Aspectos políticos e A história da televisão brasileira

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Aspectos políticos e econômicos da te-levisão brasileira Aspectos políticos y económicos de la Televisión brasileña

IvonetedaSilvaLOPES1

Resumo: O artigo apresenta a história da televisãoabertadoBrasilsobosaspectospolíticoseeconômicos.SustentaqueoEstadocontribuiudeformadiretaparaaformaçãodooligopólio,queaindacaracterizaosetor,pormeiodadistribuiçãodasconcessões,duranteoregi-memilitarparaosaliadospolíticos;cominvestimentonainfraestruturatecnológicaquepermitiuàsemissorasqueatuavamnoâmbito local seorganizaremredes;eatravésdoapoiofinanceiroepolíticoquefavoreceu apermanênciadecertasemissorasearetiradadeoutrasdomercado. Essas práticas não foram completamentedissipadasnahistórica recentedopaísque tevegover-nantes de diferentesmatizes políticas, contudo poucasaçõesforamempreendidasparademocratizarocenáriomidiático.

Palavras-chave: televisão,mercadotelevisivo,oligopó-lio,regulação.

Resumen: ElartículopresentalahistoriadelatelevisiónenBrasilenlosaspectospolíticosyeconómicos.Argu-méntasequeelEstadohacontribuidodirectamentealaformacióndeloligopolio,queauncaracterizaalsector,atravésdeladistribucióndelasconcesionesduranteelrégimenmilitarasusaliadospolíticos,conlasinversioneseninfraestructuratecnológicaquepermitióalasemiso-rasseorganizarseenredes.Tambiénmedianteelapoyofinancieroypolíticoquefavorecíalaretencióndeciertosemisorasylaretiradadeotrasdelmercado.Estasprácti-casnohansidocompletamentedisipadasenlosrecientesgobiernosdelpaís,quetuvopresidentesdediferentesmatices políticos, pero pocas acciones se han tomadoparademocratizarelpanoramamediático.

Palabras clave:televisión,mercadotelevisivo,oligopo-lio,regulación.1DoutorandanoProgramadePós-GraduaçãoemComunicaçãodaUniversidade Federal Fluminense (UFF). Bolsista da Fundação deAmparoàPesquisadoEstadodoRiodeJaneiro(Faperj).

Ahistóriadatelevisãobrasileiraestávinculadaaopodereconômicoepolítico.Surgiu,em1950,comomaisumempreendimentodosDiárioseEmissorasAs-sociadosdeAssisChateaubriandquenaépocareunia15emissorasderádio,alémde jornais,revistas,editoradelivroseagênciasdenotícias(JAMBEIROetal,2004).Dessamaneira,jánascefazendopartedeumconglome-radocomunicacionaledeumaconcentraçãocruzadadepropriedade,ouseja,deváriosveículosdecomunicaçãopertencentesaummesmoproprietário.

Chateaubriand além de empresário poderoso,sempre teve laçospolíticos fortes, eleito senadorpeloseuEstadonatal,aParaíba2e,posteriormente,peloMa-ranhãopormeiosnadaortodoxos.SegundoSérgioCapa-relli(1982,p.57),ofortedeChateaubrianddecididamen-tenãoeraoseuladoempresarial,“masacapacidadedetiraromáximoproveitodeumasituaçãopolíticarelati-vamentefluida, da qual participoudiretamente, para irestendendoasuarededeveículosdecomunicaçãopelopaís,numamisturadesagacidade,audáciaeoportunismoaomesmotempo”.

Chateaubriand domininou a primeira fase datelevisão,consideradade1950atéaentradadaGlobonomercado,em1965.FasedenominadaporSérgioCa-parelli(1982)comoado“ImpériodeChateaubriand”eporCésarBolañode“mercadoconcorrencial” .Nesseperíodohouvecrescimentopequenodessemeiodeco-municação.NoanoposterioràinstalaçãodaTupi,ate-levisãochegouaoRiodeJaneiroenosanosseguintesaPortoAlegre,Curitiba,Salvador,Recife,CampinaGran-de,Fortaleza,SãoLuíseGoiânia(PRIOLLI,2003).Mes-moestandopresenteemváriosestados,a televisãoeraregional,cadaemissoraproduziaseupróprioconteúdo,efilmesestadunidensespreenchiamagradedeprogra-mação.Oalcancedosinalconstituiaumproblemaparaoaumentodaaudiência,ostelespectadorespodiamcaptaro sinal num raiomáximode 100quilômetros do localondeestavainstaladootransmissordeimagens.Comainvençãodovideoteipenadécadade1960,aproduçãorealizadanoeixoSãoPaulo-RiodeJaneiropassouasergravadaedistribuídaàsemissorasespalhadaspeloBra-sil.

SegundoCaparelli(1982),afaseinicialfoimar-cadapelooligopóliodeChateaubriandepelapresença2 Segundoo livro “Chatô, oRei doBrasil”, deFernandoMoraes,ChateaubriandresolversersenadorpelaParaíbaem1951,noentantoaseleiçõeshaviamocorridonoanoanterior.Comapoiodoentãopresidente,GetúlioVargas,motivouareunúnciadosenadoreleitoeseusuplentecomagarantiadecargospúblicosparaambose,assim,novaseleiçõesforamconvocadaseChateuabriandeleito.Em1954,apráticaanteriorfoinovamenteaplicada,masagoraemoutroestado,oMaranhão.

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docapitalnacionalnasempresas.Caberelembrarquenaépocaasempresasnãopodiam tercapital estrangeiro3.Bolaño (2004) sublinhaqueapesardaconcentraçãodatelevisãoemtornodosDiáriosAssociados,oquepode-riasignificaralgumavantagemnaconcorrênciaemrela-çãoàsempresasdemenorcapitalfinanceiro,omercadobrasileiro era relativamente competitivo. As emissorasaindaqueintegrassemomesmoconglomerado“sópo-deriamfuncionarcomopequenasempresasisoladasemsuascidades,concorrendoemnível local pelos anun-cianteseaudiência.Afragilidadedecapitalcolocava-asnumaposiçãodedependênciaemrelaçãoaosanuncian-teseassuasagências”(BOLAÑO,2004,p.103).

Naanálisedoautorhaviaumacertamobilida-denomercado,asbarreirasserestringiambasicamenteaconseguiraconcessãojuntoaoGovernoFederalparainstalarumcanaldetelevisão.Entreasempresasconsti-tuídasnaépocahaviaaTVPaulista,criadaem1952,dodeputado federalOswaldoOrtizMonteiro, que poste-riormentefoirepassadaàsOrganizaçõesVictorCosta;aTVRecord,em1953,propriedadedePauloMachadodeCarvalho–quejáeraconcessionáriodaRádioRecord4,eaExcelsior,em1960;dogrupoempresarialSimonsen.Ocenárioapontadoindicaquedesdeagênesedatele-visãoasrelaçõespolíticaseocapitaleconômicoforamfundamentaisparaoestabelecimentoemanutençãodasemissoras.Asprincipaisdelaspertenciamaempresáriosdacomunicaçãoouaconglomeradoseconômicos,comoaExcelsior.NesseperíodoopapeldoEstado,segundoBolaño(2004)ficavarestritoadistribuiçãodasconces-sões,semintervirnaorganizaçãodosetor.

A contribuição do Estado para a formação do oligopólio televisivo

Profundas transformações marcaram a traje-tóriadatelevisãoapartirdogolpemilitarde1964.Aocontráriodaprimeirafase,operíodofoicaracterizadopela forte intervenção estatal.A interferênciapode serapontada,nomínimo,emtrêsaspectos:1)acriaçãodainfraestruturatecnológicacomaqualfoipossívelode-senvolvimentonacionalpormeiodaformaçãoderedes;2)opoderdeconcederaoutorga,censuraroconteúdo3AEmentaConstitucionalnº036/2002mudouaregraeestabeleceque“pelomenossetentaporcentodocapitaltotaledocapitalvo-tantedasempresasjornalísticasederadiodifusãosonoraedesonseimagensdeverápertencer,diretaouindiretamente,abrasileirosnatosounaturalizadoshámaisdedezanos,queexercerãoobrigatoriamenteagestãodasatividadeseestabelecerãooconteúdodaprogramação”.Disponívelonlineem:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti-tuicao/emendas/emc/emc36.htm4PauloMachadodeCarvalhotambémfoichefedadelegaçãobrasi-leiranaCopadoMundo.

edistribuirapublicidadegovernamental;e3)atravésdaconcentraçãodopoder que facilitouao regimevigen-teescolherosatoresquepermaneceriamnomercadoecontribuirparaaretiradadeoutros.

OEstadoinvestiunaexpansãodatelevisãoim-plantando,em1968,oSistemaNacionaldeTelecomuni-caçõeseaEmbratel,criadaumanoantes.Assim,opro-jetodeintegraçãonacionalfoipossívelcomacriaçãoda redebásicademicroondasque interligou asváriasregiõesdopaísporsistemadetelefoniaetransmissãodeTV,rádioedados(PRIOLLI,2003).

Conforme Caparelli (1982), a medida benefi-ciou o setoreconômicocomoumtodo.As indústriaspassaramadispordeummeiodecomunicaçãonacionale,potencialmente,poderiamvendermaiseampliarseufaturamento,benefícioqueatingiutambémosmeiosdecomunicação.O investimento feitopelogoverno tevemotivaçõespolíticase,principalmente,visava a segu-rançanacionalquesignificavaaproteçãodasfronteirascontra a pretensa ameaça comunista. Amodernizaçãodastelecomunicaçõesfacilitouaintegraçãodopaísaumaeconomiademercado.

Alémdo investimentona infraestrutura tecno-lógica,aproduçãodosreceptoresfoinacionalizadaeosgovernosmilitares também abriram crédito para esti-mular a compra.ConformedemonstraBolaño (2004)aevoluçãodostelevisoresemusonoBrasil5.Em1964,poucomenos de 1,7milhão de aparelhos estavam emusonopaís,dosquais336milaindaerampretoebran-co.Seisanosdepoisototalerade4,5milhões(816milpretoebranco)eem1979ovolumechegavaaquase17milhões,sendoquedessetotalpróximode1,6milhõeseramaparelhospretoebranco.

AatuaçãodoEstadono setorbuscavao con-sensopolítico em tornodonovo regime, enquantoosempresários, umamaior rentabilidade econômica. “Noentanto,[essas]sãoocorrênciasdesuperfície,poisgeral-menteosinteressesdoEstadoedessesgruposfinalmen-teserearticulam”(CAPARELLI,1982,p.11).Asprinci-paisemissorasestavamnoeixoRiodeJaneiro-SãoPaulo,onde também localizavam-se os principais empresas eagênciaspublicitárias.Dessaforma,alémdaconcentra-çãoeconômicaocorreutambémaconcentraçãogeográ-fica,comessasduascidadescomocentroprodutoresdeconteúdoparatodoopaís.

Asredesdetelevisão,emborafuncionassemdeforma rudimentar antesde1969, coma cópiadepro-gramas de sucesso e a sua venda a outras emissoras,

5OautorreferidoconstruiuatabelacombasenosdadosdaAbinee–AssociaçãoBrasileiradaIndústriaEletroeEletrônica.

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somenteapartirdesdeano rompe-seo isolamento re-gional e homogeneiza-se a programação. Equacionadoo problema de infraestrutura, as emissoras precisavamgarantir aaudiência.DeacordocomMarildoNercoli-ni(2011,p.16),aalternativafoiinvestiremumformatodeprogramaçãoaindasemparâmetroseosprofissionaisoriundosdeoutro meiodecomunicação.Segundooau-tor:“Nãoédeseestranhar,porexemplo,quetrêsdasprincipaisestratégiasusadasnamontagemdaprograma-çãoestivessemdiretamentevinculadasafórmulasdesu-cessoprovenientesdorádio:programasmusicais,futebolenovelas”.

Deoutrolado,paragarantiraestruturanacio-nalizada, a afiliação foi a estratégia adotada.Amedi-dareduziaoscustosdeinstalaçãopelointeriordopaís,porémdriblavaalegislação.ODecreto-leinº236/1967quecomplementaemodificaoCódigoBrasileirodeTe-lecomunicações (CBT), de 1962, estabelece limites depropriedade.Cadaemissorapodia ternomáximo dezemissorasemtodoterritórionacional,sendonomáxi-mocincoemVHFeduasporEstado. Atravésdaafi-liação, as emissoras conseguiram expandir seu sinalpelopaís,aomesmotempoesseinstrumentotornou-sepraticamenteasaídaparaamanutençãodasemissoraspequenas(BOLAÑO,2004).Paraafiliar-se,ocanallo-calpodeapenasretransmitiraprogramaçãodaemissoralíder,denominadanoBrasil,como“cabeçaderede”.

Priolli(2003,p.20)chamaaatençãoparaalógicadomodeloeconômicodatelevisão.Segundooautor,“agestãocomercialprivada,semprereguladopelanecessi-dadedereduzircustoseampliarlucros,[...]reduziuasestações regionaisameras repetidorasdeprogramação“nacional”vindadoRioedeSãoPaulo”.Alémdaafilia-çãoserumnegóciofavorávelàsemissorascentrais,enfa-tizaJambeiro(2001)queaTVassumiuumpapeldedes-taqueparalegitimaçãodaspropostasdoregimevigenteemrelaçãoàpolítica,àeconomiaeàculturae,também,foicriadaparapromoverasegurançanacionaleviabilizarodesenvolvimentoindustrial.

Aprimeiratarefafoipromoverarápidaindus-trializaçãodopaís,criandoassimoportunidadesdetra-balho;asegundafoiestimularummercadodeconsumoemmassaparabensmateriaisesimbólicos.“Acimadasduastarefas–etambémacimadequalqueroutracoisa–estavaodesejodeesmagarqualquertipodeatooupen-samento socialista e esquerdista,mesmoquando ‘mas-carado’comodemocrático”(JAMBEIROetal,2001,p.73-74).

OEstadoaocriarainfraestruturaquepermitiuaintegraçãodasemissorasemredes,concentravaopoder

deoutorgarasconcessões–oquecertamentenãoseriadistribuídoàspessoasqueeram inimigasdo regime.EporessarazãoéqueMuriloCésarRamos(2000)carac-terizaessaépoca,naqualaconteceuodesenvolvimentodosistemadecomunicaçãobrasileiro,pelocompadrio,patronagem,clientelismoepatrimonialismo.Essas ca-racterísticas que associadasaumaestruturapolíticaesocial arcaica e/ou anti-moderna, desenvolveu peloBrasil e se sofisticoupormeiodo rádioeda televisão.Ou seja, esses meios de comunicação serviram comoinstrumentos de reforço de dominação e manutençãodeinjustiçassociais,bemcomosimultaneamenteforaminstrumentosdereforçoideológicoparaumgrupoeco-nômico-político-militar que estava governando o paísantidemocraticamente.

O sistema de concessões adotado não contri-buiu para favorecer o pluralismo ideológico existentenopaís,mas,aocontrário,reforçouomonopóliodentrodeumblocoideológicoidentificadocomoadoutrinadeSegurançaNacional.“Afiltragemdosdetentoresdecon-cessõesfavoreceumacensuraindireta,operadapelaraiz,eeventualmente,háfacilidadesparadifusãodaideologiadosgruposdominantesnoaparelhodeEstado”(CAPA-RELLI,1982,p.165).

Alémda censura indireta atravésdaqual eramescolhidos os concessionários de televisão e rádio, osmeiosdecomunicaçãoeramsempreavaliadospeloSer-viço Nacional de Informação, da Polícia Federal, dosCentrosdeInformaçõesdasForçasArmadasedosin-formantes (SIMÕES, 2003). E atingia até as emis-soras mais afinadas como regime, como éo casodaTVGlobo,quenadécadade1970,apesardetransmitirnotíciasemfavordogovernomilitaremseustelejornaise“maisqueasoutrasredestinhaboasrelaçõescomosmilitares–sofreucensuradenaturezamoral,econômicaepolítica,emsuastelenovelas,telejornaiseprogramasdeentretimento”(JAMBEIRO,2001,p.81). O governomilitarnãoapenasproibiaaveiculaçãodedeterminadoconteúdocomotambémpodiaprender.ALeideSegu-rançaNacional,porseulado,estabeleceuqueousodequalquermeiodecomunicaçãodemassaparafomentarasubversãocontraaordempúblicaesocialpodiaacarretarde15a30anosdeprisão.

OcontroledoEstadosedavademúltiplasfor-mase,talvez,umadasmaiseficientesfosseafinanceira.GlaucioAryDillonSoares(1989)apontaqueaspressõeseconômicasporpartedosmilitaresforamfundamentaisparasilenciarosveículosquenãocomungavamcomoregime.CitaoexemplodoCorreio da Manhã, queemumeditorialexplicavaasituaçãovivenciada:“Apublicidade

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doEstado,financiadapeloscontribuintes, representan-do36%dototaldomercadopublicitário,foisonegadamaciçamente a uma instituição com quase 70 anos derelevantesserviços(...)”6,conformeafirmaotexto:

Premiavam, com o dinheiro do povo,o apoio político à ditadura, e puniam,tambémcomodinheirodopovo,aque-lesqueseopunhamaela.[...]Numpaísemque oEstado desempenha umpa-pel econômicoefinanceiro fundamen-tal, houve até efeitos secundários, istoé, empresas privadas que, diretamentecoagidas ou simplesmente receosas dasuspensão de negócios com o Estado,suspenderamasuaprópriapublicidade(SOARES,1989).

ConformedemonstrouSoares(1989),oEstadocomomedidaderetaliação,alémdenãorepassarverbaspublicitáriasaindacoagiaempresasprivadasafazê-lo,di-ficultandosobremaneiraamanutençãofinanceiradessasempresas.Umadasemissorasprejudicadasporestapolí-ticafoiaTVExcelsior,quepertenciaaogrupoSimonsen–donodaPanairdoBrasil,concessionáriodoPortodeParanaguáeexportadordecafé.Bolaño(2004),explicaqueaExcelsiorfoioprimeirograndeinvestimentofei-tonaindústriatelevisiva,em1960.Doisanosdepois,aemissora atua agressivamente nomercado, comprandoumamodernaaparelhagemecontratandoosmelhoresprofissionais com altos salários. No entanto, quandoameaçatomaraliderançadeaudiência,ogrupocomeçaaterproblemascomoregimemilitar:“PerdeaconcessãodoportodeParanaguá,eaPanairdoBrasilsobreinter-vençãofederal,deformaquesãocortadasaspossibilida-desdefinanciamentoàtelevisão[...]”(Ibidem,p.107).

Sem autonomia financeira para manter-se nomercado,poisasfontesdefinanciamento(asoutrasem-presasdoGrupoSimonsen)tinhamsidocortadas,aTVExcelsiorfechaasportasem1970.Segundoaediçãonº345deIsto É Dinheiro7,Simonsennãoeradeesquerdaenemtinhamuitaproximidadecomopresidentedepostopelos militares, JoãoGoulart. “Como tantos empresá-rios,eragovernistapornecessidade.Emagostode1961,quandoJâniorenuncioueadireitatentouimpedirapos-

6 Disponível em: http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_10/rbcs10_02.htm7TextodeIvanMartins“Umempresárioqueninguémquerlembrar”,disponívelemhttp://www.istoedinheiro.com.br/noticias/7952_UM+EMPRESARIO+QUE+NINGUEM+QUER+LEMBRAR

sedeseuvice,Simonsenengajou-seaoladodalegalida-de,arranjando inimigosentremilitareseconspiradorescivis”(MARTINS,2004,online).Osmotivospelosquaishavia sidoperseguidopelosmilitares foram explicadosnesse mesmo periódico pelo advogado de Simonsen,SauloRamos. Segundo ele: “Havia a pressãodas em-presasamericanasdecaféorquestradaporHerbertLevy;haviaaVarigquequeriaabocanharaPanairehaviaosDiáriosAssociados,quetinhamódiodaExcelsior.Mili-coalgumagüentariatantapressão”(ibidem).

EnquantoperseguiaaExcelsior,ogovernomili-tarfacilitavaavidadaTVGloboqueentrouemfuncio-namentoem1965,noRiodeJaneiro.Eem1966adquireaTVPaulista.Naépocaogrupojáeraproprietáriodeoutrosveículosdecomunicação:ojornalearádioGlo-bo.Emboraa legislaçãobrasileira proibisse aentradadecapitalinternacionalnosmeiosdecomunicação(nor-maalteradaem2002,comaemendaconstitucionalnº36quepermite30%decapitalestrangeironasempresasderadiodifusão)8,oogrupoGloboassinouacordocomoGrupoTime/LifenaordemdeU$1,5milhãodedolá-res.Ocontratopreviaassistência técnica,administrativa(comercialecontábil),eensinavaprocessosmodernosrelacionadoscomaprogramaçãoenoticiários.Aemisso-raentrounomercadocomumacondiçãoprivilegiadaemtermosderecursosfinanceirosedeorientaçãodeumaempresaestabelecidanomercadoestadunidense,ondeaindústriaculturaleramaisdesenvolvida.

Os concorrentes denunciaram e o congressonacionalcriouumaComissãoParlamentardeInquérito(CPI)paraapurarosfatos.Em1966,aCPIindicouqueaGloboinfringiuaConstituiçãoFederal equeaem-presa estadunidense estavaparticipandodaorientaçãointelectualeadministrativadaTVGlobo.Osparlamen-tares, então, sugeriram ao poder executivo cassar asconcessões, ou seja, seguir a punição estabelecidaparaessedispositivoconsitucional.“Porém,omarechalCas-teloBranco,[...]emvezdecassaraconcessãoatravésdoContel[ConselhodeTelecomunicações],deuumprazodenoventadiasparaqueaemissoraregularizassesuasi-tuação”(CAPARELLI,1982,p.29).

NositeMemória Globoconstaque,emoutubrode1967,oconsultor-geraldaRepúblicaAdroaldoMes-quitadaCostaemitiuumparecersobreocontratoGlo-bo/Time-Life,considerandoainexistênciadesociedadeentreasempresasouqualquerinterferênciadaempresadosEstadosUnidosnaGlobo:

8EmendaConstitucionaln.36.Dsiponívelem:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc36.htm

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A situação daTVGloboficou oficial-mentelegalizada.Mesmoassim,Rober-toMarinhoresolveuencerrarocontratodeassistênciatécnicacomoTime-Lifeeressarciuogrupoamericanododinhei-rodesembolsado.Através de empréstimos, tomados em bancos nacionais,eempenhan-dotodososseusbenspessoais, pôsfimaoacordocomoTime-Lifeemjulhode1971 (MEMÓRIA GLOBO, grifo daautora)9.

O episódio mostra como o Estado foicondescedente com a TV Globo, porque mesmoexistindoamparolegalparaacassaçãodasconcessões,aopçãofoipordarumprazoparaquearegularização.SegundooMemória Globo, o acordo foifinalizadocomempréstimo contraído nos bancos brasileiros. Emboranãoexistareferênciasobrequaisforamessasinstituiçõesfinanceiras, há uma probabilidade dos bancos estataisteremcontribuídoparaqueadívidafossesaldadacomaTime/Life.

Com recursos internacionais eo apoiodogo-verno militar à permanência da Globo no mercado,a condição hegemônica dos Diários Associados, quemarcouosprimeirosanosdessemeiodecomunicaçãonoBrasil, foisubstituídapelanovaemissora.SegundoCaparelli (1982), a RedeTupi não conseguiu superarsuasprópriasdificuldades; a empresahavia crescidoàsombradegovernospopulistasenãoseadaptouànovarealidade.

Emjunhode1980,ogovernoJoãoBatistaFi-gueiredo interveio na Tupi, retirando as concessões.Cinco grupos semostraram interessados. Foram eles:1)HenryMaksoud,donodeumconglomeradoatuantetambémnaindústriaculturalcomarevistaVisão;2)ogrupoAbrildosetorderevistasdaAbril,commaisde40títulosecercade50porcentodatiragem;3)ogrupoJornaldoBrasil,quepossuiatambémemissorasderádio;4)oGrupoSilvioSantos,quejáatuavanatelevisão;e5)oGrupoBloch,queeditavaaManchete,fotonovelasseoutrasrevistas(ibidem,p.57).

CaparelliindicaqueogrupoAbrilfoipreteridoporqueexistiamoutrosconcorrentesmaisafinadoscomoregime,comoSilvioSantoseoGrupoBloch.AlémdossetecanaisdaTupi,foramincluídosoutrosdoisnoedital.OGrupoSilvioSantosficoucomquatrocanais

9OCasoTime-Lifedisponívelem:http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,5270-p-21890,00.html

e oGrupoBloch comos outros cinco. Formavam-se,assim,maisduasredesdetelevisão.SilvioSantosqueeraconcessionáriodoCanal 11doRiode Janeiro, aTVS,tambémpossuiaametadedaTVRecorddeSãoPaulo,ecomasnovoscanaisdistribuídosficoucomduasemisso-rasemcadacidade–oqueeraproibidoporlei.SegundoBolaño(2004),nofinalde1985,ogrupoJornaldoBrasilcompraapartedeSilvioSantosdaRecord.

Chegou-se aofinal do regimemilitar com143geradorasdetelevisão,enquantotrêsanosantesdogolpeeramapenas23(PIERANTI,2007).Nessamesmaépo-caforamcriadasasredesdetelevisão,quecomoaRedeGlobo,aTVBandeirantes,oSBT–SistemaBrasileirodeTelevisãoeaTVManchete10.Asemissorasacimaci-tadasestavamorganizadasemredesqueretransmitiamo conteúdo gerado nos centros produtores do Rio deJaneiroeSãoPauloparatodoopaís.

Redemocratização e radiodifusão

A partir do primeiro governo que sucedeu operíodoautoritário,tendocomopresidentedaRepúbli-ca José Sarney (1985-1990), percebe-se que no perío-do de transição para o estabelecimento da democracianão houve uma ruptura commodelo anterior na áreadacomunicação.ConformeLeonardoAvritzer(1995),ademocracianãopodeserentendidacomosimplesmen-te a ausência de autoritarismo, do estabelecimento deeleiçõeslivres-adoPresidentedaRepúblicatinhasidoindireta-edagarantiradedireitoscivis.Mesmocomaincorporação desses elementos na sociedade brasileira,nogovernodopresidenteSarneyasconcessõespúblicasda radiodifusão foram ostensivamente utilizadas comomoedapolítica.ConformeOthonJambeiro(2000),Sar-neynegociou418concessõesderádioetelevisãoparagarantiraaprovaçãopeloCongressoNacionaldoman-datode cinco anosparaPresidentedaRepública.Nototal,essegovernodistribuiu1028concessõesderádioeTV,númeroquerepresenta30%dasconcessõesou-torgadasdesde1922noBrasil.

O exemplo apresentado ratifica que a entradadopaísno regimedemocráticonão excluiu aspráticasanteriores,indoaoencontrodaanálisefeitaporAvritzerdademocratizaçãobrasileira.Paraoautor,operíododetransição apresenta como características a persistênciadocomportamentonãodemocráticodaselitespolíticasque continuaram utilizando estratégias patrimonialistasou corporativistas.Avritzer (2007, p.2) asserta que: “A

10Apósafalênciaaemissorafoivendida,etransformou-senaRedeTV.

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introduçãodepráticasdemocráticasconduz,namelhordashipóteses,àdisputaentreduasdiferentesculturaspo-líticas[democráticaeantidemocrática]”.Asaídadoregi-meautoritárionãorepresentaarupturacomaspráticasantidemocráticasdegoverno,podendoocorrerdisputasentreelasnonovosistemapolítico.

Emrelaçãoàcomunicação,percebe-seapersis-tênciadaspráticasantidemocráticas.AlémdogovernoSarney, umoutro exemplo emblemático para pensar oprocessoaquipropostoéodoex-presidentedaRepúbli-ca,FernandoHenriqueCardoso(1995-2002).Odiscursoduranteasuagestãoeradecolocarfimaousohistóricodasconcessõesparabeneficiaraliadospolíticos.Naquelaépoca,oministrodasComunicações,SérgioMotta,utili-zavacomoexemplonegativoogovernodeJoséSarney(1985-1990),que concedeuconcessõesde rádio e tele-visão para 91 parlamentares do Congresso Nacional,visandoficar cinco anosnomandatodePresidentedaRepública.

Apartirdeentão,asconcessõesparaasTVsco-merciaispassaramaserconcedidaspormeiodelicitação.Enquanto encerrava-seoperíododousodasoutorgasparabeneficiaraliadospolíticos,iniciava-seoutro.Agoraamoedadebarganhapolíticapassaramaserasconces-sõesdeTVsEducativas.Atéasegundametadedadécadade1990,as20geradorasestavamvinculasàsuniversi-dades públicas e governos estaduais e retransmitiam aprogramaçãodasTVEducativadoRiodeJaneiroedaTVCulturadeSãoPaulo.

O governo de Fernando Henrique Cardoso(1995-200)adotouamesmamedidaquehaviacriticadoemSarney.Antesdaaprovaçãodaemendaconstitucionalquegarantiriaasuareeleição,distribuiu1.848retransmis-sorasdetelevisão.Entreelas,asdeTVsEducativas.Paratornar essamodalidade deTV mais atrativa aos inte-ressespolíticos,asregrasforamflexibilizadas.Primeira-mente, foi autorizada a inserçãode15%deconteúdopróprio e veicular apoio institucional.No ano 2000, aflexibilidadeaumentou,eoscanaisforamautorizadosaoperarcomtotalidadedeconteúdolocal.Ressalta-sequemesmopodendogerartodooseuconteúdo,essascon-cessões continuaram a ser distribuídas sem licitação àsorganizaçõesnão-governamentaisesemfinslucrativos.Enquantoasregraseramrígidas,sendopossívelapenasretransmitiraprogramaçãodascabeças-de-rede,asTVsEducativas permaneceram vinculadas ao Estado pormeio,principalmente,dasuniversidadespúblicas.

Asalteraçõesacimarelatadasocorreramnaépo-cadareformagerencialdoEstadobrasileiro,efoimar-cada por privatizações e repasse de serviços que eram

prestadospeloEstadoparaorganizaçõesnão-governa-mentais.Apretensãodo governo reformadorde Fer-nandoHenriqueCardosoeradeixaroEstadomaisefi-cienteeaeconomiamaisestável,alémdepretensamenteaprofundarademocracia.Eessaampliaçãodademocra-cia se daria com a participaçãoda sociedade civil, tidacomoterceirosetor,ouseja,comorepassepeloEstadodealgunsserviçosparaseremexecutadospororganiza-ções não-governamentais (ONGs) – consideradas poressegovernocomomaiseficientesparaprestarserviçosnaáreasocialecientífica.

Na avaliação desse período, caracterizado pelaexacerbaçãodoneoliberalismo,MarcoAurélioNogueira(2005)reiteraquenosanos1990haviaumamovimenta-çãofavorávelàsubstituiçãodoEstadopela“sociedadecivil” na solução de diferentes problemas sociais. No-gueira (2005, p.86) questiona: “seria a ‘sociedade civil’(...),capazdegerarascondiçõesparaumconviverdigni-ficante,justoeigualitário?”

Setomadocomoobjetodeanáliseacomunica-ção,adesregulamentaçãodasnormasparaasemissoraseducativase,praticamente,aretiradadoEstadodopro-cessoeoseurepasseàsfundaçõesnão-governamentaise semfins lucrativos, pode-se afirmar queo setor nãoficoumaisdemocráticocomagestãodessasemissoraspororganizaçõesnão-governamentais.Éoqueapontaa pesquisa realizadapormim, Ivoneteda SilvaLopes(2010)11,sobreadistribuiçãodasconcessõeseducativasàsfundações.Percebeu-sequeaflexibilizaçãodasregrasprovocouacorridadediversosgrupospolíticos,empre-sariais e religiosos embuscadessasconcessões,oqueresultouna implantaçãodemaisde100geradorasemtodooBrasil.

Asituaçãoapontaparaanecessidade,conformaalertou AntonioGramsci (1999),dediferenciarentreosmovimentosouassociaçõesorgânicas,relativamentepermanentes,dosqueoautorcaracterizoucomomovi-mentosdeconjuntura.Essesseapresentamcomooca-sionaiseenvolviampequenosgruposdirigentesepesso-asresponsáveispelopoder.Ouseja,asTVsEducativas,na suamaioria, foramdistribuídas àsorganizaçõesqueforamcriadas instrumentalmentepararequererascon-cessões.Associaçõesquepodemserconsideradascomoespaçoparaafirmaçãodeinteressesegoístasecorporati-

vos,segundoNogueira:

11Discussão sobre omodelo de política de comunicação, especi-ficamente sobre a distribuição de concessões educativas na disser-taçãodisponívelonlineem:http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3789

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Asociedadecivilqueemergedessavi-são [neoliberal] é despolitizadora: nãose dispõe como um espaço de organi-zação de subjetividades, no qual podeocorrerelevaçãopolíticadosinteresseseconômico-corporativosou,emoutrostermos,a‘catarse’,apassagemdoplano‘egoístico-passional’paraoplano‘ético-político’(NOGUEIRA,2005,p.102).

Operfildosconcessionárioseducativosnãoco-laboraparaemancipaçãodasociedade,masretrataoin-teressedegruposcominteressesprivados.Dessaforma,ogoverno,aodescentralizaragestãodasTVEducativas,nãocorroborouparaaampliaçãodademocracia.Con-formeargumentaAngelaVieiraNeves,“nemsempreadescentralizaçãoacarretamaiordemocracia,poisnãoésemprequeoprocessodeprocessodepartilharopodereasdecisõespúblicascomapopulaçãochegaaosmuni-cípios”(NEVES,2008,p.13).

Avanços e recuos no cenário televisivo

Desdearedemocratização,acriaçãodaEmpre-saBrasildeComunicação(EBC),gestoradaTVBrasil,talvez tenha sidoumadasúnicasações implementadascompotencialparacontribuircomoprocessodedemo-cratização da comunicação.Contudo, a cultura políticaindicaumahibridez12,pormesclaraçõesquepodemserconsideradas importantes para a democratizar o setor,sem,noentanto,alterarainfraestruturaquemantémaconcentraçãomidiática.

Para sustentar a afirmação acima, basta citarqueaTVBrasilfoiconstituída,semnoentanto,regu-lamentaremleioqueseriaacomplementaridadeentrepúblico,privadoeestatal, presentenoArtigo223,docapítuloVdaConstituiçãoFederal. Aregulamentaçãopoderia indicarapossibilidadedeequilíbrionadivisãodasconcessões,quedesdeaorigemdatelevisãonoBrasilforamconcedidaspeloexecutivofederalaosetorpriva-do.Contudo,oreferidotextosugereumadivisãoentreestatalepúblicoprovavelmentenatentativadeevitaroque havia ocorrido no período autoritário, no qual asduasinstânciasestavamimbricadas.12O conceito de hibridação cultural é a forma como deNéstorGarciaCanclini(1997)buscaentenderasrelaçõessociaisnaAméricaLatina.Oautorasvêdeumaformamaiscomplexa,caracterizadasnamodernidadepelarupturadefronteirasrígidas,rejeitandoasimplifi-caçãodicotômicaentretradicionalemoderno,popularemassivo,lú-dicoeracional.Assim,aapropriaçãodetalnoçãopelaCiênciaPolíticadestacaqueaspráticasautoritáriasnãosãoexcludentesnoperíododemocrático,maspressupõeahibridizaçãonaculturapolíticavigenteimbricandocomponentesautoritárioscomdemocráticos.

O fato é que a complementaridade geradife-rentes interpretações.O texto “Sistemapúblicode co-municaçãonoBrasil:as conquistas e os desafios”, pro-duzidopeloObservatóriodoDireitoàComunicação13,apresenta alguns posicionamentos sobre essa questão.ParaValérioCruzBrittos(2009),omodelodeveriaseroutro,porque,segundoele,aseparaçãoentreopúblicoeoestatalacabaindicandoqueestatalnãoépúblico.“[...]quandooEstadoentraparaproverserviçospúblicosàpopulação,sejaparaasaúdeoueducação,nãodeixadesercaracterizadocomopúblico.Então,quandotemosacomunicaçãoestatal,emqualquerplano,elaénecessaria-mentepública”.Oautorsugerequeoidealépensarqueaexistênciadeumsistemaprivadoeumpúblico,po-dendoessesergeridopeloEstado,enãodivididoentrepúblicoeestatal.

OreferidoartigoéconsideradopeloprofessorMurilo César Ramos como uma saída que beneficiouprincipalmenteo segmentocomercial-privado,pois su-gereaexistênciadeumsistemaprivado.Eleexplicaquenãoexistesistemaprivadoderadiodifusão;oqueháéaconcessãopeloEstado,queautorizaroprivadoaex-plorarcomercialmenteoserviçopúblicodeTVerádio:“Esta suposta complementaridade acabou sendo umaarmadilha,porqueaparentaterumsistemaprivado[...].Advogandoaexistênciadosistemaprivado,osradiodi-fusorescomerciaisqueremamáximasegurançajurídicacomamáxima liberdadedemercado”(RAMOS,2009,p.12).

Ambos os argumentos são pertinentes para odebate sobre comunicação pública. Aqui, concorda-secomBrittosqueoestataldeveserpúblico,acrescentandoqueograndedesafiodademocratizaçãobrasileiraéexa-tamenteeste:tornarpúbliconosentidodesocializarasdecisõesestatais.EmrelaçãoaRamos,defatoaradiodi-fusãodeveriaserentendidacomopública,portanto,des-deasuagêneseelatemsidoconsiderada,erroneamente,comoprivadaenãocomoalgoquepertençaatodana-ção.Assim,oEstadocontribuipararatificaratelevisãocomo negócio privado ao deixar de criar mecanismosefetivosparagarantiraparticipaçãopopularetambémpornãoestabelecercritériosparaavaliaçãoperiódicadousodessasconcessõespelosetorcomercial.

Retornando à questão da complementaridade,emboranãoexistanotextoconstitucionalodetalhamen-toou,aposteriori,regulamentaçãodoartigodefinindoaexpressão,otermoindicaoequilíbrionaradiodifusãoentre osmeiosdecomunicaçãogeridospela iniciativa

13 Disponível em: www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com...task...

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privadaeosetorpúblicoounão-comercial.Sugeremu-dançanainfraestrutura,oquepoderiaferirosinteressesdosgruposhegemônicosdacomunicação.A exemplodaArgentina14, onde,depoisdemuitapolêmica envol-vendoogovernodapresidenteCristina KirchnereoGrupoClarín,foiaprovadopelosdeputados,emsetem-brode2009,oprojetodeLeideServiçosdeComunica-çãoAudiovisuais.Nelesepercebeavançosnosentidodademocratizaçãodamídia,garantindoadivisãodoespec-trorespectivamenteem33%paraosetorestatal,privadoesemfinslucrativos.

Acomplementaridadepoderiamudarocenáriomidiádicobrasileiro.Hoje,osdoisprincipaisgruposte-levisivos,GloboeRecord (essaamais antigaemissoradopaís,criadaem1953)expandiramsuaáreadeatuação.Segundooportaldainternet“DonosdaMídia”,àGloboestãovinculados35grupos regionais,quecontrolamototalde340veículosdecomunicação.Desuaproprieda-desãocincoemissorasdetelevisãonocanalaberto(Glo-boRiodeJaneiro,SãoPaulo,BeloHorizonte,BrasíliaeRecife).ÉdonadaGloboSat,amaiorprogramadoradeTVpagadaAméricaLatina.Possuihegemonianoseg-mentodaTVporassinatura(NET-cabo,Sky-satélite)com cerca de 80%domercado.Detém sete canais:GNT,Multishow,SportTV1e2,Viva,GloboNewseFutura.Alémdosetortelevisivo,aindaintegraogrupo:10emissorasderádio,daGloboFilmes,nomercadoedi-torialatuacom17revistasequatrojornais.Aindapossuiumagravadora,a SomLivre,eoportaldaInternet,oG1.

ÀRedeRecord,asegundamaiorredeemaudi-ência,estãoafiliados30grupos.Controladiretaouin-diretamente142veículosdecomunicação15.Natelevisãoaberta possui 18 emissoras próprias e 46 afiliadas; naTVporassinatura,aRecordNews,RecordInternacio-nal;duasrádios:RecordeAleluia,alémdaRecordEn-tretenimentoeRecordMobile,eoportaldainternetR7.Quatrojornais(CorreiodoPovo,FolhaUniversal,FolhaVitóriaeHojeemDia).

Se tomarmos como padrão de análise as duasprincipaisredesdetelevisão,aGlobo,com122emisso-ras (própriaseafiliadas),eaRecordcom60emissorasprópriaseafiliadas,asduasorganizaçõesdetêm43%das421geradorasdetelevisãoabertanoBrasil.Emrelaçãoàaudiência,asduasredesficaramem2009com39,2%nohorárionobre, entre18e24horas.Quantoao fa-14 Informações sobre o projeto disponível em:http://www.d i re i toacomunicacao.org.br/content .php?opt ion=com_content&task=view&id=481215Informaçõesdisponívelnosite“DonosdaMídia”http://donos-damidia.com.br/rede/21398

turamento,aRedeGlobodeteve44,4%eRedeRecord16,9%dototaldereceitasdosetorem2009(KIELING,2010).

Aconcentraçãodepropriedadedas indústriasinfocomunicacionais,sejapelapossedapossediretadasempresasporumumúnicogrupoeconômicoouatra-vésdasafiliações regionais, trazcomoconsequênciaaunificaçãodalinhaeditorialquereduzadiversidadein-formativa.MartínBecerraeGuillermoMastrini (2009)advertemque,nesses casos,dificilmenteos integrantesdamesma rede assumem posições divergentes.O quesignifica que as associações regionais estendem paratodoopaísalinhaeditorialditadapelosconglomeradoscentrais,noBrasillocalizadosprincipalmentenoRiodeJaneiroeSãoPaulo.

Nestesentido, BecerraeMastrini (2009,p.35)apontamoutroproblema:aconcentraçãogeográficadaproduçãodeconteúdos:“Esteimpactotambíendebilitaelespaciopúblicoyempobreceladisposicióndedistin-tasversionessobre lorealporpartede lasaudiencias/lectores, condenandoauna subrepresentaciónavastossectores que habitan el ‘interior’ de los países”. EsseaspectoécomumnoBrasil,eservecomoexemploasimagens apresentadas pela teledramaturgia são focadasprincipalmentenoRiodeJaneiroedifundidasparatodoopaís;alémdomodeloderedequeabrepoucoespaçoàsafiliadasparaaveiculaçãodeconteúdosgeradosnos

respectivosestados.

Considerações finais

A concentração dos meios de comunicaçãoem poucos grupos familiares/ empresariais e a faltademecanismosdeparticipaçãopopularnosetortalvezestejamentreosexemplosmaisexplícitosdacontradiçãodademocratizaçãodopaís.Desdeaformaçãodooli-gopóliodatelevisãoaberta,duranteoregimeditatorialmilitar(1964-1985),poucofoialterado,pelocontrário,osgruposhegemônicosformadosnaqueleperíodoex-pandiram seus negócios e tornaram-se conglomeradosmultimidiáticos.Assimcomotambémforammantidasasregrasqueregulamentamaradiodifusão(rádioetele-visãoaberta),quepermanecempraticamentesemelhan-tes,apesardaredemocratizaçãodasociedadebrasileiraterocorridohámaisdeduasdécadas.

Omarcoregulatório,estabelecidoem1962,pormeiodoCódigoBrasileirodeTelecomunicações(CBT),sofreualteraçõesduranteoregimemilitare,hoje,apesardedefasadoemrelaçãoàstransformaçõestecnológicasepolíticas,suamanutençãoédefendidapelosempresários

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dosetor, eosgovernospouco têmfeitopara alterar asituação.

Outroaspectocríticoéararaparticipaçãosocialnadefiniçãoegestãodaspolíticasdecomunicação,queconstituie-seemumgrandedesafioàsociedadebrasilei-ra.Embora reconheçamos a necessidade demudançasestruturaisnosetorparaqueeladefatosedemocratize,acriaçãodeumaredepúblicapodecontribuirparaesteprocesso. Conforme lembra Coutinho(2004, p.323)16 que a conquista de espaços democráticos contribuirápara o avanço da democratização. “É preciso lembrarsempre:umaefetivademocratizaçãodaculturanoBrasil,que transceda a alta cultura dos intelectuais e atinja asmassas,temcomopontodepartidaumademocratiza-çãodosmeiosdecomunicação”.

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Recebido:09/07/2012Aprovado:27/08/2013

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