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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DA
AUSÊNCIA AFETIVA DOS PAIS
GISLAINE ALEXSANDRA BOSQUETTI
Biguaçu
2008
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DA
AUSÊNCIA AFETIVA DOS PAIS
GISLAINE ALEXSANDRA BOSQUETTI
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. MSc. Sérgio Luiz Veronese Junior
Biguaçu
2008
AGRADECIMENTO
São várias as pessoas a quem devo agradecer pela conclusão desta pesquisa.
Inicialmente, aos meus pais, Alonso e Reni, por toda a criação, acompanhamento, atenção, exemplos, ajuda e pela
forma com que cada um, do seu jeito, me proporcionou a realização deste sonho, bem como a toda a minha
inigualável e única "grande família". Sem vocês, nada disso seria possível!
Agradeço também ao Igor, meu grande amigo, companheiro, confidente, e minha filha Gabriela, meus
maiores presentes, por toda a paciência, amparo, respeito, amizade, incentivo e apoio, principalmente em todas as
horas em que abdiquei de suas companhias para dedicar-me aos estudos. Vocês foram fundamentais!
Agradeço ao meu querido orientador, Prof. MSc. Sérgio Roberto Veronese Junior, por todo auxílio, ensinamento,
confiança, e por toda paciência e incentivo quando parecia que não chegaria ao fim.
Agradeço as queridas amigas Prof. MSc. Luciana Merlin Bervian e MSc. Márcia Pereira da Silva, sempre se
furtando de suas horas (in)disponíveis em prol dos amigos, sem medir esforços para ajudar no que for preciso.
Agradeço também a todos os meus amigos, de perto e de longe, que acompanharam todos os momentos adversos,
sempre escutando, encorajando, estimulando, mesmo, muitas vezes, sem terem a menor noção do que escutavam
nas horas de desabafo.
Como não poderia deixar de mencionar, agradeço também as queridas amigas Valdirene, Anna Carolina e Giovana,
que sempre têm a palavra certa na hora certa, o silêncio no momento oportuno, a risada e o abraço que confortam.
E acima de tudo, agradeço a Deus, que me proporcionou todos os meios para que eu chegasse até aqui, mostrando-
me ainda, desde já, que posso ir além..
.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos aqueles que sempre estiveram
ao meu lado, acreditando no meu esforço, me incentivando, e que caminharam ao meu lado durante todo
meu tumultuado, árduo e compensador caminho.
Em especial, dedico à minha filha, fonte de inspiração para meu aperfeiçoamento como pessoa, e que me oferta um
amor incondicional sem esperar nada em troca.
Vocês sempre estarão, de alguma forma, presentes em minha vida.
“Fim não é o término daquilo que se
começou, e sim, uma pausa para se tomar
um fôlego e recomeçar alguma coisa
melhor”.
Marcos Antônio da Silva
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a
coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu, 20 de junho de 2008.
Gislaine Alexsandra Bosquetti
Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, elaborada pela graduanda Gislaine Alexsandra Bosquetti, sob o título Indenização
por danos morais em razão da ausência afetiva dos pais, foi submetida em 20 de junho de
2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Prof. Sérgio Luiz Veronese
Junior, MSc, Orientador, Prof. Roberta Schneider Westphal, Esp., Membro e Prof. Tânia
Margarete de Souza Trajano, Esp. e aprovada com a nota 9,77 (nove e setenta e sete).
Biguaçu, 20 de junho de 2008.
Prof. Sérgio Luiz Veronese Junior, MSc.
Orientador e Presidente da Banca
Prof. Dra. Helena Nastassya Paschoal Pitsica
Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................................9
ABSTRACT ............................................................................................................................10
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................11
I DA PATERNIDADE ...........................................................................................................14
1.1 OS LAÇOS FAMILIARES DECORRENTES DA CRENÇA ...................................14
1.2 A PÁTRIA POTESTAS .................................................................................................15
1.3 A INFLUÊNCIA DO DIREITO CANÔNICO E DAS ORDENAÇÕES NO
DIREITO BRASILEIRO.......................................................................................................18
1.3.1 O Direito Canônico.......................................................................................................18
1.3.2 As Ordenações ..............................................................................................................20
1.3.2.1 As Ordenações Afonsinas.............................................................................................20
1.3.2.2 As Ordenações Manuelinas ..........................................................................................20
1.3.2.3 As Ordenações Filipinas ...............................................................................................21
1.4 A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .............................21
1.4.1 Noções gerais de Parentesco.........................................................................................23
1.4.2 Filiação .........................................................................................................................26
1.4.2.1 Filiação Legítima..........................................................................................................26
1.4.2.2 Filiação Ilegítima .........................................................................................................27
1.4.2.3 Filiação Natural ...........................................................................................................28
1.4.2.4 Filiação Adotiva ...........................................................................................................29
1.4.3 Filiação na atual legislação ...........................................................................................30
1.4.4 Poder Familiar ..............................................................................................................31
1.4.4.1 Atributos do Poder Familiar ........................................................................................33
1.4.4.2 Suspensão do Poder Familiar ......................................................................................36
1.4.4.3 Perda do Poder Familiar..............................................................................................37
1.4.4.4 Extinção do Poder Familiar .........................................................................................38
II DA RESPONSABILIDADE CIVIL..................................................................................41
2.1 O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ..................................................41
8
2.2 RESPONSABILIDADE JURÍDICA E RESPONSABILIDADE MORAL ..............44
2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E RESPONSABILIDADE CIVIL
EXTRACONTRATUAL........................................................................................................44
2.4 ATO ILÍCITO ................................................................................................................45
2.5 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL..............................................46
2.5.1 Ação ou omissão do agente ou Conduta .........................................................................46
2.5.2 Culpa e dolo do agente....................................................................................................47
2.5.3 Elementos da Culpa.........................................................................................................48
2.5.4 Culpa Extracontratual......................................................................................................49
2.5.5 Nexo de causalidade e Excludentes ................................................................................49
2.5.6 Dano ................................................................................................................................52
2.6 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA..........................................................................56
2.7 RESPONSABILIDADE OBJETIVA............................................................................57
2.8 RESPONSABILIDADE DECORRENTE DO ABUSO DO DIREITO.....................58
III A AFETIVIDADE NO JUDICIÁRIO ............................................................................59
3.1 O DEVER DO AFETO ..................................................................................................59
3.2 AS CONSEQÜÊNCIAS DECORRENTES DA INOBSERVÂNCIA DOS
COMPORTAMENTOS PREVISTOS EM LEI ..................................................................68
3.3 A COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DA
AFETIVIDADE ......................................................................................................................71
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................80
REFERENCIAS .....................................................................................................................82
RESUMO
O presente trabalho tem por objeto o estudo do poder familiar, da responsabilidade
civil e as conseqüências decorrentes do descumprimento dos deveres inerentes do poder
familiar. Seu objetivo geral é verificar a imputação da indenização por dano moral face à
ausência afetiva dos pais. Os específicos são descrever os princípios constitucionais e leis
afins acerca do poder de família, ou seja, guarda, sustento, educação, zelo, acompanhamento,
bem como abordar a relação paterno-filial, o abandono afetivo e os problemas resultantes da
ausência dos pais; descrever a responsabilidade civil, sua origem, evolução e pressupostos, a
infração aos direitos assegurados pela legislação pátria e o dever de indenizar e; analisar a
reparação do dano moral em razão do abandono afetivo através da indenização. Quanto à
metodologia empregada, registra-se o método dedutivo. Ao final, observou-se que o
descumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar ensejam a possibilidade de
reparação pecuniária, como forma de compensação do ato lesivo
Palavras chave: Poder familiar. Dano moral. Afetividade.
ABSTRACT
The present work takes as an object the study of the familiar power, of the civil
responsability and the consequences resulting from the disobedience of the inherent duties of
the familiar power. The general objective is the imputation compensation checks for moral
damage face the affectionate absence of the parents. The specific ones are to describe the
constitutional beginnings and similiar laws about the power of family, in other words, it
guards, support, education, cook after attendance, as well as after the approach of the relation
paternal-branch, the affectionate desertion and the resultant problems of the absence of the
parents; to describe the civil responsability, his origin, evolution and presuppositions, the
breach to the rights secured by the brazilian legislation and the duty of compensating. To
analyse the mendig of the moral damage on account of the affectionate desertion trough the
compensation. As for employed methodology, the deductive method is registered. To the end, it
was noticed that the disobedience of the duties resulting from the familiar power, they provide
with an opportunity for the possibility of mending in cash, like the form of compensation to the
harmful act.
Keywords: Familiar power. Moral damage. Affectionate.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda um tema delicado e relevante, que ao mesmo tempo visa
inserir uma nova óptica ao mundo jurídico e à sociedade, qual seja, a relação afetiva entre pais
e filhos, sem pretender esgotá-lo.
Tem por objetivo geral verificar a possibilidade da indenização por dano moral com
cunho reparatório, pela ausência afetiva dos pais, e por específicos analisar os princípios
constitucionais e as leis pátrias acerca do poder de família, da responsabilidade civil e a
reparação decorrente do dano moral, bem como a reparação pecuniária pelo abandono afetivo.
A escolha deste tema ocorreu em razão da importância desta relação afetiva, situada
no campo do convívio, do acompanhamento físico e emocional, do amparo, do apoio efetivo.
Relação esta que ultrapassa a responsabilidade de sustento, de provimento material e
habitação, decorrente das modificações no âmbito das relações familiares e que tem
entendimentos divergentes, tanto nas doutrinas como nas jurisprudências pátrias.
Quanto ao método empregado, utilizou-se o dedutivo1.
Para tanto, delimitou-se o tema, abordando no primeiro capítulo a paternidade. Inicia-
se o estudo partindo da família antiga, na qual a relação familiar era consubstanciada na
crença religiosa, cujo poder conferido ao chefe de família era supremo, podendo inclusive
dispor e decidir sobre a vida e a morte de seus descendentes. Em seguida, verificou-se a
influência do Direito Canônico e das Ordenações na legislação pátria, buscando analisar sua
evolução histórica até a concepção atual, a partir da Constituição Federal de 1.988 e do
Código Civil de 2.002, os quais introduziram uma nova visão desta entidade, equiparando
todos os filhos, vedando de forma expressa qualquer tipo de discriminação, transformando-os
em sujeitos de direitos.
No segundo capítulo verificar-se-á a responsabilidade civil, alguns de seus
antecedentes históricos e sua transformação no decorrer dos tempos, a fim de atender as
necessidades da sociedade. Abordar-se-á o ato ilícito, os pressupostos da responsabilidade
civil, fornecendo-se as bases conceituais, abordando-se também as excludentes da
1 BARROS, Aidil de Jesus Paes de; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Projeto de pesquisa: propostas metodológicas. Petrópolis: Vozes, 1990.
12
responsabilidade em comento. Analisar-se-á os danos patrimoniais e extrapatrimoniais, ou
morais, as responsabilidades subjetivas e objetivas, bem como a responsabilidade por abuso
do exercício de direito próprio.
Posteriormente, no terceiro capítulo, analisar-se-á o dever e a importância do afeto nas
relações familiares, tendo em vista que a relação familiar entre pais e filhos perpassa a
responsabilidade de provir e sustentar o menor de idade, abrangendo também a educação, o
convívio, o afeto, o cuidado, o respeito, o acompanhamento tanto físico quanto emocional.
Também serão analisadas as conseqüências advindas do descumprimento dos deveres do
poder de família e os entendimentos contrários e favoráveis à indenização por dano moral em
razão da ausência afetiva dos pais.
Para a presente monografia, foram argüidas as seguintes premissas:
a) tendo por premissa maior o fato de a Constituição Federal e as leis pátrias
instituírem o dever de família, regularem a responsabilidade dos pais perante os filhos e
tutelarem os princípios de guarda, convivência, zelo, acompanhamento físico e emocional;
b) tem-se por premissa maior que a ausência injustificada dos pais causam traumas
profundos na formação da criança, uma vez que experimentam a sensação de abandono,
rejeição, ficando estas desprovidas de carinho, afeto, atenção, acompanhamento;
c) por fim, chegou-se a conclusão de que a indenização por danos morais em
decorrência do abandono efetivo dos pais visa compensar o filho pelo descumprimento dos
princípios constitucionais de dever de família, bem como imputar aos pais a reparação pela
omissão com relação a seus filhos.
Há duas correntes divergindo sobre este tema. Uma que entende não ser cabível
qualquer indenização sobre este enfoque, o que significaria monetarizar o amor, o afeto, ou
qualquer outro sentimento. Neste entendimento, o descumprimento de qualquer um dos
deveres inerentes do poder de família limita-se à suspensão, perda ou extinção do poder
familiar, analisado em cada caso concreto.
Diverge deste posicionamento a corrente que entende que a relação afetiva situa-se no
campo do convívio, do acompanhamento físico e emocional, do amparo, do apoio efetivo, que
ultrapassa a responsabilidade de sustento, provimento material e habitação. E esta relação
necessária à formação da criança resta prejudicada pela ausência afetiva dos pais, a qual a
Constituição Federal e a legislação brasileira contemplam a indenização por danos morais.
13
Ambas as correntes encontram-se embasadas em doutrinas, artigos e decisões
judiciais, todavia, por se tratar de um assunto relativamente novo e polêmico, são poucos os
casos judiciais acerca deste tema.
Por fim, apresentar-se-á as considerações finais acerca do presente trabalho,
indicando-se também as referências bibliográficas utilizadas.
I DA PATERNIDADE
O estudo acerca da paternidade é de grande relevância para a compreensão do tema
proposto, uma vez que se será abordado os direitos e deveres existentes na relação entre pais e
filhos, bem como a sua transformação no decorrer dos tempos.
No direito romano2, os filhos eram tidos como propriedade do pai, o qual exercia um
poder tão absoluto sobre este, que poderia inclusive decidir sobre sua vida. Ademais, a família
era unida pela crença, pela religião, em detrimento da origem natural.
Com a influência do Direito Canônico3 e das Ordenações, a legislação brasileira sofreu
muitas modificações no tocante a paternidade. Os filhos passarem da condição de propriedade
a sujeitos de direitos, havendo a previsão de sanções aos pais quando do descumprimento
destas garantias legais.
1.1 OS LAÇOS FAMILIARES DECORRENTES DA CRENÇA
Em toda casa de grego e romano havia um altar, sobre o qual sempre deveria haver
brasas e cinzas para purificação da casa e da família, e, também, através do qual os familiares
reunidos invocavam proteção, saúde, fortuna, riqueza, felicidade. O dono da casa tinha a
obrigação sagrada de conservar este fogo aceso, fosse dia ou noite, preservando este ritual
sagrado - Providência da família - que ao mesmo tempo era limitado ao interior de cada casa,
não se confundindo com o fogo da casa vizinha, a qual também tinha a sua Providência4.
Este culto se estendia também aos mortos, seus antepassados, uma vez que a família
acreditava que recebia destes toda a força e auxílio que necessitavam para sua sobrevivência.
Assim, os mortos da mesma família repousavam reunidos, sendo vedado qualquer pessoa de
sangue distinto ser enterrado junto.
Não existiam regras uniformizadas para a prática desta religião doméstica. Segundo
Fustel de Coulanges5, cada família tinha a liberdade de realização de culto, de reverência,
sendo o pai de família o único sacerdote que ensinava aos filhos os ritos, os hinos, as orações.
2 VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; DA SILVA, Marcelo Francisco. Poder familiar e tutela: à luz do novo Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2005. p. 15-16. 3 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: lei nº 10.402, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 7-8 4 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 38-40. 5 COULANGES, Fustel de. op. Cit. p. 41
15
Esta religião doméstica pertencia à família, sendo seu patrimônio, não sendo partilhado nem
revelado a qualquer pessoa estranha. Portanto, a manifestação da religião acontecia dentro da
própria casa, e não em templos ou cultos.
A família antiga tinha por alicerce a religião do lar e dos antepassados. Os laços
familiares se estabeleciam através da crença. Elucida Coulanges6: “O que unia os membros da
família antiga era algo mais poderoso que o nascimento, o sentimento ou a força física: e esse
poder se encontra na religião do lar e dos antepassados”. A união da família em torno da
religião e da crença era sobreposto a qualquer outra. Segundo o mesmo autor “a religião fez
com que a família formasse um só corpo nesta e na outra vida”7.
Assim, a família antiga caracterizava-se mais por uma associação religiosa do que
natural. Em decorrência disso, quando o filho se emancipava ou renunciava ao culto não mais
era considerado pertencente àquela família, inclusive sendo excluído da sucessão; o filho
adotado tornava-se verdadeiro ao comungar do culto. Destarte, a participação neste culto
sagrado da família é que regulava o parentesco e o direito à herança.
1.2 A PÁTRIA POTESTAS
O parentesco era entendido como a comunhão dos mesmos deuses domésticos.
Conforme Coulanges8 “o princípio do parentesco não estava no ato material do nascimento,
mas no culto”. Ou seja, as pessoas que praticavam o mesmo culto, faziam oferendas para os
mesmos deuses. Ademais, vigorava no Direito Romano a agnação – agnatio – ou seja, o
parentesco exclusivamente por parte do pai, sem qualquer relação com a família da mãe.
Sobre este tema, leciona Coulanges9 que a mulher não transmitia a vida nem o culto, sendo
que o filho era exclusivo do pai.
Assim, não havia qualquer parentesco por parte da mulher, uma vez que ela, ao se
casar, renunciava à sua própria família, pertencendo, a partir de então, à de seu marido,
6 COULANGES, Fustel de. op. Cit. p. 44. 7 COULANGES, Fustel de. op. Cit. p. 44. 8 COULANGES, Fustel de. op. Cit. p. 61. 9 COULANGES, Fustel de. op. Cit. p. 61. Conforme o autor, o filho não poderia pertencer a duas famílias distintas, ou seja, do pai e da mãe. Da mesma forma, não poderia invocar dois lares, nem ter duas religiões. Assim, de forma exclusiva, pertencia ao pai, seguindo apenas sua religião, suas crenças, sem qualquer relação com os descendentes e crenças de sua mãe.
16
cultuando os seus antepassados, e seus filhos não tinham nada em comum com sua antiga
família.
Em decorrência disto, o chefe com poder absoluto sobre a esposa, os filhos e escravos
– o pater famílias – detinha o poder patriarcal, que lhe permitia tomar todas as decisões
políticas, religiosas, jurídicas e familiares, sem interferência dos demais membros. Salienta
Joseane Veronese10 que o pater familias exercia este poder absoluto inclusive sobre as esposas
de seus filhos.
Esta relação de poder demonstra uma profunda desigualdade entre os membros da
família, uma vez que as pessoas sui iuris não estavam sujeitas ao poder de nenhuma outra
pessoa, ao contrário das alieni iuris, que ficavam submetidas ao chefe absoluto, qual seja, o
pater familias. A mulher enquanto criança estava submetida ao pai. Enquanto jovem, ao casar,
submetia-se ao marido e, na condição de viúva, ficava sob a submissão de seus filhos, ou, na
ausência destes, de um tutor ou parentes mais próximos do marido. Assim, vislumbra-se a
condição de submissão total e perpétua da mulher, não havendo qualquer momento em que
ela pudesse decidir e administrar sua vida ou sua família. Portanto, não adquiriam autonomia,
passando da condição de filhas a de esposas, em continuidade a sua condição de subordinação
ao homem.
O pater famílias tinha o poder de decisão sobre a filiação, ou seja, cabia-lhe o direito
de decidir sobre a vida do filho, se aceitava ou não esta filiação, uma vez que podia renunciar
à criança, como por exemplo, quando nascia com problemas físicos. Ou também, quando o
filho não participava do culto sagrado ou era emancipado, extinguindo-se a relação de filiação
com a família11.
Ainda, a patria potestas permitia ao homem dispor dos filhos conforme sua
necessidade ou vontade, da mesma forma que tinha total direito sobre os bens destes, uma vez
que aos filhos não era permitido adquirir nem administrar patrimônios. Independente da
origem de seus bens, seja pelo trabalho, comércio, seja pelo talento ou doação, cabia ao pater
famílias a domenica potestas, ou seja, a administração e o usufruto do patrimônio da família.
10 VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; DA SILVA, Marcelo Francisco. op. Cit. p. 18. No Direito Romano o agrupamento familiar, denominado família próprio iure, era formado por um chefe absoluto, o pater familiae, que era a pessoa sui iuris (independente) e que não possuía ascendente masculino vivo, e pelas pessoas alieni iuris (dependente) sobre as quais ele exercia sua potestas, quais sejam, sua esposa (potestas maritalis), seus descendentes – naturais ou adotivos – (pátria potestas) e respectivas mulheres, se casados fossem (potestas maritalis). 11 VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; DA SILVA, Marcelo Francisco. op. Cit. p. 16.
17
Conforme se verifica na lição de José Antônio de Paula12, o poder absoluto do pai sobre a
pessoa dos filhos, incluía, além do direito de matá-los, vendê-los ou expô-los, o direito sobre
todos os bens que eles adquirissem.
Importante contribuição nos dá Coulanges13, lecionando sobre este poder absoluto do
pai:
Ninguém na família lhe contesta a supremacia sacerdotal. [...] O direito de reconhecer o filho ao nascer, ou de repudiá-lo. [...] Enquanto o filho não estiver associado à religião doméstica, nada representará para o pai. [...] o direito de casar a filha, isto é, o direito de ceder a outro o poder que tem sobre ela. [...] o pai podia vender o filho. Era o pai que podia dispor de toda a propriedade pertencente à família, e o próprio filho podia ser considerado como propriedade sua [...].
Cabia sempre ao pai a administração e responsabilidade do lar, da família, do culto
religioso, dos rituais, das adorações fúnebres, da chefia suprema da religião doméstica,
resultante da desigualdade de poder entre seus membros.
Em decorrência do poder paternal designado pela lei romana, estava a
responsabilidade do pai em reparar o ato ilícito causado pelo filho. Uma vez que ao filho não
cabia o direito de ter nada seu, da mesma forma não cabia ser reivindicado nada na justiça
contra ele. Assim, “se o vosso filho, submetido ao vosso poder, cometer algum delito, a ação
em justiça será contra vós” 14. Desta forma, somente o pai poderia apresentar-se diante do
tribunal e responder civilmente pelos atos delituosos de seus filhos.
O poder familiar do pai eliminava qualquer direito do filho como cidadão. A partir do
século II, de acordo com Caio Pereira15, esta autoridade patriarcal começou a abrandar, de
forma a substituir a atrocidade pela piedade. E, após o século IV, a visão cristã norteia a
família no Direito Romano, através do espírito da caridade. Acrescenta Belmiro Welter16, que
“no final do século XVIII, o Estado passou a assumir uma participação ativa na formação
familiar. Os filhos pertencem à República, antes de pertencerem a seus pais”. Desta forma, o
Estado requisitava o filho para a participação em comícios, bem como assumir funções
públicas.
12 SANTOS NETO, José Antônio de Paula. Do pátrio poder. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 20. 13 COULANGES, Fustel de. op. Cit. p.98-100. 14 COULANGES, Fustel de. op. Cit. p. 100. 15 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 417. “Nem a evolução dos costumes, nem o direito da Cidade pôde abrandar o rigor deste poder soberano. A partir da República, houve ligeiro decréscimo. Mas, somente a partir do século II, é que se vislumbrou substituir na potestas a atrocidade pela piedade: nam pátria potestas in pietate debet, non atrocitate consistere”. 16 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 65.
18
1.3 A INFLUÊNCIA DO DIREITO CANÔNICO E DAS ORDENAÇÕES NO
DIREITO BRASILEIRO
1.3.1 O Direito Canônico
O Direito Canônico influenciou de forma considerável a história das sociedades. A
Igreja Católica regulava, através dos Cânones, as atividades de seus adeptos e todas as suas
normas jurídicas. Conforme elucida Inezil Penna17 , a palavra canônico deriva de kánon,
palavra grega que significa regra, e o termo cânone é utilizado para distinguir-se das leis dos
Imperadores. Ademais, o Direito Canônico também é conhecido como Direito Sagrado.
Estas normas estão divididas em dois grupos principais; o primeiro, que “deriva da
vontade divina, tal como se manifestou ela nas revelações pré-cristãs, nos mandatos de Jesus e
segundo se conclui das exigências inalienáveis da natureza humana”18 e o segundo grupo que
“nasceu da vontade da legítima autoridade eclesiástica” 19.
No que tange à matéria, divide-se em normas de Direito Público, que se referem à
Constituição da Igreja e normas de Direito Privado, que regulam as obrigações dos seguidores
da Igreja Católica. Assim, conforme se observa, sua estrutura tem por fundamento a Sagrada
Escritura e a vida cristã idealizada pelos sacerdotes, abrangendo os direitos e deveres de cada
indivíduo, fundamentados no amor, na caridade, na fé e no desenvolvimento. Seus fiéis
seguiam de forma absoluta estas regras, por temerem o pecado.
No decorrer do tempo, surgiu a necessidade de compilar estas regras e costumes, a fim
de serem conservados, tanto as lembranças quanto às práticas, surgindo assim o Direito
escrito da Igreja, através do Código Canônico20.
Pode-se observar, desta forma, que se encontra no Direito Canônico uma relação entre
o ius naturale (comum a todos os povos), ius gentium (decorrente do direito natural, uma vez
que existe pela simples natureza do ser humano) e ius civile (o direito positivado de cada
povo, de cada Estado).
17 MARINHO, Inezil Penna. O direito natural na idade média e no direito canônico. Instituto de Direito Natural: Brasília, 1979, p. 23-24. 18 MARINHO, Inezil Penna. op. Cit. p. 24. 19 MARINHO, Inezil Penna. op. Cit. p. 24. 20 MARINHO, Inezil Penna. op. Cit. p. 24.
19
No entanto, a crença no direito natural prevalecia sobre o direito positivo, que teria
sido estabelecido por Deus. Nas palavras de Inezil Penna21:
O Direito Natural está em dignidade por cima de todo costume e de toda lei positiva, de tal sorte que o costume ou lei positiva que o contradiga não tem nenhuma força de direito e a ninguém é permitido fazer algo que contradiga o Direito natural. Tampouco podem prevalecer contra o Direito natural as leis dos Príncipes, nem as da Igreja mesma, de tal modo que, desde que aparece demonstrado que contradizem o Direito natural, ficam por completo excluídas.
Assim, apesar de o direito positivo poder contrariar outro direito, não poderia de forma
alguma abolir o natural, uma vez que este poder civil era estipulado pela lei natural e também
pela lei divina. Ademais, o direito canônico complementava legislativamente o direito
positivo, em caso de lacunas deste, pois tratava sobre as matérias de direito penal canônico,
administrativo canônico, matrimonial canônico, patrimonial canônico, entre outros, vindo a
influenciar na elaboração do Código Civil de 1.917, em razão da força do catolicismo nesta
época, em especial o direito de família.
Na lição de Arnaldo Rizzardo22 , o direito de família brasileiro teve uma grande
influência do direito canônico, sendo justificável pela tradição do povo brasileiro, uma vez
que foi formado por colonizadores lusos, inspirada na cultura catolicista. No entanto, em
razão das grandes transformações históricas, culturais e sociais, passou a se adequar a atual
realidade, perdendo seu caráter canonista e dogmático.
Conforme leciona Orlando Gomes23, “a lei civil reproduziu várias regras do direito
canônico, e algumas instituições eclesiásticas se transformaram em instituições seculares, tal
como ocorreu, de regra, nos países católicos”. A religião influenciou de forma considerável
nos costumes da família, e por sua vez, na legislação pertinente.
21 MARINHO, Inezil Penna. op. Cit. p. 29. 22 RIZZARDO, Arnaldo. Op. Cit. p. 7-8 23 GOMES, Orlando. op. Cit. p. 9.
20
1.3.2 As Ordenações
1.3.2.1 As Ordenações Afonsinas
No século XV, em Portugal, diante da necessidade de organizar todas as leis existentes
afim de sistematizá-las, criou-se as Ordenações Afonsinas, a primeira ordenação pública, uma
compilação das leis gerais, incluindo os usos e costumes, as decisões das cortes e tribunais e
de forma subsidiária as normas do Rei e o direito canônico24.
Estava disposto de forma expressa que, em havendo lacunas na lei, deveria recorrer-se
ao Direito Romano ou ao Canônico, para resolução da omissão. Estavam dispostas em cinco
livros, separados por matérias, ou seja, em linhas gerais, o primeiro livro tratava sobre
funções públicas e administrativas; o segundo livro regulava a relação da igreja com o poder
estatal e regia os conflitos de normas; o terceiro livro regulava o processo civil e
competências; o quarto livro era considerado o primeiro código civil, tratando sobre a matéria
privada e comercial; o quinto livro compreendia o direito penal25.
1.3.2.2 As Ordenações Manuelinas
Em razão da criação de novas leis e da necessidade de atualizações no ordenamento
atual, foi determinada a criação das Ordenações Manuelinas, sendo finalizado o seu conjunto
de livros em 1.514, tendo sido conservadas várias disposições das Ordenações Afonsinas,
bem como a utilização do direito romano e canônico como legislação subsidiária26.
No entanto, apesar da ordenação atualizada, várias outras leis e decretos foram sendo
criados, sem incorporarem-se às Ordenações Manuelinas, dificultando assim o trabalho dos
24 PIERONI, Geraldo. A pena do degredo nas Ordenações do Reino. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2125>. Acesso em 02 de agosto de 2007. 25 PIERONI, Geraldo. A pena do degredo nas Ordenações do Reino. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2125>. Acesso em 02 de agosto de 2007. 26 OLIVEIRA, Adriane Stoll de. A codificação do direito. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3549&p=2>. Acesso em 02 de agosto de 2007.
21
juristas, na pesquisa de todas estas lei fora do ordenamento. Diante deste quadro, houve a
necessidade de nova compilação de leis e decretos utilizados27.
1.3.2.3 As Ordenações Filipinas
A última das Ordenações, as Filipinas, entrou em vigor em 1.603, e também manteve a
influência do direito romano e do direito canônico em seu conteúdo. Praticamente, as
Filipinas reuniu todas as Ordenações anteriores, agrupando as novas leis criadas
paralelamente, mantendo, assim, a sua estrutura antiga28.
Enfatiza Arnaldo Rizzardo29 que a principal fonte do ordenamento brasileiro foi as
Ordenações Filipinas, influenciada pelo direito canônico. Corrobora deste entendimento
Orlando Gomes30 ao constatar que a lei pátria regeu-se pelo direito português, em especial
pelas Ordenações Filipinas.
As Ordenações Filipinas tiveram seu reconhecimento nacional como legislação através
da Constituição Federal de 1.824, em seu artigo 179, XVIII31. Todavia, em 1.917 foram
revogadas, com a entrada em vigor do Código Civil de 1.916.
1.4 A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
No ordenamento jurídico brasileiro, o conceito de família passou por algumas
modificações no decorrer dos anos. O Código Civil de 1.916 tinha por base uma família
patriarcal, com heranças do Direito Romano, na qual o pai exercia um papel preponderante
27 OLIVEIRA, Adriane Stoll de. A codificação do direito. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3549&p=2>. Acesso em 02 de agosto de 2007. 28 OLIVEIRA, Adriane Stoll de. A codificação do direito. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3549&p=2>. Acesso em 02 de agosto de 2007. 29 RIZZARDO, Arnaldo. op. Cit. p. 7. 30 GOMES, Orlando. Direito de Família. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 10. 31 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro, 22 de abril de 1824. Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade.
22
perante a esposa e sua prole. Segundo Lucia Ferreira 32 , o Código Civil de 1.916 era
fundamentado na idéia de uma família patriarcal e da segurança dos filhos oriundos do
casamento.
Ao longo do tempo, esta visão de família sofreu influências das transformações
sociais, vindo a recepcionar ideais de igualdade, fraternidade, solidariedade, no qual passou “a
reconhecer, nestes parâmetros, princípios voltados à proteção da dignidade dos membros da
família, especialmente os filhos e a mulher”, conforme Lucia Ferreira33.
Com a promulgação da Carta Magna em 1.988, os direitos e deveres dos cônjuges
foram equiparados, descaracterizando o conceito de família com “caráter patriarcal”.
Ademais, o artigo 226 da Constituição Federal, em seus parágrafos 3º e 5º34, elevou a união
estável à categoria de família, havendo descendentes ou não, bem como equiparou o homem e
a mulher aos direitos e obrigações da sociedade conjugal.
O Código Civil de 2.002 ratificou as inovações advindas da Constituição Federal,
reforçando o papel idêntico do homem e da mulher nas relações matrimoniais.
No entendimento de Caio Pereira35, para conceituar família mister se faz destacar a
diversificação. Ou seja, no sentido genérico e biológico, além dos descendentes de um tronco
ancestral comum, “acrescenta-se o cônjuge, aditam-se os filhos do cônjuge (enteados), os
cônjuges dos filhos (genros e noras), os cônjuges dos irmãos e os irmãos dos cônjuges
(cunhados)”36. Corroborando neste sentido, Orlando Gomes37 preceitua que, em acepção lata,
engloba todos os que descendem de um mesmo ancestral e se juntam os afins.
32 FERREIRA, Lucia Maria Teixeira in LEITE, Heloisa Maria Daltro (org.). O novo código civil: livro IV do direito de família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. p. 165. Explica a autora que com o advento do Código Civil de 1916, estas relações tinham por fundamento uma ordem de valores fundamentada num tipo de família de caráter patriarcal, matrimonializada e hierarquizada, na qual se buscava a segurança e a preservação da filiação oriunda do casamento. 33 FERREIRA, Lucia Maria Teixeira in LEITE, Heloisa Maria Daltro (org.). op. Cit. p. 165. 34 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Art. 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 5º: Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. 35 PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. Cit. p. 19. 36 PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. Cit. p. 19. 37 GOMES, Orlando. op. Cit. p. 33. Neste sentido, abrange, além dos cônjuges e da prole, os parentes colaterais até certo grau, como tio, sobrinho, e os parentes por afinidade, sogro, genro, nora, cunhado. Stricto sensu, limita-se aos cônjuges e seus descendentes, englobando, também, os cônjuges dos filhos. Designa a palavra família mais estritamente ainda o grupo composto pelos cônjuges e filhos menores.
23
Nas palavras de Silvio Rodrigues38, o termo família, num conceito mais amplo, é a
reunião de todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue, provindas de um tronco ancestral
comum, incluindo neste contexto os parentes consangüíneos. De igual modo, se manifesta
Arnaldo Rizzardo39, quando diz que família é constituída por um grupo de pessoas com o
mesmo domicílio ou residência, integrada pelos pais ou por um deles e seus descendentes,
sejam legítimos, naturais ou adotados.
1.4.1 Noções gerais de Parentesco
O conhecimento desta relação reveste-se de suma importância, em razão de que a lei
atribui direitos e deveres recíprocos entre os parentes, seja de ordem pessoal, seja de ordem
patrimonial.
Para Orlando Gomes40, “parentesco é, pois, o vínculo entre pessoas que têm ancestral
comum”. Nos dizeres de Pontes de Miranda41, é a relação pela qual estão vinculadas entre si
as pessoas que descendem umas das outras, ou por consangüinidade, sendo um autor comum,
que neste caso aproxima por afinidade, e também a relação que se estabelece entre o adotante
e o adotado.
Enfatiza Arnaldo Rizzardo42 que o parentesco abrange as seguintes ordens: vínculo
conjugal (através do casamento); consangüinidade (quando houver um ascendente comum);
pela afinidade (formado através da lei mediante o casamento ou união estável, e que envolve
os parentes de um cônjuge com o outro, e vice-versa) e pela adoção, que não se distingue da
consangüinidade. Ademais, este liame, estabelecido por lei, não pode ser desfeito por ato de
vontade43. Cumpre esclarecer que a relação de afinidade não é tema desta pesquisa, apenas
sendo registrado este conceito.
38 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28 ed. Volume 6. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 4. 39 RIZZARDO, Arnaldo. op. Cit. p. 12. 40 GOMES, Orlando. op. Cit. p. 311. 41 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família. Vol. III. Campinas: Bookseller, 2001. p. 23. 42 RIZZARDO, Arnaldo. op. Cit. p. 393. 43 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 285.
24
Importante salientar que a Constituição Federal de 1.98844 equiparou o adotado ao
filho natural, atribuindo àquele os mesmos direitos e obrigações perante a família, sendo
vedado qualquer tipo de discriminação45. Também o Código Civil alcançou um novo tipo de
parentesco, tendo por base os avanços biotecnológicos, englobando a reprodução humana
artificial ou assistida 46 . Ademais, esta equiparação também está prevista no Estatuto da
Criança e do Adolescente, em seus artigos 20 e 4147. Posteriormente, a Lei nº 8.560, de
29.12.199248, regulou a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento,
revogando expressamente o artigo 332, do Código Civil de 1.91649, no qual diferenciava o
parentesco legítimo do natural.
A relação de consangüinidade é definida por Caio Pereira50 como “[...] a relação que
vincula, umas às outras, pessoas que descendem de um mesmo tronco ancestral”. Enfatiza
Rizzardo51 que “o único e real parentesco que existe é o consangüíneo ou natural, em face de
aspectos genéticos comuns que portam as pessoas".
O parentesco é contado por linhas. Ou seja, é o vinculo que liga uma pessoa à outra,
em relação a um tronco comum, podendo ser de forma reta ou colateral. A linha reta é
representada pelas pessoas que descendem umas das outras, ou seja, pelos ascendentes e
descendente, sendo que cada geração corresponde a um grau. Já na linha colateral há um
tronco comum, porém, as pessoas não descendem umas das outras.
44 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 6º: Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 45 DIAS, Maria Berenice. op. Cit. p. 283. Enfatiza a autora que a Constituição estendeu o conceito de entidade familiar ao vedar a distinção entre filhos em razão da origem da filiação. 46 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 293. 47 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 16 de julho de 1990. Art. 20: Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Art. 41: A adoção atribui à condição de filho ao adotado, como os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. 48 BRASIL. Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 de dezembro de 1992. 49 BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Rio de Janeiro, RJ, 1º de janeiro de 1916. Art. 332: O parentesco é legítimo, ou ilegítimo, segundo procede, ou não de casamento; natural, ou civil, conforme resultar de consanguinidade, ou adoção. 50 PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. Cit. p. 309. 51 RIZZARDO, Arnaldo. op. Cit. p. 393.
25
O Código Civil de 2.002, em seus artigos 1.591 e 1.59252, estabelece que a contagem
do parentesco em linha reta dar-se-á na relação de ascendência e descendência, e em linha
colateral, até o quarto grau, aquelas provenientes de um mesmo tronco, sem descenderem
entre si. Sobre isso, leciona Orlando Gomes53: “a linha é a vinculação da pessoa a tronco
ancestral comum. Divide-se em linha reta e linha colateral ou transversal”
Discorre Caio Pereira54 sobre este tema que em linha reta encontram-se as pessoas
ligadas por ascendência e descendência, e em linha colateral aquelas oriundas de um mesmo
tronco comum, porém, que não descendem umas das outras.
Sobre a contagem de graus, ou seja, a distinção entre parentesco de linha reta e linha
colateral, Silvio Rodrigues55 e Maria Helena Diniz56 definem que são parentes na linha reta as
pessoas que estão uma para com as outras, seja como ascendente ou descendente, e na linha
colateral as que provém de um mesmo tronco, porém, sem descenderem umas das outras.
O Código Civil de 2.002 inovou este conceito, tendo estendido de forma expressa o
parentesco civil, abrangendo tanto a adoção como outra origem, viabilizando a inclusão da
reprodução assistida, preceituado no já citado artigo 1.593, do Código Civil de 2.00257. Para
Rolf Madaleno58, os vínculos de parentesco têm uma importância essencial na relação jurídica
familiar, uma vez que são através deles que se desenvolvem os sentimentos de afeto,
52 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.591: São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de descendentes e ascendentes. Art. 1.592: São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra. 53 GOMES, Orlando. op. Cit. p. 312. 54 GOMES, Orlando. op. Cit. p. 312. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para as outras na relação de ascendentes e descendentes. A linha reta é ascendente ou descendente, conforme se encare o parentesco, subindo-se da pessoa a seu antepassado, ou descendo-se”. E são parentes em linha colateral as pessoas que, tendo tronco comum, não descendem uma das outras. Tais são os irmãos, os tios, os sobrinhos e os primos. O parentesco na linha colateral é limitado ao quarto grau. 55 RODRIGUES, Silvio. op. Cit. p. 290. 56 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 5 vol. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 412. Segundo a autora, serão parentes em linha reta as pessoas que estão ligadas umas às outras por um vínculo de ascendência e descendência (CC, art. 1.591). A linha reta é ascendente ou descendente conforme se encare o parentesco, subindo-se da pessoa a seu antepassado ou descendo-se, sem qualquer limitação [...]. Serão parentes em linha colateral aquelas pessoas que, provindas de tronco comum, não descendem umas das outras [...]. 57 RODRIGUES, Silvio. op. Cit. p. 290. Sobre este tema, discorre o autor “parentesco natural resulta da consangüinidade (art. 1.593). Parentesco civil é o decorrente da adoção ou de outra origem (art. 1.593, segunda parte). A lei é que denomina parentesco o vínculo que se estabelece entre adotante e adotado. No que diz respeito à adoção do maior de 18 anos pelo Código de 1916, o parentesco só prendia adotante e adotado e não os parentes de um e de outro [...]. Pelo novo Código, também neste caso, a adoção atribui a situação de filho ao adotado, deslingando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento (art. 1.626)”. 58 MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 135.
26
solidariedade, união, respeito, confiança, amor, enfim, todos os sentimentos inerentes da
entidade familiar.
As inovações trazidas para o ordenamento jurídico brasileiro vislumbram novos
valores nas relações de parentesco, bem como de filiação, conforme abordagem em próximo
tópico.
1.4.2 Filiação
O direito civil brasileiro diferenciava a filiação legítima, ilegítima, natural e adotiva,
conforme disposição do Código Civil de 1.916. Dava ênfase ao filho nascido das relações de
pessoas unidas pelo matrimônio. No entanto, a prole advinda de pessoas não casadas entre si
era uma realidade – prima facie – ou seja, uma realidade biológica, que tinha legalmente
previsto a sua discriminação.
Com o advento da Constituição Federal de 1.988, houve a equiparação de todos os
filhos, sendo vedado qualquer tipo de discriminação, independente de sua origem. O Código
Civil de 2.002 veio reforçar esta vedação constitucional de desigualdade entre a prole,
conforme será abordado em temas próprios.
1.4.2.1 Filiação Legítima
A filiação legítima decorria dos filhos nascidos na constância do casamento. Fazia-se
imprescindível que os pais fossem casados entre si, para este reconhecimento. Discorre
Orlando Gomes 59 que eram considerados legítimos os filhos nascidos na constância do
casamento, desde que o marido soubesse da gravidez.
Também neste entendimento, esclarece Guilherme Strenger60 que era legítimo o filho
nascido do casamento, desde que atendido os pressupostos da legitimidade, ou seja, que a
59 GOMES, Orlando. op. Cit. p. 321. Consideram-se legítimos, porém, independentemente de terem sido concebidos no período anterior a casamento determinado em lei, os que nascerem na constância do matrimônio, se o marido, antes de casar, tinha ciência da gravidez da concepção. 60 STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: LTr, 1998. p. 34.
27
criança tenha nascido de mulher casada, que o período de sua concepção e nascimento tenha
ocorrido durante o casamento e por fim, que seja obra do esposo da mãe.
Os filhos nascidos antes do casamento, adquiriam a legitimação por assimilação, desde
que o casamento fosse concretizado. O estado de filho legítimo era comprovado através da
certidão de nascimento, provando-se desta forma a maternidade, a presunção de paternidade e
conseqüentemente a filiação. No entanto, havendo a impossibilidade de se comprovar
diretamente a paternidade, “recorre-se a uma presunção pater is et quem nuptiae
demonstrant”61. Presume-se ser o pai o marido da mãe, até que ele prove o contrário. E
esclarece Silvio Rodrigues62 que esta presunção visava uma segurança familiar, afastando o
receio de infidelidade por parte da mulher. Acrescenta Orlando Gomes63: “Quem nascer 180
dias depois de iniciada a convivência conjugal dos pais ou nos 300 dias subseqüentes à
dissolução da sociedade conjugal terá, necessariamente, a condição de filho legítimo”.
Cumpre observar que apesar da presunção da paternidade, podia o marido, através dos
requisitos indispensáveis, contestá-la, diante da possibilidade de não ser o pai do filho de sua
mulher, ou seja, “a) na impossibilidade física de coabitação nos primeiros 121 dias ou mais de
300 que houveram precedido ao nascimento do filho; b) na separação legal; c) na impotência
absoluta” 64 . Assim, cabia ao marido o direito de, mediante ação judicial competente,
devidamente fundamentada nestes requisitos descritos, comprovar não ser o pai da criança.
1.4.2.2 Filiação Ilegítima
Decorria do filho nascido de pessoas não vinculadas pelo casamento válido, ou seja,
absolutamente impedidas de casar. Este impedimento decorria de parentesco ou pelo fato de
os pais já serem casados. Assim, os filhos havidos deste relacionamento eram classificados
por “incestuosos” e “adulterinos”.
O Código Civil de 1.916 não permitia o reconhecimento dos filhos ilegítimos,
claramente expresso em seu artigo 35865. Nesta ordem, observa Pontes de Miranda66 que
61 GOMES, Orlando. op. Cit. p. 322. 62 RODRIGUES, Silvio. op. Cit. p. 300. 63 GOMES, Orlando. op. Cit. p. 323. 64 GOMES, Orlando. op. Cit. p. 327. 65 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002.
28
mesmo havendo o reconhecimento por parte dos pais, seria considerado nulo, não produzindo
nenhum efeito contra o filho, nem a seu favor.
Porém, com o advento da Lei nº 88367, de 1.949, que dispunha sobre o reconhecimento
dos filhos ilegítimos, estes filhos extramatrimoniais poderiam ser reconhecidos por qualquer
um dos cônjuges, desde que estivesse dissolvida a sociedade conjugal. Segundo Orlando
Gomes68, este reconhecimento somente seria possível após a dissolução do casamento por
separação judicial, divórcio ou anulação do matrimônio.
1.4.2.3 Filiação Natural
Referia-se aos filhos de pessoas não impedidas de casar, ou de mulheres solteiras ou
viúvas, no momento de sua concepção. Oportuna a lição de Pontes de Miranda 69 neste
contexto: “filhos naturais, in specie, são pois aqueles cujos pais, ao tempo de os conceber, se
poderiam ter casado, sem dirimência [...]”.
Os filhos naturais não eram tratados da mesma forma que os legítimos pelo Código
Civil de 1.916. Assim, apesar da ligação consangüínea entre pais e filhos, não havia o vínculo
jurídico, do qual resultavam deveres e direitos entre ambos. Tomamos por exemplo o direito
sucessório, no qual não cabia ao filho natural a mesma parte do filho legítimo, conforme reza
o artigo 1.605, §1º, do Código Civil de 1.91670. Neste norte, explana Orlando Gomes71 que:
“[...] na sucessão dos filhos naturais, não eram tratados em pé de igualdade com os legítimos,
fazendo jus ao recebimento de herança, mas apenas a metade do que coubesse aos filhos do
casal, se com estes concorressem”.
Art. 358: Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos. 66 MIRANDA, Pontes de. op. Cit.. p. 101. 67 BRASIL. Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 26 de outubro de 1949. 68 GOMES, Orlando. op. Cit. p. 31. 69 MIRANDA, Pontes de. op. Cit. p. 94. 70 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.605: Para os efeitos da sucessão, aos filhos legítimos se equiparam os legitimados, os naturais reconhecidos e os adotivos. § 1º: Havendo filho legítimo ou legitimado, só a metade do que a este couber em herança terá direito o filho natural reconhecido na constância do casamento. 71 GOMES, Orlando. op. Cit. p. 339.
29
O filho natural podia ser reconhecido voluntariamente; conjuntamente, ou
separadamente, através de declaração no termo de nascimento, escritura pública ou
testamento, e na ausência da vontade do pai, através de via judicial.
1.4.2.4 Filiação Adotiva
A filiação adotiva decorre de um ato jurídico, pelo qual cria-se uma relação de filiação
entre adotante e adotado. Assim, institui-se legalmente um parentesco entre pais e filho. No
conceito de Caio Pereira72, é “o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho,
independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consangüíneo ou
afim”.
No direito romano, a adoção era a maneira de garantir a continuação da religião
doméstica, das oferendas fúnebres, do culto, quando o casal não tinha filhos. Era uma
celebração sagrada que se aproximava da cerimônia realizada quando do nascimento de um
filho. Desta forma, “Deuses, objetos sagrados, ritos, orações, passavam a pertencer-lhe em
comum com o pai adotivo”, esclarece Coulanges73, extinguindo todo o vínculo com a família
anterior do filho adotado.
O artigo 375, do Código Civil de 1.91674 previa a filiação por adoção, por ato de
vontade, sendo vedado qualquer condição ou termo para a prática. No entanto, permaneciam
os direitos e deveres com a família natural do adotado, exceto o pátrio poder, que seria
exercido pela família adotante. Com relação aos efeitos pessoais e patrimoniais, não era
equiparado ao filho legítimo, conforme se observa no artigo 1.605 do mesmo Código75 .
Assim, em matéria sucessória, não lhe caberia algum direito caso houvesse, há época da
adoção, filhos legítimos, legitimados ou naturais reconhecidos.
72 PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. Cit. p. 392. 73 COULANGES, Fustel de. op. Cit. p. 59. 74 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 375: A adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite condição, nem termo. 75 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.605: Para os efeitos da sucessão, aos filhos legítimos se equiparam os legitimados, os naturais reconhecidos e os adotivos.
30
1.4.3 Filiação na atual legislação
Entende-se por filiação a relação de parentesco existente entre o pai, a mãe e o filho,
do qual decorre uma gama de direitos e obrigações, uns para com os outros. É o vínculo mais
importante da aproximação das pessoas, que surge com o nascimento do filho e se prolonga
durante toda sua vida.
Nas palavras de Arnaldo Rizzardo76 , vislumbra-se a dimensão da importância da
filiação: “[...] nota-se a relevância da filiação, ao ponto de, na impossibilidade de consegui-la
por sangue, em razão de impedimento físico, é reproduzida através de ficção legal, no
instituto da adoção”.
Ademais, conforme ora mencionado, tendo a Constituição Federal de 1.988
equiparado todos os filhos, independente de sua origem, garantindo a todos os mesmos
direitos, vedando qualquer desigualdade e discriminação entre eles, não há se falar em
legitimidade nas relações de filiação.
Da mesma forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente vedou expressamente
qualquer tipo de discriminação decorrente da adoção, conforme já mencionado anteriormente,
atribuindo ao filho adotado a mesma condição de filho natural.
No entanto, observa Washington Monteiro77, somente com o advento do Código Civil
é que o princípio constitucional da isonomia absoluta entre filhos foi acatado. O Código em
comento não qualifica de forma discriminatória qualquer origem, tratando a todos de forma
igualitária. Todavia, em que pese a vedação da discriminação, Maria Berenice Dias78 chama a
atenção para os capítulos distintos acerca da filiação, no Código Civil. O capítulo "Da
filiação", que compreende os artigos 1.596 a 1.617, trata dos filhos nascidos na constância do
casamento, e o capítulo "Do reconhecimento dos filhos", compreendido pelos capítulos 1.607
a 1.617, tratam dos filhos havidos fora do casamento. Segundo a autora, esta tendência é
decorrente da visão sacralizada da família, bem como "da necessidade de sua preservação a
qualquer preço, nem que para isso tenha de atribuir filhos a alguém, não por ser pai ou mãe,
mas simplesmente para a mantença da estrutura familiar"79.
76 RIZZARDO, Arnaldo. op. Cit. p. 404. 77 MONTEIRO, Washington de Barros. op. Cit. p. 305. 78 DIAS, Maria Berenice. op. Cit. p. 293. 79 DIAS, Maria Berenice. op. Cit. p. 293.
31
O direito a convivência familiar, a transformação da criança em sujeito de direitos, a
atenção à dignidade da pessoa humana, a igualdade entre os filhos, independente de sua
origem, entre outros, resultou em novos conceitos na realidade, ou seja, na filiação
socioafetiva e estado de filho80. Neste último, ocorre quando existe uma situação jurídica que
não corresponde a verdade biológica. Ou seja, quando a criança é tratada como filho, usa o
nome da família e é conhecido no meio social como integrante desta família na condição de
filho. Na filiação socioafetiva, ocorre a posse do estado de filho. Nos dizeres de Maria
Berenice Dias81, "constituído o vínculo da parentalidade, mesmo quando desligado da verdade
biológica, prestigia-se a situação que preserva o elo da afetividade".
Vislumbra-se este mesmo entendimento na lição de Rolf Madaleno82, ao mencionar
que "a filiação socioafetiva é a real paternidade do afeto e da solidariedade: são gestos de
amor que registraram a colidência de interesse entre o filho registral e o seu pai de afeto".
Neste contexto, a verdadeira filiação não é a que descende geneticamente, mas dos laços de
afeto que são construídos83.
Em ambos os casos, a paternidade torna-se uma opção, um ato de vontade, que
extrapola os aspectos biológicos e jurídicos, e adentra no campo afetivo84.
1.4.4 Poder Familiar
O direito civil pátrio passou por muitas transformações com relação ao direito de
família. E neste propósito, visou-se proteger os interesses dos filhos sobre os pais, ou seja,
deixando de beneficiar quem exerce o poder sobre eles. Destarte, buscou-se converter o poder
despótico com origem no direito romano em um conjunto de direitos para os filhos. E um
80 DIAS, Maria Berenice. op. Cit. p. 296. 81 DIAS, Maria Berenice. op. Cit. p. 307. 82 MADALENO, Rolf. op. Cit. p.161. 83 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 241. 84 DIAS, Maria Berenice. op. Cit. p. 296-297. Segundo a autora, os vínculos da parentalidade não podem ser exclusivamente buscados no campo genético. O pai é aquele que age como tal, que dá afeto, assegura proteção e a sobrevivência do menor.
32
grande passo foi dado, com a vigência do Estatuto da Mulher Casada, Lei nº 4.121 de 1.96285,
ao reconhecer à esposa obrigações semelhantes à do marido, na sociedade conjugal.
Claramente visualizava esta mudança Guilherme Strenger 86 , ao enfatizar que a
autoridade dos pais estava em direção da igualdade plenamente do homem e da mulher, diante
dos deveres e direitos dos filhos, estando eles unidos ou não.
A Constituição Federal equiparou de forma expressa, em seu artigo 229, §5º87 , a
igualdade entre o homem e a mulher com relação aos filhos, uma vez que dividiu as
responsabilidades, deveres e direitos de formas idênticas. Também o fez o Estatuto da Criança
e do Adolescente88, ao prescrever a igualdade no exercício do poder familiar. Leciona Caio
Pereira89 que esta estrutura consagra “a doutrina jurídica da proteção integral, ao indicar que
os interesses dos pais não se impõem aos dos filhos, reconhecendo-se a condição de sujeitos
de direitos que a lei lhes atribui”.
Nos dizeres de Joseane Veronese90, este poder familiar, instituído pelo Código Civil de
2.002, em seu artigo 1.63091, é o conjunto do poder e do dever imposto pelo Estado aos pais,
de forma igualitária, a fim de manter, proteger e educar o filho menor, independente de sua
origem, enquanto não emancipado.
85 BRASIL. Decreto nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Estatuto da Mulher Casada. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 3 de setembro de 1962. 86 STRENGER, Guilherme Gonçalves. op. Cit. p. 44. 87 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Art. 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 5º: Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. 88 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 16 de julho de 1990. Art. 21: O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência. 89 PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. Cit. p. 422. 90 VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; DA SILVA, Marcelo Francisco. op. Cit. p. 21. 91 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.630: os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.
33
1.4.4.1 Atributos do Poder Familiar
Os direitos e deveres de cada parte, instituídos pelo poder familiar, estão dispostos no
artigo 1.634, do Código Civil de 2.00292, que manteve a redação original do artigo 384, do
Código Civil de 1.916. A Constituição Federal de 1.988 coaduna este múnus, quando impõe
aos pais o dever de assistência, criação e educação dos filhos, em seu artigo 22993, sendo que,
em contrapartida, os filhos terão os mesmos deveres para com os pais, na velhice, carência ou
enfermidade. Também o Estatuto da Criança e do Adolescente94 assegura aos filhos estes
mesmos direitos.
O Estado prevê a suspensão ou perda do poder familiar como sanções civis no caso de
descumprimento destas obrigações. Ainda no que se refere a não observância destas
imposições, Joseane Veronese95 ressalta o crime de abandono familiar, tipificado no artigo
244 do Código Penal96, cuja pena pode chegar a 4 (quatro) anos de detenção e pagamento de
multa.
92 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.634: Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação; II – tê-los em sua companhia e guarda; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimentos para casarem; IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobrevier, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V – representa-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI – reclama-los de quem ilegalmente os detenha; VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. 93 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Art. 229: Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos menores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 94 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 16 de julho de 1990. Art. 22: Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. 95 VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; DA SILVA, Marcelo Francisco. op. Cit. p. 31. 96 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 31 de dezembro de 1940. Art. 244: Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou menor de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada, deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.
34
Assim, cabe aos pais o dever de criação, educação, guarda, acompanhamento,
fiscalização dos filhos, enquanto menores, entre outros. Como criação, entende-se todos os
meios materiais imprescindíveis ao completo desenvolvimento do menor. Ou seja,
alimentação, moradia, vestuário, preservação da saúde, estudos, enfim, toda a gama de
necessidades para que o menor possa atingir a vida adulta habilitado a cuidar-se por si só97.
Com relação à educação, Joseane Veronese98 entende como sendo “todo o empenho
dos pais em formar emocionalmente e cognitivamente os filhos, incultindo-lhes valores para
uma vivência harmoniosa em sociedade”.
Vislumbra-se uma nova concepção sobre este “poder”. Na realidade, este poder
familiar confere aos pais uma conduta de proteção, de auxílio, de orientação, de amizade,
educação, de respeito, saúde, lazer, afetividade, companheirismo com o filho. Existe o
respeito mútuo, a cumplicidade, o desejo de estar presente e ao mesmo tempo de dar a
liberdade necessária para o crescimento e desenvolvimento psíquico do filho, de seu caráter,
de sua conduta.
Aliás, tão importante quanto o desejo de estar acompanhando o filho em todos os
momentos de seu crescimento é a presença constante dos pais, proporcionando um
desenvolvimento equilibrado e sadio. É imperioso lembrar que a liberdade do filho tem por
limite o direito dos pais, sendo a recíproca verdadeira. Todavia, essa liberdade em pauta não é
desmedida. Nos dizeres de Fabíola Albuquerque 99 , “é uma liberdade emoldurada no
pressuposto da socialização, da realização afetiva dos seus membros, logo funcionalizada à
densificação do princípio da dignidade da pessoa humana”.
Esta igualdade de poder, conferido a ambos os pais, segundo Maria Helena Diniz100,
advém da necessidade natural de toda pessoa, enquanto criança, ter alguém para criá-lo,
educá-lo, ampará-lo, defendê-lo, bem como a seus bens. Neste norte, salienta Rizzardo101 que
o momento histórico atual é de igualdade entre os membros da família, “onde a autoridade
dos pais é uma conseqüência do diálogo e entendimento, e não de atos ditatoriais ou de
97 VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; DA SILVA, Marcelo Francisco. op. Cit. p. 30. 98 VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; DA SILVA, Marcelo Francisco. op. Cit. p. 31. 99 ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Afeto, ética, família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 167. 100 DINIZ, Maria Helena. op. Cit. p. 515. 101 RIZZARDO, Arnaldo. op. Cit. p. 599.
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comando cego”. Os pais não são mais o senhor dos filhos, mas aqueles com quem podem
confiar sua segurança, liberdade, respeito, dignidade.
A legislação pátria, ao delinear o poder familiar de forma igualitária entre ambos os
ascendentes, levou em consideração a conjuntura da atual sociedade. A nova visão do homem
na instituição do casamento, que deixou de ser o senhorio, o chefe e único responsável pela
sociedade conjugal. A transformação no mercado de trabalho, com a inserção do trabalho
feminino, ocasionando, conseqüentemente, uma transformação no seio das famílias, onde as
mulheres têm participado ativamente no seu sustento, administração, responsabilidades, levou
a equiparação da função de criação e educação dos filhos a ambos os pais.
O poder familiar é indisponível e inalienável. Ou seja, os pais não podem
simplesmente abdicá-lo, nem transferi-lo, salvo no caso de adoção, previsto no artigo 166, do
Estatuto da Criança e do Adolescente102. Neste caso, uma vez que consentem com a adoção,
transferem este múnus público aos pais adotivos, de forma voluntária.
Da mesma forma, o término ou o início de uma nova sociedade conjugal não põem fim
ao poder familiar. Enfatiza Caio Pereira 103 que “a separação judicial e o divórcio não
implicam alteração no poder familiar que, num como no outro caso, continua a ser exercido
por ambos os genitores”. Ademais, conforme prescreve o Código Civil de 2.002, em seus
artigos 1.579104, 1.588105 e 1.589106, independente de os pais morarem juntos com os filhos,
persiste o dever de amparo, sustento, zelo, acompanhamento, companhia, e todos os demais
102 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 16 de julho de 1990. Art. 166: Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do pátrio poder, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes. Parágrafo único: Na hipótese de concordância dos pais, eles serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público, tomando-se por termo as declarações. 103 PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. Cit. p. 424. 104 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.579: O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos. Parágrafo único: Novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não poderá importar restrições aos direitos e deveres previstos neste artigo. 105 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.588: O pai ou a mãe que contrair novas núpcias não perde o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial, provado que não são tratados convenientemente. 106 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.589: O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
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deveres. O poder familiar independe do estado civil dos pais. Assim, ter a guarda do menor
não significa ter o poder familiar exclusivo, em detrimento do outro.
As obrigações e direitos advindos em razão da condição de pais, serão igualmente
divididos, sempre levando em conta o melhor interesse da criança. Ratifica este entendimento
Fabíola Albuquerque107, lecionando acerca da preservação da unidade familiar, quando diz
que esta “não se confunde nem com a convivência, tampouco com a ruptura dos genitores. É
um elo que se perpetua, independentemente da relação dos genitores”.
Partilha deste entendimento Maria Berenice Dias 108 , ao enfatizar que o fim do
relacionamento amoroso ou conjugal não põe fim aos direitos nem deveres com relação aos
filhos. Desta forma, é indispensável este encargo, de ordem pública, para o completo
cumprimento do exercício de criação, sustento e desenvolvimento dos filhos.
1.4.4.2 Suspensão do Poder Familiar
Sendo o poder familiar um múnus público, ou seja, um tipo de “função pública”
imposta pelo Estado, este o controla mediante normas e leis impostas a fim de resguardar os
direitos do menor, autorizando o juiz a suspender este poder quando julgar que estes direitos
não estão sendo cumpridos.
Assim, a suspensão do poder familiar ocorre como conseqüência do comportamento
grave dos pais, não cumprindo com suas obrigações, abusando de sua autoridade ou por
condenação criminal, nos termos do artigo 1.637109 do Código Civil. Salienta Diniz110 que “o
exercício do poder familiar é privado, por tempo determinado, de todos os seus atributos ou
somente de parte deles, referindo-se a um dos filhos ou a alguns”.
107 ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. op. Cit. p. 169. 108 DIAS, Maria Berenice. op. Cit. p. 358. Esclarece a autora que a ruptura da relação não pode comprometer a continuação do vínculo parental, uma vez que a separação dos pais não pode afetar o exercício do poder familiar. 109 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.637: Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único: Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou a mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. 110 DINIZ, Maria Helena. op. Cit. p. 525.
37
Esta sanção visa exclusivamente à proteção dos interesses do filho, em decorrência do
descumprimento nas normas por parte dos pais. Ou seja, se o comportamento dos pais
prejudica os interesses dos filhos, seja nos interesses pessoais ou materiais, o poder familiar
fica suspenso, até que tal comportamento não apresente qualquer ruptura dos deveres para
com os filhos.
Na lição de Caio Pereira111, ocorre a suspensão após a “apuração devida, se o pai ou a
mãe abusar de seu poder, faltando aos seus deveres ou arruinando os bens do filho”. Da
mesma forma, incorrerá na suspensão aquele que for condenado em crime cuja pena não
exceda a dois anos de prisão. Todavia, uma vez restabelecida a situação que ensejou a
suspensão do poder avocado, podendo inclusive afetar apenas um dos pais, ou apenas um dos
filhos, a medida temporária é desfeita. Ainda, embora a suspensão prive os pais dos direitos
sobre a prole, não exime da responsabilidade de alimentação.
1.4.4.3 Perda do Poder Familiar
Com relação à perda do poder, este ocorre em casos de gravidade com relação as suas
obrigações, de acordo com o Código Civil, em seu artigo 1.638112, como por exemplo castigar
de forma imoderada ou abandonar o filho. Opera-se mediante decisão judicial, e na maioria
dos casos é permanente.
A lei instituiu o poder familiar para proteção, amparo, bem-estar do menor. Portanto,
os atos incompatíveis com os preceitos legais são passíveis de sanção civil. Na lição de Caio
Pereira 113 , “deixar o filho em estado de vadiagem, mendicidade, libertinagem ou
criminalidade; excitar ou propiciar esses estados ou concorrer para a perversão” são atos
totalmente passíveis desta punição. Ainda, “infligir a criança ou ao jovem maus-tratos ou
privá-lo de alimentos ou cuidados; empregar o filho em ocupação proibida, ou
111 PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. Cit. p. 434. 112 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.638: Perderá opor ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. 113 PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. Cit. p. 438
38
manifestamente contrária à moral ou aos bons costumes”114 são atos graves, devendo o menor
ser afastado dos pais, por motivos ponderáveis.
Todavia, uma vez que comprovada a regeneração dos pais ou que findou-se a causa
pelo qual originou a perda, poderá ser restabelecido, mediante processo competente.
1.4.4.4 Extinção do Poder Familiar
A extinção do poder familiar ocorre nas hipóteses legais, segundo o artigo 1.635 do
Código Civil de 2.002 115 , ou seja, pela maioridade, que se dá aos 18 anos 116 , pela
emancipação, decorrente da vontade dos pais ou por imposição da lei117, pela morte dos pais
ou do filho, pela adoção e por decisão judicial.
Com relação à morte de um dos cônjuges, cessa o encargo quanto ao de cujus,
perdurando com o outro. No que tange a adoção, a lei veda a permanência do poder familiar
para duas famílias distintas, ou seja, a família adotante e a que renunciou o direito ao filho.
114 PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. Cit. p. 438. 115 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.635: Extingue-se o poder familiar: I – pela morte dos pais ou do filho; II – pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; III – pela maioridade; IV – pela adoção; V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638. 116 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 5º: A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. 117 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 5º: A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único: Cessará, para os menores, a incapacidade: I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos incompletos: II – pelo casamento; III – pelo exercício de emprego público efetivo; IV – pela colação de grau em curso de ensino superior; V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.
39
A extinção por decisão judicial decorre das práticas abusivas de castigos imoderados,
abandono, contrários à moral e aos bons costumes118. Compõe a obrigação dos pais a correção
dos filhos, a inibição de atos ilícitos, todavia, “qualquer aflição física ou psicológica imposta à
criança ou ao adolescente deve repugnar a todos nós e ser taxativamente repudiada”119. A
repreensão deve ocorrer de forma moderada, sem que traga conseqüências nefastas à criança.
Ademais, esta prática também é proibida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente120.
O abandono, previsto como elemento de extinção do poder familiar, pode ser tanto
material quanto moral ou intelectual. No entanto, não se reporta a falta ou carência de
recursos financeiros dos pais, uma vez que esta carência, per si, não enseja a extinção121, mas
o abandono da assistência econômica, educacional, negar ao filho assistência médico-
hospitalar. Segundo Rizzardo122, o estado de abandono se agrava ainda mais quando se impõe
ao menor a convivência com a delinqüência, com o consumo e o tráfico de drogas, a
prostituição, a mendicância, uma vez que expõe a criança a humilhação e ofensa à dignidade
humana.
Acrescenta Rizzardo que a reincidência no “abuso de autoridade, omissão nos deveres
inerentes ao poder familiar, ruína dos bens dos filhos [...]” configura a situação de extinção
deste poder. Cumpre salientar que a extinção do poder familiar pode atingir apenas um dos
pais, ou ainda, restringir-se a apenas um filho, quando a prática que ensejar tal destituição não
atingir os demais.
118 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.638: Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. 119 VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; DA SILVA, Marcelo Francisco. op. Cit. p. 44. 120 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 16 de julho de 1990. Art. 5º: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. 121 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 16 de julho de 1990. Art. 23: A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder. Parágrafo único: Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente se incluída em programas oficiais de auxílio. 122 RIZZARDO, Arnaldo. op. Cit. p. 612.
40
No capítulo a seguir, será analisado a responsabilidade civil, seus antecedentes
históricos, pressupostos e as conseqüências jurídicas decorrentes de sua inobservância.
II DA RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
O termo responsabilidade originou-se do verbo latino respondere, no qual o indivíduo
que comete uma atividade, tem a obrigação de assumir suas conseqüências jurídicas123.
O instituto da responsabilidade civil, conforme Giselda Hironaka124 é contemporâneo,
e aparece pela primeira vez no final do século XVIII, tendo uma história muito curta, porém
intensa, que passa de uma noção de dever civil à definição mais ampla e clara da liberdade ou
das obrigações do cidadão e da sociedade. Foi definido pela legislação e jurisprudência como
dever de compensação, reparação, de punibilidade civil em função de ofensa ao direito alheio
e também pelo abuso no exercício de direito próprio.
Como antecedentes históricos da responsabilidade civil, nas civilizações romanas, a
compensação da violência se fazia através da aplicação de castigos. Assim, a reação era
imediata, sem regras nem limitações. O dano era reparado através de outro dano; o mal era
pago pelo mal125.
Este período é sucedido pela composição. A vítima tem a oportunidade de receber
uma compensação financeira pelo ato lesivo. Destaca Pablo Gagliano a possibilidade de
composição firmada entre o ofensor e a vítima, evitando-se, desta forma, a aplicação da pena
de Talião126.
123 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume III: responsabilidade civil. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1. 124 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 28. 125 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 6 ed. v. 4. São Paulo: Atlas, 2006a. p. 16. 126 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. Cit. p. 10. Com a composição amigável, ao invés de o autor do dano sofrer como pena o mesmo tipo de dano que cometeu, pagará à vítima uma importância em dinheiro ou outros bens. A solução transacional preteria a máxima da pena de Talião “olho por olho, dente por dente”, na qual o mal era retribuído pelo mal, ou seja, o agente causador do dano era punido da mesma forma com que causou o dano. Esta punição era definida de acordo com a classe social do agente e da vítima. Assim, aquele que arrancasse o dente de alguém, teria o seu também arrancado. Se cortasse o braço de outrem, teria o seu também cortado, sofrendo o mesmo mal causado à vítima.
42
Com o passar do tempo, a prática da composição torna-se então obrigatória e tarifada.
Para cada ato praticado, existia uma tarifa pré-determinada. Estas regras estavam dispostas
nos Códigos de Manu e da Lei das XII Tábuas127.
No direito grego, em linhas gerais, a ocorrência do dano sugere obrigatoriamente sua
reparação128 . Havia um princípio, como um dever geral, neminem laedere, ou seja, não
prejudicar a ninguém.
Os termos pena e reparação começaram a ser utilizados de forma distinta,
diferenciando os delitos públicos dos privados. Como delito público entendiam-se aqueles
mais graves, perturbadores da ordem social, cuja pena econômica aplicada ao gerador do fato
deveria ser paga aos cofres públicos. Já nos delitos privados, era a própria vítima quem se
beneficiava da pena pecuniária.
Foi na Lei Aquília, segundo Gonçalves129, “que se esboça, afinal, um princípio geral
regulador da reparação do dano”. Há a intenção de substituição das penas fixas por
proporcionais ao fato lesivo ocasionado. Elucida Pablo Gagliano 130 que ela regulava o
damnum injuria datum, ou seja, “consistente na destruição ou deterioração da coisa alheia por
fato ativo que tivesse atingido coisa corpórea ou incorpórea, sem justificativa legal”. Para o
mesmo autor, a influência da jurisprudência somada à extensão concedida pelo pretor
resultaram na doutrina da responsabilidade extracontratual, aplicada de forma efetiva.
Na lição de Carlos Gonçalves 131 , o termo responsabilidade reporta à idéia de
restauração de equilíbrio, do dano causado. Ou seja, uma vez que o indivíduo violou uma
determinada norma, é o responsável pelas conseqüências advindas de seu ato danoso, entre
elas, a restauração do status quo ante. Acrescenta Gagliano 132 que o infrator, na
impossibilidade de restaurar o estado anterior de coisas, reparará a vítima mediante uma
compensação pecuniária.
127 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. Cit. p. 59. Segundo o autor, o Código de Manu determinava a sanção através do pagamento pecuniário. Este Código ainda influencia na vida social e religiosa da India. A Lei das Doze Tábuas constituía uma antiga legislação na origem do direito romano, a qual formava o princípio da constituição romana, compreendendo as leis antigas que não haviam sido escritas, bem como as regras de conduta. 128 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. op. Cit. p. 52. 129 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume IV: responsabilidade civil. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 7. 130 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. Cit. p. 11. 131 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. Cit. p. 2. 132 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. Cit. p. 9.
43
No mesmo sentido leciona Venosa133, ao elucidar que “o termo responsabilidade é
utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as
conseqüências de um ato, fato, ou negócio danoso”. Assim, neste norte, toda e qualquer
atividade humana pode desencadear no dever de indenização. Desta forma, busca-se o
restabelecimento do status quo ante, ou seja, o estado em que se encontrava anteriormente ao
dano, de forma reparatória, e quando não possível, de forma compensatória.
Portanto, a responsabilidade civil funda-se na obrigação da reparação do dano
causado, com a finalidade de recompor o estado anterior. Obrigação esta do causador do dano,
quando feito por ele próprio, ou por ato de alguém que esteja sob sua dependência.
No direito contemporâneo, o Código Civil de 1.916 conceituou o ato ilícito em seu
artigo 159134, aderindo a teoria subjetiva, no que diz respeito a responsabilidade civil, onde
imputa a obrigação de reparar o dano quem deu causa ao fato, e faz menção à teoria da culpa.
Com o Código Civil de 2.002 foi introduzido o dever de reparação pelo abuso no
exercício do direito próprio 135 bem como por atribuição objetiva, ou seja, o dever de
indenizar, independente da culpa do agente causador do dano, nos casos em que a lei
especificar136, ou quando o ato praticado implicar, por sua natureza, grande risco para os
direitos de outrem. Em sua Parte Geral 137 , perdura a responsabilidade por culpa, onde
responde o agente pelo dano que der causa.
Cumpre destacar os pressupostos da responsabilidade civil, presentes tanto no Código
Civil de 1.916 quanto no de 2.002, ou seja, ação ou omissão, culpa ou dolo, relação de
causalidade e o dano sofrido pela vítima, os quais serão abordados em tema próprio.
133 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a. p. 1. 134 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. 135 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 187: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 136 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 137 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002.
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2.2 RESPONSABILIDADE JURÍDICA E RESPONSABILIDADE MORAL
A responsabilidade decorre tanto da violação de normas jurídicas quanto morais. Isto
é, depende do que o fato que gerou o dano infringiu; se uma lei positivada ou moral. Assim, a
responsabilidade moral caracteriza-se como a obrigação de responder por seus próprios atos
em função da ética, da moral, da boa conduta. Esta responsabilidade não é coercitiva, uma vez
que a consciência individual é quem aprova ou censura a conduta, e conforme Gonçalves138,
atua no campo da consciência individual, sem repercussão na ordem jurídica, todavia, com a
obrigação da consciência.
A responsabilidade jurídica consiste na obrigação de responder por seus próprios atos
em razão das leis positivadas. Conforme Carlos Gonçalves139, a responsabilidade jurídica
ocorre quando há prejuízo, e “esta só se revela quando ocorre infração da norma jurídica que
acarrete dano ao indivíduo ou à coletividade”, o que resulta no dever de reparação.
Neste norte, Pablo Gagliano140 diferencia a responsabilidade jurídica da moral pela
“ausência de coercitividade institucionalizada da norma moral” uma vez que não há uma
força positividade para exigir seu cumprimento, mas a censura da consciência individual e da
sociedade.
2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E RESPONSABILIDADE CIVIL
EXTRACONTRATUAL
A responsabilidade civil contratual deriva do descumprimento de uma obrigação
prevista em contrato, firmada entre duas ou mais partes. Ou seja, há uma obrigação que
vincula estas partes, a qual não foi respeitada em um determinado momento, resultando no
dever de indenização pela parte inadimplente.
138 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. Cit. p. 2. O autor explica a falta da repercussão na ordem jurídica, em razão de não haver preocupação se há algum prejuízo causado à terceiros. 139 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. Cit. p. 2. 140 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. Cit. p. 4.
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No entendimento de Carlos Gonçalves141, há uma convenção prévia entabulada entre
as partes envolventes, na qual, o seu inadimplemento, gera o dever de indenização. Partilha
deste entendimento Pablo Gagliano142, ao preconizar que, uma vez pactuado entre as partes
cláusulas contratuais vinculantes "se o dano decorre justamente do descumprimento de
obrigação fixada neste contrato, estaremos diante de uma situação de responsabilidade
contratual”.
No que concerne a responsabilidade extracontratual, ou aquiliana, o descumprimento
decorre da própria lei. Discorre Gonçalves143 que, em se tratando de infração de um dever
legal, não há vínculo jurídico entre o agente infrator e a vítima. Isto porque, conforme dito, a
responsabilidade é intrínseca da lei, e não um acordo de vontade entre as partes envolvidas.
Assinala Cavalieri Filho144 que em ambas as responsabilidades, há uma violação de
dever jurídico preexistente. No entanto, o que distingue estas é o próprio dever. Ou seja, na
responsabilidade contratual, o dever jurídico violado está previsto no contrato, enquanto na
extracontratual o dever jurídico violado está positivado; prescrito na lei.
2.4 ATO ILÍCITO
O estudo do ato ilícito é de suma importância para o tema apresentado, uma vez que a
responsabilidade civil decorre de sua existência.
Assinala Cavalieri Filho145 que se trata de uma conquista do Direito moderno, quando
o código alemão criou a parte geral do direito civil, abandonando a classificação delito e
quase-delito, tradicionais das leis romanas, unificando o conceito de ato ilícito. Logo, nas
palavras de Venosa 146 , “o ato ilícito traduz-se em um comportamento voluntário que
transgride um dever”. Por sua vez, resulta em lesão ao direito de outrem147.
141 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. Cit. p. 26. 142 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. Cit. p. 17. 143 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. Cit. p. 26. 144 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 15. 145 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 7. 146 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. ,2006a, p.20. 147 NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica. 13 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 132 : Ato ilícito é todo ato voluntário omissivo ou comissivo, de que resulta lesão ao direito de outrem.
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Com o advento do Código Civil de 2.002, abrangeu-se o ato ilícito também na esfera
moral. Vê-se, portanto, que foi tratado o assunto em tela com mais profundidade, uma vez que
ampliou a possibilidade de indenização em razão de dano de cunho moral, preceituado no
artigo 186148, “como fora apontado pela Constituição de 1.988, algo de há muito reclamado
pela sociedade e pela doutrina e sistematicamente repelido até então pelos tribunais” 149.
Portanto, uma vez transgredido o dever de conduta, sucessivamente gera-se o dever de
indenizar.
2.5 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A legislação civilista consagra a regra da obrigatoriedade da reparação pelo agente
quando houver um dano causado, uma vez evidenciado os pressupostos da responsabilidade
civil, ou seja, ação ou omissão, culpa ou dolo, nexo de causalidade e o dano, conforme
explanados em temas específicos. Assim, esta obrigação de reparação assume o caráter de
uma sanção ao agente infrator150.
2.5.1 Ação ou omissão do agente ou Conduta
Caracteriza-se pelo ato próprio praticado ou por ação de terceiros que esteja sob
responsabilidade do agente. Desta forma, a ação ou a omissão do agente sempre se refere ao
comportamento humano, de forma voluntária. Em suma, Cavalieri entende por conduta “o
comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão,
produzindo conseqüências jurídicas”151.
148 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 149 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a, p. 3. 150 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a. p. 5. 151 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 24.
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Nesta mesma linha, Gagliano152 destaca ser impossível se conceber noção de conduta
humana sem o pressuposto voluntariedade.
Neste panorama, a ação ou omissão decorre de um descumprimento de norma legal, de
uma conduta voluntária que vai de encontro ao ordenamento jurídico, e que em razão deste
comportamento contrário ao dever jurídico, resultam obrigações jurídicas para com a vítima.
2.5.2 Culpa e dolo do agente
Em sentido amplo, culpa é toda espécie de comportamento contrário às normas, às
leis, enfim, ao Direito, em razão da falta de cuidado, de vigilância do homem.
Preceitua Cavalieri Filho153 que a conduta do homem deve ser de tal forma que não
cause dano a ninguém. Deste modo, de forma abrangente, a culpa pode ser definida como “a
conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um
evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível”154. Compartilha deste entendimento
Venosa155, ao enfatizar que a culpa, numa visão ampla, é a inobservância de um dever que
deveria ser conhecido e observado pelo agente causador do ato.
Já o dolo se caracteriza pela intenção do agente em causar o ato ilícito. Assim, tendo
conhecimento das normas, das regras, das obrigações, o agente, por sua vontade, por seu
querer, age de forma ilícita, e, antevendo o resultado danoso de sua conduta, prossegue
mesmo assim em sua conduta. A lição de Sérgio Cavalieri156 a este respeito define o dolo
como a vontade consciente dirigida à produção do dano, do resultado ilícito.
Neste norte, se observa que tanto a culpa quanto o dolo importam em conduta
voluntária do agente, no entanto, se diferenciam no tocante ao conhecimento do resultado.
Enquanto na culpa o agente desconhece seu resultado, no dolo este busca o resultado danoso.
152 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. Cit. p. 27. Para o autor, a voluntariedade é o núcleo fundamental da conduta humana, uma vez que esta é resultante do livre arbítrio, de suas escolhas. Além disso, o homem, em razão de dispor de discernimento, faz suas próprias escolhas. 153 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 32. Prescreve o autor que o homem, ao praticar atos da vida, mesmo que lícitos, deve observar a cautela necessária para que de seu atuar não resulte lesão a bens jurídicos alheios. 154 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 34. 155 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a, p. 21. 156 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 31.
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O critério utilizado para diferenciar a culpa do dolo é o comportamento do homo
medius, ou seja, do homem médio, ideal, com uma conduta preventiva do mal e do perigo,
através do conhecimento e da observância de um dever157.
Assim, se a ação desastrosa do autor do fato foi procurada, intencional, tem-se a culpa
latu sensu (dolo); se a o resultado foi decorrente de um comportamento imprudente,
negligente ou imperito, tem-se a culpa stricto sensu (sem dolo).
2.5.3 Elementos da Culpa
Para configurar a obrigação do agente em reparar o dano causado, mister se faz a
conduta com culpa, seja por ação ou omissão, seja por negligência, imprudência ou imperícia,
conforme ora exposto.
a) O dever de cuidado
O homem, em toda sua atividade, deve ter sempre o cuidado necessário para que de
sua conduta não resulte prejuízos nem danos a outrem. Esta conduta é aferida pelo
comportamento do "homem ideal", que tem cautela no seu comportamento e ações, em
observância às leis e regras.
b) Previsão e Previsibilidade
Diz-se que um ato é previsto quando o agente visualiza, mentaliza, imagina o seu
resultado, e previsível quando ele supõe que pode acontecer. Para Cavalieri158, se o resultado
não for previsto, deve, ao menos, ser previsível. Segundo o mesmo autor, "embora não
previsto, não antevisto, não representado mentalmente, o resultado poderia ter sido previsto e,
conseqüentemente, evitado".
Desta forma, não há se falar em culpa ante a ausência de previsibilidade, uma vez que
ninguém pode responder por um fato que não lhe deu causa.
157 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a. p. 25. 158 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 132.
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c) Imprudência, Negligência e Imperícia
A imprudência caracteriza-se pelo ato precipitado ou pela ausência de cautela. A
negligência é a inobservância das obrigações oriundas das normas e a imperícia é a
incapacidade técnica para a prática de certos atos159.
Cumpre destacar, a título de informação, que a culpa comporta algumas espécies,
como Grave, Leve e Levíssima; Presumida; Contra a Legalidade, Exclusiva e Concorrente; In
Vigilando, In Eligendo e In Custodiendo; Contratual e Extracontratual. No entanto, apenas
será abordada esta última, uma vez que não há a necessidade de aprofundamento nas demais,
para a elucidação do trabalho em tela.
2.5.4 Culpa Extracontratual
A culpa extracontratual tem por base o descumprimento de uma lei ou um preceito
geral do Direito. Ou seja, caracteriza-se quando o agente descumpre este dever positivo,
afronta esta lei pré-determinada.
2.5.5 Nexo de causalidade e Excludentes
Para que surja a obrigação de reparação cível, mister se faz a relação de causalidade.
Ou seja, é imprescindível que o resultado da ação do agente tenha causado o dano da vítima.
Desta forma, o nexo causal é o liame que une a ação do agente ao resultado ilícito160.
O conceito de nexo causal decorre das leis naturais, e está explícito no artigo 186 do
Código Civil161. Estabelece, conforme cita Cavalieri162, “o vínculo entre um determinado
159 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. Cit. p. 298-299. O autor cita como exemplo de imprudência o condutor de um automóvel que ingere bebida alcoólica antes de dirigir; como negligência uma pessoa que coloca fogo em um campo e vai embora, sem verificar se este encontra-se totalmente apagado e de imperícia um médico que desconhece que um remédio específico pode produzir reações alérgicas, apesar de este resultado estar comprovado cientificamente. 160 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a. p. 45. 161 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 162 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 46.
50
comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou
omissão do agente foi ou não a causa do dano”. Partilha deste entendimento Venosa163 e
acrescenta que é através do exame da relação de causalidade que se verifica quem foi o
causador do dano.
No entanto, há casos em que se isenta a responsabilidade da reparação cível, não sendo
concretizado o nexo causal. Tratam-se das excludentes de responsabilidade, uma vez que o
agente não pode responder por algo que não tenha dado causa, conforme preceitua o artigo
188 do Código Civil164. Assim, apesar de seu comportamento danoso, não foi este a causa
direta do dano pelo qual sofreu a vítima. Senão vejamos: culpa da vítima, fato de terceiro,
caso fortuito e força maior, legítima defesa e estado de necessidade.
a) Culpa da vítima ou Fato exclusivo da vítima
Esta excludente impede o nexo causal, uma vez que desaparece a relação de causa e
efeito entre o resultado danoso e o agente, em razão da conduta da própria vítima. Destarte,
exclui-se a obrigação de reparação civil.
Atentando para esta excludente, Cavalieri165 aponta que o fato exclusivo da vítima põe
fim ao nexo causal em relação ao aparente agente do dano. Porém, não se trata de ausência de
culpa deste, mas de isenção de responsabilidade166.
b) Fato de terceiro
Este pressuposto da excludente refere-se a qualquer pessoa, além do agente e da
vítima, e que aparentemente não tenha nenhuma relação com ambos. Da mesma forma que a
culpa da vítima, o fato de terceiro isenta a responsabilidade de reparação do agente causador
163 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a, p. 42. 164 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 188: Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único: No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. 165 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 64. 166 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. Cit. p. 114. O autor exemplifica através da hipótese de um sujeito dirigindo seu veículo, em conformidade com as regras de trânsito, e uma pessoa, com a intenção de suicídio, joga-se contra seu carro.
51
do dano, por ter sido este o causador exclusivo do ato lesivo. Neste norte, por ser uma causa
estranha à conduta, elimina o nexo causal167.
c) Caso fortuito ou Força maior
Este é um tema que há muito se discute a sinonímia, entendendo-se, por fim, difícil
distingui-las. No entanto, o caso fortuito e a força maior afastam o nexo causal, em razão de
não ser possível evitá-los ou impedir seus efeitos.
Entende-se como caso fortuito, na lição de Venosa168, para fins de excludente da
responsabilidade, a ocorrência de fenômenos naturais imprevisíveis, como terremotos,
incêndio não provocado, inundações. E a força maior estaria caracteriza pela ação humana,
sem poder de resistência, como greves, guerras, revoluções.
Segundo Sérgio Cavalieri Filho169, o caso fortuito ocorre na presença de um evento
imprevisível e inevitável. Em havendo uma situação inevitável, porém, previsível, como por
exemplo os fatos da natureza, encontra-se presente uma situação de força maior. Ainda,
segundo o mesmo autor, “a imprevisibilidade, portanto, é o elemento indispensável para a
caracterização do caso fortuito, enquanto a inevitabilidade o é da força maior”170.
De qualquer forma, tanto o caso fortuito quanto a força maior têm como fundamento a
vontade alheia do agente causador do dano. Importante menção faz Venosa que “o prejuízo
não é causado pelo fato do agente, mas em razão de acontecimentos que escapam a seu
poder”171. Deste modo, exclui-se a responsabilidade de reparação civil.
d) Legítima defesa
Nesta situação, prevista como excludente do nexo causal, a vítima encontra-se diante
de um perigo real, de uma injusta agressão, contra si ou contra terceiro. Todavia, a defesa
mediante reação deverá ser proporcional ao agravo sofrido. Enfatiza Gagliano172 que, uma vez
utilizando-se de meios imoderados de defesa, a vítima será responsabilizada pelos excessos.
167 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a, p. 54. 168 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a, p. 46. 169 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 65. 170 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 65. 171 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a, p. 47. 172 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. Cit. p. 102.
52
e) Estado de necessidade
Configura-se o estado de necessidade na situação em que, não havendo outra forma de
atuar para salvaguardar um direito, um bem, utiliza-se de agressão para remover um perigo
iminente, desde que o meio utilizado não exceda os limites do indispensável para a remoção
deste perigo.
Acrescenta Pablo Gagliano173 que, apesar de o agente atuar em estado de necessidade,
não se exime da obrigação de agir no estrito limite de sua necessidade para remoção da
situação de perigo, vindo a ser responsabilizado por todo o excesso cometido.
2.5.6 Dano
A palavra dano é derivada do vocábulo latim damnum, Normalmente vinculado à
noção de dano está a de prejuízo. Também é intrínseco ao príncípio neminem laedere, isto é,
ninguém pode prejudicar outrem. Consiste no prejuízo que a vítima sofreu em decorrência do
ato do agente.
Segundo Cavalieri174, o grande “vilão” da responsabilidade civil é o dano causado.
“Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano.
Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano”.
Finaliza Venosa 175 lecionando que o dano se materializa com a definição do prejuízo
suportado pela vítima. Deste modo, uma ação de indenização sem um dano real é pretensão
sem objeto, mesmo havendo violação a um dever jurídico, seja com culpa ou dolo176.
Neste norte, verifica-se que o dano pode decorrer tanto da agressão de direitos
personalíssimos quanto patrimoniais. Assim, no contexto de dano, engloba-se o patrimonial e
o extrapatrimonial, ou o moral.
Cumpre informar que a forma patrimonial será mencionada de modo muito superficial,
uma vez que não compreende o objeto deste trabalho.
173 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. Cit. p. 102. 174 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 70. 175 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a, p. 30. 176 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. Cit. p. 337. Exemplifica o autor com a hipótese de um motorista que comete várias infrações de trânsito, mas que não colide com nenhum veículo e nem atropela ninguém. Em que pese sua conduta ilícita, não causou nenhum dano.
53
a) Dano patrimonial
Dano patrimonial é o resultado de um prejuízo material, financeiro, pelo qual sofreu a
vítima. É o próprio prejuízo econômico177. A sua indenização importa em reparação, e não em
uma vantagem. Assim, este dano é suscetível de uma reparação pecuniária, visando o status
quo ante, ou seja, a reconstituição da situação anterior ao dano.
Assinala Sérgio Cavalieri178 que o dano material pode atingir o patrimônio atual da
vítima, ocasionando a sua diminuição (dano emergente) como também pode impedir o seu
crescimento, cessar seus rendimentos futuros, frustar o que era razoavelmente esperado
(lucros cessantes).
b) Dano moral
Dano moral ou extrapatrimonal é aquele que viola direitos da personalidade, da
dignidade humana, da honra, podendo ou não refletir em seu patrimônio 179 . Conceitua
Venosa180 como “prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua
atuação é dentro dos direitos da personalidade”.
No mesmo sentido se posiciona Sergio Cavalieri181, ao lecionar que “é a violação do
direito à dignidade”. Sintetiza Cahali182 como “o sofrimento psíquico ou moral, as dores, as
angústias e as frustrações infligidas ao ofendido”. É a lesão aos direitos inerentes da
personalidade, ou seja, a honra, a dignidade, a intimidade, que acarretam sofrimento, vexame,
humilhação, tristeza183.
177 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a. p. 31. 178 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 72. 179 Cumpre informar que o dano moral impuro ocorre advindo de um dano patrimonial, ou seja, o ato lesivo atinge um bem patrimonial e não sua moral, todavia, a reparação reflete nesta. Como exemplo, cita-se um acidente doloso que resulta na morte de um ente familiar. A ação indenizatória não visa reproduzir o status quo
ante, mas uma reparação pelo ato danoso. 180 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a, p. 35. 181 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 77. 182 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 21. 183 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. Cit. p. 358. Para o autor: "[...] o dano moral não é propriamente a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a conseqüência do dano. A dor que experimentam os pais pela morte violenta do filho, o padecimento ou complexo de quem suporta um dano estético, a humilhação de quem foi publicamente injuriado são estados de espírito contingentes e variáveis em cada caso, pois cada pessoa sente a seu modo".
54
No direito romano havia também uma preocupação com a alma humana, com o que
ela acreditava e sentia184. O seu ponto inicial teria sido a família.
Essa moral doméstica, presente na civilização romana, prescrevia comportamentos e
deveres inerentes à família. Assim, a moral, em conjunto com suas crenças, fortalecia a
religião, fundamento da família antiga. Desta forma, não podia o homem considerado impuro
ou culpado aproximar-se de seu próprio lar, adorar os seus deuses.
O Código Civil de 1.916, em se tratando de reparação de danos, não fazia distinção
acerca de patrimonial e moral, conforme se observa no já citado artigo 159. Ao prescrever o
dever de reparar o dano causado, não restringia o dano moral.
Com o advento da Constituição Federal de 1.988, este tema ganhou grandes
proporções, ao tutelar valores no âmbito social e humano. A dignidade da pessoa humana
passou a ser um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Essa dignidade engloba
o direito à honra, à intimidade, ao nome, ao respeito, à educação, à assistência, às relações
afetivas, aos sentimentos, enfim, uma gama de direitos oriundos de sua personalidade. À luz
da Constituição, o dano moral deve ser plenamente reparado, uma vez que sua infringência
fere um princípio constitucional185.
Neste norte, o sofrimento psíquico, o sentimento de dor, tristeza, vergonha, angústia,
humilhação, ou seja, os sentimentos que molestam o lado afetivo do indivíduo caracterizam o
dano moral puro. Nessa perspectiva, elucida Cavalieri Filho186 que “a Constituição deu ao
dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do
que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos”.
O Código Civil de 2002 menciona de forma expressa a reparação em seu artigo 186,
ainda que, de forma exclusiva, o ato ilícito tenha cunho moral.
184 COULANGES, Fustel de. op. Cit. p. 103. Enfatiza o autor que “[...] a moral, muito acanhada e muito incompleta de início, ter-se-á alargado imperceptivelmente até, de progresso em progresso, chegar a proclamar o dever de amar a todos os homens”. 185 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 186 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 76.
55
Neste norte, verifica-se que o dano moral não se limita à reparação em detrimento da
dor, da tristeza, mas ampliou sua tutela para os bens personalíssimos, de ordem íntima, da
dignidade de cada indivíduo.
Relevante é a lição de Cahaly187 acerca do dano moral:
Com efeito, nossos tribunais, mais recentemente, tendem a identificar o dano moral especialmente nos efeitos dolorosos da lesão causada pelo ato ilícito, no sofrimento pessoal, na dor-sentimento, nos seus reflexos de ordem psíquica e no próprio esquema de vida, com alterações substanciais, seja no âmbito do exercício de atividades profissionais como nas simples relações do cotidiano relacionamento pessoal.
Por outro lado, houve muitos óbices contra a reparação do dano moral, pautados na
imoralidade de valorar a dor, o sofrimento, a angústia ou humilhação sofridos pela vítima,
bem como mensurar a extensão deste prejuízo. Conforme se posiciona Carlos Gonçalves188, a
doutrina e a jurisprudência atuais têm entendido que esta indenização trata-se de uma
compensação, mesmo que pequena, em decorrência do prejuízo causado a outrem.
O argumento de imoralidade da compensação com valor pecuniário é comentado por
Pablo Gagliano189 com propriedade, uma vez que para o autor "mais imoral do que compensar
uma lesão com dinheiro, é, sem sombra de dúvida, deixar o lesionado sem qualquer tutela
jurídica e o lesionado livre, leve e solto para causar outros danos no futuro".
Cumpre enfatizar que a Carta Magna busca a valoração do ser humano, na plenitude
de sua existência, de seus sentimentos, de sua auto-estima. A agressão a esta dignidade, e que
resulta em interferência no comportamento psicológico da vítima, por conta da angústia,
sofrimento, aflição, desequilíbrio, humilhação, vai de encontro a este preceito, e deve ser
reparado. Nas palavras de Silvio Venosa 190 , “a reparação do dano moral deve guiar-se
especialmente pela índole dos sofrimentos ou mal-estar de quem os padece, não estando
sujeita a padrões predeterminados ou matemáticos”.
Estes direitos, amparados constitucionalmente, vêm ganhando grande ênfase nesta
transformação pela qual vem passando a legislação pátria.
187 CAHALI, Yussef Said. op. Cit. p. 235. 188 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. Cit. p. 370. 189 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. Cit. p. 73. Segundo o autor, quando a vítima pleiteia a reparação pecuniária pelo prejuízo sofrido, está pedindo uma forma de atenuar as consequências deste prejuízo e, ao mesmo tempo, uma punição para o autor do ato lesivo. 190 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a, p. 37.
56
2.6 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
O Código Civil de 1.916 tinha por regra a responsabilidade subjetiva, fundamentado
na culpa provada do agente causador do dano. Esta subjetividade é parte inerente do próprio
Direito, decorrente do princípio de que ninguém pode causar dano a outrem.
No entanto, não bastava a prática da conduta ilícita e o dano. Era necessário haver
também o nexo causal191, ou seja, que o resultado sofrido pela vítima tivesse uma relação
direta com o dano causado, que tivesse sido causado pelo ato ilícito, para que fosse imputada
a obrigação de reparação. Importante salientar que este mesmo código não previa a
intensidade da culpa como forma de estabelecer o valor da indenização.
Em que pese a regra subjetiva do Código de 1.916, a responsabilidade objetiva não era
de todo desconhecida por esta mesma legislação. Exemplos disto são os artigos 1.527 ao
1.529192, que não expressavam de forma clara a culpa presumida.
Como leciona Cavalieri Filho 193 , ocorreu uma grande evolução na área da
responsabilidade civil, partindo da culpa provada e chegando à responsabilidade objetiva, por
meios de leis especiais, que foram incorporadas pelo Código Civil posterior.
Na lição de Pablo Gagliano194, ao lado da responsabilidade subjetiva, na qual se insere
a idéia de culpa, o judiciário poderia também valer-se da responsabilidade objetiva, ou seja,
sem a indagação de culpa do infrator.
191 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 46: “o conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”. 192 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.527: O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar: I - que o guardava e vigiava com cuidado preciso; II - que o animal foi provocado por outro; III - que houve imprudência do ofendido; IV - que o fato resultou de caso fortuito, ou força maior. Art. 1.528: O dono do edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier da falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta. Art. 1.529: Aquele que habitar uma casa, ou parte dela, responde pelo dano proveniente das coisas que dela caírem ou forem lançadas em lugar indevido. 193 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 22. 194 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. Cit. p. 125.
57
2.7 RESPONSABILIDADE OBJETIVA
A passagem da responsabilidade subjetiva para a objetiva não foi rápida nem
tranqüila. Numa breve explanação, segundo Cavalieri195 , a teoria subjetiva apresentou-se
insuficiente primeiramente no campo da justiça do trabalho. Os operários ficavam
desamparados diante da dificuldade e impossibilidade de comprovação da culpa do patrão,
diante dos inúmeros acidentes de trabalho. Da mesma forma, os passageiros de transportes
coletivos enfrentavam grandes problemas para comprovar a culpa dos motoristas pelos
acidentes causados. Diante deste quadro, os juristas perceberam que a teoria subjetiva não
mais supria as necessidades decorrentes da transformação da sociedade, uma vez que se
aplicassem rigorosamente a teoria da culpa, muitos casos de prejuízos ficariam sem reparação.
Assim, na busca de um resultado satisfatório para a sociedade, a legislação foi
evoluindo e adequando-se as suas necessidades. Várias foram estas fases de evolução. A
princípio, os tribunais admitiram uma facilidade maior na prova da culpa, podendo ser
adquiridas pelas circunstâncias ocorridas; em seguida, admitindo a culpa presumida, onde o
causador do dano presumia-se culpado, até que provasse não o ser. E por fim, admitiu-se a
responsabilidade sem culpa, previsto no artigo 927 do código vigente 196 , sem, contudo,
excluir totalmente a subjetiva, regra geral do antigo código.
Aponta Venosa197 que a responsabilidade objetiva leva em conta o dano e o nexo
causal, prescindindo-se da prova de culpa. Corrobora deste entendimento Cavalieri198, ao
lecionar que na teoria objetiva exige-se uma conduta ilícita, o dano e o nexo causal. Desta
forma, fala-se em responsabilidade independente de culpa, sendo em alguns casos presumida
por lei, e em outros, de todo prescindível, tendo como postulado que todo dano causado deve
ser reparado e indenizado.
195 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 127. 196 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 197 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. 2006a, p. 15. 198 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. Cit. p. 126.
58
A admissão da responsabilidade sem culpa, na visão de Carlos Gonçalves199, é um
grande avanço, possibilitando ao Judiciário uma ampliação nos casos de danos indenizáveis.
2.8 RESPONSABILIDADE DECORRENTE DO ABUSO DO DIREITO
Para configurar a responsabilidade decorrente do abuso do direito, não há a
obrigatoriedade de o agente transgredir um dever preexistente, mas agindo dentro do seu
próprio direito, conforme preconiza o artigo 187, do Código Civil200. Ou seja, o agente,
atuando dentro das prerrogativas que a legislação lhe concede, extrapola os limites de seu
exercício, causando dano a outrem.
A lei admite, em casos específicos, o prejuízo a alguém, sem o dever de reparação,
como é o caso, por exemplo, da legítima defesa. Todavia, mister se faz a observância da
atuação deste direito, nos limites legais previstos. Assim, ocorre o ato ilícito sempre que o
titular do direito se desvia da finalidade social deste, extrapolando seus limites201.
Discorre Carlos Gonçalves202 que o abuso do direito aplica-se a quase todos os campos
do direito, a fim de reprimir o exercício anti-social, com sanções estabelecidas na legislação,
indo desde a imposição de restrições até sua cessação, como é o caso da declaração de
ineficácia de negócio jurídico, obrigação de ressarcimento dos danos causados, suspensão ou
perda do poder familiar, entre outros.
O capítulo a seguir versa sobre a afetividade; seu dever decorrente do poder familiar, a
importância nas relações familiares e a visão jurídica no que concerne a impossibilidade bem
como o deferimento da indenização pecuniária sobre este tema.
199 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. Cit. p. 34. 200 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 187: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 201 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. Cit. p. 54. 202 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. Cit. p. 56.
III A AFETIVIDADE NO JUDICIÁRIO
3.1 O DEVER DO AFETO
Por obrigação entende-se a relação jurídica entre duas ou mais pessoas, na qual
decorre um vínculo de direito que uma deve cumprir em benefício da outra203. Enfatiza Silvio
Venosa204 que o Código Civil não apresentou definição de obrigação, tendo em vista ser
intuitivo, não cabendo, em regra, ao legislador definir. No entanto, é relação jurídica. Por
dever, entende-se tudo o que a lei determina, correspondente a um direito205.
A Constituição Federal de 1.988 assegura ao menor de idade o direito de estar a salvo
de qualquer forma de negligência206, sendo imputado aos pais o dever de criação, educação e
convivência familiar207. Da mesma forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente208 e o
Código Civil209 incumbem aos pais os mesmos deveres.
203 NUNES, Pedro. op. Cit. p. 771. 204 VENOSA, Silvio de Salvo. op. Cit. p. 5. 205 NUNES, Pedro. op. Cit. p. 405. É tudo aquilo que a lei ou a convenção, positiva ou negativamente, exige de nós, correspondente a um direito. Determinação da vontade, imposta pelo direito, pela lei, pela razão ou pela moral, obrigação moral ou jurídica, imperativo da consciência. Estar obrigado a uma prestação. 206 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 207 FACHIN, Luiz Edson. op. Cit. p. 244. Segundo o autor, os filhos não se constituem objeto de autoridade parental. Em que pese serem um dos sujeitos da relação que deriva desta autoridade, não são sujeitos passivos, mas destinatários do exercício deste direito. 208 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 16 de julho de 1990. Art. 5º: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. 209 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.634: Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação; II – tê-los em sua companhia e guarda; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimentos para casarem; IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobrevier, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V – representa-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI – reclama-los de quem ilegalmente os detenha; VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
60
Salienta Celso Ribeiro de Bastos 210 que tais prerrogativas foram asseguradas
constitucionalmente visando o pleno desenvolvimento destes em um contexto que "sem
dúvida, os orienta a uma vida melhor e para uma perfeita convivência social".
A relação paterno-filial vai além da responsabilidade de educação e sustento da
criança e do adolescente. Assim, mister se faz todo o necessário para o crescimento completo,
sadio e estruturado deste.
A criança tem necessidades além da alimentação, do vestuário, da escola. Ela necessita
de um acompanhamento diário, de cuidados, de proteção, de orientação, de carinho, de
companhia. Disponibilizar ao filho uma gama de brinquedos não supre a necessidade da
companhia dos pais. Ofertar os melhores passeios não supre a necessidade da presença física
dos genitores. As grandes "mesadas" não substituem a importância dos diálogos, dos afagos,
das brincadeiras particulares originadas na relação íntima e diária entre pais e filhos. Deixar o
filho na companhia da televisão, do computador ou de um terceiro, muito bem vestido e
alimentado não supre a necessidade das estórias para dormir, da paciência, da compreensão.
Neste norte, a afetividade caracteriza-se como um dever, que decorre do poder
familiar conferido aos pais. Situa-se também no campo do convívio, da criação, do efetivo
acompanhamento físico e emocional. Note-se que em momento algum estes deveres estão
associados ao casamento ou ao tipo de relacionamento que os pais mantém, ou seja, a efetiva
união do pai e da mãe.
A ausência injustificada dos pais, independente da causa, ou seja, uma separação
conjugal, uma relação amorosa rápida ou o surgimento de um novo casamento, causam
traumas profundos na formação do menor de idade, uma vez que estes ficam desprovidos de
carinho, proteção, afeto e cuidado e experimentam a sensação de rejeição. Portanto, o dever
de convivência, de assistência material e moral independem do estado civil de seus
ascendentes, sendo inerentes ao poder familiar, uma vez que o artigo que o define é
exemplificativo, ou seja, não esgota os deveres.
Ademais, o abandono afetivo configura também infração aos princípios
constitucionais211 de zelo, respeito, convivência familiar, que ofende a dignidade da pessoa
210 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 510. 211 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
61
humana. Nos dizeres de Luiz Fachin 212 , com a vedação da discriminação dos filhos,
preceituado pela Constituição de 1.988, oriundos no princípio da igualdade, o afeto
consolidou-se como o "elemento de maior importância no que tange o estabelecimento da
paternidade".
A criança ao nascer necessita da convivência, do acompanhamento, do cuidado dos
pais, para seu completo desenvolvimento sadio213. De acordo com Wimer Bottura Junior214, a
primeira necessidade do homem, ser humano, é de sentir-se aceito e protegido, sentir que
pertence a uma família, que faz parte dela, através da sensação de proteção, respeito, zelo.
O desenvolvimento da responsabilidade e do respeito somente agirá de forma positiva
se for contrabalanceada pelo afeto, necessidades fundamentais dos filhos. Assim, o exercício
do poder familiar não torna-se um exercício humilhante, mas atos e gestos que visam o
equilíbrio, a atenção, o apoio, carinho e os limites que toda criança precisa para seu
desenvolvimento215.
E, ainda, pais e filhos, segundo Bottura 216 , precisam um do outro, pois são
complementos, e a convivência entre estes é fundamental para o desenvolvimento equilibrado
do filho.
É necessária a figura concreta dos pais ao longo da formação da criança e do
adolescente, pois assegura um desenvolvimento equilibrado, através de sua presença, suas
orientações, seus cuidados, e a ausência provocada, que priva o filho de sua companhia, do
convívio familiar, acarreta violação aos direitos inerentes à pessoa humana, ou seja, a
dignidade217.
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 212 FACHIN, Luiz Edson. op. Cit. p. 22. Ainda, para o autor, o vínculo existente entre pais e filhos vai além da carga genética de cada parte, uma vez que diz respeito às relações existente entre eles, o carinho, o tratamento de afeto, a vontade que emana dos pais em se projetar no seu descendente, não apenas em razão de um laço de sangue, mas acima de tudo, pela virtude do afeto, construído nas relações concretas vivenciadas. 213 CORNEAU, Guy. Pai ausente, filho carente. O que aconteceu com os homens? São Paulo: Brasiliense, 1997, p. 27-28. Segundo o autor, o pai ajuda a construir uma estrutura interna, facilitando a passagem do mundo familiar para o social, tendo em vista que a criança bem "paternizada" sente-se mais segura nos estudos, na profissão e, em geral, em suas decisões. Ademais, ter recebido o amor do pai, de forma atenciosa, significa que houve interesse por seus projetos, tendo inclusive o cuidado de impor certos limites, criando uma moldura indispensável ao desenvolvimento harmonioso. 214 WIMER, Bottura Junior. A paternidade faz a diferença. São Paulo: Gente, 1994. p. 63. 215 CORNEAU, Guy. Op. Cit. p. 27-28. 216 WIMER, Bottura Junior. op. Cit. p. 69. 217 KLAUS, Marshall H.;KENNELL, John H.; KLAUS, Phyllis H. Vínculo: construindo as bases para um apego seguro e para a independência. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 165. Sobre a importância da convivência, os autores esclarecem que "a forma como somos cuidados e criados quando bebês e crianças afeta a
62
Segundo Chimenti218, o princípio da dignidade da pessoa humana caracteriza-se por
uma "referência constitucional unificadora dos direitos fundamentais inerentes à espécie
humana, ou seja, daqueles direitos que visam garantir o conforto existencial das pessoas,
protegendo-as de sofrimentos evitáveis na esfera social".
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana tem na família, segundo
Maria Berenice Dias219 , o campo apropriado para florescer. Esclarece ainda a autora220 ,
citando Guilherme Calmon, que a ordem constitucional protege a família independente de sua
origem, preservando e desenvolvendo as qualidades mais relevantes no seio familiar, ou seja,
"o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum",
o qual permite o desenvolvimento pleno, tanto no campo pessoal como no profissional de
cada indivíduo pertencente a família.
O primeiro espaço de convivência da pessoa é o seio familiar. É neste espaço que a
criança desenvolve seus valores, sua auto-estima, sua responsabilidade, seu senso de
moralidade. Segundo Claudia Silva 221 , o menor necessita de seu criador; sendo ela
negligenciada, rejeitada, maltratada ou mesmo abandonada, não terá oportunidade de
desenvolver suas capacidades básicas, vindo a sofrer prejuízos em sua personalidade.
Após o rompimento de uma relação conjunta, muitos pais, em razão de um
ressentimento para com o outro companheiro, acabam transferindo para o filho o seu
desgosto, o seu descontentamento, sua decepção, sua raiva, e aos poucos vai se afastando do
filho. Tal ato, embora muitas vezes inconsciente, tem a intenção de prejudicar, de afetar seu
ex-companheiro. Todavia, o prejudicado, na realidade, é o próprio filho, que tem seu direito
de convivência tolhido.
É muito fácil e cômodo encontrar justificativas pela ausência na vida de sua prole,
como viagens, trabalho, constituição de uma nova entidade familiar, compromissos
inadiáveis, residência em cidades distintas, pagamento de pensão alimentícia, enfim, uma
gama de situações que na visão dos pais "desinteressados", são razões plausíveis e normais.
forma como vamos cuidar de nossos filhos e criá-los, bem como a forma que iremos interagir com as outras pessoas". 218 CHIMENTI, Ricardo Cunha, et al. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 33. 219 DIAS, Maria Berenice. op. Cit. p. 60. 220 DIAS, Maria Berenice, apud Guilherme Calmon, op. Cit. p. 399. 221 SILVA, Claudia Maria da. Indenização ao filho. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: n.1, v. 1, p. 132, abr./jun., 1999.
63
Destaca-se que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança222, em seu artigo 9º,
preconiza ser direito da criança o contato diário e pessoal com seus pais, salvo se for contrário
ao interesse superior da desta223.
Por outro lado, muitas são as situações em que os pais acabam se afastando de seus
descendentes sem intenção. Ou seja, o afastamento surge em decorrência de uma mudança de
cidade, onde o acompanhamento diário, a visita, se torna difícil e acaba se tornando muitas
vezes, raras. Da mesma forma, pode ocorrer que o genitor guardião, ou seja, aquele que detém
a guarda do filho, dificulta o relacionamento do não-guardião com a prole, em razão do fim da
sociedade conjugal ou do relacionamento, e acaba passando ao menor a falsa idéia de um pai
ruim, assim como o fora no papel de esposo, de companheiro.
Salienta Ana Milano224 acerca da síndrome da alienação parental, que se refere aos
sintomas advindos de um afastamento entre um dos pais e o filho, decorrentes de um
comportamento doentio e planejado do outro genitor, que na maioria das vezes é o guardião.
Ou seja, um dos genitores incute ao filho um sentimento de desprezo, de rancor pelo outro
genitor, de tal forma que a relação entre ambos torna-se impossível.
222 BRASIL. Decreto nº 99.710. Convenção sobre os direitos da criança. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 22 de novembro de 1990. Art. 9º: 1. Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança. Tal determinação pode ser necessária em casos específicos, por exemplo, nos casos em que a criança sofre maus tratos ou descuido por parte de seus pais ou quando estes vivem separados e uma decisão deve ser tomada a respeito do local da residência da criança. 2. Caso seja adotado qualquer procedimento em conformidade com o estipulado no parágrafo 1 do presente artigo, todas as partes interessadas terão a oportunidade de participar e de manifestar suas opiniões. 3. Os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse maior da criança. 4. Quando essa separação ocorrer em virtude de uma medida adotada por um Estado Parte, tal como detenção, prisão, exílio, deportação ou morte (inclusive falecimento decorrente de qualquer causa enquanto a pessoa estiver sob a custódia do Estado) de um dos pais da criança, ou de ambos, ou da própria criança, o Estado Parte, quando solicitado, proporcionará aos pais, à criança ou, se for o caso, a outro familiar, informações básicas a respeito do paradeiro do familiar ou familiares ausentes, a não ser que tal procedimento seja prejudicial ao bem-estar da criança. Os Estados Partes se certificarão, além disso, de que a apresentação de tal petição não acarrete, por si só, conseqüências adversas para a pessoa ou pessoas interessadas. 223 BRUNO, Denise Duarte. op. Cit. p. 313. Salienta a autora que as normas legais tutelam a garantia do direito da convivência familiar, tido este direito como básico para o completo desenvolvimento do menor. 224 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada: posicionamento judicial. São Paulo: LED, 2006, p. 160. Discorre a autora que "induzir uma Síndrome de Alienação Parental em uma criança é uma forma de abuso. Os efeitos nas crianças podem ser uma depressão crônica, incapacidade de adaptação em ambiente psico-social normal, transtornos de identidade e de imagens, sentimento incontrolável de culpa, isolamento, falta de organização, dupla personalidade e, às vezes, até suicídio. As vítimas dessa síndrome têm inclinação ao álcool e às drogas".
64
Assinala Rolf Madaleno225 que o genitor guardião tem o dever de facilitar a relação
com o ascendente não guardião, proporcionando condições para uma convivência sadia e
equilibrada, não frustrando as visitas, não criando despropositados incidentes com a finalidade
de surgir um clima de beligerância no exercício da visita, nem tampouco mudar para uma
cidade apenas com o intuito de dificultar o contato do filho com o outro genitor.
Também há de se analisar as situações em que um dos pais inicia um novo
relacionamento, e sua nova família, por sua vez, dificulta ou acaba por proibir a convivência
com a prole advinda da antiga relação. Neste caso, a relação acaba por tornar-se escassa,
quando não inexistente, em razão dos conflitos oriundos desta convivência. Assim, o genitor,
para assegurar uma convivência harmoniosa com sua nova família, descumpre o seu dever
decorrente do poder familiar, deixando de acompanhar física e emocionalmente seu filho.
Muito embora a convivência seja um direito do filho, não deixa de ser um dos deveres
dos pais. Assim, enfatiza Washington de Barros Monteiro226 que "os filhos têm o direito de ter
a companhia do genitor, cuja violação, se reiterada e injustificada, ao causar danos, pode gerar
a aplicação dos princípios da responsabilidade civil" fundamentado na obrigação da reparação
preceituada pelo Código Civil. Desta forma, por mais difícil que seja manter o contato físico
com a prole, não há justificativa para o total abandono, para a falta de interesse, de procura e
atenção ao filho.
A visita somente em datas pré-determinadas, conforme leciona Maria Berenice
Dias227, tem um efeito perverso, em razão do distanciamento que se cria entre ambos, e a
imposição destes períodos de afastamento "leva ao estremecimento dos laços afetivos pela
não participação do pai no cotidiano do filho, além de gerar certo descompromisso com o seu
desenvolvimento".
Ademais, a simples "visita" não supre as necessidades do filho, pois a convivência
requer um contato diário, interesse desperto pelo outro, muito mais do que a permanência
física próxima. Entende Denise Duarte Bruno228 que "só há visita entre quem não convive,
225 MADALENO, Rolf. op. Cit. p. 121. 226 MONTEIRO, Washington de Barros. op. Cit. 291. 227 DIAS, Maria Berenice. op. Cit. p. 399. 228 BRUNO, Denise Duarte. Direito de visita: direito de convivência. In: GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 318. A auora elenca alguns transtornos oriundos da escassez de contato com um dos genitores, quando da não convivência com ambos os pais, ou seja, sensação de desamparo, em razão da instabilidade que permeia a relação do não-guardião, comportamentos agressivos, inseguros e pouco ou nenhum contato com o genitor.
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pois quem convive mantém uma relação de intimidade, familiaridade e trato diário, sendo
desnecessário a visita".
Neste norte, o ato de visitas entre pai e filho, com o intuito de cumprir uma sentença
judicial ou um acordo entre seus ascendentes, não cumpre sua função social. Independente da
razão da não convivência dos pais, os filhos devem se sentir em casa tanto na residência do
pai quanto da mãe, onde consiga identificar um espaço seu, "como um porto seguro onde
sente firmeza para ancorar suas alegrias, tristezas e dificuldades"229, pois, segundo Ana Maria
Milano Silva 230 , "para os filhos, o essencial é se sentirem amados e não, bajulados,
financeiramente".
A falta de recursos financeiros não exime os pais da obrigação alimentar231. Assim
como o dever de uma relação afetiva não está ligada a condição financeira destes, portanto,
não há razão para tal comportamento. A situação de desemprego, de escassez de recursos
financeiros ou a impossibilidade de ajuda financeira não se confunde com o acompanhamento
emocional, com o dever de carinho, de preocupação, de convívio, de respeito e zelo. Da
mesma forma, a assistência material também não os exime do dever de assistência emocional.
Ou seja, o cumprimento da obrigação alimentar, o pontual pagamento da pensão alimentícia
não supre a necessidade de proteção do menor nem tampouco a obrigação do
acompanhamento intelectual e emocional dos pais.
A visão de família sofreu uma considerável alteração no decorrer dos tempos232 .
Passou-se da entidade patriarcal para uma entidade com igualdade de direitos e deveres entre
os cônjuges, intrinsecamente ligada pelos laços da afetividade. A relação de carinho,
confiança, acompanhamento, diálogo, afeição, cumplicidade, cuidados, é cultivada no dia a
dia. Ser filho não é apenas ter um laço biológico, consangüíneo, ou de outra origem, conforme
229 BRITO, Leila Maria Torrada de. Guarda conjunta: conceitos, preconceitos e prática no consenso e no litígio. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, ética, família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 362. Para a autora, "se os genitores não querem ser qualificados ou rotulados como visitantes, a criança também não deve se identificar como visita na casa de um dos pais, onde possui um colchonete para um eventual pernoite ou, ainda, aonde vai com dia e hora estabelecidos previamente. Não se pode desprezar que o vínculo principal a ser mantido é com o pai ou a mãe, e não com o domicílio ou imóvel". 230 SILVA, Ana Maria Milano. op. Cit. p. 115. 231 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.696: O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta dos outros. Art. 1.697: Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais. 232 RIZZARDO, Arnaldo. op. Cit. p. 404.
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prevê a legislação pátria, com direito sucessório, mas também possuidor do direito de afeto,
de valorização, de bem estar.
A coexistência diária e constante, segundo Claudia Maria da Silva233, não são os
únicos pressupostos da entidade familiar, devendo os pais não se limitarem aos encargos de
aspecto material, do sustento, mas cuidando também da "alma, da moral, do psíquico. Estas
são prerrogativas do poder familiar e, principalmente, da delegação divina de amparo aos
filhos".
Neste contexto, enfatiza Maria Berenice Dias234 acerca do dever que talvez seja o mais
importante na relação com os filhos, "o dever de lhes dar amor, afeto e carinho. A missão
constitucional dos pais, pautada nos deveres de assistir, criar e educar os filhos menores, não
se limita a vertentes patrimoniais".
Segundo a mesma autora, decorre deste poder a atual orientação jurisprudencial no
sentido de reconhecer a responsabilidade civil dos pais que abandonam afetivamente seu filho
e descumprem o dever de convivência, "gerando obrigação indenizatória por dano afetivo"235.
A prevalência dos laços afetivos assegura uma convivência com solidariedade,
educação, criação, proteção, amor. Segundo Rolf Madaleno, a antiga função provedora do pai
foi substituída pela figura que deve prover "muito mais de carinho do que de dinheiro, de bens
e de vantagens patrimoniais"236 . Corrobora Paulo Luiz Netto Lôbo237 , lecionando que a
família patriarcal entrou em crise com os valores introduzidos pela Constituição de 1.988,
uma vez que "a família atual está matrizada em um fundamento que explica sua função atual:
a afetividade. Assim enquanto houver affectio haverá família, unida por laços de liberdade e
responsabilidade [...]".
Cada membro da família busca a sua realização, com o total apoio do outro, dentro de
um espaço com liberdade, companheirismo, respeito, união da família. Salienta Jacqueline
233 SILVA, Claudia Maria da. op. Cit. p. 123. Para a autora, com a inclusão das diversas formas de família, vislumbra-se que o elo entre seus componentes são o afeto, respeito, a vontade de seguirem juntos, a igualdade entre todos, não tendo mais por base o elo biológico ou genético. 234 DIAS, Maria Berenice. op. Cit. p. 382. 235 DIAS, Maria Berenice. op. Cit. p. 399 236 MADALENO, Rolf. op. Cit. p. 124. 237 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. Revista Jurídica Consulex. Brasília , n.180, Ano VIII, p. 58, julho. 2004. Segundo o autor: "a família, ao converter-se em espaço de realização da afetividade humana e da dignidade de cada um de seus membros, marca o deslocamento da função econômica-política-religiosa-procracional para essa nova função".
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Nogueira238 que somente através do afeto é possível as pessoas renunciarem a algumas coisas
em prol dos outros membros do grupo familiar, oferecendo assim oportunidade de
desenvolvimento e crescimento.
Através do afeto e da relação de cumplicidade com os filhos, os pais acompanharão
seus descendentes em todo o seu percurso aquém da presença física, mas como aqueles com
quem se pode confiar em qualquer situação, como bases sólidas. Conforme leciona Sérgio
Resende de Barros239, o afeto é imprescindível para a saúde física e psíquica do menor, sem o
qual, o prejuízo causado é imensurável.
O filho precisa sentir-se pertencente à família em que convive. E este sentimento é
decorrente da relação sadia que vivencia, no qual sente a proteção, o cuidado, o zelo, a
preocupação, o acompanhamento diário por parte de seus pais240.
Para Adriana Fasolo e Renata Tagliari 241 , se a criança "tiver suas necessidades
adequadamente supridas nos momentos certos viverá melhor seu presente e caminhará para
um futuro com grandes possibilidades de ser saudável e feliz". Desta forma, tem seu
crescimento e desenvolvimento pautados em uma base sólida e estruturada. Sustenta Paulo
Lôbo que a família está se reinventando socialmente, e reencontrando sua unidade na
affectio242.
238 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001. p. 55. 239 BARROS, Sérgio Resende de Barros. Direito de família e psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 149. Segundo o autor: "muito antes de todos esses direitos operacionais do direito fundamental à família - e tanto enlaçado quando recobrindo a todos eles com o manto da ternura e do carinho, da dedicação e do empenho, do compromisso e da responsabilidade para com as pessoas a quem se cativa - vem o direito mais imprescindível à saúde física e psíquica, à estabilidade econômica e social e ao desenvolvimento material e cultural da família e do seu lar: o direito ao afeto, cuja máxima expressão é o direito ao amor". 240 KLAUS, Marshall H.; KENNELL, John H.; KLAUS, Phyllis H. op. Cit. p. 167. Neste norte, salientam os autores que a forma com que os pais cuidam dos filhos influencia em como eles se sentem em relação a si mesmos, bem como serão capazes de se ajustarem à vida futura. 241 SCHELEDER, Adriana Fasolo Pilati; TAGLIARI, Renata Holzbach. O principio da solidariedade, a teoria humanista e os direitos humanos fundamentais como meios de valorização do afeto quando do estabelecimento de vínculos de filiação. In: Instituto Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte, 2008 Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=377>. Acesso em: 2 de fev. de 2008. 242 LÔBO, Paulo Luiz Netto. op. Cit. p. 58 . Para o autor, a afetividade desponta como o componente de definição da família atual, aproximando-a da instituição social.
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3.2 AS CONSEQÜÊNCIAS DECORRENTES DA INOBSERVÂNCIA DOS
COMPORTAMENTOS PREVISTOS EM LEI
Regra geral, para todo descumprimento de uma lei, há a previsão de uma sanção. No
tocante ao direito de família, e em especial nos deveres decorrentes do poder familiar, assinala
Rodrigo da Cunha Pereira243, que o direito tenta remediar o abandono material através do
Código Penal244, tipificando como crime este abandono, assim como o intelectual. Ainda, há a
previsão de prisão civil para o inadimplente da pensão alimentícia245.
O Código Civil, no que concerne ao direito de família, rege que a inobservância dos
deveres e obrigações decorrentes do poder familiar podem resultar na perda deste, conforme
explanado no primeiro capítulo do presente trabalho. Ou seja, havendo abuso de direito ou na
falta de seus deveres, é previsto a suspensão do poder familiar246. A perda deste poder247
ocorrerá em havendo castigo imoderado, abandono, conduta contrária aos bons costumes e à
243 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e psicanálise - rumo a uma nova epistemologia. Coord. Giselle Câmara Groeninga, Rodrigo da Cunha Pereira. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 225. 244 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 31 de dezembro de 1940. Art. 244: Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou menor de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada, deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. 245 BRASIL. Decreto-Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 17 de janeiro de 1973. Art.: 733: Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 1º - Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses. 246 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.637: Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único: Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou a mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. 247 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.638: Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
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moral ou na reincidência dos motivos ensejadores da suspensão do poder de família. Já a
extinção248 deste munus ocorre pela morte, adoção, maioridade ou por decisão judicial.
Em que pese haver a previsão legal das sanções em razão do descumprimento do
poder familiar, há se falar também do dano à dignidade humana do filho e na reparação civil
decorrente de ato ilícito.
A Constituição Federal preconiza a proteção integral da pessoa humana, em
detrimento ao patrimonial. Assim, o princípio da dignidade engloba outros, tais como
liberdade, cidadania, igualdade, solidariedade e uma coleção de outros princípios éticos. Desta
forma, a Carta Magna veda qualquer ato que atente contra a dignidade humana, estabelecendo
com absoluta prioridade o direito à vida, à alimentação, à saúde, ao respeito, à cultura, à
educação, ao lazer, à convivência familiar, estando ainda, o menor de idade a salvo de toda
forma de negligência e dicriminação. E neste contexto, o dano à dignidade humana do filho é
passível de reparação, pois o abandono, a ausência de zelo, de cuidado, de proteção, de
acompanhamento, viola a garantia constitucional ora mencionada.
Conforme Maria Berenice Dias249, citando Rolf Madaleno, a reparação material não
tem apenas o condão de punir a inobservância dos deveres dos pais, mas principalmente para
que no futuro "qualquer inclinação ao irresponsável abandono possa ser dissuadida pela firme
posição do Judiciário, ao mostrar que o afeto tem um preço muito alto na nova configuração
familiar".
O Código Civil250 preceitua que aquele que causar dano a outrem, seja por culpa ou
por dolo, tem o dever de repará-lo. Insere-se neste contexto aquele que prejudica alguém em
248 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 1.635: Extingue-se o poder familiar: I – pela morte dos pais ou do filho; II – pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; III – pela maioridade; IV – pela adoção; V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638. 249 DIAS, Maria Berenice, apud Rolf Madaleno, op. Cit. p. 409. 250 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. Art. 187: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
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razão do abuso do direito próprio, conforme já explanados no segundo capítulo, que trata da
responsabilidade civil.
Neste norte, aufere o Desembargador Claudir Fidélis Faccenda, do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul, manifestando-se em Apelação Cível251 que pleiteou indenização por
dano moral e material em razão do abandono afetivo. Conforme seu entendimento, verifica-se
a possibilidade da reparação pecuniária sob este título, desde que comprovada a negativa de
amparo afetivo, moral e psicológico, uma vez que esta violação "dos direitos à personalidade
do filho, como a honra, a imagem, dignidade e a reputação social, é passível de reparação no
âmbito da responsabilização civil e assegurada pela Constituição Federal (art. 5, inc. X.)".
Desta feita, a ausência do genitor origina dor psíquica, abalo moral, angústia,
desgosto, sofrimento, humilhação, sentimento de rejeição. A indenização decorrente do dano
moral tem uma função meramente satisfatória, visto que a reparação pecuniária não vai suprir
a ausência do carinho, da afeição, da companhia, dos sentimentos inexistentes. Configura-se,
portanto, um meio paliativo de compensação material pela não observância dos deveres
decorrentes do poder familiar, como uma tentativa de coibição para reincidência.
Mister se faz observar que no direito de família a responsabilidade civil é subjetiva.
Desta feita, o dever de reparação surge quando evidenciado a ação com dolo ou culpa, estando
presente o ato ilícito e por conseqüência o nexo causal, liame entre a ação e o dano causado.
Conforme preconiza o Desembargador Claudir Faccenda, no recurso em comento,
tanto o Código Civil quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem deveres dos
pais para com os filhos, dentre eles, de tê-los em sua companhia e educá-lo, configurando o
dever de convivência, assegurando o desenvolvimento físico, psíquico, moral, social, e
prevendo punição em caso de omissão destes deveres, os quais correspondem a direitos da
personalidade do filho.
Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 251 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70021427695. Relator: Des. Claudir Fidélis Faccenda. Julgado em 29/01/2007. Disponível na <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 08 de maio de 2008. Esclarece ainda o magistrado que "com efeito, não se pode perder a técnica jurídica, mesmo diante de uma saudável interdisciplinaridade entre o direito e outras ciências ou áreas do conhecimento. Assim, enquanto na psicanálise, preponderam os aspectos psicológicos de natureza afetiva e sentimental, no âmbito jurídico os deveres e direitos são o norte, procura possibilitar o convívio em sociedade de forma disciplinada e segura, por meio do estabelecimento de deveres e direitos e suas conseqüências nas respectivas violações".
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Assim, nas palavras do douto julgador, havendo abandono voluntário e injustificado,
ação que afronta a legislação pátria, "residindo a ação ou omissão, um dos requisitos da
responsabilidade civil. E se dessa conduta resultam danos ao filho, estarão preenchidos os
outros requisitos: nexo causal e dano". Enfatiza ainda, o magistrado, que o ato ilícito, a
conduta danosa prevista no ordenamento jurídico servem de supedâneo à condenação da
reparação.
Partilha do mesmo entendimento o Desembargador José Ataídes Siqueira Trindade,
Revisor no recurso ora exposto. Discorre este que no exercício das funções parentais, é dever
dos genitores garantir aos filhos não somente o necessário para sua criação, mas também o
carinho e o afeto, asseguradores de um desenvolvimento sadio da personalidade, em respeito
ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Segundo o julgador, o "descumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar,
como, por exemplo, o abandono emocional do pai para com o filho viola preceitos legais.
Logo, tem aplicação, em tese, o art. 186 do CC/02", que preceitua a reparação do ato ilícito.
3.3 A COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DA
AFETIVIDADE
A doutrina civilista se divide em duas correntes, a saber, uma que entende não ser
cabível a indenização por dano moral em razão da ausência afetiva dos pais, por tratar-se de
uma tentativa de valoração do amor, e uma outra que defende ser totalmente cabível esta
reparação, por tratar-se de um descumprimento de princípios constitucionais, de deveres
decorrentes do poder família bem como pela existência de ato danoso.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça abordou estas tendências no Recurso
Especial nº 757.411252, no qual o entendimento majoritário foi no sentido de não ser cabível a
indenização. Todavia, será discorrido sobre ambas as correntes, para uma melhor elucidação
do trabalho.
252 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n° 757.411/MG. Relator: Min. Fernando Gonçalves. Data da decisão: 29/11/2005. Publicado no DJ de 27.03.2007. Disponível na <http://stj.gov.br>. Acesso em 08 de maio de 2008.
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Segundo a primeira corrente, há o entendimento de que não cabe ao judiciário impor
aos pais o dever de amar um filho, bem como puni-los por tal ausência. Haveria presente
neste caso uma imoralidade, ao compensar a ausência do amor com dinheiro, com o pretexto
de se obter vantagens puramente financeiras em decorrência dos incômodos inerentes da vida
humana.
Ademais, a regularidade na prestação da obrigação alimentícia supriria todos os
demais deveres, incluídos os de ordem sentimental. Tanto é que um pai ou uma mãe que dá
amor, afeição, que convive diariamente com seu filho, é passível de prisão civil quando
inadimplente na obrigação alimentar. Assim, não é cabível penalizar o ascendente por danos
afetivos, em razão de ser imensurável o afeto.
Ainda para esta mesma corrente, tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente como o
Código Civil imputam como sanção ao descumprimento do dever de pais a possibilidade da
suspensão, perda ou extinção do poder de família. Estas seriam as punições mais graves
imposta aos pais negligentes, também como função dissuasória. Através desta resposta a
sociedade demonstra não ser conivente com a atitude ilícita dos ascendentes com relação a
sua prole.
Mister salientar que o pleito da indenização, segundo entendimento desta teoria, pode
ocorrer em virtude simplesmente de ambição financeira, não atendendo, desta forma,
exatamente ao sofrimento da criança. Mascarado sob o prisma do abandono afetivo, a
indenização pode estar vinculada a sentimentos de rancor, mágoa, tristeza, decepção, oriundos
do relacionamento dos genitores e que, de forma errônea e inconseqüente, foi repassada ao
filho, que se torna vítima da situação.
Outra questão a ser suscitada é a barreira criada entre pais e filhos, com a imposição
legal da compensação financeira em razão da ausência do afeto, ou até mesmo durante o
litígio. Um relacionamento que já não se encontrava em sua plenitude, com uma convivência
harmoniosa, diária, afetiva, não restaria ainda mais prejudicada pela disputa judicial? A busca
da afetividade via judiciário não estaria afastando ainda mais a possibilidade de uma
reconciliação entre o ascendente ausente e o filho carente? Expor perante o judiciário as
diferenças vivenciadas nesta relação não traria ainda mais prejuízos para as partes?
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Nos dizeres do Relator Luiz Antônio de Godoy253, do Tribunal de Justiça de São
Paulo, o Poder Judiciário não tem o condão de impor ou exigir de alguém sentimentos como
afeto e carinho, sendo que este tipo de condenação não traria nenhum tipo de benefício para a
relação que já se encontra abalada. Ademais, segundo o mesmo magistrado:
[...] prestar-se-ia, isto sim, a romper de vez eventuais tênues laços que ainda os pudessem ligar. Ficaria, na melhor das hipóteses, reduzida ao extremo a possibilidade de retomada de convivência familiar, vindo a ser afrontados, até mesmo, mandamentos constitucionais destinados à proteção desse grupo.
O Excelentíssimo Senhor Ministro Fernando Gonçalves, relator do Recurso
Especial254 pioneiro no Superior Tribunal de Justiça, sustentou em seu relatório que um litígio
desse porte "reduziria drasticamente a esperança do filho de se ver acolhido, ainda que
tardiamente, pelo amor paterno", bem como não atenderia o objetivo de reparação financeira,
em razão de esta já ser suprida pela pensão alimentícia.
Entende o douto julgador que "como escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a
amar, ou a manter um relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada
com a indenização pleiteada", sendo descabida qualquer pretensão compensatória.
Neste diapasão, o Ministro César Asfor Rocha sustentou no mesmo recurso que por
maior que seja a dor sofrida por um filho, é inadmissível qualquer compensação financeira
decorrente de qualquer ato ou conduta praticado pelo ascendente ausente. Para o julgador, a
reparação pecuniária não é cabível nas relações familiares e seu pleito não encontra
embasamento legal. Assim, a repercussão imposta a um dos pais "no campo material, há de
ser unicamente referente a alimentos; e, no campo extrapatrimonial, a destituição do pátrio
poder, no máximo isso".
Em Apelação Cível255 na Nona Câmara Cível do Rio de Janeiro, na qual era pleiteado
indenização por danos morais em face do pai e dos avós paternos por abandono afetivo, o
Desembargador Joaquim Alves de Brito não deu provimento ao recurso embasado na
impossibilidade de se exigir um sentimento de carinho e amor paterno, e que a indenização
253 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 446.069/1. Relator: Des. Luiz Antônio de Godoy. Julgado em 11/03/2008. Disponível na <http://www.tj.sp.gov.br>. Acesso em 10 de maio de 2008. 254 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 757.411/MG. Relator: Min. Fernando Gonçalves. Data da decisão: 29/11/2005. Publicado no DJ de 27.03.2007. Disponível na <http://stj.gov.br>. Acesso em 08 de maio de 2008. 255 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2007.001.21787. Relator: Des. Joaquim Alves de Brito. Julgado em 11/09/2007. Disponível na <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em 10 de maio de 2008.
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requerida pode não suprir esta carência, não alcançando, portanto, nenhuma finalidade
positiva qualquer que seja a indenização concedida.
Neste norte, a busca da relação almejada, de companheirismo, carinho, cuidado, afeto,
encontra-se distante do Judiciário, não cabendo a este a função de regular a relação afetiva
entre os componentes da entidade familiar. No que se refere a compensação financeira pelo
descumprimento de um dever dos pais, e conseqüentemente a violação de um direito do filho,
impossível seria mensurar o afeto ou qualquer outro tipo de sentimento, pois o ato ilícito dos
pais já tem por sanção a suspensão, perda ou extinção do poder familiar.
Em que pese a vedação da indenização por dano moral em decorrência do abandono
afetivo por falta de previsão legal, segundo esta corrente, em alguns casos concretos pode
restar comprovado o prejuízo na personalidade do filho, pela ausência da presença de um dos
genitores. Neste caso, a reparação pertinente seria um tratamento psicológico adequado, a fim
de amenizar os prejuízos causados e restituindo desta forma a saúde emocional do menor de
idade. Assim, apesar de afastada toda e qualquer possibilidade reparação pecuniária, haveria
um ônus suportado pelo ascendente causador do trauma psicológico, sendo dever do pai
causador do trauma suportar os gastos financeiros do tratamento.
Todavia, faz-se imprescindível a demonstração e comprovação destes danos. Discorre
o Desembargador José S. Trindade256, atuante no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
sobre a necessidade da atuação de um profissional da área de psicologia ou psiquiatria para
avaliar a presença efetiva de um dano sofrido pelo menor de idade, bem como o grau deste
prejuízo, uma vez que não compete ao judiciário a avaliação psicológica dos litigantes.
Assim, restando presentes e comprovados este dano, cabe a este mesmo profissional indicar o
melhor e mais adequado tratamento para a reparação deste prejuízo e do desequilíbrio
emocional apresentados.
Elucida a professora de Psicologia da Universidade de São Paulo, Isabel Cristina
Gomes257, que "se o pai supre as carências materiais do filho e não lhe dá carinho, sinto
muito, mas não é o juiz quem vai resolver isso. O filho deve buscar outros caminhos, como
um psicólogo ou psiquiatra". Desta forma, ao judiciário compete a função de aplicador das
leis, desprovido de qualquer competência no que concerne a regular os sentimentos
256 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70022648075. Relator: Des. José S. Trindade. Julgado em 24/01/2008. Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 10 de maio de 2008. 257 CARDOSO, Rodrigo. Afeto no banco dos réus. Revista Isto É. São Paulo, n.2002, ano 31, p. 69, mar. 2008.
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decorrentes da relação familiar. E ao filho caberia a opção de buscar ajuda profissional para
resolver a sua carência afetiva e emocional decorrente da não convivência com os pais.
Segundo dispõe Rolf Madaleno258, nem sempre esta decisão resultará na forma mais
adequada, pois "o pagamento direto da terapia pelo causador do dano poderá implicar
eventuais interrupções do tratamento, pela presumível inadimplência e desobediência judicial
de um costumaz devedor, causando novos desgastes para o filho já vitimado".
Elucida o autor que tendo o filho reclamado judicialmente pela ausência do seu genitor
e sendo comprovado um desequilíbrio emocional, caberia então ao genitor causador deste
dano suportar financeiramente o tratamento adequado. Todavia, caso o genitor interrompa o
pagamento, novo prejuízo causará ao filho, pois restaria agora prejudicado o tratamento com
cunho reparador deste agravo psíquico. Assim, esta imposição do judiciário como forma de
compensar o filho não teria um objetivo positivo, pois o filho não poderá finalizar seu
tratamento em razão da inadimplência do genitor, permanecendo prejudicado.
Contrapondo a esta corrente, há o entendimento de que o poder familiar confere aos
pais deveres e aos filhos direitos, e todo aquele que infringir a lei deve ser punido por seu ato
ilícito. Assim, a ausência da afetividade, dever intrínseco do poder de família, deve ser
reparado, uma vez que este descumprimento significa violação a um dos direitos do menor.
Foram os pais que geraram os filhos e, como conseqüência disto, têm direitos e
deveres que devem ser respeitados e cumpridos, não somente por ato de vontade, mas também
por imposição legal. Uma vez que não cumprem com suas obrigações e deveres, devem
responder através de uma sanção.
A antiga família, estruturada no poder patriarcal absoluto, no patrimônio familiar259,
transformou-se em uma entidade com igualdade de poderes entre seus cônjuges, onde os
filhos passaram a ser sujeitos de direitos e ligados por vínculos afetivos. A dignidade da
pessoa humana, levada a fundamento da República Federativa do Brasil teve como foco a
pessoa em detrimento do patrimônio.
Desta forma, o afeto deixa de ser um interesse exclusivo de cunho privado, adentrando
na esfera jurídica, como um sentimento fundamental para a estruturação e manutenção da
258 MADALENO, Rolf. op. Cit. p. 124-125. 259 COULANGES, Fustel de. op. Cit. p.98-100.
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entidade familiar. Para Thiago Felipe Vargas Simões260, inquestionável é a nova tendência da
família moderna, baseada na afetividade, todavia "o legislador não tem como criar ou impor a
afetividade como regra erga omnes, pois esta surge pela convivência entre pessoas e
reciprocidade de sentimentos".
Os filhos têm assegurado na Carta Magna, bem como no Código Civil e no Estatuto da
Criança e do Adolescente o direito a uma família, a guarda, educação, criação,
acompanhamento, zelo, dignidade, respeito, afeto. A regra jurídica que for descumprida sem a
aplicação de uma sanção pode tornar-se uma regra moral, sem cunho punitivo. Aceitar este
fato seria uma forma de premiar a irresponsabilidade, o ato ilícito, o abandono familiar.
Enfatiza Caroline Said Dias261 que muitas pessoas que exercem os papéis de pais
ignoram seus deveres, os quais causam danos seríssimos aos "pequenos seres que conduzem
pelo trilho da vida. É sobre estes que deverá recair a pena. Deverão então ser conscientizados
através de aplicação de penas, de que possuem deveres como pais que o são".
Reparar o filho através da compensação pecuniária não seria uma situação de
valoração do amor, mas uma forma de reparar a vítima por um dano causado, e também uma
tentativa de coibir o infrator de reincidir em seu ato danoso. Na lição de Claudia Maria de
Souza262:
Trata-se, em suma, da recusa de uma das funções paternas, sem qualquer motivação, que agride e violenta o menor, comprometendo seriamente seu desenvolvimento e sua formação psíquica, afetiva e moral, trazendo-lhe dor imensurável, além de impor-lhe ao vexame, sofrimento, humilhação social, que, ainda, interfere intensamente em seu comportamento, causa-lhe angústia, aflições e desequilíbrio em seu bem-estar. Mesmo sendo menor, já estão tuteladas sua honra e moral, posto ser um sujeito de direito e, como tal, não pode existir como cidadão sem uma estrutura familiar na qual não há a assunção do verdadeiro ‘papel de pai’.
Conforme relata Rolf Madaleno263, os filhos têm necessidade do afeto tanto do pai
quanto da mãe, sendo que cada um deles desenvolve uma função específica e única no
desenvolvimento psíquico do filho. O ascendente que não corresponde a este múnus, infringe
260 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A família afetiva: o afeto como formador de família. In: Instituto Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte, 2008 Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=336>. Acesso em 25 de abril de 2008. 261 DIAS, Caroline Said. Os instrumentos jurídicos do direito civil disponíveis para fiscalização do cumprimento dos deveres parentais. In: Jus Navigandi. Direito de Família. n. 583, 10 de fevereiro de 2005. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6301>. Acesso em: 13 de agosto de2007. 262 SILVA, Claudia Maria da. op. Cit. p. 141. 263 MADALENO, Rolf. op. Cit. p. 120.
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um dever e conseqüentemente causa um dano que deve ser reparado. O filho rejeitado padece
de angústia, humilhação, dor na alma, ausência de paz íntima, mágoa, vivencia um sentimento
de desprezo, ocasionando fissuras no âmago.
Esta reparação de perdas e danos tem o condão de suavizar o prejuízo causado, e não
de dar um valor para o amor, o afeto, a convivência que não houve. Discorre Rolf
Madaleno 264 que "a indenização não tem mais nenhum propósito de compelir o
restabelecimento do amor, já desfeito pelo longo tempo transcorrido diante da total ausência
de contato e de afeto paterno ou materno". Corrobora deste entendimento Claudia Silva265, ao
enfatizar que o aspecto mais relevante da reparação seja conscientizar o ascendente do
gravame gerado ao filho, cessando sua conduta reprovável e grave.
Uma vez que não é possível obrigar ninguém a amar outrem, a sanção cabível é a
reparatória. Destaca Rodrigo da Cunha Pereira266 o crescimento da indenização por danos
morais no Brasil, a partir do advento da Constituição Federal de 1988, principalmente nas
relações consumeristas, onde "indeniza-se facilmente por um constrangimento ou sofrimento
causado por um cheque devolvido incorretamente pelo banco, por exemplo. Por outro lado, o
STJ267 não admite indenizações nas relações de família". Da mesma forma, são indenizáveis
as inscrições indevidas no SPC - Sistema de Proteção ao Crédito, as ofensas pessoais, as
humilhações e constrangimentos decorrentes de um desagravo.
Neste norte, o direito de família não estaria sendo preterido pelas relações
patrimoniais? A violação de um direito e que acarreta um sofrimento imensurável ao filho não
estaria sendo indiferente ao judiciário? A justiça não estaria deixando de cumprir com sua
função ao permitir que um indivíduo cause dano a outrem sem a sua devida reparação?
Cumpre salientar que a falta de afeto, o abandono emocional do filho viola
expressamente um dever dos pais, inerentes do poder familiar. E uma vez que um direito está
violado, uma regra jurídica foi infringida, certo deve ser sua reparação, com aplicação do
instituto da responsabilidade civil.
264 MADALENO, Rolf. op. Cit. p. 125. Salienta o autor que existe um movimento de decisões judiciais no intuito de reparar através de indenização pecuniária a "dilaceração da alma de um filho em fase de formação de sua personalidade, cujos pais se abstêm de todo e qualquer contato e deixam os seus filhos em total abandono emocional". 265 SILVA, Claudia Maria da. op. Cit. p.141-142. 266 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o homem. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=392>. Acesso em 02 de maio de 2008. 267 Superior Tribunal de Justiça.
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Salienta Rodrigo Pereira268 que em se tratando de reparação por este abandono, a
indenização é simbólica e "tem apenas uma função punitiva. Mais que isso: uma função
educativa. Afinal, não há dinheiro no mundo que pague o dano e a violação dos deveres
morais à formação da personalidade de um filho rejeitado pelo pai".
Alguns tribunais vêm recebendo demandas de filhos tolhidos do seu direito de
convivência, no qual o entendimento é de ser cabível a reparação. Os pioneiros no tema foram
a Comarca de Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul269 seguido de Minas Gerais270 e São
Paulo271.
Discorre Claudia Maria da Silva272 que estas decisões procedentes demonstram a
"coragem e sensibilidade com que os tribunais vêm tratando a filiação, colocando-a a salvo da
negligência, do descaso, do desinteresse, da irresponsabilidade dos genitores", aplicando
todos os princípios que embasam a proteção dos filhos, em especial o descumprimento
involuntário do dever de convivência.
Neste sentido, colhe-se da lavra do Desembargador Luiz Felipe Francisco 273 , do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o seguinte entendimento:
A jurisprudência vem admitindo a concessão de verba indenizatória por danos morais para o caso de abandono moral e afetivo sim, devendo, entretanto, estar caracterizada evidente negligência dos pais para com os filhos durante toda a sua vida, capaz de atingir profundamente o seu íntimo, decorrente da ausência dos genitores. O Julgador deve, neste sentido, proceder à análise de cada caso e dos fatos trazidos pelas partes
274.
Portanto, uma vez presente a conduta ilícita, através do descumprimento de um dever
intrínseco do poder familiar, o dano sofrido pelo filho (nexo causal), ou seja, todo o resultado
268 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o homem. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=392>. Acesso em 02 de maio de 2008. 269 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Ordinária n. 141/1030012032-0. Juiz Mario Romano Maggioni. Sentença em 15/09/2003. Disponível na <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 10 de maio de 2008. 270 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2.0000.00408550-5/000. Relator: Des. Unias Silva. Julgado em 29/04/2004. Disponível na <http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em 10 de maio de 2008. 271 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Ação Ordinária n. 132.01.2005.003827-5. Julgado em 12/01/2006. Disponível em <http://www.tj.sp.gov.br>. Acesso em 10 de maio de 2008. 272 SILVA, Claudia Maria da. op. Cit. p.143. 273 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2007.001.11909. Relator: Des. Luiz Felipe Francisco. Julgado em 24/04/2007. Disponível na <http://www.tj.rs.gov.br> Acesso em 10 de maio de 2008. 274 CARDOSO, Rodrigo. Afeto no banco dos réus. Revista Isto É. São Paulo, n.2002, ano 31, p 69, mar. 2008. Segundo o advogado Domingos Sinhorelli Neto, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio Grande do Sul, alguns dos dez processos ingressados por ele sobre este tema tiveram um final feliz, como foi o caso de uma estudante de 19 anos, que teve êxito na Comarca de Canoas/RS, no qual ganhou uma indenização e se reaproximou do pai, passando a conviverem juntos em finais de semana.
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danoso, prejudicial, em sua esfera pessoal e psíquica decorrente do descumprimento deste
dever, configura-se o dever de reparação, conforme preceitua a legislação vigente.
De acordo com o explanado, a indenização possui um cunho reparatório e no tocante a
fixação do quantum a ser pago, deve ser observado os níveis econômicos de ambas as partes,
afim de não ensejar um enriquecimento injusto, tendo em vista não ser este o fim almejado.
Neste norte, a indenização deverá ser razoável, proporcionando ao lesado a sensação de
satisfação e ao ofensor a coibição da reiteração no ato danoso.
No entanto, embora haja a contemplação do dano extrapatrimonial no tocante as
relações familiares, o judiciário deve agir com total parcimônia, a fim de evitar a banalização
da indenização por este tema.
Deve buscar-se entender o verdadeiro significado deste abandono, suas conseqüências,
e aplicar às circunstâncias em que se encontrar seus pressupostos, em busca de adequar, dessa
forma, o Direito às evoluções e às necessidades contemporâneas da sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciou-se o presente trabalho com o propósito de fazer um breve estudo acerca do
poder de família desde a Roma antiga até a legislação atual, verificando suas principais
modificações e evolução, bem como a responsabilidade civil dos pais frente aos direitos dos
filhos, chegando-se até ao estudo do dano moral decorrente dos descumprimentos do poder de
família.
Na antiga família, o poder do pai era soberano e somente seus interesses prevaleciam
perante aquela, sendo todos os membros subordinados à figura do paterfamilias.
Com o advento da Constituição Federal de 1.988 e do Código Civil de 2.002, grandes
transformações foram inseridas no campo familiar, uma vez que se contemplou a igualdade
entre homem e mulher na vida conjugal, equiparação entre os filhos, independente de sua
origem, transformando-os em sujeitos de direitos.
Ademais, estas inovações introduziram uma nova visão no âmbito familiar, ou seja,
vislumbrou-se a relevância dos laços afetivos da família, sendo reconhecido como
fundamentais para o desenvolvimento sadio dos filhos. O poder paternal, centrado na idéia de
proteção, tem por dever assegurar equilíbrio físico, emocional, educacional e moral. A função
originária de poder dos pais sobre os filhos, designada no Código de 1.916, evoluiu para uma
gama de deveres para com estes, de tal sorte que este poder deve ser exercido de forma
igualitária entre ambos os genitores, em busca do interesse do menor de idade. Desta forma, a
ausência injustificada por qualquer um dos pais acarreta um prejuízo à formação do menor em
razão da carência afetiva, emocional, de proteção, amparo, prejudicando a moral e o seu
desenvolvimento psicológico.
A Carta Magna inseriu a implementação efetiva da responsabilidade de reparação do
dano moral, sendo por fim assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, sem
prejuízo de indenização por dano material, em situações de violação da intimidade, vida
privada, honra e imagem das pessoas.
Esta indenização tem por finalidade a compensação, visando a proteção do ser humano
como pessoa contemplada com direitos e garantias constitucionais. Ademais, quando o
indivíduo pleiteia indenização pelo dano causado, busca reparar uma lesão ao seu direito,
assegurado pelas leis vigentes. Assim, o aspecto punitivo seria no sentido de inibir a
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reincidência, e a prestação pecuniária de cunho compensatório ao lesado, pelo ato ilícito
cometido, quando impossível de recompor as coisas no seu status quo ante, ou seja, recompor
ao seu estado anterior.
Neste sentido, a reparação pelo abandono afetivo busca cobrar dos pais um correto
desempenho na suas funções de titulares do poder de família, e proporcionar aos filhos um
desenvolvimento pleno como pessoa humana.
A criança privada da companhia dos pais, independente dos motivos, experimenta
sensações de rejeição, abandono, desprezo, sentimentos estes que causam traumas profundos
em sua formação e desenvolvimento.
Da mesma forma, o abandono afetivo configura também infração aos princípios
contemplados pela Constituição Federal, e uma vez descumpridos, ferem a dignidade da
pessoa humana. A suspensão, perda ou extinção do exercício do poder de família, como
sanção civil, não afasta a reparação pelo ato danoso cometido contra o filho, assim como a
prestação alimentícia e as visitas não esgotam as responsabilidades dos genitores para com
sua prole. A figura de pais vai além disso. Mister se faz a presença constante, o convívio, o
interesse, a preocupação, os limites impostos, as regras, o acompanhamento efetivo, a troca de
experiências, de ensinamentos, a oportunidade de um desenvolvimento em uma estrutura
familiar sólida. E isto não significa que os pais tenham que dividir o mesmo teto, mas sim, as
mesmas responsabilidades e deveres.
Neste norte, entende-se que a indenização por danos morais decorrentes da ausência
afetiva dos pais é cabível, visando compensar o filho lesado pelo descumprimento voluntário
dos deveres inerentes do poder de família, imputando aos pais a responsabilidade de
reparação pelo comportamento omisso com relação a sua prole, tutelando os princípios
constitucionais ora mencionados.
Todavia, deve o juiz valer-se de seu bom senso e arbitrar um valor de reparação
através de critérios de razoabilidade, ou seja, que o valor à vítima seja proporcional ao seu
prejuízo, ao seu sofrimento. Desta forma, evitam-se os abusos, tanto em fixações exarcebadas
ou irrisórias, e cumpre-se fielmente o condão de proporcionar ao lesado uma compensação
pela ofensa sofrida, ao mesmo tempo em que coíbe o agente a reincidir no ilícito, sem correr o
risco de se criar uma indústria indenizatória neste contexto.
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