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EM BOA FORMA: A PERCEPO DO CORPO FEMININOP g i n a | 11
CSOnlineRevista Eletrnica de Cincias Sociais, ano 3, ed. 6, jan./abr. 2009
EM BOA FORMA: A PERCEPO DO CORPO FEMININO
Brbara Nascimento DuarteUniversidade Federal de Juiz de Fora
Mestranda em Cincias Sociaisbarbara.duarte@ufjf.edu.br
Resumo
Na contemporaneidade o corpo se tornou objeto de frequente reflexo antropolgica epesquisa, j que ele o primeiro e mais natural instrumento do homem e um valor
cultural que classifica, integra e exclui os indivduos da sociedade. Assim sendo, estetrabalho se prope a desenvolver uma linha de reflexo sobre os discursos femininosreferentes percepo corporal veiculados na revista feminina Boa Forma. Pondera-sesobre como os dilemas femininos refletem o Mito de Beleza, que apregoa um evangelhoque suporta um sistema de crenas e representaes poderoso. Dessa forma, pensar ocorpo feminino permite refletir como a cultura e o imaginrio social desvendamvariados sentidos, destacando o corpo no somente um capital fsico, mas simblico,econmico e social.
Palavras-chave: Corpo, Mito da beleza, Boa Forma
INTRODUO
O corpo est presente em todos os lugares: dos discursos nos meios de
comunicao arte. Em vrios momentos a temtica se concentra em torno dele, pois
uma forma de se registrar a marca do imaginrio das sociedades, traar e moldar um
processo identitrio. Assim como a cultura, o corpo tambm passa por diversas
transformaes que representam um momento particular de determinada sociedade.Particularmente o corpo feminino no sculo XV e VXI era farto, os seis grandes
e ancas largas, sinal de fertilidade. Os corpos gordos tinham sua beleza to admirada
que eram retratados em quadros e ilustraes. No sculo XIX, as mulheres tornaram-se
extremamente sedutoras e o corpo curvilneo passou a ser valorizado em detrimento dos
corpos gordos. Marilyn Monroe foi marca da sexualidade feminina e tornou-se smbolo
de desejo e consumo em sua poca. Posteriormente, as formas mignonsse avolumaram,
contudo, a cintura de pilo manteve-se intacta. Lesley Hornby, atriz e cantora britnica
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cone dos anos 60, tinha o corpo
valorizado pela poca, que era smbolo
de elegncia e poder- o corpo magro,
padro de beleza extremamente jovem e
magro. No Brasil, o corpo violo seguiu
a tendncia e deu lugar ao corpo tbua.
Como reflexo da busca da igualdade
dos sexos, surgiu a super mulher que
era poderosa com seus cabelos longos,
arrumados e as ombreiras dos casacos
gigantes. Buscando o padro corporal,as mulheres adotaram as intervenes
cirrgicas, os tratamentos estticos e as
dietas milagrosas.
No sculo XX e XXI o que era
oculto passou a ser publicamente
exibido. Prega-se nessa era a
conformidade com um padro estticochamado boa forma. A magreza, que
no passado lembrava doena, ainda
mais valorizada e a gordura
representada como excesso e acmulo.
Em nossa sociedade hoje se valoriza a
esbeltez, enquanto no passado as
rechonchudas eram objeto de desejo. Oformato ideal do corpo feminino estaria
se tornando tubular, substituindo o
formato violo (Queiroz, 2000, p.44).
Surgiu ento a idolatria pelo corpo
perfeito, uma forma de exibir como a
natureza foi subjugada pela cultura.
Nesse contexto, esse trabalho se
prope a considerar o corpo como
prtica discursiva visando compreender
conceitualmente e empiricamente como
o corpo um valor capaz de integrar o
indivduo na sociedade, o destacando
dos demais. Vale lembrar que aps um
milnio de puritanismo o corpo
redescoberto e se torna objeto de
salvao, a primeira condio para se
encontrar a felicidade. Nos dizeres deMirian Goldenberg Com que corpo eu
vou?.
UMA SOCIOLOGIA DO CORPO
A sociologia do corpo prope a
corporeidade humana considerando-ano como um aspecto somente natural,
mas tambm social e cultural, uma vez
que se acredita ser possvel, atravs
dele, possvel compreender as lgicas
sociais e culturais que regem uma
sociedade, j que ele nasce com e
propaga significado. Mais alm, emissor e receptor de significados e faz
do mundo a medida de sua experincia,
inserindo-se em espaos sociais e
culturais dados (Le Breton, 2002).
Por mais evidente que se
conceba a noo de corpo, vale dizer
que no h nada mais difcil que
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entranhar em seu significado o corpo
parece ser algo evidente, mas,
finalmente, no h nada menos difcil
de penetrar que ele (ibid, p. 27). Uma
vez que sua representao fruto de
representaes sociais,
consequentemente, para compreend-lo
necessrio ir mais alm, penetrando
nas estruturas da sociedade, decifrando
as normas que a regem, pois o corpo
uma falsa evidncia: no um dadoevidente, mas sim efeito de uma
elaborao social e cultural (ibid.,
p.28).
O corpo uma realidade que
pode se modificar de sociedade para
sociedade j que os signos que o
definem variam, e em consequnciatambm os ritos que se relacionam a ele.
No obstante, uma estrutura simblica
capaz de traduzir o imaginrio social e
assume nas sociedades individualistas o
limite das relaes ao se inserir numa
trama de sentidos.
CORPO- SISTEMA DESIGNIFICAES
O corpo um sistema de
significao cuja relevncia possibilita
encontrar qualquer crena, costume e os
elementos de significados que leva o
esprito do homem a dar sentido a vida
social, mesmo em domnios onde
aparentemente no h qualquer sentido.
Do mesmo modo, o estudo das
prticas corporais se justifica,
sobretudo, desde a escola sociolgica de
Durkheim e Mauss, donde surgiu o
texto As Tcnicas Corporais (Mauss,
2003), no qual o autor discute sobre o
primeiro meio tcnico do homem de se
relacionar com a natureza: seu prprio
corpo, entendendo por essa palavra as
maneiras como os homens, sociedade
por sociedade e de maneira tradicional,
souberam servir-se de seus corpos
(ibid.p.211). O corpo dessa forma
pensado como ferramenta,
instrumento, meio e tcnica criadas pela
cultura para se alcanar objetivosexteriores e passveis de transmisso. O
pesquisador ao avaliar os dados de sua
pesquisa no tem uma atitude
totalmente neutra e objetiva, mas h um
esforo em se aproximar dessa
objetividade e neutralidade.
Lvi- Strauss props que ocomportamento humano e suas relaes
sociais so constituintes de uma
linguagem. Para ele, h uma estrutura
no inconsciente humano que no tem
como finalidade controlar a natureza ou
os eventos, mas que visa determinar e
sistematizar. A cultura consiste na
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resultante dessa atividade humana que
garante a existncia do grupo enquanto
grupo ao substituir o aleatrio pelo
organizado. Essa organizao
entendida por ele como uma atribuio
de sentidos, fundamentando-se num
conjunto de normas que d finalidade
ao, que estipula, institui e
convenciona valores e significaes que
permitem que os indivduos e grupos se
comuniquem acerca de um objetocomum (ibid.). Assim sendo concebida,
a sociedade no ento uma coisa,
porm, sobretudo, uma construo do
pensamento provida de sentido e
significao.
Como a cultura o que distingue
as sociedades e orienta ocomportamento durante a vida social, os
indivduos se comportam de acordo
com suas exigncias mesmo
inconscientemente, devido aos
comportamentos que so introjetados,
ou melhor, aprendidos e assimilados
atravs da socializao. Ressaltandoque todo comportamento humano est
inserido na cultura, pois ela um
sistema de representaes que
estabelece os contrastes que so
necessrios para a constituio do
sentido que damos ao mundo e s
relaes sociais, e esta por sua vez s
existe em oposio natureza, conceito
com seu sentido construdo
culturalmente. Acercando-nos dessa
conceituao, possvel colocar em
discusso o corpo como smbolo, como
construo cultural, tendo em vista que
as sociedades se manifestam
diferentemente atravs dele e cada
indivduo portador dessas
especificidades culturais
A cultura ordena o universo pormeio da organizao de regras sobre a
natureza, logo, no podemos pensar o
corpo como puramente biolgico, uma
vez que atravs dele que o indivduo
transcende os determinismos biolgicos
e torna-se efetivamente humano, j que
o homem deve sua humanidade formacomo a sociedade treinou seus sentidos,
determinando como deve ser sua
relao com os outros, legitimando-o,
logo, como homem.
No reservatrio do imaginrio
social, denominado corpo, esto
inseridas todas as representaes queidentificam o ator e seu vnculo social
com o entorno. Atravs dessa relao a
corporeidade se molda por ser uma
matria simblica e objeto da
construo da sociedade e das
transformaes culturais. Por
conseguinte, o corpo um meio de
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anlise privilegiado para se colocar em
evidncia fatos sociais e compreender
determinados fenmenos
contemporneos, j que um objeto
concreto carregado de novas prticas e
discursos sociais. O corpo e a aparncia
o espelho do social, sobre isso pode se
afirmar que,
Trata-se de signosdisseminados da aparnciaque facilmente podemconverter-se em ndicesdispostos para orientar oolhar do outro ou paraclassific-lo, sem que elequeira, debaixo de umadeterminada etiqueta moralou social (...). Esta prtica daaparncia se transforma emum desafio social, em ummeio deliberado para difundir
informaes sobre umamesma pessoa. (Le Breton,2002, p.82).
No Brasil o corpo sempre foi
objeto de constante preocupao.
Gilberto Freire, com um tom de crtica,
esclareceu como a moda brasileira
feminina sofreu com a re-europeizao,momento no qual os brasileiros
voltaram a importar os padres
europeus tanto de comportamento
quando de moda.
Mas nas duas ltimas dcadas
(Goldenberg, 2007a) esse desejo de
imitar ganhou muito mais foras no
Brasil. A mulher brasileira natural,
diga-se miscigenada, com corpo
equilibrado de contrastes, com beleza
diversificada, abre espao para um novo
modelo de corpo, criando novos ideais
de beleza como Vera Fischer, Xuxa e
Gisele Bndchen, cones imitados pelas
brasileiras. Firmado em Mauss
afirmamos que atravs da imitao
prestigiosa tanto a criana, como o
adulto, imita atos que obtiveram xito eque ela viu serem bem sucedidos em
pessoas em quem confia e que tem
autoridade sobre ela (2003, p.215). Ou
seja, por meio da imitao prestigiosa
tanto o corpo vai sendo culturalmente
formado como a forma de lidar com ele.
Consequentemente, determinadosatributos vo sendo abandonados para
que novos tomem seu lugar, pois os
indivduos iro sempre imitar
Comportamentos e corposque obtiveram xito e quetem prestgio em sua cultura.No caso brasileiro, as
mulheres imitveis, asmulheres de prestgio, so,atualmente, as modelos,atrizes, cantoras eapresentadoras de televiso,todas elas tendo o corpocomo seu principal capital,ou uma de suas maisimportantes riquezas.(Goldenberg, 2007a, p.23).
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A noo de corpo como capital
foi suscitada por Michelle Pags-Delon
(Le Breton, 2002) que define as
aparncias pessoais como uma espcie
de capital-aparncia, cujos recursos
devem ser muito bem administrados a
fim de se obter o maior rendimento e,
portanto, deve ser objeto de
preocupao constante. Goldenberg
(2007a) desenvolve mais esse conceito
no caso brasileiro, considerando o corpode fato como uma riqueza tanto nas
camadas mdias e nas pobres, como um
instrumento que permite a ascenso
social, a insero no mercado de
trabalho, de casamento e sexual, sua
centralidade naturalmente evidente.
De acordo com Goldenberg(2007a) no Brasil assiste-se uma
crescente glorificao do corpo e uma
nova moral- a da boa forma. O que
antes deveria ser escondido agora
passvel de ser exibido, reafirmando o
perodo do afrouxamento moral que se
vive atualmente, nunca presenciadoantes. Surge a essa nova moral, com
novos signos que pregam a liberdade e
exigncia de que todos se enquadrem no
novo padro esttico. O indivduo deve
aprender a controlar no somente seus
instintos, desejos, pulses tanto quanto
sua aparncia fsica, e cada dia mais
estimulado tanto por meio de jornais,
revistas e televiso que exibem
cotidianamente corpos perfeitos que
atingem o imaginrio social.
Ao ir banca de jornal, o
indivduo nem precisa procurar revistas
especializadas em esttica para ser
atingido pela mensagem da boa forma
e corpo perfeito. Basta, simplesmente,
olhar ao seu redor e ver inmeros
exemplares quem contm textos comoemagrea e conquiste seu marido de
volta, conquiste o corpo dos seus
sonhos, dicas baratas para emagrecer
sem muito esforo, emagrea e seja
feliz, alm de uma diversidade de
orientaes para se aprender a
disciplinar o corpo a fim de manter aeterna juventude, ideal criado e
recriado principalmente no Brasil.
No o bastante, h as revistas
masculinas com imagens de corpos
femininos expostos que exibem corpos
seminus desejados sexualmente pelos
homens e esteticamente pelas mulheres.De acordo com o maquiador Kak
Moraes, que j montou vrias capas da
revista masculina difusora do padro de
beleza das coelhinhas da Playboy,
as mulheres que posam para aPlayboy,
hoje, so mais paranicas com o fsico
do que em qualquer outra poca.
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Querem saber o que o computador pode
retocar, se o nariz vai sair daquele jeito,
tm crise de choroi. Vive-se um
contexto em que a beleza no mais
fruto da obra divina e natural, sim
conseqncia do esforo individual e da
autodisciplina. De tal modo, cada
indivduo responsvel ou
irresponsvel por se enquadrar ou no
nos padres, pelo sucesso ou fracasso
do seu corpo.Do mesmo modo o conceito de
decente e indecente tambm varia na
atualidade. Como o vesturio tornou-se
um acessrio na sociedade brasileira,
nada mais faz que ressaltar o corpo
feminino e descobri-lo. O corpo nu,
que anteriormente no deveria serexposto, poder expor-se sem
escandalizar se estiver dentro das
normas de beleza vigentes, no sendo
indecente para quem est de acordo com
o ideal exibir determinadas partes do
corpo, pois se acredita que a roupa deve
estar condizente com a forma fsica. Asituao inversa verdade. Quem no
est de acordo com os atuais padres
vigentes de beleza e boa forma deve
esconder seu corpo ou se valer de
artifcios para no ressaltar o que tido
como excesso. Noutras palavras, no
qualquer corpo nu que tem liberdade de
expresso sem ser julgado indecente,
mas somente aqueles que conseguiram,
sob muito esforo e sacrifcio, se
enquadrar nos padres sociais do belo
(Goldenberg, 2007b).
Finalmente, os indivduos
constroem suas identidades atravs de
suas permanentes escolhas e sofrem
coeres que possibilitam a construo
de estilos de vida atravs da
incorporao de tendncias, autorizandoo contraponto da comunicao entre o
indivduo e a coletividade,
possibilitando que eles se identifiquem
e que continuem singulares.
MITIFICANDO A BELEZA
Aps um longo perodo de
silncio e opresso, as mulheres
derrubaram as crenas antigas e at
ento respeitadas quanto ao seu papel
social, lutando pela conquista de seus
direitos legais, buscando uma educao
formal, tornando-se prsperas e,sobretudo, mulheres liberais.
Mas ser que a liberdade
conquistada por essas mulheres de
fato real? Talvez elas no sejam to
livres quanto gostariam de ser, e a
sensao de falta de liberdade tem a ver
com questes que efetivamente no
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deveriam ser to importantes. Estas
esto geralmente relacionadas
aparncia fsica que as muitas mulheres
sentem vergonha de admitir serem
relevantes para suas vidas.
No passado, quanto mais
numerosos se tornavam os obstculos
legais e materiais vencidos pelas
mulheres, mais rgido se tornava o
padro de beleza imposto a elas.
medida que elas abriam brechas naestrutura de poder, havia a ascenso de
novos distrbios e prticas relacionados
com alimentao, e a cirurgia plstica
esttica tornou-se uma grande
especialidade e tendncia entre as
mulheres, at mesmo jovens
adolescentes.Naomi Wolf (1992) define o
mito da beleza como a verso
moderna de um reflexo social, uma
reao ao feminismo que tem se
utilizado de imagens de beleza como
instrumento poltico contra o avano
das mulheres. Assim, a ideologiafeminina da beleza possui o poder de
control-las, exercendo a influncia de
outros mitos antigos como da
domesticidade, passividade e
maternidade. Alm disso, os novos
direitos adquiridos atravs do controle
da reproduo do mulher ocidental
uma nova viso e forma de lidar com o
prprio corpo.
Afirmamos que a qualidade
beleza universal, contudo, os padres
de beleza no. E mais, para eles
continuarem a existir necessria a
existncia de mulheres que desejem
encarn-los. Os homens, por sua vez,
buscam as mulheres belas e frgeis, pois
essas seriam as que tm maior sucesso
na reproduo, baseado no sistema daseleo sexual. Mas,
Nada disso verdade. Abeleza um sistemamonetrio semelhante aopadro ouro. Como qualquersistema, ele determinadopela poltica e, na eramoderna, no mundo
ocidental, consiste ltimo emelhor conjunto de crenas amanter intacto o domniomasculino. (Wolf, 1992, p.15)
Afinal, em que se baseia o mito
da beleza proposto pela autora? Ele no
tem relao com as mulheres, mas com
o poder institucional dos homens. O que
uma determinada poca considera como
belo, desejvel so os smbolos do
comportamento feminino aceitvel e
que buscado nesse perodo, pois o
mito da beleza determina o
comportamento, no a aparncia (ibid.
p.17). No obstante, a identidade
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feminina deve ser baseada em sua
beleza colocando as mulheres num
patamar vulnervel devido
dependncia da aprovao e do olhar
externo.
O mito da beleza, em sua nova
verso, sustenta uma frequente
comparao com um ideal fsico
amplamente difundido. Assim, como
vrias fices fundamentais a
feminilidade foram desfeitas, o controlesocial teve de ser reescrito e reforado
substancialmente. Desta forma, vrias
restries foram impostas ao corpo e
rosto feminino, e o tempo que antes era
dedicado s atividades domsticas e
familiares, ao domnio privado, foi
tomado pela preocupao com a beleza.Esse mito, que se alastra em ritmo
epidmico, to forte quanto qualquer
outro relativo feminilidade que j
existiu at hoje.
O MITO DA BELEZA NASREVISTAS FEMININAS
Devido submerso feminina e
ao seu isolamento do mundo, as
mulheres dependem mais do que os
homens dos modelos culturais que esto
sua disposio. Consequentemente
tendem a ser mais influenciadas por
estes, porquanto por terem poucos
modelos a imitar no mundo real, as
mulheres os procura nas telas e revistas
femininas (Wolf, 1992, p.76). Dessa
forma, muitas mulheres reagem diante
das imagens ideais como se essas
fossem um mandamento inquestionvel,
pois elas adquiriram, sobretudo nos dias
atuais, uma importncia obsessiva e um
objetivo a ser alcanado por cada
mulher.
As revistas femininasconcentram sua ateno nos esforos
pela beleza e no nas atividades
domsticas, sendo assim, so
transmissoras dos aspectos mais
essncias do mito, participantes desde a
liberao feminina e colaboradoras de
sua evoluo. Com a maior expanso daalfabetizao, crescimento do poder
aquisitivo e os grandes investimentos de
capital houve o avano das revistas
femininas, que gerou a democratizao
da beleza (Wolf, 1992).
Contudo, a mulher de classe
mdia posto que abandonava seu papelde dona de casa- e consumidora de
produtos para o lar- se envolvia com
questes da esfera pblica e aos poucos
perdiam o interesse pelas revistas
femininas que at ento retratava a
mulher ainda ligada s atividades
domsticas. Qual seria a razo para a
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mulher liberada ler revistas femininas
que no refletiam mais to diretamente
sua condio social? Foi assim que
entre os anos 60 e 80, sobretudo na
Europa, houve uma forte queda no
nmero de exemplares voltados ao
pblico feminino. Eram as mudanas
sociais impactando a mdia. No
obstante, ainda no final dos anos 60,
com a revoluo no mundo da moda
que minimizou os padres da altacostura e introduziu um estilo para
todos, o conhecimento tradicional que
era proporcionado pelas revistas perdeu
sua total importncia, pois o papel
domstico da mulher evaporava-se.
Naquele momento, s restava o corpo.
Com novo foco, em 1969, arevista Vogue lanou o visual nu, que
propunha liberar as mulheres das
antigas restries da moda alm de um
novo relacionamento com seu prprio
corpo. Essa revoluo feminina deu um
gancho para a cultura da substituio
que passou a tratar o corpo da mulhercomo um novo problema, gerando um
dilema existencial feminino com os
cuidados corporais estticos. Em vista
disso, as revistas especializadas
comearam a tratar artigos relacionados
dieta, usando a aparncia feminina
contra as prprias mulheres. Essas
novas revistas - com tom otimista,
estimulante, individualizante- tentam
conscientizar as leitoras a estarem em
sua melhor forma, atravs dos artigos
publicados sobre regimes, cuidados com
a pele, cirurgias estticas, que vendem o
que o dinheiro pode comprar, a fim de
manter o mito vivo e eficaz.
EM BOA FORMA
O culto ao corpo se apresenta
contemporaneamente como uma forma
de consumo medida que atende
necessidade mercadolgica consumista
e, ao mesmo tempo, permite que o
corpo seja um meio atravs do qual o
indivduo transmite um estiloconstrudo, e mediado, principalmente,
pela mdia. Trata-se, podemos dizer, de
uma moda que coage, impe padres,
normas, mas que paradoxalmente, abre
espao para o gosto particular no qual o
indivduo tenta mostrar sua
singularidade medida que se apropriae reelabora esses ditames (Espm, 2004).
Como os indivduos, medida
que buscam construir suas identidades,
estabelecem distines sociais, logo,
nossa discusso deve caminhar
clssica temtica da relao entre
indivduo e sociedade. Nesse sentido,
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busca-se compreender como os
cuidados com a forma e a apresentao
do corpo so estratgias de distino, e
(re) definem as identidades no emprio
de estilos complexos que o mundo
contemporneo oferece. Para tanto, o
presente trabalho buscou numa mdia,
cujo espao aberto ao
compartilhamento de opinies
femininas sobre esttica corporal, os
discursos sobre o corpo encontradosdesde o editorial s matrias e opinies
expressas por suas leitoras.
Assim sendo, foram
selecionados alguns discursos editoriais
da revista Boa Forma e falas de algumas
leitoras inseridas nas revistas que
compreendem o perodo de janeiro ajulho de dois mil e nove. A opo por
essa revista se deu em razo de ser
totalmente direcionada ao pblico
feminino, cujo prprio nome reflete o
tipo de orientao que possui, focando
numa srie de dicas sobre nutrio,
tratamentos estticos, moda e beleza.Atravs de um canal direto de
comunicao com seu pblico, expressa
as opinies enviadas e se prope a
incentivar suas leitoras a cuidar e
conquistar o corpo to desejado. De tal
modo, esse material se constitui como
um bom objeto de anlise, uma forma
de se penetrar nas estruturas do
imaginrio coletivo feminino sobre a
relevncia que um corpo percebido
como belo na contemporaneidade
possui, inserindo e excluindo a mulher
dos grupos sociais, gerando
consequncias comportamentais e
emocionais.
Mas por que as mulheres
contemporneas se preocupariam tanto
com o que essas revistas dizem?Porque, possivelmente, embora
banalizadas por alguns, elas
representam, em uma limitada
dimenso, a cultura orientada para a
mulher. Elas retratam as mudanas da
sua prpria realidade, so escritas por
mulheres e para mulheres, so umespao onde suas preocupaes e
dilemas dirios so considerados
relevantes e onde as mulheres no se
vem como rivais, mas tem condies
de compartilhar seus sentimentos e
preocupaes comuns. Enfim, as
revistas femininas so uma forma dasmulheres se sentirem pertencentes a um
mesmo grupo. E no somente, elas
tambm propem modelos femininos a
serem copiados, pois, em sua maioria,
utilizam mulheres smbolos de sucesso.
Em sequncia, a revista Boa
Forma de publicao mensal e seu
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pblico alvo consiste em mulheres que
desejam ter uma vida mais saudvel
atravs da prtica de exerccios e
regimes alimentares, tematizando a
esttica na linguagem da malhao, do
fitness, e acena para a possibilidade de
um corpo condicionado fisicamente e
bonito. A observao dessa publicao
revela a maneira como o culto ao corpo
se coloca e se dissemina na sociedade,
pois a economia contempornea
depende neste exato momento da
representao das mulheres dentro dos
limites do mito da beleza (Wolf, 1992,
p. 22) tendo em vista que elas so
consumidoras indispensveis ao
progresso da solidariedade industrial.
Atravs de estratgias decomunicabilidade (Martn-Barbero,
1997), isto , estratgias de interao,
percebe-se como o primeiro impacto do
leitor com a revista importante. Cada
detalhe, cada ttulo, imagem, estilo, cor,
tudo que pode atrair visualmente o
leitor, cuidadosamente bemposicionado. H marcas na estrutura do
formato, estratgias de comercializao
usadas para vender o produto ou
vender a idia. O nmero de
informaes deve ser limitado, bem
posicionado e as cores utilizadas devem
evitar os excessos, proporcionando a
aparncia de limpeza, tornando o
material publicitrio mais atraente a um
primeiro olhar. Quanto aos ttulos, as
chamadas se limitam alimentao e
resultados que podem ser conquistados
atravs do fitness: Barriga sequinha,
desenhada e sexyii; Magra aos 20,
30,40; Desafio da noiva: menos 10
Kg em trs meses; Menos 5 kg e 20
dias; Bala que emagrece e Banana
emagrece: 3 kg em 10 dias.
Das capas ao contedo das
matrias principais, as mulheres
escolhidas so reconhecidas
nacionalmente por trabalhos na mdia
(atrizes, cantoras e modelos) e so
referncias de mulheres que
conseguiram chegar a um padro debeleza corporal e que, portanto, devem
revelar seus segredos estticos, de
forma que a leitora se sinta inspirada a
caminhar na mesma direo. Em tais
matrias, as famosas se colocam como
mulheres que tambm se esforaram
para conquistar o corpo perfeito, e,sobretudo, venceram a luta contra a
balana, so smbolos de sucesso e
devem ser imitadas por razo de seu
esforo e determinao, que
proporcionaram sucesso graas ao corpo
magro, jovem e belo. Como disse
Mauss precisamente nessa noo de
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prestgio da pessoa que torna o ato
ordenado, autorizado e provado, em
relao ao indivduo imitador, e que se
encontra todo o elemento social (2003,
p.215). Todas essas mulheres de
prestgio na mdia possuem seu corpo
como principal capital, ou seja, uma de
suas mais importantes riquezas.
Mas a autodisciplina e fora de
vontade no vm por acaso, ao
contrrio, as revistas so teis, naopinio das leitoras, pois incentivam as
mulheres a se lanar nas mais diversas
opes de tratamentos estticos,
modismos de dietas, conselhos e
programas que estimulam a leitora a se
empenhar em prol de seu objetivo que
pode ser emagrecer, redefinir a barrigapara o vero, definir a musculatura
corporal, porquanto para atingir a
forma ideal e expor o corpo sem
constrangimentos (...) o autocontrole da
aparncia fsica cada vez mais
estimulado (Goldenberg, 2007b, p. 27)
considerando que devido a mais novamoral, a da boa forma, a exposio do
corpo, em nossos dias, no exige do
indivduo apenas o controle de suas
prprias pulses, mas tambm o (auto)
controle de sua aparncia fsica (ibid,
p.25).
A revista afirma que mulher
deve ser sua prpria fada madrinha,
porquanto ficar magra s depende de
mim. Porm ser magra ou gorda uma
questo de escolha e no um presente
ou um castigo divino. E no adianta
esperar que a vida ou algum se
encarregue de arrumar tempo para voc
malhar e uma plula de
autodeterminao para que voc consiga
abrir mo daquele sorvete. A tarefa,amiga, sua. Depende de voc. O
corpo se insere num contexto que sua
beleza no simplesmente resultado de
uma criao divina, mas sim, fruto da
autodisciplina, fora de vontade e
autocontrole. As mulheres vivenciam o
drama no qual, nos dizeres de Wolf, abeleza o paraso ou um estado de
graa; a pele ou a contagem de clulas
adiposas a alma; a feira o inferno
(1992, p.128).
Entretanto, e se a mulher opta
por no estar nos padres vigentes por
essa moral? Sofreria ela conseqnciadiretamente ou simplesmente no se
incomodaria com seu excesso de peso?
As leitoras afirmam que hoje eu tenho
um bom emprego e estou com o
casamento marcado para o ano que
vem. Acho que nada disso teria
acontecido se eu no tivesse
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emagrecido. Muitas reconhecem o
fardo da gentica sobre seu prprio
corpo j que Nunca fui magrinha (...)
[mas] Depois do casamento cheguei aos
76 quilos. Lembro que ele me falava
que se eu atingisse os 70 quilos, me
largaria. Outra se lamenta j que em
um determinado perodo de sua vida
Comecei a engordar (...) e o pior que
virei motivo de piada da minha famlia.
Sempre que digo que vou emagrecer,todos do risada. O slogan Fat is
beautiful, Ugly is beautiful j foi
reivindicado por uma minoria e que
seja,
mas quem os assumerealmente? Quem acredita
neles? (...) Quando se v aamplitude da fobia deengordar, o sucesso crescentedos produtos cosmticos, dastcnicas e regimes deemagrecimento: a paixo deser bela acaba sendo a coisamais partilhada. (Lipovetsky,2004, p.136)
possvel se ter acesso estrutura de uma sociedade atravs da
anlise da representao social do
corpo, considerando que toda a
sociedade elege, de forma distinta,
determinados atributos que decidem
como o homem deve ser em todos os
aspectos. Consequentemente, no corpo
se inscreve todos os valores da
sociedade, pois atravs dele que se d
o primeiro contato do indivduo com o
meio que o cerca. No obstante, ele
transporta, comunica e reafirma a
cultura (Rodrigues, 1983). Ressalta-se
como a aparncia corporal possui
demasiada importncia j que vale
como uma apresentao moral. Por
meio dela possvel dizer ao outro
como voc deseja que ele o perceba viaum sistema de classificao implcito
que livra o corpo de toda inocncia,
tornando-o um objeto de salvao ou
condenao. Assim, valendo-se da
gerao de um sentimento de
insatisfao corporal, as sociedades so
capazes de levar seus integrantes atmesmo morte, diga-se, morte
simblica, j que consegue lhes incutir a
perda da vontade de viver, deprimi-los,
incutir-lhes a ideia de condenao,
marginaliz-los socialmente, tirar-lhes
pontos de referncia tanto intelectual
quanto simblico, diluindo suaintegridade social (Rodrigues, 1983),
pois no compartilham um mesmo
ideal, At parei de ir praia para no
ter que vestir biquni; T gordinha,
hein! Fiquei arrasada e jurei para mim
mesma que daria um jeito nisso (...)
renasci quando emagreci.
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Mais alm, atravs do processo
de socializao e educao o
aprendizado corporal permear o
comportamento dos indivduos por toda
sua vida, orientando quanto s tcnicas
de cuidado at a forma de perceber sua
insero na sociedade. As
manifestaes sociais corporais no so
irrelevantes, ao contrrio, elas incluem
ou excluem o indivduo de uma
comunidade social. atravs do corpoque o indivduo tem contato com o
mundo, uma forma de se encarnar a
humanidade, individualidade, e
estabelecer fronteiras de forma a
distinguir o indivduo dos demais,
porm paradoxalmente, aproxim-los de
um grupo social.Portanto, a busca do corpo ideal
funciona aos adeptos desse culto como
uma forma de no morrer
simbolicamente e socialmente, S dos
19 aos 22 anos consegui me enxergar
dentro de um padro (...). triste,
desesperador. Noto que estou voltando poca em que no tinha vontade de
viver, por me achar feia, gorda e
indigna de conviver com as pessoas.
Naturalmente, todo esforo passa a ser
legitimado em busca de se enquadrar e
se identificar com o padro ideal
exigido (Goldenberg, 2007b). E assim,
de um lado o bem, do outro o mal, estes
so transformados em magreza e
gordura, e vivem em constante luta pela
alma feminina (Wolf, 1992).
No obstante, a
desqualificao do corpo natural
sugere em contrapartida que
independente da forma possvel
realizar modificaes atravs de uma
srie de procedimentos estticos
preparados especificamente paracorrigir imperfeies (nessa lista se
inclui os excessos e as faltas) atravs de
modernssimas intervenes corretivas.
Na expectativa de se alcanar um corpo
ideal, a revista Boa Forma indicada
diversas intervenes como: plstica
facial, de nariz, de orelha, prtese desilicone, prtese de glteo,
lipoescultura, e nenhuma parte do corpo
est imune a essas intervenes. As
alteraes literalmente realizadas nos
corpos dos indivduos de uma
sociedade, so relativamente comuns
tendo em vista que so modos deafiliao e distino. Essas marcas
recordam os valores da sociedade e o
lugar legtimo de cada um na estrutura
social (Le Breton, 2002, p.63).
Como a imagem que a mulher
possui sobre o prprio corpo
estruturalmente fragmentada, seu olhar
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analtico tende a prevalecer sobre o
sinttico. Dado a isso, as mulheres
investem em todas as regies do corpo,
cada parte merece uma auto-apreciao
e auto-vigilncia que geram prticas e
ritos especficos voltados valorizao
e correo de algumas partes, porque o
narcisismo analtico se prende
essencialmente fora preponderante
do cdigo de beleza feminina
(Lipovetsky, 2004, p.137).Presencia-se a transformao do
corpo atravs da instaurao de novas
mediaes para se cuidar da aparncia
fsica e se representar scio-
culturalmente. No se pretende, em
momento algum, julgar os artifcios
utilizados para essas transformaescorporais, mas sim consider-las
prticas discursivas no mbito da
espetacularizao corprea. Assim, para
estar apto a atuar, o rosto deve passar
por limpeza de pele com tecnologia de
ponta, os glteos massagens mais
radiofreqncia contra celulite, e paraeliminar de vez o excesso frio para
acabar com as gordurinhas. Aes de
graas so dadas pelas mulheres devido
existncia dos ritos de beleza
corporais que se propem a queimar o
corpo feminino no forno da beleza, e
eliminar suas impurezas, a lhe dar
acabamento (Wolf, 1992, p.122).
Atravs da Datafolha, Instituto
de Pesquisas, a Sociedade Brasileira de
Cirurgia Plstica divulgou uma pesquisa
realizada entre setembro de 2007 a
agosto de 2008 que desvenda a atual
situao da cirurgia plstica no Brasil.
Os resultados revelam que dos
entrevistados, 73% afirmaram ter
realizado cirurgias plsticas comfinalidade esttica, sendo que dessa
amostra 86% so de procedimentos
cirrgicos e 14% no cirrgicos. Dos
procedimentos no cirrgicos, apesar de
serem menos frequentes, os mais
realizados so os preenchimentos
(92%), toxina botulnica (91%) e opeeling (53%). Das intervenes
estticas cirrgicas, as mais comuns so
o implante de prteses nos seios (21%),
lipoaspirao (20%) e abdmen (15%).
J a reduo de mama conta com 12%
das adeptas, e plsticas no nariz e na
face 7% para cada tipo. No obstante,88% das intervenes estticas so
realizadas em mulheres, com faixa
etria que correspondente entre 19 aos
50 anos (72 %). Os resultados
concluem que num prazo de um ano so
realizados aproximadamente 459.170iii
procedimentos estticos, sendo que
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destes, 394.886 so procedimentos de
carter cirrgico, para, sua esmagadora
maioria, o sexo feminino.
Coloca-se a questo: qual o
interesse em investir tanto no prprio
corpo? Como resposta h vrias
interpretaes. Uma possvel resposta
oferecida pela revista se relaciona com a
disciplina individual e autocontrole. H
sempre metas para se atingir e o corpo
deve estar na constante busca deaprimoramento, sofrendo, se necessrio,
modificaes de forma a superar sua
condio natural. Boa Forma justifica
que a cada dcada, o corpo tem razes
para resistir ao emagrecimento. A boa
notcia que mudanas na dieta ajudam
voc a virar esse jogo. Alm disso,
uma vez que a beleza deve ser
construda as mulheres necessitam
driblar a gentica para se manter no
peso desejado, Fui me sentindo mais
empolgada com a minha capacidade de
controlar a vida e o corpo, visto que
em busca da perfeio esttica o corponatural o grande vilo.
No se busca considerar essa
resposta suficiente j que h uma lgica
que se esconde por detrs desses
discursos. Podemos considerar que as
mudanas estruturais que ocorreram no
mercado de trabalho como maior
insero feminina, competio e
discriminao, tm estimulado tanto o
medo de engordar quanto o de
envelhecer, alm da competio no
mercado afetivo-sexual que tende a ser
desfavorvel s mulheres acima do peso
e com mais de trinta anos (Goldenberg,
2007b). Ou seja, apesar de aos poucos
as mulheres conquistarem seu
reconhecimento, h uma subvida secreta
que limita sua liberdade: a imerso emconceitos de beleza, a obsesso com a
aparncia fsica e o medo de envelhecer
(Wolf, 1992).
Uma seguinte interpretao
possvel, favorecida pelas explicaes
objetivas dos cirurgies plsticos, est
no aspecto financeiro que envolve adeciso de realizar ou no um
tratamento esttico e uma cirurgia
plstica. Considerando as tcnicas um
ato tradicional eficaz importante
perceber como o discurso publicitrio
atingiu at mesmo o discurso dos
especialistas, que tambm prometemperfeio esttica atravs de cirurgias
plsticas, atividades fsicas, consumo de
remdios, desde que todas as
orientaes sejam seguidas
corretamente (Mauss, 2003). Vale
lembrar que nesse contexto o mercado
de consumo surge para renovar os
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signos que colaboram a manter e
valorizar a aparncia, proporcionando
um palco, nos dizeres de Goffman,
para que o ator possa encenar, e se
exibir como um carto de visitas,
orientando o olhar do outro e recriando
um sistema implcito de classificao.
As mulheres vem o Rosto eo Corpo por toda a parte hojeem dia, no porque a cultura
manifeste como mgica umafantasia masculinatransparente, mas porque osanunciantes precisam venderseus produtos numbombardeio generalizado deimagens destinadas a reduziro amor-prprio das mulheres;e, por motivos que so denatureza poltica e nosexual, tanto os homensquanto as mulheres
atualmente prestam atenoas imagens do Rosto e doCorpo (Wolf, 1992, p.110).
De um servio antes elitizado
expanso do nmero de clnicas,
especializao dos profissionais em
diversos nveis e regulamentao dos
direitos e deveres dos mdicos epacientes, h um reconhecimento e um
discurso j disseminado da
popularizao dessas tcnicas, alm da
reconhecida competncia dos mdicos
brasileiros. Mas no Brasil a
peculiaridade nessa rea est no
mpeto com que as pessoasdecidem mudar o corpo e arapidez com que a deciso tomada. So trs as principaismotivaes para fazer umaplstica: atenuar os efeitos doenvelhecimento, corrigirdefeitos fsicos e esculpir umcorpo perfeito. No Brasil,esta ltima motivao a quemais cresce: a busca de umcorpo perfeito. (Goldenberg,2007b, p. 26)
Uma das exigncias do
individualismo moderno, estampado na
mdia, o imperativo da juventude:
Quarentona, eu?! Elas detestam esse
rtulo. Afinal, esbanjam energia e
jovialidade- no corpo e na alma. Yves-
Saint-Laurent j disse Antigamente
uma filha queria se parecer com sua
me. Atualmente o contrrio queacontece (Lipovetsky, 2004).
Qui, todas essas interpretaes
so cabveis. A realidade que o desejo
feminino em se embelezar possui uma
profunda legitimidade social: a beleza
um atributo exigido especialmente do
sexo feminino, entre elas encorajada,admirada e exibida, sendo muito menos
expressivo entre os homens.
O desejo disseminado entre as
mulheres de conformidade esttica com
os padres as submete a coeres
estticas regulares, imperativas e que
tendem a gerar mais ansiedade e
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dilemas, Fao dieta, mas as pessoas
no percebem a diferena no meu
corpo. Isso me deixa triste (...), Fiquei
magra, porm triste. D angstia ao
pensar que precisarei manter a dieta
para sempre se quiser continuar com o
corpo que tenho hoje. Diante disso,
vlido nos questionar sobre perodo de
contradies que se vivencia, uma vez
que quanto mais liberdade se traz
mulher, maior se torna o nvel decontrole corporal imposto a ela.
CONSIDERAES FINAIS
Atravs da representao social
do corpo possvel ter acesso
estrutura de uma dada sociedade, poistodas elas elegem entre seus membros
caractersticas que configuram como o
homem deve ser em todas suas
dimenses. No nos basta somente
saber que as sociedades diferentes
possuem formas distintas de se
expressar porque causas culturais. necessrio buscar entender qual a
lgica que se organiza por detrs dessas
aparncias de forma a descobrir seus
valores, princpios e normas,
compreendendo-a simbolicamente, a
fim de responder por que, por exemplo,
quanto ao corpo, algumas caractersticas
so mais valorizadas que as outras.
Sabe-se que os mecanismos de
representao refletem na esfera social,
tendendo a funcionar como forma de
homogeneizao, sendo que a
identidade construda na ps-
modernidade no emerge mais da
posio social ocupada pelo sujeito,
resultando disso a responsabilidade
individual de se construir o prpriocorpo. Dessa forma, o corpo belo, no
mais valorizado por ser decorrncia da
gentica, possvel dado o avano da
medicina e das tecnologias possibilita as
mulheres driblarem suas limitaes
naturais e esculpirem seu corpo sua
vontade, imaginao e inspirao, demodo a permitir que o indivduo que se
submete a tais procedimentos seja
levado a uma mudana de
comportamento, uma vez que estar
numa condio especial logo que sua
subjetividade alterada.
Como se tentou demonstrar, naatualidade o corpo natural
representado como imperfeito demais
para continuar existindo, portanto,
qualquer tipo de interferncia- at as
mais radicais- se justifica. O corpo
perfeito um projeto que quando
executado apropriadamente, permitir a
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mulher ser visualizada como integrante
do grupo e valorizada como indivduo.
Como afirmou Goldenberg, o corpo
uma riqueza, e talvez a mais desejada
por aqueles que percebem nele a
possibilidade de ascender socialmente,
de se inserir no mercado de casamento e
sexual.
As revistas femininas de esttica
conseguem transmitir o mito da beleza
como um novo evangelho, que surgiudessa religio que cultua o corpo
perfeito. Enquanto lem esses materiais,
as mulheres ajudam a recriar e manter
vivo um sistema de crenas, que
bombardeiam a liberdade feminina
atravs da atualizao dos ritos de
beleza. O corpo e seus complementosrituais se tornaram os mais desejveis
bens de consumo, deixando o
consumidor constantemente intranquilo
e obsessivo quanto sua aparncia. No
obstante, o excessivo valor atribudo a
aparncia corporal leva as mulheres a
participarem de um constante processode comparao de todas as partes do
corpo com outras mulheres em funo
dos cnones reconhecidos da beleza.
Paradoxalmente, esse mesmo mito que
separa as mulheres tambm as une
devido a um tipo de sentimento gerado
pelas revistas femininas: o da
solidariedade. Num espao que foge ao
olhar masculino, as mulheres podem
compartilhar o que realmente pensam
refletindo seus dilemas comuns.
Na sociedade ocidental e
moderna, h uma relao entre beleza
corporal, inteligncia e poder aquisitivo
mais elevado, em outras palavras,
espera-se das pessoas bonitas que elas
sejam capazes e bem-sucedidas. Quanto
aos feios, sempre pesa o estigma de quesejam pobres e carentes de instruo
educacional, restringindo sua
participao nas redes de sociabilidade,
visto como a percepo e as
expectativas do outro condicionam a
forma dos indivduos interagirem.
Igualmente, o sentimento de estarsegura diante do olhar do outro atravs
da valorizao da aparncia fsica alm
de ser sinal de sucesso numa poca em
que as relaes humanas esto
coisificadas, o corpo perfeito um sinal
de distino entre as mulheres. a fora
simblica que se exerce diretamentesobre os corpos femininos. O corpo
tornou-se objeto de salvao exercendo
um papel ideolgico que anteriormente
era exercido pela alma: o mito da beleza
pressupe integridade fsica e moral.
A personalizao do corpo
necessita do imperativo da juventude e
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boa forma na luta contra o tempo a fim
de que nada altere sua identidade. Ele
exige as sensaes mais originais, a
resistncia ao teste do tempo e ostenta
os signos mais eficazes. Modificar a
aparncia, como se pde perceber nos
discursos expressos pelas leitoras e
editores da revista Boa Forma, equivale
a modificar o prprio indivduo, j que
atravs do prprio corpo que o homem
transforma o mundo em medida de suaprpria experincia.
Abstract
Recently, the topic body became anobject of anthropological reflection andresearch, considering that it is man'sfirst and more natural instrument and a
cultural value that classifies, integratesand excludes people of society.Considering it, this paper intends todevelop a reflection on the femininespeeches regarding the corporal
perception transmitted in the femalemagazine Boa Forma. This magazinediscusses the womens dilemmas,
including the Beauty Myth, sharing aGospel that supports a powerful systemof beliefs and social representations.
Therefore, to talk about the female bodyallows us to contemplate how cultureand social imaginary unmask its variedsenses, considering it not only a
physical capital but also symbolic,economical and social.
Key-words: Body, Beauty Myth, BoaForma
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WOLF, N. O mito da beleza: como as
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NOTAS
iElas so loucas ( Folha de So Paulo,3/09/2000)iiExcertos retirados da revista Boa Forma.Edies de janeiro a julho de 2009.iiiA pesquisa no incluiu clnicas de pequeno
porte.
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