo
declarou, ao casar-se, que nasceu e foi batizado nesta freguesia. Além disso, esta era a igreja
que seus avós maternos frequentavam e onde sua irmã, um ano mais nova, foi batizada”.
Há ainda rumores de que a avó materna do Duque de Caxias, Dona
Ana Quitéria de Oliveira Belo, estaria enterrada embaixo da torre onde antes existia o
campanário. Outra personagem conhecida que esteve atrelada à Igreja Nossa Senhora da Piedade
de Inhomirim foi Catharina Josefa de Jezuz, casada com Manuel Vieira Affonso, antigos
proprietários do Rancho da Farinha, que foi sede da Fazenda do Córrego Seco, hoje Petrópolis.
Em seu testamento, Catharina Josefa de Jezuz teria declarado que seu corpo seria “amortalhado
num hábito de São Francisco, conduzido à Matriz de Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim”.
Ademais, no cemitério construído ao lado da Igreja estaria enterrado, além de outras figuras da
sociedade da época, o Barão de Iriri.
Por fim, importa mencionar que há evidências a sinalizar o valor
arqueológico das ruínas da Igreja de Nossa da Piedade, nos termos da Lei nº 3.942/61.
Portanto, ainda que o tombamento da Igreja Nossa Senhora de
Piedade não tenha sido efetivado, conforme se descreverá, estão suficientemente evidenciados, a
titulo exemplificativo, indícios de interesse histórico-cultural e arqueológico na sua preservação.
Ademais, a inclusão da Igreja de Nossa Senhora da Piedade pelo INEPAC no Inventário dos
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Bens Culturais do Município de Magé implica o reconhecimento de que o bem é relevante,
comprovando também a necessidade de sua proteção.
2.2. Do Inquérito Civil Público nº 1.30.016.000057/2006-49
O inquérito civil público em epígrafe teve início no Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro em 1.994, face à notícia de que teria sido alocado um
vazadouro de lixo nas proximidades das centenárias ruínas da Igreja de Nossa Senhora da
Piedade de Inhomirim.
À época, constatou-se que o bem não era tombado pelo INEPAC
(fl. 38), mas que existia no IPHAN pedido para tombamento do imóvel (fls. 44/45).
Assim, o IPHAN realizou vistoria no sítio de Bongaba com
objetivo de reconhecer as ruínas de valor arqueológico, mas nada se pode constatar, em razão das
sucessivas camadas de lixo existentes no local. O IPHAN informou ainda que fora instaurado
anteriormente o Processo de Tombamento nº 1258-T-87, referente à Igreja Nossa Senhora da
Piedade de Inhomirim, mas que, em virtude de carência de recursos e pessoal, e considerando
ainda a necessidade de se abordar a região como uma questão mais ampla, englobando “os
diversos bens de interesse histórico e artístico nela existentes”, a instrução do processo corria
com lentidão, apesar de já se encontrar concluída a primeira fase da pesquisa histórica (fl. 114).
Em fevereiro de 1998, o IPHAN voltou a se manifestar, aduzindo
que havia sido concluídos os estudos históricos necessários ao processo de tombamento, tendo-se
iniciado os procedimentos de identificação dos bens. Segundo aduzido, três meses antes tinha
sido realizada vistoria na qual se constatou que “no sítio existe um cemitério primitivo junto da
igreja e outro, posto ao lado, que é utilizado pela população de Bongaba. Da Igreja restou o
presbitério, a nave ruiu e permanecem em pé as paredes laterais do campanário. No altar mor
existe belíssima Pietá em madeira, ainda bem conservada e com pouco cupim; os ornatos são
trabalhos de fino entalhamento e estão conservados, entretanto todo o madeiramento do altar
está destruído pela umidade e cupim”. Mais uma vez se referindo ao alto grau de complexidade
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do Processo de Tombamento nº 1258-T-87, o IPHAN aduziu que “a importância histórica
desses bens está diretamente vinculada a um dos 'caminhos do ouro', que ligavam o Rio de
Janeiro às Minas Gerais, abrangendo, dessa forma, uma região extensa, pontilhada por
testemunhos do passado” (fl. 118).
Contudo, em 1.999, o IPHAN encaminhou ao Ministério Público
Federal o Ofício GAB/6ªSR/IPHAN nº 487/99, segundo o qual “apesar da importância histórica
da área da Vila da Estrela para o conhecimento de fatos que ocorreram naquela região, é do
nosso entendimento preliminar que os remanescentes lá existentes não justificam o tombamento
federal. Cabendo apenas um registro documental e o registro de Sítio Arqueológico, conforme
ficha anexa” (fl. 155). Na mesma ocasião, o IPHAN encaminhou ficha de registro do Sítio
Arqueológico Villa da Estrela, na qual consta como vestígio arqueológico observável a ruína da
Igreja Nossa Senhora da Piedade.
Em 2.000, o IPHAN se manifestou no sentido de que as ruínas da
Igreja Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim não haviam obtido parecer favorável ao seu
tombamento a nível federal, tendo em vista o avançado estado de degradação dos testemunhos
existentes. Informou ainda que estes registros não constavam no Cadastro Nacional de Sítios
Arqueológicos – CNSA (fls. 162 e 166).
Posteriormente, a o MUNICÍPIO DE MAGÉ remeteu ofício ao
IPHAN, aduzindo que “o Município adotou as medidas necessárias à proteção das ruínas”.
Instado pela autarquia federal a apontar as medidas efetivamente adotadas, a gestão municipal
informou que o lixão que rodeava as ruínas seria transformado em aterro sanitário controlado, o
que protegeria a Igreja Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim, impedindo o avanço dos
resíduos sólidos na direção do monumento e preservando assim “o patrimônio histórico do
Município de Magé” (fl. 186).
O IPHAN voltou a se manifestar no ano de 2.004, quando não
apenas informou que o Processo de Tombamento nº 1258-T-87 não fora concluído mas que
“independente da conclusão do referido processo e consequente inscrição do bem em um dos
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Livros do Tombo do Instituto, as ruínas da Igreja estão sob a tutela do Poder Público Federal,
através do IPHAN, por força da Lei 3.924 de 26 de julho de 1961, que trata da proteção dos
sítios arqueológicos” (fl. 202).
Considerando então o evidente interesse federal na questão, o
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro declinou de sua atribuição, determinando a
remessa dos autos ao Ministério Público Federal. Já no âmbito desta procuradoria, oficiou-se ao
IPHAN para que realizasse vistoria no local, a fim de aferir os danos causados às ruínas pelo
depósito de lixo de Bongaba, informando ainda as medidas de reparação necessárias. Da mesma
forma, determinou-se a expedição ao MUNICÍPIO DE MAGÉ, requisitando informações sobre
as medidas adotadas em relação ao lixão de Bongaba e à preservação do bem cultural. Na
oportunidade, oficiou-se ainda ao Ibama e à então Feema para que esclarecessem as providências
adotadas por esses órgãos ambientais visando a regularização da questão e a adequação do local
às leis ambientais.
Em atendimento à requisição ministerial, o IPHAN realizou
vistoria em 21 de dezembro de 2.006, não especificando, contudo, os possíveis danos causados
ao monumento em questão pelo lixão e pelo abandono. Não obstante, das fotografias que
instruíram o relatório de vistoria, era possível depreender a precariedade das estruturas da Igreja
de Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim (fls. 282/285).
Da mesma forma, o IBAMA, ao realizar vistoria em 06 de agosto
de 2.007, constatou que, além da degradação ambiental, as ruínas da igreja não estavam em bom
estado de conservação. Conforme o relatado, “nas Ruínas da Igreja Nossa Senhora da Piedade,
patrimônio cultural, foi constatado a falta de limpeza e conservação, já que a parte dos fundos
está sendo invadida por vegetação do tipo gramínea, além do processo de intemperismo físico
nas paredes e a má conservação do telhado ao longo do tempo” o que pode ser verificado ainda
pelo registro fotográfico realizado na ocasião (fl. 314/315).
A par de tais informações, determinou-se a expedição de ofício ao
INEPAC, levando ao seu conhecimento as informações prestadas pelo Ibama no sentido de que
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as ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Piedade estariam em mal estado de conservação e
requisitando informar as providências a serem adotadas em face do noticiado.
Em resposta, o INEPAC informou que as ruínas da Igreja Nossa
Senhora da Piedade não estavam protegidas pela legislação estadual de tombamento, nem havia
qualquer pedido nesse sentido, mas que tais ruínas foram incluídas no “Inventário dos Bens
Culturais do Município de Magé”. Acrescentou que vinha prestando assessoria técnica à
administração municipal para fins de proteção e valorização de seu patrimônio cultural (fls.
317/353).
Considerando a existência de informações contraditórias prestadas
pelo IPHAN acerca da inclusão do referido bem no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos,
em 2008 oficiou-se novamente à autarquia federal, para que esclarecesse a questão. Em resposta,
o IPHAN informou que “o referido bem não se encontra inscrito no Cadastro Nacional de Sítios
Arqueológicos”, ressaltando, entretanto, que o procedimento para o respectivo tombamento ainda
se encontrava em trâmite no âmbito do instituto (fls. 324 e 332).
Entretanto, novas informações encaminhadas pelo IPHAN em
2009 foram no sentido de que foi determinada a realização de estudos com vistas à instrução de
processo de tombamento, cuja conclusão encontrava-se impossibilitada em razão das
dificuldades estruturais para a realização de pesquisa na área da arqueologia histórica. Na
oportunidade, o IPHAN informou ainda que havia procedimento de tombamento estadual à cargo
do INEPAC (fls. 338/340).
Neste ponto, tendo em vista a reiterada inércia de todos os entes
federativos pela preservação do bem cultural em questão, mesmo após dez anos de apuração
empreendida pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal, determinou-se ao IPHAN que
realizasse vistoria técnica nas ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, com o finalidade de
instruir futura ação judicial.
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Em resposta, o IPHAN informou que teria repassado a requisição
ministerial ao INEPAC, pois este teria realizado vistoria recente no local. O INEPAC, por sua
vez, apenas reafirmou resposta anteriormente encaminhada ao Ministério Público Federal, no
sentido de que as ruínas da Igreja Nossa Senhora da Piedade não eram protegidas pela legislação
estadual (fls. 366).
Após, foi juntada aos autos informação encaminhada pelo Inea,
acompanhada de relatórios técnicos acerca das condições ambientais da área do vazadouro de
lixo situado no entorno da Igreja Nossa Senhora da Piedade, oportunidade na qual o órgão
ambiental estadual relatou que vinha atuando junto à Prefeitura de Magé com vistas à
transformação do vazadouro em aterro sanitário. Ressaltou, no entanto, que a licença de
operação para o aterro sanitário ainda não havia sido concedida, pois a disposição do resíduos
não obedecia aos critérios operacionais mínimos, consoante comprovado em vistoria realizada
em dezembro de 2009 (fls. 367/394).
Diante da constatada inércia do IPHAN e do INEPAC na
realização de vistoria nas ruínas da Igreja Nossa Senhora da Piedade, reafirmando a omissão de
ambos na proteção do monumento em questão, foi solicitada à 4ª Câmara de Coordenação e
Revisão do MPF a realização de diligência com a elaboração de informação técnica sobre o
estado de conservação do patrimônio cultural, a fim de colher dados que subsidiassem a
propositura de futura ação civil pública.
Ato contínuo, determinou-se a expedição de ofício ao IPHAN, para
que prestasse informações sobre o andamento do processo administrativo de tombamento,
esclarecendo se havia previsão para sua conclusão e encaminhando cópia integral do mesmo.
Oficiou-se ainda à empresa Marca Ambiental, empresa contratada para remediar o aterro
sanitário de Bongaba, a fim de que apontasse os trabalhados realizados no local, com a
apresentação de mapa georreferenciado que demonstrasse os limites do lixão em relação à igreja.
Assim, em setembro de 2011, o IPHAN encaminhou informação
no sentido de que os esclarecimentos prestados anteriormente por esse órgão federal estavam
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equivocados, em razão de estarem baseados em procedimento de tombamento relativo a bem
diverso. No que dizia respeito à Igreja de Nossa Senhora de Piedade, informou o IPHAN que
esta não estava registrada como sítio arqueológico e que o processo para seu tombamento
encontrava-se paralisado, sem previsão para sua retomada, encaminhando na oportunidade, cópia
integral do processo de tombamento em formato digital (fl. 417).
Da análise de tal processo, depreende-se que o IPHAN, em vista da
importância histórico-cultural da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, deu início, em 1974, a
procedimento de tombamento do bem em questão, assim como de outros imóveis de valor
histórico do Município de Magé, a pedido da Câmara Municipal de Magé (Processo nº 0902-T-
24), não tendo o mesmo sido concluído até a presente data.
Em outubro de 2011, a empresa Marca Ambiental, em atendimento
à requisição ministerial, informou que, de fato, a Igreja de Nossa Senhora da Piedade está junto
da área utilizada como depósito de resíduos do Município de Magé. Acrescentou que estavam
sendo implementados os procedimentos de remediação da área visando a transformação do atual
vazadouro de lixo na Central de Tratamentos de Resíduos de Bongaba, a qual inclusive já
contaria com licença ambiental do INEA. Ressaltou ainda que a situação do aterro sanitário já
estaria sendo atenuada nas proximidades da referida igreja (fls. 418/445).
No entanto, conforme relatado no parecer técnico subscrito por
perita em arquitetura da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público
Federal, a vistoria realizada “comprovou o péssimo estado de conservação em que se
encontra a Igreja Nossa Senhora da Piedade”, situação esta agravada pela presença de
vazadouro de lixo em suas cercanias. Nos termos de tal parecer, realizado com base em
vistoria técnica acompanhada por este subscritor em conjunto com analista pericial do
MPF, a igreja teve sua nave e torre arruinadas, somente restando a capela-mor e um único
espaço na sacristia, já que não há mais o piso do consistório. Podem ser citadas diversas
avarias nas ruínas, cumprindo destacar a existência de fissuras diversas e falhas
estruturais; crescimento desordenado de vegetações em sua estrutura e alvenaria, a
inexistência de reboco e argamassa em grande parte das alvenarias, fiação elétrica sem
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proteção e inapropriada. Ainda de acordo com o relato técnico, os aspectos mencionados
agravam-se a cada dia, bem como os danos existentes nas ruínas e em sua estrutura, o que
pode levar a um novo desabamento (fls. 449/463).
Importa mencionar que, por ocasião da vistoria, constatou-se que a
paróquia a qual a pertence a igreja realizou algumas obras de conservação no imóvel. Embora o
IPHAN tenha manifestado que essas obras teriam descaracterizado o patrimônio em comento,
segundo o parecer técnico do MPF, tal iniciativa visava dar uma utilização ao bem, o que
“auxiliou um pouco na sua manutenção e conservação”. Na oportunidade, o pároco responsável
pela igreja manifestou a intenção da Diocese de Petrópolis em restaurar a igreja, mas que,
tratando-se de um bem histórico, havia muitos obstáculos que deveriam ser discutidos com os
órgãos de proteção, mas que vinha encontrando muitas dificuldades de acesso de informações
junto ao IPHAN e ao INEPAC. No entanto, ressaltou que o projeto vislumbrado pela diocese
inclui a inserção de novos elementos arquitetônicos, mas de forma a não prejudicar a
consolidação e preservação das ruínas existentes.
Diante de tais informações, foi designada reunião com
representantes do IPHAN a fim de debater interesse em celebração de termo de ajustamento de
conduta com vistas a assegurar a proteção do patrimônio em questão. Na ocasião, a representante
do IPHAN informou que o processo para avaliar a necessidade de proteção do monumento
encontrava-se paralisado, dele constando parecer desfavorável ao tombamento do bem,
ressaltando, contudo, a possibilidade da identificação e registro do local como patrimônio
arqueológico.
Em novas informações encaminhadas em maio de 2012, o IPHAN
encaminhou avaliação sobre a Igreja de Nossa Senhora de Piedade, realizada por museóloga
vinculada ao instituto, segundo a qual, embora a edificação se ache em estado de arruinamento,
poderia ser considerada um exemplar de grande valor histórico e arquitetônico. Em tal
informação, foi ressaltado ainda que o tombamento não seria uma medida de proteção adequada
à referida igreja, haja vista o número de intervenções que os remanescentes da edificação
sofreram ao longo dos anos. Dessa forma, o bem poderia ser protegido apenas na qualidade de
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ruína, o que se aplicaria estritamente em relação a nave e a torre do antigo templo. Segundo o
IPHAN, a capela-mor e a sacristia passaram por obras de adaptação e reforma, com vistas à
renovação do uso de culto religioso, descaracterizando seu aspecto de ruína (fls. 478/481),
concluindo o órgão federal que uma alternativa para a proteção desse bem seria sua inscrição na
qualidade de sítio arqueológico, à luz da Lei nº 3.924/61.
Posteriormente, o IPHAN novamente se manifestou pela
possibilidade de inclusão das ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Piedade no Cadastro
Nacional de Sítios Arqueológicos, ressaltando que embora tal registro dependesse de estudos
conclusivos a serem realizados por arqueólogo reconhecido pelo órgão federal, parecia possuir
bom potencial para tanto, pelas informações disponíveis. Não obstante, afirmou que tal medida
não poderia ser adotada de imediato face ao grande volume de demandas existentes no instituto
(fls. 482/483).
Assim, verifica-se uma verdadeira protelação dos entes públicos
em proteger a Igreja Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim, cujo imenso valor cultural é fato
incontroverso.
O IPHAN, embora reconheça o valor cultural e o potencial valor
arqueológico da Igreja Nossa Senhora da Piedade, não concluiu procedimento de tombamento
que tramita perante esse órgão federal desde 1974, assim como não tomou nenhuma providência
para efetivar a inscrição do mesmo no cadastro nacional de sítios arqueológicos, medida esta
considerada por seu corpo técnico como sendo a mais adequada à proteção do bem.
Da mesma forma, o INEPAC, na qualidade de órgão público
estadual responsável pela preservação do patrimônio cultural, bem como pela inventariança do
bem, mostrou-se indiferente à progressiva degradação da construção, que por sua vinculação a
fatos memoráveis da história do Brasil, possui grande relevância histórico-cultural.
O MUNICÍPIO DE MAGÉ, por sua vez, descumpriu o dever
constitucional e legal de proteger e preservar o patrimônio cultural local, deixando de adotar as
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medidas legais e administrativas cabíveis para a proteção e a conservação da Igreja de Nossa
Senhora da Piedade.
Ante a omissão do Poder Público, em todos os três níveis
federativos, em cumprir o dever constitucional de proteção e conservação do patrimônio
histórico e cultural, há a necessidade de impor aos demandados a adoção das medidas
necessárias à reversão do grave quadro de degradação do patrimônio cultural edificado.
3. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
3.1. Da legitimidade e da competência
Ao Ministério Público incumbe promover a ação civil pública, para
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos, nos moldes do art. 129, III, da Constituição da República.
Disciplinando a competência específica do Ministério Público
Federal, a Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), institui
em seu art. 37 que “o Ministério Público Federal exercerá as suas funções: (…) II- nas causas
de competência de quaisquer juízes e tribunais, para defesa de direitos e interesses dos índios e
das populações indígenas, do meio ambiente, de bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico, integrantes do patrimônio nacional.”
No caso, embora não haja tombamento, constam dos autos vários
documentos que sinalizam o valor cultural e arqueológico das ruínas da Igreja de Nossa Senhora
da Piedade, a qual inclusive foi arrolada pelo INEPAC no inventário de proteção do acervo
cultural de Magé.
Outrossim, tratando-se de degradação de provável acervo
arqueológico, enquadrado como bem da União, protegido pela Lei Federal 3.924/61, cuja análise
e proteção compete ao IPHAN (autarquia federal), resta configurado o interesse federal na
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demanda, e por conseguinte, a legitimidade do Ministério Público Federal para ajuizar a presente
ação.
Já a legitimidade passiva recai sobre o IPHAN pois é o órgão
encarregado do registro e da proteção das edificações e sítios de valor histórico e arqueológico,
uma vez que estes são considerados, para todos os efeitos, bens patrimoniais da União, consoante
o disposto no art. 20, inciso X da Constituição Federal e no art. 7º da Lei nº. 3.924/61.
Da mesma forma, o INEPAC detém legitimidade para figurar no
polo passivo da presente ação, uma vez que promoveu o inventário da Igreja de Nossa Senhora
da Piedade, obrigando-se, na qualidade de órgão responsável pelo trabalho técnico e pelo ato
protetivo, a exercer especial vigilância sobre o bem.
Reconhece-se ainda a legitimidade do MUNICÍPIO DE MAGÉ
para figurar no polo passivo da demanda, já que se busca a preservação de bem de valor histórico
em lamentável estado de conservação, situado em seus limites geográficos e que, por força de
inventário, integra seu patrimônio cultural.
Com efeito, por constar no polo passivo da demanda o IPHAN
(entidade autárquica federal), criado pela União para a atividade estatal específica, deve ser
firmada a competência da Justiça Federal, nos termos em que dispõe o artigo 109, I, da
Constituição da República.
3.2 Da proteção ao imóvel de valor histórico e cultural
Independentemente da inexistência de tombamento, o imóvel de
valor cultural e histórico em apreço merece proteção.
Nesse sentido, aponta a doutrina que não há qualquer exigência
legal condicionando a defesa do patrimônio cultural – artístico, estético, histórico, turístico,
paisagístico – ao prévio tombamento do bem. Este seria apenas um dos modos de se promover a
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tutela dos bens dotados de relevância cultural, que podem ser protegidos mediante inventário,
registro ou qualquer outra forma de preservação, bem como pela via judicial, através de ação
popular e da ação civil pública.
Nesse sentido, o escólio de Hugo Nigro Mazzilli é esclarecedor:
É imprescindível enfrentar a controvérsia sobre se, para advir a proteção jurisdicional ao bem chamado patrimônio cultural de que cuida o art .1º, III, da Lei 7.347/85, se é ou não necessário o prévio tombamento do bem.Acreditamos que não, pois este último configura apenas a proteção administrativa, cujo mérito pode ser contrastado judicialmente.De qualquer forma, fica claro, ao exame da legislação, que tanto se protege o patrimônio público tombado como o não tombado; na primeira hipótese, a proteção é administrativa e especial: sempre que o legislador quis exigir tombamento ele o explicitou claramente. Contudo, como na Lei 7.347/85 não se distinguiu entre bens tombados e não tombados, acreditamos que a ambos se estende o manto legal.Admitir que necessário fosse o prévio tombamento para posterior defesa em Juízo, seria, na verdade, tornar inócua na maioria das vezes a proteção jurisdicional (...)Frustrar-se-ia o escopo da lei, que inclui não só a reparação do dano, como sua preservação! (…) Além do mais, partindo do raciocínio de que o bem tenha valor cultural para a comunidade, titulares deste interesse são os indivíduos que compõe a coletividade (por isso que o interesse é difuso). Ora, seria inadmissível impedir, por falta de tombamento, o acesso ao Judiciário para proteção de valores culturais fundamentais da coletividade. Não há nenhuma exigência da lei condicionando a defesa do patrimônio cultural ao prévio tombamento administrativo do bem, que, como se viu, é apenas uma forma administrativa, mas não sequer a única forma de regime especial de proteção que um bem de valor cultural pode ensejar.”1
Depreende-se assim que o valor cultural do bem antecede o
tombamento. Este não é pressuposto para que o patrimônio histórico-cultural disponha de tal
natureza. Do contrário, é o valor histórico-cultural que serve como pressuposto para a instituição
de qualquer medida protetiva, inclusive o tombamento.
Por isso, nada obsta que se prove o enquadramento do bem como
de valor artístico, estético, histórico, turístico ou paisagístico no curso de ação civil pública.
Outrossim, é incontroversa a possibilidade de que lhe seja conferida proteção através de um
1 A defesa dos interesses difusos em juízo, págs. 32, 33 e 35.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 16
provimento emanado do Poder Judiciário, uma vez comprovada a omissão dos órgãos
competentes do Poder Executivo em proceder às medidas necessárias a sua conservação.
Conquanto o valor histórico-cultural da Igreja de Nossa Senhora da
Piedade, exaustivamente demonstrado nos autos, seja prova suficiente da necessidade de sua
preservação, cumpre ainda observar que tal imóvel foi arrolado pelo INEPAC no Inventário dos
Bens Culturais de Magé (fls. 349/352).
O instituto do inventário, com a Constituição Federal de 1988,
passou a integrar, expressamente, o rol dos instrumentos de preservação do patrimônio cultural
brasileiro. Trata-se de ferramenta protetiva de estatura constitucional, autônoma e autoaplicável
por se constituir em uma das formas de garantia à preservação do patrimônio cultural brasileiro.
Sob o ponto de vista prático, o inventário consiste na identificação
e registro por meio de pesquisa e levantamento das características e particularidades de
determinado bem, adotando-se, para sua execução, critérios técnicos objetivos e fundamentados
de natureza histórica, artística, arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica, entre
outros. Os resultados dos trabalhos de pesquisa para fins de inventário são registrados
normalmente em fichas onde há a descrição sucinta do bem cultural, constando informações
básicas quanto a sua importância, histórico, características físicas, delimitação, estado de
conservação, proprietário etc.
Vê-se, portanto, que o inventário tem natureza de ato
administrativo declaratório restritivo porquanto importa no reconhecimento, por parte do poder
público, da importância cultural de determinado bem, daí passando a derivar outros efeitos
jurídicos para o proprietário e para o próprio ente responsável pelo trabalho técnico, que deverá
exercer vigilância especial sobre o bem.
Nesse contexto, o inventário de um bem tem o condão de consistir
em prova pré-constituída de sua importância cultural. Além disso, pode-se dizer que, a partir de
inventariado como patrimônio cultural, o bem passa a ser regido pelo regime jurídico dos bens
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 17
culturais protegidos (art. 216, § 1º, CF/88), sujeitando o proprietário e, subsidiariamente, o Poder
Público, à obrigação de conservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Forçoso concluir, desta feita, que o INEPAC, sendo o órgão
responsável pelo inventário da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, detém a responsabilidade
constitucional e legal pela conservação do bem tutelado, não podendo pretender ser desonerado
de tal dever em razão da inexistência de tombamento em nível estadual.
Da mesma forma, o MUNICÍPIO DE MAGÉ detém a
responsabilidade de proteção e conservação de bem de valor histórico e cultural inventariado
como integrante de seu acervo cultural e situado em seus limites geográficos.
Ao lado disso tudo, cabe ressaltar que, a despeito das respostas
contraditórias apresentadas pelo IPHAN ao longo do inquérito civil que tramitou perante o MPF,
há fortes evidências de que o bem cultural ostente a qualidade de sítio arqueológico.
Nesse sentido, consta dos autos informação prestada pelo IPHAN,
segundo a qual “apesar da importância histórica da área da Vila da Estrela para o
conhecimento de fatos que ocorreram naquela região, é do nosso entendimento preliminar que
os remanescentes lá existentes não justificam o tombamento federal. Cabendo apenas um
registro documental e o registro de Sítio Arqueológico, conforme ficha anexa”. Na mesma
oportunidade, o órgão federal encaminhou ficha de registro do Sítio Arqueológico Villa da
Estrela, na qual consta como vestígio arqueológico observável a ruína da Igreja Nossa Senhora
da Piedade.
Nesse sentido, a Lei 3.924/61, estabelece que os monumentos
arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes no território nacional e todos os
elementos que neles se encontram ficam sob a guarda e proteção do Poder Público.
A Lei 3.924/61 considera monumentos arqueológicos ou pré-
históricos:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 18
a) as jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que representem testemunhos de cultura dos paleoameríndios do Brasil, tais como sambaquis, montes artificiais ou tesos, poços sepulcrais, jazigos, aterrados, estearias e quaisquer outras, mas de significado idêntico a juízo da autoridade competente; b) os sítios nos quais se encontram vestígios positivos de ocupação pelos paleoameríndios, tais como grutas, lapas e abrigos sob rocha;c) os sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de “aldeiamento, "estações" e "cerâmicos", nos quais se encontram vestígios humanos de interesse arqueológico ou paleoetnográfico; d) as inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de utensílios e outros vestígios de atividade de paleoameríndios. (grifei)
Deste modo, as ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Piedade,
enquanto sítio histórico portador de mensagens que revelam o comportamento da sociedade
brasileira nos séculos passados, contariam, além da proteção atribuída pelo inventário, com a
aquela conferida ao patrimônio arqueológico nacional, sob tutela do IPHAN.
Tratando-se de bem imóvel de evidente valor histórico-cultural,
não apenas pelo que representa em termos arquitetônicos, como também pelo retrato de
determinada época do caminho do ouro, impõe-se, portanto, a adoção de medidas com vistas à
proteção efetiva e necessária desse importante patrimônio cultural.
Não obstante o dever de proteção e conservação de patrimônio
histórico e cultural que recai sobre os três entes públicos, advindos de normas previstas na
Constituição Federal e Constituição Estadual, a Igreja de Nossa Senhora da Piedade sofre os
impactos do abandono, sem que nenhuma medida concreta tenha sido adotada pelos demandados
para o resguardo desse patrimônio histórico cultural.
3.3 Da responsabilidade por omissão do poder público no
cumprimento do dever de proteção do patrimônio histórico-cultural
O art. 23, III, da Constituição Federal inclui entre as funções de
competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios a proteção de
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 19
documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico, artístico e cultural, monumentos,
paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.
Incumbe ainda ao Poder Público, através de intervenções na
propriedade privada, a proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural brasileiro, assim
considerado pela legislação ordinária “o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país,
cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação aos fatos memoráveis da
história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico” (art. 1º do Decreto-lei nº 25, de 30/11/37). Veja-se, também, o que dispõe o art. 216, da
Constituição Federal:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:I - as formas de expressão;II - os modos de criar, fazer e viver;III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados àsmanifestações artístico-culturais;V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.Parágrafo 1° - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. (grifos nossos)
Nesse mesmo sentido, a Constituição do Estado do Rio de Janeiro
estabelece:
Artigo 73 – É competência do Estado, em comum com a União e os Municípios:III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; (grifei)
Artigo 74 – Compete ao Estado, concorrentemente com a União, legislar sobre:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 20
VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor e a bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;§1º As funções sociais da cidade são compreendidas como direito de todo cidadão de acesso a moradia, transporte público, saneamento básico, energia elétrica, gás canalizado, abastecimento, iluminação pública, saúde, educação, cultura, creche, lazer, água potável, coleta de lixo, drenagem das vias de circulação, contenção de encostas, segurança e preservação do patrimônio ambiental e cultural. (grifei)
Artigo 261 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente saudável e equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo-se a todos, e em especial ao Poder Público, o dever de defendê-lo, zelar por sua recuperação e proteção, em benefício das gerações atuais e futuras.§1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:II – proteger a diversidade e a integridade do patrimônio genético, biológico, ecológico, paisagístico, histórico e arquitetônico”. (grifei)
Artigo 268 – São áreas de preservação permanente:V – as áreas de interesse arqueológico, histórico, científico, paisagístico e cultural;
Artigo 322 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, estadual e municipal, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais, através de:VIII – proteção dos documentos, das obras e outros bens de valor histórico, artístico, cultural e científico, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos, espeleológicos, paleontológicos e ecológicos;X – preservação, conservação e recuperação de bens nas cidades e sítios considerados instrumentos históricos e arquitetônicos. (grifei)
Artigo 358 – Compete aos Municípios, além do exercício de sua competência tributária e da competência comum com a União e o Estado, previstas nos artigos 23, 145 e 156 da Constituição da República:IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual e apoiar a atividade cultural”
O Decreto-Lei Estadual 02, de 11 de abril de 1969 definiu que são
considerados patrimônio histórico, artístico e paisagístico do Estado da Guanabara os prédios,
monumentos e documentos intimamente vinculados a fato memorável da história local ou a
pessoa de excepcional notoriedade, bem como os sítios arqueológicos.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 21
Da mesma forma, a Lei Orgânica do Município de Magé, em seu
art. 7º, inciso XI, preceitua como competência municipal “promover a proteção do patrimônio
histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico local, observada a legislação e ação
fiscalizadora federal e estadual.” Deste modo, o desenvolvimento do ente deveria respeitar as
vocações, a peculiaridade e a cultura locais, preservado o seu patrimônio ambiental, natural e
construído (art. 114, parágrafo único).
A mesma Lei Orgânica preleciona:
Art. 199 – O Município no exercício de sua competência:II – protegerá, por todos os meios ao seu alcance, obras, objetos, documentos e imóveis de valor histórico, artístico, cultural e paisagístico” (grifei)
Art. 201 – O Município garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, estadual e municipal, apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais:VII – proteção dos documentos, das obras e de outros bens de valor histórico, artístico, cultural e científico dos monumentos, das paisagens naturais notáveis e dos sítios arqueológicos; (grifei)
Art. 202, caput – O Poder Público, com a colaboração do Conselho Municipal, promoverá e protegerá o patrimônio Cultural do Município por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento, desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação.
Apresentado tal substrato normativo supremo, cabe mencionar que,
dentro deste quadro, cabe ao IPHAN zelar pela proteção e conservação não apenas dos bens
histórico-culturais brasileiros em geral, como ainda dos sítios arqueológicos. Apesar disso,
verifica-se que o instituto mostrou-se omisso, isentando-se de realizar qualquer medida no
monumento, o qual encontra-se atualmente em “avançado estado de degradação.” Frise-se que
o próprio IPHAN, em diversas respostas às requisições ministeriais ao longo do apuratório,
afirmou o valor arqueológico das ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, sugerindo sua
identificação e registro como medida mais adequada a sua proteção.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 22
Ressalte-se que o IPHAN iniciou procedimento de tombamento da
aludida igreja em 1974, que até a presente data, quase 40 anos depois, ainda não foi concluído.
Conquanto alegue o IPHAN que o estado de arruinamento do bem não recomenda o tombamento
federal, admite o valor arqueológico do mesmo, e por isso deveria ter adotado medidas efetivas
para sua proteção.
Entretanto, no curso do apuratório que instrui a presente ação,
verificou-se que o IPHAN, além de se omitir com referência à adoção das medidas necessárias
para a preservação do monumento, não se disponibilizava a vistoriar o local, não se posicionava
sobre a questão, apresentando respostas lacônicas - quando não contraditórias - às requisições
ministeriais, sempre protelando o assunto ou atribuindo a responsabilidade ao INEPAC, sob o
argumento de um suposto tombamento estadual inexistente. Em uma última tentativa do MPF de
acionar o IPHAN para realização de uma vistoria no local, este limitou-se a repassar tal
solicitação ao INEPAC, alegando que o órgão estadual já teria realizado recentemente tal
diligência, o que também não tinha ocorrido.
Da mesma forma, o INEPAC, sendo o órgão responsável pelo
inventário do monumento em questão, não poderia se furtar a tomar as providências necessárias
à conservação do bem em questão. Não pode a esfera administrativa que providenciou a medida
de proteção ao bem cultural permanecer indiferente a sua deterioração.
No curso do apuratório, quando instado a se manifestar nos autos,
o INEPAC restringiu-se a afirmar que as ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Piedade não
foram objeto de tombamento estadual e que portanto, nada tinha a fazer ou declarar.
De igual modo, o MUNICÍPIO DE MAGÉ, apesar de informação
prestada ao IPHAN, em 2000, de que estaria realizando diligências para melhorar as condições
do monumento, não apresentou qualquer especificação que permitisse aferir a efetividade de suas
ações, evidenciando o descaso pela necessidade de preservar imóvel de grande valor cultural,
integrante do patrimônio histórico-cultural local (art. 30, inc. IX, da CF/88).
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 23
Vê-se, portanto, que apesar das determinações constitucionais e
legais de ordem cogente no sentido de que o Poder Público e os particulares devem zelar pela
integridade de nosso patrimônio cultural, no caso sob análise os demandados não atenderam a
tais comandos, havendo necessidade da intervenção do Poder Judiciário a fim de se alcançar a
efetividade protetiva das normas impositivas acima transcritas.
De fato, o que se vê nos autos é a longa e injustificada inércia do
IPHAN, do INEPAC e do MUNICÍPIO DE MAGÉ no cumprimento de seus deveres de proteção
em relação ao patrimônio cultural em apreço, o que tem levado a sua deterioração, apesar de seu
valor inestimável. Ao longo de aproximadamente 18 (dezoito) anos de investigações no âmbito
do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal, os demandados nada fizeram no
sentido da conservação do bem. Na verdade, a desídia dos demandados no desempenho de suas
obrigações legais levou, inclusive, a piora no estado da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, que
atualmente se encontra sob risco de um novo desabamento.
Não obstante os numerosos ofícios enviados e tratativas
promovidas pelo Ministério Público Federal, a Igreja de Nossa Senhora da Piedade, apesar de
sua importância, sofre os impactos do abandono, sem que nenhuma medida concreta tenha sido
adotada pelas três esferas do poder público para o resguardo desse patrimônio histórico cultural.
Dessa forma, impõe-se à Administração Pública a obrigação de
realizar as obras de conservação necessárias à integral restauração do imóvel em apreço, que
deve ser solidariamente preservado e reconstituído pelo IPHAN, pelo INEPAC e pelo
MUNICÍPIO DE MAGÉ.
Importante salientar que a responsabilidade dos demandados pelos
danos causados a Igreja de Nossa Senhora da Piedade é objetiva e solidária, uma vez que
estamos diante de uma lesão ao meio ambiente, em seu aspecto cultural, cujo objetivo maior e
fundamental é a preservação de um bem de inestimável valor histórico-cultural e arqueológico.
Isto porque o meio ambiente não abrange somente o meio
ambiente natural (constituído pela fauna, a flora, o solo, a água, o ar atmosférico), mas também,
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 24
o meio ambiente artificial e o meio ambiente cultural. Nesse sentido Helita Barreiro Custódio
pontifica:
Para os fins protecionais, a noção de meio ambiente é muito ampla, abrangendo os bens naturais e culturais de valor juridicamente protegidos, desde o solo, as águas, o ar, a flora, a fauna, as belezas naturais e artificiais, o ser humano, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico, monumental, arqueológico, além das variadas disciplinas urbanísticas contemporâneas2.
Da mesma forma, Rodolfo Camargo Mancuso preconiza que a
responsabilidade civil por danos causados ao patrimônio cultural deve ser objetiva:
Na verdade, conjugando-se o conceito amplo ou holístico, que, contemporaneamente, se vem atribuindo ao meio ambiente, com aconcepção aberta de patrimônio cultural, adotada pelo art. 216 e incisos da Constituição Federal, surge a conclusão de que também nesse campo se deve priorizar a responsabilidade objetiva como técnica eficiente para a prevenção e correção dos danos e abusos perpetrados contra os bens de natureza material e imaterial que compõem o acervo cultural do povo brasileiro3.
Destarte, face o disposto nos artigos 225, § 3º, da CF/88 e 14, § 1º
da Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, independe de culpa a
obrigação dos demandados em recuperarem os danos ocorridos, uma vez que a responsabilidade
civil, em matéria ambiental, é objetiva, bastando a comprovação da relação de causalidade entre
os danos sofridos e o evento danoso.
Assim, constatada a lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio
cultural, notadamente diante da inércia do poder público na adoção de medidas destinadas à sua
preservação, inquestionável a possibilidade da intervenção do Poder Judiciário, por meio da
tutela jurisdicional, a fim de suprir a omissão estatal no cumprimento do dever de preservação do
meio ambiente cultural.
2 Legislação Ambiental no Brasil. Revista Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, São Paulo, n. 76, 1996, p. 56.3 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: Lei 7.347/85 e legislação complementar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p 335.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 25
Na hipótese dos autos, restou suficientemente demonstrado que a
deterioração do imóvel resultou, sobretudo, da omissão das três esferas do Poder Público, no
dever de fiscalizar e proteger os bem cultural, o que os faz responsáveis pelo estado de
degradação e de abandono do bem cultural.
Verifica-se que em nenhum momento o proprietário do imóvel foi
instado por qualquer um dos órgãos públicos de proteção a adotar as medidas necessárias à
conservação do imóvel. O que se verifica no caso em comento é que as poucas obras de
manutenção do imóvel foram de fato realizadas pela paróquia, a qual, antes de efetivá-las, teria
encaminhado pedido ao INEPAC, solicitando a colaboração com vistas à manutenção das
características originais do monumento, não havendo, contudo, reposta por parte do órgão
estadual.
Nesse caso, portanto, a obrigação de restaurar independe de
tombamento ou de ter o seu proprietário recursos para mantê-lo incólume, pois decorre da
responsabilidade civil pelos danos causados a um bem ambiental, o que se sobrepõe à mera
obrigação propter rem. Não pode o poder público federal, estadual e municipal simplesmente se
omitirem diante da ruína do bem, tenha ou não o proprietário recursos, já que isso trairia sua
missão institucional e as determinações constitucionais de manutenção e defesa do patrimônio
histórico. De todas as formas, vale ressaltar a Diocese de Petrópolis que, interessada em
recuperar a igreja, procurou orientação junto ao Poder Público, sem ter jamais recebido qualquer
resposta concreta.
No mais amplo conceito jurídico de meio ambiente, há que se
considerar válida a imposição dessa responsabilidade pela norma do art. 14 §1º da Lei nº
6.938/81, colocando-se o poder público na posição de garantidor.
Assim, é patente o dano causado a Igreja Nossa Senhora da Piedade
decorrente da desídia do IPHAN, INEPAC e do MUNICÍPIO DE MAGÉ face ao estado de
abandono do patrimônio em questão, impondo-se aos demandados a execução de obras de
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 26
restauração e conservação do imóvel em tela, tendo em vista a premente necessidade de
preservação do patrimônio histórico nacional.
Nesse contexto, impõe-se ao IPHAN que, na condição de órgão
responsável pela tutela do patrimônio arqueológico, conclua o procedimento de tombamento da
Igreja Nossa Senhora da Piedade, bem como realize, em prazo razoável, os estudos conclusivos
acerca do valor arqueológico do bem em questão, e proceda, em caso positivo, a eventual
inscrição no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos, assegurando-lhe a proteção prevista na
Lei nº 3.924/61. Outrossim, comprovado o valor arqueológico do bem, deve o IPHAN promover
as obras de consolidação e preservação das ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Piedade.
Por outro lado, tendo em vista as intervenções realizadas pela
paróquia na capela-mor e sacristia, o que descaracterizou seu aspecto de ruína, deve o INEPAC
elaborar projeto de readequação e, em conjunto com o MUNICÍPIO DE MAGÉ, executar as
obras necessárias à restauração de suas características originais.
Por fim, considerando que o imóvel protegido corre risco iminente,
deve-se impor ao IPHAN, ao INEPAC e ao MUNICÍPIO DE MAGÉ que realizem as obras
emergenciais necessárias a evitar o perecimento do bem.
3.4. Da necessidade de obras emergenciais
No caso sob análise, primeiramente faz-se necessária o
acautelamento da integridade seguida da restauração do imóvel, que, como já dito, encontra-se
em situação precária em razão da omissão dos demandados.
O Decreto-lei n° 25/37 determina em seu artigo 19, §3° que, na
urgência da realização de obras o Poder Público deve tomar a iniciativa de executá-las
independente de qualquer notificação ao proprietário do imóvel. Eis a norma: “§3º Uma vez que
verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa
tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 27
projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude
este artigo, por parte do proprietário.”
Poder nesse caso é dever pois, de outra forma não existiria o
conteúdo do art. 216, § 1º da Constituição da República. Dessa forma, quando as obras de
conservação são necessárias por razões de URGÊNCIA, cabe ao Poder Público executá-las
independente da condição financeira do proprietário, o qual estará sujeito à reparação do dano, se
não tiver comunicado o fato ao órgão.
O parecer técnico constante dos autos é claro ao afirmar que o
imóvel está abandonado e em ruínas, tendo parte já desabado. Os danos estruturais se agravam a
cada dia que passa, o que pode levar a um novo desabamento, de onde se extrai a conclusão de
que o imóvel necessita de imediata intervenção e que são absolutamente necessárias as obras
emergenciais de conservação.
Conforme apurado, a edificação enfrenta hoje o total abandono,
apesar de guardar em seu interior um belíssimo altar barroco, esculpido em madeira, e uma
imagem, em tamanho natural, de Nossa Senhora com o Senhor morto nos braços, em cedro
maciço – uma escultura que pesa uma média de 500 quilos (razão por que teria sido uma das
únicas a não terem sido furtadas). Exatamente como as paredes, as portas, as janelas e os muros
da igreja, as obras encerradas em seu interior se encontram com seus dias contados, necessitando
de trabalho de restauração urgente. Preso com arames, o altar se desfaz a cada dia. A imagem de
Nossa Senhora, por sua vez, encontra-se prejudicada por cupins, pela ação do tempo e pela
chuva, que penetra pelos buracos no telhado. Anjos enormes, que estavam no prédio religioso,
foram furtados por vândalos, e seu interior resta infestado de casas de marimbondo. Ao redor do
monumento foi instalado o Lixão de Bongaba, o que causa poluição visual e mau cheiro ao local.
O cemitério antigo, que ladeava a igreja e no qual só eram
enterrados membros da irmandade e das famílias tradicionais, dentre eles o Barão de Iriri e os
bisavós e avós do Brigadeiro Lima e Silva, o Duque de Caxias, tem a seu lado outro inaugurado
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 28
em 1.984, que já chega às paredes da Igreja. À volta das ruínas, o mato cresce e o telhado
desabou no cômodo anexo.
Diante desse quadro, mostra-se imprescindível que sejam
realizadas de imediato as obras emergenciais de contenção das ruínas, como forma de evitar o
agravamento dos danos sofridos pelo patrimônio histórico e até seu perecimento definitivo.
4. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Presentes os requisitos exigidos pelo art. 273 do CPC, urge a
concessão no caso de antecipação dos efeitos da tutela pretendida. Pelos elementos acima
relatados, resta muito evidente estar presente, no caso, o fumus boni iuris, caracterizado pela
farta citação de normas, doutrina e jurisprudência que evidenciam a responsabilidade
constitucional e legal dos demandados em promoverem a conservação do aludido imóvel para as
gerações vindouras, o que importa na responsabilidade objetiva e solidária em relação aos
mesmos de realizar as obras emergenciais de contenção, a fim de evitar que as últimas paredes
do monumento desabem, uma vez que a omissão por eles praticada é danosa ao patrimônio
cultural.
A verossimilhança das alegações configura-se nos documentos
constantes do procedimento em anexo, em especial no parecer técnico produzido pela 4ª CCR do
Ministério Público Federal, o qual atesta o monumento encontra-se em péssimo estado de
conservação.
Outrossim, restou demonstrado nos autos que Igreja Nossa Senhora
da Piedade de Inhomirim constitui, sem sombra de dúvidas, bem integrante do patrimônio
histórico e cultural local, bem como comprovado seu valor cultural perante o Estado do Rio de
Janeiro e para o Brasil, o que pode ser extraído de seu arrolamento em inventário realizado pelo
INEPAC e da intenção do IPHAN de registrá-lo como sítio arqueológico.
Já o periculum in mora resta evidenciado pela deterioração do bem
tombado, que se agrava a cada dia, e pela atual situação de risco concreto de desabamento,
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 29
conforme exposto no parecer técnico mencionado, o qual destaca a existência de fissuras
diversas e falhas estruturais no imóvel em questão.
Além disso, há fundado receio de iminente superveniência de dano
ao patrimônio histórico-cultural a justificar a medida cautelar pleiteada, já que sem a intervenção
emergencial na igreja, a fim de que seja feita a reforma indispensável para evitar o desabamento
e perecimento total, o provimento jurisdicional final encontrará obstáculo no fato consumado,
ante a irreversibilidade da lesão pelo decurso do tempo.
De fato, o estado precário da Igreja é manifesto, já que suas
estruturas encontram-se seriamente comprometidas, pondo em risco não apenas o registro de um
importante passado histórico nacional, como ainda a integridade daqueles que ali se encontram.
Tal situação pode, aliás, ser extraída das próprias fotografias trazidas aos autos, onde se observa
uma condição estrutural decadente.
Faz-se necessário, portanto, que as medidas postuladas pelo MPF
no pedido liminar sejam concedidas de imediato, uma vez que o imóvel protegido corre risco
iminente.
5. DOS PEDIDOS
Diante dos fatos narrados, o Ministério Público Federal requer:
1. A concessão de medida liminar, nos termos do art. 12 da Lei nº
7.347/85 e do art. 273 do CPC, para que sejam condenadas as partes nas seguintes obrigações de
fazer:
a) ao IPHAN e ao INEPAC que realizem, de forma imediata, os
trabalhos emergenciais de contenção nas ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, a fim de
evitar que as últimas paredes do monumento desabem, bem como outras obras necessárias a
evitar o perecimento do bem;
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 30
b) ao IPHAN, que no prazo de 90 (sessenta) dias, conclua o
procedimento de tombamento da Igreja de Nossa Senhora da Piedade e realize os estudos
conclusivos acerca do valor arqueológico do bem em questão;
c) ao INEPAC, que no prazo de 90 (sessenta) dias, elabore projeto
de readequação arquitetônica da Igreja de Nossa Senhora da Piedade com vistas à restauração
das características originais do monumento;
d) seja determinado que o não cumprimento das obrigações acima
requeridas, acaso deferidas, no prazo avençado em cada um dos casos, sujeitará as partes ao
pagamento de multa diária a ser fixada ao prudente arbítrio do Juízo, por cada dia de atraso;
2. A citação do IPHAN, na pessoa de seu Superintendente no
Estado do Rio de Janeiro, do INEPAC, na pessoa de sua Diretora-Geral, do MUNICÍPIO DE
MAGÉ, na pessoa de seu Prefeito para, querendo, contestarem a presente ação.
3. A intimação da Diocese de Petrópolis, na pessoa de seu
administrador, na Rua São Pedro de Alcântara, nº 12, Centro, Petrópolis-RJ, para manifestar seu
interesse em integrar o polo ativo da lide;
4. A confirmação da tutela antecipada requerida, ou, em caso de
seu indeferimento, seja concedida quando da prolação da sentença.
5. A condenação do IPHAN, uma vez comprovado o valor
arqueológico do bem, a executar, no prazo de 06 (seis) meses, todas as obras necessárias para
completa consolidação e preservação das ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Piedade e a
proceder a inscrição da mesma no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos, assegurando-lhe
a proteção prevista na Lei nº 3.924/61;
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 31
6. A condenação do INEPAC e do MUNICÍPIO DE MAGÉ a
executar, no prazo de 12 (doze) meses, todas as obras necessárias para completa restauração da
Igreja de Nossa Senhora da Piedade, segundo projeto elaborado pelo primeiro.
Protesta-se por todos os meios de prova em direito admitidos,
inclusive a prova testemunhal e pericial.
Atribui-se à causa do valor de R$ 100.000,00.
Rio de Janeiro-RJ, 07 de janeiro de 2013.
LAURO COELHO JUNIORProcurador da República
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