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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ENFERMAGEM
JULIANA BEZERRA DO AMARAL
A MSICA COMO TERAPIA COMPLEMENTAR NA PALIAO DA
DOR EM IDOSOS HOSPITALIZADOS: LUZ DA TEORIA DE JEAN
WATSON
SALVADOR
2013
JULIANA BEZERRA DO AMARAL
A MSICA COMO TERAPIA COMPLEMENTAR NA PALIAO DA
DOR EM IDOSOS HOSPITALIZADOS: LUZ DA TEORIA DE JEAN
WATSON
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Enfermagem da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal da Bahia, como requisito para
obteno do grau de Doutora em Enfermagem, rea de
concentrao: Gnero, Cuidado e Administrao em
Sade, Linha de Pesquisa: Cuidar no processo de
desenvolvimento humano.
Orientadora: Prof. Dr. Maria do Rosrio de Menezes
SALVADOR
2013
A683
Amaral, Juliana Bezerra do. A msica como terapia complementar na paliao da
dor em idosos hospitalizados: luz da teoria de Jean Watson / Juliana Bezerra do
Amaral, 2013-262 pg
Orientadora: Profa. Dra. Maria do Rosrio de Menezes.
Tese (doutorado) Universidade Federal da Bahia. Escola de Enfermagem, 2013.
1. Enfermagem. 2. Musicoterapia-Idoso. 3. Dor - Tratamento. I. Menezes, Maria do Rosrio. II. Universidade Federal da Bahia. Escola de Enfermagem. III.
Ttulo.
CDU- 616-083:615.85
Mas preciso ter fora
preciso ter raa
preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria
Mas preciso ter manha
preciso ter graa
preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter f na vida...
(Maria, Maria Milton Nascimento).
Dedico minha me (Marlene) e ao meu pai (Amaral),
pelo amor incondicional, que transpe a fisicalidade e o tempo.
TEMPO DE AGRADECER
Ao Universo, fonte de energia que permite a realidade dos meus sonhos no tempo certo.
minha irm, Ana, e a minha sobrinha, Ana Lcia, pelo amor que compreende e apia.
Simone, Gui e Leo pelo reencontro.
toda a minha famlia, Amaral e Bezerra, pela torcida e vibrao.
minha orientadora, professora Maria do Rosrio de Menezes, por acreditar, compartilhar
seus conhecimentos e experincias no processo da pesquisa e pela sensibilidade crtica e
reflexiva transformadora.
professora Maria Antonia Martorell Poveda por ter colaborado ativamente na construo
desse estudo, por ampliar meus horizontes na arte da investigao, pelo carinho, acolhimento
e cuidado e pela oportunidade de conviver com sua famlia (Jaume e Joel).
Aos professores, Flvio Jos Gomes de Queiroz, Fernanda Carneiro Mussi, lvaro Pereira,
Normlia Diniz e Therezinha Vieira, pela disponibilidade e auxilio na construo desse
estudo.
Aos professores do Programa de Ps Graduao em Enfermagem da Universidade Federal
da Bahia
Fundacin Carolina e a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
(CAPES), pela bolsa concebida para realizao do estgio sanduche.
Aos membros do Ncleo de Estudo para a Valorizao do Envelhecimento (NEVE), Andrea,
Cntia, Eduardo, professora Ftima Bonfim, Luciene, Manuela, Valdenir.
Escola Bahiana de Medicina e Sade Pblica, em especial professora Maria de
Lourdes, coordenadora do Curso de Enfermagem, pela compreenso, incentivo e auxlio
durante a concretizao deste estudo.
Prefeitura de Salvador e a Secretaria Municipal de Sade por compreenderem a
importncia do meu aprimoramento profissional favorecendo o aperfeioamento do meu
trabalho na ateno bsica.
Ao Hospital Roberto Santos pelo consentimento para o desenvolvimento deste estudo,
fornecendo o espao e as condies para o mesmo.
s professoras da Universidad Rovira i Virgili, Tarragona Espanha, Maria Dolors Burjales
Marti, Maria Jess Montes Muoz, Virtudes Rodero Sanchez, Carmen Vives Ralats,
Genoveva Piz Godall, Maria Rosa Tamarit Sumalla pela receptividade e ensinamentos
compartilhados.
Aos amigos do doutorado, Rosana Silva, Cludia Geovana, Elaine Guedes, Mary Gomes,
Maria Rivemales, Rudval Souza, por dividir alm dos espaos de ensino-aprendizagem, as
expectativas da trajetria do curso.
Elisabete Schindler e Lorena Gomes pelo apoio e compromisso na coleta de dados e pelas
reflexes durante a vivncia no campo.
s minhas amigas, Carol, Oswaldira, Rosngela, Ana Shirley, Michelle e Cntia, que
compreenderam o quo importante esta fase era para minha vida e souberam respeitar sem
nunca esquecer a amizade, que nos une e fortalece, sem vocs a caminhada seria mais difcil.
A todas as pessoas idosas participantes deste estudo, por vivenciar a escuta musical e por
compartilharem suas emoes, sentimentos e sensaes evocadas com a msica.
AMARAL, Juliana Bezerra do. A msica como terapia complementar na paliao da dor
em idosos hospitalizados: luz da Teoria de Jean Watson. Tese (Doutorado em
Enfermagem). Universidade Federal da Bahia. 2012.
RESUMO
Estudo de natureza exploratria e descritiva com abordagem qualitativa e quantitativa
fundamentado nos princpios filosficos e cientficos do Modelo do Cuidado Transpessoal de
Jean Watson, que em sua essncia, entre outros fatores, valoriza a dimenso humana em
primeiro lugar. O objetivo geral foi analisar a influncia da msica como terapia
complementar na paliao da dor em idosos hospitalizados em unidades de clnica-mdica e
cirrgica de um hospital pblico de grande porte, da cidade do Salvador-Bahia. Participaram
do estudo 22 pessoas idosas com idade igual ou superior a 60 anos que foram submetidos a
trs sesses musicais, composta por trs msicas instrumentais de gnero diferente, durante o
perodo de 1 de maro a 15 de julho de 2011. A pesquisa utilizou um questionrio
abrangendo variveis sociodemogrficas, socioeconmicas, aspectos relacionados sade
auto-referida e clnica, Escala Verbal Numrica (EVN) para dor (0-10), a Palliative
Performance Scale (PPS), a Escala de Barthel, um roteiro para a observao direta e
entrevista contendo questes referentes aos objetivos da pesquisa. A coleta de dados foi
desenvolvida em cinco etapas: aproximao do contexto; identificao dos participantes;
caracterizao dos participantes; aplicao da msica; e observao e entrevista. Foram
realizadas anlises descritivas para caracterizar o perfil dos participantes atravs de
distribuies de freqncias uni e bivariadas e medidas descritivas (mdia, desvio padro e
mediana). As diferenas entre as propores das caractersticas clnicas e da sade auto-
referida e o sexo foram verificadas atravs do Teste Qui-quadrado Exato de Fischer, ao nvel
de 5% de significncia estatstica. Na anlise dos dados empregou-se o Software STATA verso
8.0. Para anlise das percepes e observaes geradas durante as sesses musicais utilizou-se
a anlise temtica de Minayo com base na Teoria Transpessoal de Jean Watson. Os resultados
revelaram homogeneidade nas caractersticas sociodemogrficas, socioeconmicas, sade
autorreferida e clnica dos idosos investigados. Dos depoimentos e observaes emergiram
trs categorias: O corpo sentido e o corpo falado, descrita por alvio da dor, relaxamento e
sensaes agradveis e de bem estar; Recordaes evocadas com a msica, marcadas por
emoes de um tempo vivido e de experincias espirituais e religiosas; Relao intersubjetiva
entre a Enfermeira-pesquisadora e a pessoa idosa hospitalizada, em que a presena consciente
e intencional foi apontada por expresses e falas de agradecimentos, como tambm pela
sensibilidade ao reconhecer as necessidades do momento das pessoas idosas. Os resultados
apontaram, por fim, que a msica como terapia complementar influencia na paliao da dor
de pessoas idosas hospitalizadas ao evocar emoes e sentimentos de bem estar e ao permitir
a recordao de tempos vividos, alcana a complexidade e subjetividade da pessoa,
possibilitando a reintegrao do corpo-mente-alma, na perspectiva da Teoria Transpessoal de
Jean Watson que valora a relao interpessoal entre a (o) enfermeira (o) e o ser cuidado.
Palavras-chave: enfermagem; idoso; dor; Msica; cuidados paliativos.
AMARAL, Juliana Bezerra do. La msica como terapia complementar en la paliacin del
dolor en ancianos hospitalizados: de acuerdo zacon la Teora de Jean Watson. Tesis
(Doctorado en Enfermera). Universidad Federal de Baha. 2012.
RESUMEN
Estudio de naturaleza exploratoria y descriptiva con abordaje cualitativa y cuantitativa
fundamentado en los principios filosficos y cientficos del Modelo del Cuidado
Transpersonal de Jean Watson, que en su esencia, entre otros factores, valoriza la dimensin
humana en primero lugar, El objetivo general fue analizar la influencia de la msica como
terapia complementar en la paliacin del dolor en ancianos hospitalizados en unidades de
clnica-mdica y quirrgica de un hospital pblico de grande porte, de la ciudad de Salvador-
Bahia. Participaron en el estudio 22 personas ancianas con edad igual o superior a 60 aos que
fueron sometidos a tres sesiones musicales compuestos por tres msicas instrumentales de
gnero diferente, durante el periodo de 1 de marzo a 15 de julio de 2011. La pesquisa utiliz
un cuestionario abarcando variables sociodemogrficas, aspectos relacionados a la salud auto-
referida y clnica, Escala Verbal Numrica (EVN) para dolor (0-10), la Palliative
Performance Scale (PPS), la Escala de Barthel, un guion para la observacin directa y
entrevista conteniendo cuestiones referentes a los objetivos de la pesquisa. La coleta de dados
fue desarrollada en cinco etapas aproximacin del contexto; identificacin de los
participantes; caracterizacin de los participantes; aplicacin de la msica; y observacin y
entrevista. Fueron realizadas anlisis descriptivas para caracterizar el perfil de los
participantes a travs de distribuciones de frecuencias uni y bivariadas y medidas descriptivas
(media, desvo padrn y mediana). Las diferencias entre las proporciones de las caractersticas
clnicas y de la salud auto-referida y el sexo fueron verificadas a travs del teste Qui-cuadrado
Exacto de Fischer, al nivel de 5% de significancia estadstica. En el anlisis de los datos se
emple el Software STATA versin 8.0. Para anlisis de las percepciones y observaciones
generadas durante las sesiones musicales se utiliz el anlisis temtico de Minayo con base en
la Teora Transpersonal de Jean Watson. Los resultados revelaron homogeneidad en las
caractersticas sociodemogrficas, socioeconmicas, a la salud auto-referida y clnica de los
ancianos investigados. De los testimonios y observaciones emergieron tres categoras: El
cuerpo sentido y el cuerpo hablado, descrito por alivio del dolor, relajamiento y sensaciones
agradables y de bienestar; Recordaciones evocadas con la msica, marcadas por emociones de
un tiempo vivido y de experiencias espirituales y religiosas; Relacin intersubjetiva entre la
Enfermera-pesquisidora y la persona anciana hospitalizada, en que la presencia consciente e
intencional fue apuntada por expresiones y palabras de agradecimientos, as como por la
sensibilidad al reconocer las necesidades del momento de los ancianos. Los resultados
apuntaron, por fin, que la msica como terapia complementar influencia en la paliacin del
dolor de ancianos hospitalizadas al evocar emociones y sentimientos de bienestar y al permitir
la recordacin de tiempos vividos, alcanza la complejidad y subjetividad de la persona,
permitiendo la reintegracin del cuerpo-mente-alma dentro de la perspectiva de la Teora
Transpersonal de Jean Watson que valoriza la relacin interpersonal entre el(a) enfermero(a)
y el ser cuidado.
Palabras-clave: enfermera; anciano; dolor; Msica; cuidados paliativos.
AMARAL, Juliana Bezerra do. Music as complementary therapy in the palliation of pain
in hospitalized elderly patients: based on the Jean Watson Theory. Thesis (PhD in Nursing).
Federal University of Bahia. 2012.
ABSTRACT
A study of an exploratory and descriptive nature with a qualitative and quantitative approach
based on the philosophical and scientific principles of the Jean Watson Transpersonal Caring
Theory, which in its essence, among other factors, values the human dimension in first place.
The general objective was to analyze the influence of music as complementary therapy in the
palliation of pain in hospitalized elderly patients in medical and surgical clinics of a large
sized public hospital in the city of Salvador -Bahia. Twenty-two elderly patients participated
in the study with ages equal or above 60 years, who were submitted to three musical sessions
composed of three kinds of instrumental music, during the period from March 1 to July 15,
2011. The research used a questionnaire comprising socio-demographic, socio-economic
variables, aspects related to self-rated and clinical health, Verbal Numeric Pain Scale (0-10),
the Palliative Performance Scale (PPS), the Barthel Scale, a guide for direct observation and
interviews containing questions related to the purpose of the research. The collection of
information was developed in five stages: context approach; identification of participants;
characterization of the participants; application of music; and observation and interviews.
Descriptive analyses were performed to characterize the profile of the participants through the
distribution of uni and bivariates and descriptive measures (average, standard deviation and
median). The differences between the proportions of the clinical and self-rated characteristics
and sex were verified by means of the Fischers Exact Qui-square Test, at the level of 5% of
statistical significance. In the data analysis the STATA version 8.0 Software was used. For
analysis of perceptions and observations generated during the musical sessions the Minayo
thematic analysis was used based on the Jean Watson Transpersonal Theory. The results
reveal homogeneity in socio-demographic and socioeconomic characteristics, in self-rated and
clinical health of the investigated elderly patients. From the testimonies and observations
three categories emerged: The sensed body and the spoken body, described as relief of pain,
relaxation and agreeable sensations and of wellbeing; Memories evoked with music, marked
by emotions of a period shared and spiritual and religious experiences; intersubjective
interchange between the research-nurse and the hospitalized elderly patient, where the
conscious and intentional presence was indicated through expressions and words of gratitude,
as well as sensitivity in the recognition of the necessities of the moment for the elderly. The
results point out, finally, that music as a complementary therapy influences in the palliation of
pain for elderly hospitalized patients by evoking emotions and feelings of wellbeing and
permitting memories of past experiences, reaching the complexity and subjectivity of the
person, permitting the reintegration of the body-mind-soul within the perspective of the Jean
Watson Transpersonal Theory which values the interpersonal relationship between the nurse
and the patient being cared for.
Key-words: nursing; elderly; pain; music; palliative care.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Caractersticas demogrficas dos participantes do estudo. HGRS. Salvador-BA,
maro -julho de 2011. (n=22)................................................................................................ 150
Tabela 2. Caractersticas socioeconmicas dos participantes de estudo. HGRS. Salvador-BA,
maro- julho de 2011. (n=22)............................................................................................ 152
Tabela 3. Caractersticas da sade autorreferida dos participantes de estudo. HGRS. Salvador,
BA, maro julho de 2011. (n=22)........................................................................................ 155
Tabela 4. Caractersticas clnicas dos participantes de estudo. HGRS, Salvador-BA, maro -
julho de 2011. (n=22)............................................................................................................. 160
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Representao do conceito de dor total............................................................. 64
Figura 2 Modelo de dor aguda versus adaptao............................................................. 66
Figura 3 Escala Numrica verbal..................................................................................... 69
Figura 4 Escala de Descritor Verbal................................................................................ 69
Figura 7 Escala de copos de Waley e Wong.................................................................... 70
Figura 8 Esquema Analgsico para Dor.......................................................................... 73
Figura 9 Estrutura anatmica do ouvido.......................................................................... 103
Figura 10 Diagrama de Constituio dos Participantes do Estudo, HGRS, maro a
julho de 2011.....................................................................................................................
126
Figura 11 Esquema geral da Coleta de dados................................................................. 132
Figura12 Esquema da 4 ETAPA da Coleta de dados..................................................... 134
Figura13 Esquema da observao participante em cada sesso musical......................... 134
Figura 14 Ilustrao da relao das categorias do estudo com o Caritas Processes da
Teoria Transpessoal de Jean Watson................................................................................
163
Figura 15 Esquema da influncia da msica como estmulo emocional......................... 180
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Sinais e sintomas presentes nas pessoas idosas em cuidados paliativos e os
principais instrumentos de avaliao conforme rea de valorizao e classe...................
56
Quadro 2 Aspectos da dor crnica no oncolgica e a depresso.................................. 67
Quadro 3 Modalidades de Terapias Complementares passveis de usar em Cuidados
Paliativos...........................................................................................................................
85
Quadro 4 Principais pressupostos da Teoria de Jean Watson......................................... 112
Quadro 5 Necessidades humanas, segundo a Teoria Transpessoal de Jean Watson....... 115
Quadro 6 Carative Factors e Caritas Processes............................................................. 118
Quadro 7 Relao das categorias do estudo com o Caritas Processes da Teoria
Transpessoal de Jean Watson............................................................................................
162
Quadro 8 Categorizao geral da anlise temtica.......................................................... 164
Quadro 9 O corpo sentido e o corpo falado: percepes da primeira sesso.................. 166
Quadro 10 O corpo sentido e o corpo falado: percepes da segunda sesso................. 168
Quadro 11 O corpo sentido e o corpo falado: percepes da terceira sesso.................. 169
Quadro 12 Subcategorizao da categoria o corpo sentido e o corpo falado.................. 170
Quadro 13 Relao das Subcategorias com o Caritas Processes da Teoria
Transpessoal......................................................................................................................
170
Quadro 14 Recordaes e imagens evocadas com a msica: percepes da primeira
sesso................................................................................................................................
189
Quadro 15 Recordaes e imagens evocadas com a msica: percepes da segunda
sesso................................................................................................................................
190
Quadro 16- Recordaes e imagens evocadas com a msica: percepes da terceira
sesso................................................................................................................................
192
Quadro 17 Relao das Subcategorias da segunda Categoria com o Caritas Processes
da Teoria Transpessoal de Jean Watson...........................................................................
192
Quadro 18 Relao intersubjetiva entre a Enfermeira e a pessoa idosa hospitalizada... 207
Quadro 19- Relao da terceira Categoria com o Caritas Processes, da Teoria
Transpessoal de Jean Watson...........................................................................................
209
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AIVDs Atividades Instrumentais Vida Dirias
ANCP Associao Nacional de Cuidados Paliativos
ANSNP Australian National Sub-acute and Non-acute Patiente
AVDs Atividades de Vida Dirias
CELADE Centro Latinoamericano y Caribeo de Demografa
CEPAL Comisin Econmica Para Amrica Latina Y El Caribe
COFEN Conselho Federal de Enfermagem
CP Cuidados Paliativos
CREASI Centro de Referncia Estadual de Ateno a Sade do Idoso
DANT Doenas e Agravos No Transmissveis
DCNT Doena Crnica e No Transmissveis
DNTS Doenas no transmissveis
EEUFBA Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia
EVA Escala Visual Analgica
EVN Escala Verbal Numrica
EVN Escala Verbal Numrica
HGRS Hospital Geral Roberto Santos
MCA Medicina Complementar e Alternativa
MT Medicina tradicional chinesa
MTC Programa de Medicina Tradicional
OMS Organizao Mundial de Sade
PNI Poltica Nacional do Idoso
PNPIC Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares no
Sistema nico de Sade
PNSPI Poltica Nacional de Sade da Pessoa Idosa
PROSI Programa Estadual de Ateno Sade do Idoso
SBED Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
SECPAL Sociedade Espanhola de Cuidados Paliativos
SESAB Secretaria de Sade do Estato da Bahia
SNA Sistema Nervoso Autnomo
SNC Sistema Nervoso Central
SUS Sistema nico de Sade
SUMRIO
INTRODUO.............................................................................................................. 29
1 CAPTULO I A ENFERMAGEM NO CUIDAR FRENTE AO
ENVELHECIMENTO....................................................................................................
39
1.1 O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL............................................................ 39
1.2 POLTICAS PBLICAS PARA A PESSOA IDOSA............................................... 43
1.3 O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO E O CUIDAR......................................... 47
1.4 CUIDADOS PALIATIVOS EM GERIATRIA.......................................................... 52
1.5 TERAPIAS COMPLEMENTARES NOS CUIDADOS PALIATIVOS.................... 75
2 CAPTULO II - A MSICA COMO RECURSO TERAPUTICO
COMPLEMENTAR.......................................................................................................
89
2.1 SILNCIO E RUIDO................................................................................................. 89
2.2 MSICA: CULTURA ARTE E CINCIA................................................................ 90
2.3 A MSICA E A CURA.............................................................................................. 95
2.4 A RESSONNCIA DA MSICA NA PESSOA HUMANA.................................... 102
2.5 O EFEITO TERAPUTICO DA MSICA............................................................... 104
3 CAPTULO III - MODALIDADES TRANSPESSOAIS DE CUIDAR-CURAR:
a teoria do cuidado transpessoal de Jean Watson.............................................................
109
4 CAPTULO IV INVESTIGAO EMPRICA A METODOLOGIA................. 121
4.1 TIPO DO ESTUDO.................................................................................................... 121
4.2 ESCOLHA DO LOCAL DE ESTUDO...................................................................... 122
4.3 LOCAL DO ESTUDO: HOSPITAL GERAL ROBERTO SANTOS........................ 123
4.4 PARTICIPANTES DO ESTUDO............................................................................. 124
4.5 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS....................................................... 127
4.5.1 Instrumentos de Coleta de Dados............................................................................. 128
4.5.2 Coleta dos Dados..................................................................................................... 132
4.6 ANLISE DOS DADOS............................................................................................ 146
4.6.1 Anlise Qualitativa................................................................................................. 146
4.7 ASPECTOS TICOS.................................................................................................. 141
5 CAPTULO V APRESENTAO E ANLISE E DISCUSSO DOS
RESULTADOS................................................................................................................
147
5.1 CARACTERIZAO SCIO-DEMOGRFICA E CONDIO CLNICA DOS
PARTICIPANTES..........................................................................................................
147
5.2 PERCEPES E OBSERVAES GERADAS DURANTE AS SESSES
MUSICAIS........................................................................................................................
161
6 CONSIDERAES FINAIS.................................................................................... 215
REFERNCIAS.............................................................................................................. 221
APNDICE A - FORMULARIO 1................................................................................. 250
APNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO.............................. 253
APNDICE C - ROTEIRO DE OBSERVAO E ENTREVISTA.............................. 255
ANEXO A - MINI EXAME DO ESTADO MENTAL................................................ 257
ANEXO B - PALLIATIVE PERFORMANCE SCALE (PPS)....................................... 259
ANEXO C - AVALIAO DAS ATIVIDADES DE VIDA DIRIA........................... 261
INTRODUO
A msica tem-se destacado como recurso teraputico, no campo da sade. Muitos
estudos tm demonstrado os benefcios dessa tcnica, em especial para pacientes em
condies crnicas de sade e que realizaram variados procedimentos cirrgicos.
Cientificamente, a resposta teraputica msica tem sido identificada quando aplicada,
sistematicamente, a um grupo de indivduos, submetidos a uma condio ou a um
procedimento que, de alguma forma, provoque desconforto, e aps a aplicao da msica
pode-se perceber a diminuio dessa sensao. (LEO; SILVA, 2004; HATEM, 2006;
TODRES, 2006; PUGGINA, 2006; FRANCO; RODRIGUES, 2009; TABARRO et al, 2010).
A msica , principalmente, percebida pela audio, rgo do sentido, pertencente
diviso do sistema nervoso perifrico. Mas, tambm, pode ser sentida pela reverberao das
ondas sonoras, atravs das estruturas corporais. Desse modo, aps ser captada, estimula o
sistema nervoso autnomo (SNA), provocando efeitos, inicialmente, na esfera fsica, e
posteriormente disseminada para os campos cognitivos, psicoemocionais, sociais e espirituais.
(WEINBERGER, 2005).
Pesquisas demonstraram que, na esfera fsica, a msica provoca modificaes de
sinais e sintomas, a exemplo de reduo da dor crnica; diminuio da dor aguda, no ps-
operatrio; relaxamento muscular; diminuio dos incmodos nas sesses de hemodilise;
reduo dos batimentos cardacos; diminuio da presso arterial e da frequncia respiratria.
(LEO; SILVA, 2004; HATEM, 2006; TODRES, 2006).
No que tange esfera cognitiva, autores como Clark et al (1998); Brotons e Koger
(2000) e Kydd (2001) relataram em suas pesquisas que, atravs da terapia da msica, ocorreu
melhora na comunicao verbal, na confuso mental e na cooperao de idosos com
demncia, durante o banho. Esses mesmos autores, somados as contribuies de Todres
(2006); Silva et al (2008) e Flores-Gutirrez e Diaz (2009), evidenciaram os benefcios da
msica na esfera psicoemocional, atravs da reduo da ansiedade e da agitao psicomotora,
melhora do comportamento agressivo, promoo da sensao de bem-estar, de alegria e de
felicidade.
Dessa forma, a msica, como recurso teraputico, tem-se apresentado como mais uma
interveno importante em situao de sade e doena, uma vez que atinge diversos nveis
corporais, favorecendo o estado de bem-estar e possibilitando melhor interao do indivduo
com o mundo ao seu redor, com o outro e consigo mesmo.
30
Assim, ao se conectar com a msica, a pessoa pode expressar melhor seus sentimentos
como medo, raiva, felicidade e alegria, o que possibilita uma ressignificao desses
sentimentos e da prpria existncia, melhorando o contato com familiares e amigos,
reduzindo a possibilidade de solido.
Priorizar a promoo do conforto s pessoas com doenas incurveis data desde a
Idade Mdia, quando os recursos curativos eram parcos e as teraputicas ditas, atualmente,
como complementares eram a nica possibilidade para alcanar alvio das dores e de servir de
acalanto para seus familiares que, naquela poca e ainda hoje, pouco podem fazer para
abrandar o sofrimento dos seus moribundos. Desse modo, essa preocupao com a promoo
do conforto era, e ainda , uma realidade de familiares de pessoas gravemente enfermas,
assim como dos profissionais que cuidam.
Segundo a Sociedade Espanhola de Cuidados Paliativos (SECPAL), o paciente sem
possibilidade teraputica de cura apresenta numerosos e intensos sintomas multifatoriais, que
provocam desconforto e, como exemplo desses eventos, pode-se listar: dor, dispneia;
incontinncia; anorexia; ansiedade; entre outros. Essa condio provoca forte impacto
emocional para o doente, famlia e equipe teraputica, tornando-se mais evidente quando esse
doente uma pessoa idosa, pois se percebe que o processo fisiolgico e funcional do
envelhecimento contribui para maior fragilidade do indivduo, ocasionando um maior grau de
dependncia. (SECPAL, 2012).
A escolha por estudar os cuidados paliativos em idosos deve-se s minhas
inquietaes, vivenciadas no desenvolvimento das atividades tericas e prticas do Curso de
Graduao em Enfermagem na Universidade Federal da Bahia (EEUFBA), resultando ao final
do Curso na construo do estudo intitulado: Atuao da Enfermagem frente dor e as dores
do paciente oncolgico. Durante o Curso de Especializao sob a forma de Residncia, com
rea de concentrao em Enfermagem na Ateno Sade do Adulto e Idoso, tambm nessa
mesma instituio, desenvolvi pesquisa sobre a percepo do paciente frente s reaes
desencadeadas pelo tratamento quimioterpico.
Ainda, na minha prtica profissional, como enfermeira assistencial em uma unidade de
terapia intensiva e transplante de medula ssea, tive oportunidade de cuidar de pacientes que
se encontravam em condies que indicavam a necessidade de cuidados paliativos. Todavia,
nessa unidade, ainda no era institudo os princpios desses cuidados.
Desse modo, foi durante o cotidiano das atividades de docncia, como professora
substituta, no nvel Auxiliar I, da Disciplina Enfermagem Clnico-Cirrgico I da EEUFBA
que os questionamentos e a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre cuidados
31
paliativos intensificaram-se, contribuindo para a construo da minha dissertao de
mestrado1, em 2006. Esta teve como objetivo principal compreender o significado atribudo
por enfermeiras ao cuidar/cuidado paliativo ao idoso hospitalizado, atravs da histria oral
desses profissionais. (AMARAL, 2006).
A experincia de coorientar um trabalho de concluso de curso de Graduao em
Enfermagem da EEUFBA, o qual buscou analisar, atravs de reviso de literatura, o uso da
msica como possibilidade de interveno paliativa na dor oncolgica, possibilitou-me a
aproximao com a resumida produo cientfica sobre esse objeto, o que promoveu reflexes
acerca dos resultados dessas produes e da importncia de colocar em prtica tal experincia
no cenrio do cuidado em sade 2. (AMARAL; MENEZES; ROCHA, 2008).
Nessa trajetria, impulsionada pela constante busca do conhecimento sobre a
enfermagem na ateno ao paciente em cuidado paliativo, este estudo tem como objeto: a
influncia da msica como terapia complementar na paliao da dor em idosos
hospitalizados.
Assim, surge a seguinte questo problema: a msica como terapia complementar
influencia na paliao da dor em idosos hospitalizados?
Nessa perspectiva, este estudo tem por objetivo geral analisar a influncia da msica
como terapia complementar na paliao da dor em idosos hospitalizados, luz da teoria do
cuidado Transpessoal de Jean Watson.
Os objetivos especficos consistiram em: descrever as caractersticas
sciodemogrficas e a condio clnica dos idosos com dor sob cuidados paliativos; descrever
1 O estudo teve por objetivo compreender o significado atribudo por enfermeiras ao cuidar/cuidado paliativo de
idosos hospitalizados, tendo como eixo referencial a antropologia cultural e a histria oral temtica. Pesquisa de
natureza exploratrio-descritiva com abordagem qualitativa na anlise de seus dados, tendo como campo de
investigao um Centro Geritrico de referncia do Ministrio de Sade para o atendimento de idosos de uma
Instituio Hospitalar filantrpica da Cidade do Salvador - Bahia. Os depoimentos dos participantes, dez
enfermeiras, foram obtidos atravs de entrevistas semiestruturadas, gravadas. Dos depoimentos das
colaboradoras emergiram cinco temas: significado do cuidado paliativo para as enfermeiras; participao da
famlia dos idosos nos cuidados paliativos; o domiclio o melhor local para os idosos em condies terminais
passarem o final de suas vidas; sentimentos que emergem durante o cuidado; dilemas ticos e bioticos dos
cuidados paliativos. Os resultados desta pesquisa demonstram que, apesar dos avanos tecnolgicos e cientficos,
os profissionais ainda esto em busca do conhecimento e aperfeioamento necessrio para cuidar de idosos em
condies terminais, sendo necessria a prtica da abordagem holstica na assistncia do indivduo,
contemplando a famlia nesse contexto, no intuito de proporcionar aos idosos, dignidade enquanto existir vida e
no processo de morte. 2 O trabalho intitulado O uso de msica como possibilidade de interveno paliativa na dor oncolgica recebeu
o Prmio Cicely Saunders de melhor trabalho cientfico durante o IV Congresso Latino-americano de Cuidados
Paliativos, promovido pela Associao Latino-americana de Cuidados Paliativos na cidade de Lima, no Peru,
entre os dias 26 e 29 de maro de 2008.
32
as percepes e reaes geradas com a escuta musical dos idosos com dor sob cuidados
paliativos.
O pressuposto deste estudo de que a msica, como terapia complementar, influencia
na paliao da dor em idosos hospitalizados.
Destaca-se que a escolha por investigar a dor, como sintomatologia, deve-se a sua alta
prevalncia em pessoas que esto sob cuidados paliativos, conforme os estudos de Cebrin e
Jimnez (2000); Burl (2002) e Solano (2009).
Dessa maneira, registra-se que o uso da msica, como recurso teraputico, para
indivduos com patologias mentais, dficits auditivos, visuais, cognitivos e em pacientes em
estado de coma, j vem sendo estudado h algumas dcadas (GAYNOR, 1999). Entretanto, na
atualidade, h pouca produo cientfica sobre o efeito da msica em pacientes idosos com
dor e em cuidados paliativos; em uma busca sistemtica na Biblioteca Virtual de Sade
(BVS), identificaram-se apenas 22 artigos internacionais, publicados na base de dados
Medline, no idioma ingls, nos ltimos 10 anos. Nessa pesquisa, foram utilizados como
descritores: msica; idosos; enfermagem; musicoterapia. Desses 22 artigos, apenas dois
(9,1%) avaliaram o efeito da msica em idosos com dor crnica por osteoartrose e dor aguda,
aps procedimento cirrgico. As demais, 20 (90,9%) verificaram o efeito da msica sobre a
ansiedade, qualidade de vida e depresso, alterao do comportamento e sono em idosos, na
sua maioria com demncia. Diante disso, foram identificados artigos que abordassem o uso da
msica em idosos com dor, sob cuidados paliativos.
Assim, este estudo justifica-se, porque os avanos tecnolgicos e cientficos na rea da
sade colaboraram para a transio demogrfica mundial e, por conseguinte, com a mudana
do perfil epidemiolgico de morbimortalidade da populao. Com o envelhecimento
populacional identifica-se um aumento das doenas crnicas, no transmissveis (DCNT)3,
que favorecem a uma condio incurvel, sendo necessrias intervenes que promovam o
conforto.
Nesse sentido, depois de conquistados os progressos tecnolgicos da medicina da era
moderna, a enfermagem precisa redescobrir a sua essncia e devolver s suas prticas a "arte
3 Refere-se a um subgrupo de entidades nosolgicas, em que o processo causal se constitui pela interao de
diversos fatores de natureza biolgica, social, entre outras. Ao contrrio como ocorre com as doenas
transmissveis em que a mesma est relacionada a mecanismos de transmisso de agentes etiolgicos. As
Doenas Crnicas e No Transmissveis (DCNT) antes denominadas Crnico-Degenerativas pertencem,
portanto, ao grupo das Doenas e Agravos No Transmissveis (DANT) as quais possuem etiologia multifatorial,
e compartilham vrios fatores comportamentais de risco modificveis. (COUTINHO et al, 2004).
33
de cuidar". " preciso interromper o atual padro de funcionamento da enfermagem. preciso
encontrar novas formas de cuidar. preciso criar novo ambiente de cura 4.
Justifica-se, ainda, no que diz respeito ao cuidado de enfermagem, como destaca
Watson em uma entrevista concedida em Portugal Revista Viso, em junho de 2007: A
enfermagem ps-moderna ter que retomar o esprito de Florence Nightingale e na mesma
entrevista complementou:
A enfermagem moderna virou-se muito para o tratamento mdico e a cura, o que a
tornou muito industrial e institucional. A ps-moderna conserva esta parte, mas tem
uma viso ampla. Traz de volta o humano. No meu trabalho identifiquei dez fatores
essenciais na enfermagem, em que falo de coisas menos habituais, como ajudar as
pessoas a preservar a sua f e esperana quando esto sofrendo e, trabalhar dentro
do seu sistema crenas. preciso dar-lhes a oportunidade de contarem a sua
histria e de expressarem sentimentos positivos e negativos. E os enfermeiros tm
de ser criativos, mesmo quebrando regras, para que a pessoa se sinta bem, seja
pondo msica ou outra coisa. Os doentes precisam saber que, alm de receberem
tratamento tecnolgico, tem algum sempre a seu lado, que far o que for preciso
pelo seu bem-estar. Reservo sempre tambm uma parte ao mistrio, ao
desconhecido (WATSON, 2007, p.24).
Nesse cenrio, percebe-se a necessidade emergente de promover conforto s pessoas
com doenas crnicas e no transmissveis, atravs do cuidado cientfico, criativo e sensvel,
que pode ser alcanado ao se incorporar os princpios e filosofia dos cuidados paliativos.
Esses cuidados, apesar de terem sua origem nas ordens religiosas, na Europa, durante
as cruzadas, na Idade Mdia, passaram por transformaes/renovaes com o avano da
medicina, tornando-os reconhecidos mundialmente como uma especialidade mdica que vem
proporcionar cientificidade e conforto a pacientes sem possibilidade teraputica de cura
(PESSINI, 2004).
Assim, a definio de cuidados paliativos sofreu ajustes e modificaes desde sua
origem, sendo atualmente definida pela Organizao Mundial de Sade (OMS) como:
[...] medidas que aumentam a qualidade de vida de pacientes e seus familiares que
enfrentam uma doena terminal, atravs da preveno e alvio do sofrimento por
meio de identificao precoce, avaliao correta e tratamento de dor e outros
problemas fsicos, psicossociais e espirituais (OMS, 2002, p.84).
Com base nessa definio, v-se que seus princpios visam o conforto nas esferas
biopsicossocial e espiritual de pacientes, com qualquer tipo de enfermidade terminal, no
estando mais relacionada apenas ao cncer em sua fase final, mas a qualquer doena crnica e
no transmissvel.
4 Dirio do Campus de Angra do Herosmo da Universidade de Aores - Aula na Escola superior de Enfermagem
de Angra do Herosmo da Universidade de Aores, Campos de Angra do Herosmo, Portugal, 2007. Disponvel
em http://desertosedesertificacao.blogspot.com.br/2007_06_01_archive.html. Acesso em 15.10.2012
http://desertosedesertificacao.blogspot.com.br/2007_06_01_archive.html34
Compreendendo que algumas doenas incurveis oncolgicas e no oncolgicas
podem estar presentes por muitos anos na vida dos pacientes, sem manifestar graves
problemas, a Associao Nacional de Cuidados Paliativos - ANCP (2006) menciona que a
Australian National Sub-acute and Non-acutePatiente (ANSNP), estabelece quatro fases
paliativas, em funo ao estgio da doena e aos nveis de complexidade: fase aguda refere-
se a uma fase de desenvolvimento inesperado de um problema ou em que h um aumento
significativo na gravidade dos problemas j existentes; em deteriorao fase em que ocorre
desenvolvimento gradual de problemas, sem que haja necessidade de uma alterao sbita no
manejo da situao; terminal que diz respeito fase onde a morte est iminente, em uma
previso de horas ou dias (agonia), e no se prevem intervenes agudas; e estvel
incluem-se as que no esto em nenhuma das fases anteriores.
Dessa forma, estudiosos como Gaynor (1999) e Johnson (2002) informam que
importante utilizar diversas estratgias teraputicas, no intuito de aliviar os sintomas e o
sofrimento daqueles que possuem uma doena incurvel, sendo o uso da msica uma
teraputica complementar, abordada como possvel recurso para alcanar o conforto desses
doentes.
Aproximando essa temtica da rea da Enfermagem, e considerando a msica como
arte e cincia, Benezon (1991) destaca a teoria Transpessoal de Jean Watson que, repensando
os fundamentos no trabalho Notas de Enfermagem, de Florence Nightingale, reconsidera as
artes de cuidar-curar, como sendo integrantes da prtica transpessoal. Desse modo, a
utilizao da arte em Enfermagem, para essa terica, contempla o indivduo em sua totalidade
(corpo-mente-esprito), pois essas so modalidades no invasivas, que promovem, por
exemplo, no campo da Tanatologia 5, da msica, o relaxamento, o alvio da dor e aumentam a
transio pacfica entre a vida e a morte. (WATSON, 2002b).
Nesse contexto, acredita-se que as possveis contribuies desta pesquisa sero:
aplicao da audio de msica em idosos hospitalizados, sob cuidados paliativos, com
queixas lgicas, em virtude da pouca ateno na paliao do sofrimento da doena, como
tambm, encontrar novas formas de cuidar e criar novo ambiente de cura, e ainda,
contribuir com uma produo cientfica sobre o tema, diante da inexpressividade de
publicaes, que abordam o tema de pessoas com esse perfil, no mbito nacional, destacando
a influncia da msica, como recurso teraputico complementar, na promoo da paliao da
5 Tanatologia uma palavra de origem grega: Tanathos - o deus da morte e logia cincia. Portanto, tanatologia
significa a cincia que estuda o fenmeno da morte e os processos emocionais / psicolgicos que envolvem a
relao com a morte, incluindo a morte e a perda.
35
dor em pessoas idosas hospitalizadas, uma vez que se trata de assunto controverso, em termos
dos provveis benefcios obtidos com sua implementao, apesar desse recurso estar sendo
frequentemente utilizado. Alm disso, espera-se provocar reflexes sobre o tema entre
profissionais de sade e gestores, considerando a sua utilizao prtica, possibilitando a
introduo de novas estratgias, que possam contribuir para humanizao do cuidado aos
idosos, em especial para aqueles que necessitam de cuidados paliativos.
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37
Pintura: An old woman of Arles, 1888; Vincent van Gogh (1853-1890) Oil on Canvas, 58 X 42.5 cm, Van Gogh Museum, Amsterdam - Holanda.
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1 A ENFERMAGEM NO CUIDAR FRENTE AO ENVELHECIMENTO
Convm no dissociar a velhice da vida em si a velhice , em suma, a cena
final desta pea, que a existncia.
Ccero (106 - 43 aC)
1.1 O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL
O Brasil, em 2010, tinha uma populao recenseada e estimada, nas grandes regies e
unidades federativas de 190. 755. 799 habitantes, desses 53 081 590 encontram-se na regio
nordeste e 14 milhes, na Bahia (IBGE, 2010). Esses dados caracterizam o Estado como um
dos de maior ndice populacional do Nordeste. Salvador, a sua capital, foi considerada como a
terceira cidade mais populosa do Pas, com 2.675.656 habitantes. Todavia, apesar do Brasil
estar entre os pases mais populosos do mundo, como: a China; ndia; Estados Unidos da
Amrica e Indonsia, a taxa de crescimento vem reduzindo paulatinamente de 3,04% ao ano,
no perodo de 1950-1960 para 1,17% ao ano e em 2010, podendo chegar ao ndice negativo
de -0,291%, em 2050. Isso se deve aos fatores de grande impacto no desenvolvimento
populacional, como a queda da taxa de fecundidade e a reduo da mortalidade. (IBGE,
2010).
Desse modo, com as projees da taxa de crescimento populacional negativa, a
tendncia do Brasil apresentar caractersticas de um pas envelhecido, porque, em 2008, as
crianas de 0 a 14 anos representavam 26,47% da populao total, enquanto que o contingente
com 65 anos ou mais era de 6,53%. Em 2010, de acordo com a sinopse do IBGE, a
participao relativa da populao idosa alcanou o percentual de 7,3% e, as previses para
2050 so de que essa populao superar os 22,71% da populao total, ao passo que as
crianas de 0 a 14 anos, correspondero a 13,15%. Na regio nordeste, a proporo de idosos
passou de 5,1%, em 1991 para 5,8%, em 2000 e de 7,2%, em 2010. (IBGE, 2010, 2008).
As principais variveis responsveis pela rpida transformao no perfil demogrfico
do Brasil se devem, conforme referido, queda na taxa de fecundidade e da mortalidade
infantil, levando a reduo do crescimento populacional. Os fatores que contriburam para as
mudanas dessas variveis compreenderam: aumento da escolaridade feminina, insero da
mulher no mercado de trabalho, saneamento bsico adequado nos domiclios, maior acesso
40
aos servios de sade, vacinao em massa, promovendo controle das doenas transmissveis
e os avanos da medicina, como a descoberta de novos antibiticos. (IBGE, 2010).
Registra-se que, apresentar os dados histricos das taxas de fecundidade e mortalidade
infantil permitir visualizarmos as transformaes, ao longo do tempo, das estatsticas da
populao brasileira e mundial, provocando reflexes iniciais sobre as suas repercusses, bem
como, a possibilidade da criao de aes e servios, que proporcionem dignidade e a
manuteno dos direitos humanos.
A taxa de fecundidade total, no Brasil, em 1980, era de 4,06 filhos e, a cada dcada,
esse valor foi-se reduzindo progressivamente ao ponto de, em 1990 ter sido de 2,79; em 2000
2,39; j em 2010, a projeo era de chegar a 1,76. Esse valor tende a manter seu decrscimo,
at atingir uma mdia de 1,5 filhos por mulher e se estabilizar. (IBGE, 2008).
No estado da Bahia, a exemplo de outras unidades federativas, o declnio do nmero
de filhos por mulher em idade frtil no perodo de 1970 a 2009 representou 73,8%. Assim, a
taxa de fecundidade em 1970, que era de 7,2; passou para 1,87, em 2009. (BAHIA, 2011).
Quanto taxa da mortalidade infantil no Brasil, esta, tambm, vem apresentando
declnio sendo estimada em 21,64, por mil nascidos vivos, indicando reduo de 28,03% ao
longo da dcada. (IBGE, 2010). Todavia, ainda elevada em comparao com outros pases
da America Latina (13,40 por mil, na Argentina; 7,20 por mil, no Chile e 13,10 por mil, no
Uruguai). Na Europa tem-se: (3,20 por mil, na Sucia; 3,00 por mil, na Noruega; 2,90 por mil,
na Islndia), e na sia (3,00 por mil, em Singapura; e 3,20 por mil, no Japo). Mas, em
relao a Serra Leoa, que se tem (160,30 por mil); Afeganisto (157,00 por mil) e Angola
(131,90 por mil), o Brasil apresenta valor bastante reduzido. (IBGE, 2008).
Considerando os ndices acima, a pirmide etria do Brasil, assim como no resto do
mundo, vem modificando seu formato triangular, para um formato caracterstico de uma
sociedade com aumento crescente da populao idosa. A base, cada vez mais estreita e o pice
mais largo, mostram o comportamento evolutivo da esperana de vida ao nascer, por sexo, o
que, em 1980 foi de 62,7 anos, para ambos os sexos; em 1990, de 66,6 anos, para ambos os
sexos; em 2000, de 70,4 anos, para ambos os sexos; em 2010, de 73,5 anos, para ambos os
sexos, havendo projeo, para 2050, de 81,29 anos, para ambos os sexos. (IBGE, 2010, 2008).
A Bahia vem apresentando, tambm, uma ampliao da esperana de vida ao nascer,
em mais de 32 anos de vida, passando de uma mdia de vida de 40 anos, para 73 anos,
segundo a Rede Interagencial de informaes para sade, Ripsa-Bahia. (BAHIA, 2011).
Registra-se que, no Japo, Islndia, Hong Kong, China e Espanha a expectativa de
vida atual j se encontra acima do nvel das projees brasileiras para 2050, sendo essa
41
realidade, reflexo das aes de promoo e preveno da sade, existentes nesses pases. O
Japo, por exemplo, criou o ambulatrio de Geriatria Peditrica, visando a preveno, desde a
infncia, de agravos comumente manifestados, com o passar do tempo.
Acredita-se que o Brasil, como um pas envelhescente6, tambm seguir a mesma
tendncia de modificao da pirmide etria, porm isso ainda caminha em passos lentos, em
virtude das contradies entre os indicadores econmicos e os indicadores sociais. O Brasil
apresenta indicadores econmicos semelhantes aos pases mais desenvolvidos e indicadores
sociais iguais aos pases menos desenvolvidos. (IBGE, 2010).
Desse modo, como consequncia das transformaes demogrficas, sociais e
econmicas, o Brasil depara-se com a transio epidemiolgica, a qual caracterizada pela
substituio das causas de morte, como das doenas transmissveis para as no transmissveis
e ainda por causas externas, alm disso, encontra-se o deslocamento da maior carga da
morbimortalidade entre a populao mais jovem do que para a mais idosa, e pelo predomnio
da morbidade, ao invs da mortalidade.
Assim, o cenrio atual da sade, no Brasil, apresenta um perfil de enfermidades
complexas e onerosas, em resposta ao contingente do grupo de idosos. As doenas
transmissveis, que eram responsveis por mais de 40% das morbimortalidades, na dcada de
50 do sculo passado, hoje, representam menos de 10%. Ao contrrio, as doenas
cardiovasculares (doenas no transmissveis), que em 1950 eram a causa de 12% das
morbimortalidade, atualmente, representam mais 40%. (IBGE, 2009).
De uma forma intrigante, a quantidade de idosos com doenas no transmissveis
(DNTS) vem reduzindo. Segundo o IBGE (2009), em 1998, 78,7% dos idosos informou ter
apenas uma doena; em 2003, essa porcentagem reduziu-se para 75,5%. Porm, a
preocupao concentra-se para os idosos, com mltiplas enfermidades, uma vez que, dos que
declararam possuir alguma doena, 64,4% tinham mais do que uma. (IBGE, 2009).
As DNTS podem corroborar para incapacidade funcional, envolvendo a mobilidade
fsica dos idosos, entretanto, elas nem sempre impedem a realizao das atividades dirias
(AVDs) e das atividades instrumentais (AIVDs), dos gerontes. Contudo, o declnio da
capacidade funcional um processo contnuo, que sempre ter relao com a carga da
enfermidade, a faixa etria da pessoa idosa e dos componentes intrnsecos do envelhecimento.
(IBGE, 2009).
6 A palavra envelhescente foi utilizada para referir-se s modificaes, ocasionadas pelo processo de
envelhecimento, que o Brasil se encontra.
42
A relao entre o declnio da capacidade funcional e a faixa etria foi percebida em
decorrncia da desigualdade da prevalncia de incapacidade funcional em pessoas com 60
anos ou mais de idade, nas diversas Regies do Brasil, em 2000. A regio nordeste apresenta,
entre a maioria dos estados, uma taxa de 28, 51% a 35, 50% pessoas/milho, enquanto que as
demais regies apresentam valores diferenciados, o que as privilegiam. (IBGE, 2009).
As repercusses do aumento das morbidades progressivas e incapacitantes so
incremento nos indicadores do uso dos servios de sade como: maior nmero de consultas
mdicas, taxa de internaes no Sistema nico de Sade (SUS) e do custo mdio por
habitantes com as hospitalizaes, no mbito do SUS.
Nesse contexto, possvel constatar que as patologias no transmissveis esto entre as
principais causas de internao hospitalar de idosos, e algumas causas destacadas,
compreendem: insuficincia cardaca, como a mais frequente com 12,1%, para as mulheres e
14,7% para os homens; seguida de pneumonia, bronquite e acidente vascular cerebral. (IBGE,
2009).
Na Bahia, em 2010, os principais grupos de causas de internao, em indivduos com
60 anos e mais, assemelham-se aos dados nacionais, apresentando incremento nos
percentuais. Portanto, conforme a Secretaria de Sade do Estado da Bahia (SESAB), as
doenas do aparelho circulatrio representaram 24,9% das internaes, seguida de 15,6%, das
doenas do aparelho respiratrio, (SESAB/SIH-SUS, 2010).
O informe epidemiolgico do SUS, em 2000, demonstrou que o atendimento da
populao com mais de 60 anos de idade, j respondia por 23% dos gastos pblicos, com
internaes hospitalares do tipo 17. Assim, diante dessa realidade percebe-se a importncia da
reestruturao e da implantao das polticas pblicas do idoso, principalmente no setor da
sade, pois preciso garantir maior acesso aos servios e oferecer atendimento especializado
e humanizado a essa faixa crescente da populao.
Deve ser registrado que, as caractersticas do processo sade-doena, no idoso, so
decorrentes das polipatologias, levando ao uso de vrios medicamentos; da deteriorao
rpida das condies agudas, quando no tratadas imediatamente; frequentes complicaes
secundrias s doenas e tratamentos e dos fatores sociais e ambientais, comumente
envolvidos no desenvolvimento, descompensao e recuperao dos problemas de sade.
(COELHO FILHO, 2000).
7 As autorizaes de internaes hospitalares (AIH) so classificadas em tipo 1 e tipo 5. A do tipo 1 emitida no
incio da internao pelo SUS, e quando a internao se prolonga alm do limite estabelecido para a
especialidade ou procedimento, emitido a AIH do tipo 5, a qual corresponde s internaes de longa durao
de pacientes crnicos ou fora de possibilidade teraputica.
43
Alm disso, ressalta-se que o processo fisiolgico do envelhecimento, tambm,
contribui para as particularidades descritas, uma vez que, ele caracterizado por um declnio
geral na habilidade de responder aos danos impostos ao organismo, e por maior demora na
sua recuperao, permitindo, assim, a presena de uma doena. (PETROIANU; PIMENTA,
1999).
1.2 POLTICAS PBLICAS PARA A PESSOA IDOSA
As repercusses do envelhecimento inexorvel da populao mundial atingem todos
os mbitos da sociedade, uma vez que a presena crescente de pessoas com idade avanada e
a mudana do perfil de morbimortalidade demandam modificaes e adaptaes no sistema
econmico, social e na sade (HUENCHUAN e RODRGUEZ-PIERO, 2010).
No Brasil, at a dcada de 90, do sculo XX, a conjuntura do envelhecimento
populacional esteve associada desorganizao do Sistema Social e Sanitrio. A
desestruturao da rede de sade apresentava gasto crescente nos servios oferecidos;
aumento da violncia ao idoso; ausncia de polticas de ateno e de rede de proteo, como
tambm, a ausncia de uma cultura de respeito, reconhecimento e valorizao da pessoa
idosa, entre outros, que eram evidentes nesse perodo. (HUENCHUAN; RODRGUEZ-
PIERO, 2010).
A partir de movimentos polticos e sociais, dessa poca, surgiu a Poltica Nacional do
Idoso (PNI), decretada e sancionada como Lei de nmero 8.842, em janeiro de 1994, sendo
regulamentada pelo Decreto de nmero 1.948, em 1996. O objetivo da PNI compreende:
assegurar os direitos sociais da pessoa com idade superior aos sessenta anos, criando
condies para promover a sua autonomia, integrao e participao efetiva na sociedade
(BRASIL, 1994).
Os princpios que norteiam a aplicao desta Lei so de que:
A famlia, a sociedade e o estado tm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos
da cidadania, garantindo sua participao na comunidade, defendendo sua
dignidade, bem estar e o direito a vida; o processo de envelhecimento diz respeito
sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informao para todos; o
idoso no deve sofrer discriminao de qualquer natureza; o idoso deve ser o
principal agente e o destinatrio das transformaes a serem efetivadas atravs desta
poltica; as diferenas econmicas, sociais, regionais e, particularmente, as
contradies entre o meio rural e o urbano do Brasil devero ser observadas pelos
poderes pblicos e pela sociedade em geral. (BRASIL, 1994, p.1).
44
Dentre as diretrizes postas na PNI, o apoio a estudos e pesquisas sobre as questes
relativas ao envelhecimento encontra-se presente, fazendo com que esta pesquisa esteja em
consonncia a essas diretrizes.
A PNI envolve, tambm, algumas aes Governamentais nas reas de promoo e
assistncia social, sade, educao, trabalho e previdncia social, habitao e urbanismo,
justia, cultura, esporte e lazer, no intuito de que ela seja implementada pelos rgos e
entidades pblicas. (BRASIL, 1994).
Na rea de sade, destacam-se as competncias para sua execuo, como:
Garantir ao idoso a assistncia sade, nos diversos nveis de atendimento do
Sistema nico de Sade; prevenir, promover, proteger e recuperar a sade do idoso,
mediante programas e medidas profilticas; adotar e aplicar normas de
funcionamento s instituies geritricas e similares, com fiscalizao pelos gestores
do Sistema nico de Sade; elaborar normas de servios geritricos hospitalares;
desenvolver formas de cooperao entre as Secretarias de Sade dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municpios e entre os Centros de Referncia em Geriatria e
Gerontologia para treinamento de equipes interprofissionais; incluir a Geriatria
como especialidade clnica, para efeito de concursos pblicos federais, estaduais, do
Distrito Federal e municipais; realizar estudos para detectar o carter epidemiolgico
de determinadas doenas do idoso, com vistas a preveno, tratamento e
reabilitao; e criar servios alternativos de sade para o idoso (BRASIL, 1994, p.3).
Ainda, no contexto da Sade, em 1999, o Ministrio da Sade, atravs da Portaria
Ministerial de nmero 1.395 criou a Poltica Nacional de Sade da Pessoa Idosa (PNSPI), a
qual assume que o principal problema que pode afetar o idoso a perda de sua capacidade
funcional. (BRASIL, 2006, p. 2). Em 2006, essa Poltica foi reformulada, e tiveram como
eixos norteadores as medidas preventivas, como destaque para a promoo da sade e o
atendimento multidisciplinar, quando foi publicado o Caderno de Ateno a Pessoa Idosa,
com o intuito de nortear a equipe de sade no atendimento a esse segmento da populao.
(BRASIL, 2006).
Na diretriz da PNSPI, Ateno Integral e Integrada Sade da Pessoa Idosa,
considera-se que a prtica de cuidados s pessoas idosas exige abordagem global,
interdisciplinar e multidimensional, devendo contemplar grande interao entre os fatores
fsicos, psicolgicos e sociais, que influenciam a sade dos idosos e a importncia do
ambiente no qual est inserido. Assim, entende-se que as terapias complementares, por levar
em conta a integralidade da pessoa humana, esto em conformidade a essa diretiva, sendo,
portanto, excelente recurso, que deve ser oferecido a toda populao idosa e, em especial
quela que se encontra em condies de fragilidade 8. (BRASIL, 2006).
8 A Poltica Nacional de Sade da Pessoa Idosa considera que idoso frgil ou em situao de fragilidade aquele que: vive em Instituio de
Longa Permanncia (Abrigos), encontra-se acamado, esteve hospitalizado recentemente por qualquer razo, apresente doenas sabidamente
45
Ao considerar e definir pessoas idosas frgeis, a PNSPI alinha-se s caractersticas das
pessoas que requerem ateno paliativa, havendo, por conseguinte, uma forte ligao entre
esses cuidados, s terapias complementares e a PNSPI.
Outro destaque da PNSPI, o qual pactua com a PNI e retoma a contribuio das
pesquisas a diretriz Apoio ao Desenvolvimento de Estudos e Pesquisas, que visa:
Fomentar pesquisas em envelhecimento e sade da pessoa idosa; identificar e apoiar
estudos/pesquisas relativos ao envelhecimento e sade da pessoa idosa existentes
no Brasil, com o objetivo de socializar, divulgar e embasar novas investigaes;
criar banco de dados de pesquisadores e pesquisas em envelhecimento e sade da
pessoa idosa realizadas no Brasil, interligando-o com outros bancos de abrangncia
internacional; identificar e divulgar as potenciais linhas de financiamento
Ministrio da Cincia e Tecnologia, Fundaes Estaduais de Amparo Pesquisa,
terceiro setor e outros para a pesquisa em envelhecimento e sade da pessoa idosa;
apoiar a realizao de estudo sobre representaes sociais, junto a usurios e
profissionais de sade sobre a sade da pessoa idosa; priorizar as linhas de pesquisas
em envelhecimento e sade da pessoa idosa a serem implementadas pelo SUS,
visando o aprimoramento e a consolidao da ateno sade da pessoa idosa no
SUS; e implementar um banco de dados nacional com resultados de avaliao
funcional da populao idosa brasileira. (BRASIL, 2006, p.11).
Retomando os aspectos legais e polticos, direcionados a pessoa idosa, em 2002 o
Ministrio da Sade props a organizao e a implantao de Redes Estaduais de Assistncia
Sade do Idoso, por meio da Portaria de nmero 702. Para a operacionalizao dessas redes,
foram criadas as normas para cadastramento de Centros de Referncia em Ateno Sade do
Idoso, atravs da Portaria de nmero 249, de 2002. (BRASIL, 2006).
Na Bahia, o Centro de Referncia Estadual de Ateno a Sade do Idoso (CREASI)
foi criado em 1994, em virtude das propostas do Programa Estadual de Ateno Sade do
Idoso (PROSI), atual rea Tcnica da Sade do Idoso. Entretanto, somente em 1999, o
Centro inaugurou a sua primeira sede. (BAHIA, 2012).
Tambm, em concordncia a PNI e com a finalidade de regular os direitos assegurados
s pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, instituindo penas severas para quem
desrespeitar ou abandonar cidados idosos, foi criado, em 2003, o Estatuto do Idoso, como lei
de nmero 10.741. (BRASIL, 2003).
Nesse Estatuto esto presentes polticas de proteo dos direitos bsicos do idoso,
como sade, educao, trabalho, justia; de proteo cidadania, liberdade, dignidade, ao
respeito e convivncia familiar e comunitria. (BRASIL, 2003). Assim, como na PNI e
visando ampliar o direito do idoso, o Estatuto dispe de ttulos e captulos, relacionados
causadoras de incapacidade funcional acidente vascular enceflico; sndromes demenciais e outras doenas neurodegenerativas, como: etilismo, neoplasia terminal, amputaes de membros , encontra-se com pelo menos uma incapacidade funcional bsica, ou viva situaes
de violncia domstica. Por critrio etrio, a literatura estabelece que tambm seja frgil o idoso com 75 anos ou mais de idade. Outros
critrios podero ser acrescidos ou modificados de acordo com as realidades locais. (BRASIL, 2006, p.10).
46
sade e capacitao dos profissionais de sade, relativa ao atendimento a pessoa idosa.
(BRASIL, 2003).
Entretanto, apesar das Polticas pblicas institudas para garantir o direito desse grupo
etrio, no Brasil, assim como em outros pases da Amrica Latina, percebe-se, ainda, dbil
movimento de coeso social, direitos humanos e do papel do Estado na preveno e
manuteno da dignidade da pessoa idosa. Desse modo, as discusses e acordos
internacionais em torno do desenvolvimento social e dos direitos humanos das pessoas idosas
tm sido, nas ltimas dcadas, assunto da agenda das Naes Unidas. (CELADE, 2011).
Desse modo, segundo o Centro Latino-americano y Caribeo de Demografa, desde a
adoo do Plano de Ao Internacional de Madrid, sobre o envelhecimento, em 2002, deram-
se passos importantes, a fim de fornecer visibilidade s pessoas de idade, como sujeitos que
requerem proteo especial dos seus direitos. Os rgos derivados dos tratados das Naes
Unidas e os mecanismos regionais de direitos humanos tm dado suporte nesse processo, e a
Declarao de Braslia 9, em 2007, foi um passo decisivo ao consensuar, em nvel regional, a
necessidade de impulsionar a aprovao de instrumentos especficos nessa matria.
(CELADE, 2011).
Assim, dentre as propostas, reafirmaes, apoio, reconhecimento e resolues,
presentes na Declarao de Braslia, destaca-se a recomendao sobre os cuidados paliativos
s pessoas idosas:
Recomendamos que se prestem cuidados paliativos s pessoas idosas, que padeam
de enfermidades em fase terminal, bem como apoio a seus familiares, e que os
profissionais sejam bastante sensveis e competentes para perceber o sofrimento e
alivi-lo mediante intervenes de controle de sintomas fsicos e psicossociais, em
consonncia com a assistncia espiritual requerida pela pessoa idosa. (CEPAL,
2007, p.4).
Nesse sentido, v-se a preocupao crescente com a manuteno dos direitos humanos
dos idosos, que se encontra com enfermidades crnicas e progressivas e que requerem
cuidado ativo e sensvel.
9A Declarao de Braslia foi formulada durante a segunda Conferncia regional intergovernamental sobre
envelhecimento na Amrica Latina e no Caribe: uma sociedade para todas as idades e de proteo social baseada
em direitos. A mesma foi realizada em Braslia, Brasil, em dezembro de 2007 com o propsito de identificar as
prioridades futuras de aplicao da Estratgia regional de implementao para a Amrica Latina e o Caribe do
Plano de Ao Internacional de Madri sobre o Envelhecimento. Alm disso, a conferncia buscou responder s
oportunidades e aos desafios que o envelhecimento populacional vem a suscitar nas prximas dcadas,
promovendo, por conseguinte, uma sociedade para todas as idades (CEPAL, 2007).
47
1.3 O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO E O CUIDAR
O envelhecimento um processo comum e natural a todo ser humano, que se inicia
desde o momento da concepo e continua at a morte; sendo entendido pela progresso de
mudanas dos processos bioqumicos, que determinam alteraes funcionais e estruturais,
com a idade, das clulas e da sustentabilidade funcional dos tecidos, assim como em todo o
organismo. (GIL, 1994, p. 18).
Para Berger (1995, p.123), o envelhecimento heterogneo e, portanto, cada indivduo
envelhece de forma e ritmo diferentes, tendo como influncia a herana gentica, o estilo de
vida, o ambiente, entre outros aspectos. Dessa forma, as mudanas impostas pelo
envelhecimento: trata-se de um processo normal, e no de sinais de doena.
O processo de envelhecimento, segundo Gil (1994, p.18) apresenta cinco
caractersticas fundamentais: 1) alteraes estruturais do DNA ao longo do tempo, que
produzem deficincias no RNA; 2) reaes dos radicais livres, provocando deteriorao dos
lipdios, colgeno, elastina e outras substncias como os cidos graxos poli-insaturado, o que
levar a formao dos produtos de peroxidao; 3) reduo do metabolismo celular, que se
reflete nas mudanas nutricionais nos idosos; 4) modificao da composio qumica do
organismo, atravs da diminuio de gua no espao intracelular, da massa celular ativa e do
aumento da gordura corporal e 5) diminuio da tolerncia a glicose, devido a carncia de um
componente do fator nutricional, chamada de glucose tolerance factor (GTF).
Essas caractersticas, descritas por Gil (1994), ocasionaro mudanas estruturais nas
clulas, tecidos, msculos, ossos, articulaes, pele, tecido subcutneo e tegumento; e
funcionais: sistemas cardiovasculares; respiratrio; renal e urinrio; gastrointestinal; nervoso e
sensorial; endcrino e metablico; reprodutor e imunitrio, que comeam a se manifestar
progressivamente, a partir dos 40 anos de idade. (BERGER, 1995).
No entanto, o envelhecimento, por sua vez, no marcado apenas por alteraes
biolgicas, porque diante da multidimensionalidade do ser humano, ele representado,
tambm, por modificaes psicolgicas, emocionais, sociais e espirituais, as quais so
impulsionadas pelo enfrentamento da aposentadoria, diminuio dos rendimentos, frequentes
perdas por morte do cnjuge, familiares e amigos; pelo prprio declnio da capacidade
funcional e pelas mudanas ocorridas nos papis sociais. (ELIOPOULOS, 2011).
Para Eliopoulos (2011, p.61), a adaptao ou no a essas mltiplas mudanas,
impostas pelo curso da vida, vo influenciar no comportamento, atitudes, valores, status e a
integridade psicolgica do indivduo idoso.
48
Assim, a velhice como ltima fase do ciclo da vida, percebida pela reduo da
eficincia dos sistemas reguladores do organismo de manter o equilbrio, diante de agentes
estressores, podendo, por conseguinte, levar ao aumento da morbidade. A morbidade, apesar
de ser mais bem tolerada pelos idosos do que pelos jovens, marcada pela presena de grande
fragilidade, com reduo significativa da funcionalidade laboral, familiar e comunitria, o que
vai acarretar, possivelmente, perda da autonomia.
Gil (1994, p. 22), enfermeira espanhola, comenta que, os estudos sobre morbidade, na
geriatria, mostram que 75% dos idosos apresentam algum sintoma; 25% precisam de cuidado
pessoal ou mdico permanentemente; 13% possuem dificuldade em sair sozinho de casa; 4%
esto confinados em seus domiclios e 2% encontram-se acamados. Alm disso,
aproximadamente 35% dos ancios ocupam leitos de agudos e a maioria de crnicos. Essas
porcentagens, apresentadas pela autora, demonstram o quadro de vulnerabilidade em que
esses enfermos se encontram. Desse modo, os profissionais de sade na ateno ao idoso
devem prioritariamente modificar suas atitudes e construir aes concretas que visam
satisfazer as necessidades reais (alimentao, higiene, sono e repouso), desses indivduos,
com base nas suas especificidades.
Compreendendo que o cuidado da enfermagem no deve estar centrado apenas na
doena e nas necessidades fsicas, Santos (2001) ressalta:
Para que os enfermeiros desenvolvam, de forma adequada, cuidados ao ser humano
idoso, alguns caminhos necessitam ser considerados, tais quais: manuteno do
bem-estar e vida autnoma, sempre que possvel, no ambiente domiciliar e onde tais
cuidados centrem-se no idoso, nas suas necessidades, de sua famlia e de sua
comunidade e no em sua doena; desenvolvimento de um trabalho multidisciplinar
e interdisciplinar, procurando partilhar responsabilidades, defendendo os direitos
dos idosos/famlia/comunidade; ampliao dos conhecimentos profissionais para
alm da rea gerontogeritrica, considerando que tudo est relacionado. (SANTOS,
2001, p.88).
Referindo-se ao cuidar, no dicionrio Michaellis (2008), cuidar significa cogitar,
imaginar, meditar, julgar, supor, preocupar-se com algum, ainda expressa precauo, cautela,
diligncia, desvelo e inquietao de esprito.
Collire (1999, p. 29) define cuidar como prestar cuidados, tomar conta e, primeiro
que tudo, um ato de vida, no sentido de que representa uma variedade infinita de atividades
que visam manter, sustentar a VIDA e permitir-lhe continuar e reproduzir-se.
Assim, a manuteno da vida, atravs do cuidar, est inserida no cotidiano dos
homens, durante toda a histria da evoluo da espcie humana, pois a espcie, para
sobreviver, e diante da possibilidade de morrer, utilizava-se do instinto. Posteriormente, esses
49
se tornaram conscientes, permitindo comportamentos afetivos, aproximando-se da atual
concepo de cuidado. (CARVALHO, 2003; WALDOW, 1998).
Considera-se, por conseguinte, que o ser humano progrediu diante das novas
necessidades que surgiam, a partir da evoluo de habilidades e capacidades, consideradas
no s na esfera biolgica, mas, tambm, nas esferas psicolgicas e sociais. Do mesmo modo,
foi observado, no movimento hospice10 moderno ou cuidados paliativos que, historicamente,
cuidavam-se dos enfermos, em fase terminal, visando apenas o alvio do sofrimento devido
lacuna da cientificidade da poca. Entretanto, uma mudana ocorreu posteriormente,
tornando-se um cuidado especializado, objetivando, tambm, o controle da dor e dos
sintomas.
Esse cuidado especializado no movimento hospice moderno deu-se a partir da
sensibilidade da Dr Cicely Saunders, que, dentro da sua trajetria profissional, possibilitou
melhoria no atendimento a esses pacientes.
Resgatando a histria da mulher nas prticas de cuidado, Waldow (1998) relata que os
cuidados aos incapacitados e idosos; a dedicao educao dos filhos, a manuteno da
casa, o preparo de alimentos e, em muitas culturas e pocas, o preparo de medicamentos
caseiros foram cuidados especficos das mulheres. Ainda, nesse sentido, Collire (1999)
salienta que as atividades das mulheres eram especificamente tomar conta, cuidar e tratar nos
extremos da vida, ou seja, do nascimento morte.
Na poca das Cruzadas, as ordens religiosas da Europa, que abrigavam os peregrinos
debilitados e doentes, muitos dos quais morriam posteriormente nessas casas, o cuidado era
prestado por irms de caridade e consistia, unicamente, em zelar materialmente e
espiritualmente por aqueles que contraiam enfermidades prprias da poca e onde a morte era
inevitvel. (PESSINI, 2004).
Dessa forma, o cuidado como parte integrante da vida, principalmente do homem, por
ser o nico animal a precisar de cuidados para sobreviver quando nasce, passa a ter um perfil
no s de instinto de sobrevivncia, mas, tambm, como cuidado humano, em que a
compaixo, a misericrdia, a humildade, o amor eram e continuam sendo fundamentais.
Posteriormente, muitos hospices foram abertos, utilizando a mesma modalidade de
servio oferecidos nas hospedarias de descanso, dos viajantes na Idade Mdia, inclusive o Our
Ladys Hospice, que era uma casa para alojar pacientes em fase terminal de doena e foi
10
A palavra hospice uma palavra inglesa que deriva do latim hospes que procede da expresso hospitum, a
qual significa casa que acolhe os peregrinos medievais.
50
fundado em 1846, por madre Mary Aikenhead, contempornea de Florence Nightingale.
(PESSINI, 2004).
Nesse contexto, Florence Nightingale tornou-se precursora da enfermagem moderna,
aps seu trabalho junto com 38 enfermeiras no hospital militar, durante a guerra da Crimia
(1853-1856), na Turquia, ficando desde ento, conhecida como a Dama da Lmpada,
(PESSINI, 2004; WALDOW, 1998).
Por esse perodo, o cuidar de Enfermagem j havia se tornado profissional. Conforme
Waldow (1998, p. 35), a essncia da Enfermagem pode ser definida como aes e atitudes de
assistir, apoiar, capacitar e facilitar, que influenciam o bem estar ou o status de sade dos
indivduos, famlias grupos e instituies, bem como condies humanas gerais, estilos de
vida e contexto ambiental.
Com o advento do capitalismo e, aps a primeira e a segunda guerras mundiais, as
transformaes do papel da mulher na sociedade foram importantes, propiciando mudanas na
forma de cuidar. Isso permitiu a Cicely Saunders levar adiante seu sonho de ser enfermeira,
apesar dos seus pais j terem sido contra essa escolha, fazendo com que ela fosse estudar
poltica, filosofia e economia. (PESSINI, 2004).
Desse modo, embora tenha estudado e se formado na Escola de St. Thomas Hospital,
Nightingale School em Londres, Saunders, apesar de formada, no pode dar continuidade ao
seu trabalho profissional, devido a problemas de sade. Ento, seguiu novamente para a
faculdade e estudou teoria poltica e administrao pblica e social, demonstrando, entretanto,
sua necessidade de estar prxima dos enfermos, sentimento comum naquela poca.
Diante dos trabalhos voluntrios como assistente social, com enfermos em fase
terminal, Saunders percebia que esses pacientes precisavam de muito mais do que era
propiciado pelos hospices, o que foi comprovado aps sua convivncia no ano de 1948, com
David Tasma, judeu portador de um cncer incurvel, que lhe deixou algumas libras, o que
possibilitou comprar a janela do futuro empreendimento de Cicely.
Durante essa convivncia, Tasma relatava que seus desejos eram: aliviar a dor causada
pela doena de base e ter uma pessoa para lhe ouvir e atender suas necessidades. A partir
desse momento, Cicely j sabia o que deveria ser feito. Assim, foi estudar medicina, no
intuito de se tornar autnoma e, em 1967, fundou na Inglaterra o St. Cristophers Hospice
(SANCHO, 1988; PESSINI, 2004).
Desse modo, essa extraordinria mulher foi responsvel pela modificao no
tratamento da dor e dos sintomas nos pacientes sem possibilidade de cura, unindo os recursos
farmacolgicos aos de apoio sociopsicolgico e espiritual.
51
Percebe-se que, a multiprofissionalizao de Cicely Saunders e sua sensibilidade ou
talvez, sua religiosidade, propiciou-lhe uma viso holstica no cuidado desses pacientes,
porque o cuidado, conforme Waldow (1998) compreende o sentido de afeio, preocupao,
assim como o de responsabilidade pelas pessoas necessitadas. Ele humanizado e holstico,
por compreender o indivduo na sua esfera biopsicosocioespiritual. Nesse sentido, a
sensibilidade de Saunders pode ser percebida nessa mensagem: No cuidado no momento
final da vida, quero que voc sinta que me importo pelo fato de voc ser voc, e faremos tudo
que estiver ao nosso alcance, no somente para ajud-lo a morrer em paz, mas tambm para
voc viver at o dia da morte. (PESSINI, 1994, p. 99).
Registra-se que, a Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (AIDS), flagelo que
surgiu nos anos 80, do sculo passado, acompanhado de discriminao e preconceito por estar
relacionada ao tabu do sexo, passou a ser assistida conforme a filosofia dos cuidados
paliativos, considerando-se a inexistncia de uma teraputica sem possibilidade de cura. At
ento, o cuidado paliativo estava voltado exclusivamente para as doenas oncolgicas.
Contudo, apesar dos preconceitos que ainda permeiam o paciente portador do vrus
HIV, o cuidado humano, como uma atitude tica inclui a percepo e o reconhecimento dos
direitos uns dos outros. Segundo Noddings (citada por WALDOW, 1998), o cuidado tico a
ao realizada no sentido de fazer o que moralmente correto, ou seja, nem sempre o
cuidado realizado naturalmente e de forma desejvel. Assim, Waldow (1998) refere que o
cuidado humano como atitude tica entendido como uma forma de viver em que seres
humanos tentariam harmonizar seus desejos de bem-estar prprio, em relao a seus prprios
atos, em funo do bem-estar dos outros. A Enfermagem como profisso do cuidar, deve ser
exercida de forma integral e tica, promovendo aes, diante das necessidades do indivduo e
da famlia, no permitindo, que os fatores ideolgicos e culturais interfiram nesse cuidado.
Juntamente com o surgimento da AIDS, todo o mundo passou por uma modificao
progressiva do perfil demogrfico da populao e, consequentemente, epidemiolgico. Essa
modificao deveu-se evoluo da sade mundial, a partir da melhoria na infraestrutura
sanitria dos pases em desenvolvimento e do desenvolvimento da tecnologia cientfica,
colaborando com diagnsticos e tratamentos de doenas, temidas no passado, tais como s
infecciosas e parasitrias que, no ano de 1980, j ocupavam o sexto lugar entre as causas de
morbimortalidade da populao brasileira. (BRASIL, 2000).
Nesse contexto, de mudana no perfil da populao, o Brasil que, em 2008, j contava
21 milhes de idosos, vem experienciando deficincia importante nos servios de sade, para
atender ao perfil de pacientes, acometidos por doenas no transmissveis e progressivas que,
52
em sua maioria so idosos e tendem a precisar de cuidados paliativos, conforme j relatado.
(IBGE, 2009).
, nesse sentido, que o movimento hospices moderno, vem sendo implantando em
todo o mundo, sendo amparado legalmente nos EUA, e apoiado desde 1980 pela OMS, que
vem incentivando o desenvolvimento de programas de controle dessas doenas, destacando-se
o cncer, que incluem preveno, deteco precoce, tratamento curativo, alvio da dor e
cuidados paliativos.
Assim, a filosofia dos cuidados paliativos afirma a vida e encara o processo de morrer
como um processo normal; no apressa nem adia a morte; procura aliviar a dor e outros
sintomas desconfortveis; integra os aspectos psicossociais e espirituais; oferece um sistema
de apoio e ajuda aos pacientes a viver to ativamente quanto possvel, at a morte;
disponibiliza um sistema de apoio para ajudar a famlia a lidar com essa situao, durante a
doena e no processo de luto. (MCCOUGHLAN, 2004; ORTIZ, 1993).
Tais princpios objetivam melhorar a qualidade de vida, envolvendo os fatores fsicos,
sociais, emocionais, psicolgicos e religiosos, devendo o paciente e a famlia constituir uma
unidade de trabalho; dar suporte e conforto, potencializando autonomia e respeitando os
direitos e as decises do paciente, a partir de informaes objetivas e verdadeiras; oferecer
servio de assistncia nas 24 horas do dia e sete dias por semana, oferecendo cuidados
continuados at o final de todo processo, com a participao de uma equipe multidisciplinar.
Dessa maneira, os cuidados paliativos vm abolir a viso de que o cuidado tem como
foco apenas a cura do corpo doente que, por sua vez, visto de forma fragmentada, como
objeto ou mquina, destituindo-o do ser, da riqueza e diversidade das suas experincias
subjetivas, isolando-o de seu meio e negando-lhe seu prprio viver e saber. (SILVA, 1997).
Essa autora mostra novo paradigma, emergente, chamado de cuidado
transdimensional, que amplia a perspectiva de ao do cuidado para alm do processo sade-
doena, tendo como nfase a vida em suas diversificadas formas de expresso. Assim, pode-
se dizer: O cuidado transdimensional extrapola o processo sade-doena e tem como foco a
vida em todas as suas formas de expresso e como meta a complexidade crescente de
expresso da conscincia e, consequentemente, de qualidade de vida no planeta. (p 18).
1.4 CUIDADOS PALIATIVOS EM GERIATRIA
A maior presena de enfermidades no transmissveis, progressivas e incapacitantes,
em virtude da crescente longevidade, tem promovido mudanas nas prioridades pessoais
53
sobre a vida. De tal modo, que no importa mais a quantidade de anos vividos, mas, sim, a
qualidade com que eles so vividos. (ASTUDILLO et al, 2000).
O envelhecimento atual da populao leva-nos a crer que, no mais em um futuro, mas
na conjuntura atual, o profissional de enfermagem, atender um nmero elevado de pessoas
idosas, no processo de finitude. Pacientes geritricos constituem, atualmente, o maior grupo
de pessoas que necessitam dos cuidados paliativos e, isso se deve a presena de
pluripatologias, que atingem os diversos sistemas, e que no respondem mais aos tratamentos
curativos e de reabilitao.
Por isso, h interesse crescente em incorporar atitudes e teraputicas dos cuidados
paliativos, voltadas para o grupo etrio que mais cresce em todo mundo, destacando que os
cuidados de conforto oferecidos aos enfermos com cncer podem proporcionar os mesmos
benefcios aos idosos. Sendo assim, Astudillo et al (2000, p.12) afirmam que a geriatria um
campo frtil para o desenvolvimento dos cuidados paliativos (CP), pois dispe de
conhecimentos especficos sobre o manejo e evoluo das fases das doenas irreversveis, em
estgio ava
Recommended