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Revista Estudos Amazônicos • vol. VIII, nº 2 (2012), pp. 117-164
Apontamentos para uma História dos Ciclos
Políticos, Econômicos e um Percurso
Histórico na Bolívia do século XX
Daniel Chaves*
Resumo: Para concretizar o nosso objetivo central deste texto, que é a
narração breve recheada de apontamentos para uma história da Bolívia no século XX, com ênfase no entrecruzamento das histórias dos polos de poder estabelecidos progressivamente em Santa Cruz e La Paz, nos voltaremos aos marcos elementares para compreender melhor os últimos 50 anos, que merecem maior destaque pela sua notável vivacidade e intensidade. Buscaremos, portanto, compreender como se relacionam estes processos históricos na formação da Bolívia contemporânea, como incidem em tópicos específicos do próprio centro da discussão histórica boliviana. Uma trajetória singular de disputas étnicas, raciais e políticas, que merece exame profícuo para uma compreensão no tempo presente.
Palavras-chave: Bolívia, Tempo Presente, Santa Cruz, La Paz. Resumen: Para lograr nuestro objetivo de este texto, que es el percurso y
apuntes hacia una historia de Bolivia en el siglo XX, con énfasis en el entrecruzamiento de historias de los polos de poder establecidas progresivamente en Santa Cruz y La Paz, vamos a utilizar los puntos de referencia primaria para entender mejor los últimos 50 años, que merecen mayor atención por su vivacidad y intensidad. Tenemos la intención, asi, em comprender cómo se relacionan estos procesos históricos en la configuración de Bolivia contemporánea sobre temas específicos, y mas, con el centro de la discusión histórica Bolivia. Una trayectoria singular de razas y etnias que merece un examen fructífero para la comprensión de la actualidad.
Palavras-clave: Bolívia, Tiempo Presente, Santa Cruz, La Paz.
118 • Revista Estudos Amazônicos
Um dos pilares destacados na nossa modesta prerrogativa de
construção teórica e epistêmica para o arrolamento deste estudo
histórico na sua relação direta parte da racionalidade crítica do
Tempo Presente enquanto perspectiva plural e cuasi metamórfica
de construção do conhecimento - na medida em que não se
constitui enquanto „camisa de força generalizante‟ das grandes
escolas e periodizações historiográficas.1 Não seria adequado restar
importância maior ou menor para essa conjuntura política em
análise por razão de qualquer proximidade temporal com relação
ao período de confecção deste trabalho, bem como é necessário
entender que a História do Tempo Presente enquanto campo de
tensões teórico-epistemológicas deve ser compreendido de forma
mais ampla que simplesmente uma “história do presente”, ou
como um salvo-conduto para que o historiador possa exercitar
seus estudos em períodos mais próximos da contemporaneidade.
Teixeira da Silva fala sobre o tema:
(...) a história do tempo presente é um campo novo, mesmo muito recente, entre os historiadores. As suas origens se prendem à percepção por parte de alguns historiadores de uma censura social, de uma pátina do esquecimento, que interditava a explicitação de muitas das lutas mais contemporâneas.2
Exatamente sobre as pátinas de esquecimento, as questões
sobre a veracidade e a totalidade em vias de esquecimento é que
devemos nos apoiar para entender que o entrecruzamento dessas
histórias, comparadas, nos subsidiará amparo para que
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reconheçamos os pontos nevrálgicos onde o passado é escondido
e os paralelos são criados para se afastar no horizonte.3 Nos
múltiplos encontros dos processos políticos históricos, forja-se a
trama para uma história do tempo presente que não transforme o
tecido social em retalhos e eleja o método comparativo.
Segundo Lagrou, a prática dos historiadores do „tempo
presente‟ – independentemente de qualquer pressuposto ou de
qualquer definição – parece bem confirmar que „o presente começa
cada vez com a última catástrofe datada‟ ou, ao menos, com a
última grande ruptura4.
Não é possível se portar como um admirador do passado e
perder de vista a primeira revolução democrática do século XXI e
as suas contradições mais íntimas, que com alguma probabilidade
será matricial em alguns anos para estudos ulteriores sobre o
“tempo presente” da alta contemporaneidade boliviana, quando se
buscar compreender as razões e as tensões que conduziram um
singular processo histórico em meio às transições não anunciadas
do século XXI pós- “fim da história”5 .
Indagações profundas que estão invariavelmente ligadas à
fundação do tempo presente precedente destas transformações
nos remeteriam diretamente à Revolução Nacionalista de 1952,
quando se afirmou definitivamente a questão indígena e o
nacionalismo de esquerda nas suas relações com o Estado. Ainda,
é preciso estar atento sobre como estas relações se entrecruzaram
com as dinâmicas regionais ligadas à planície de Santa Cruz, que
120 • Revista Estudos Amazônicos
também nos são igualmente interessantes. No entanto, é possível
crer que o evento relacionado à 1ª revolução democrática do
século XXI, sendo não só a eleição do 1º presidente indígena do
país como também o 1º presidente eleito efetivamente pela sua
maioria nas urnas do país - e quiçá mais, com a refundação
nacional pela Carta Magna de 2009 - nos rende subsídios
suficientes para abalizar essa produção de um novo marco para um
novo presente na história boliviana.
Conforme nos explicou Lagrou, essa última „catástrofe‟ dada é
sempre definidora com relação ao presente e ao tempo vivido.
Nesse sentido, é pertinente que se situe para balizar a percepção
temporal aqui trabalhada no recorte (2003-2008), o marco da
Revolução Nacionalista de 1952 para a compreensão da
contemporaneidade política boliviana, contendo as transformações
fundamentais da sociedade hoje constituída. E, mantendo a
perspectiva enunciada por Kocka para trabalharmos com a noção
de que uma história entrecruzada é pertinente como forma mais
aguçada, para articularmos, primaremos invariavelmente por uma
história comparada que aproxime ainda mais as trajetórias, os
impactos e as transformações relacionadas aos fenômenos e
objetos históricos em comparação. Assim, compreender-se-á aqui
que tanto nos polos político-econômicos de La Paz e de Santa
Cruz, as implicações destes fenômenos se deram de forma
igualmente relevantes, cada qual com a sua particularidade.
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Sobre um período que pode ser destacado como instável e
marcado pela ruptura que funda o século XX boliviano. Segundo
Alfredo Camargo, a “convenção [constitucional] de 1880, que deu
à Bolívia nova constituição, consagra o término do período
preponderantemente caudilhista-militar (...). O novo Estado que
conforma é civilista e oligárquico, nos moldes do liberalismo
clássico dos fins do século XIX”.6 Neste panorama, adjacente a já
transcorrida Guerra do Salitre7 começada em 1878, nota-se uma
profunda crise intra-oligárquica que confrontou os partidos
Conservador e Liberal, que por sua vez dividiram o poder desde o
início do século XIX até a década de 20. Posteriormente, quando
estoura a Guerra do Chaco (1932-1935), novo sismo ocorre na
história do país. Retomaremos este último conflito em alguns
momentos para analisar como os conflitos militares envolvendo o
país, proporcionaram impactos na determinação da sua história
política, econômica, social e institucional.
Retornando ao processo que desemboca na Guerra Civil de
1899, é possível que se afirme com segurança que este confronto
se deu em duas frentes claramente delineadas, que posteriormente
se entrelaçariam na associação de grupos sociais distintos. Por um
lado, a revolta de quéchuas e aimarás liderada pelo representativo
Zárate “Mallku” Willka, que lutava pela “restituição das terras
comunitárias usurpadas e a concessão de autonomia administrativa
às comunidades indígenas”.8 Por outro, a já citada crise intra-
oligárquica, envolvendo Liberais e Conservadores, estava
122 • Revista Estudos Amazônicos
diretamente relacionada à transição do ciclo extrativista da prata
para o estanho. Com essa mudança, reordenar-se-ia o próprio
arranjo político interno do país e Sucre, próxima às minas de
Potosí e antiga capital, perderia os poderes legislativo e executivo
para La Paz, mais próxima às minas de estanho em Oruro. É
possível destacar aqui a determinação dos ciclos de extrativismo
mineral, então atividade quase única do país, é indubitável sobre os
conflitos que via-de-regra incidiram nas transições institucionais do
século XVIII e XIX.
É possível dizer, igualmente, que a confluência entre estas duas
frentes na Guerra Civil de 1899 decorre do esgotamento geral do
sistema econômico e político liberal vigente, somado a
ressurgência da pertença coletiva entre os indígenas sobre as terras
comunitárias usurpadas - que, paradoxalmente, fora fundamental
para a vitória liberal através da aliança tática confeccionada entre
Willka e José Manuel Pando, líder liberal. Sendo interessante
observar também a presença já marcante do regionalismo nas
questões internas bolivianas, envolvidas nesse momento por
tensões entre norte (La Paz) e sul (Sucre), está-se diante da
relevância de disputas de etnicidade e recursos naturais envolvendo
os ciclos políticos e econômicos do país. Restava para Sucre,
capital „provisória‟ desde a fundação do país em 1825, apenas o
poder judiciário. E o federalismo, bandeira liberal, não deixou
neste momento o caráter propositivo para se efetivar em realidade,
bem com as autonomias indígenas não se concretizaram. Formar-
Revista Estudos Amazônicos • 123
se-ia, então, uma paz liberal que se estenderia até a Guerra do
Chaco e que sufocaria tanto as aspirações indígenas, quanto as
federalistas.
É pertinente notar que na região de Santa Cruz, sobre este
momento, a historiografia regional destaca esforços na direção de
uma compreensão mais apurada sobre o desenvolvimento da sua
economia agropecuarista e na expansão das conexões viárias com
Cochabamba, principal via para escoamento dos seus produtos. Os
conflitos internos pelo poder no país, até este momento, não
haviam atingido Santa Cruz, região relativamente distante, cuja
produtividade ainda não era expressiva e tampouco
demograficamente relevante. Segundo Roca,
Los cruceños sabían, por experiencia de siglos, que su economía de base agropecuaria no tendría futuro alguno si no encontraba una conexión vial permanente con la vecina Cochabamba. La necesitaban porque además de ganar ese mercado del valle, el mismo servia de tránsito para llegar al otro más distante y mucho más amplio: el de La Paz y las minas. Desde fines del siglo diecinueve, los cruceños estaban sufriendo en carne propia las consecuencias del aislamiento a que la había sometido el ferrocarril que venía del Pacífico.9
Ainda segundo Roca, discutia-se intensamente nos círculos das
elites empresariais de Santa Cruz das primeiras décadas do século
XX, o interesse mineiro das elites liberais de La Paz em aproximar-
se dos mercados estrangeiros através do Oceano Pacífico, em
detrimento da incipiente integração nacional viária - inclusive,
124 • Revista Estudos Amazônicos
ainda segundo Roca, pelos produtores crucenhos10 - que, não
desenvolvida, relegava os produtores orientais a um isolamento
infértil. Não menos impactante, os produtos do país vizinho Peru -
que desfrutava de uma geografia favorável às trocas com La Paz -
chegavam com muito mais facilidade tributária e logística a nova
capital boliviana, o que gerava profunda insatisfação em Santa
Cruz, uma cidade então pequena e bastante empobrecida.
Não menos importante, é necessário citar a exportação primária
não-manufaturada do estanho, então responsável por 60% do
comércio exterior nacional,11 como elemento envolvido no arranjo
que conduzirá a Bolívia a Revolução de 1952. A economia mineira
fora duramente atingida pela crise mundial de 1929, mesmo que a
burguesia proto-especulativa do país - simbolizada na figura de
Simon Patiño, El ‘magnate’ del Estaño - flutuasse pela crise sem
grandes prejuízos, devendo a isso as suas conexões corporativas
com os compradores estadunidenses. Mas, ainda assim, como em
toda a periferia então dependente do capital internacional, essa
crise abalroaria a economia nacional boliviana.
A questão daí derivada, no entanto, era a deficiência clara de
um mercado interno minimamente sólido e uma concentração de
produção e renda entre pequenos cartéis proprietários das minas,
resultando em uma situação social catastrófica. Ainda segundo
Everaldo Andrade,
(...) a deterioração da economia e a tensão crescente das relações políticas internas aumentavam as dificuldades do governo de Daniel Salamanca. Nas eleições de 1931, ele perdeu a
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maioria no Congresso. Nas ruas, as greves e os movimentos de estudantes cresceram. Em 1º de Julho de 1931 Salamanca surpreendeu a todos rompendo relações com o Paraguai depois de um pequeno incidente de fronteira”.12
Alguns autores, como Corum13, discordam do caráter súbito e
inesperado dessa ação e narram que a região do Chaco Boreal já
era uma preocupação geoestratégica da Bolívia desde a década de
20. Segundo este último, a própria chegada de Kundt nos anos
anteriores teria o propósito da obtenção do Chaco Boreal, mesmo
que Kundt jamais tivesse pisado na região. Ayerbe (2002)14 ainda
enuncia que o motivo da guerra seria a pretensão boliviana de ter
acesso ao Rio Paraguai através do Chaco Boreal, convergindo com
a explicação de Corum. De qualquer forma, ao se assinalar a
questão dos recursos naturais como foco da disputa (ou do ataque,
supondo que este seria estritamente causado pelos bolivianos)
apresenta-se uma proposta interessante, visto o solavanco causado
pela crise de 29 na economia boliviana e, ainda mais, com a
mediterraneidade da Bolívia após os conflitos com o Chile e com o
Brasil, quando perdeu suas saídas para os oceanos Pacífico e
Atlântico, respectivamente.
A Guerra do Chaco foi um conflito indubitavelmente
desconectado da realidade socioeconômica e política do país, já
fragilizada; ainda, com um notório descarte da via das negociações
com o Paraguai. Conforme as expectativas bolivianas, poderia ser a
válvula de escape para a descompressão do crítico cenário interno,
com uma guerra de conquista rápida e surpreendente contra o
126 • Revista Estudos Amazônicos
exército paraguaio - então sem esforços direcionados para este
conflito - e que, ainda, poderia servir ainda para ter acesso às
supostas reservas petrolíferas que auxiliariam a recuperação da
economia nacional. Reservas estas que, aliás, jamais existiram. O
exército boliviano, liderado pelo general prussiano Hans Kundt,
foi duramente derrotado pelos paraguaios e saiu do conflito com
um saldo de 60.000 mortos, aproximadamente, segundo Andrade.
Como resultante político direto da Guerra do Chaco, as classes
médias urbanas eram cada vez mais atingidas pelos seguidos
insucessos liberais e se condensava um senso cada vez mais
interessado no desenvolvimento nacional, até então inexistente.
Por outro lado uma inteira geração desiludida com o nacionalismo
republicano e sem confiança nas instituições nacionais reúne-se e
forma o Partido Obrero Revolucionario (POR). Organizado em
meio a Guerra do Chaco, em 1934, o POR começou como um
partido notoriamente intelectual, mas progressivamente foi
substituído por uma direção sindicalista que se manifestou cada
vez mais contrária aos partidos socialistas „pequeno burgueses‟ ou
intelectuais15.
A crise social se acentuara, com um enorme grupo de indígenas
e populares sacrificados pelo conflito - ou ainda desertados - e
cada vez mais insatisfeitos com a aguda condição social e política
do país, que perdera neste conflito um importante território, parte
integrante do departamento de Santa Cruz. Nesta região, uma dura
crise da borracha e da castanha tornava as já duras condições de
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vida ainda mais difíceis e o departamento do Beni era criado pelo
general Pando. Segundo Ximena Soruco,
Sin embargo, durante la primera mitad del siglo XX, después de la caída del precio de la goma y con un breve momento de incentivo económico con la Guerra del Chaco, y la necesidad de alimentar y mantener a las tropas, la economía regional de Santa Cruz se contrae.16
É neste mesmo instante que começa se transformar a economia
de Santa Cruz, com presença já consolidada e atuação especial dos
imigrantes alemães, suíços e austríacos (instalados desde o último
quartel do século XIX) que reorientavam a economia local para o
comércio de importação associado à agropecuária e ao transporte
fluvial, com iniciativas que incluíam a fundação do Banco Santa
Cruz.17 Trata-se de um período da história regional de Santa Cruz
marcado pelo caráter clânico das relações comerciais ainda
desmobilizados com relação às suas associações e organizações
políticas, associado a um impulso migratório induzido por estas
mesmas elites e por intensa ligação com capitais europeus, que por
sua vez seriam parte da esteira para a chegada destes imigrantes.18
Nos termos de Soruco, é necessário
(…) relacionar goma y agroindustria, es decir, la goma se convierte en la acumulación originaria –junto a la inversión estatal desde 1952– para el desarrollo de la agroindustria tal como hoy la conocemos. De ahí que la descripción de las casas comerciales alemanas y en general europeas, fundadas con capital de la goma, son centrales para este estudio pues muestran nítidamente el paso de
128 • Revista Estudos Amazônicos
la goma al comercio y posteriormente a la actividad agropecuaria. Al describir las casas comerciales europeas en Santa Cruz, identifiqué a extranjeros y nativos (criollos y mestizos) en este proceso inicial; sin embargo a la larga esta división se torna borrosa. Los extranjeros que formaron casas comerciales en Santa Cruz y sobrevivieron al auge de la goma, se casaron con mujeres bolivianas, ingresaron a los círculos exclusivos de la élite local (clubes sociales, fraternidades, cámaras de productores y comerciantes, y posteriormente las cooperativas de servicios básicos, bancos, las corporaciones de desarrollo regional y hasta el engranaje político en diferentes etapas).19
Portanto, ainda que aparentemente isoladas do poder local, as
elites regionais de Santa Cruz e a própria economia local estavam
integradas a lógica processual da Bolívia durante a 1ª metade do
século XX. Não é possível destacar, contudo, nenhuma capacidade
de se organizar politicamente para reivindicar com preeminência
qualquer papel dentro do Estado boliviano, já que se caracterizava
por uma baixíssima densidade demográfica, economia ainda
mono-extrativista e sociabilidade nucleada ainda em bases
familiares restritas. Mesmo assim, é possível identificar que a lógica
política das elites nacionais se integrava neste período, como se
refere no texto aqui e acolá, na mesma derivação das suas
atividades econômicas extrativistas, ainda que os barões do
estanho do altiplano tivessem obtido êxito na cooptação do
Estado nacional para os seus interesses, diferentemente dos barões
orientais.
Revista Estudos Amazônicos • 129
É neste momento, inclusive, que o seu primeiro conterrâneo,
Germán Busch Becerra, assume a presidência da República. Busch
teve seu governo caracterizado pelo personalismo e pela ausência
de qualquer aparato político que sustentasse as suas medidas,20 sem
que representasse, contudo, bandeiras quintessencialmente
crucenhas. Sua atuação seria fundamental durante a derrocada de
Daniel Salamanca, agindo então como chefe da polícia nacional
boliviana e colaborando na instalação de David Toro no poder - o
mesmo Toro que, anos depois, curiosamente seria derrocado por
ele para chegar ao poder. Durante a sua gestão foram promulgadas
leis e decretos relativamente progressistas como o Código de
Trabalho - conhecido como Código Busch -, além de ter sido
alçada também a “Ley de Regalias”, também conhecida como a lei
que redimensionou a lógica da distribuição dos royalties de
exploração do petróleo e gás. Esta lei, de 1938, estipulava que todo
o arrecadado pelo governo central seria redistribuído igualmente
entre os nove departamentos bolivianos - e, portanto, 11% para
cada um destes.
Segundo Bryan Lijerón,
Se merece un reconocimiento especial al Gral. Germán Busch que participó valientemente en la contienda [Guerra do Chaco]. Posteriormente durante su presidencia se promulgó en 1938 la Ley de regalías que beneficiaba con el 11% a los departamentos productores de hidrocarburos. Esta ley fue ideada por el propio Busch y su Ministro de Minas y Petróleo, Dionisio Foianini.21
130 • Revista Estudos Amazônicos
Precisamente neste momento, segundo a convergência das
narrativas mapeadas sobre a história regional crucenha, se daria o
primeiro impulso do século XX na direção de uma redistribuição
mais equitativa dos capitais arrecadados pelo executivo nacional
junto aos departamentos - o que sugere marcar aqui a discussão
em torno dos 11% da „Ley de Regalias‟ como fundamental quando
ressignificada para eventual sustentação histórica da questão
autonomista22 no século XXI pela direção da prefeitura
departamental associada à direção do Comitê Cívico Pro - Santa
Cruz, seu principal aparato civil de apoio político.23
Ainda no altiplano, formava-se progressivamente nas classes
médias urbanas, especialmente entre intelectuais, burocratas e
profissionais liberais, um sentimento de profunda insatisfação com
relação ao jogo oligárquico liberal censitário e desintegrado da
sociedade boliviana, ao mesmo tempo em que se conformava o
desejo por um país menos suscetível às intempéries do mercado
internacional. Aspirava-se, na esteira da formação de um país, uma
identidade nacional pós-Guerra do Chaco desinteressada sobre os
determinismos racialistas que obliteravam a formação da
bolivianidade. Por trás de todos estes indicativos perpassava a
vontade por participação e representação que desembocaria em
um partido político multiclassista, nacionalista, que fosse capaz de
agregar e aglutinar os grupos sociais representativos da Bolívia
então contemporânea. Surgia nesse contexto o Movimento
Nacionalista Revolucionário (MNR) em 1941, partido centrista que
Revista Estudos Amazônicos • 131
assumiria papel central na Revolução de 1952 e deslocaria de vez
os últimos resquícios de espectro ideológico dos liberais sobre a
sociedade boliviana. Segundo Camargo,
Nascido do esgotamento da república oligárquica e apoiada em
várias classes e setores – burguesia comercial, intelectuais,
operários mineiros e camponeses – o MNR, imbuído de visão
integradora da sociedade boliviana, traduziu-se em ampliação
radical do espaço de participação política, mediante a introdução
do voto universal, caracterizando-se, ao mesmo tempo, pela
adoção de modelo centralizador dos instrumentos decisórios e
administrativos do Estado. Tanto a centralização administrativa
quanto a universalidade de representação política – verdadeiro
binômio, por assim dizer – representam conseqüências lógicas do
cunho multiclassista.24
Seu programa, que basicamente discutia a abolição das
estruturas oligárquicas „feudais‟, o apoio a liberação econômica
anti-imperialista e a iniciativa de uma reforma agrária, entre outras
questões consideravelmente progressistas para o cenário boliviano
em questão. Obteve bastante adesão no momento seguinte a sua
fundação ao apoiar boa parte dos sindicatos mineiros, no processo
de estreitamento de relações com a da Federação Sindical dos
Trabalhadores Mineiros Bolivianos (FSTMB).
Nessa mesma década, o congresso mineiro da FSTMB, então
ligada ao POR, se reúne na mina Pulacayo e ali se formam as Teses
de Pulacayo (1946), fundamentais para a consolidação da luta
132 • Revista Estudos Amazônicos
operária na Bolívia ao requerer o controle das minas e a formação
de milícias urbanas revolucionárias, além de orientar
ideologicamente o radicalismo das ações sindicais bolivianas pelos
próximos 60 anos. Estariam marcados, claramente, os indicativos
anti-imperialistas, anti-colaboracionistas e unitaristas em relação ao
movimento operário, com ênfase na formação de uma Central
Operária única, superando as fissuras do movimento para avançar
no projeto revolucionário em questão.25 Tornava-se cada vez mais
intenso o processo de emancipação política e ideológica dos
movimentos operários sindicalizados com relação às estruturas
patronais, e por sua vez a queda-de-braço com o poder instituído
se mostrava franca devido à alta adesão popular junto aos
sindicatos. Manifestações, repressão policial e debilidade
econômica fragilizariam, sem dúvida, o centro político
tradicionalmente instituído no altiplano.
Já em Santa Cruz, o cenário era bem diferente. A década de ‟40
é caracterizada pela capacitação financeira e industrial dos
proprietários de terra, orientando o então tímido desenvolvimento
da economia regional agropecuarista - e sem a presença de um
movimento operário, ou melhor, neste caso, tratar-se-ia de um
movimento camponês. Uma questão nacional com relação a este
desenvolvimento agrícola seria, neste momento, a de integrar o
Oriente - e mais especial, Santa Cruz e o Beni - ao restante do país,
para que a sua produção pudesse alcançar os mercados andinos
através de Cochabamba.
Revista Estudos Amazônicos • 133
Na medida em que estamos de fronte da primeira iniciativa que
se concretizou nos termos de uma integração viária para fortalecer
a união entre os mercados da planície e da cordilheira no século
XX, rapidamente o calor das questões políticas contemporâneas
relança luz a uma das questões mais polêmicas da historiografia
boliviana, estando claramente tensionada entre autores pró Santa
Cruz e autores nacionalistas. O que se discute, nesse sentido, é se
essa integração ocorrida na década de ‟40 - o “Plan Bohan” - teria
o seu impulso primordial lançado por La Paz, autonomamente,
como capital que deseja a integração nacional, ou se foi por
iniciativa dos EUA que por sua vez estariam entusiasmados em
apoiar os pleitos alavancados pelos próprios crucenhos. O que
entra em questão, objetivamente, é a responsabilidade sobre o
primeiro impulso efetivo para integrar Santa Cruz ao altiplano,
ação esta fundamental para o desenvolvimento da indústria e do
comércio crucenho como o conhecemos no século XXI. E esse
impulso lançaria gradativamente Santa Cruz para a ambiência
política nacional, o que não ocorrera antes com tal efetividade.
Nos termos de Costas Lijerón, que claramente atribui a
responsabilidade a uma iniciativa norte-americana para o
desenvolvimento da economia boliviana que teria sido
passivamente implementado pelo governo boliviano,
En 1942 una comisión estadounidense, presidida por Mervin Bohan, presentó al gobierno boliviano un programa alternativo para la economía nacional
134 • Revista Estudos Amazônicos
conocido con el nombre de “Plan Bohan”, que identificó las potencialidades de las tierras del oriente y las buenas condiciones para incentivar la agroindustria y la agricultura. Otra recomendación de este plan era la necesaria construcción de una carretera que una a Santa Cruz con el occidente a través de Cochabamba, la cual fue inaugurada en 1954 y permitió la integración cruceña con el resto del país a la vez que reemplazó la idea del
ferrocarril.26
Ainda, outro ponto de vista expresso por Saucedo (2008),
atribui de forma ainda mais plena a responsabilidade aos EUA
como financiadores e executores da obra (e por sinal, comemora
esta responsabilidade):
Esta nueva Bolivia, instaurada con el Plan Bohan, fue ideada, planificada, financiada, ejecutada, administrada y fiscalizada por los EEUU. Los bolivianos fuimos verdaderos convidados de piedra en este plan, gracias a Dios. La marcha hacia el Oriente no fue otra cosa que la consecuencia lógica del Plan Bohan. La búsqueda de un futuro mejor para muchos bolivianos, con deseo de
progresar, en una Bolivia minera agobiada.27
Independentemente de qualquer perspectiva, é possível dizer
que o Plan Bohan, superando qualquer discussão de ordem
ideológica, é fundamental para que se compreendam as relações
entre as fazendas de Santa Cruz e o seu desenvolvimento nos anos
seguintes, incluindo-se aí as iniciativas do governo nacionalista de
1952 que tramaram a “marcha para o oriente”, uma região
indômita e com baixa densidade demográfica. A própria „Marcha‟
foi resultante da experiência militar do Chaco, que entre outras
Revista Estudos Amazônicos • 135
situações insólitas, tornou-se fracassada por problemas logísticos
graves que envolviam até mesmo o fornecimento de gás e água
para as tropas nacionais lançadas em postos avançados no Chaco,
que muitas vezes morreram de sede e fome. Segundo Dunia
Sandoval, o plano teria sido uma compensação dos EUA para a
Bolívia por conta do apoio aos aliados, com o fornecimento de
estanho e a produção de petróleo e gás, além da própria
agroindústria, e essa verdadeira coluna vertebral rodoviária teria
sido fundamental para o que hoje se conhece em termos de
desenvolvimento econômico no departamento de Santa Cruz.28
Essa comunicação cada vez maior entre o altiplano e a planície
teria permeado, inclusive, a própria formação das frentes políticas
em Santa Cruz - e mais uma vez, é colocada em risco a validade de
um discurso que valida a total desconexão de Santa Cruz do resto
do país. Ainda nos termos de Dunia Sandoval, a própria formação
social pós-Guerra do Chaco teria contagiado Santa Cruz na medida
em que as insatisfações coletivas dos indígenas, operários ou
camponeses, além de jovens e cidadãos que tinham pequenas
propriedades teriam se confluído e intercomunicado na experiência
do campo de batalha e da repartição das perdas após o conflito.29
A formação da “Legião de Ex-Combatentes do Chaco” é uma das
evidências dessa experiência interclasse, que já haveria
experimentado outros passos como na Revolta Federalista dos
“Igualitários” em 1877, ou ainda durante as campanhas
regionalistas pela conexão viária das primeiras décadas do século
136 • Revista Estudos Amazônicos
XX, duramente condicionadas pelos resultados da Guerra do
Pacífico: acordos de livre-comércio com o Peru e o Chile que
priorizavam esses países em detrimento das trocas internas, além
da própria perda da saída pelo Oceano Pacífico.
O que Dunia Sandoval discute, contudo, é que essas
experiências interclasse não necessariamente anularam a
possibilidade de experiências operárias, contrariando a tese de que
Santa Cruz havia modelado suas reivindicações políticas apenas
através de movimentos regionalistas interclassistas, cuja defesa foi
frequente no movimento autonomista conforme examinaremos
posteriormente. Os próprios ex-combatentes orientais do Chaco
formariam em 1944 - no mesmo período das „Teses de Pulacayo‟ e
da formação da sindical FSTMB, portanto - a Unión Obrera, que
se aglutinou ao Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), o
qual se formava na década de ‟40 e conquistaria o poder em 1952 -
estando Santa Cruz, nesse sentido, ocupando um papel chave tanto
nos conflitos civis do final dos anos ‟40 e até mesmo na vitória do
MNR em 1952, quando os dirigentes regionais crucenhos
ganharam as eleições.30
Em termos objetivos, a Revolução de 1952 foi um contragolpe
de Estado liderado pelo Movimento Revolucionário Nacionalista
(MNR) e pela Central Obrera de Bolivia (COB), colocando no
poder o carismático presidente Victor Paz Estenssoro, que voltaria
ao poder em mais quatro períodos de governo: 1956-60, 1960-64 e
1985-1989. Foi o resultado da associação política entre os já
Revista Estudos Amazônicos • 137
citados sindicatos mineradores de orientação política marxista,
com as classes médias urbanas insatisfeitas com a preeminência do
modelo liberal exportador-primário e com o sistema político-
partidário vigente desde o final do século XIX - e que havia gerado
toda a trajetória catastrófica da 1ª metade do século XX. Entre os
seus sucessos, promoveu uma intensa reforma agrária no altiplano,
propôs a nacionalização de recursos naturais, inaugurou o sufrágio
universal e aplicou uma reforma do sistema educativo. É possível
que seja considerado o marco das transformações políticas no
Estado boliviano, colocando o indígena, a classe trabalhadora e o
nacionalismo de esquerda no poder como traços fundacionais da
história contemporânea do país.
A explicação clássica de René Zavaleta Mercado sobre a
Revolução de ‟52, destaca-a adjuntamente a Guerra Civil de 1899
em “Lo Nacional Popular em Bolívia” como dois momentos
„constitutivos‟.31 Nesse sentido, com uma interface conceitual
bastante considerável com relação à noção de “tempo presente”,
na medida em que explica a Revolução de ‟52 como a
impossibilidade prática de manutenção de um determinado arranjo
de tensões entre Estado e Sociedade Civil que subitamente se
arrebenta e reordena as relações. Evidentemente, a explicação de
Zavaleta Mercado mantém uma divisão gramsciniana entre Estado,
para um lado, e Sociedade Civil, por outro, como duas unidades
estanques, diferentemente da compreensão de Bedaridá ou Lagrou,
por exemplo, que destacam a permeabilidade das responsabilidades
138 • Revista Estudos Amazônicos
sociais e políticas entre toda a sociedade sem nenhum tapume
entre Estado e Sociedade, na medida em que um constitui o outro
de forma osmótica.
No entanto, é bastante crível a ideia de que a Revolução de ‟52
transformou radicalmente a dinâmica estrutural da sociedade
boliviana. O marco de ruptura central da Bolívia no século XX
trouxe a inversão das possibilidades de mobilidade social, o fim da
cidadania censitária para adotar o voto universal, o início da
progressiva conversão da concentração demográfica no campo
para as cidades, e acima de tudo, um plano audacioso de Reforma
Agrária que expropriou grandes fazendas no altiplano boliviano.
Para tanto, confrontou e dissolveu o Exército nacional, que havia
participado de todos os círculos do poder político boliviano, e
instalou em seu lugar milícias operárias e indígenas por um breve
período. É importante situar os impactos da Revolução de ‟52 na
política em Santa Cruz, especialmente no que está relacionado a
terra e aos recursos naturais, questão política que até hoje persiste.
Segundo Dunia Sandoval,
(...) en Santa Cruz, antes de la reforma agraria de 1953, existía una gran acumulación de tierras sin aprovechar. En su mayoría, los propietarios trabajaban en forma individual y en mucha menor escala contrataban jornaleros. La presencia de cooperativas y sociedades agrícolas era casi
insignificante.32
Revista Estudos Amazônicos • 139
No entanto, a própria autora frisa que, ao contrário da política
de dissolução das grandes propriedades no altiplano, em Santa
Cruz o plano do governo do MNR desejava converter as
propriedades em grandes empresas agrícolas, sendo assim uma
espécie de „celeiro‟ para o país:
El proceso de reforma agraria en el Oriente fué distinto ya que el MNR contaba con un proyecto distinto para la región. Mientras en el Occidente se intentaba privatizar la tierra dotando a los campesinos de pequeños terrenos, en el Oriente, el
proposito era construir empresas agrícolas”.33
Ou seja, a progressista reforma agrária nacionalista de 1952 de
alguma maneira estimulou o desenvolvimento agroindustrial em
Santa Cruz, já que dinamizou consideravelmente a economia local
com a perspectiva de incremento na produção, do aumento de
mão-de-obra disponível - por sua vez produto das migrações
internas fortalecidas pelo MNR. Nos termos de Roca, “La nueva
industria produjo demanda de profesionales, técnicos, operarios y
administradores, además de mano de obra para la construcción de
galpones, viviendas y aulas escolares”.34
Ainda assim, o período deve ser aqui trabalhado de forma mais
consistente ao passo que determinadas transformações
institucionais desta época foram cruciais para os próximos 60 anos
na região. Essa própria modernização de Santa Cruz que era
empunhada pela reforma de 1953 - concluída ao mesmo tempo
140 • Revista Estudos Amazônicos
que a estrada Cochabamba-Santa Cruz - foi duramente contestada
pela elite regional, que via enorme risco a sua posição na
transformação da grande propriedade (o latifúndio) em empresa
agrícola. Segundo Soruco,
La Reforma Agraria de 1953 define la empresa agrícola como aquella que se caracteriza por la inversión de capital suplementario en gran escala, el régimen de trabajo asalariado y el empleo de medios técnicos modernos (art. 11). (…) Como se observa en esta definición, la empresa agrícola se opone al latifundio en tres aspectos: capital, salario
y tecnología.35
Ainda no próprio trabalho de Soruco,36 está explícita a
apreciação do Informe de Merwin Bohan no início dos anos ‟40,
que afirma o investimento técnico quase nulo na seleção de solos,
na colheita, plantio e muito menos na própria qualificação da mão-
de-obra, cuja organização da produção é caseira, de uso comum e
com condições técnicas extremamente rudimentares para a
produção de açúcar, por exemplo. Os dados do I Censo
Agropecuário de 1950, apresentado por Soruco, reafirmam que a
superfície cultivada do departamento de Santa Cruz equivale a
apenas 8% da sua extensão, enquanto La Paz cultivava 32% - mais
que o triplo em hectares. Ainda, o número de fazendas
quantificadas pelo Censo chegou a 907 em Santa Cruz, enquanto
La Paz possuía 1.958 unidades - mais que o dobro, o que
novamente nos indica a crer na quantidade elevada de grandes
propriedades. Os dados ganham dimensão ainda mais amplificada
Revista Estudos Amazônicos • 141
se levar-se em consideração que o departamento de Santa Cruz
possui superfície três vezes maior que La Paz.
Ainda, o abraço dado pela Revolução de ‟52 a „Marcha hacia el
Oriente‟ envolveu a ocupação do Oriente pelos produtores
camponeses pobres e indígenas do altiplano, que sem dúvida não
seriam bem aceitos pelas elites locais. Aliás, é possível dizer que a
formação das institucionalidades políticas da sociedade civil
crucenha atende imediatamente a essa dinâmica. É importante
notar que a própria fundação do Comitê Cívico Pro - Santa Cruz
(CCPSC) ocorre em 1950, por iniciativa da Federação Universitária
Local (FUL), existente desde a década de 1940, com o objetivo de
reivindicar a sua parcela equânime (os 11% da “Ley de Regalias”)
dos recursos hidrocarburíferos, que por sua vez seriam utilizados
pela governança local para desenvolver projetos e obras ligadas às
demandas de infraestrutura em uma região tida como
relativamente abandonada no país. Em um raro esforço de
quantificação e detalhamento do funcionamento interno do
CCPSC, José Luis Roca nos descreve uma estrutura baseada em
organizações sindicais, gremiais e empresariais. Ou mais
detalhadamente, o estado de associação do CCPSC órbita, mutatis
mutandis, na seguinte lógica:
Una reforma estatutaria de 1997 amplió a 19 los „grupos de instituciones‟ afiliados que son actualmente las seguientes: agrupecuaria, campesinos y etnias autoctonas cruceñas, cívicas femeninas, cooperativas, culturales, deportivas, educativas, empresariales, estudiantes de secunderia y universitarios, fraternidades cruceñas,
142 • Revista Estudos Amazônicos
gremiales, juveniles, mutuales, excombatientes y jubilados, profesionales de nível médio, universitarios de nível superior, servicio a la comunidad, trabajadores a sueldo, transportistas, juntas vecinales cívicas.
En el nuevo estatuto tienen mayor representación las instituciones provinciales a través de sus respectivos comités cívicos y otras entidades. Otra reforma importante es que para ser miembro del directorio o presidente del Comité, ya no es necesario ser cruceño de nacimiento; basta ser hijo
de padre o madre cruceños.37
No mesmo impulso, surge a União da Juventude Crucenhista
(UJC) e o Comitê Cívico Feminino, ambos em 1957. É
interessante constatar que, em ocorrência francamente simultânea,
desdobravam-se os embriões da luta sindical-partidária que geraria,
entre os anos 1940 e 1952, as Teses de Pulacayo, a fundação e
queda do Partido Operário Revolucionário (POR), a ascensão dos
movimentos mineiros da Central Operária Boliviana (COB) e o
desfecho da Revolução Nacionalista de 1952. São impulsos iniciais
por maior participação deliberativa no recolhimento e gestão da
tributação local - possivelmente um impulso reativo desses grupos
frente à predominância andina. Conforme comenta Helena
Argirakis Jordán,
(…) con la revolución de 1952, Santa Cruz ingresa en un proceso de modernización socio histórica y dicha base clánica se ve obligada a dar paso a una conformación más amplia de las élites locales entre aquellos que ocupan posiciones de prestigio, reconocimiento y autoridad, al poseer cualidades y
aptitudes valoradas socialmente.38
Revista Estudos Amazônicos • 143
O governo revolucionário do MNR iniciado em 52
permaneceria por mais dois mandatos, até a derrubada do 3º
governo Paz Estenssoro em 1964. A incapacidade do MNR em
sustentar a governabilidade já debilitada pelas inúmeras rachaduras
dentro do próprio partido, que sofria pressões típicas de
movimentos políticos policlassistas, somou-se a hiperinflação, ao
insucesso da reforma agrária e pela deficiência na produção de
alimentos e principalmente a inépcia no controle e planejamento
econômico pós-nacionalizações mineiras, levando o Estado a
compensar os antigos proprietários de modo a quebrar o país,
potencializando imediatamente os setores à esquerda do governo a
se indispor com as medidas de contenção da crise. Este período
pode ser caracterizado pela ausência de eleições, com
concomitantes golpes de estado e governos de curtíssima duração,
que por sua vez alternavam orientações ideológicas liberais - como
por exemplo, o próprio Barrientos Ortuño, que era adepto do
livre-mercado e do estreitamento do relacionamento com os EUA,
já bastante desenvolvido - e esquerdistas - como Juan José Torres,
cuja figura política se desenvolvia baseada no general Velazco
Alvarado no Peru, para instituir um „socialismo‟ autoritário, de
base popular, mas com a garantia da lei e da ordem assegurada
pelas Forças Armadas enquanto aparato coercitivo.
Crescia a bola de neve política do MNR a cada dia e as decisões
políticas se mostravam cada vez mais insustentáveis: o próprio vice
de Paz Estenssoro, René Barrientos Ortuño, que havia o apoiado
144 • Revista Estudos Amazônicos
desde a Revolução de ‟52, desfechou um golpe de estado militar
contra si antes da posse em 1964. É preciso dizer, nesse sentido,
que os próprios militares de alta patente que auxiliaram o MNR na
reconstrução das Forças Armadas no período posterior a
Revolução, foram os mesmos que depuseram Paz Estenssoro com
o apoio de setores camponeses insatisfeitos com o MNR, e
alojaram-se de forma errática e instável no poder pelos sete anos
seguintes. Nessa espiral descendente, com sete presidências em
apenas sete anos, revezando-se quatro figuras políticas nesse
sentido, deve ser destacada a tradição de militares envolvendo-se
na política a partir de práticas políticas personalistas. No entanto,
neste período - e mais notadamente na figura de Juan Jose Torres -
a presença militar constitui-se na questão nacional de forma
diferenciada do período liberal, e mais notadamente isso ocorre no
tocante aos recursos naturais e a soberania nacional, cuja relação e
associação impactariam diretamente anos depois nas relações
Bolívia-Brasil durante a nacionalização dos hidrocarbonetos em
2005, sob o decreto “Heroes del Chaco”.39
Nesse contexto castrense e na década de „70, o General Juan
José Torres, que teria agido por influência pelas tendências
intelectuais relacionadas ao conjunto de formulações conhecido
como “Teoria da Dependência”40 e, com corte anti-imperialista e
retórica popular, buscou a promoção da Bolívia como um país em
desligamento da periferia do sistema capitalista. Seu projeto,
contrário a
Revista Estudos Amazônicos • 145
(…) la presencia monopolica, que representa un desplazamiento de riqueza de los países monoproductores del afianzamiento de las estructuras nacionales de los países subdesarrolados”, pretendia enlaçar “el proceso de liberación conquista de la soberanía nacional sobre los recursos naturales de carácter esencial (…) como un proceso de creación de las industrias
básicas.41
O general Torres chegou a convocar uma assembleia popular
operária, instalada em junho de 1970, que teria os mesmos poderes
de um parlamento regular, e trouxe novo embalo para as disputas
sociais em uma Bolívia desacreditada pelos doze anos de governo
MNR - a despeito do esvaziamento e posterior confrontação das
próprias forças políticas sindicais organizadas, como a central
COB. Nas palavras de Gallardo Lozada, as mudanças principais do
governo com relação à ordem social e política se deram na medida
em que
El gobierno revolucionario adoptó una política de amplia apertura para la clase trabajadora del país. (…) El presidente de la republica invitó a los dirigentes de la COB para reunirse semanalmente en su despacho y analizar todos los problemas que
surgieran en forma voluntaria o involuntaria.42
Segundo Miguel Sá,
(...) durante o século XX, a Bolívia nacionalizou duas vezes seus hidrocarbonetos. (...) A segunda nacionalização ocorreu em 1969, durante o governo do general Ovando Candia e sob influência de líderes socialistas como Marcelo
146 • Revista Estudos Amazônicos
Quiroga Santa Cruz, quando se expropriaram os bens, ativos e mercados da também norte-
americana Gulf Oil Company (Carvajal, 2006).43
E, foi justamente na defesa dessa segunda nacionalização, que
resultou na queda de Ovando Candia e na assunção de Torres, que
surge um novo nacionalismo militar e anti-imperialista. Só que o
próprio Torres, mantendo em voga a tendência de instabilidade
dos últimos anos, encerraria esse ciclo com uma chegada distinta
ao poder que, de alguma maneira súbita, pacificaria as tensões
político-institucionais por “longos anos”, se levarmos em
consideração a temporalidade e a durabilidade dos mandatos
políticos na Bolívia na sua era republicana.
Torres cairia após um governo enunciado como revolucionário
e popular, mas que não durara mais que 10 meses, entre outubro
de 1970 e agosto de 1971. As cisuras que o levaram para fora do
Palácio Quemado se deram, por um lado, entre uma base aliada
sectária, especialmente os setores trotskistas da COB que viam na
sua derrocada um caminho para a sua chegada ao poder, e por
outro lado, entre as próprias Forças Armadas anticomunistas
temerosas que as tendências socialistas de seu governo pudesse
resultar em nova dissolução das FA‟s, como ocorrera em 1952. E a
partir de Santa Cruz, sua terra natal, e com o apoio dos EUA,
Brasil e outros países que faziam parte do núcleo militar simpático
às ideias anticomunistas e liberal-desenvolvimentistas (que
formaria, anos depois, a chamada “Operação Condor”), o então
Revista Estudos Amazônicos • 147
coronel Hugo Banzer Suárez tomaria o poder com o apoio da
„Junta Militar‟, que deporia Torres, e deixaria um rastro de mais de
200 mortes no país, somente na transição.44
Formado na Escola das Américas, então instrumento de
instrução militar que também teve atuação política na formação
ideológica dos oficiais que atuariam nas altas cúpulas dos países
das Américas, Banzer governaria o país pelos próximos sete anos.
Segundo Gallardo Lozada, o golpe contra Torres teria tido o apoio
- ou senão, o consentimento - das duas principais forças político-
partidárias do país, a Falange Socialista Boliviana (FSB, de
tendências fascistas) e o próprio MNR.45 O que é interessante
notar para este trabalho é que, nessa narrativa, nota-se o primeiro
intento objetivo da elite regional de Santa Cruz em se conformar
como poder político definitivo na Bolívia, sendo inclusive o ponto
de partida do movimento golpista que derrubou Torres. A
narrativa in loco de Gallardo Lozada defende, na própria década de
‟70, o seguinte:
En realidad, la gran estrategia acordada por el comando supremo de Santa Cruz de Santa Cruz tenía varias etapas, a saber: Si el golpe contaba con el apoyo de todas las guarniciones del país, Banzer había planeado para esa eventualidad la conformación de un gobierno provisional que se haría fuerte en Santa Cruz, inmediatamente lo reconocerían el gobierno brasileño y el paraguayo (…) en este caso la mejor alternativa, que también habían planificado fríamente los estrategas antinacionales del fascismo asesorados por el imperialismo yanqui, era la proclamación de la autonomía republicana del departamento de Santa Cruz que, como es de presumir, estaría bajo la
148 • Revista Estudos Amazônicos
tutela absoluta del Brasil (…) en él planteaba sin eufemismos, luego de un análisis geopolítico de la república boliviana, que la „gran nación camba‟ oriental de Santa Cruz, Beni y Pando debía mirar al naciente Atlántico como su única salida natural de progreso y bienestar, frente al occidente „colla‟ del que debía segregarse no sólo por múltiplas razones políticas y económicas, sino por tradiciones étnicas y culturales que obligaban a trazar una línea divisoria que escindiera al país en dos áreas
independientemente influidas (…).46
Com segurança, não é possível dizer que Banzer jamais avançou
em planos secessionistas para a região de Santa Cruz, visto
inclusive que este plano esbarraria na impossibilidade prática até
hoje persistente dos laços comerciais entre altiplano e planície; no
entanto, deve ser marcada a presença de um discurso contra-
secessionista (o que evidencia o seu polo oposto, ou seja, alguma
marca separatista já presente) em uma fonte referente aos anos
próximos ao golpe que anexa a iniciativa anticomunista castrense
ao subnacionalismo camba em um caldeirão conservador.47 O que
se destaca com efetividade e sem risco de falácia no período
Banzer Suárez, que vai de 1971 a 1978, é o caráter repressivo do
seu governo. No primeiro ano da sua gestão, através do lema
“Orden, paz y trabajo”, Banzer desativou a COB e fechou as
universidades do país, mantendo ainda um diálogo relativamente
estável com as cúpulas dos partidos que apoiaram a sua chegada ao
poder - o que implica em uma posição relativamente conciliadora,
que senão manteve o pacto militar-camponês, ao menos teve
tolerância com as lideranças partidárias. No plano econômico,
Revista Estudos Amazônicos • 149
abriu o país para os investimentos em petróleo e gás, aproveitando
a “maré” positiva do governo Nixon, que duplicou a cooperação
que rendia ao seu país, e outras transformações econômicas
importantes para o futuro do país estariam em curso. Segundo
Baptista Gumucio,
Este fue el tiempo de la enorme expansión de la agricultura cruceña mediante créditos del Estado, destinados al cultivo y a la exportación da algodón, café, azúcar y madera, así como la ganadería. (…)
Dos productos sustituirían con el tiempo el colapso que había significado para Santa Cruz la caída del algodón [a partir de 1975]: la soya y la cocaína, el primero de uso legal y la segunda de operación clandestina. La actividad del narcotráfico se había iniciado de manera subrepticia en los años sesenta y se señalaba al jefe de policía chileno Luis Gayan, que cayó con Paz
Estenssoro, como uno de sus animadores.48
Sobre este período, é possível dizer que este ciclo algodoeiro,
cujo boom ocorreu entre os anos 1970 e 1975, contou com fortes
subsídios estatais e pela conjuntura favorável de preço. E o
resultado que nos interessa, a fim de compreender o
entrelaçamento das dinâmicas nacionais na Bolívia e regionais em
Santa Cruz, é que assim então surgiu a efetiva mecanização e
modernização da agricultura crucenha, bem como o impulso
fundamental para os fluxos migratórios intra-estatais na 2ª metade
do século XX. A burguesia local obteve êxito no seu plano de agro
industrialização progressiva, associando-se aos investidores
estrangeiros interessados em aplicar na região indômita os
150 • Revista Estudos Amazônicos
resultados da revolução verde dos fins dos anos ‟50.49 Conforme
enunciam Harnecker e Fuentes,
Como resultado, la nueva elite emergente de Santa Cruz,
vinculada a los agro-negocios y con claros intereses sobre la
explotación del gas, fue recompensada por su papel en el golpe de
estado. Las políticas regresivas de distribución de tierras de Banzer,
el otorgamiento de créditos que nunca fueron pagados, y el dinero
de las regalías obtenidas por la explotación del gas en esa región
que no fueron redistribuidas al resto del país, sentaron las bases
para que esta nueva élite se consolidara en el poder durante los
regímenes neoliberales.50
Enquanto na planície arrancava um novo ciclo econômico que
futuramente seria determinante para todo o sucesso e toda a
instabilidade nacional das próximas décadas, o altiplano encarava
seus primeiros rastros de decadência burguesa e da assunção de
novas forças e formas políticas. Arregimentava-se de forma
discreta e codificada um movimento político diferenciado, cuja
organicidade não dependia mais de programas e matizes
ideológicos orientados para a manutenção das variantes da
república ocidentalizada e seus conceitos de democracia,
participação, representação e organização política.51 É de suma
importância compreender o processo de formação em torno do
heterogêneo movimento katarista (inspirado no legendário herói
indígena Tupac Katari, morto no século XVII pelas tropas
coloniais), na medida em que a sua orientação diferenciada com
Revista Estudos Amazônicos • 151
relação às formas de organização e as agendas políticas
tradicionais, bem como a sua argamassa identitária indígena, são
fundamentais para se compreender a contemporaneidade política
no país. Segundo Camargo, o movimento destacou-se por constituir
o pólo de referência radical do discurso de autonomia indígena, constituindo
símbolo poderoso de certo irredentismo aimará enraivecido52. Katari, nessa
direção, era a ressignificação original e nacional apropriada para a
retórica antiimperialista: antes, mortos pelos conquistadores; hoje,
mortos pelo império.
Igualmente, é importante elucidar que, ademais o katarismo se
notabilizar pela sua orientação identitária distinta, cujos alicerces
camponeses, comunitaristas, sindicais e indígenas são assaz
próprios, denotam uma outra forma de aglutinação em torno do
seu movimento como um somatório de experiência mais que
propriamente o concatenar de comitês, seções eleitorais ou
diretórios conforme um partido político. Dentre as várias
incorporações culturais cuja influência política do katarismo seriam
profundas neste momento, segundo Rocha, seria a atitude do
movimento político, que
(...) passou a utilizar a bandeira Wiphala, símbolo dos povos indígenas, e a recuperar tradições e o próprio uso do idioma [aimará]. O Katarismo usou intensamente as rádios, para transmitir programas e radio novelas em aimará sobre as lutas históricas desta etnia, e também para diversões cotidianas, como partidas de futebol e adaptações de filmes de
sucesso.53
152 • Revista Estudos Amazônicos
Ainda segundo o Manifesto de Tihuanaco,
The systematic attempt to destroy the Qhechwa and Aymara cultures is the source of the nation´s frustrations. Politicians from the dominant minorities have attempted to create a type of development based solely on a servile imitation of the development of other countries, while our
cultural heritage is totally different.54
De acordo com este ponto de vista está Alfredo Camargo ao
enunciar que
(...) as emissoras aimarás puderam, durante muito tempo, escapar da censura imposta aos meios de comunicação – que somente atinge-as no final do governo Banzer –, tendo assim constituído, durante quase meia década, talvez o único veículo
de comunicação livre em toda a Bolívia.55
Uma das chaves explicativas, exposta em Harnecker e Fuentes,
traduz a formação camponesa dos movimentos sindicais - e não
necessariamente operária - ao longo dos anos ‟60 e que havia se
tornado própria e notória durante a Assembleia Popular do
governo Torres como pontos de partida para a transformação das
organizações genuinamente populares no país e organizadas em
torno da auto-identificação indígena do movimento katarista. Nos
termos próprios destes autores, a influência do movimento anti-
imperialista, revoltado com o neocolonialismo, revelou-se também
na Bolívia:
En 1973, los kataristas salieron nuevamente al escenario nacional, soltando su más importante manifiesto que definía las políticas de esta corriente. (…) se proclamó el manifiesto declarando „somos explotados como campesinos y
Revista Estudos Amazônicos • 153
oprimidos como indígenas‟ y „nos sentimos
extranjeros en nuestro propio país‟.56
O movimento katarista, com a sua matriz nacional aimará, foi
responsável pela reinserção dos cultos e símbolos autóctones, pela
retomada estratégica do ayllu - unidade social básica do Império
Inca - como espacialidade para a discussão da questão agrária, e
mais importante, pela renovação simbólica da política a partir do
abandono das figuras dos caciquistas caudillos criollos ou dos mallkus
(chefes) indígenas, mas na atenção destinada ao mito do Pachacuti,
de uma história milenar interrompida e que retornaria, nas palavras
lendárias de Katari, através de „milhões e milhões‟. Com a sua
matriz estritamente indígena, e não mais mestiça, e especialmente
camponesa, foi o movimento katarista que deu origem a
Confederación Sindical Única de Trabajadores Campesinos de
Bolivia (CSUTCB), que se uniria a COB para formar novamente a
união camponês-operária dos anos ‟50. No entanto, a CSUTCB
não faria com que os movimentos sociais camponeses orbitassem
novamente em torno da operária COB, seja pela energia adquirida
pelos movimentos camponeses através das experiências durante os
regimes de exceção - incluindo-se aí o pacto militar-camponês - e
pela sua orientação étnica inédita; seja pela própria perda da
vanguarda dos movimentos operários soterrados pelo sectarismo
político e pela repressão dos regimes de exceção, por sua vez
motivada na outrora preeminente representatividade sindical
operária.
154 • Revista Estudos Amazônicos
Ainda sobre a repressão no interior da questão política na
segunda metade da década, o banzerato (como era alcunhado o
governo de facto de Banzer Suárez) realiza um verdadeiro „golpe
dentro do golpe‟, fazendo com que a repressão se tornasse ainda
mais intensa e toda a atividade política seria proibida, com os
principais e concorrentes líderes político-partidários sendo exilados
sem possibilidade de negociação. Entre torturas, assassinatos e
exílios forçados, mais de 3.000 pessoas, em sua maioria líderes
políticos, foram perseguidos politicamente durante o „banzerato‟,
caracterizando-se um período de intensa pressão política.57 Até
hoje, por ausência de investigações abertas e julgamentos para
revisar os porões da ditadura banzerista, não há um número exato
(ou próximo disso) que enumere os desaparecidos. O Katarismo,
por exemplo, só teria seus líderes restituídos e a sua força política
recondicionada no final dos anos ‟70, com a anistia política relativa
promovida pelo fim do governo Banzer Suárez. No entanto, os
partidos políticos dominariam uma transição tortuosa e altamente
voltada para uma perspectiva democrática parlamentarizada, sem
nenhuma aspiração suficientemente representativa no sentido de
alçar vôo a uma democracia mais participativa - modelo, por sinal,
especialmente jovem em todo o ocidente. A própria inserção do
katarismo nesse jogo de tensões, através de duas frentes distintas
(o Movimiento Revolucionario Tupac Katari / MRTK e o
Movimiento Indio Tupac Katari MITKA) denota esta proposição.
Revista Estudos Amazônicos • 155
A queda de Banzer é atribuída por muitos historiadores à falta
de legitimidade que o governo teve, na medida em que havia sido
consolidado, malgrado certa tortuosidade institucional, uma série
de experiências populares pendentes à esquerda. Com a exceção da
burguesia crucenha, beneficiada com os seus incentivos creditícios,
distribuição de terra favorável58 e incentivo à exportação, nem
mesmo a guarnição de La Paz estaria ao seu lado nos fins da
década de ‟70. Para tentar forjar tal legitimidade, Banzer tornou-se
ciente de que uma força político-partidária seria necessária para
participar das eleições e, com esse intuito, criou a Acción
Democrática Nacionalista (ADN), em março de 1979.
Mais uma vez, a Bolívia mergulharia em instabilidade
institucional no poder executivo. Seguiram-se, entre 1978, ano do
fim da ditadura Banzer, e 1982, início do governo de Hernán Siles
Suazo, oito mandatos presidenciais de curtíssima duração (alguns
duraram até mesmo dias, semanas), que oscilaram desde uma
„narcoditadura‟ com Luis Garcia Meza, até a presença inédita de
uma mulher no poder, Lídia Gueiler. O período pode ser
caracterizado sucintamente por uma crise econômica brutal
causada pela queda do preço do estanho (então a principal
commodity do país), que por consequência e inépcia dos governos
causou uma brutal hiperinflação e o aprofundamento da posição
marginal da Bolívia na economia continental. Ainda, a situação
política a cada vez se tornava mais degradada: as tensões entre os
movimentos progressistas pró-democracia (entre eles, os
156 • Revista Estudos Amazônicos
presidentes civis deste interregno, a ala à esquerda do MNR
coordenada por Siles Suazo e do Comité Nacional de Defensa de
la Democracia) e os setores militares conservadores lançaram o
país em um banho de sangue generalizado. Aliás, os próprios
setores militares entraram em choque interno, na medida em que
alguns altos oficiais (como David Padilla Arancibia, no final de
1978) já haviam tomado ciência da insustentabilidade de mais
governos militares no país; enquanto isso, outra facção (as
chamadas “roscas”, pequenos grupos políticos facciosos), buscava
impedir a chegada dos setores progressistas ao poder através de
genocídios políticos e de contragolpes antidemocráticos.
Em 1981, foram readquiridos os direitos democráticos no país
após uma vasta campanha sindical e o reconhecimento do governo
de Hernán Siles Suazo, vencedor dos pleitos de 1970 e 1980 que
não pode tomar posse pelos tais contragolpes conservadores.59
Buscando a retomada do projeto nacional-desenvolvimentista
popular da Revolução de 1952, o seu partido Unidad Democrática
y Popular (UDP, um conglomerado dos principais partidos de
esquerda do país)60 tentou se consolidar como uma alternativa de
esquerda que agregasse os setores médios como o MNR um dia o
fizera. No entanto, a crise internacional do petróleo de 1979
arrastou ainda mais a Bolívia para o precipício econômico que já
encontrara, por conta das finanças públicas devastadas pelos
regimes de exceção além da já presente crise dos preços do
minério. Sem demora, o governo da UDP se aprofundara em uma
Revista Estudos Amazônicos • 157
crise profunda, especialmente após a saída da COB da sua
coalizão.
Por conta da difícil sustentação de seu governo, Suazo
convocou eleições gerais para 1985, um ano antes da data
orientada. Com a falência do projeto político da antiga esquerda do
MNR, aproveitara-se da situação a ala moderada do partido,
liderada pelo vencedor Victor Paz Estenssoro. Foi bem
capitalizada por Paz Estenssoro a ideia de que, como no final da
década de „60, as tensões entre esquerda e direita nos anos „80
reeditaram uma Bolívia falida e que, portanto, o centro era a
melhor escolha.
Talvez seja um engano, no entanto, dizer que Paz Estenssoro e
o MNR eram os mesmos. Sem a base sindical da COB, esfacelada,
e com uma esquerda em recomposição, essa ala centrista do MNR
avançou a galope em um plano econômico que se tornaria famoso
pela sua “terapia de choque”. O panorama de uma hiperinflação
gigantesca e a voga do Consenso de Washington abalizando o
início desta nova etapa transformou o partido outrora nacionalista
em um adepto patente da corrente econômica dita “neoliberal”.
Ainda segundo Mauricio Santoro Rocha, a "desrevolução", ou seja,
o desmantelamento da máquina estatal de '52 se deu através de
privatizações - eufemisticamente chamadas de "capitalizações" - e
de demissões em massa, revelando a sua face mais dura para as
camadas populares.61 Sintomaticamente, é nesse momento que se
instala uma ruptura crítica no quadro dos partidos deste país,
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abalroando o mais importantes destes bolivianos até então e
iniciando um “xeque”, um abalo a essa estrutura consolidada.
Como fazer o eleitorado entender que, ao se eleger novamente o
dito nacionalista MNR, em verdade chegava a La Paz uma
doutrina de choques privatizantes?
O ministro do planejamento de Estenssoro nesta gestão era o
tecnocrata Sanchez de Lozada, formado nos EUA. Sua primeira
assunção presidencial se deu entre 1993-1997, em uma gestão
marcada por descentralização municipal e avanços no processo de
liberalização da economia, obtendo relativa popularidade e
agradando consideravelmente setores emergentes das elites do
país, ávidas por essa descentralização. Entre essas elites, estavam
os agro empresários de Santa Cruz de la Sierra, grupo que
reivindicaria posteriormente o seu papel enquanto pilar da
economia boliviana na entrada do século XXI. Em 2002, Sanchez
de Lozada voltaria ao cargo encontrando um avançado processo
de privatizações na economia do gás, central para aquele país, entre
os quais estavam envolvidos agentes internacionais como
companhias transnacionais de extração de hidrocarbonetos e a
grande e contestada superpotência do pós-Guerra Fria, os EUA.
As decisões mais urgentes sobre os rumos do recurso mais
rentável deste país estariam, segundo os rebeldes, subordinadas aos
interesses estrangeiros. Justamente nessa contestação residiriam as
questões que levariam Sanchez de Lozada à derrocada na Guerra
do Gás, onde os movimentos sociais organizados em torno do
Revista Estudos Amazônicos • 159
partido da FEJUVE e do Movimiento al Socialismo (MAS) pararam o
país exigindo a reversão deste processo de exportações, sendo o
governo altamente criticado pelas massas por essa reversão não
representar efetivamente o crescimento do país.
Nesta breve introdução a história da Bolívia contemporânea,
buscou-se entrelaçar e contextualizar as narrativas, os principais
processos e marcos relacionados aos mais notáveis agentes
políticos de Santa Cruz e La Paz, os dois polos de poder
econômico, político e social dessa Bolívia aqui narrada. Salvo este
esforço, é preciso avançar ainda nas questões mais objetivas deste
período, o que esperamos de um afortunado debate ainda vivo e
pulsante. Nas próximas contribuições, certamente não se furtarão
questões determinantes dessa história entrecruzada de um dos
mais interessantes percursos da história recente sul-americana.
Artigo recebido em abril de 2013
Aprovado em junho de 2013
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NOTAS
* Doutorando em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Mestre em História Comparada por esta mesma universidade. Professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Pesquisa sobre instituições, democracia e bem-estar na Bolívia e no Equador em corte comparativo para o seu doutoramento. Contato eletrônico: daniel.chaves@unifap.br Sitio eletrônico: www.cptempopresente.org. 1 Em Schurster (2009), há um franco e amplo debate expositivo sobre a história do
Tempo Presente, examinando como a “visão orwelliana, onde há o reconhecimento de um continuo fortalecimento do poder apoiado numa racionalidade generalizada, imposta em todos os lugares da existência coletiva e individual, [acaba] transformando assim a teoria histórica numa camisa de força generalizante, a qual esta não se propõe”. Ver ainda para uma revisão conceitual pertinente: SCHURSTER, Karl. “Ver e não ver: por uma história do Tempo Presente”. Rio de Janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO. Ano 4, nº 14, 2009. 2 TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. “Herzog: uma história do presente”.
Disponível em: <http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_content&task=view&id=1384&Itemid=146>. Acesso em: 30/out./ 2009. 3 BEDARIDÁ, François. “Tempo Presente, Presença da História”. In: FERREIRA,
M. e AMADO, J. (Orgs). Usos & Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996. 3 LAGROU, Pieter. “Sobre a atualidade da história do tempo presente”. In: PORTO
JR., Gilson (Org). História do tempo presente. São Paulo: EDUSC, 2007, p. 37. 4 Ibidem. 5 Ver: FUKUYAMA, Francis. O Fim da história e o Último homem. Rio de Janeiro:
Rocco, 1992. 6 CAMARGO, Alfredo Jose Cavalcanti Jordão de. Bolívia – A Criação de um Novo
País a Ascensão do Poder Político Autóctone das Civilizações Pré-colombianas a Evo Morales. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 2006, p. 129. 7 Também conhecida como Guerra do Pacífico ou Guerra do Guano, envolvendo
Peru, Bolívia e Chile, no qual a Bolívia perdeu o acesso ao Oceano Pacífico para o Chile, até hoje persistente. Opta-se pela denominação “Guerra do Salitre”, comumente utilizada, para que se evite confusão com o confronto ocorrido entre 1937 e 1945 envolvendo o Eixo e os Aliados na Segunda Guerra Mundial. 8 CAMARGO, Bolívia, p. 128. 9 ROCA, Jose Luis. Economia y sociedad en el Oriente Boliviano (siglos XVI-XX). Santa
Cruz: Cotas, 2001, p. 557. 10 Ver em ROCA, Economia y sociedad en el Oriente Boliviano, o registro de
documentação da Sociedad de Estudios Geográficos e Historicos de Santa Cruz, citado na página 558. Em COSTAS LIJERÓN, Bryan. Luchas cívicas. Disponível em: <http://www.comiteprosantacruz.org.bo/luch.html>. Acesso em: 16/out./2007, também se nota a menção ao Memorandum al Congreso Nacional, ao dizer que “En 1904, la Sociedad de Estudios Geográficos e Históricos envía un
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Memorándum al Congreso Nacional, en el que planteaban – entre otras cosas – la integración del oriente con el Occidente, a través de la construcción de una ferrovía que uniera Santa Cruz con Cochabamba”. Também é preciso dizer que a denominação “crucenho” refere-se ao cidadão nativo do departamento de Santa Cruz. Observar-se-ão denominações como cruceño (grafia castelhanizada) ou camba, que por sinal não necessariamente é sinônimo de crucenho. 11 Ver ANDRADE, Everaldo de Oliveira. A Revolução Boliviana. São Paulo: Unesp,
2007, p. 27. 12 Idem, pp. 30-31. 13 CORUM, James S. “O poder aéreo na guerra do Chaco”. Disponível em www.airpower.maxwell.af.mil/apjinternational/apj-p/2003/1tri03/corum.html Visitado em dez./2009. 14 AYERBE, Luis Fernando. Estados Unidos e América Latina: A construção da
hegemonia. São Paulo: UNESP, 2002. 15 BERNARD, Jean-Pierre. CERQUEIRA, Silas. NEIRA, Hugo. GRAILLOT,
Helène. MANIGAT, Leslie & GUILHODÈS, Pierre. Guide to the political parties in South America. Inglaterra: Penguin Books, 1974, p. 116. 16 SORUCO, Ximena et al. Los barones del Oriente - el poder en Santa Cruz ayer y hoy.
Santa Cruz: Fundación Tierra, 2008, p. 30. 17 ROCA, “Economia y sociedad en el Oriente Bolivian”, p. 411. 18 SORUCO, Los barones del Oriente, p. 17. 19 Ibidem, pp. 17-18; 32. 20 ANDRADE, A Revolução Boliviana, pp. 36-38. 21 COSTAS LIJERÓN, Luchas cívicas. 22 Santa Cruz retomará la lucha por las regalías. El nuevo dia, 16 de Julho de 2008.
Ver ainda: La ley que otorga regalias cumplió 70 años con más recortes a sus ingresos. El mundo, 16 de Julho de 2008. 23 Que equivaleria, na lógica do ordenamento jurídico-legal do Estado brasileiro aos
nossos estados federados, mas que na Bolívia, como Estado então centralista, configura um nível intermediário regional subordinado ao nacional e acima do municipal. 24 CAMARGO, Bolívia, p. 150. 25 Ver: Federacion Sindical de Trabajadores Mineros de Bolivia. Tesis central de la
Federación Sindical de Trabajadores Mineros de Bolivia aprobada sobre la base del proyecto presentado por la delegación de Llallagua. Disponível em: <http://www.pt.org.uy/textos/temas/pulacayo.htm>. Acesso em 19/dez./2009. 26 COSTAS LIJERÓN, Luchas cívicas. 27 ORTIZ SAUCEDO, Jimmy. “El Plan Bohan y la Marcha hacia el Oriente”.
Disponível em:<http://www.nacioncamba.net/articulos/plan_bohan.htm>. Acesso em 12/dez./2009. 28 DUNIA SANDOVAL, Carmen. Santa Cruz: Economía y Poder (1952-1993). La
Paz: Fundación PIEB, 2003, pp. 14-16. O trabalho de Dunia Sandoval destaca-se pela abrangência extensa, ao mesmo tempo em que discute determinadas questões
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eclipsadas pela maior parte dos historiadores nacionais como terra, trabalho, organizações políticas e movimentos sociais. Ainda, mais especial é a maneira a qual relaciona Santa Cruz a todos estes assuntos, na medida em que a historiografia de destaque trabalha com os grandes temas por um lado, enfocando as transformações no altiplano, ou apenas com as formações cooperativas responsáveis pelo desenvolvimento crucenho, polarizando a história política dos últimos 50 anos e, senão ajudando, mantendo o fosso entre a história política em dimensão nacional. 29 Ibidem, p. 18. 30 Ibidem, pp. 20-23. 31 ZAVALETA MERCADO, René. Lo nacional-popular en Bolivia. México: Siglo XXI
Editores, 1986, p. 17. 32 DUNIA SANDOVAL, Santa Cruz: Economía y Poder, p. 42. 33 Ibidem, p. 43. E ainda, é preciso dizer que poucas propriedades de terra foram
distribuídas no bojo da reforma. Ver: Ibidem, p. 46. 34 ROCA, Economia y sociedad en el Oriente Bolivian, p. 583. 35 SORUCO, Los barones del Oriente, p. 40. 36 Ibidem, p. 41. 37 ROCA, Economia y sociedad en el Oriente Bolivian, pp. 605- 606. 38 ARGIRAKIS JORDÁN, Helena. “Prólogo”. In: SORUCO, Los barones del Oriente,
p. viii. 39 MORALES AYMA, Juan Evo. Decreto Supremo 28.071 “Héroes del Chaco”.
Disponível: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal19/13D28071.pdf >. Acesso em 11/dez./2009. Essa nacionalização realizou-se em uma ação mediática que orquestrou o dia do trabalho, a presença militar e a realização de promessas das últimas eleições. O impacto direto nas relações entre Bolívia e Brasil misturou desconfiança com conciliação, em termos que exploraremos posteriormente. 40 Uma caracterização básica aqui compreendida desse conjunto de idéias elucidaria
que, teoricamente, o atraso de determinados países decorre da relação do capitalismo mundial de dependência entre países "centrais" e países "periféricos" - incorrendo, portanto, na noção de que o capitalismo não só é modo de produção, como também sistema de circulação. Como centro formador da economia mundial estariam os chamados „países centrais‟, sendo identificados no espaço em que o meio técnico científico informacional circula em escala ampliada e os fluxos de capital igualmente fluam com mais intensidade. Já os „países periféricos‟ estaria posicionados às margens desse espaço privilegiado, sofrendo as sanções impostas pelas intempéries do centro capitalista, além de estar provida por uma circulação de capitais e de desenvolvimento técnico-científico consideravelmente reduzido com relação aos países centrais, justamente pela sua subordinação (ou dependência). Essa dependência, por sua vez, estaria relacionada ao processo histórico de adesão forçosa das zonas periféricas ao sistema capitalista, já mundializado, e às debilidades dessa inserção imperfeita - ou „subdesenvolvida‟ - que impediria os países periféricos de se emancipar econômica e politicamente com relação ao centro. Ver: GUNDER FRANK, André. Capitalism and Underdevelopment in Latin America: Historical Studies of Chile and Brazil. New York: Monthly Review Press, 1967.
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41 TORRES, Juan José. El general Torres habla a Bolivia. Argentina: Ediciones de Crisis,
1973, pp. 11; 15. 42 GALLARDO LOZADA, Jorge. De Torres a Banzer: diez meses de emergencia en
Bolivia. Argentina: Ediciones Periferia, 1972, pp. 166-167. 43 SÁ, Miguel. “A Bolívia no Tempo Presente: projetos em disputa e crises a partir
do altiplano”. In: CHAVES, Daniel. ARAUJO, Rafael & SÁ, Miguel. Bolívia - passos das revoluções. Niterói: Muiraquitã, 2009, p. 34. 44 BAPTISTA GUMUCIO, Mariano. Breve Historia Contemporânea de Bolívia. México:
Fondo de Cultura Económica, 1996, p. 307. 45 GALLARDO LOZADA, De Torres a Banzer, p. 420. 46 Ibidem, pp. 424-425. 47 O discurso é notado, novamente, com vigor e menção explícita aos recursos
naturais do gás e petróleo, no Século XXI. Ver: El Condor Boliviano Editores. “Prólogo”. In: PINOCHET UGARTE, Augusto. Geopolítica de Chile. La Paz: El Cóndor Boliviano, s/a. 48 BAPTISTA GUMUCIO, Breve Historia Contemporânea de Bolívia, pp. 309b-310. 49 O termo, inicialmente cunhado em uma apresentação de William Gaud, burocrata
do USAID (Agencia dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), refere-se a uma faixa de processos de inovação técnico-científica que revolucionaram a produção agrícola em todo o mundo. O modelo se baseou no uso direto de sementes melhoradas (em especial, as híbridas), insumos industriais, diminuição do custo de manejo e mecanização, bem como uso de tecnologia no plantio, na irrigação e na colheita. Esta etapa do desenvolvimento agroindustrial na região, por sua vez, está relacionada à formação dos Complexos Agroindustriais (CAI). Sobre a formação do Complexo Agroindustrial e a tecnificação do campo, ver: KAUTSKY, Karl. A questão agrária. 3ª ed. São Paulo: Proposta Editorial, 1980. 50 HARNECKER, Marta & FUENTES, Federico. “MAS-IPSP de Bolivia:
Instrumento político que surge de los movimientos sociales”. Disponível em: <www.rebelion.org/docs/67155.pdf>. Acesso em: 20/out./2009, p. 33. 51 Segundo o Manifesto de Tihuanaco, primeiro documento do movimento katarista
consolidado em 1973, “In practice the Bolivian peasantry has never really belonged to any political party because no party has represented their true interests or been inspired with their cultural values”. É necessário mencionar também Garcia Linera, quando afirma categoricamente que este somatório de experiências não segue pela via tradicional dos movimentos políticos e sociais ocidentais: “La comunidad, por tanto, lleva el sello de la subalternidad a la que ha sido arrinconada y de la que no puede sustraerse hasta ahora. De igual manera, los distintos tipos de unificación intra-comunal, ya sean en la forma de resistencia a las imposiciones estatales o de demanda por sus exclusiones, cargan el efecto de esta supeditación colonial que, paradójicamente, es renovada por la resistencia y la demanda”. Ver respectivamente: Manifesto de Tihuanaco. Anexo I. In: CAMARGO, Bolívia, p. 293. GARCIA LINERA, Álvaro. La potencia plebeya: acción colectiva e identidades indígenas, obreras y populares en Bolivia. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2008, p. 205. 52 CAMARGO, Bolívia, p. 173.
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53 ROCHA, Maurício. “A outra volta do bumerangue: Estado, movimentos sociais e
recursos naturais na Bolívia (1952-2006)”. In: Ibidem. Bolívia: de 1952 ao Século XXI. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão / Ministério das Relações Exteriores, 2006, p.24. 54 Manifesto de Tihuanaco. Anexo I. In: CAMARGO, Bolívia, p. 288. 55 CAMARGO, Bolívia, p. 165. 56 HARNECKER & FUENTES, “MAS-IPSP de Bolivia: Instrumento político que
surge de los movimientos sociales”, pp. 33-35. 57 “Hidden cells reveal Bolivia's dark past”. In: BBC News, disponível em:
<http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/7925694.stm>. Acesso em: 16/dez./2009. 58 Ver o “Cuadro 7: Distribución de Tierras en Bolivia según presidentes por
período de gobierno”, baseado no “Situación y perspectivas del proceso agrario”. Ministerio de Desarrollo Sostenible, 2002. Citado en Plan Nacional de Saneamiento y Titulación. La Paz: Ministerio de Desarrollo Rural, Agropecuario y Medio Ambiente, 2006. Segundo este, durante o governo Banzer se entregou mais de 33% da quantidade geral de terras desde a Revolução de ‟52, incluindo até mesmo as suas dotações na redistribuição de terras. 59 SÁ, “A Bolívia no Tempo Presente: projetos em disputa e crises a partir do
altiplano”, p. 13. 60 Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR), de Jaime Paz Zamora, o
Movimiento Nacionalista Revolucionario de Izquierda (MNR-I), de Hernán Siles Suazo, o Partido Revolucionario de la Izquierda Nacionalista, de Juan Lechín Oquendo e Lidia Gueiler e o Partido Comunista de Bolivia. Deve ser destacada a multiplicidade de frentes partidárias neste momento, se configurando ainda mais de uma dezena de partidos em torno da UDP. 61 ROCHA, “A outra volta do bumerangue: Estado, movimentos sociais e recursos
naturais na Bolívia (1952-2006)”, p. 23.
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