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FLÁVIA SANSALONI
“CIDADELA DE PROSCRITOS”:
SANATÓRIO COLÔNIA SÃO ROQUE NAS DÉCADAS
1960 –1970
Monografia apresentada à disciplina de Metodologia de Pesquisa em História II como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profª Drª Márcia Dalledone Siqueira.
CURITIBA
2001
ii
Ao meu esposo, pela presença
estimuladora na continuidade dessa monografia.
Aos meus pais pela formação recebida
e pelo incentivo à continuidade dos estudos.
iii
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora Márcia Siqueira,
pelo estímulo à liberdade de escolha do tema desta monografia.
Pela valiosa contribuição à realização dessa monografia,
um agradecimento especial a:
Ingrid Schwyzer, mestranda em história,
por esclarecer alguns conceitos sobre medicina social
(longas conversas por telefone)
Almir Alves de Jesus,
coordenador da Educação Ambiental da Secretaria Municipal de Meio
Ambiente, Agricultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Piraquara,
pela boa vontade e interesse com relação à pesquisa quanto ao
fornecimento de dados.
Lídia Mara Groos, funcionária da Biblioteca Pública do Paraná,
pela paciência e educação no atendimento por horas e horas
que fiquei pesquisando.
Sebastião Pamplona e Osvaldo Pereira,
por terem cedido materiais relativos a fontes.
Regiane Garcia (amiga),
por ter auxiliado nas pesquisas de campo.
E também a todos que, mesmo indiretamente, contribuíram para o bom
êxito dessa pesquisa.
iv
SUMÁRIO
LISTA DE FOTOS .................................................................................................
v
RESUMO .................................................................................................................
vi
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................
7
2 MEDO E PIEDADE ...........................................................................................
2.1 “CONTAMINADOS” E “SÃOS” ...................................................................
2.2 AMOR AUDAZ ................................................................................................
2.3 O MEDO URBANO ..........................................................................................
2.3.1 O poder público e a lepra ................................................................................
11
19
21
22
24
3 CIDADE ENTRE MUROS ................................................................................
3.1 IR E VIR ............................................................................................................
3.2 AMIZADE NO SÃO ROQUE ..........................................................................
3.3 AS ORDENS DE SERVIÇO .............................................................................
3.4 AS FUGAS ........................................................................................................
28
28
30
36
39
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................
41
5 REFERÊNCIAS ..................................................................................................
5.1 FONTE ESCRITA .............................................................................................
5.2 FONTE ORAL ...................................................................................................
5.3 FONTE ICONOGRÁFICA ...............................................................................
5.4 BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................
43
43
45
45
46
ANEXOS .................................................................................................................. 47
v
LISTA DE FOTOS
FOTO 1 - DESFILE DE SETE DE SETEMBRO NA AVENIDA GETÚLIO
VARGAS DE PIRAQUARA , DÉCADA DE 1960 ..............................
15
FOTO 2 - BANDA MUSICAL “LIRA TUIUTI”, COMPOSTA PELOS
INTERNOS, 1969 ..................................................................................
32
FOTO 3 - PROCISSÃO SÃO ROQUE, COMPOSTA POR DOENTES,
FUNCIONÁRIOS E MORADORES DOS BAIRROS VIZINHOS,
1968 ........................................................................................................
33
FOTO 4 - CEMITÉRIO DO SANATÓRIO SÃO ROQUE, 1960 .........................
35
FOTO 5 - CAPELA SÃO ROQUE, 1969 ............................................................... 37
vi
RESUMO
O sanatório Colônia São Roque (SCSR), situado estrategicamente em Piraquara, município vizinho à Curitiba, foi fundado em 1926 a contento de políticas públicas que visavam isolar pessoas portadoras do mal de hansen, funcionando ao longo de seus 70 anos de existência como uma cidadela de proscritos. Foi exatamente neste contexto que o trabalho foi desenvolvido, com o objetivo de entender como era visto o doente hanseniano, segundo três óticas distintas porém inter-relacionadas: 1) pela política médica da época; 2) pela sociedade de Piraquara e 3) pelos próprios doentes, no período compreendido entre as décadas de 1960-70. Esta década, sem dúvida, foi caracterizada como um período de contradições gritantes. Em princípio porque vigorava então o “processo de abertura” das instituições sanitárias com a declaração do fim do confinamento compulsório, editado pelo Congresso de Roma em 1956; ao mesmo tempo em que o país atravessava agudas transformações políticas-econômicas e sociais, ainda sob o impacto do golpe militar perpetrado em 1964. Neste momento, foram afastados dos processos decisórios no âmbito das políticas públicas de saúde os técnicos e os trabalhadores comprometidos com as questões sociais, onde o doente, por sua vez, passava a ser visto prioritariamente como uma mercadoria ao passo que a medicina brasileira se distanciava das necessidades vivenciadas pela maioria da população necessitada. Quanto às fontes documentais, foram utilizadas as mensagens à Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, entre os anos de 1960-69, encontrados no acervo da divisão paranaense da Biblioteca Pública do Paraná e o regimento interno do SCSR. No presente trabalho, proponho um diálogo teórico entre as fontes documentais descritas acima e a fonte oral (cf. nota 1). Com efeito, utilizei a história oral como metodologia baseada em roteiro de entrevistas que enfatizou primordialmente, a experiência cotidiana do entrevistado (vista de dentro) no Sanatório Colônia São Roque, enquanto um discurso -privilegiado- em contraponto às fontes documentais oficiais. O resultado encontrado foi um cenário repleto de contradições, no qual o medo e a piedade perpassam toda a pesquisa. O estigma de tais doentes, não se direcionava à doença propriamente dita, consubstanciava-se na pessoa do doente, como doença física e social. O indivíduo ao ser diagnosticado como portador da doença era compulsoriamente afastado da família e do convívio de seus parentes, os quais, na maioria das vezes o rejeitava. Embora houvesse uma assistência básica aos doentes, existam entretanto constantes fugas, pois os internos sentiam saudades da família e da vida em sociedade, ou em alguns casos, simplesmente recusavam-se a viver em clausura, em estado de isolamento imposto, num local em que muitos chegavam para morar, viver (ou tentar sobreviver) por um determinado tempo em busca da cura ou simplesmente esperar pela morte.
7
1 INTRODUÇÃO
Podemos dizer que o Paraná na década de 1960 foi marcado por uma política
pública na área da saúde fundamentada no sentido de: incentivar a iniciativa particular
às ações curativas em geral e estimular a prevenção e profilaxia das doenças. A
medicina curativa proliferava por conta da iniciativa particular e ao médico cabia a
responsabilidade pela assistência curativa aos doentes, consumindo a maior parte dos
recursos orçamentários destinados à saúde.
Neste contexto insere-se o objeto desta pesquisa: o “Sanatório Colônia São
Roque” entre as décadas de 1960-1970. Situado estrategicamente em Piraquara,
município vizinho à Curitiba, foi fundado no ano de 1926, a contento de políticas
públicas que visavam isolar pessoas portadoras do mal de hansen, funcionando ao
longo de seus 70 anos de existência como uma “Cidadela de Proscritos”.
O recorte temporal escolhido justifica-se por se tratar do período em que
vigorava o processo de abertura das instituições sanitárias com a declaração do fim do
confinamento compulsório, editado pelo Congresso de Roma em 1956. Teoricamente
estava abolido o isolamento oficial dos hansenianos até então encarcerados, mas na
prática, os doentes sentiam-se presos de si próprios e dos demais, pois o preconceito
não havia terminado. As palavras do Dr. Rui Miranda, são muito reveladoras deste
processo: “desde 1956, no Congresso de Roma foi recomendado abolir o internamento
obrigatório. Só internar seletivamente aqueles que precisassem ser internados, que não
tinham condições de viver em casa, pobres, desvalidos...”1
Embora houvesse esta política de abertura, o mito da lepra continuava presente
e insistente. É importante lembrar que o termo Mal de Hansen ou Hanseníase, como é
conhecido hoje, ainda não era utilizado na década de 1960. A doença era designada
pela palavra lepra, que teve sua origem no termo Zaraht do Antigo Testamento2, e
posteriormente foi traduzido por São Jerônimo e vertido para o grego com o sentido de
1 MIRANDA, Rui. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Curitiba, março de 2001. 2 A lepra já era narrada no Livro de Levítico, 14, no Antigo Testamento e nos Evangelhos do Novo Testamento, em Lucas, 5, quando o leproso foi curado por Jesus.
8
sujeira. Foi esta noção pejorativa que se espalhou pelo mundo, com o significando de
moléstia, castigo divino, desonra, pessoa ruim, marginalizada3. No campo científico,
este termo foi contestado pelos hansenólogos4 - entre eles, Abraão Rotberg, em 1967 -
que defendiam a substituição da palavra lepra por Mal de Hansen ou Hansenose,
valorizando assim o sobrenome do descobridor do bacilo que causa a enfermidade, o
cientista norueguês Gerhard Henrik Armauer Hansen5.
Embora o termo lepra como sinônimo de hanseniase6 tenha sido oficialmente
proibido em 1976 pelo Ministério da Saúde, não se conseguiu um sucesso efetivo no
combate do preconceito que envolve a doença7. A proposta de uma nova terminologia
para a doença no Estado do Paraná é notável no Código Sanitário do Estado, art. 461,
lei complementar nº 4/75, decreto nº 3641/77:
No Estado do Paraná, em terno de profilaxia da hanseníase, fica proscrita a palavra lepra e seus derivados, sendo oficialmente colocada a terminologia hanseníase e seus correlatos conforme especificações abaixo: Nova terminologia Terminologia proscrita Hanseníase Lepra Hanseníase virchowicna(v) Lepra lepromatosa(l)8
O documento nos dá a medida da ideologia das políticas médicas deste período. O
Código supracitado, bem como a tônica do Congresso de Roma revelam a preocupação
3 NACLI, A. Mal de hansen e o serviço social. Curitiba : Imprensa oficial do Estado, 1959. p.69. 4 Hansenólogo é o nome dado ao médico que trata dos hansenianos. 5 Tendo como colaborador Neisser, Hansen descobriu, ao microscópio, os bacilos rosados em forma de bastões. O período de incubação da Hansenose varia de meses a anos. A doença apresenta muitas surpresas, pois, muitas vezes o indivíduo não sabe que é seu portador. Manifestações de prostração, sonolência, acessos febris, suores, nevralgias, obstrução nasal, resfriados acompanhados de secura e de corrimento com ou sem sangue, dores reumatóides, perturbações das menstruações, mal perfurante plantar confundem-se com as de outras doenças. Sua característica principal é o aparecimento de manchas eritematosas (róseas ou arrocheadas) na pele, em qualquer parte do corpo, acompanhadas de falta de sensibilidade. NACLI, op. cit., p.79. 6 A Hanseníanse ou lepra é uma doença infecciosa crônica, que afeta pele mucosas e nervos. O hanseniano sofria perda das extremidades devido à lesão óssea, são sinais avançados da doença que hoje podem ser evitados com tratamento preventivo. (ENCICLOPÉDIA Microsoft Encarta – 1993-1999, Microsoft Corporation). 7 LEPRA. In ENCICLOPEDIA O Mirador (p. 5662 a 5665). Disponível em <http://www.monteazul.com.Br/ Calisto/ trabalhos_ biologia/lepra.htm. 8 SECRETARIA DA SAÚDE E DO BEM-ESTAR SOCIAL. Código Sanitário do Estado; lei complementar n. 4/75 Decreto n.0 3641/77. p. 80-84.
9
com o indivíduo portador de hanseníase. Segundo Dr. Rui9, havia uma abertura teórica
do confinamento para a reintegração social, no entanto a prática revela uma postura
rígida de isolar o portador de lepra como se fosse culpado e por isso digno de ser
castigado.
Neste contexto, onde havia uma política médica contrária ao confinamento
compulsório, que situamos o Sanatório Colônia São Roque (SCSR). Esta instituição
funcionou por longos anos como estrutura auto-sustentável, ou seja, onde o doente
deveria morar, viver, tratar-se e morrer. Estes eram os quatro verbos que sintetizaram a
função do SCSR no período estudado e revelam a estratégia institucional de afastar os
doentes do cotidiano sociedade sadia, isto é, afastar o risco de uma possível transmição
da doença, que até este período assustava a população que temia ser contaminada. O
estigma destas pessoas, tidos como doentes físicos e sociais, fundamentam o principal
objetivo deste trabalho, de entender como era visto o hanseniano do SCSR, na década de
1960 segundo três óticas distintas: pela sociedade de Piraquara, pela política médica e por
eles próprios.
Essa tarefa porém encontrou alguns percalços no que se refere às fontes de
pesquisa. A primeira dificuldade foi a ausência de um acervo documental sistematizado,
conseqüência da falta de um lugar adequado para acondicionar os documentos da
Instituição, o que dificultou a obtenção de dados sobre o SCSR. Outro fator foi a carência
de literatura sobre a história de Piraquara. Embora houvessem alguns textos contendo o
histórico da cidade, como o material feito pela prefeitura de Piraquara, estes porém não
contém informações sobre a década de 1960. Por conta das dificuldades descritas,
optamos por privilegiar as fontes iconográficas (fotos) e orais (entrevistas), coletadas com
o objetivo de reconstruir, mesmo que parcialmente, a história da cidade de Piraquara, para
melhor situar o leitor.
Como fio condutor, citamos o teórico Lindolfo Fernandes, autor que trabalha as
relações de poder do Estado e as ramificações deste sobre a sociedade. Dessa forma,
podemos melhor compreender como um Estado, impregnado de preconceitos, se
transforma o principal incentivador da iniciativa particular, a ponto de consumir maior
9 MIRANDA, Rui. Entrevista concedida a Flávia Sansaloni. Curitiba, março de 2001.
10
parte dos recursos orçamentários para a área da saúde. Lindolfo Fernades nos fala
deste processo, quando o Estado na prática mantinha um atendimento ambulatorial
precário e ineficiente, enquanto no discurso político apresentava-se como uma
estrutura interna fortalecida. Constatamos que os objetivos das ações públicas não se
referiam exatamente aos doentes, mas à Hanseníase, suas causas sociais e a
culpabilização do doente, elaborando um discurso político e procedimentos médicos
em nome da saúde coletiva.
O trabalho foi dividido em dois momentos. Primeiramente contextualizamos
alguns aspectos importantes no âmbito afetivo da doença, como o medo urbano, o
preconceito, a piedade, o amor audacioso e os confrontos ideológicos entre
“contaminados” e “sãos”, que muitas vezes resultava na fragmentação ou persistência dos
núcleos familiares. Em seguida procuramos entender as possíveis influências de ordem
político-econômica no decorrer deste processo, como por exemplo o lucro da medicina
privada em detrimento da saúde pública e a tendência administrativa – presente em todas
as gestões – em ampliar as instalações do SCSR para garantir sua auto-suficiência.
No segundo momento, procuramos entender este modelo de auto-suficiência.
Para tal resgatamos as origens do Jardim Primavera e Vila Santa Mônica e a idéia
desta comunidade sobre o doente, procurando identificar as raízes do preconceito e as
relações destes entre limpeza e sujeira (manchas).
A relação entre os internos e o submundo – boemia, alcoolismo e prostituição –
era estreita e se dava pela fuga. Desta forma os doentes procuravam aproveitar o pouco
tempo de vida que lhes restavam, procurando um espaço de sociabilidade e
solidariedade, frente ao isolamento imposto em que se encontravam. Procuramos aqui
também mapear as normas que regulavam as saídas dos internos do SCSR, procurando
verificar de que maneira estas regras, por conta da ameaçadora doença, relegavam o
doente a um segundo plano.
11
2 MEDO E PIEDADE
O conhecimento do contexto que caracteriza o Município de Piraquara é
fundamental para se compreender o Sanatório São Roque, assim chamado na década
de 60, bem como o conceito de medicina social, numa década repleta de mudanças
relativas à revolução da informática em âmbito mundial e a um dos fatos mais
marcantes da época no Brasil, o Golpe de 1964 e a tomada do poder pelos militares
que, sob a ideologia positivista, montaram o programa de um governo forte para fazer
o progresso que a democracia não conseguia construir.
Perseguições e tortura marcaram os anos 60 e principalmente a idéia de que a
sociedade era amorfa, seus indivíduos não agiam, quer por serem tidos como meros
beneficiários, quer porque lhes era atribuída a escassez de conhecimentos técnicos e,
por isso, incapazes de entender os caminhos a serem seguidos10.
Em geral as “massas” eram consideradas vítimas da ignorância e
incompetentes para tomar decisões que conduzissem a alternativas sociais11. Era
privilegiado o capital externo, a concentração de riquezas, deteriorando as condições
de vida das classes populares exploradas e adoecidas12.
Na área de Saúde, os trabalhadores e os técnicos comprometidos com as
questões sociais eram afastados do processo decisório enquanto era criado o Instituto
Nacional da Previdência Social – INPS, que controlava grande parte dos recursos da
assistência médica, substituindo as instituições classistas anteriores13.
O modelo médico brasileiro sofreu profundas mudanças à medida em que
progredia o capital privado cujo conceito do indivíduo doente era o de uma mercadoria
que proporcionava lucros gradativos à empresa. Aumentava a sofisticação dos serviços
e se tornava possível a instalação da indústria de equipamentos na prática médica,
embora já não mais aceitos em outros países. A cada dia, a medicina brasileira se
distanciava mais da realidade e se aproximava do lucro como principal finalidade. A
10 CALDEIRA, Jorge.Viagem pela história do Brasil. São Paulo : Companhia das Letras, 1997. p.25. 11 Ibid. p.28. 12 FERNANDES, Lindolfo. A Secretaria do Estado do Paraná 1853 a 1983. Curitiba, 1988. p.47. 13 Id.
12
esses dois elementos, medicina privada e equipamentos médicos, juntava-se a indústria
de medicamentos, a terceira em faturamento do país. Os três grupos passaram a
constituir um obstáculo para qualquer iniciativa orientada à criação de novos modelos
de saúde no País. A Saúde Pública, dedicada às práticas “preventivas” das doenças
consideradas mais graves socialmente, recebia cada vez menos recursos14, enquanto
por meio dos discursos governamentais divulgava-se que o setor assistencial e curativo
do SCSR recebia verbas para se modernizar15.
“Assim, tanto ao nível nacional como nos Estados, as políticas de saúde foram enquadradas no modelo do regime que abandonava a política de saúde pública anteriormente institucionalizada. No Paraná a saúde pública era cuidada principalmente pela Secretaria da Saúde Pública e pela Superintendência de Campanhas – SUCAN, a qual substituiu em 1969 o DNERU, que se responsabilizava pelo combate aos problemas de saúde das populações rurais”.16
Na década de 50 havia sido inaugurado o modelo desenvolvimentista, e, a
década de 60 caracterizava-se pelo modelo conservador que disputava projetos tecno-
assistenciais específicos do final dos governos populistas17:
No Paraná havia grande necessidade de modernização do Estado diante das
transformações que ocorriam, especialmente nos aspectos da construção de rodovias e
das telecomunicações. Enquanto essas iniciativas se realizavam, desenvolvia-se o setor
industrial unindo Curitiba, Londrina, Maringá e Ponta Grossa a outras cidades. Como
conseqüência da alta do café, as cidades paranaenses multiplicavam-se e faltava a
infra-estrutura aos serviços de manutenção da vida. Como a ocupação das terras era
muito rápida, o Paraná não contava com uma estrutura suficiente para atender a
população que para ali se mudava, limitando-se às soluções de emergência18.
14 FERNANDES, L. Op. cit., p.66. 15 PARANÁ 1961-1965. Compilação e redação de Ricardo Werneck de Aguiar. As realizações do governo. Fonte adquirida no setor de Divisão Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná. 16 SIQUEIRA, Márcia Dalledone. Associação Médica do Paraná: 60 anos de história. Curitiba: Associação Médica do Paraná, 1993. p.48. 17 Id. 18 FERNANDES, L. Op.cit., p.67.
13
Piraquara, com área total de 28.564.60 ha, limita-se ao norte com Quatro
Barras e Colombo, ao Sul, com São José dos Pinhais; ao Leste com Morretes e ao
Oeste, com Curitiba, como era na década de 60. Era praticamente uma área rural até o
período de 1960. Suas riquezas naturais eram areia, argila, saibro e pedra. A água
vinha dos Mananciais da Serra (Serra do Mar) que também abastecem Curitiba19.
No início da década de 70, a população residente em Piraquara era de 11.636
habitantes. Destes, 3.520 compunha a população urbana e 8.116, a população rural20.
Havia 72 estabelecimentos com atividades comerciais ocupando 111 pessoas21 e 24
indústrias ocupando mensalmente uma média de 319 pessoas. Destas 24 indústrias,
duas trabalhavam com extração de minerais, nove com produtos minerais não
metálicos, uma com metalurgia, uma com mecânica, uma com material de transporte,
quatro com madeira, uma com química, três com produtos de matérias plásticas e duas
com produtos alimentares22.
Piraquara tem o nome que significa buraco ou lugar do peixe. Nos históricos
construídos pela Prefeitura Municipal, cita-se apenas três vezes o SCSR: uma vez, ao
falar de saúde, quando apenas é citado; a segunda vez, quando afirma-se que no setor
da saúde, conta com quatro hospitais, porém nenhum mantido com recursos da
Prefeitura. E por último, ao colocar os hansenianos no mesmo nível dos detentos ao
afirmar preconceituosamente: "Atualmente, além de acolher pessoas que aqui chegam,
de vários lugares do país, algumas vezes em condições não muito agradáveis, como
é o caso dos detentos e dos enfermos”23.
Em Piraquara, segundo o comerciante Nagibe Riechi24, de 67 anos, 90% da
população total, incluindo Pinhais eram funcionários públicos que viviam em função
do Estado. O comércio contava com uma parte do dinheiro dos hansenianos
19 PREFEITURA MUNICIPAL DE PIRAQUARA. História/geografia. Piraquara: Divisão de Ensino, departamento de educação, s.d. 20 FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo comercial Paraná: VIII recenseamento geral – 1970. Série Regional, V. VI – Tomo XIX, p.112. 21 Id. 22 Ibid., p.52. 23 Id. 24 RIECHI, Nagibe. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Curitiba, 30 de março, 2001. Rieche Nagibe atua como comerciante na Av. Getúlio Vargas, 63 em Piraquara.
14
aposentados, ou que recebiam uma subvenção do Estado, que não era muito, mas era
considerado um meio de vida. O depoimento do Dr. Duques W. Cores, diretor do
Sanatório no período de 1961-1969, é esclarecedor:
Qualquer hanseniano que apresentasse a doença aos Órgãos de Aposentadoria (IAP, FAPT, Fundo Rural e outros, que eram vários), podia ser aposentado, por ser uma doença infecto-contagiosa e praticamente incurável. Também podia se conseguir aposentadoria pelo fundo rural, para aquelas pessoas que vinham do interior, do campo, se tratar. O objetivo era puramente social, para dar uma ajuda ao doente, principalmente para aqueles que se casavam no hospital e depois iam viver suas vidas fora dali25.
Na Vila de Piraquara, como era chamado, dava-se a concentração do comércio
e dos eventos festivos, entre eles o desfile de 7 de setembro, na Avenida Getúlio
Vargas (ver foto 1). Entretanto, Piraquara vivia em função de dois ou três engenhos de
erva-mate, de algumas serrarias, da extração da pedra para mandar para Paranaguá,
São José dos Pinhais e Curitiba entre outros. Não havia asfalto ligando Piraquara a
Curitiba. A comunicação viária entre as duas cidades era realizada através do trem ou
por meio da estrada do encanamento disponível somente até às 17 horas especialmente
utilizada pelo Departamento de água e esgoto. Quem quisesse ir a Curitiba ia, ou pela
Graciosa ou pelo Mato Grande (São José dos Pinhais). Isso continuou até que por meio
de uma luta política houve a abertura da estrada26. Os prefeitos de Piraquara nesse
período foram: Felipe Zeni (1959-63), Lírio Jacomel (1964-1968), Wilson da Costa Lima
(1968), Manoel Alves Pereira (1969-1972)27.
Piraquara, de certa forma, mesmo que inconscientemente, marginalizava os
doentes. A egressa J.F., de 58 anos, relata:
“Piraquara não aceitava os doentes circulando lá. La no centrinho era assim. Se sabiam que uma pessoa era doente ele sofria as conseqüências (...) Eu ia no dentista, mas ele não sabia que eu era doente, eu ia bem arrumadinha com a Irmã L., né, (...) eu ia nas lojas, ninguém percebia28. Mas Piraquara foi uma cidade que marginalizou muito a doença, deixou muito a desejar na época, saiu até artigo de jornal (...) Piraquara condena o Sanatório São Roque”29.
25 CORES, Duque W. Entrevista concedida a Flávia Sansaloni. Piraquara, 10 de abril, 2001. 26 Id. 27 PREFEITURA MUNICIPAL DE PIRAQUARA. Op.cit. 28 Grifos meus. 29 J.F. Entrevista concedida a Flávia Sansaloni. Curitiba, 30 mar. 2001. Obs.: O uso de iniciais ou nome fictício em alguns casos, como este, é para preservar a identidade do entrevistado.
15
Foto 1
16
Ao tratar dos grupos que compuseram a população, o mencionado histórico cita
os descendentes de italianos, poloneses, ucranianos e antigos povoadores portugueses
e espanhóis30. Mas, em momento algum, cita os componentes da Colônia São Roque, o
qual reuniu ao seu redor um número suficiente para o início de vilas como o Jardim
Santa Mônica e Jardim Primavera conforme a egressa J.F.:
“As cozinheiras que trabalham no hospital a maioria trabalhava aqui perto, eram pessoas sadias: Dona Doraina, Rosa, Nona, a Candinha e Rosinha. Elas vieram(...) e algumas tinham o marido doente, vieram cuidar do marido e vieram e ficaram de cozinheiras. Foram se formando os bairros este Primavera era tudo campo, (...) dava pra contar as casas, naquela rua principal lá tinha só a casa que era da dona Didi, que saiu, e a casa da nona Eva e Catarina e a casa da dona Rosinha Bonamigo e a casa da dona Francisca, não tinha mercado, depois que formaram um boteco. Tinha ônibus, um por dia, ia para Piraquara e Curitiba. (...)A Vila Santa Mônica se formou assim. Vem um parente doente, vem se tratar, vinha outro e via que o outro estava bem, vinha morar ai, então misturou(...) miscelânea de doentes e sadios31”.
A egressa I.G. confirma: "(...) tinha casamento, se noivava, se casava, ia morar
nas colônias (...)”32. Também o comerciante Nagibe Riechi menciona as duas vilas:
“No final da década de 60 já havia uma porção de casas comerciais ali no Primavera,
no Santa Mônica e aqui em Piraquara também (...) que eles vinham ali, onde o estigma
com o tempo foi diminuindo”33.
Havia um estigma característico da população de Piraquara em relação aos
leprosos, pois, segundo “a população não admitia que entrasse na Igreja, tanto que foi
feita aquela igreja bonita do Frei Maia. A sociedade não aceitava. Havia escola lá
dentro. Mesmo a professora não tocava em nada lá.”
O próprio Nagibe Reichi que tinha um estabelecimento comercial de secos e
molhados no período estudado, admite: “a gente evitava né, o copo que eles usavam para
beber cerveja, tomar pinga, tinha que lavar muito bem (...) naquele tempo não existia copo
descartável, então fervia (...) mas o problema maior acontecia antes da década de 60,
quando o trem nem parava para eles (...) a população tinha medo do contato direto”34.
30 PREFEITURA MUNICIPAL DE PIRAQUARA. Histórico. Piraquara, s.d., p.8. 31 J.F. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Curitiba, 23 de agosto, 2000. 32 G.I. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Piraquara, 5 de setembro, 2000. 33 RIECHI, Nagib. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Curitiba, 30 de março, 2001. 34 Id.
17
Nos anos 60 os doentes ainda se retraíam muito, conforme Nagibe Riechi: “O
próprio rosto desfigurava, ficava roxo, enrugava (...) passavam talco ou pó de arroz
para disfarçar. Eles tinham um cheiro deles. Eram reconhecidos. Eles mesmos se
retraíam sempre na defensiva, mas não incomodavam ninguém”35.
Juliete Frankis afirma: “O doente também tinha preconceitos com o sadio. (..)A
única coisa da nossa doença é que ela é bíblica, dá a impressão que é amaldiçoada. As
pessoas eram tristes e a doença muito feia”36. L.C. que permanece até hoje na colônia,
relata37:
“(...) eu fiquei tão assim ... que eu não podia ver um carro, um ônibus ... eu não queria sair, porque parecia que todo mundo estava me olhando e rindo de mim e qualquer coisa assim. Nunca saía, o dia que eu tinha que sair, abria a boca e chorava (...) ninguém tinha contato com ninguém por causa que o povo tinha bastante medo (...) quando o trem passava por aqui fechava todas as janelas38.
Quanto aos que ficavam curados, L.C. conta: “(...) os que ficavam bons podiam
sair, mas muitos fugiam e não voltavam mais, outros voltavam para morrer39”. O
comerciante Nagibe Riechi lembra que quando os doentes tinham licença para sair e
demoravam a voltar “a polícia deles saia atrás. Eles viviam encarcerados”40.
Aos poucos, Piraquara foi aprendendo a viver com eles e, como era formada por
imigrantes que conheciam a lepra em seus países, foi se acostumando. “Preconceito
maior era deles, que estava na pele deles. E depois eles contribuíam no aumento da
renda da cidade porque gastavam o dinheiro aqui”41.
Na área da saúde do Estado, por meio da modernização das estradas, no período
em estudo, era possibilitada a uniformização dos serviços sanitários que já vinha sendo
colocada como dever dos órgãos centrais da Secretaria da Saúde Pública. Se isso
acontecia por um lado, de outro, o Estado contribuía para a instalação da medicina
35 Id. 36 Id. 37 L.C. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Curitiba, 4 de abril, 2001. 38 Id. 39 Id. 40 RIECHI, Nagibe. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Curitiba, 30 de março, 2001. 41 Id.
18
lucrativa no Paraná, pelo fato de meramente adotar o “preventivo” e o “profilático” das
ações em saúde, incentivando a iniciativa particular às ações “curativas”42.
Essa ação, que vinha sendo adotada pelo Paraná, foi constatada por Ney Braga
ao assumir em 1961, o Governo Estadual:
“Cabe ao Estado organizar e manter os serviços de profilaxia e medicina preventiva (...) neste critério adotado de concentrar os esforços do Estado no sentido da prevenção das doenças, excluindo-se os casos de hospitais com destinação específica (lepra, tuberculose, doenças transmissíveis agudas e doenças mentais), atuará o Estado apenas como incentivador e orientador da iniciativa particular (...)”43.
Na década de 60, a iniciativa particular contou com a grande possibilidade da
assistência curativa aos doentes, através do surgimento de inúmeras pequenas casas
hospitalares, compondo um setor de serviços que passou a consumir grande soma de
recursos que eram destinados à Saúde no País, enquanto o Estado limitava-se a repassar os
recursos contribuindo meramente com um atendimento ambulatorial precário44.
Tornava-se urgente um novo departamento na Secretaria da Saúde, sendo
então criado o Departamento de Unidades Sanitárias – DUS, cuja Chefia deu-se por
meio do Dr. Ari Scheidt, egresso da campanha de ambulatorização do tratamento da
lepra, o qual objetivava estender a todas as unidades um trabalho de desospitalização
do leproso e de regionalização das ações com este objetivo.
Encontrou porém grandes dificuldades ligadas aos recursos orçamentários. A
criação do DUS foi o primeiro passo. O segundo passo se constituiu na sua
organização, contando com profissionais com prática regional e local como os
sanitaristas Dr. José Teixeira da Silva, de Jacarezinho, Dr. Adolfo Rosevics, de
Guarapuava e Alice Michaud do Distrito Sanitário Metropolitano. Em seguida,
localizaram um Centro de Saúde que se tornasse modelo e servisse para a reciclagem
dos profissionais, sendo escolhido São José dos Pinhais. Em 1966, o Dr. Ari Scheidt
foi substituído por Dr. Dalton Paranaguá45.
42 FERNANDES, L. Op. cit., p.67. 43 PARANÁ, Governo. (BRAGA). Mensagem à Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, no ano de 1961 pelo Governador Ney Braga. Curitiba : Gráfica do Estado, 1961, p.36-37. 44 Id. 45 FERNANDES, L. Op. cit., p.73.
19
Na segunda metade da década de 60 os hospitais já não tinham como ampliar
suas fontes orçamentárias na cobrança de seus serviços. Em julho de 1968 foi criada a
Fundação Hospitalar do Paraná por meio da lei nº 5799, sendo seus estatutos
aprovados em outubro do mesmo ano. Em setembro de 1969 era reconhecida como
instituição de utilidade pública, possuindo a seu encargo o gerenciamento, entre
outros, do SCSR46, atual Hospital de Dermatologia Sanitária do Paraná47.
2.1 “CONTAMINADOS” E “SÃOS”
O município de Piraquara fora escolhido, em 1926, como o local “distante” 21
quilômetros de Curitiba onde todos os leprosos do Paraná eram enviados, para proteger os
“sãos” do risco das epidemias. Sua capacidade era de 1.200 doentes (ver em anexo 1 a planta
do SCSR). Na década de 60, o local, onde 34 anos antes só existia mato, era distante de tudo e
de todos como afirma a egressa do Hospital São Roque, de 1960 a 1969, Juliete Frankis48:
(...)Na época aqui era mato, não tinha casa nenhuma, mesmo se tivesse era o mínimo de casa (...)demorava porque não tinha asfalto não tinha nada, era tudo buraco, né, (...) tinha rua que não era de asfalto com mato dos dois lados (...) não tinha nem a Vila Maria Antonieta, ainda era de chão, tinha rua de acesso (...) era difícil. Ônibus tinha dois (...) depois aqui no São Roque a gente ocupava só o trem (...) descia ali na estaçãozinha, era só pegar ai. Agora que não tem mais a estação (...) a gente pegava ali o ônibus, pegava o trem ali, né.(...). Com o Sanatório estrategicamente localizado distante da cidade de Curitiba, a
Diretoria Geral da Saúde acreditava cumprir assim uma tarefa “saneadora”, buscando
cúmplices em várias esferas como a policial e jurídica. Exemplos disso são os
Decretos 1194, 119549. e o Regulamento do Leprosário “São Roque”50 que na década
de 60 ainda perdurava (ver anexo 1).
46 Na época da fundação (outubro de 1926) foi chamado Leprosário São Roque. Através do decreto estadual nº 6.814, de 4 de maio de 1938, passou a ser chamado Hospital-Colônia São Roque e, na década de 60, Sanatório Colônia São Roque (NACLI, 1959). 47 FERNANDES, L. Op. cit., p.76. 48 FRANKIS, J. Entrevista concedida a Flávia Sansaloni. Piraquara, 20 de agosto, 2000. 49 Decretos base para construção e regulamentação dos leprosários do Brasil, entretanto cada leprosário mantinha o seu próprio Regimento.
20
É importante um breve comentário em relação aos seus parágrafos 1º e 2º, do
Decreto 1194, os quais terminavam por dispersar os núcleos familiares. Segundo o Dr.
Rui Miranda, o Regulamento do Leprosário São Roque constituído por Euclides César
de Souza Araújo, em 1917, já havia sido abolido na década de 60 em que houve
profundas transformações”51. Nesse trabalho ele é citado para mostrar que, apesar de
abolido na década de 40, nos anos 60 tudo continuava praticamente o mesmo.
Exemplo disso é que ele previa que o cônjuge “contaminado” fosse isolado e, o outro
cônjuge fosse vigiado pela polícia sanitária por seis anos. Na década de 60 já não havia
essa separação da família, mas aqueles que haviam sido separados na vigência do
referido regulamento ali viviam como se ele estivesse em vigor.
O Dr. Rui Miranda conta que, desde 1956 no Congresso que houve em Roma
havia sido recomendado abolir o internamento obrigatório. Só deveriam ser internados
seletivamente aqueles que precisassem ser internados, que não tivessem condições
para viver em casa, pobres, desvalidos. No São Roque ainda havia essa prática, mas
não era compulsória. “Se os doentes quisessem sair, saiam. Muitos não saiam porque
não tinham condições de viver aqui fora, a família já rejeitava, o emprego já estava
abandonado, então ficavam lá por necessidade, não por obrigação sanitária”52. Na
prática as determinações ainda contribuíam para a desagregação dos núcleos
familiares, como já testemunhava a egressa I.G., que viveu lá até o ano de 1960:
“(...) tinha gente que ficava abandonado lá (...) filho não ligava mais, pai não ligava mais, mãe não ligava mais. Chegava, deixava marido, vinha chorando (...) tinha gente que não aceitava a doença e ficava débil mental. Muitos perdiam a família, porque quando o homem vinha para o hospital, às vezes a mulher ficava aqui fora e não queria mais o marido e achava outro. O marido achava outra lá dentro porque daí não ia mais voltar para a família. Às vezes vice-versa”53.
Esse posicionamento foi confirmado por L.C., que foi internada em 1962,
encaminhada pelo posto de Saúde do norte do Paraná com uma guia, ela foi levada por
uma ambulância e por um tio. “Disseram que eu tinha que vir para um lugar, só não
50 FERNANDES, L. Op. cit., p.22-27. 51 MIRANDA, Rui. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Curitiba, 5 de abril, 2001. 52 Id. 53 SCHEIDT apud FERNANDES (1988, p.93).
21
me contaram aonde, foi meu tio que meu trouxe. Depois de dois meses o marido
apareceu”, e depois a abandonou. Ela relata sua experiência:
“(...) larguei minha família, fui abandonada aqui. Foi tão difícil que cheguei a ponto de rasgar toda minha roupa, quando eu descobri, quando o Dr. Duque me chamou (...) fiquei sabendo que nunca mais poderia volta lá, poderia contaminar ele e as crianças. Muitas vezes a gente finge que não aconteceu nada, ri e não tem graça nenhuma (...) ele foi embora para o Rio de Janeiro, casou com outra e levou as crianças. Nunca mais vi as crianças. Faz 30 e poucos anos mais ou menos que estou aqui e não vi mais (...) decerto o pai já contou eu morri (...) eu tinha muita esperança de ver meus filhos, mas teve aqui umas repórteres, puseram no jornal, mas eles não pegaram esse jornal, se pegaram não fizeram conta, não apareceu”54.
L.C. ganhou uma casa na colônia e hoje mora com uma amiga de turma da
década de 1960, pois não tem mais ninguém, a família a abandonou.
2.2 AMOR AUDAZ
Foi essa saudade do marido e a resistência a ficar separada dele, que fez com
que a mãe de I. G. deixasse tudo e começasse uma peregrinação obstinada para segui-
lo. Após aquela estranha captura, quando se preparavam para almoçar, eles nunca mais
voltaram. Elas ficaram próximo de Laranjeiras do Sul enquanto o pai seguiu viagem
para o São Roque com outros doentes.
I. G. relata: “Deixamos como saímos (...) deixamos as cabritas, o almoço feito (...)
ficamos sem recursos de voltar pra casa porque ela longe. Minha mãe não sabia como
chegar na Saúde em Curitiba”55. Então, de cidade em cidade a mãe e as duas crianças iam
pedindo alimento e ajuda para aproximarem-se cada vez mais do pai. I. G. continua:
“Chegando em Curitiba no Carnaval não tinha atendimento e ficamos na delegacia de polícia na Barão, ficamos um tempão, de dia na Delegacia, de noite no Albergue. Ficamos ali para fazer carteira (...) tinha muita burocracia. Fomos na saúde. Ela descobriu onde estava meu pai. Viemos visitar. Chegamos aí. Conversamos com ele na beira da cerca. Fomos no Palácio pedir dinheiro para viajar por três meses na casa da minha tia (...) a mãe estava muito nervosa. E voltamos e eu e minha irmã ia ficar interna e minha mãe ia trabalhar de cozinheira” 56.
54 L.C. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Curitiba, 5 de abril, 2001. 55 Id.
22
Essa era a atitude tomada por várias mulheres que não queriam se separar de
seus homens. Largavam tudo e vinham até trabalhar como cozinheira no São Roque
tendo como recompensa a paz e a tranqüilidade de estar de alguma forma próximo do
parceiro e de não abandoná-lo em hipótese alguma.
2.3 O MEDO URBANO
Na década de 60 a pesquisa epidemiológica passou a contar com a computação
eletrônica, tornando possível os pareamentos múltiplos, estratificação de variáveis
confundíveis, sumarização de efeito-modificação e controle de bias entre outros
procedimentos mais complexos, além de propiciar o aperfeiçoamento e a
disponibilidade de testes de significância estatística cada vez mais exatos e potentes57.
Mesmo assim, a segregação aos “contaminados” continuava. Embora não sendo
mais utilizado o óleo de chamoulgra58, mas as sulfonas59 que deram uma virada de 1800 no
tratamento da Lepra. Mas lutava-se para que tivesse fim o isolamento compulsório dos
leprosos, como relata o Dr. Rui Noronha de Miranda, referindo-se aos anos de 1948 a 1961:
“Conseguíamos com as sulfonas um sólido argumento, no início deste período, para nossa luta em prol do final do isolamento compulsório dos leprosos. Ainda haviam muitas resistências a esta nova postura, embora o isolamento, em lugar algum do mundo onde houvesse sido erradicada a lepra, tivesse ocupado posição de destaque nesta erradição. Nunca era eficaz e nunca diminuía a incidência da doença, que só é alcançada com a melhora das condições sócio-econômicas da população, esta sim, a grande responsável pelo desaparecimento deste mal em muitos países europeus. Assim, com as melhorias mais rápidas advindas do tratamento com as sulfonas, o significativo incremento das altas hospitalares e a comprovação do bloqueio epidemiológico da doença pelo uso destes medicamentos, conseguíamos vencer aquele medo, aquele grande receio, desviando o nosso
56 Id. 57 ALMEIDA FILHO, Naomar. Epidemiologia sem números: uma introdução crítica à ciência epidemiológica. Rio de Janeiro : Campus, 1989. p.22. 58 O óleo de chamoulgra era uma substância oleosa inoculada subcutâneamente nas lesões lepromatosas, aumentando à medida do número de lesões, tornando-se um tratamento doloroso. CARVALHO apud FERNANDES, L. Op. cit., p.97. 59 As sulfonas eram medicamentos ministrados através do Pronin endovenoso (MIRANDA apud FERNANDES, 1988. p.98-99). Sua fabricação é brasileira, através do Instituto Butantan, em São Paulo.
23
eixo prioritário de ações para os dispensários60. Estes, iam sendo instalados em outras cidades paranaenses, como, por exemplo, em Londrina, Ponta Grossa, Jacarezinho e Guarapuava, paralelamente à tentativa de se obter dos médicos dos Postos de Saúde, seu empenho no combate a doença em questão. As sulfonas não são, nem nunca foram, uma arma 100% eficaz no tratamento da lepra. Mas, sem dúvida, reverteram a história desta doença em nossa sociedade, ao se constituírem num importante arsenal no bloqueio epidemiológico da lepra. Atuam profilaticamente nos contatos, tornam não contagiosos os doentes e, em muitos casos, são responsáveis pelar emissão quase que completa da doença. A erradicação da lepra, (...) em muitos países europeus, se fez pelo avanço sócio econômico de seus povos. Penso que, no caso brasileiro, tais avanços ainda serão remotos e a síntese de uma substância 100% eficaz certamente é a saída, a curto prazo, para encurtar o processo deste doença em nosso País cheio de distorções e arbitrariedades (...)61.
Observa-se por este depoimento que em 1961 ainda lutava-se para colocar fim
ao isolamento compulsório dos leprosos. Através do Dr. Rui N. de Miranda apontava-
se o ponto fraco da saúde pública brasileira: a situação sócio-econômica em que vive o
povo e as distorções e arbitrariedades. A diminuição da incidência da doença só é
encontrada com a melhora das condições sócio-econômicas da população que é
responsável pelo desaparecimento deste mal.
Em outras palavras, o medo urbano continuava, pois, segundo Dr. Rui Miranda,
“é difícil destruir um tabu. Vem de milênios, de Moisés, da Bíblia, mas desde que há
uma terapêutica favorável, muda”62.
Esse isolamento do doente em hospitais ou sanatórios sofreu a influência do
modelo de medicina social que se desenvolveu na França no século XIX, chamada
medicina urbana cuja principal característica era o medo urbano63.
60 Os Dispensários eram os locais próprios em algumas regiões do Paraná onde se realizavam os exames, constatava-se a doença e encaminhava-se para o tratamento. 61 MIRANDA apud FERNANDES, L. Op. cit., p. 98-99. 62 MIRANDA, Rui. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Curitiba, 05 de abril, 2001. 63 Na França, no final do século XVIII, surgiu uma medicina social que se expressava como um fenômeno específico, caracterizada pela urbanização que a torna diferente, caracterizada pela urbanização que a orna diferente da Medicina Social na Alemanha. Então a Medicina Social surge conforme surgem as estruturas urbanas. Isto porque havia, no fim do século XVIII, entre 1750 e 1780 poderes rivais em Paris, a qual ainda não constituía um centro de poder. Faziam-se presentes poderes senhoriais com suas próprias jurisdições, como Igreja, leigos, religiosos, além do representante do rei, do intendente da política e do representante de poderes parlamentares. A necessidade de transformar a cidade em uma única unidade surgiu na segunda metade do século XVIII, devido a algumas causas específicas: a) razões econômicas: se há mercado, não se tolera a multiplicidade de jurisdição de poder; b) razão política: o aparecimento do que seria o proletariado no século VIII devido às revoltas de subsistência (fome) e c) ao confronte entre ricos e pobres. O poder político examinaria a plebe urbana. Surge então a chamada atividade do medo, conforme FOUCAULT: “Nasce o que chamarei de medo urbano, medo da cidade, angústia, angústia diante da
24
Fazendo um paralelo entre a lepra e a peste, para se entender melhor, a
medicina de exclusão era assim chamada por expulsar do espaço comum o indivíduo
leproso. Era colocado fora dos muros da cidade, exilado em lugares de difícil acesso
onde já existiam outros leprosos. Ele era exilado e, exilando-o, acreditava-se que o
espaço urbano era purificado, ou seja, medicalizar era expulsar.
No caso da peste, deu-se o contrário, quando os indivíduos são colocados uns
ao lado dos outros para serem vigiados pelo internamento. No esquema da lepra atua-
se por meio da forma religiosa de purificar a cidade. No esquema da peste, atua-se pela
revista militar. Portanto, a medicina urbana, por meio da vigilância e da hospitalização,
na segunda metade do século XVIII, aperfeiçoa o esquema político-médico da
quarentena do final da Idade Média, nos século XVI e XVII64.
2.3.1 O poder público e a lepra
O Estado via as questões da saúde pública “num contexto, aparentemente, de
extrema complexidade administrativa”65, mas que na realidade não era tão “aparente”
assim, uma vez que “os problemas de saúde se enquadram predominantemente na área
cidade que vai se caracterizar por vários elementos: medo das oficinas e fábricas que estão se construindo, do amontoamento da população, das casas altas demais, da população numerosa demais; medo, também, das epidemias urbanas, dos cemitérios que se tornam cada vez mais numerosos e invadem pouco a pouco a cidade; medo dos esgotos, das caves sobre as quais são construídas as casas que estão sempre correndo o perigo de desmoronar” ( p.87). As grandes cidades do século XVIII foram caracterizadas pelo pânico urbano. No centro de Paris, por exemplo, havia o Cemitério dos Inocentes que recebia cadávares e mais cadáveres, de pessoas que não podiam pagar um túmulo, de tal modo que empilhavam-se uns sobre os outros e, já não cabendo no seu recinto, caíam do lado de fora onde haviam casas construídas pressionando-as a ponto de as desmoronarem e os esqueletos se espalharem em suas caves ocasionando o pânico na população que passa a conviver com a angústia político-sanitária que vai se fortalecendo com o desenvolvimento das cidades. No século XVII, para resolver o problema do pânico urbano, a classe burguesa, que não tinha poder algum, exerceram a intervenção por meio de um modelo médico e político da quarentena, um regulamento de urgência63, na tentativa de organizar sanitariamente as cidades. Destacaram-se dois modelos de organização médica no Ocidente: o modelo suscitado pela peste e o modelo suscitado pela lepra, que se caracterizaram pela medicina de exclusão. 64 FOUCAULT. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1972. p.85-88 65 GOVERNO DO PARANÁ. Op.cit., p.163-168.
25
da assistência e da previdência social”66, ou seja, não há preocupação com os aspectos
preventivos da doença que ainda constituíam um plano de ação, conforme afirma-se67:
(...) No que se refere aos aspectos preventivos dos problemas de saúde pública, a ação do Poder Público deve se fazer sentir através de dois setores essenciais – a educação e o saneamento. Enquanto de um lado lhe cabe promover a disseminação das práticas de higiene e profilaxia, de outro lhe compete, por meio de obras de abastecimento d’água e de instalação de esgotos sanitários, possibilitar a implementação efetiva dessas práticas. (...) A profilaxia da Lepra é realizada através do Sanatório Colônia São Roque, cujas instalações têm sido ampliadas. São órgãos auxiliares o Centro de Estudos Leprológicos, com consultório e laboratórios leprológicos, clínico, patológico e de caracterologia. O estado mantém igualmente o Educandário Curitiba, para filhos de hansenianos68.
Em 1960, o governo do Paraná Moysés Lupion apresentava na abertura da
sessão legislativa ordinária da Assembléia Legislativa o índice de prevalência da
endemia leprótica de 2,5% por mil habitantes, período em que se priorizava as viagens
de investigações leprológicas por parte do diretor e médicos da Divisão da profilaxia
da Lepra69 e da Campanha Nacional contra a lepra.
Foi nesse período que os técnicos traçaram novos planos quanto ao internamento
de doentes e sua normalização referente a dois aspectos: à confecção de modelos de
“transferência de doentes” e das “carteiras de controle” atualizadas e se elaborava um
cartaz de propaganda contra a lepra confeccionado na Imprensa Oficial do Estado. Foram
concedidas 96 altas provisórias e 25 definitivas de um total de 2.257 doentes hospitalares.
A campanha contra a lepra continuava atingindo agora 10.000 as doses de lepromina
fornecidas para os seus trabalhos, enquanto eram concedidas, pela Divisão respectiva dez
altas provisórias e cinco definitivas a doentes tratados em 196070. Além disso, os médicos
da Divisão da Profilaxia da Lepra participaram do VII Congresso Internacional de
Leprologia a ser realizado no Brasil em 1963, sendo designados os doutores Aureliano de
66 Id. 67 Grifo meu. 68 GOVERNO DO PARANÁ. Op.cit., p.163-168. 69 A Divisão da Profilaxia da Lepra é realizada através do Sanatório Colônia São Roque cujas instalações têm sido ampliadas. São Órgãos auxiliares, o Centro de Estudos Leprológicos, com consultório e laboratório leprológico, clínico, patológico e de caracterologia. O Estado mantém igualmente o Educandário Curitiba para filhos de hansenianos (GOVERNO DO PARANÁ. Op.cit., p.168). 70 Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado: por ocasião da abertura da sessão legislativa ordinária de 1960, pelo Sr. Moysés Lupion Governo do Paraná. Curitiba, Paraná, 1960.
26
Mattos Moura e Ruy N. de Miranda, os quais compareceram a uma das reuniões da
comissão, no Rio de Janeiro, a 27 de outubro de 196071.
De 1962 a 1965 haviam sido fichados 2.660 doentes. Foram realizados também
16.434 pesquisas baciloscópicas, 3.966 reações de mitsuda e 168 exames
histopatológicos. Em 1964, o número era de 9.320; em 1962, de 8.604 e em 1961, de
8.055”72. Diversas ampliações das instalações e criação de novas clínicas estavam
previstas para 1965.
Observa-se que nesse período parecia não haver dificuldade em manter o
Leprosário da Colônia São Roque. Eram feitas ampliações e novas instalações. Pode-
se observar que havia um especial interesse em manter semelhante obra o que rendia
ao governador e seus auxiliares o reconhecimento por parte da população e um maior
respeito político. Esse modo de ver é atestado pela egressa I. G. que afirma:
Eu meu acostumei. Era muito bom. Tinha de tudo. (o interno) era muito bem tratado. O governador se incomodava mesmo com o hospital. Comida boa, remédio bom, tudo. Nós tinha professora de Curitiba. Tudo o que a gente aprendeu de bom a gente aprendeu ali. Tinha parque de diversão, as crianças... e a gente aprendeu a religião, ir na igreja, cantar, rezar, glorificar a Deus (...) Aprendemos trabalhos manuais como bordado, tricô, crochê (...) e dar valor para as coisas73.
A egressa J. F. complementa: “Lá eu tinha comida, bebida, cama, luz, pra que
eu ia me preocupar...”, e continua: “peguei uma época de governo ruim que era
horrível (...) a gente trabalhava com dificuldade, nós não tinha um esterilizador, uma
estufa (...) não tinha aparelho descartável de jeito nenhum” 74.
De 1961 a 1965 foi realizado um trabalho no setor de saúde pública que
concedeu à Divisão de Profilaxia uma ambulância, uma rural e uma camioneta Ford
para transporte dos médicos e equipamentos com material administrativo. “No
Sanatório São Roque foi instalada nova cozinha e lavanderia e todos os pavilhões
71 Id. 72 BRAGA, Ney Aminthas de Barros. Mensagem apresentada a Assembléia Legislativa do Estado pro ocasião da abertura da 3.a reunião ordinária da 5.a Legislatura. Curitiba, 1965, p. 98 (Fonte adquirida no setor de Divisão Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná). 73 FRANKIS, J. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Piraquara, 20 de agosto, 2000. 74 FRANKIN, J. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni, 23 de agosto, 2000.
27
passaram por substanciais reformas, o que nos permite afirma que o Sanatório foi,
praticamente, reconstruído na sua parte hospitalar”75.
Como se vê, a reforma, a ampliação do Sanatório é constante, enquanto a Saúde
Pública procurava se desburocratizar, tentando um planejamento estratégico definitivo,
de continuidade. Esta continuidade parecia ser um pensamento constante entre os
governos, pois, no governo seguinte, dentre as atividades programadas, o setor
hospitalar recebeu prioridade em todas as regiões do Paraná através da Secretaria de
Saúde Pública, em 1963. Esse governo também preocupava-se em melhorar o setor
com novos aparelhos no setor dispensarial, mais do que os anteriores como é referido:
(...) Dentre as atividades programadas, o setor hospitalar foi o mais efetivamente atendido. Assim o serviço de profilaxia da tuberculose encerrou o exercício de 1963 com vantagens sobre as anteriores, principalmente no setor dispensarial, com um aumento considerável de abreugrafias, conseguindo graças à instalação de novos aparelhos e recuperação de outros76. Segundo o Governo de 1963, os serviços de profilaxia da lepra permaneceram
em constante atividade, através do fichamento de 650 novos doentes, entre janeiro a
outubro de 1963, aumentando conseqüentemente o total dos comunicantes, na maioria
sob controle, para 19.252 doentes77.
Pelo que se pode observar com as leituras e com a análise das fontes, a intenção
das autoridades no que diz respeito à política médica era de combate à lepra e não do
doente, mas com o confinamento do doente no SCSR, a exclusão social era uma forma
de combate ao doente.
75 PIMENTEL, Paulo Cruz. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura da 4ª sessão ordinária da 5ª legislatura. Curitiba, 1966, p.54-55 (Fonte adquirida no Setor de Divisão Paranaense – Biblioteca Pública do Paraná). 76 BRAGA, Ney Amintas de Barros. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura da 4ª sessão ordinária da 5ª legislatura. Curitiba, 1964, p. 74-75 (Fonte adquirida no Setor de Divisão Paranaense – Biblioteca Pública do Paraná). 77 Id.
28
3 CIDADE ENTRE MUROS
Um modelo de auto-suficiência, um local que tinha tudo: teatro, danças, capela,
cadeia, jardim, moradias, bandas, agricultura, animais, casas. O que um modelo de auto-
suficiencia tem a ver na prática com o problema da doença e do doente, mesmo que na
década de 60 o isolamento fosse seletivamente compulsório? A resposta a essa pergunta
estará norteando esse capítulo, no qual analisa-se como se dá o intercalamento entre o
comportamento da sociedade extra-muros e o comportamento da sub-cidade intra-muros,
em conseqüência do qual pode transformar-se o espaço geográfico da cidade de Piraquara,
dando origem a alguns bairros atuais como Jardim Primavera e Vila Santa Mônica.
3.1 IR E VIR
A sociedade médica, política e das autoridades constituídas da década de 60,
como se teve oportunidade de comentar no primeiro capítulo, preocupava-se com a
profilaxia através de medidas para evitar a propagação da doença. A idéia da profilaxia
perpassava os discursos dos governos, passava pelo ambiente do leprosário e chegava
aos próprios internos. Há nessa idéia o conceito de limpeza/sujeira, apesar de ser
utilizado como um conjunto de medidas preventivas. Falava-se em medidas
preventivas, mas na prática, ao retirar à força, sem aviso, um pai de família de seu
núcleo familiar, vencia a ação de retirar um empecilho do meio do caminho, uma
sujeira que contamina os demais.
Conforme a egressa Juliete Frankis a pele limpa era chamada a pele na qual não
apareciam manchas. “Limpinho (...) no começo não aparentava a doença. Havia “bastante
gente com o nariz quebrado, com a orelha judiada, os dedinhos da mão cego, tinha uma
porção, tudo era defeito físico da doença(...). A medicação não atuou como deveria” 78.
A egressa Ivone G. confirma: “Muita gente estava ali por causa de uma
manchinha só (...) a gente não podia ficar em casa por causa dos outros que tinham
29
saúde”79. Por isso os egressos do SCSR não se sentiam bem fora do hospital. O
hospital passava a ser a segunda casa dos doentes. Era lá que eles faziam novas
amizades (com seus “semelhantes”), namoravam, participavam de eventos internos e
até mesmo casavam. Era dentro dos muros do Hospital que eles se sentiam iguais,
pois, ainda no período estudado o preconceito do doente leproso era muito grande. J.
F. confirma: “O pessoal daqui quando sabia que os hansenianos pegavam trem, eles
tinha medo. Era público ali”80.
O medo do contágio aparece claramente no fato contado por Ivone G., que
casou na Colônia. Ela e o marido receberam alta juntos e compraram um terreno
próximo (...), mas silenciavam que eram egressos. O fato mais triste aconteceu depois
que seu esposo faleceu. Seus filhos tinham direito de estudar no Colégio Militar, desde
que fizessem exames. I.G. os acompanhou, quando o médico, ao observá-la perguntou
o que ela tinha. Ao responde que havia tido lepra, o médico pediu-lhe que não voltasse
e, no dia seguinte, baixou uma portaria proibindo a ela e aos filhos de voltarem àquele
hospital. Ela conta: “Chorei, chorei, chorei, queria que a terra abrisse”81.
Depois retornou para falar com o médico que pediu que não viesse
acompanhando os filhos e que eles poderiam voltar para terminar os exames. I.G.
conta também que na época muita gente morria por falta de hemodiálise porque os
hospitais não recebiam gente com lepra, somente o Sanatório Colônia São Roque.
O preconceito estava presente em qualquer lugar, pois se acreditava que a lepra
era transmitida através do contágio direto. I.G. conta que, após o pai ser retirado de
casa foi levado para uma casa próximo de Laranjeiras do Sul, no interior do Estado do
Paraná, aguardando a captura de outros leprosos. Ela, de 8 anos, a irmã, de 2 anos e a
mãe resolveram acompanhar o pai, com permissão do motorista da ambulância que o
buscou. Mas elas foram deixadas naquela casa sem comida, sem dinheiro, sem saber o
que fazer. Foi então que apareceu a mulher do prefeito que deu um pouco de dinheiro,
roupa e calçados para irem até Guarapuava. Enquanto ali ficaram a delegacia de
78 FRANKIN, J. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni, 23 de agosto, 2000. 79 Id. 80 Id. 81 Id.
30
polícia dava-lhes alimentação. A egressa Ivone G. relata: “Era tão preconceituoso que
eles traziam a comida e deixavam lá longe pra gente ir buscar. Não entregava na mão
da gente”82. O Dr. Rui Miranda comenta a respeito:
“Muitos se esquivavam de serem conhecidos como doentes, que a hanseníase é uma doença com notificação obrigatória ao Órgão sanitário da sua região que tinha aquele doente, para registro. Então muitos doentes fugiam por não serem aceitos no emprego e na família. Mas era uma prática errônea porque se o doente conviveu na família, porque se tinha capacidade de contaminar alguém já tinha contaminado todo mundo. Então nessa hora é que vai isolar ? Era uma medida um pouco esdrúxula, ignorante. Hoje estou vendo que tudo foi um pouco exagerado”83. A culpabilidade da doença vem desde os tempos de Moisés, no Levítico e o
doente carrega a culpabilidade de ser contagioso, o disseminador direto da doença.
3.2 AMIZADE NO SÃO ROQUE
Por outro lado, a amizade interna está no depoimento da egressa Juliete Frankis:
“(...) ali dentro tinha cinema, ali dentro tinha baile, então a gente aproveitava (...), muita gente, muito rapaz, muita moça, eu não tinha intenção, eu via eles namorá, ficava apavorada e dizia: meu Deus do céu, mas vieram aqui para namorar, vieram aqui para se tratar (...) depois com o tempo fui entendendo tudo que a vida era aquilo mesmo, né, que a pessoa achava a felicidade onde ela procurava, não onde ela guardava (...). Então a gente via todo mundo ali, as pessoas faziam daquela desgraça, daquela tristeza, daquele contratempo da vida que teve, né, (...) uma felicidade a parte(...). Lá tinha amizades. Cheguei com boas roupas, Então eu tinha calças laicra, uma preta, uma verdade, uma azul marinho, essa roupa eu vestia nas minhas amigas, iam bonitas num baile, enrolava o cabelo delas (...). Minha irmã mandou para mim um espelho grande (...) comprei um fogareiro para fazer comida à noite, tomar Nescau(...) e a Irmã era muito amiga nossa (...) daquela tristeza a gente fazia um buquë de alegria”84.
Ivone G. conta que:
82 Id. 83 MIRANDA, Rui. Entrevista concedida a Flávia Sansaloni. Curitiba, março, 2001. 84 FRANKIS, J. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni, 23 de agosto, 2000.
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(...)Lá dentro era uma cidade(...) tinha cadeia, prefeito, delegado, era uma cidade ali dentro, tinha cinema, tinha baile, tinha carnaval, mas as crianças passavam normalmente em retiro até que o Dr. Ari liberou dizendo que as crianças iriam dançar no carnaval (...) e fizeram três dias de matinê. A gente tinha muitas festas lá dentro. Tinha festa no aniversário do diretor, da madre superiora, do dia do funcionário, toda festa tinha churrascada, banda de música dos internos, muito bonita, as crianças tomavam parte, festa de igreja, quermesse era bonita (...) A limpeza era a coisa mais linde de se ver, a limpeza, o jardim, era um espetáculo, tinha o xafariz lá embaixo, a praça, era uma coisa muito linda, tudo que os próprios doentes cuidavam, não tinha nada de funcionários como agora (...)85
(ver foto 2).
L.C. também lembra que apesar das festas, na década de 1960 ela não queria
namorar, “porque tinha esperança de voltar para o marido (...) mas no dia 21 de agosto,
dia do meu aniversário e dia de São Roque, tinha churrasco, brincadeiras, diversão”86.
De acordo com os doentes que foram internos no período citado, era na Festa de
São Roque, que acontecia o maior contato entre a sociedade dos doentes e sociedade dos
sadios, onde eles se “misturavam” e juntos seguiam a Procissão (ver foto 3).
Por meio do manuseio dos documentos da lista dos móveis e utensílios da Caixa
Beneficente São Roque 87, realizado em 1 de fevereiro de 1963, são citados alguns
ambientes importantes, como secretaria, barbearia, discoteca e serviços de alto falante,
sala de projeção, o auditório do cinema, restaurantes, carpintaria, estrebaria, viaturas,
departamento de assistência social, departamento de esporte, biblioteca com mesa para
jogo de xadrez, cancha de bocha. Havia ainda a agropecuária com cozinha, açougue,
carpintaria, mercadoria especificada do seguinte modo: duas éguas, um cavalo, 10 sacos
de milho, um mandiocal e dois alqueires e meio de milho plantado e 52 cabeças de suínos.
São incluídos ainda: dormitório, ferramenta da lavoura, material no emprego dos suínos,
moinho, aviário.
85 I.G. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni, 23 de agosto, 2000. 86 L.C. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Piraquara, 30 de março, 2001. 87 Os Estatutos da caixa beneficente São Roque foram atualizados pela Assembléia geral em 2 de fevereiro de 1966, tendo Dr. Duque Wilson Cores como Inspetor da C.B., Francisco Gallo como presidente, Abércio Carneiro Lobo como secretário e Juvenal Faria como Tesoureiro. No artigo 54 do capítulo XIII trata-se dos “empréstimos à taxa módica e a prazo convencionado exclusivamente para internados do SCSR. A caixa beneficente tinha a finalidade de pleitear e defender os direitos e interesses de seus associados, auxiliá-los e proporcionar-lhes conforto moral e material, instrução e diversões.
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foto2
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foto 3
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Em 31 de dezembro de 1966 foi feito um outro inventário quando são citados
elementos novos, como: lavoura, casa do moinho, assistência social e bar. Além disso,
conforme o comerciante Nagibe Riechi88, os hansenianos fizeram uma olaria muito
grande e passaram a ter uma renda grande, além da extração de lenha que faziam.
L.C. acrescenta que havia o cemitério interno e que morriam entre 5 e 8 por dia,
sendo levados para o cemitério “numas carroças de cavalos”89.
Se no início os casais podiam ocupar uma casa na Colônia, com o tempo isso já
não acontecia gratuitamente: “(...) A partir desta data, só será concedido casa para
casais na Colônia, quando estes, reconhecidamente prestarem serviços a coletividade
deste Sanatório-Colônia”90 (ver foto 4).
Não eram apenas os muros do Sanatório Colônia São Roque que o isolavam do
mundo, mesmo porque na década de 60 já existiam vários doentes em estágio
controlado da doença e que moravam fora do hospital em bairros próximos, mas a
doença retirava os leprosos do convívio social aberto e negava ao doente a
oportunidade de sentir-se como cidadão.
Por mais que a auto-suficiência interna fosse “perfeita”, o espírito dos que
seletivamente precisavam ficar internos não se conformava por experimentar a falta de
liberdade. À medida que o doente não estivesse em estágio adiantado, ele poderia
circular pela cidade de Piraquara, porém com autorização prévia da diretoria, e após os
exames realizados. De acordo com o Dr. Rui Miranda: “O isolamento compulsório
para alguns dos hansenianos que ficavam internados foi prejudicial porque fugiam, era
como uma condenação”91.
88 RIECHI, Nagibe. Entrevista concedida a Flávia Sansaloni. Piraquara, 4 abr. 2001. 89 Id. 90 Ordem de Serviço, nº 146, de 6 de setembro, 1967 (anexo 2). 91 Id.
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foto 4
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3.3 AS ORDENS DE SERVIÇOS
Segundo o Dr. Duque Côres92, diretor do Sanatório São Roque no período de
1961-69, na década de 60 no Hospital São Roque tinha o seu modo de organizar-se
internamente quanto às leis que eram chamadas de ordens de serviços. Estas
fundamentavam-se no Regulamento ou Regimento que mudam de acordo com as
novas descobertas e modernização da medicina e que se pautam no Decreto de 1926
comum a todos os leprosários desde sua fundação.
Algumas Ordens de Serviços originais do Sanatório Colônia São Roque,
expedidos pelo Dr. Duque Wilson Côres, diretor do sanatório, representante do
Departamento de Saúde, Divisão da Profilaxia da Lepra são citadas para exemplificar
o tipo de lei interna existente e que garantiam a “ordem” da Colônia.
A Divisão de Profilaxia da Lepra, responsável pelo Sanatório Colônia São
Roque tinha leis internas da mesma forma da grande sociedade, proibindo a circulação
de pessoas estranhas entrarem na zona doente do sanatório. “Lembrar a todos os
funcionários que não estão em serviço, e, pessoas estranhas, que é expressamente
proibido a entrada na zona doente deste Sanatório, sem motivo justificado”93.
Os namoros só eram permitidos na praça da Igreja. Eram proibidos fora do
horário das 12h às 15h, sob pena de prisão:
“O Sr. Diretor do Sanatório Colônia São Roque, no uso de suas atribuições resolve: AUTORIZAR o senhor Delegado de Polícia e seus auxiliares a efetuarem a detenção em xadrez, de todo internado que deixar de cumprir a Ordem de Serviço n.0 9 de 17 de janeiro de 1966, em seu item 1.0, o qual abaixo transcrevo: PROIBIR OS NAMOROS EM QUALQUER PARTE DO SANATÓRIO, FORA DO HORÁRIO DAS 12h às 15h.94 Ali, como em qualquer cidade existiam as normas próprias, já que existiam estabelecimentos comerciais e esportivos como aparece bem na regulamentação: “O Sr. Diretor do Sanatório Colônia São Roque, no uso de suas atribuições, resolve: Regulamentar os horários das atividades de todos os estabelecimentos comerciais e esportivos tais como (bares, bilhar, armazéns e boche) desta Colônia, determinando seu encerramento às 21 horas impreterivelmente”95 (ver foto 5).
92 CORES, Duque. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Curitiba, 10 de abril, 2001. 93 Ordem de Serviço nº 117, 20 de março de 1967 (anexo 3). 94 Ordem de Serviço nº 94, 3 de junho de 1967 (anexo 4). 95 Ordem de Serviço nº 117, 20 de março de 1967 (anexo 3).
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foto 5
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Existiam também seções cinematográficas:
“O Sr. Diretor do Sanatório Colônia São Roque, no uso de suas atribuições, resolve PROIBIR, a partir desta data, a entrada de filhos de funcionários e qualquer pessoa estranha menor de 18 anos, com a finalidade de assistirem as secções cinematográficas na Caixa Beneficente São Roque”96.
Haviam leis proibindo venda de bebidas alcoólicas:
“O Sr. Diretor do Sanatório Colônia São Roque, no uso de suas atribuições, resolve PROIBIR, a venda neste Sanatório, de toda e qualquer bebida que contenha teor alcoólico”.97 E ainda: “O Sr. Diretor do Sanatório Colônia São Roque, no uso de suas atribuições, resolve SUSPENDER a venda das cervejas, caracu, Mossoró e cachorrinha no interior do Sanatório”98.
A prisão existia por vários motivos: fuga, embriaguês e retorno impontual
quando da saída de licença. Para sair era preciso, conforme a egressa Ivone G:
“Uma licença assinada pelo diretor do hospital. Para isso os exames tinham que estar todos bons (...) e era um dia só. (...) Para tirar 15 dias tinha que fazer requerimento para a saúde pública daí a saúde pública ia verificar os exames dessa pessoa, daí vinha de lá a licença. A pessoa se chegasse de volta atrasada ir para a cadeia”99. Assim as normas eram baixadas:
“O Sr. Diretor do Sanatório Colônia São Roque, no uso de suas atribuições, resolve PUNIR, com 50 (cincoenta) dias de detenção em xadrês por evasão, o paciente D.U. PUNIR, com 90 (noventa) dias de detenção em xadrês por embriaguês, o paciente J.M.L”100.
Através da punição do alcoólatra pode-se observar que no período estudado,
ainda não havia, dentro do Sanatório Colônia São Roque, a noção de que o alcoolismo
é uma doença e não um crime.
96 Evidente na Ordem de Serviço nº 52, 22 de maio de 1962 (anexo 5). 97 Ordem de Serviço nº 206, 26 de outubro de 1966 (anexo 7). 98 Ordem de Serviço nº 48, 20 de março de 1967 (anexo 8). 99 Id. 100 Ordem de Serviço nº 145, 5 de setembro de 1967 (anexo 9).
39
3.4 AS FUGAS
Muitas vezes a lei não era observada. Os hansenianos mais velhos, ao verem
hansenianos jovens como J. L. o aconselhavam a sair, após “vinte exames negativos
feitos uma vez por mês”101, ou a fugir para refazer sua vida.
No caso de J. L. a fuga do quarto do pavilhão não se fez sem uma base de apoio
dos colegas internos e com várias rodadas de bebida alcoólica. Como a primeira
tentativa não deu certo, tendo voltado ao sanatório, “alguém tinha presenciado a fuga e
denunciou a direção do hospital e lá fui pela primeira vez para a cadeia interna por
quinze dias”102. Observamos que em seu depoimento J. L. relata que em outra
oportunidade, quando retornou novamente, uma irmã de caridade que o recebeu:
“fez por onde o diretor do sanatório pela segunda vez me trancafiasse na cadeia, mesmo sabendo de minhas dores. Mas graças aos meus colegas hansenianos e uma outra irmã de caridade só fiquei uma noite no xadrez (...) mais tarde, quando a unidade militar me convocou para assinar o processo de incapacidade para o serviço militar, fugi novamente porque o diretor não queria dar-me licença para o dia marcado e na volta ao sanatório fui para a cadeia pela terceira vez. Antes de cumprir os trinta dias de xadrez pedi a minha saída do sanatório(...)”103.
Esse depoimento coloca a cadeia como forma de punição interna pelas suas fugas e
mostra também como as religiosas se colocavam “a serviço” da ideologia das proibições
que segregavam o interno. Observa-se que J.L. não relatou que a religiosa tenha dialogado
com ele, sobre os motivos que o levaram a fugir. A outra religiosa só entrou em ação
porque provavelmente era mais maleável e foi acionada pelos colegas hansenianos. Essa
união dos doentes entre si mostra bem a capacidade que eles tinham, quando achavam
necessário, de se unir para resolver algum problema e esse era uma forma de transformar
algo do meio de muitas outras normas e proibições não transformáveis.
Esse é o comportamento de J. L. na ótica interna, mas a falta de preocupação
com a pessoa, o doente do mal de Hansen e a extrema preocupação com a doença e
profilaxia trazia por vezes o efeito contrário.
101 J.L. Texto escrito para Flávia Sansaloni. Piraquara, Jan. 2001. 102 Id. 103 Id.
40
Em 1960 J. L. conta que, ao sair do leprosário, era bem aceito apenas na sub-
sociedade da zona de meretrício, onde bebia, jogava e vivia a boemia com seus 24
anos, participava de arruaças “próximas de entidades sociais, culturais, religiosas e
familiares (...)”. Essa sub-sociedade não o discriminava, como nos relata J.L:
“me considerava e me protegia como do grupo deles”, apesar do médico do posto e do fiscal de higiene recomendarem que eu deveria separar os meus talheres da família, não poderia freqüentar clubes sociais, trocar de uniformes com outros atletas, namorar ou fazer programas com mulheres sadias, freqüentar bar em rodas de amigos etc”104.
Além do mal de Hansen, J. L. tinha sífilis e era alcoólatra, mas ali na sub-
sociedade como ele chamava ao grupo do seu convívio, não havia espírito preventivo,
pois seus membros achavam que se tinham doenças estas não tinham cura, por isso,
era melhor aproveitar o máximo enquanto tinham tempo:
“Muitos de nós da sub-sociedade achávamos que hanseníase, alcoolismo, tabagismo, maconhismo, vigarismo, prostituição e outras decadências não tinham soluções. O negócio era aproveitar o máximo que pudesse da vida porque mais tarde nós iríamos sofrer de qualquer jeito. Assim quantos dos meus colegas e conhecidos aprontaram talvez um pouco mais ou um pouco menos do que eu e hoje muitos faleceram e outros ainda sofrem porque não encontraram os dispositivos favoráveis dos seus conscientes e uma mão verdadeira amiga que nos compreendesse e nos tirasse do fundo do poço e trabalhasse com o coração para reabilitarmos para a sociedade normal”105.
Obseve-se que J.L. fala em sociedade normal, aquela dos sadios. A sua sub-
sociedade, dos “doentes” e viciados era a sociedade anormal, portanto ele vivia na
anormalidade, na sub-sociedade, almejando uma vida comum, como o preso que entre
grades tem como único sonho o da liberdade.
104 Id. 105 Id.
41
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Houve nessa pesquisa a intenção de mostrar como a sociedade, especialmente a
da cidade de Piraquara, pelo fato do SCSR estar inserido geograficamente nessa
localidade na década de 60, se expressava em relação à lepra. Para fazer essa análise
foi necessário, primeiramente, buscar a compreensão do que significou a medicina
social e a figura do médico numa década em que se estabeleciam várias
transformações no Paraná. Rodovias e telecomunicações eram construídas num
esforço de integração ente as diversas regiões, o asfalto possibilitava a ligação do norte
ao sul do Estado, para o escoamento da produção.
Nesse Estado promissor, a medicina se unia ao Estado, enquanto era
possibilitada a uniformização dos serviços sanitários, há muito colocada como tarefa
fundamental dos órgãos centrais e regionais da Secretaria da Saúde Pública.
Piraquara demorou a ter sua própria estrada aberta para a comunicação com
Curitiba, caminhando demoradamente para o seu crescimento enquanto enfrentava
preconceitos ligados à penitenciária, a outros hospitais e especialmente ao Sanatório
São Roque, quer pela proximidade aos doentes, quer pela presença dos doentes em sua
cidade. Convivia também com uma idéia de Sanatório que significava “limpeza” e
controle dos portadores da doença.
Ao mesmo tempo que, na prática, ainda significava isolamento também
mantinha-se o preconceito tanto na cidade, quanto do doente em relação a si próprio.
Forte, com completa infra-estrutura, o SCSR não conseguia preencher o vazio deixado
pela ausência da família, que ainda se repetia na década de 60, nem o doente
conseguia destruir as imagens de si próprio que construíra em sua mente.
Ali se realizaram festas, casamentos. Existiram bandas de música, teatro, caixa
beneficente, prefeitura, um bom corpo médico, trabalho, moradias, tudo parecia ter
sido completo e continuar completo, não fosse o preconceito que teimava em
permanecer, mesmo após encontrada a medicação para a terapia da lepra. Na Piraquara
da década de 60, o Sanatório Colônia São Roque acabou por se tornar a perfeita
tradução da política médica e das novas concepções de ideário urbano. Política que
42
medicalizou a doença e a sociedade, deu tudo o que o doente precisava para sobreviver
e não querer sair dali, mas não medicou a pessoa dos doentes que, mesmo após a
liberação concedida pelo Congresso de Roma, do fim do confinamento, em 1956,
muitos deles ali permaneciam, pois já não tinham para onde ir nem a quem recorrer.
Colhiam os frutos plantados nas décadas anteriores por uma ideologia de Saúde
Pública mais preocupada com os sadios.
Para muitos doentes, o SCSR permaneceu como local de passagem, de abrigo,
de salvação, especialmente para os pobres. Para outros, significou a expectativa da
morte, que enfim apagaria todas as marcas do corpo que tanto marcaram seu espírito.
43
5 REFERÊNCIAS
5.1 FONTE ESCRITA
• BRAGA, Ney Aminthas de Barros. Mensagem apresentada à Assembléia
Legislativa do Estado por ocasião da abertura da 3ª reunião ordinária da 5ª
Legislatura. Curitiba, 1965. Obs.: Fonte adquirida no setor de Divisão Paranaense
da Biblioteca Pública do Paraná.
• FERNANDES, Lindolfo. A Secretaria do Estado do Paraná 1853 a 1983.
Curitiba: Imprensa Oficial, 1998.
• FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
Censo Comercial Paraná: VIII Recenseamento geral – 1970. Série Regional,
V.VI – Tomo XIX.
• GOVERNO DO PARANÁ (BRAGA). Mensagem à Assembléia Legislativa do
Estado do Paraná, no ano de 1961 pelo governador Ney Braga. Curitiba:
Gráfica do Estado, 1961.
• GOVERNO DO PARANÁ :1961-1965. Compilação e redação de Ricardo
Werneck de Aguiar. As realizações do governo. Obs.: Fonte adquirida no setor de
Divisão Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná.
• J.L. Texto redigido em formato de entrevista escrita para Flávia Sansaloni.
Piraquara, Janeiro de 2001.
• MANUAL DE ESTATUTOS ATUALIZADOS DA CAIXA BENEFICENTE
SÃO ROQUE. Sanatório Colônia São Roque, 1966.
44
• NACLI, A. Mal de Hansen e o serviço social. Curitiba : Imprensa oficial do
Estado, 1959.
• Ordem de Serviço nº 117, em 20 de março de 1967.
• Ordem de Serviço nº 145, de 5 de setembro de 1967
• Ordem de Serviço nº 206, de 26 de outubro de 1966.
• Ordem de Serviço nº 48, em 20 de março de 1967
• Ordem de Serviço nº 52, de 22 de maio de 1962.
• Ordem de Serviço nº 94. de 3 de junho de 1967.
• Ordem de Serviço nº 146, de 6 set. 1967.
• PIMENTEL, Paulo Cruz. Mensagem apresentada a Assembléia Legislativa do
Estado por ocasião da abertura da 4a sessão ordinária da 5a legislatura.
Curitiba, 1966. Obs.: Fonte adquirida no Setor de Divisão Paranaense – Biblioteca
Pública do Paraná.
• PREFEITURA MUNICIPAL DE PIRAQUARA. História/geografia. Piraquara :
Divisão de Ensino, departamento de educação, s.d.
• PREFEITURA MUNICIPAL DE PIRAQUARA. Histórico. Piraquara, s.d.
• SECRETARIA DA SAÚDE DO BEM-ESTAR SOCIAL. Código Sanitário do
Estado; lei complementar nº 3641/77.
• SIQUEIRA, Márcia Dalledone. Associação Médica do Paraná: 60 anos de
história. Curitiba : Associação Médica do Paraná, 1993.
45
5.2 FONTE ORAL
• D.W.C. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Piraquara, 10 de abril, 2001.
• J.F. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Piraquara, 20 de agosto, 2000.
• G. I. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Piraquara, 5 de setembro, 2000.
• F.J. Entrevista concedida à Flávia Sansaloni. Curitiba, 30 de março, 2001.
• L.C. Entrevista concedida à Flavia Sansaloni. Curitiba, 4 de abril, 2001.
• MIRANDA, Rui. Entrevista concedida à Flavia Sansaloni. Curitiba, março, 2001.
• RIECHI, Nagib. Entrevista concedida a Flavia Sansaloni. Curitiba, março, 2001.
5.3 FONTE ICONOGRÁFICA
• Desfile de Sete de Setembro na Avenida Getúlio Vargas de Piraquara, década
de 1968. Foto cedida por Nagib Riechi.
• Banda musical “Lira Tuiuti”, composta pelos internos, 1969. Foto cedida por
Osvaldo Pereira.
• Procissão São Roque, composta por doentes, funcionários e moradores dos
bairros vizinhos, 1968. Foto cedida por Osvaldo Pereira.
• Cemitério do Sanatório São Roque, 1969. Foto cedida por Osvaldo Pereira.
• Capela São Roque, 1969. Foto cedida por Nagib Riechi.
46
5.4 BIBLIOGRAFIA
• ALMEIDA FILHO, Naomar. Epidemiologia sem números: uma introdução
crítica à ciência epidemiológica. Rio de Janeiro : Campus, 1989.
• BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia
das Letras, 1994.
• CALDEIRA, Jorge. Viagem pela história do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997.
• ENCICLOPÉDIA Microsoft Encarta – 1993-1999, Microsoft Corporation.
• FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1972.
• GAZETA DO POVO. Curitiba tem 100 casos por ano. Disponível em
>http://www.gazetadopovo. com.br/jornal/curitiba30abr99sex/lepra.html. Acesso
em 8 mar. 2001.
• LEPRA. In ENCICLOPEDIA O Mirador (p. 5662 a 5665). Disponível em
<http://www.monteazul.com.Br/ Calisto/ trabalhos_ biologia/lepra.htm.
47
ANEXOS
DECRETO N.0 1194
ANEXO 1 (A)
O Presidente do Estado do Paraná, considerando que o isolamento do doente constitue o único meio de evitar a propagação da lepra e de extinguir a moléstia e considerando que o Paraná já se acha apparelhado de um estabelecimento modelar para receber os leprosos do Estado. Decreta ad-referendum do Congresso Legislativo: Art. 1º - É obrigatório o isolamento de todos os leprosos do Estado no Leprosário “São Roque”, situado no município de Deodoro. Art. 2º - Só excepcionalmente será permitido o isolamento domiciliário, a juízo da Diretoria do Serviço Sanitário e desde que o doente obedeça as prescrições indicadas nas alíneas seguintes: a) conservar-se em aposentos separados que satisfaçam as exigências de hygiene e sejam providos de telas
protectoras contra as moscas e mosquitos; b) submeter-se à inspeção do médico official e obedecer rigorosamente às suas prescrições quanto ao
tratamento e isolamento; c) manter enfermeiros effectivos que ficarão também sujeitos à vigilância sanitária; d) não mudar de casa sem prévia autorização do médico e de enfermeiro e sem sciencia de autoridade
sanitária. Art. 3º - O doente que infringir qualquer das disposições anteriores ficará sujeito, de cada vez, à multa de 500$0000 a 1:000$000 imposta pelo médico que fizer a inspeção ou ficará obrigado ao isolamento no leprosário “São Roque”, a juízo da Diretoria do Serviço Sanitário do Estado. Art. 4º - Quando o leproso se recusar a cumprir as exigências estabelecidas pelos art. 1.0 e 2.0, a autoridade sanitária promoverá o isolamento ainda mesmo que indiretamente por todos os meios ao seu alcance. Art. 5º - O Estado providenciará por sua conta o transporte dos doentes para o Leprosário. Art. 6º - É proibida a entrada de leprosos no Estado. Art. 7º - A notificação compulsória da lepra para o efeito de isolamento, como estabelece o decreto federal n. 0 10.821 de 18 de março de 1914, é extensiva às pessoas da família do doente, sendo igualmente todas as autoridades do Estado na esphera de suas attribuições, gerente de hotéis ou de qualquer habitação collectiva, abrigados a comunicar a existência de doentes suspeitos à Directoria ou médicos do Serviço Sanitário, sob pena de multa de 1:000$000 cada vez. Art. 8º - A Directoria do Serviço Sanitário exercerá a inspeção das habitações collectivas, hotéis, collegios, das fabricas, officinas, etc. não permitindo em absoluto que pessoas supeitas da moléstia exerçam qualquer emprego nesses estabelecimentos. Art. 9º - O proprietário do estabelecimento que procurar iludir por qualquer modo à inspeção médica, será sujeito a multa de 500$000 cada vez. Art. 10º - O produtcto das multas estabelecidas por este decreto será aplicado em benefício dos filhos dos leprosos recolhidos aos estabelecimentos próprios; Art. 11º - Revogam-se as disposições em contrário. Palácio da Presidência do Estado do Paraná, em 9 de outubro de 1926, 38.0 da República. Caetano Munhoz da Rocha e Alcides Munhoz.
ANEXO 1(B) O Presidente do Estado do Paraná, tendo em vista que o Leprosário “São Roque”, mandado construir pelo Governo do Estado do Paraná; resolve aprovar o Regulamento a que deve obedecer esse estabelecimento e que baixa com o presente decreto, devidamente assignado pelo SRr. Secretario Geral do Estado. Palácio da Presidência do Estado do Paraná, em 9 de Outubro de 1926, 38.0 da República. Regulamento do Leprosário “São Roque”: Art. 1º - O Leprosário “São Roque”, construído no Município de Deodoro pelo Governo do Paraná é destinado a receber leprosos do Estado. Art. 2º - A direção econômica do estabelecimentos era confiada a uma congregação religiosa, mediante contracto, correndo todas as despesas por conta do Estado. Art. 3º - O serviço médico ficará a cargo de um ou mais profissionais nomeados pelo Governo do Estado. Dos Leprosos Art. 4º - Os doentes serão internados mediante guia do Director Geral do Serviço Sanitário ou do Director Clínico do estabelecimento e permanecerão em pavilhões de observações enquanto não for verificado o diagnóstico. Art. 5º - Haverá um livro de registro de entrada, em que se consignarão o número de ordem, o nome do doente, idade, profissão, estado civil, procedência, etc., organizando-se fixas para cada leproso, as quais serão conservadas em ordem alphabetica. Art. 6º - Far-se-á a distribuição dos leprosos pelas enfermarias geraes, aposentos isolados e habitações de acordo com a idade, sexo, estado civil do doente e conforme as manifestações da moléstia. Art. 7º - Os leprosos deverão seguir rigorosamente todas as prescrições médicas concernentes ao seu tratamento e as indicações relativas à Hygiene pessoal e ao asseio do estabelecimento.. Art. 8º - Em casos de moléstias intercurrentes ou de symptomas de reacção febril da própria lepra, os doentes seerão recolhidos a enfermarias especiaes. Art. 9º - Os leprosos casados terão habitação independente. § 1.0 – Nos casos em que for leproso somente um dos cônjuges, será permitido o isolamento ao cônjuge não contaminado pelo mal. § 2.0 o cônjuge indemme da moléstia que não acompanhar o leproso no seu isolamento ficará sujeito a vigilância da polícia sanitária durante 6 annos. Art. 10º - Será permitido o casamento entre os leprosos; Art. 110 - Os filhos menores que não apresentarem signal de moléstia na occasião do isolamento dos Paes e os que nascerem no leprosário serão recolhidos immediatamente a estabelecimentos especiaes, por conta do Estado, que promoverá os meios de sua manutenção, educação e ensino profissional. § Único – Aos filhos maiores ainda não contaminados pela lepra e que viverem em companhia dos Paes na occasião do isolamento será permitido emprego no leprosário. Art. 12º - Aos leprosos validos serão commetidos trabalho de acordo com suas aptidões; aos homens serviços de enfermeiro, jardineiro, agricultor, alfaiate, etc., e às mulheres os de enfermeira, lavadeira e cosinheira. Art. 13º - Os productos agrícolas e outros serão destinados exclusivamente ao consumo do leprosário. § Único - Haverá um registro de produção de cada leproso, concedendo-se annualmente prêmios aos mais esforçados em benefício dos filhos menores ou em proveito do proprio leproso. Art. 14º - O estabelecimento promoverá, por conta do Estado, a alimentação, o vestuário e a assistência médica à todos os leprosos internados. § Único – Os doentes recolhidos às habitações particulares, poderão manter cosinha separada por conta própria. Art. 15º - Será vedada ao leproso a sahida do estabelecimento, salvo caso especialíssimo, mediante permissão do Director Clínico e sob vigilância de um guarda sanitarista do estabelecimento. Obs: Compunha-se o referido regulamente de outros 13 artigos referentes à Direção Econômica, ao Serviço Médico e às disposições gerais, que não nos cumpre aqui ressaltar. Palácio da Presidência do Estado do Paraná, em 9 de outubro de 1926, 38.0 da República. Caetano Munhoz da Rocha e Alcides Munhoz.
ANEXOS DE 2 A 10
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