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8/4/2019 Canclini Consumidores
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00 corrsu rno s'~lr¥e
pO'lra pense r 1
U Mt>. ZOIN A Pfl:OPiGA para COlupliovar que 0 se n so
comurn nao CO]ncide com 0 b om sens 0 e (I con S~mo.
Na Hrrtguagern corriqueira, eensum ir costurna ser
associado a gastcs .im(iJu~ ise com,plLl lsoes irraciouais.
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doceis audlencias, Sabe-se que um bom rnimero de
estudes sabre eornun ica(f50 de mas sa tern rnostrado que
< I. h eg em cn ia c ultu ra l na o se re aliz a m ed ia nte acees
vert icai s, onde os domi nadores capturari am 0 S recep ~
teres: entre uns e outros se reconhecern mediadores
como a familia, 0 bairro e Q grupo de trabalho,2Nessas
ana ] ises dei x ou -s e ta rn be m d e c on ce be r o s v fn cu l 0 5 entre
aqueles que emitem as rnensagens e aqueles que as
recebem com o relacoes, unicam ente, de dom inacjlo. A
cornurrieacao na D e eflcaz se nan inclui tamberninte-
raeoes de colaboraciio e tral'lstlfUO entre unse outros,
Para. avam~ar ne s r a 1inha e . neces sari (I siuar os
processes comunicacionais em urn quadro conceitual
rnais amplo, que pode surgir das reorlas e investiga-
~oe$ sobre 0 consume. 0 que significa consumir? Qual
e. a razao - para os produtores e pam os consum i-
dores - que faz corn que 0 consume se expand a e se
renove incessan temente?
Rvmo 0uma teoria
mu/t,.drscip';fiCir
N a G e facil responder a estas perguntas, Ainda
que as pesquisas sobre 0 < consumn tenham se rnultlpli-
cado nos ultim .o s arIOS,> reproduzem a .segme nta ~a .o e
desconexso exisrente entre- as eiencias sociais. Ternes
teorias economicas, scclologicas, psicanalfticas, psicos-
sociais e antropologicas sabre 0 que ocorre quando
cons u r n ima s; h a te o ri a s I ite ra ri a s so bre a . recepcao e
teorias esteticas scbre a fortuna critica das obras at-risticas. Mas nao existe uma teoria sociocultural do
!on.nmw. Tentarei reun ir Hes tas notas aspri.nc ipais
I inhas de Inrerpretacno e assinalar ns seus possiveis
pontes de confluencia, COm 0 objetivo de partieipar de
uma conceitual iza~ao global do consume na qual
possam ser incluidos os processes de comunlcacao e
recep~lio de bens simboliccs.
Proponho partir de uma definic;ao; 0 consume
e 0 conjuntc de pmcessos socioculterais em que se
realizarn a apropriacao e os usos dos produtos .. E sta
caracterizacdo ajuda a enxergar os atos pelos quais
consumimcs c-omo algo mais do que simples exercfcios
de gostos, caprichos e compras irrefletidas, segundo
os julgamentos moralistas, ou atitudes individuals,
tal como costumam ser explorados peJasllesquisas
de rnercado.
N a perspectiva desta defirricjio, 0 consume ecompreendido sobretudo pela sua. racionalidade eco-
nomica .. Estudos de diversas correnres consideram 0
consume como urn mem ento do ciclo de plf'Odu~ ao e
reprcducao soda]; e 0 lugar em que se ccrnpleta 0
processo iniciado cum a geracao de produtcs, em qu e
se realize a expansao do capital e se reproduz a for c; :. ade rrabalho, Sob este enfoque, nilo S ao .1 .£ 1necessldades
ou os gcstcs individuals que determinam Q que; como
e quem consom e. 0 m odo com o se planifica a distri-
bu i~iiio des b ens depende das g randes estruturas de
admi nistracao do capital, Ao se organizar para prover
alimento, habitacao transporte e diversao aos mem-
bros de urna sociedade, 0 sistema econdmico "pensa"
como rep roduzir a ~or~11 de trab al hoe au memar <I
lucrarividade des produtos. Podemos na.o estar de acor-
do com a estrategia, com a seleeao de quem consumira
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mats au m enos, m as e inegave! que as ofertas de bens
e a indl,H~aiQpublicitaria de sua compra nao sao atos
arbitrarios.
No entanto, a racionalldade de tipo macrcssocial,
definida pelos grandes agentes econom icos, nao e a
tI n ic a que mode] a o can sumo. Os estudos man. istas
sobre 0 consume e sobre it primeira etapa da eomunl-
ca~ii0 de m assa (de ]95 () a 1970) Supe resti rnarama
capacidade de determinacao <las empresas em re]a~,ao
aos usuaries e ,asalldiencias.J I Jma teoria rnais COIl1~
plexa sobre a interacao entre produtores e consu-
midores, entre em issores e receptores, tal COmO a de~
senvolvem algumas correntes da antropclogia e da
so c i0 1o gia u rb ana, rev el a q 1Ie no cons um o 5e rna n ifesta
tarnbern uma racionaiidade sociopolitica interativa.
Quandovemos a proliferacao de objetos e de rnarcas,
de redes de comunicacjio e de acesso ao consume, a
partir da pe rspec tiva dos movimentos de consumidores
e de s u as demaadas, perceb emos que as regras -
In 6vei s - da distin~5!o e n t re osgrupos da e xp an s ~ o
educacional e das inovacoestecnologicas e da mcda
t am h em intervern nestes prnces sos, 0 cons U 0 "10 , di z
Manuel Castella, e um lugar onde 'os conflitos entre
classes, originados pela desigual participacao Iliaestru-
rura produtiva, ganham connnuidade atraves da distri-
bui\;!lo e apmpriacan dos bens.' Consumir 6 participar
de : um cenario de disputes por aquilo que a socie-
dade prcdu z e pel os modus de u Sa -1 0, A im p o dan ci a
que as demand as pelo aumento do consume e pelo
salarin jndireto adquirern nos conflitos sindicais e a
reflexao crftica desenvolvida pelos agruparnentos de
censurnidores sao evidencias de como 0 consume e
pensade desde os setores populates. Se algurna vez
esra quesrao foi territorio de decisfies m ais ou m enos
unilaterais, hoje 6 um espaco de interacao, no q U < I : I us
pro d u teres e emi sse res rlao so. dev em sed uzir os des-rinatarios, mas t arnbem just if ic a r- se racionalmente.
Percebe-se jarnbem a importancia politica do
consume quando vemos politicos que deti veram a hipe-
rinfla9ao na Argentina, no Brasil e no Mexjco centra-
rem sua estrategia de consume na ameaca de que uma
mud an ca d e o rte nra eso econfnnica afetaria aq ueles q ue
se end ividaram comprando a prazo caHOS QU apa:re-
lhos e]urodom,estlcos. ,.,Se nau querem que a inf! a~a.o
volte, aumentem as taxas de juros e naio ccnsigam
contlnuar pagando 0 que cornpraram, devem VOlar em
rnim nova mente", dlz Carlos M enem ao tentar a re-
e]ei-~ao p'lI~aa lPresi.dencia da Argentina. Uma formula
empregada nil campanha eleitoral "0 votc-prestacao"
exibe a cumplicidade que existe hoje entre consume
e cidad ant a,
Urna terceira linha de trabal hos , os que estudam
o consume cornn Iugar de diferenciacao e distinefio
entre as classes e os grupos, tem chamado a aten~a:o
para as aspectos simbolicos e esteticos da raciona-
lidade consumidora: Existe uma lcglca na construcao
des signos de status e nas maneiras de comunica-Ios.
Os textos de Pierre Bourdieu, Arjun Appadurai e Stuart
Ewen, entre outrns, mostraen que nas sociedades con-
temporaneas bca parte ddt racionalidade das relacoes
socials Sf, co n stroi , mais do queml lutapelcs meios
de producao, da disputa pela aprop~]a~ao des meres
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de distln~ao simbrilica, S H a urna coerencia entre os ill-
gares nnde 08 mernbros de LUTI<1cJasse e a[ e de UIn81.
fr.a.~aode classe se alimen tam, cstudam, habi ram, pas ~
sam as f6rias, naquilo que leem e desfrutam, em como
Sf: iuformam e no que transmitem aos outros. Essa
coerencia emerge quando a visao socioantropoltigi-
ca busea compree nder em con] 11 n to rals cenaries, A 1.6~
gica que rege a apropriac a o des bens enquanto 0bje-
tos de dis tim;;~onao ea da sari s f as :ao de necessi clades,
mas sim a d a c sc asse z desses bens e da impossibilidade
de que QU1rOS os poss uam,
Contudo, nessas pesquisas eostuma-se vel' os
comportamenros de consumo como se s6 servi ssern para
dlvidir. Mas se os membros de uma sociedade nIio c:OIU~
partilhassem us sentidos des bens, se estes s o fossem
comp re en s tv ei s il l elite ou a mai 0d a que 08 utiliza, na o
servir: am DO mo instrumentos de diferenclacao, Um carro
nnportado ou lim compurador com novasfuncbes dis-
tinguern os seus poueos proprietarios a medida que
quem. nao pode pos suI-los eonhece 0 seu signtficado
sociocultural ,Inversanlente, urn artesanato Oil uma
festa indigena cujo sentido mftico r ! propriedade dos
qu e pertencem a etnia que os gerou se tornam elemen-
tos de distincao all dlscrimlnacao a rnedida que ou-
tro s setore S d o n roes ma s o d edade s e interess am por
elas e entendem em algum nfvel seu signiflcadc.Logc,
devemos admitir que no consume se constroi parte da
racionalidade integrative e comunicativa de umCl'
sociedade.
H6 u.rna rocionalidade
pOt; . moder no?
AI gumas correntes d o pen sam en to p os -rno dern o
temcharnad 0 a a te :m ;ao e m u rn 11 di re< ; ;ao oposta ~L queestamos sugerindo - sobre a disseminacao do sentido,
a dispersao des signos e a dificuldade de estabelecer
codigos estaveis e compartilhados. Os cenarios do COIl-
sumo sao invocedospor esses autnres eomo Iugares
onde se mani festa Com mai or evidenciaa crise da racio-
nalidade moderna eseus efeitos sabre alguns princfpios
que haviam regido 0 desenvolvimentc cultural,
Sem diivida, Jean Francois Lyotard acerra quan-
do identifica 0 esgotarnenrc dos paradigmas que Or-
g an izavam a rae i onalid ade hi stork", moderns. Mas a
queda de eertas narrativas onicom preensi vas naa pede
implicar urn desaparecimento do global como hori-
zonte, A crltiea p6s-nwdenm servlu pan!. repensar as
forrnas de organtzacao compaeta do soda] insta uradas
pela rnedernidade (as naeoes, as classes etc.), E legfti-
1n0 levar esse questionamenro ate a exaltacao de uma
suposta desordem pcs-mcderna, uma dispersao dos
sujeitos que- teria sua m<lJliJesta~ao exemplar na llber-
dade dos mercados? . 6 curiosa que nesses tempos de
ecncentraeae planetarla em volta do controle (10 mer-
e ado as cetebracces acrlticas da di sseminacao indi vi-
dual e a visao das sociedades como eoexistencia en-a-
rica de impulses e desejos alcancem tanto presugio.
Surpreende tambem que 0 pensam.enw pes-
moderno seja sobretudo feito de reflexoes Hlos6ficas,
inclusi ve quando se trata de 0bjetos tao concretes quan-
to 0 desenho arquitetonico, a organizacao da industria
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cultural. e das interacoes socials, Quando se trata
de comprovar hipdteses em pesquisas ernpiricas, ob-
servamos que nenhurna scciedade e nenhum grupo
suportam per multo tempo a irrupcao erratlca dos
desejo s, nern a conseq Heme Lncerteza de signi fi cados.
Em au tras pala v ras, precis amos pen sar, ordenar aquil 0
que. desejarnos,
E proveitoso invocar aqui alguns escudos antro-
polcgicos sobre rituais e relaciona-Ios a s perguntas que
iniciaram este artigo sobre a suposta irracionalidade
dos consurnidores, Como diferenciar as formas de gastn
que contribuem para a reproducao de lima sociedade,
daquelas que a dissipam e desagregam? 0 "desper-
dfcio" do dinheiro no consume papillar e urna aueo-
sabotagem des pobres, simples mostra de sua incapa-
cldade de se organizer para progredir?
Encontru uma chave para responder ill esras per-
guntas na frequencia com que esses gastos suntuosos,
"dispendiosos", se associarn a rituais e celebracces.
Na o so porq ue lima data au 0 aniversari 0 0 d 0 0 santo
padroeiro justifiquem moral au religiosarnente 0 0 gastc,
mas tambem porque neles ocorre algo atraves de qual
a sod edade busea se organ izar raei onal men te ,
Por meio dos rituals, dizern Mary Douglas e
Baron Isherwood, os grupos seleclonam e fixarn -
grac;:as a aeordos coletivos - os significados que re-
gulam a sua vi cia,. Os rituai s servem para t'c outer 0
CUlrSoOdos siguificados'' e tornar explfcltas as defini-
~oe,s piiblicas do que 0 consenso geral julga .valioso.
Os ri tue is ef caz ..es 8[1.0 os que uti) izam 0 bjetos male-
riais para estabelecer 0 se ntid 0 e as praticas que 0S
preservam. Quante rnais custosos sejarn esses bells,
rnais forte sera oinvestimento afetivo e a ritualizacao
que fixa os significados a eles associados, Por isso,
des, definem muitos dos bens que sao consumidos co-
mo "acessorios rituals", e veem 0 consume como um
processo ritual cuja fun~ao primaeia consiste em "dar
sentido ao f JUKO rudimentar dos accntecimentos". ~
Cenas condutas ansiosas e obsessi vas de Con-
sumo podem ter origem numa insatisfas:ao profunda,
segundo analisam muitos psicologos ..Mas em lim sen-
tido mads radical, 0 consume se liga, de outre modo,
com. a insaustacao que 0 fluxo erratico des signifi-
cades sngendra, Cornprar objetos, pendura-los on dis-
tribuf-los pela casa, assinalar-Ihes um. lugar em lima
ordern, atribnlr-lhes funcnes na eom unicacao C Om os
outros, sao os recurscs para se pensar 10 proprio COI]lO,
a instavel ordem social e as interacoes incertas com os
demais, Consurnire tcrnar mais inteligfvel urn rnundo
onde 0 s ol id o. s e evapora, POll 'isso, alern de serem uteis Iara. a expansao do mercado e a reproducao da forca
de trabalho, para nos dis t ing uirrnos dos demai s enos
cornunlcarmos cern des, como afirmam Doughs e
Isherwood, "as mercadorias servem para pensar","
.E neste jogo entre desejos e estruturas que as
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mercadorias e 0 consume servem tambem para orde-
nar politicarnente cada sociedade, 0 consurno e ur n
processo em que os desejos se transformarn em de-
rn andas e em ate s sod < 1.1en te re g ul a do s, P or q l ie , a rte -
saos indigenas ou comerciantes populares que enrique-
cem pela repercussao afortunada de seu trabalho, por
que tantos politicos e llderes sindieais que acumulam
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CO[luu:io. estas comunidades de peerencimento e
contra le estao se reestruturando. A que eonj 1,1 nto 3 1 .
patti cipa.~a() numa socied ade construf da predcminan-
ternente pelos processosde gJobal izados de cons umo
nos faz pertencer? Vivernos urn tempo de fraturas e he-
terogeneidade, de segmenHI.~6es dentro de cada l l a c ; : a Q
e de GOHIUnica95es fluidas com <IE ordens transnacic-
nai s da in fo rm a c;a o , da moda e do saber_Em mei 0 a
es ta heterogeneidade er.c(nuu:amos co di g o's.q ue n o s u ni ~
Iicam, au que an menos permitem que r l J O S enteudamos,
Mas esses c6digos compartijhados :SaO cada vez menos
dinheiro par meio da conu.p~r..o continuarn vi vendo em
bairrcs populates, controlam seus gastos etentam t'nao
apareeer'tt Porque acham m ais interessante continuar
pertencendo a seus grupos originarios (eas vezes pre-
eisam disso p~nl manter seu poder) do que exercera
ostentaeao a que a sua prosperidade os impulsiona.
Oeswdo de Alfred > 0 ell Sobre cs mu ri a gondos
da Jndia" propoe urna Iinha sutil para explicar este
papel regulador do consume. Os muria que, gnl~as . a s .
mudancas do . economia tribal durante 0 nlrimo seculo,
ficaram mais ricos do que seus vizinhns, man t e r n . lim
estil 0 simples de vi d a que A ppad ural, i n v e r t en d o 8l
expressso de Veblen, chama de "avareza conspieua","
GaSUlJl1 em bens com certa prodigalidade, mas com a
condicao de que representem valores compartilhedos,
qu e m ao alterem a h om o ge ne id a de SUUlUOS a.
Comeobservei em povos indtgenas do Mexico,
a inttod w ;: a Q de Qbjetas exteriores rnademos e acei ra
desde que possam ser assimilados pela logics comuni-
taria, 0 cresci mente da renda, a expansao e variedade
da s ofertas dee mere ado, as s.im co m o a capaci d ad e t , e c - ~nica para. se ap rop ri arem dos nov0 S bens e mens agens,
gracas ao acesso a Mvets de educacao mal s ele v ados,
nao bastampara fazer com que 0s membros de um
grupo seatirem sobre as novidades. 0 desejo depos-
suit "0 novo" naa atua como algo irracional OU inde-
pendente daculturacoletiva a que se pertence,
Ainda em SntiHl~6es plenamente modernas, (I
consume nao e aJgo "privado, aromizado epassivo",
sustenta Appadarai, mas sim "eminenremente social,
correlative e arivo", subordmado a urn. certn contrele
politico das elites. 0 go.sw des setores hegemonicos
te rn e sta f ' lm~ao d e " fu I: 1LW ',3 . p artir do ql!J la~va o sendo
seleeionadas as ofertas exteriores e fornecidos me-
delos polftico-culturais para admiaistrar as tensbes
entre 0 proprio e 0 alheio,
Nos estudo S so bre cons !,m10' cultural no Mexico
q ue m en eio na re i m ais < lid i~ H lte ,descobrlmos que a fal-
ta de lnteresse de setores populares em e:XPQs.i~oes de
arte, teatro ou cinema experimentais [I.fiose deve ape-
nas an fraco capital simbolico de que dispoero. para
apreciar estas mensagens .• mastambem a fidelidade
aos gmpas eru que sei nserem, Denno d a ci dade, sao
seus contexte s famili ares. de bai r ro e de trab alho, os
qu e control am a hom ogeneid ade do consumo, cs des-
vi 0 S nos gOSf:08 e no sg astcs, Nmn< l e s cala mais ampla,
o que se entende como cultura nacinnal continua ser-
vi ado de eontex to para selecao do exo geno"
CQmun ido de5 fro n s no c i0~10; s
de ccmsumiclores
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os da etnia, da classe OLl da n a c ; : a o em. que nascemos.
Essas velhas unidades, ~l rnedida que subsistem, pa-
recem se refurrnular como pactos moveis de leitura
dos hens e das mensagens, Uma na~ao, por exemplo,
a.esta altura e poueo definjda pelos limites territoriais
ou pur sua his.Mria pohtlca. Sobrevive melhor como
uma comunidade hermeneutica de consurnidores, CIJjOS
habitos tradicionais fazern com que se relacione de um
modo peculiar com os objetos e a infcrmacao circulante
nas redes internacionais, Ao mesmo tempo encontra-
mos comunidades internacionais de consumidores - ja
men cio na rn os a s de [ovens e de telespectadores- que
dao sentido de pertencimento quando se diluem as
l ea ld ad es n a ci on a is .
Como os acordos entre produtoresvinstituicoes,
mere ados e recepto res - qu e consti tlIem e ren ov am os
pactos de leitura periodicarnente - se fazem arraves
dessas redes internacionais, 0 setor hegemoaico de
uma nac;:ao tem rnais afinidades corn aquele de outra
do que com os setores subalternos da propria. H a v in te
anos os seguidores cia, teoria da dependeneia reagiamdiante d as p ri m e iras m an ifesta c G ·e sde ste p ro cesso ac u -
sando aburguesia de falta de fidelidade aos interesses
nacionais. E, naturalmente, 0 cararer nacional dos in-
teresses era definido a partir de tradicoes "autenricas''
do povo ..Hoje sabemos que essa nutenticidade e . iluso-
ria, pois 0 sentido "proprio" de urn repertorio de objetos
e arbirrariarnente delimitado e reinterpretado em pro-
cessos hi st.o ric os h lbr id 0 S o , Mas, aJem di Sso.a mi srur ade ingredientes de' origem "autoctone" e "estrangeira'
e percebida, de forma analoga, no consume dos setores
populares, nos artesaos camponeses que adaptarn seus
saberes arcaicos para. interagir com turistas, 110S tra-
balhadores que se viram para adaptar sua cultura ope-
uiria as novas tecnologias, mantendo sum. crencas
antigas elocais. Varies decadas de construcao de sfrn-
boles transnacioneis criararn 0 que Renate Ortiz de-
nomina lima "culture lnternacional-pnpular", com urna
memoria coletiva feita com fragmentos de diferentes
na<;oes.11) Sem deixar de estarjnscritos na mem oria
nacional, os consumidores populates sa o capa:zes de
ler as ciracoes de um imaginario multilocalizado que
a televisao e a publicidade reunem: os [dolos do cine-
ma hollywoodiano e da rrnisica pop. os Iogodpos de
jeans e cartoes de credito, os hertiis do esporte de varios
parses e os do proprio que jogam em outre compoem
U111 repertorio de signos constantemente disponfvel,
Marilyn Monroe e os animals jurassicos, Che Guevara
e a queda do mum, 0 refrigerante mais bebido no mun-
do e Tilly Toon pcdem ser cltados au insinuados pO I"
qualquer desenhista de publicidade internaeional con-
Handa em qu e sua mens agemte
ra . sentid0 ai
nda pantaq u eles que n unca sal ram do seu pais.
E precise, pois, averiguar, como se reestruturam
as identidades e as aliancas quando a comunidade na-
clonal se debilita, quando aparticipacao segrnentada
110COlisumo ~ que setorna 0 principal prccedimento
de identlficacao - solidariza as elites de cada pals
atraves de Hill circuito rransnecional, e, de outre lado,
cs setores populates? Ao estudar o consume culturalno Mexico!', descobrimcs que, a separacao entre gru-
pes hegemonicos e subalternos ja na o se apresenta
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corrs urn idores 8' cidadao~
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priu cip alm eu te com o o pcsicao entre 0 native e 0 rm -
portado, ou entre otradlcional e 0modernc, mas como
adesao diferencial a subsistemas culturais de diversa
eomplexidade e capacidade deinovacao: enquanto a]·
guns escuram Santana, Sting e Carlos Fuentesvoutrospreferem Julia Iglesias, Alejandre Guzmane asteleno-
ve l a s venezue lanas.
E sta cU siio nao se produz unicamente no con-
sumo ligado ao entretenimento. Segrnenta tambem os
setores sociais em rela~li1oaos bens estratcglccs neces-
sarles para. que se situem no muncie) contem porjneo e
sejam c apazes de tam ar decisoes, Ao m esm o tern p o em
que 0 processo de modernizacao tecnologica da in-dus tria e dos services ex ige m ao~de~obra mai s qualifi ~
cada, ere-see a evasaoescolar, limitaudo-se 0 acesso
dos setores medics [e, obviameute, das maiorias po-
pnlares) ii . informacao mais non. 0 conhecimento des
dados e des instrumentcs que habiliram . 9 1 0 trabalho
autenom o au crlanvo se reduz am ; que- podem as-
sinar services de inform atica e redes exclusivas de te-
levisao (antena parabolica, TV a cabo, egta~oes trans-m i ssoras de canal s metrop o lit an os ). P ar a 0 resto d as
pessoas, se ofereee urn modele de comunicacao de
massa, eoncentrado em grandes monopo Hos, que se
n u rr e d a p ro grama ca o standard norte-ameriean a , . a lem
de produtos repetitivos, de enrretenimento light, genl~
des em cada pats.
Coloca-se, pols, de ouua maneira a crftica ao
consume como lugar irrefletido e de gastosindteis. 0
q ue o co rre e que a r eo rg an iz ac ao tran s n aci an a] des
sistemas simbolicos, feita sob as regras neoliberais de
0 e¢n~umo serve para pcn~o r
maxima rentabilidade dos bens de massa, gerando a
concentracfio cia culrura que confere <I capacidade de
decisao em elites selecionadas, exclui as maiorias das
co rren tes m ais criativas da cu ltu ra co ntem poran ea. N ao
e a esrrutura do meio (~elevlsaQ,rtid.iQ au video) a
C ausa do acha tamento c u ltural e da desari va~ a o polf-
tica: as possibilidades de interas:ao e de promover a
reflexao critica destes instrumentos tern side muitas
vezes demonstradas, ainda que em microexperiencias
de baixa eficacia para. as rnassas. T arnpouco deve-se
atribuir apenas a diJTlinui~ao da vida pub]lca eao retire
familiar da culrura eletronica a domicilio a explicacao
do daslnteresse pela pclftica: [ ' l a o obstante, esta transfer-
ma~ao das relacoes enure 0 publico e a privadn no
consum e eultura l cotidiano represents um a m udanca
basica das condicoes em que devera se exercer urn
novo tipo de responsabilidade cfvica.
Se 0 consume tomou-se urn lugar onde fre-
q lienternente e d m ci 1 p ens a r, e pe la libe ra~50 do seu
cenario ao jogc pretensamente livre, on seja, feroz,
entre as forcas do mercado. Para que se possa articu-lar 0 consume com urn exerclcio refletido da cidadania,
e necessaeio que se reun am ao rn en os estes re qu isito s:
~.) Ulna oferta vasta e diversificada debens e mensa-
gens repreaentauvos da variedade jnternacional d08
mercados, de acesso facil e equitarivo para as maio-
rias; bjinformacao rmrltidirecional e c:o[lf~i'i.vel respeito
da qualidade des produros, cujo commie seja efetiva-
mente exercido por parte dos ctmsumidores, capazesde refutal' as pretensees e seducoes da propaganda; c)
panidpa< ;ao democratlca dos principais setores da
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con~um idores 'ecidCldaos
90
sociedade civil nas decisoes de ordern material, simbo-
lica, ju ridica e polftica em que se organizarn os
COl]SUII10S: desde 0 contra le de quO;1,1dade dos a] imente S
ate as concessoes de frequencies radiaise televisivas,
desde 0 julgamento dos especuladores que escondern
produtos de primelra necessidade ate os que admi-
nistrarn infcrmacdes estrategicas para a tornada de
decisoes.
Bstas a((ues. politicas, pelas quais os consu-
midores ascendern a condicao de cidadacs, irnplicam
num a concepcao do m crcado nao com o sim ples lugar
de tree a de mercadorias, mas como parte de iteracce S .
socloculturais rnais complex as. Da mesrna maneira, 0
consume e visto n ao co mo a m era possessao individual
de objetos Isoladcs mas ,COlIl0 a apropeiacao coleti va,
em relacoes de solidariedade e distill~fio com outrcs,
de bens que proporcionam satisfacoes biologicas e sim-
bolicas, que servern para envi 21' e receber rnensagens.
As teorias sobre 0 consume evocadas neste capitulo
mostram, ao seremlidas de forma complementar, que
o valor mercantil nlio e alguma coisa contida natura-
listicamente 11 0S objetos, mas e resultante das interaeoes
socioculurrals em. que os homens os usam, 0 carater
abstrato des intercambios mercantis, acentuado agora
pela disrancia espacial etecnologica entre produtores
e consumidores, levou a crer na aurouomia das rnerca-
dorias e no carater inexoravcl, alheio aos objetos, das
leis objetivas que regulariam os VlflCII110s entre oferta
e demands, 0 confronto das scciedades modernas com
as "arcaicas" permite ver que em todas as sociedades
os bens exercem muiras funeoes, e que O il mercamil e
apenas urna delas, Nos hornens intercambiamos obje-
tos para satisfazer necessidades que fixarnos cultural-
mente, para integrarmo-nos com outros e para nos dis-
tinguirrnns de longe, pam realizer desejos e para pensar
oOSS8isitua~ao no rnnndo, para controlar Q fluxo erratico
des desejos e dar-lhe constancia au seguranca em ins-
11tuit;oese rituais, Dentro desta multiplicidade de a~5e-s
e interacoes, os objetos tern urna vida complicada. Em.
certa fase sao apenas "candidatos a mercadorias?",
em outra passam par uma etapa propriamente mer-
cantil e em seguida pcdcm perder essa caracteristica
e ganhar outra, Urn exemplo: as mascaras feitas pm
indigenas para uma cerimoniavlogo vendidas a lim
consumidor moderno e finalmenteinstaladas em apar-
tamentos urbancs OlL museus, onde se esquece sen
valor econcmico. Outre: urna cancao produzida por
motivacoes purarnente esteticas logo alcanca uma re-
percussao massi va e lucros como disco, e, flnalmente,
apropriada e modificada por urn movimento polftleo,
se torna urn recurso de identificaeao e mobilizarao
coletivas. Estas biografias icarnbiantes das ccisas e
da s Inemagens nOS levam a pensar no carater mer-
can t i I dos bens como op0rtu fIidades e riscos de seu de-
sempenhu. Podemcs atuar como consumidores JIlOS si-
tuando sornente em urn dos processes de interacao -
o que a mercado regula. - etambern podemos exercer
como cidadacs lima reflexao e uma experimentacao
mais ampla que leve em. conta as mriltiplas poten-
cialidades dos objetos, que aproveite seu "virtuosismo
serniotico'"! nos variados contextcs em que as eoisas
nOS perm iern e nc 0 n trar com as pes S0 as.
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8/4/2019 Canclini Consumidores
http://slidepdf.com/reader/full/canclini-consumidores 10/10
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Proper estas questces implica recolocar a ques-
tao do po b Uco. 0 deseredito des Estadcs C01TIQ adrni ~
uistradores de areas basicas da p ro du cao e infer-
ma~iio. assim como a nao··credi.biUdade des partidos(incluidos os de oposi9ao), dirninuiu os espa90s onde
o interesse pu blico podia se fazer preaen te, onde deve
se r Iim itada e ar hitrada a Iuta - de outro 1110do selv <1-
gem ~ . (;[Itre os poderes m ercan tls privados, C orn ecam
a s urg ir e III < 1 . 1 gun s parses - a tra v ·6s da figura do
omb udsman; de com i ssoes de d .i reitosh um ano s de ins-
timi~6es e perlodleos independemes - instancias nao-
g ov er n amen ta u s e apart idari.as que perm item d esern-baragar a necessidade d e fazer valer 0 publico em face
da de c a den cia d a s b uro craci as esta tais, A I gu n s cons n··
mldores querem ser cldadaos,
D epois cia decada perdida para 11 AlhericaLa~
tin a, q ue foia des oiten ta, durante a qual os E s . U U : l O ~ i ;
eederam 0 centro led a econom ia mute ri <1.1 s imb6 lica
a s empresas, esta clare aonde it. privatlzacao sem limi-
res co nd uz : d esc ap ita llza ca o u acio na l, su bc on sumo d as
malerias, desemprego, empobrecimento da oferta cul-
tural. S6 a~ raves da reconquista criativ a d os espacos
ptibliccs, do interessepelo pubjicc, 0 consuruo po-
dera ser urn lugar de valor cognitivo, uti] p ara p en sa r
e agir significativae renovadoramente na vida social,
Vincular 0 COIiiSmYlO com . a cidadania requer ensaiar
urn reposlcion am en tc d o m ercado na soeiedade, teu tar
<I reconq uista imaginati v a des espa~ Q ~ piibl ieo s, do
interesse pelo p ublicc. A ssim 0 consum e se m ostrara
como urn lugar de valor cognitivo, util para pensar e
. 1 t U < 1 1 " significativ a e renovadoramente, r na v id a s ocia l.
Netas
1, Esre capitulo e U!1Hl reelaboracao ampliada do
artigo que, com 0 mesmo tltu~o·, publiquei na revista DM,
logos de it! Com.unfcaciOn, Lima, n, 30, junl199l.
2. VeL, entre ourras, as cbras de LULL, James (ed.),
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Gui llenno (compiladorl. Hablo» lo s televidenres. Estudios
de recepcioe; en vario~' 'J£d~-es. Mexico: Universkliad
Iberoa merieana, 1992"
3. U In exemplo: os rextes de TE~"AlL, Jean-Pierre,
PIl.nEClElll.~, Desmond, URBVET, Patrice, N.ru;ei~~·dades COI~·
s umo . Mexico: Grij al bo, 1977.
4. CMTG:LtS, Manuel. La Cuestian urbana. Mexico:
S.iglo X X T, 197 ,:],: apendiec i i i . segu nda edi~ao,
5. BOU!i:.IDli'lU, Pierre. La Di~·/~nciJI~. M<ulr;: Taurus,
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Mexico: Gdjalbo,. 1991; EWEN. Stuart, T od as la s im dg en :e s
d e l c o n~ 'UJ rd smo . Mhk,r,); Gdjalbo-CNCA, 1991,
6. D(lI)O~AS.Mary, Isuenwooc, Baron, El Mundo de
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Grijfll bo"CNCA, 1990. p. 80.
7. Idem. p. 77.
8. G E L ! . . . , A lfred .. L os Reclen l I G . g a d o s 21.1mundo d e
~os blenes: el consumo entre 1(J)l gcndcs murla. In'
ApPA[lUI~AI, A, Op, eit., p, 143-175.
9. AI'~'i'.[)1.JRA~, A. Op. cit., p, 47"
10. ORTIZ, Renaro, Op, cit, cap. IV.
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