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A Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas: qual sua natureza?
Autor: Bruna Rodrigues dos Santos*
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*Mestranda do Programa de Pós-graduação em História da UFRRJ e bolsista da
CAPES.
Resumo
O objetivo deste trabalho é compreender a natureza da obra do padre jesuíta João
Antônio Andreoni, problematizando o papel da escrita na Companhia de Jesus, através
da comparação com as obras dos padres João Felipe Bettendorf, Jorge Benci e Antônio
Vieira com o intuito de perceber os elementos que aproximam ou distinguem a obra de
Andreoni com a desses padres. Assim, busco entender se a escrita do padre Andreoni é
peculiar ou não a dos demais padres da Companhia de Jesus na América Portuguesa em
fins do século XVII e início do XVIII, analisando se a obra do religioso se enquadra
como crônica, como um tratado, como uma relação ou traz em sua configuração uma
mistura desses gêneros de escrita.
Palavras chaves: Companhia de Jesus, padre Andreoni, escrita e América Portuguesa.
3
Abstract
The objective of this work is to understand the nature of the work of the Jesuit
priest João Antônio Andreoni, questioning the role of writing in the Society of Jesus, by
comparison with the works of fathes João Felipe Bettendorf, Jorge Benci and Antonio
Vieira in order to understand the elements that approach or distinguish the work of
Andreoni with these priests. So, I try to understand if the writing of father Andreoni is
peculiar or not the other priests of the Society of Jesus in Portuguese America in the late
seventeenth and early eighteenth century, analyzing the work of religious falls as
chronic, as history, as a treaty, as a relationship or bring in your configuration a mixture
of these genres of writing.
Keys words: Society of Jesus, Father Andreoni, writing and Portuguese America.
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A Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas: qual sua natureza?
A escrita e a Companhia de Jesus
A escrita, segundo Michel de Certeau, é constituição de alteridade do mundo
ocidental e uma ferramenta de poder. Nesse sentido, a palavra escrita ocupa na
sociedade ocidental um lugar crucial. A escrita supõe a interpretação do mundo e do
outro. Ela pressupõe também um corpo de verdade. Um dos elementos da escrita, como
destacou Certeau, é a sua vinculação a um lugar de produção. (CERTEAU, 2002:189-
211).
Conforme Michel Foucault, a escrita é um tipo de discurso que está relacionada
às práticas de exclusão de outros discursos. O discurso está ligado a uma vontade de
verdade e essa está apoiada em suportes e aparatos institucionais. Ela exerce um poder
coercitivo sobre a sociedade. O discurso é, portanto, uma construção que está ligada ao
desejo de uma vontade de verdade e ao poder de efetivá-la como a verdade.
5
(FOUCAULT, 2002:18-20). Com base nessa reflexão pode-se compreender que a
escrita nos diversos momentos históricos foi um importante instrumento de legitimação
de poder e de construções de verdades para grupos sociais específicos.
A Companhia de Jesus desde a sua criação em 1539, trouxe o forte traço de
produção escrita, desde os famosos exercícios espirituais ao importante sistema de
comunicação epistolar. Os jesuítas possuíam no cerne de sua organização a escrita como
um de seus pilares.
Após a chegada à América portuguesa em 1549, os jesuítas produziram uma
imensidão de textos descrevendo a terra e os indígenas, principalmente sobre o
estabelecimento e o andamento das missões, um dos principais assuntos de cartas,
relações e crônicas. As cartas que versam sobre as missões têm sido as principais fontes
utilizadas pelos os historiadores. No entanto, a produção escrita dos inacianos não se
resume apenas a isso, pois com o crescimento da Companhia de Jesus nas regiões da
América Portuguesa, aumentaram as preocupações com outros assuntos, como os da
administração dos bens da ordem e assuntos sociais recorrentes na colônia.
A produção escrita da Companhia de Jesus na América Portuguesa é ampla,
revelando a escrita não apenas de cartas, mas também de relações, documentos
administrativos, sermões, poemas, panegíricos entre outros textos. O século XVII
trouxe uma série de escritores jesuítas na América Portuguesa que exercerem inúmeros
cargos administrativos e representativos na mais alta hierarquia da Ordem. Eles
desempenhavam funções como: reitores, provinciais, secretários, consultores,
visitadores, conselheiros de autoridades, mediadores nos conflitos internos e externos da
Companhia, escritores de cartas para a comunicação na estrutura da ordem, além da
preocupação com as missões. Ainda assim, os jesuítas destinavam tempo e esforços
para escreverem e organizarem textos com a intenção de publicá-los.
Esse foi o caso do padre João Antônio Andreoni. Nascido em Luca, na Toscana
em 1649. Após estudar direito civil na Universidade da Perúsia, ingressou na
Companhia de Jesus em Roma, em 1667. Convidado pelo padre Antônio Vieira chegou
6
à América Portuguesa em 1681. Após trinta e cinco anos de serviço à Ordem, faleceu
em Salvador em 13 de março de 1716.
Desde sua chegada, o padre Andreoni desempenhou os cargos de professor de
retórica, mestre dos noviços, secretário, visitador geral do padre Antônio Vieira em
1689. Em 1693, exerceu também postos administrativos vedados por decretos reais aos
estrangeiros, como o cargo de reitor e de provincial.
Nesse mesmo ano, Andreoni participou do grupo de religiosos que defenderam a
permanência do Colégio dos jesuítas em São Paulo e o emprego dos indígenas pelos
colonos da vila. A posição do religioso e dos outros padres divergia da defendida pelo
padre Antônio Vieira que foi a favor da liberdade dos indígenas.1 Entre 1698 e 1709,
Andreoni foi novamente reitor do Real Colégio da Bahia. Nos anos de 1706 e 1709
assumiu a função de Provincial, visitando as missões dos tapuias do Rio Grande do
Norte e do Ceará.
Entre os textos produzidos por Andreoni, constam cartas entre outros escritos
como a tradução da Synagoga Desenganada e o panegírico do Acerbispo da Bahia. Em
1711, foi publicada em Lisboa uma obra de sua autoria intitulada Cultura e Opulência
do Brasil por suas drogas e minas. Na ocasião, o padre Andreoni utilizou o
pseudônimo, André João Antonil. (CANABRAVA, 1967:9-112)
O objetivo deste trabalho é compreender qual a natureza da obra do padre jesuíta
João Antônio Andreoni, problematizando o papel da escrita na Companhia de Jesus,
através da comparação com as obras dos padres João Felipe Bettendorf e Jorge Benci e
Antônio Vieira com o intuito de perceber os elementos que aproximam ou distinguem a
obra de Andreoni com a desses padres. Assim, busco entender se a escrita do padre
Andreoni é peculiar ou não a dos demais padres da Companhia de Jesus na América
Portuguesa em fins do século XVII e início do XVIII, analisando se a obra do religioso
1 Embora, tenham existido divergências entre o padre Antônio Vieira e o padre João Antônio Andreoni sobre a questão da escravidão indígena em São Paulo, os argumentos do padre Antônio Vieira e do padre Andreoni a respeito das minas de ambos são parecidos.
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se enquadra como crônica, como um tratado, como uma relação ou traz em sua
configuração uma mistura desses gêneros de escrita.
Cultura e Opulência: uma crônica?
O período compreendido, entre finais do século XVII e início do século XVIII, é
um momento de intensa escrita dos padres da Companhia de Jesus na América
Portuguesa. Não somente na epistolografia que é uma característica fundamental da
escrita da Ordem, mas principalmente no que tange a escrita de obras com o intuito de
publicá-las. Temos como principais exemplos: a Crônica da Companhia de Jesus do
padre Simão de Vasconcelos, vários Sermões do padre Antônio Vieira, a Crônica da
missão dos padres da companhia de Jesus no Estado do Maranhão do padre João
Felipe Bettendorf, a Economia Cristã do padre Jorge Benci, bem como a Cultura e
Opulência do Brasil por suas drogas e minas do padre João Antônio Andreoni.
Discutir, portanto, a natureza da obra de Andreoni nos aponta como a obra de
Andreoni foi construída e configurada. Qual seria a natureza de Cultura e do Brasil?
Quais elementos de escrita a obra de Andreoni pode conter relacionado-a com a
produção escrita da Companhia de Jesus? Andreoni é normalmente classificado como
um cronista, mas de fato sua obra é uma crônica? Será preciso classificá-lo em um
gênero preciso?
Um trabalho que analisa as crônicas é o de Pascale Girard.2 A autora investiga a
escrita dos religiosos na China Moderna por meio da análise comparada dos diversos
textos de religiosos pertencentes às Ordens religiosas como dominicanos, jesuítas e
franciscanos. Uma das análises refere-se às crônicas que para a autora são proto-
2 GIRARD, Pascale. Os religiosos ocidentais na China na época moderna. Ensaio de análise
textual comparada. Paris: Ecole dês Hautes. Estudes em Sciences Sociales. Tese de doutorado em História e civilizações, 1966 – CTMCP, Fundação Macau, Instituto politécnico de Macau. Macau: 1999.
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histórias que têm como objetivo narrar sobre as missões e se diferenciam das chamadas
“relações” e “histórias”.
A diferenciação se dá pela análise da narrativa. De acordo a historiadora, as
crônicas no período moderno relatavam os acontecimentos da missão desde o inicio até
a data próxima da publicação da obra, enquanto uma “relação” apontava somente uma
experiência pontual da missão, como uma expedição a uma região ou um dado
momento de um acontecimento memorável. Em contrapartida, a crônica se diferenciava
da “história” porque o narrador encontra-se imerso na realidade que descreve, ou seja,
se apresentava como testemunha. Na “história”, porém, o narrador não precisava estar
necessariamente no lugar da narração. A crônica seria, portanto, uma informação, um
gênero narrativo que narra o que se passou em uma província, nas missões. (GIRARD,
1999:75)
Sabemos que a análise de Girard, é específica ao oriente, mas ela nos fornece
elementos interessantes para pensarmos igualmente os escritos na América Portuguesa.
A autora aponta algumas características das crônicas: 1) A autorização; 2) A dedicação
a personagens conhecidas, como o rei, o geral, os santos; 3) Os autores, que são
pessoas de autoridades e que desempenham muitas funções, podendo não ser próximos
às missões; 3) A construção intelectual da crônica, elas não apenas reproduzem
documentos ou informações, mas passam pela construção intelectual feita pelo autor; 4)
A edificação, as crônicas adquirem sentido enquanto narrativas edificantes para leitores
e autores. Os cronistas tem uma missão moral. A edificação dá sentido à história; 5) Os
leitores e o prefácio, pois quando o livro é impresso é porque recebeu opiniões
favoráveis. O prefácio pode conter diversos tipos de públicos ou não. Ele pode revelar
ainda as estratégias missionárias ou destacar elementos como a modéstia do autor, o
objetivo dele de esclarecer e instruir, bem como as qualidades morais, espirituais e
estilísticas do texto; 6) Os destinatários que são uma forma de identificar para quem se
dirigem os textos; 7) O milagre, o papel da intervenção divina na história; 8) O Índice
que é elemento atrativo e de organização das crônicas para o leitor. Conforme destacou
Pascale, crônicas são volumosas obras impressas. (GIRARD, 1999:69-88)
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Vejamos as obras Crônicas da missão dos padres da Companhia de Jesus no
Estado do Maranhão do padre João Felipe e Economia Cristã do padre Jorge Benci.3
Em Crônicas da missão dos padres da Companhia de Jesus no Estado do
Maranhão, podemos encontrar os seguintes elementos: 1) A dedicatória à Virgem
Maria; 2) O discurso edificante, mostrando quem foram os primeiros missionários do
Maranhão e o quanto fizeram para a conversão dos indígenas; 3) Uma diligência ao
leitor, que esclarece que o autor escreveu sua obra por conta própria, que ajuntou no
texto sobre o governo espiritual e temporal do Maranhão; 4) O testemunho, que viu com
os seus próprios olhos o que escreveu e quando não contou com as informações dos
antigos; 5) E por último sobre a Humildade: o autor aponta não ser digno de escrever.
(BETTENDORF, 2010:26)
A obra do padre Bettendorff aborda desde a fundação do Maranhão até fatos
internos da Companhia de Jesus nessa missão4. Ela foi escrita em dez livros divididos,
entre treze a vinte e três capítulos devido a sua forma e temporalidade. Sem dúvida, a
obra de Bettendorff configura-se como uma crônica, pois dá valor aos acontecimentos,
narrando o que se passou nas missões de forma edificante.
Economia Cristã além dos elementos da licença e da aprovação conta com uma
dedicatória ao leitor que insiste na leitura dos discursos morais presentes na obra5. Essa
3 BENCI, Jorge. Economia cristã dos senhores no governo dos escravos (1707). São Paulo: Editorial Grijalbo, 1977). BETTENDORF, João Felipe. Crônica da missão dos padres da companhia de
Jesus no Estado do Maranhão. Brasília: Senado Federal, 2010. V. 115.
4 O padre João Felipe Bettendorff nasceu em Luxemburgo e entrou para a Companhia de Jesus em 1645. Em 1661 chegou ao Maranhão para servir nas missões por ordem do Geral da Companhia. Exerceu vários cargos enquanto catequizador na Amazônia, no Pará e principalmente no Maranhão, onde foi reitor do colégio do Maranhão. No que diz respeito à questão indígena no Maranhão, divergiu do padre Antônio Vieira, pois tentou balancear os conflitos entre colonos e jesuítas sobre a administração dos nativos, enquanto o padre Antônio Vieira defendia a não escravização dos índios pelos colonos. Sabe-se que escreveu sua obra até 1698, ano de sua morte. Cf.: LEITE, Serafim S. J. História da Companhia de Jesus
no Brasil (1938-1950). Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2006. 10 Tomos. Tomo VIII, pp. 98-100.
5 O padre Jorge Benci nasceu em Rimini região da atual Itália. Entrou na Companhia de Jesus no ano 1665 em Bolonha. Em 1683 fez sua profissão solene dos votos no Rio de Janeiro, mesmo ano que Andreoni professou seus votos na Bahia. Na Bahia assumiu os cargos de professor de Humanidades e de Teologia, visitador local e secretário do Provincial, cargo sob o qual, esteve em São Paulo para tratar da questão da administração dos índios, participando do grupo dos padres que aprovaram a administração
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dedicatória também traz a noção de humildade, ao dizer que o estilo de escrita não é tão
culto. Assim, Benci humildemente se desculpa e diz ter um olhar de um missionário
estrangeiro. Por último, a obra de Benci conta com uma introdução aos discursos,
refletindo a acerca da questão da relação do senhor com o escravo tendo em
consideração os textos bíblicos. A obra de Benci se aproxima muito mais de um
discurso moral do que de uma crônica, já que não trata das missões diretamente e o
texto se organiza em discursos e não em acontecimentos. (BENCI, 1977:39-52)
E no que diz respeito à Cultura e Opulência? Quais elementos a aproximam de
uma crônica? Vejamos a obra em sua configuração e composição original e o que ela
pode ter ou não de uma crônica.
Na capa de Cultura e Opulência, o autor afirma que tratará de “várias notícias
curiosas do modo de fazer o Açúcar, de plantar e beneficiar o Tabaco, tirar Ouro das
Minas e descobrir as da Prata” e também “dos grandes emolumentos, que a conquista da
América Meridional dava ao Reino de Portugal com esses e outros gêneros e contratos
reais”. Cultura e Opulência foi oferecida aos que desejavam “ver glorificado nos
altares, o venerável Padre José de Anchieta, sacerdote da Companhia de Jesus,
missionário apostólico e novo taumaturgo do Brasil”. (ANTONIL, 2007:66)
A prática de apresentar o leitor sobre o assunto que tratará a obra pode ser vista
como uma aproximação de uma crônica. Lembremos, no entanto, que o texto de
Andreoni, da mesma forma que o texto de Benci, não está dirigida às missões, ao
contrário da obra de Bettendorf. Em contrapartida, em Economia Cristã, Benci se
intitula um missionário estrangeiro e Cultura e Opulência, apresenta o oferecimento à
canonização do padre Anchieta, um dos símbolos das missões jesuíticas na América
dos indígenas pelos colonos. Publicou em Roma no ano de 1705 a obra A Economia Cristã Dos Senhores
no Governo dos Escravos, inspirada no capítulo trinta e seis do livro do Eclesiástico. Sua obra é dividida em quatro discursos morais sobre como deve ser feito o bom governo dos escravos. Ela foi oferecida pelo Padre Antônio Maria Bonucci ao Duque da Toscana. Anos antes, em 1700 essa obra foi oferecida na Bahia ao arcebispo do Bahia, D. João Franco de Oliveira. Cf.: LEITE, Serafim S. J. História da
Companhia de Jesus no Brasil (1938-1950). Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 10 Tomos, 2006. Tomo VIII, p. 95.
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Portuguesa. Logo, de certa forma as missões também estão presentes nos textos de
Benci e Andreoni.
Além disso, a obra de Andreoni foi destinada “Aos senhores de engenhos e
lavradores do açúcar e do tabaco, e aos que se ocupam em tirar ouro das minas do
estado do Brasil”. (ANTONIL, 2007:69) que nos parece mais um manual ou tratado do
que uma crônica. Contudo, o simples fato de destinar a tipos de leitores, pode remeter a
características de uma crônica.
É interessante destacar que o proêmio introdutor de Cultura e Opulência Brasil
foi destinado à fabricação do açúcar. Nele, Andreoni aponta a sua estadia no engenho
de açúcar Sergipe do Conde antes de escrever o seu livro, apontando à importância do
açúcar e dos altos custos de sua confecção. Assim, o jesuíta sugeriu escrever um
manual agrícola com notícias práticas para quem desejasse administrar um engenho:
E porque algum dia folguei de ver (...) o engenho Sergipe do
Conde, movido de louvável curiosidade, procurei no espaço de oito ou dez
dias que aí estive, tomar notícia de tudo o que fazia o tão celebrado, e quase
rei dos engenhos reais. E valendo-me das informações que me de quem o
administrou mais de trinta anos com conhecida inteligência, e com
acrescentamento igual à indústria e da experiência de um famoso mestre de
açúcar que cinquenta anos se ocupou nesse ofício com venturoso sucesso, e
dos mais oficiais de nome, aos quais miudamente perguntei o que a cada
qual pertencia, me resolvi a deixar neste borrão tudo aquilo que na limitação
do tempo sobredito apressadamente, mas com atenção, ajuntei e estendi com
o mesmo estilo e modo de falar claro e chão que se usa nos engenhos; para
que os que não sabem o que custa a doçura do açúcar a quem o lavra, o
conheçam e sintam a dar por ele o preço que vale; e quem de novo entrar na
administração de algum engenho, tenha estas notícias práticas, dirigidas a
obrar com acerto (...) E, para maior clareza e ordem, reparti em vários
capítulos tudo o que pertence a esta droga e a quem por ela e nela trabalha;
começando, depois de relatar as obrigações de cada qual, (...). E se alguém
quiser saber o autor deste curioso e útil trabalho, ele é um amigo do bem
público, chamado O Anônimo Toscano. (ANTONIL, 2007:73)
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Como justificativa para a elaboração do relato, o religioso utilizou: a
curiosidade. Foi a partir dela, que o jesuíta tomou notícias da organização do engenho
Sergipe do Conde para escrevê-las no papel. Para isso, o religioso contou com os
auxílios de quem o administrou, com a experiência do mestre de açúcar e com a ajuda
dos outros oficiais. O relato de Andreoni é pautado pelos elementos do olhar, da
presença, da experiência, da organização, da clareza, do testemunho, da verdade,
atributos próprios de crônicas.
A verdade é na escrita jesuítica um componente crucial. Na carta sobre a morte
do padre Antônio Viera, Andreoni destaca o quanto é importante que sejam postam “as
coisas em sua verdadeira luz” (ANDREONI, 1987:147-160). Em outra carta, em maio
de 1699, relatando a morte do padre José Suarez, amigo do padre Antônio Vieira,
Andreoni diz que as coisas relativas à morte do padre Suarez, deveriam “ficar escritas
para testemunho da verdade e para o louvor de Deus”, (ANDREONI, 1987:11-13) como
também, em Cultura e Opulência do Brasil na qual Andreoni evoca no proêmio a
verdade através do seu testemunho e do testemunho das experiências de outras pessoas.
No proêmio, Andreoni afirmou ainda que escreveu um manual prático sobre o
açúcar. Destacou ser o autor de um “curioso e útil trabalho” e amigo do bem público,
assinando como o “anônimo toscano”. O pseudônimo dele André João Antonil foi
marcado apenas na capa da publicação da obra, não constando no proêmio.6
A proposta de escrita de um manual e a assinatura do texto como anônimo
podem ser vistos como dados que afastam a obra de Andreoni de uma proximidade com
a natureza da crônica. Entretanto, a obra do jesuíta contou também com três aprovações
para correr e à publicação: as licenças do Santo Ofício, a do Paço e a do Ordinário.
Todas concedidas entre novembro de 1710 e janeiro de 1711.
6 Serafim Leite e Andrée Mansuy não se manifestaram quanto o motivo de Andreoni ter escolhido um pseudônimo. Temos a hipótese de que provavelmente Andreoni escolheu o pseudônimo para que a sua obra fosse publicada em Lisboa, pois ele era um padre estrangeiro no Brasil. Outro jesuíta também da região da atual Itália publicou a sua obra em Roma, o padre Jorge Benci. Cf.: LEITE, Serafim S. J. História da Companhia de Jesus no Brasil (1938-1950). Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2006. Tomo V, pp. 94- 121.
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Por fim, a Cultura e Opulência do Brasil foi dividida em quatro partes: 1) “Na
lavra do açúcar Engenho Real moente e corrente”; 2) “Na lavra do tabaco”; 3) “Pelas
minas de ouro” 4) “Pela abundancia do gado e courama e outros contratos reais que se
rematam nesta conquista”.(ANTONIL, 2007:68)
De tal modo, em resumo alguns pontos podem ser destacados no que tange a
aproximação da obra de Andreoni com o gênero narrativo das crônicas. Em primeiro
lugar, o oferecimento de Cultura e Opulência do Brasil ao padre José de Anchieta. Em
segundo, o proêmio que destaca a clareza e a ordem do texto, a presença do autor como
testemunha à verdade dos fatos e a utilização de outras testemunhas bem como um
discurso edificante no qual busca ensinar o valor da atividade do açúcar e como fazê-la
com sucesso.
Em terceiro lugar, ao dirigir-se aos senhores de engenho, aos lavradores do
tabaco e aos que tiram o ouro, o jesuíta buscou ensinar como deveriam ser lidas com
cada atividade tendo em vista a moralidade e o bem público. Isso se aproxima mais de
um manual do que de uma crônica, no entanto, o ensinar também traz em si o elemento
da edificação, uma característica básica da crônica.
E último, as licenças, o índice, o volume da obra, a conclusão e toda a sua
construção intelectual, que remete a reunião e organização de informações, aproximam
Cultura e Opulência do Brasil de uma crônica.
No que diz respeito à configuração da obra de Andreoni, vemos o quanto sua
estrutura é curiosa e pode se afastar também da natureza das crônicas. Como destacou
Andrée Mansuy, as partes da obra de Andreoni foram compostas em momentos
diferentes. Entre 1693 e 1698, ele escreveu Cultura e Opulência do Brasil na lavra do
açúcar que é dividida em três livros, contando cada um deles com doze capítulos, o que
soma trinta e seis capítulos.
As partes da obra que tratam da lavra do tabaco, das minas, do gado, assim como
o capítulo conclusivo que expõe os demais contratos reais, foram compostas
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provavelmente entre 1707 e 1709, poucos anos antes da publicação da obra. A parte do
tabaco contém apenas doze capítulos, não se dividindo em livros. A parte relativa às
minas apresenta dezessete capítulos e constitui a maior depois da dirigida à lavra do
açúcar. A parte referente ao gado e suas couramas, apresentam apenas seis capítulos.
Essas partes podem contar não somente com as informações do autor, mas também com
a colaboração de informações de outras pessoas e de documentos que o religioso teve
acesso. (SILVA, 2007:49-50)
O primeiro livro do açúcar trata da organização social do engenho e da soberania
do senhor sobre ele. Ele conta com, conforme destacou Rafael Marquese, a presença da
concepção tomista medieval. Essa concepção enxerga o mundo como uma ordem
universal. Através da metáfora do corpo humano que se liga a ordem social e política,
nessa visão prevalece a hierarquia social. Os outros livros referem-se da escolha da cana
a ida do açúcar para Portugal. Na organização desse texto pode-se perceber, a herança
dos escritos clássicos de Xenofonte e de Aristóteles sobre a oikonomia e dos agrônomos
romanos, além do livro de Olivier de Serres, Tréâtre d’ agriculture et mesnage dês
champs de início do século XVII. (MARQUESE, 2004:57)
Dessa forma, Marquese definiu o texto do açúcar de Andreoni como um tratado
agrícola. Cultura e Opulência na lavra do tabaco seguiu a linha da parte do açúcar no
que tange ser um tratado agrícola.
Andrée Mansuy tendo em vista o proêmio da obra assinalou que as tradições de
escrita dos prefácios tinham o objetivo de apresentar o leitor à obra. No entanto, isso
não aconteceu em Cultura e Opulência que apresentou um proêmio destinado
claramente ao texto do açúcar. Logo, a historiadora, levantou a hipótese de que o livro
do açúcar tenha sido escrito de forma autônoma das outras partes da obra.
Baseando-se na ideia expressada por Andreoni, sobre “o açúcar e o tabaco como
as verdadeiras minas do Brasil”, Mansuy salienta que ela é chave para se entender por
que o jesuíta resolveu completar o tratado do açúcar. Segundo a historiadora, Andreoni
denunciou as terríveis consequências das descobertas do ouro: o aumento dos preços
15
dos escravos, de diversos gêneros, a ruína dos engenhos de açúcar e bem como da lavra
do tabaco. Somando a esses fatores internos, havia a crise no âmbito internacional tendo
como ensejo à concorrência do açúcar antilhano. (SILVA, 2007:48)
Em Cultura e Opulência do Brasil pelas minas de ouro, Andreoni seguiu a
mesma linha argumentativa presente no Sermão de 1656 do Padre Antônio Vieira na
Matriz da Cidade de Belém, sobre os descobrimentos das minas nessa região7. Vieira
apontou o descobrimento das minas como um problema para a ordem social da colônia.
Andreoni também argumenta que o lugar das minas é um espaço da cobiça, da “sede do
ouro”, bem como da mistura de pessoas de condições distintas, o que confunde toda a
hierarquia social. Além disso, há a questão da falta de organização no que tange ao
governo temporal e a ausência do pagamento de tributo à Coroa e a questão do castigo
divino que devido a todo desregramento moral ali presente poderia chegar.8 Isso
aproxima o texto de Andreoni do sermão do padre Vieira, mas ao mesmo tempo evoca
uma característica básica da crônica: a edificação.
Pautado em Alcir Pécora, João Adolfo Hansen, define os sermões de Antônio
Vieira como um teatro político-retórico e teológico centrado pelas noções de
providência na história, pela razão divina e pela sacralidade do corpo político, a
7 O padre Antonio Vieira nasceu em Lisboa no ano de 1608, passou sua infância e juventude na Bahia, lá se formou jesuíta e iniciou sua carreira de orador sacro, missionário e político.Vieira acompanhou as tentativas frustradas das conquistas holandesas na Bahia entre 1624 e 1625, e a tomada de Pernambuco em 1630. Segundo Ronaldo Vainfas, o jesuíta escreveu relatórios e cartas sobre as vitórias portuguesas, além de ter pregado sermões a favor da resistência. O jesuíta passou ainda, uma temporada no reino, como conselheiro e diplomata de d. João IV. Após sua volta à América Portuguesa, viveu oito anos no Maranhão e no Grão Pará, entre 1653 e 1661, defendendo a liberdade dos índios “contra as ambições escravagistas dos colonos”. Envolveu-se ainda em um processo inquisitorial por falar de um “Quinto Império”. Em 1681 chegou à Bahia acompanhado de um jovem religioso, João Antônio Andreoni. Recomendou ainda a repressão do quilombo de Palmares em 1691. Reprovou também as reformas administrativas em São Paulo, no ano de 1695 que, segundo sua interpretação, favoreciam a escravização dos indígenas. Morreu na Bahia em 1697. O jesuíta escreveu inúmeras cartas e sermões, construiu temas como o Sebastianismo e o Quinto Império. Cf.: CANABRAVA, Alice P. “João António Andreoni e sua obra” In: ANDREONI, João António (André João Antonil). Cultura e opulência do
Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1967; PÉCORA, Alcir. “A exegese do capital”. Luso-Brazilian
Review, 40/1, 2003, pp. 59-65 e VAINFAS, Ronaldo. Antônio Vieira – jesuíta do Rei. São Paulo: Cia. das Letras, 2011. 8 ANDREONI, João Antônio. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1967, pp. 263-264, 275 e 303.
16
sacralização da figura do Rei9. Tanto os sermões, como outros tipos de escritos dos
jesuítas ibéricos e italianos na América Portuguesa apresentam, conforme Hansen, essas
noções. Segundo Hansen o objetivo dos sermões do padre Antônio Vieira é produzir:
“imagens de ações boas e palavras boas dispondo-as segundo a ordem a verdade eterna
e necessária”, eles propagam “a utilidade com prazer e com persuasão”, “historicamente
o sermão: é forma oral destinada à “leitura” de uma audição rememorante da Causa,
guiada pela prudência”. (HANSEN, 2008:15-16;23)
Os sermões de Vieira sobre a descoberta das minas no Maranhão em fins do
século XVII e o texto de Andreoni sobre o descobrimento das minas no sertão de São
Paulo no início do século XVIII dialogam. Ambos os autores buscaram construir uma
representação da agricultura como um fruto da terra digno e das minas como um falso
brilhante. Interpretando o mundo a partir da luz da razão natural conforme a providência
divina, os religiosos erigiram um programa de reforma moral e política que visou à
ordem social da América Portuguesa e a valorização do corpo político.10
Tanto Vieira quanto Andreoni defenderam em seus textos o papel da agricultura,
em especial, da economia do açúcar que era de suma importância para a manutenção
das atividades da Ordem e da aristocracia colonial.
Conforme Francisco de Andrade, o objetivo da obra de Andreoni foi defender a
aristocracia do açúcar. Dessa forma, Andreoni buscou ensinar o bom uso de cada
atividade para o bem público, legitimando a hierarquia delas.
9 VIEIRA, Antônio. Sermão da primeira oitava de páscoa, de padre António Vieira. Sermão do padre António Vieira. Literatura Brasileira, Textos literários no meio; _______Sermões. São Paulo: Hedra, 2001.
10 ANDRADE, Francisco Eduardo de. A invenção das Minas Gerais: Empresas, descobrimentos e
entradas nos sertões do ouro da América Portuguesa. Belo Horizonte, PUC Minas: Editora Autêntica, 2008. “Os frutos da terra das minas e os direitos do Rei”. Rio de Janeiro: Revista IHGB, Rio de Janeiro: 166 (426): 255-269, jan./mar.2005.
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Ele conferiu a colonização e à política de Estado no Brasil à
capacidade de conduzir moralmente legítimo a ambiência natural e social,
ou seja, as formas econômicas sociais. A subordinação política e econômica
das Minas e dos novos habitantes às necessidades da açucarocracia é , o que
ele sugeriu, valendo-se das formas tradicionais de representação das minas
(dos metais preciosos) e da condição dos seus exploradores. Antonil
(Andreoni) reproduz o que a Câmara de Salvador e os governadores gerais
costumavam afirmar na primeira década do século XVIII: a fabricação do
açúcar e do tabaco “eram as verdadeiras minas do Brasil e de Portugal”
(ANDRADE, 2006:178).
Podemos compreender, portanto, que o jesuíta teve um projeto inicial de
escrever uma obra sobre o açúcar. Dois anos depois, o jesuíta resolveu completar a obra
Cultura e Opulência do Brasil na lavra do açúcar, com os outros livros que deram
origem a Cultura e Opulência do Brasil: por suas drogas e minas.
Essa obra foi configurada hierarquicamente, pois as duas primeiras partes de
Cultura e Opulência do Brasil tratam da agricultura, dos “frutos da terra”, logo após
vem às minas e para terminar a pecuária seguida dos outros contratos reais que, como
foi destacado, são resumidos pelo jesuíta de forma hierárquica ocupando o açúcar o
primeiro lugar, seguida das minas e dos outros produtos. Andreoni buscou chamar a
atenção aos senhores de engenho, lavradores de cana e de tabaco e também aos
mineradores para como deveriam agir diante da exploração de suas atividades. (SILVA,
2007:50)
A Cultura e Opulência do Brasil: um todo
Para concluir, voltemos aos últimos capítulos da obra de Andreoni, inseridos na
quarta parte: a Cultura e Opulência do Brasil pela abundância do gado e outros
contratos reias. O capítulo V resumiu tudo o que seguiu do Brasil para Portugal,
dividido por partes. Segundo o jesuíta, o açúcar ocupou o primeiro lugar, pois seu valor
lucrativo foi considerado o maior, seguido das outras atividades.
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É importante destacar que esse capítulo traz o sentido de unidade que Andreoni
almejou dar a sua obra. Ao resumir o que ele apontou ao longo do texto, o jesuíta
mostrou que as partes compostas para a obra são todas essenciais. Ele valorizou todas as
atividades, ainda que descritas hierarquicamente.
No “Capítulo Último”, uma espécie de conclusão da obra, o jesuíta destaca o
“Quanto é justo que se favoreça o Brasil, por ser de tanta utilidade ao reino de
Portugal”. (ANTONIL, 2007:302) Nele, o jesuíta mostrou estar atento às discussões
políticas de sua época, nas quais ele também participava como representante de sua
Ordem. Ele defendeu, portanto, os favores que os morados da América Portuguesa
reivindicavam a Coroa e como no proêmio a ideia de bem público. Ao construir uma
conclusão para o seu texto, Andreoni buscou legitimar a sua obra, como uma criação
que expõe as suas ideias.
O lugar de produção da escrita de Cultura e Opulência do Brasil por suas
drogas e minas é a Companhia de Jesus. Em uma carta ao geral, na qual Andreoni
informa a morte do padre Antônio Vieira em julho de 1697, Andreoni define as letras
como sagrada. E ao relatar ao geral os onze sermões escritos e publicados do padre
Antônio Vieira, lamentando a sua morte antes da publicação do duodécimo, Andreoni
mostra o quanto à questão da escrita, da autoria e da publicação de obras eram cruciais
para os jesuítas.
A obra de Andreoni pode ser pensada como um tipo de discurso que está ligado
a uma ordem discursiva religiosa, a Companhia de Jesus, uma instituição que apresenta
aparatos de poder na sociedade colonial. A escrita é, sem dúvida, uma forma de
desempenhar o poder. O texto de Andreoni não foi construído univocamente, mas
adquiriu um sentido de unidade de escritos e discursos, a partir da autoridade do autor
que deu a ela um sentido de unificação e legitimidade.
Apesar da construção de Cultura e Opulência do Brasil ter sido feita em anos
diferentes eles estão inseridos em um mesmo contexto: O da crise do açúcar e das
descobertas das minas. O da posição central que a América portuguesa assumiu dentro
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do Império Português, em fins do século XVII e início do XVIII e da Companhia de
Jesus como uma ordem proeminente e repleta de bens na colônia, dependente
principalmente da economia do açúcar.
Como apontamos a obra de Andreoni dialoga com a produção escrita da
Companhia de Jesus na América Portuguesa, que no século XVII, intensificou a
confecção e publicação de obras. Entretanto, refletir a natureza da obra do jesuíta e da
sua construção, nos leva a compreender que Cultura e Opulência do Brasil trata-se de
um texto muito específico, que apresenta elementos de crônicas, dos sermões e dos
tratados.
Diferentemente da obra de Bettendorff que aborda a missão no Maranhão,
valorizando os acontecimentos de acordo com a temporalidade, o texto de Andreoni não
valoriza a temporalidade em seus escritos, tal como o texto de Benci. O padre Jorge
Benci não descreve em sua obra, regiões geográficas específicas, como no texto de
Bettendorff. Contudo, Andreoni demarca essas regiões em toda a sua obra.
Todos esses jesuítas se apresentam como testemunhas oculares daquilo que
relataram prezando pela verdade. Eles também destacaram escrever seus textos com a
maior clareza possível. E todos eles têm uma forma de narrativa que preza pela
moralidade em seus assuntos específicos.
No que tange a comparação, do sermão do padre Antonio Vieira com a obra de
Andreoni, o texto do segundo segue a mesma linha argumentativa de Vieira, embora
Cultura e Opulência não seja um sermão. Porém, da mesma forma que Vieira, o texto
de Andreoni, segundo Andrade, faz parte da tópica moralista e política do século XVII
que considera o lugar das minas como um espaço que as pessoas são regidas pela
cobiça, de desordem moral e política. (ANDRADE, 2006:178)
Tanto na concepção do padre Andreoni quanto na do padre Antônio Vieira,
permanecem, a noção destacada por Alcir Pécora, da sacralização da figura do Rei.
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Nesse sentido, ambos religiosos enfatizam a importância da ordem social, de uma razão
de Estado, pois o rei assume a forma sagrada da República. (HANSEN, 2008:15-16)
Portanto, é por este motivo que Andreoni destaca em seu tratado sobre as minas,
o direito do Rei de receber os impostos dos metais precisos descobertos. Tal como em
Vieira, em Andreoni, a Ordem da Razão divina persiste na história e é isso que deveria
efetuar a harmonia entre as ordens. As minas aparecem como um mundo de desordem
porque lá o jogo das hierarquias estava abalado. Acrescentando a isso, permanece a
defesa de ambos religiosos ao importante papel que a agricultura tem à manutenção da
colônia e da Companhia de Jesus.
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descobrimentos e entradas nos sertões do ouro da América Portuguesa. Belo
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