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Revista Estudos Amazônicos • vol. VIII, nº 2 (2012), pp. 117-164 Apontamentos para uma História dos Ciclos Políticos, Econômicos e um Percurso Histórico na Bolívia do século XX Daniel Chaves * Resumo: Para concretizar o nosso objetivo central deste texto, que é a narração breve recheada de apontamentos para uma história da Bolívia no século XX, com ênfase no entrecruzamento das histórias dos polos de poder estabelecidos progressivamente em Santa Cruz e La Paz, nos voltaremos aos marcos elementares para compreender melhor os últimos 50 anos, que merecem maior destaque pela sua notável vivacidade e intensidade. Buscaremos, portanto, compreender como se relacionam estes processos históricos na formação da Bolívia contemporânea, como incidem em tópicos específicos do próprio centro da discussão histórica boliviana. Uma trajetória singular de disputas étnicas, raciais e políticas, que merece exame profícuo para uma compreensão no tempo presente. Palavras-chave: Bolívia, Tempo Presente, Santa Cruz, La Paz. Resumen: Para lograr nuestro objetivo de este texto, que es el percurso y apuntes hacia una historia de Bolivia en el siglo XX, con énfasis en el entrecruzamiento de historias de los polos de poder establecidas progresivamente en Santa Cruz y La Paz, vamos a utilizar los puntos de referencia primaria para entender mejor los últimos 50 años, que merecen mayor atención por su vivacidad y intensidad. Tenemos la intención, asi, em comprender cómo se relacionan estos procesos históricos en la configuración de Bolivia contemporánea sobre temas específicos, y mas, con el centro de la discusión histórica Bolivia. Una trayectoria singular de razas y etnias que merece un examen fructífero para la comprensión de la actualidad. Palavras-clave: Bolívia, Tiempo Presente, Santa Cruz, La Paz.

Apontamentos para uma História dos Ciclos Políticos, Econômicos e um Percurso Histórico na Bolívia do século XX

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Revista Estudos Amazônicos • vol. VIII, nº 2 (2012), pp. 117-164

Apontamentos para uma História dos Ciclos

Políticos, Econômicos e um Percurso

Histórico na Bolívia do século XX

Daniel Chaves*

Resumo: Para concretizar o nosso objetivo central deste texto, que é a

narração breve recheada de apontamentos para uma história da Bolívia no século XX, com ênfase no entrecruzamento das histórias dos polos de poder estabelecidos progressivamente em Santa Cruz e La Paz, nos voltaremos aos marcos elementares para compreender melhor os últimos 50 anos, que merecem maior destaque pela sua notável vivacidade e intensidade. Buscaremos, portanto, compreender como se relacionam estes processos históricos na formação da Bolívia contemporânea, como incidem em tópicos específicos do próprio centro da discussão histórica boliviana. Uma trajetória singular de disputas étnicas, raciais e políticas, que merece exame profícuo para uma compreensão no tempo presente.

Palavras-chave: Bolívia, Tempo Presente, Santa Cruz, La Paz. Resumen: Para lograr nuestro objetivo de este texto, que es el percurso y

apuntes hacia una historia de Bolivia en el siglo XX, con énfasis en el entrecruzamiento de historias de los polos de poder establecidas progresivamente en Santa Cruz y La Paz, vamos a utilizar los puntos de referencia primaria para entender mejor los últimos 50 años, que merecen mayor atención por su vivacidad y intensidad. Tenemos la intención, asi, em comprender cómo se relacionan estos procesos históricos en la configuración de Bolivia contemporánea sobre temas específicos, y mas, con el centro de la discusión histórica Bolivia. Una trayectoria singular de razas y etnias que merece un examen fructífero para la comprensión de la actualidad.

Palavras-clave: Bolívia, Tiempo Presente, Santa Cruz, La Paz.

118 • Revista Estudos Amazônicos

Um dos pilares destacados na nossa modesta prerrogativa de

construção teórica e epistêmica para o arrolamento deste estudo

histórico na sua relação direta parte da racionalidade crítica do

Tempo Presente enquanto perspectiva plural e cuasi metamórfica

de construção do conhecimento - na medida em que não se

constitui enquanto „camisa de força generalizante‟ das grandes

escolas e periodizações historiográficas.1 Não seria adequado restar

importância maior ou menor para essa conjuntura política em

análise por razão de qualquer proximidade temporal com relação

ao período de confecção deste trabalho, bem como é necessário

entender que a História do Tempo Presente enquanto campo de

tensões teórico-epistemológicas deve ser compreendido de forma

mais ampla que simplesmente uma “história do presente”, ou

como um salvo-conduto para que o historiador possa exercitar

seus estudos em períodos mais próximos da contemporaneidade.

Teixeira da Silva fala sobre o tema:

(...) a história do tempo presente é um campo novo, mesmo muito recente, entre os historiadores. As suas origens se prendem à percepção por parte de alguns historiadores de uma censura social, de uma pátina do esquecimento, que interditava a explicitação de muitas das lutas mais contemporâneas.2

Exatamente sobre as pátinas de esquecimento, as questões

sobre a veracidade e a totalidade em vias de esquecimento é que

devemos nos apoiar para entender que o entrecruzamento dessas

histórias, comparadas, nos subsidiará amparo para que

Revista Estudos Amazônicos • 119

reconheçamos os pontos nevrálgicos onde o passado é escondido

e os paralelos são criados para se afastar no horizonte.3 Nos

múltiplos encontros dos processos políticos históricos, forja-se a

trama para uma história do tempo presente que não transforme o

tecido social em retalhos e eleja o método comparativo.

Segundo Lagrou, a prática dos historiadores do „tempo

presente‟ – independentemente de qualquer pressuposto ou de

qualquer definição – parece bem confirmar que „o presente começa

cada vez com a última catástrofe datada‟ ou, ao menos, com a

última grande ruptura4.

Não é possível se portar como um admirador do passado e

perder de vista a primeira revolução democrática do século XXI e

as suas contradições mais íntimas, que com alguma probabilidade

será matricial em alguns anos para estudos ulteriores sobre o

“tempo presente” da alta contemporaneidade boliviana, quando se

buscar compreender as razões e as tensões que conduziram um

singular processo histórico em meio às transições não anunciadas

do século XXI pós- “fim da história”5 .

Indagações profundas que estão invariavelmente ligadas à

fundação do tempo presente precedente destas transformações

nos remeteriam diretamente à Revolução Nacionalista de 1952,

quando se afirmou definitivamente a questão indígena e o

nacionalismo de esquerda nas suas relações com o Estado. Ainda,

é preciso estar atento sobre como estas relações se entrecruzaram

com as dinâmicas regionais ligadas à planície de Santa Cruz, que

120 • Revista Estudos Amazônicos

também nos são igualmente interessantes. No entanto, é possível

crer que o evento relacionado à 1ª revolução democrática do

século XXI, sendo não só a eleição do 1º presidente indígena do

país como também o 1º presidente eleito efetivamente pela sua

maioria nas urnas do país - e quiçá mais, com a refundação

nacional pela Carta Magna de 2009 - nos rende subsídios

suficientes para abalizar essa produção de um novo marco para um

novo presente na história boliviana.

Conforme nos explicou Lagrou, essa última „catástrofe‟ dada é

sempre definidora com relação ao presente e ao tempo vivido.

Nesse sentido, é pertinente que se situe para balizar a percepção

temporal aqui trabalhada no recorte (2003-2008), o marco da

Revolução Nacionalista de 1952 para a compreensão da

contemporaneidade política boliviana, contendo as transformações

fundamentais da sociedade hoje constituída. E, mantendo a

perspectiva enunciada por Kocka para trabalharmos com a noção

de que uma história entrecruzada é pertinente como forma mais

aguçada, para articularmos, primaremos invariavelmente por uma

história comparada que aproxime ainda mais as trajetórias, os

impactos e as transformações relacionadas aos fenômenos e

objetos históricos em comparação. Assim, compreender-se-á aqui

que tanto nos polos político-econômicos de La Paz e de Santa

Cruz, as implicações destes fenômenos se deram de forma

igualmente relevantes, cada qual com a sua particularidade.

Revista Estudos Amazônicos • 121

Sobre um período que pode ser destacado como instável e

marcado pela ruptura que funda o século XX boliviano. Segundo

Alfredo Camargo, a “convenção [constitucional] de 1880, que deu

à Bolívia nova constituição, consagra o término do período

preponderantemente caudilhista-militar (...). O novo Estado que

conforma é civilista e oligárquico, nos moldes do liberalismo

clássico dos fins do século XIX”.6 Neste panorama, adjacente a já

transcorrida Guerra do Salitre7 começada em 1878, nota-se uma

profunda crise intra-oligárquica que confrontou os partidos

Conservador e Liberal, que por sua vez dividiram o poder desde o

início do século XIX até a década de 20. Posteriormente, quando

estoura a Guerra do Chaco (1932-1935), novo sismo ocorre na

história do país. Retomaremos este último conflito em alguns

momentos para analisar como os conflitos militares envolvendo o

país, proporcionaram impactos na determinação da sua história

política, econômica, social e institucional.

Retornando ao processo que desemboca na Guerra Civil de

1899, é possível que se afirme com segurança que este confronto

se deu em duas frentes claramente delineadas, que posteriormente

se entrelaçariam na associação de grupos sociais distintos. Por um

lado, a revolta de quéchuas e aimarás liderada pelo representativo

Zárate “Mallku” Willka, que lutava pela “restituição das terras

comunitárias usurpadas e a concessão de autonomia administrativa

às comunidades indígenas”.8 Por outro, a já citada crise intra-

oligárquica, envolvendo Liberais e Conservadores, estava

122 • Revista Estudos Amazônicos

diretamente relacionada à transição do ciclo extrativista da prata

para o estanho. Com essa mudança, reordenar-se-ia o próprio

arranjo político interno do país e Sucre, próxima às minas de

Potosí e antiga capital, perderia os poderes legislativo e executivo

para La Paz, mais próxima às minas de estanho em Oruro. É

possível destacar aqui a determinação dos ciclos de extrativismo

mineral, então atividade quase única do país, é indubitável sobre os

conflitos que via-de-regra incidiram nas transições institucionais do

século XVIII e XIX.

É possível dizer, igualmente, que a confluência entre estas duas

frentes na Guerra Civil de 1899 decorre do esgotamento geral do

sistema econômico e político liberal vigente, somado a

ressurgência da pertença coletiva entre os indígenas sobre as terras

comunitárias usurpadas - que, paradoxalmente, fora fundamental

para a vitória liberal através da aliança tática confeccionada entre

Willka e José Manuel Pando, líder liberal. Sendo interessante

observar também a presença já marcante do regionalismo nas

questões internas bolivianas, envolvidas nesse momento por

tensões entre norte (La Paz) e sul (Sucre), está-se diante da

relevância de disputas de etnicidade e recursos naturais envolvendo

os ciclos políticos e econômicos do país. Restava para Sucre,

capital „provisória‟ desde a fundação do país em 1825, apenas o

poder judiciário. E o federalismo, bandeira liberal, não deixou

neste momento o caráter propositivo para se efetivar em realidade,

bem com as autonomias indígenas não se concretizaram. Formar-

Revista Estudos Amazônicos • 123

se-ia, então, uma paz liberal que se estenderia até a Guerra do

Chaco e que sufocaria tanto as aspirações indígenas, quanto as

federalistas.

É pertinente notar que na região de Santa Cruz, sobre este

momento, a historiografia regional destaca esforços na direção de

uma compreensão mais apurada sobre o desenvolvimento da sua

economia agropecuarista e na expansão das conexões viárias com

Cochabamba, principal via para escoamento dos seus produtos. Os

conflitos internos pelo poder no país, até este momento, não

haviam atingido Santa Cruz, região relativamente distante, cuja

produtividade ainda não era expressiva e tampouco

demograficamente relevante. Segundo Roca,

Los cruceños sabían, por experiencia de siglos, que su economía de base agropecuaria no tendría futuro alguno si no encontraba una conexión vial permanente con la vecina Cochabamba. La necesitaban porque además de ganar ese mercado del valle, el mismo servia de tránsito para llegar al otro más distante y mucho más amplio: el de La Paz y las minas. Desde fines del siglo diecinueve, los cruceños estaban sufriendo en carne propia las consecuencias del aislamiento a que la había sometido el ferrocarril que venía del Pacífico.9

Ainda segundo Roca, discutia-se intensamente nos círculos das

elites empresariais de Santa Cruz das primeiras décadas do século

XX, o interesse mineiro das elites liberais de La Paz em aproximar-

se dos mercados estrangeiros através do Oceano Pacífico, em

detrimento da incipiente integração nacional viária - inclusive,

124 • Revista Estudos Amazônicos

ainda segundo Roca, pelos produtores crucenhos10 - que, não

desenvolvida, relegava os produtores orientais a um isolamento

infértil. Não menos impactante, os produtos do país vizinho Peru -

que desfrutava de uma geografia favorável às trocas com La Paz -

chegavam com muito mais facilidade tributária e logística a nova

capital boliviana, o que gerava profunda insatisfação em Santa

Cruz, uma cidade então pequena e bastante empobrecida.

Não menos importante, é necessário citar a exportação primária

não-manufaturada do estanho, então responsável por 60% do

comércio exterior nacional,11 como elemento envolvido no arranjo

que conduzirá a Bolívia a Revolução de 1952. A economia mineira

fora duramente atingida pela crise mundial de 1929, mesmo que a

burguesia proto-especulativa do país - simbolizada na figura de

Simon Patiño, El ‘magnate’ del Estaño - flutuasse pela crise sem

grandes prejuízos, devendo a isso as suas conexões corporativas

com os compradores estadunidenses. Mas, ainda assim, como em

toda a periferia então dependente do capital internacional, essa

crise abalroaria a economia nacional boliviana.

A questão daí derivada, no entanto, era a deficiência clara de

um mercado interno minimamente sólido e uma concentração de

produção e renda entre pequenos cartéis proprietários das minas,

resultando em uma situação social catastrófica. Ainda segundo

Everaldo Andrade,

(...) a deterioração da economia e a tensão crescente das relações políticas internas aumentavam as dificuldades do governo de Daniel Salamanca. Nas eleições de 1931, ele perdeu a

Revista Estudos Amazônicos • 125

maioria no Congresso. Nas ruas, as greves e os movimentos de estudantes cresceram. Em 1º de Julho de 1931 Salamanca surpreendeu a todos rompendo relações com o Paraguai depois de um pequeno incidente de fronteira”.12

Alguns autores, como Corum13, discordam do caráter súbito e

inesperado dessa ação e narram que a região do Chaco Boreal já

era uma preocupação geoestratégica da Bolívia desde a década de

20. Segundo este último, a própria chegada de Kundt nos anos

anteriores teria o propósito da obtenção do Chaco Boreal, mesmo

que Kundt jamais tivesse pisado na região. Ayerbe (2002)14 ainda

enuncia que o motivo da guerra seria a pretensão boliviana de ter

acesso ao Rio Paraguai através do Chaco Boreal, convergindo com

a explicação de Corum. De qualquer forma, ao se assinalar a

questão dos recursos naturais como foco da disputa (ou do ataque,

supondo que este seria estritamente causado pelos bolivianos)

apresenta-se uma proposta interessante, visto o solavanco causado

pela crise de 29 na economia boliviana e, ainda mais, com a

mediterraneidade da Bolívia após os conflitos com o Chile e com o

Brasil, quando perdeu suas saídas para os oceanos Pacífico e

Atlântico, respectivamente.

A Guerra do Chaco foi um conflito indubitavelmente

desconectado da realidade socioeconômica e política do país, já

fragilizada; ainda, com um notório descarte da via das negociações

com o Paraguai. Conforme as expectativas bolivianas, poderia ser a

válvula de escape para a descompressão do crítico cenário interno,

com uma guerra de conquista rápida e surpreendente contra o

126 • Revista Estudos Amazônicos

exército paraguaio - então sem esforços direcionados para este

conflito - e que, ainda, poderia servir ainda para ter acesso às

supostas reservas petrolíferas que auxiliariam a recuperação da

economia nacional. Reservas estas que, aliás, jamais existiram. O

exército boliviano, liderado pelo general prussiano Hans Kundt,

foi duramente derrotado pelos paraguaios e saiu do conflito com

um saldo de 60.000 mortos, aproximadamente, segundo Andrade.

Como resultante político direto da Guerra do Chaco, as classes

médias urbanas eram cada vez mais atingidas pelos seguidos

insucessos liberais e se condensava um senso cada vez mais

interessado no desenvolvimento nacional, até então inexistente.

Por outro lado uma inteira geração desiludida com o nacionalismo

republicano e sem confiança nas instituições nacionais reúne-se e

forma o Partido Obrero Revolucionario (POR). Organizado em

meio a Guerra do Chaco, em 1934, o POR começou como um

partido notoriamente intelectual, mas progressivamente foi

substituído por uma direção sindicalista que se manifestou cada

vez mais contrária aos partidos socialistas „pequeno burgueses‟ ou

intelectuais15.

A crise social se acentuara, com um enorme grupo de indígenas

e populares sacrificados pelo conflito - ou ainda desertados - e

cada vez mais insatisfeitos com a aguda condição social e política

do país, que perdera neste conflito um importante território, parte

integrante do departamento de Santa Cruz. Nesta região, uma dura

crise da borracha e da castanha tornava as já duras condições de

Revista Estudos Amazônicos • 127

vida ainda mais difíceis e o departamento do Beni era criado pelo

general Pando. Segundo Ximena Soruco,

Sin embargo, durante la primera mitad del siglo XX, después de la caída del precio de la goma y con un breve momento de incentivo económico con la Guerra del Chaco, y la necesidad de alimentar y mantener a las tropas, la economía regional de Santa Cruz se contrae.16

É neste mesmo instante que começa se transformar a economia

de Santa Cruz, com presença já consolidada e atuação especial dos

imigrantes alemães, suíços e austríacos (instalados desde o último

quartel do século XIX) que reorientavam a economia local para o

comércio de importação associado à agropecuária e ao transporte

fluvial, com iniciativas que incluíam a fundação do Banco Santa

Cruz.17 Trata-se de um período da história regional de Santa Cruz

marcado pelo caráter clânico das relações comerciais ainda

desmobilizados com relação às suas associações e organizações

políticas, associado a um impulso migratório induzido por estas

mesmas elites e por intensa ligação com capitais europeus, que por

sua vez seriam parte da esteira para a chegada destes imigrantes.18

Nos termos de Soruco, é necessário

(…) relacionar goma y agroindustria, es decir, la goma se convierte en la acumulación originaria –junto a la inversión estatal desde 1952– para el desarrollo de la agroindustria tal como hoy la conocemos. De ahí que la descripción de las casas comerciales alemanas y en general europeas, fundadas con capital de la goma, son centrales para este estudio pues muestran nítidamente el paso de

128 • Revista Estudos Amazônicos

la goma al comercio y posteriormente a la actividad agropecuaria. Al describir las casas comerciales europeas en Santa Cruz, identifiqué a extranjeros y nativos (criollos y mestizos) en este proceso inicial; sin embargo a la larga esta división se torna borrosa. Los extranjeros que formaron casas comerciales en Santa Cruz y sobrevivieron al auge de la goma, se casaron con mujeres bolivianas, ingresaron a los círculos exclusivos de la élite local (clubes sociales, fraternidades, cámaras de productores y comerciantes, y posteriormente las cooperativas de servicios básicos, bancos, las corporaciones de desarrollo regional y hasta el engranaje político en diferentes etapas).19

Portanto, ainda que aparentemente isoladas do poder local, as

elites regionais de Santa Cruz e a própria economia local estavam

integradas a lógica processual da Bolívia durante a 1ª metade do

século XX. Não é possível destacar, contudo, nenhuma capacidade

de se organizar politicamente para reivindicar com preeminência

qualquer papel dentro do Estado boliviano, já que se caracterizava

por uma baixíssima densidade demográfica, economia ainda

mono-extrativista e sociabilidade nucleada ainda em bases

familiares restritas. Mesmo assim, é possível identificar que a lógica

política das elites nacionais se integrava neste período, como se

refere no texto aqui e acolá, na mesma derivação das suas

atividades econômicas extrativistas, ainda que os barões do

estanho do altiplano tivessem obtido êxito na cooptação do

Estado nacional para os seus interesses, diferentemente dos barões

orientais.

Revista Estudos Amazônicos • 129

É neste momento, inclusive, que o seu primeiro conterrâneo,

Germán Busch Becerra, assume a presidência da República. Busch

teve seu governo caracterizado pelo personalismo e pela ausência

de qualquer aparato político que sustentasse as suas medidas,20 sem

que representasse, contudo, bandeiras quintessencialmente

crucenhas. Sua atuação seria fundamental durante a derrocada de

Daniel Salamanca, agindo então como chefe da polícia nacional

boliviana e colaborando na instalação de David Toro no poder - o

mesmo Toro que, anos depois, curiosamente seria derrocado por

ele para chegar ao poder. Durante a sua gestão foram promulgadas

leis e decretos relativamente progressistas como o Código de

Trabalho - conhecido como Código Busch -, além de ter sido

alçada também a “Ley de Regalias”, também conhecida como a lei

que redimensionou a lógica da distribuição dos royalties de

exploração do petróleo e gás. Esta lei, de 1938, estipulava que todo

o arrecadado pelo governo central seria redistribuído igualmente

entre os nove departamentos bolivianos - e, portanto, 11% para

cada um destes.

Segundo Bryan Lijerón,

Se merece un reconocimiento especial al Gral. Germán Busch que participó valientemente en la contienda [Guerra do Chaco]. Posteriormente durante su presidencia se promulgó en 1938 la Ley de regalías que beneficiaba con el 11% a los departamentos productores de hidrocarburos. Esta ley fue ideada por el propio Busch y su Ministro de Minas y Petróleo, Dionisio Foianini.21

130 • Revista Estudos Amazônicos

Precisamente neste momento, segundo a convergência das

narrativas mapeadas sobre a história regional crucenha, se daria o

primeiro impulso do século XX na direção de uma redistribuição

mais equitativa dos capitais arrecadados pelo executivo nacional

junto aos departamentos - o que sugere marcar aqui a discussão

em torno dos 11% da „Ley de Regalias‟ como fundamental quando

ressignificada para eventual sustentação histórica da questão

autonomista22 no século XXI pela direção da prefeitura

departamental associada à direção do Comitê Cívico Pro - Santa

Cruz, seu principal aparato civil de apoio político.23

Ainda no altiplano, formava-se progressivamente nas classes

médias urbanas, especialmente entre intelectuais, burocratas e

profissionais liberais, um sentimento de profunda insatisfação com

relação ao jogo oligárquico liberal censitário e desintegrado da

sociedade boliviana, ao mesmo tempo em que se conformava o

desejo por um país menos suscetível às intempéries do mercado

internacional. Aspirava-se, na esteira da formação de um país, uma

identidade nacional pós-Guerra do Chaco desinteressada sobre os

determinismos racialistas que obliteravam a formação da

bolivianidade. Por trás de todos estes indicativos perpassava a

vontade por participação e representação que desembocaria em

um partido político multiclassista, nacionalista, que fosse capaz de

agregar e aglutinar os grupos sociais representativos da Bolívia

então contemporânea. Surgia nesse contexto o Movimento

Nacionalista Revolucionário (MNR) em 1941, partido centrista que

Revista Estudos Amazônicos • 131

assumiria papel central na Revolução de 1952 e deslocaria de vez

os últimos resquícios de espectro ideológico dos liberais sobre a

sociedade boliviana. Segundo Camargo,

Nascido do esgotamento da república oligárquica e apoiada em

várias classes e setores – burguesia comercial, intelectuais,

operários mineiros e camponeses – o MNR, imbuído de visão

integradora da sociedade boliviana, traduziu-se em ampliação

radical do espaço de participação política, mediante a introdução

do voto universal, caracterizando-se, ao mesmo tempo, pela

adoção de modelo centralizador dos instrumentos decisórios e

administrativos do Estado. Tanto a centralização administrativa

quanto a universalidade de representação política – verdadeiro

binômio, por assim dizer – representam conseqüências lógicas do

cunho multiclassista.24

Seu programa, que basicamente discutia a abolição das

estruturas oligárquicas „feudais‟, o apoio a liberação econômica

anti-imperialista e a iniciativa de uma reforma agrária, entre outras

questões consideravelmente progressistas para o cenário boliviano

em questão. Obteve bastante adesão no momento seguinte a sua

fundação ao apoiar boa parte dos sindicatos mineiros, no processo

de estreitamento de relações com a da Federação Sindical dos

Trabalhadores Mineiros Bolivianos (FSTMB).

Nessa mesma década, o congresso mineiro da FSTMB, então

ligada ao POR, se reúne na mina Pulacayo e ali se formam as Teses

de Pulacayo (1946), fundamentais para a consolidação da luta

132 • Revista Estudos Amazônicos

operária na Bolívia ao requerer o controle das minas e a formação

de milícias urbanas revolucionárias, além de orientar

ideologicamente o radicalismo das ações sindicais bolivianas pelos

próximos 60 anos. Estariam marcados, claramente, os indicativos

anti-imperialistas, anti-colaboracionistas e unitaristas em relação ao

movimento operário, com ênfase na formação de uma Central

Operária única, superando as fissuras do movimento para avançar

no projeto revolucionário em questão.25 Tornava-se cada vez mais

intenso o processo de emancipação política e ideológica dos

movimentos operários sindicalizados com relação às estruturas

patronais, e por sua vez a queda-de-braço com o poder instituído

se mostrava franca devido à alta adesão popular junto aos

sindicatos. Manifestações, repressão policial e debilidade

econômica fragilizariam, sem dúvida, o centro político

tradicionalmente instituído no altiplano.

Já em Santa Cruz, o cenário era bem diferente. A década de ‟40

é caracterizada pela capacitação financeira e industrial dos

proprietários de terra, orientando o então tímido desenvolvimento

da economia regional agropecuarista - e sem a presença de um

movimento operário, ou melhor, neste caso, tratar-se-ia de um

movimento camponês. Uma questão nacional com relação a este

desenvolvimento agrícola seria, neste momento, a de integrar o

Oriente - e mais especial, Santa Cruz e o Beni - ao restante do país,

para que a sua produção pudesse alcançar os mercados andinos

através de Cochabamba.

Revista Estudos Amazônicos • 133

Na medida em que estamos de fronte da primeira iniciativa que

se concretizou nos termos de uma integração viária para fortalecer

a união entre os mercados da planície e da cordilheira no século

XX, rapidamente o calor das questões políticas contemporâneas

relança luz a uma das questões mais polêmicas da historiografia

boliviana, estando claramente tensionada entre autores pró Santa

Cruz e autores nacionalistas. O que se discute, nesse sentido, é se

essa integração ocorrida na década de ‟40 - o “Plan Bohan” - teria

o seu impulso primordial lançado por La Paz, autonomamente,

como capital que deseja a integração nacional, ou se foi por

iniciativa dos EUA que por sua vez estariam entusiasmados em

apoiar os pleitos alavancados pelos próprios crucenhos. O que

entra em questão, objetivamente, é a responsabilidade sobre o

primeiro impulso efetivo para integrar Santa Cruz ao altiplano,

ação esta fundamental para o desenvolvimento da indústria e do

comércio crucenho como o conhecemos no século XXI. E esse

impulso lançaria gradativamente Santa Cruz para a ambiência

política nacional, o que não ocorrera antes com tal efetividade.

Nos termos de Costas Lijerón, que claramente atribui a

responsabilidade a uma iniciativa norte-americana para o

desenvolvimento da economia boliviana que teria sido

passivamente implementado pelo governo boliviano,

En 1942 una comisión estadounidense, presidida por Mervin Bohan, presentó al gobierno boliviano un programa alternativo para la economía nacional

134 • Revista Estudos Amazônicos

conocido con el nombre de “Plan Bohan”, que identificó las potencialidades de las tierras del oriente y las buenas condiciones para incentivar la agroindustria y la agricultura. Otra recomendación de este plan era la necesaria construcción de una carretera que una a Santa Cruz con el occidente a través de Cochabamba, la cual fue inaugurada en 1954 y permitió la integración cruceña con el resto del país a la vez que reemplazó la idea del

ferrocarril.26

Ainda, outro ponto de vista expresso por Saucedo (2008),

atribui de forma ainda mais plena a responsabilidade aos EUA

como financiadores e executores da obra (e por sinal, comemora

esta responsabilidade):

Esta nueva Bolivia, instaurada con el Plan Bohan, fue ideada, planificada, financiada, ejecutada, administrada y fiscalizada por los EEUU. Los bolivianos fuimos verdaderos convidados de piedra en este plan, gracias a Dios. La marcha hacia el Oriente no fue otra cosa que la consecuencia lógica del Plan Bohan. La búsqueda de un futuro mejor para muchos bolivianos, con deseo de

progresar, en una Bolivia minera agobiada.27

Independentemente de qualquer perspectiva, é possível dizer

que o Plan Bohan, superando qualquer discussão de ordem

ideológica, é fundamental para que se compreendam as relações

entre as fazendas de Santa Cruz e o seu desenvolvimento nos anos

seguintes, incluindo-se aí as iniciativas do governo nacionalista de

1952 que tramaram a “marcha para o oriente”, uma região

indômita e com baixa densidade demográfica. A própria „Marcha‟

foi resultante da experiência militar do Chaco, que entre outras

Revista Estudos Amazônicos • 135

situações insólitas, tornou-se fracassada por problemas logísticos

graves que envolviam até mesmo o fornecimento de gás e água

para as tropas nacionais lançadas em postos avançados no Chaco,

que muitas vezes morreram de sede e fome. Segundo Dunia

Sandoval, o plano teria sido uma compensação dos EUA para a

Bolívia por conta do apoio aos aliados, com o fornecimento de

estanho e a produção de petróleo e gás, além da própria

agroindústria, e essa verdadeira coluna vertebral rodoviária teria

sido fundamental para o que hoje se conhece em termos de

desenvolvimento econômico no departamento de Santa Cruz.28

Essa comunicação cada vez maior entre o altiplano e a planície

teria permeado, inclusive, a própria formação das frentes políticas

em Santa Cruz - e mais uma vez, é colocada em risco a validade de

um discurso que valida a total desconexão de Santa Cruz do resto

do país. Ainda nos termos de Dunia Sandoval, a própria formação

social pós-Guerra do Chaco teria contagiado Santa Cruz na medida

em que as insatisfações coletivas dos indígenas, operários ou

camponeses, além de jovens e cidadãos que tinham pequenas

propriedades teriam se confluído e intercomunicado na experiência

do campo de batalha e da repartição das perdas após o conflito.29

A formação da “Legião de Ex-Combatentes do Chaco” é uma das

evidências dessa experiência interclasse, que já haveria

experimentado outros passos como na Revolta Federalista dos

“Igualitários” em 1877, ou ainda durante as campanhas

regionalistas pela conexão viária das primeiras décadas do século

136 • Revista Estudos Amazônicos

XX, duramente condicionadas pelos resultados da Guerra do

Pacífico: acordos de livre-comércio com o Peru e o Chile que

priorizavam esses países em detrimento das trocas internas, além

da própria perda da saída pelo Oceano Pacífico.

O que Dunia Sandoval discute, contudo, é que essas

experiências interclasse não necessariamente anularam a

possibilidade de experiências operárias, contrariando a tese de que

Santa Cruz havia modelado suas reivindicações políticas apenas

através de movimentos regionalistas interclassistas, cuja defesa foi

frequente no movimento autonomista conforme examinaremos

posteriormente. Os próprios ex-combatentes orientais do Chaco

formariam em 1944 - no mesmo período das „Teses de Pulacayo‟ e

da formação da sindical FSTMB, portanto - a Unión Obrera, que

se aglutinou ao Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), o

qual se formava na década de ‟40 e conquistaria o poder em 1952 -

estando Santa Cruz, nesse sentido, ocupando um papel chave tanto

nos conflitos civis do final dos anos ‟40 e até mesmo na vitória do

MNR em 1952, quando os dirigentes regionais crucenhos

ganharam as eleições.30

Em termos objetivos, a Revolução de 1952 foi um contragolpe

de Estado liderado pelo Movimento Revolucionário Nacionalista

(MNR) e pela Central Obrera de Bolivia (COB), colocando no

poder o carismático presidente Victor Paz Estenssoro, que voltaria

ao poder em mais quatro períodos de governo: 1956-60, 1960-64 e

1985-1989. Foi o resultado da associação política entre os já

Revista Estudos Amazônicos • 137

citados sindicatos mineradores de orientação política marxista,

com as classes médias urbanas insatisfeitas com a preeminência do

modelo liberal exportador-primário e com o sistema político-

partidário vigente desde o final do século XIX - e que havia gerado

toda a trajetória catastrófica da 1ª metade do século XX. Entre os

seus sucessos, promoveu uma intensa reforma agrária no altiplano,

propôs a nacionalização de recursos naturais, inaugurou o sufrágio

universal e aplicou uma reforma do sistema educativo. É possível

que seja considerado o marco das transformações políticas no

Estado boliviano, colocando o indígena, a classe trabalhadora e o

nacionalismo de esquerda no poder como traços fundacionais da

história contemporânea do país.

A explicação clássica de René Zavaleta Mercado sobre a

Revolução de ‟52, destaca-a adjuntamente a Guerra Civil de 1899

em “Lo Nacional Popular em Bolívia” como dois momentos

„constitutivos‟.31 Nesse sentido, com uma interface conceitual

bastante considerável com relação à noção de “tempo presente”,

na medida em que explica a Revolução de ‟52 como a

impossibilidade prática de manutenção de um determinado arranjo

de tensões entre Estado e Sociedade Civil que subitamente se

arrebenta e reordena as relações. Evidentemente, a explicação de

Zavaleta Mercado mantém uma divisão gramsciniana entre Estado,

para um lado, e Sociedade Civil, por outro, como duas unidades

estanques, diferentemente da compreensão de Bedaridá ou Lagrou,

por exemplo, que destacam a permeabilidade das responsabilidades

138 • Revista Estudos Amazônicos

sociais e políticas entre toda a sociedade sem nenhum tapume

entre Estado e Sociedade, na medida em que um constitui o outro

de forma osmótica.

No entanto, é bastante crível a ideia de que a Revolução de ‟52

transformou radicalmente a dinâmica estrutural da sociedade

boliviana. O marco de ruptura central da Bolívia no século XX

trouxe a inversão das possibilidades de mobilidade social, o fim da

cidadania censitária para adotar o voto universal, o início da

progressiva conversão da concentração demográfica no campo

para as cidades, e acima de tudo, um plano audacioso de Reforma

Agrária que expropriou grandes fazendas no altiplano boliviano.

Para tanto, confrontou e dissolveu o Exército nacional, que havia

participado de todos os círculos do poder político boliviano, e

instalou em seu lugar milícias operárias e indígenas por um breve

período. É importante situar os impactos da Revolução de ‟52 na

política em Santa Cruz, especialmente no que está relacionado a

terra e aos recursos naturais, questão política que até hoje persiste.

Segundo Dunia Sandoval,

(...) en Santa Cruz, antes de la reforma agraria de 1953, existía una gran acumulación de tierras sin aprovechar. En su mayoría, los propietarios trabajaban en forma individual y en mucha menor escala contrataban jornaleros. La presencia de cooperativas y sociedades agrícolas era casi

insignificante.32

Revista Estudos Amazônicos • 139

No entanto, a própria autora frisa que, ao contrário da política

de dissolução das grandes propriedades no altiplano, em Santa

Cruz o plano do governo do MNR desejava converter as

propriedades em grandes empresas agrícolas, sendo assim uma

espécie de „celeiro‟ para o país:

El proceso de reforma agraria en el Oriente fué distinto ya que el MNR contaba con un proyecto distinto para la región. Mientras en el Occidente se intentaba privatizar la tierra dotando a los campesinos de pequeños terrenos, en el Oriente, el

proposito era construir empresas agrícolas”.33

Ou seja, a progressista reforma agrária nacionalista de 1952 de

alguma maneira estimulou o desenvolvimento agroindustrial em

Santa Cruz, já que dinamizou consideravelmente a economia local

com a perspectiva de incremento na produção, do aumento de

mão-de-obra disponível - por sua vez produto das migrações

internas fortalecidas pelo MNR. Nos termos de Roca, “La nueva

industria produjo demanda de profesionales, técnicos, operarios y

administradores, además de mano de obra para la construcción de

galpones, viviendas y aulas escolares”.34

Ainda assim, o período deve ser aqui trabalhado de forma mais

consistente ao passo que determinadas transformações

institucionais desta época foram cruciais para os próximos 60 anos

na região. Essa própria modernização de Santa Cruz que era

empunhada pela reforma de 1953 - concluída ao mesmo tempo

140 • Revista Estudos Amazônicos

que a estrada Cochabamba-Santa Cruz - foi duramente contestada

pela elite regional, que via enorme risco a sua posição na

transformação da grande propriedade (o latifúndio) em empresa

agrícola. Segundo Soruco,

La Reforma Agraria de 1953 define la empresa agrícola como aquella que se caracteriza por la inversión de capital suplementario en gran escala, el régimen de trabajo asalariado y el empleo de medios técnicos modernos (art. 11). (…) Como se observa en esta definición, la empresa agrícola se opone al latifundio en tres aspectos: capital, salario

y tecnología.35

Ainda no próprio trabalho de Soruco,36 está explícita a

apreciação do Informe de Merwin Bohan no início dos anos ‟40,

que afirma o investimento técnico quase nulo na seleção de solos,

na colheita, plantio e muito menos na própria qualificação da mão-

de-obra, cuja organização da produção é caseira, de uso comum e

com condições técnicas extremamente rudimentares para a

produção de açúcar, por exemplo. Os dados do I Censo

Agropecuário de 1950, apresentado por Soruco, reafirmam que a

superfície cultivada do departamento de Santa Cruz equivale a

apenas 8% da sua extensão, enquanto La Paz cultivava 32% - mais

que o triplo em hectares. Ainda, o número de fazendas

quantificadas pelo Censo chegou a 907 em Santa Cruz, enquanto

La Paz possuía 1.958 unidades - mais que o dobro, o que

novamente nos indica a crer na quantidade elevada de grandes

propriedades. Os dados ganham dimensão ainda mais amplificada

Revista Estudos Amazônicos • 141

se levar-se em consideração que o departamento de Santa Cruz

possui superfície três vezes maior que La Paz.

Ainda, o abraço dado pela Revolução de ‟52 a „Marcha hacia el

Oriente‟ envolveu a ocupação do Oriente pelos produtores

camponeses pobres e indígenas do altiplano, que sem dúvida não

seriam bem aceitos pelas elites locais. Aliás, é possível dizer que a

formação das institucionalidades políticas da sociedade civil

crucenha atende imediatamente a essa dinâmica. É importante

notar que a própria fundação do Comitê Cívico Pro - Santa Cruz

(CCPSC) ocorre em 1950, por iniciativa da Federação Universitária

Local (FUL), existente desde a década de 1940, com o objetivo de

reivindicar a sua parcela equânime (os 11% da “Ley de Regalias”)

dos recursos hidrocarburíferos, que por sua vez seriam utilizados

pela governança local para desenvolver projetos e obras ligadas às

demandas de infraestrutura em uma região tida como

relativamente abandonada no país. Em um raro esforço de

quantificação e detalhamento do funcionamento interno do

CCPSC, José Luis Roca nos descreve uma estrutura baseada em

organizações sindicais, gremiais e empresariais. Ou mais

detalhadamente, o estado de associação do CCPSC órbita, mutatis

mutandis, na seguinte lógica:

Una reforma estatutaria de 1997 amplió a 19 los „grupos de instituciones‟ afiliados que son actualmente las seguientes: agrupecuaria, campesinos y etnias autoctonas cruceñas, cívicas femeninas, cooperativas, culturales, deportivas, educativas, empresariales, estudiantes de secunderia y universitarios, fraternidades cruceñas,

142 • Revista Estudos Amazônicos

gremiales, juveniles, mutuales, excombatientes y jubilados, profesionales de nível médio, universitarios de nível superior, servicio a la comunidad, trabajadores a sueldo, transportistas, juntas vecinales cívicas.

En el nuevo estatuto tienen mayor representación las instituciones provinciales a través de sus respectivos comités cívicos y otras entidades. Otra reforma importante es que para ser miembro del directorio o presidente del Comité, ya no es necesario ser cruceño de nacimiento; basta ser hijo

de padre o madre cruceños.37

No mesmo impulso, surge a União da Juventude Crucenhista

(UJC) e o Comitê Cívico Feminino, ambos em 1957. É

interessante constatar que, em ocorrência francamente simultânea,

desdobravam-se os embriões da luta sindical-partidária que geraria,

entre os anos 1940 e 1952, as Teses de Pulacayo, a fundação e

queda do Partido Operário Revolucionário (POR), a ascensão dos

movimentos mineiros da Central Operária Boliviana (COB) e o

desfecho da Revolução Nacionalista de 1952. São impulsos iniciais

por maior participação deliberativa no recolhimento e gestão da

tributação local - possivelmente um impulso reativo desses grupos

frente à predominância andina. Conforme comenta Helena

Argirakis Jordán,

(…) con la revolución de 1952, Santa Cruz ingresa en un proceso de modernización socio histórica y dicha base clánica se ve obligada a dar paso a una conformación más amplia de las élites locales entre aquellos que ocupan posiciones de prestigio, reconocimiento y autoridad, al poseer cualidades y

aptitudes valoradas socialmente.38

Revista Estudos Amazônicos • 143

O governo revolucionário do MNR iniciado em 52

permaneceria por mais dois mandatos, até a derrubada do 3º

governo Paz Estenssoro em 1964. A incapacidade do MNR em

sustentar a governabilidade já debilitada pelas inúmeras rachaduras

dentro do próprio partido, que sofria pressões típicas de

movimentos políticos policlassistas, somou-se a hiperinflação, ao

insucesso da reforma agrária e pela deficiência na produção de

alimentos e principalmente a inépcia no controle e planejamento

econômico pós-nacionalizações mineiras, levando o Estado a

compensar os antigos proprietários de modo a quebrar o país,

potencializando imediatamente os setores à esquerda do governo a

se indispor com as medidas de contenção da crise. Este período

pode ser caracterizado pela ausência de eleições, com

concomitantes golpes de estado e governos de curtíssima duração,

que por sua vez alternavam orientações ideológicas liberais - como

por exemplo, o próprio Barrientos Ortuño, que era adepto do

livre-mercado e do estreitamento do relacionamento com os EUA,

já bastante desenvolvido - e esquerdistas - como Juan José Torres,

cuja figura política se desenvolvia baseada no general Velazco

Alvarado no Peru, para instituir um „socialismo‟ autoritário, de

base popular, mas com a garantia da lei e da ordem assegurada

pelas Forças Armadas enquanto aparato coercitivo.

Crescia a bola de neve política do MNR a cada dia e as decisões

políticas se mostravam cada vez mais insustentáveis: o próprio vice

de Paz Estenssoro, René Barrientos Ortuño, que havia o apoiado

144 • Revista Estudos Amazônicos

desde a Revolução de ‟52, desfechou um golpe de estado militar

contra si antes da posse em 1964. É preciso dizer, nesse sentido,

que os próprios militares de alta patente que auxiliaram o MNR na

reconstrução das Forças Armadas no período posterior a

Revolução, foram os mesmos que depuseram Paz Estenssoro com

o apoio de setores camponeses insatisfeitos com o MNR, e

alojaram-se de forma errática e instável no poder pelos sete anos

seguintes. Nessa espiral descendente, com sete presidências em

apenas sete anos, revezando-se quatro figuras políticas nesse

sentido, deve ser destacada a tradição de militares envolvendo-se

na política a partir de práticas políticas personalistas. No entanto,

neste período - e mais notadamente na figura de Juan Jose Torres -

a presença militar constitui-se na questão nacional de forma

diferenciada do período liberal, e mais notadamente isso ocorre no

tocante aos recursos naturais e a soberania nacional, cuja relação e

associação impactariam diretamente anos depois nas relações

Bolívia-Brasil durante a nacionalização dos hidrocarbonetos em

2005, sob o decreto “Heroes del Chaco”.39

Nesse contexto castrense e na década de „70, o General Juan

José Torres, que teria agido por influência pelas tendências

intelectuais relacionadas ao conjunto de formulações conhecido

como “Teoria da Dependência”40 e, com corte anti-imperialista e

retórica popular, buscou a promoção da Bolívia como um país em

desligamento da periferia do sistema capitalista. Seu projeto,

contrário a

Revista Estudos Amazônicos • 145

(…) la presencia monopolica, que representa un desplazamiento de riqueza de los países monoproductores del afianzamiento de las estructuras nacionales de los países subdesarrolados”, pretendia enlaçar “el proceso de liberación conquista de la soberanía nacional sobre los recursos naturales de carácter esencial (…) como un proceso de creación de las industrias

básicas.41

O general Torres chegou a convocar uma assembleia popular

operária, instalada em junho de 1970, que teria os mesmos poderes

de um parlamento regular, e trouxe novo embalo para as disputas

sociais em uma Bolívia desacreditada pelos doze anos de governo

MNR - a despeito do esvaziamento e posterior confrontação das

próprias forças políticas sindicais organizadas, como a central

COB. Nas palavras de Gallardo Lozada, as mudanças principais do

governo com relação à ordem social e política se deram na medida

em que

El gobierno revolucionario adoptó una política de amplia apertura para la clase trabajadora del país. (…) El presidente de la republica invitó a los dirigentes de la COB para reunirse semanalmente en su despacho y analizar todos los problemas que

surgieran en forma voluntaria o involuntaria.42

Segundo Miguel Sá,

(...) durante o século XX, a Bolívia nacionalizou duas vezes seus hidrocarbonetos. (...) A segunda nacionalização ocorreu em 1969, durante o governo do general Ovando Candia e sob influência de líderes socialistas como Marcelo

146 • Revista Estudos Amazônicos

Quiroga Santa Cruz, quando se expropriaram os bens, ativos e mercados da também norte-

americana Gulf Oil Company (Carvajal, 2006).43

E, foi justamente na defesa dessa segunda nacionalização, que

resultou na queda de Ovando Candia e na assunção de Torres, que

surge um novo nacionalismo militar e anti-imperialista. Só que o

próprio Torres, mantendo em voga a tendência de instabilidade

dos últimos anos, encerraria esse ciclo com uma chegada distinta

ao poder que, de alguma maneira súbita, pacificaria as tensões

político-institucionais por “longos anos”, se levarmos em

consideração a temporalidade e a durabilidade dos mandatos

políticos na Bolívia na sua era republicana.

Torres cairia após um governo enunciado como revolucionário

e popular, mas que não durara mais que 10 meses, entre outubro

de 1970 e agosto de 1971. As cisuras que o levaram para fora do

Palácio Quemado se deram, por um lado, entre uma base aliada

sectária, especialmente os setores trotskistas da COB que viam na

sua derrocada um caminho para a sua chegada ao poder, e por

outro lado, entre as próprias Forças Armadas anticomunistas

temerosas que as tendências socialistas de seu governo pudesse

resultar em nova dissolução das FA‟s, como ocorrera em 1952. E a

partir de Santa Cruz, sua terra natal, e com o apoio dos EUA,

Brasil e outros países que faziam parte do núcleo militar simpático

às ideias anticomunistas e liberal-desenvolvimentistas (que

formaria, anos depois, a chamada “Operação Condor”), o então

Revista Estudos Amazônicos • 147

coronel Hugo Banzer Suárez tomaria o poder com o apoio da

„Junta Militar‟, que deporia Torres, e deixaria um rastro de mais de

200 mortes no país, somente na transição.44

Formado na Escola das Américas, então instrumento de

instrução militar que também teve atuação política na formação

ideológica dos oficiais que atuariam nas altas cúpulas dos países

das Américas, Banzer governaria o país pelos próximos sete anos.

Segundo Gallardo Lozada, o golpe contra Torres teria tido o apoio

- ou senão, o consentimento - das duas principais forças político-

partidárias do país, a Falange Socialista Boliviana (FSB, de

tendências fascistas) e o próprio MNR.45 O que é interessante

notar para este trabalho é que, nessa narrativa, nota-se o primeiro

intento objetivo da elite regional de Santa Cruz em se conformar

como poder político definitivo na Bolívia, sendo inclusive o ponto

de partida do movimento golpista que derrubou Torres. A

narrativa in loco de Gallardo Lozada defende, na própria década de

‟70, o seguinte:

En realidad, la gran estrategia acordada por el comando supremo de Santa Cruz de Santa Cruz tenía varias etapas, a saber: Si el golpe contaba con el apoyo de todas las guarniciones del país, Banzer había planeado para esa eventualidad la conformación de un gobierno provisional que se haría fuerte en Santa Cruz, inmediatamente lo reconocerían el gobierno brasileño y el paraguayo (…) en este caso la mejor alternativa, que también habían planificado fríamente los estrategas antinacionales del fascismo asesorados por el imperialismo yanqui, era la proclamación de la autonomía republicana del departamento de Santa Cruz que, como es de presumir, estaría bajo la

148 • Revista Estudos Amazônicos

tutela absoluta del Brasil (…) en él planteaba sin eufemismos, luego de un análisis geopolítico de la república boliviana, que la „gran nación camba‟ oriental de Santa Cruz, Beni y Pando debía mirar al naciente Atlántico como su única salida natural de progreso y bienestar, frente al occidente „colla‟ del que debía segregarse no sólo por múltiplas razones políticas y económicas, sino por tradiciones étnicas y culturales que obligaban a trazar una línea divisoria que escindiera al país en dos áreas

independientemente influidas (…).46

Com segurança, não é possível dizer que Banzer jamais avançou

em planos secessionistas para a região de Santa Cruz, visto

inclusive que este plano esbarraria na impossibilidade prática até

hoje persistente dos laços comerciais entre altiplano e planície; no

entanto, deve ser marcada a presença de um discurso contra-

secessionista (o que evidencia o seu polo oposto, ou seja, alguma

marca separatista já presente) em uma fonte referente aos anos

próximos ao golpe que anexa a iniciativa anticomunista castrense

ao subnacionalismo camba em um caldeirão conservador.47 O que

se destaca com efetividade e sem risco de falácia no período

Banzer Suárez, que vai de 1971 a 1978, é o caráter repressivo do

seu governo. No primeiro ano da sua gestão, através do lema

“Orden, paz y trabajo”, Banzer desativou a COB e fechou as

universidades do país, mantendo ainda um diálogo relativamente

estável com as cúpulas dos partidos que apoiaram a sua chegada ao

poder - o que implica em uma posição relativamente conciliadora,

que senão manteve o pacto militar-camponês, ao menos teve

tolerância com as lideranças partidárias. No plano econômico,

Revista Estudos Amazônicos • 149

abriu o país para os investimentos em petróleo e gás, aproveitando

a “maré” positiva do governo Nixon, que duplicou a cooperação

que rendia ao seu país, e outras transformações econômicas

importantes para o futuro do país estariam em curso. Segundo

Baptista Gumucio,

Este fue el tiempo de la enorme expansión de la agricultura cruceña mediante créditos del Estado, destinados al cultivo y a la exportación da algodón, café, azúcar y madera, así como la ganadería. (…)

Dos productos sustituirían con el tiempo el colapso que había significado para Santa Cruz la caída del algodón [a partir de 1975]: la soya y la cocaína, el primero de uso legal y la segunda de operación clandestina. La actividad del narcotráfico se había iniciado de manera subrepticia en los años sesenta y se señalaba al jefe de policía chileno Luis Gayan, que cayó con Paz

Estenssoro, como uno de sus animadores.48

Sobre este período, é possível dizer que este ciclo algodoeiro,

cujo boom ocorreu entre os anos 1970 e 1975, contou com fortes

subsídios estatais e pela conjuntura favorável de preço. E o

resultado que nos interessa, a fim de compreender o

entrelaçamento das dinâmicas nacionais na Bolívia e regionais em

Santa Cruz, é que assim então surgiu a efetiva mecanização e

modernização da agricultura crucenha, bem como o impulso

fundamental para os fluxos migratórios intra-estatais na 2ª metade

do século XX. A burguesia local obteve êxito no seu plano de agro

industrialização progressiva, associando-se aos investidores

estrangeiros interessados em aplicar na região indômita os

150 • Revista Estudos Amazônicos

resultados da revolução verde dos fins dos anos ‟50.49 Conforme

enunciam Harnecker e Fuentes,

Como resultado, la nueva elite emergente de Santa Cruz,

vinculada a los agro-negocios y con claros intereses sobre la

explotación del gas, fue recompensada por su papel en el golpe de

estado. Las políticas regresivas de distribución de tierras de Banzer,

el otorgamiento de créditos que nunca fueron pagados, y el dinero

de las regalías obtenidas por la explotación del gas en esa región

que no fueron redistribuidas al resto del país, sentaron las bases

para que esta nueva élite se consolidara en el poder durante los

regímenes neoliberales.50

Enquanto na planície arrancava um novo ciclo econômico que

futuramente seria determinante para todo o sucesso e toda a

instabilidade nacional das próximas décadas, o altiplano encarava

seus primeiros rastros de decadência burguesa e da assunção de

novas forças e formas políticas. Arregimentava-se de forma

discreta e codificada um movimento político diferenciado, cuja

organicidade não dependia mais de programas e matizes

ideológicos orientados para a manutenção das variantes da

república ocidentalizada e seus conceitos de democracia,

participação, representação e organização política.51 É de suma

importância compreender o processo de formação em torno do

heterogêneo movimento katarista (inspirado no legendário herói

indígena Tupac Katari, morto no século XVII pelas tropas

coloniais), na medida em que a sua orientação diferenciada com

Revista Estudos Amazônicos • 151

relação às formas de organização e as agendas políticas

tradicionais, bem como a sua argamassa identitária indígena, são

fundamentais para se compreender a contemporaneidade política

no país. Segundo Camargo, o movimento destacou-se por constituir

o pólo de referência radical do discurso de autonomia indígena, constituindo

símbolo poderoso de certo irredentismo aimará enraivecido52. Katari, nessa

direção, era a ressignificação original e nacional apropriada para a

retórica antiimperialista: antes, mortos pelos conquistadores; hoje,

mortos pelo império.

Igualmente, é importante elucidar que, ademais o katarismo se

notabilizar pela sua orientação identitária distinta, cujos alicerces

camponeses, comunitaristas, sindicais e indígenas são assaz

próprios, denotam uma outra forma de aglutinação em torno do

seu movimento como um somatório de experiência mais que

propriamente o concatenar de comitês, seções eleitorais ou

diretórios conforme um partido político. Dentre as várias

incorporações culturais cuja influência política do katarismo seriam

profundas neste momento, segundo Rocha, seria a atitude do

movimento político, que

(...) passou a utilizar a bandeira Wiphala, símbolo dos povos indígenas, e a recuperar tradições e o próprio uso do idioma [aimará]. O Katarismo usou intensamente as rádios, para transmitir programas e radio novelas em aimará sobre as lutas históricas desta etnia, e também para diversões cotidianas, como partidas de futebol e adaptações de filmes de

sucesso.53

152 • Revista Estudos Amazônicos

Ainda segundo o Manifesto de Tihuanaco,

The systematic attempt to destroy the Qhechwa and Aymara cultures is the source of the nation´s frustrations. Politicians from the dominant minorities have attempted to create a type of development based solely on a servile imitation of the development of other countries, while our

cultural heritage is totally different.54

De acordo com este ponto de vista está Alfredo Camargo ao

enunciar que

(...) as emissoras aimarás puderam, durante muito tempo, escapar da censura imposta aos meios de comunicação – que somente atinge-as no final do governo Banzer –, tendo assim constituído, durante quase meia década, talvez o único veículo

de comunicação livre em toda a Bolívia.55

Uma das chaves explicativas, exposta em Harnecker e Fuentes,

traduz a formação camponesa dos movimentos sindicais - e não

necessariamente operária - ao longo dos anos ‟60 e que havia se

tornado própria e notória durante a Assembleia Popular do

governo Torres como pontos de partida para a transformação das

organizações genuinamente populares no país e organizadas em

torno da auto-identificação indígena do movimento katarista. Nos

termos próprios destes autores, a influência do movimento anti-

imperialista, revoltado com o neocolonialismo, revelou-se também

na Bolívia:

En 1973, los kataristas salieron nuevamente al escenario nacional, soltando su más importante manifiesto que definía las políticas de esta corriente. (…) se proclamó el manifiesto declarando „somos explotados como campesinos y

Revista Estudos Amazônicos • 153

oprimidos como indígenas‟ y „nos sentimos

extranjeros en nuestro propio país‟.56

O movimento katarista, com a sua matriz nacional aimará, foi

responsável pela reinserção dos cultos e símbolos autóctones, pela

retomada estratégica do ayllu - unidade social básica do Império

Inca - como espacialidade para a discussão da questão agrária, e

mais importante, pela renovação simbólica da política a partir do

abandono das figuras dos caciquistas caudillos criollos ou dos mallkus

(chefes) indígenas, mas na atenção destinada ao mito do Pachacuti,

de uma história milenar interrompida e que retornaria, nas palavras

lendárias de Katari, através de „milhões e milhões‟. Com a sua

matriz estritamente indígena, e não mais mestiça, e especialmente

camponesa, foi o movimento katarista que deu origem a

Confederación Sindical Única de Trabajadores Campesinos de

Bolivia (CSUTCB), que se uniria a COB para formar novamente a

união camponês-operária dos anos ‟50. No entanto, a CSUTCB

não faria com que os movimentos sociais camponeses orbitassem

novamente em torno da operária COB, seja pela energia adquirida

pelos movimentos camponeses através das experiências durante os

regimes de exceção - incluindo-se aí o pacto militar-camponês - e

pela sua orientação étnica inédita; seja pela própria perda da

vanguarda dos movimentos operários soterrados pelo sectarismo

político e pela repressão dos regimes de exceção, por sua vez

motivada na outrora preeminente representatividade sindical

operária.

154 • Revista Estudos Amazônicos

Ainda sobre a repressão no interior da questão política na

segunda metade da década, o banzerato (como era alcunhado o

governo de facto de Banzer Suárez) realiza um verdadeiro „golpe

dentro do golpe‟, fazendo com que a repressão se tornasse ainda

mais intensa e toda a atividade política seria proibida, com os

principais e concorrentes líderes político-partidários sendo exilados

sem possibilidade de negociação. Entre torturas, assassinatos e

exílios forçados, mais de 3.000 pessoas, em sua maioria líderes

políticos, foram perseguidos politicamente durante o „banzerato‟,

caracterizando-se um período de intensa pressão política.57 Até

hoje, por ausência de investigações abertas e julgamentos para

revisar os porões da ditadura banzerista, não há um número exato

(ou próximo disso) que enumere os desaparecidos. O Katarismo,

por exemplo, só teria seus líderes restituídos e a sua força política

recondicionada no final dos anos ‟70, com a anistia política relativa

promovida pelo fim do governo Banzer Suárez. No entanto, os

partidos políticos dominariam uma transição tortuosa e altamente

voltada para uma perspectiva democrática parlamentarizada, sem

nenhuma aspiração suficientemente representativa no sentido de

alçar vôo a uma democracia mais participativa - modelo, por sinal,

especialmente jovem em todo o ocidente. A própria inserção do

katarismo nesse jogo de tensões, através de duas frentes distintas

(o Movimiento Revolucionario Tupac Katari / MRTK e o

Movimiento Indio Tupac Katari MITKA) denota esta proposição.

Revista Estudos Amazônicos • 155

A queda de Banzer é atribuída por muitos historiadores à falta

de legitimidade que o governo teve, na medida em que havia sido

consolidado, malgrado certa tortuosidade institucional, uma série

de experiências populares pendentes à esquerda. Com a exceção da

burguesia crucenha, beneficiada com os seus incentivos creditícios,

distribuição de terra favorável58 e incentivo à exportação, nem

mesmo a guarnição de La Paz estaria ao seu lado nos fins da

década de ‟70. Para tentar forjar tal legitimidade, Banzer tornou-se

ciente de que uma força político-partidária seria necessária para

participar das eleições e, com esse intuito, criou a Acción

Democrática Nacionalista (ADN), em março de 1979.

Mais uma vez, a Bolívia mergulharia em instabilidade

institucional no poder executivo. Seguiram-se, entre 1978, ano do

fim da ditadura Banzer, e 1982, início do governo de Hernán Siles

Suazo, oito mandatos presidenciais de curtíssima duração (alguns

duraram até mesmo dias, semanas), que oscilaram desde uma

„narcoditadura‟ com Luis Garcia Meza, até a presença inédita de

uma mulher no poder, Lídia Gueiler. O período pode ser

caracterizado sucintamente por uma crise econômica brutal

causada pela queda do preço do estanho (então a principal

commodity do país), que por consequência e inépcia dos governos

causou uma brutal hiperinflação e o aprofundamento da posição

marginal da Bolívia na economia continental. Ainda, a situação

política a cada vez se tornava mais degradada: as tensões entre os

movimentos progressistas pró-democracia (entre eles, os

156 • Revista Estudos Amazônicos

presidentes civis deste interregno, a ala à esquerda do MNR

coordenada por Siles Suazo e do Comité Nacional de Defensa de

la Democracia) e os setores militares conservadores lançaram o

país em um banho de sangue generalizado. Aliás, os próprios

setores militares entraram em choque interno, na medida em que

alguns altos oficiais (como David Padilla Arancibia, no final de

1978) já haviam tomado ciência da insustentabilidade de mais

governos militares no país; enquanto isso, outra facção (as

chamadas “roscas”, pequenos grupos políticos facciosos), buscava

impedir a chegada dos setores progressistas ao poder através de

genocídios políticos e de contragolpes antidemocráticos.

Em 1981, foram readquiridos os direitos democráticos no país

após uma vasta campanha sindical e o reconhecimento do governo

de Hernán Siles Suazo, vencedor dos pleitos de 1970 e 1980 que

não pode tomar posse pelos tais contragolpes conservadores.59

Buscando a retomada do projeto nacional-desenvolvimentista

popular da Revolução de 1952, o seu partido Unidad Democrática

y Popular (UDP, um conglomerado dos principais partidos de

esquerda do país)60 tentou se consolidar como uma alternativa de

esquerda que agregasse os setores médios como o MNR um dia o

fizera. No entanto, a crise internacional do petróleo de 1979

arrastou ainda mais a Bolívia para o precipício econômico que já

encontrara, por conta das finanças públicas devastadas pelos

regimes de exceção além da já presente crise dos preços do

minério. Sem demora, o governo da UDP se aprofundara em uma

Revista Estudos Amazônicos • 157

crise profunda, especialmente após a saída da COB da sua

coalizão.

Por conta da difícil sustentação de seu governo, Suazo

convocou eleições gerais para 1985, um ano antes da data

orientada. Com a falência do projeto político da antiga esquerda do

MNR, aproveitara-se da situação a ala moderada do partido,

liderada pelo vencedor Victor Paz Estenssoro. Foi bem

capitalizada por Paz Estenssoro a ideia de que, como no final da

década de „60, as tensões entre esquerda e direita nos anos „80

reeditaram uma Bolívia falida e que, portanto, o centro era a

melhor escolha.

Talvez seja um engano, no entanto, dizer que Paz Estenssoro e

o MNR eram os mesmos. Sem a base sindical da COB, esfacelada,

e com uma esquerda em recomposição, essa ala centrista do MNR

avançou a galope em um plano econômico que se tornaria famoso

pela sua “terapia de choque”. O panorama de uma hiperinflação

gigantesca e a voga do Consenso de Washington abalizando o

início desta nova etapa transformou o partido outrora nacionalista

em um adepto patente da corrente econômica dita “neoliberal”.

Ainda segundo Mauricio Santoro Rocha, a "desrevolução", ou seja,

o desmantelamento da máquina estatal de '52 se deu através de

privatizações - eufemisticamente chamadas de "capitalizações" - e

de demissões em massa, revelando a sua face mais dura para as

camadas populares.61 Sintomaticamente, é nesse momento que se

instala uma ruptura crítica no quadro dos partidos deste país,

158 • Revista Estudos Amazônicos

abalroando o mais importantes destes bolivianos até então e

iniciando um “xeque”, um abalo a essa estrutura consolidada.

Como fazer o eleitorado entender que, ao se eleger novamente o

dito nacionalista MNR, em verdade chegava a La Paz uma

doutrina de choques privatizantes?

O ministro do planejamento de Estenssoro nesta gestão era o

tecnocrata Sanchez de Lozada, formado nos EUA. Sua primeira

assunção presidencial se deu entre 1993-1997, em uma gestão

marcada por descentralização municipal e avanços no processo de

liberalização da economia, obtendo relativa popularidade e

agradando consideravelmente setores emergentes das elites do

país, ávidas por essa descentralização. Entre essas elites, estavam

os agro empresários de Santa Cruz de la Sierra, grupo que

reivindicaria posteriormente o seu papel enquanto pilar da

economia boliviana na entrada do século XXI. Em 2002, Sanchez

de Lozada voltaria ao cargo encontrando um avançado processo

de privatizações na economia do gás, central para aquele país, entre

os quais estavam envolvidos agentes internacionais como

companhias transnacionais de extração de hidrocarbonetos e a

grande e contestada superpotência do pós-Guerra Fria, os EUA.

As decisões mais urgentes sobre os rumos do recurso mais

rentável deste país estariam, segundo os rebeldes, subordinadas aos

interesses estrangeiros. Justamente nessa contestação residiriam as

questões que levariam Sanchez de Lozada à derrocada na Guerra

do Gás, onde os movimentos sociais organizados em torno do

Revista Estudos Amazônicos • 159

partido da FEJUVE e do Movimiento al Socialismo (MAS) pararam o

país exigindo a reversão deste processo de exportações, sendo o

governo altamente criticado pelas massas por essa reversão não

representar efetivamente o crescimento do país.

Nesta breve introdução a história da Bolívia contemporânea,

buscou-se entrelaçar e contextualizar as narrativas, os principais

processos e marcos relacionados aos mais notáveis agentes

políticos de Santa Cruz e La Paz, os dois polos de poder

econômico, político e social dessa Bolívia aqui narrada. Salvo este

esforço, é preciso avançar ainda nas questões mais objetivas deste

período, o que esperamos de um afortunado debate ainda vivo e

pulsante. Nas próximas contribuições, certamente não se furtarão

questões determinantes dessa história entrecruzada de um dos

mais interessantes percursos da história recente sul-americana.

Artigo recebido em abril de 2013

Aprovado em junho de 2013

160 • Revista Estudos Amazônicos

NOTAS

* Doutorando em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ). Mestre em História Comparada por esta mesma universidade. Professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Pesquisa sobre instituições, democracia e bem-estar na Bolívia e no Equador em corte comparativo para o seu doutoramento. Contato eletrônico: [email protected] Sitio eletrônico: www.cptempopresente.org. 1 Em Schurster (2009), há um franco e amplo debate expositivo sobre a história do

Tempo Presente, examinando como a “visão orwelliana, onde há o reconhecimento de um continuo fortalecimento do poder apoiado numa racionalidade generalizada, imposta em todos os lugares da existência coletiva e individual, [acaba] transformando assim a teoria histórica numa camisa de força generalizante, a qual esta não se propõe”. Ver ainda para uma revisão conceitual pertinente: SCHURSTER, Karl. “Ver e não ver: por uma história do Tempo Presente”. Rio de Janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO. Ano 4, nº 14, 2009. 2 TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. “Herzog: uma história do presente”.

Disponível em: <http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_content&task=view&id=1384&Itemid=146>. Acesso em: 30/out./ 2009. 3 BEDARIDÁ, François. “Tempo Presente, Presença da História”. In: FERREIRA,

M. e AMADO, J. (Orgs). Usos & Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996. 3 LAGROU, Pieter. “Sobre a atualidade da história do tempo presente”. In: PORTO

JR., Gilson (Org). História do tempo presente. São Paulo: EDUSC, 2007, p. 37. 4 Ibidem. 5 Ver: FUKUYAMA, Francis. O Fim da história e o Último homem. Rio de Janeiro:

Rocco, 1992. 6 CAMARGO, Alfredo Jose Cavalcanti Jordão de. Bolívia – A Criação de um Novo

País a Ascensão do Poder Político Autóctone das Civilizações Pré-colombianas a Evo Morales. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 2006, p. 129. 7 Também conhecida como Guerra do Pacífico ou Guerra do Guano, envolvendo

Peru, Bolívia e Chile, no qual a Bolívia perdeu o acesso ao Oceano Pacífico para o Chile, até hoje persistente. Opta-se pela denominação “Guerra do Salitre”, comumente utilizada, para que se evite confusão com o confronto ocorrido entre 1937 e 1945 envolvendo o Eixo e os Aliados na Segunda Guerra Mundial. 8 CAMARGO, Bolívia, p. 128. 9 ROCA, Jose Luis. Economia y sociedad en el Oriente Boliviano (siglos XVI-XX). Santa

Cruz: Cotas, 2001, p. 557. 10 Ver em ROCA, Economia y sociedad en el Oriente Boliviano, o registro de

documentação da Sociedad de Estudios Geográficos e Historicos de Santa Cruz, citado na página 558. Em COSTAS LIJERÓN, Bryan. Luchas cívicas. Disponível em: <http://www.comiteprosantacruz.org.bo/luch.html>. Acesso em: 16/out./2007, também se nota a menção ao Memorandum al Congreso Nacional, ao dizer que “En 1904, la Sociedad de Estudios Geográficos e Históricos envía un

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Memorándum al Congreso Nacional, en el que planteaban – entre otras cosas – la integración del oriente con el Occidente, a través de la construcción de una ferrovía que uniera Santa Cruz con Cochabamba”. Também é preciso dizer que a denominação “crucenho” refere-se ao cidadão nativo do departamento de Santa Cruz. Observar-se-ão denominações como cruceño (grafia castelhanizada) ou camba, que por sinal não necessariamente é sinônimo de crucenho. 11 Ver ANDRADE, Everaldo de Oliveira. A Revolução Boliviana. São Paulo: Unesp,

2007, p. 27. 12 Idem, pp. 30-31. 13 CORUM, James S. “O poder aéreo na guerra do Chaco”. Disponível em www.airpower.maxwell.af.mil/apjinternational/apj-p/2003/1tri03/corum.html Visitado em dez./2009. 14 AYERBE, Luis Fernando. Estados Unidos e América Latina: A construção da

hegemonia. São Paulo: UNESP, 2002. 15 BERNARD, Jean-Pierre. CERQUEIRA, Silas. NEIRA, Hugo. GRAILLOT,

Helène. MANIGAT, Leslie & GUILHODÈS, Pierre. Guide to the political parties in South America. Inglaterra: Penguin Books, 1974, p. 116. 16 SORUCO, Ximena et al. Los barones del Oriente - el poder en Santa Cruz ayer y hoy.

Santa Cruz: Fundación Tierra, 2008, p. 30. 17 ROCA, “Economia y sociedad en el Oriente Bolivian”, p. 411. 18 SORUCO, Los barones del Oriente, p. 17. 19 Ibidem, pp. 17-18; 32. 20 ANDRADE, A Revolução Boliviana, pp. 36-38. 21 COSTAS LIJERÓN, Luchas cívicas. 22 Santa Cruz retomará la lucha por las regalías. El nuevo dia, 16 de Julho de 2008.

Ver ainda: La ley que otorga regalias cumplió 70 años con más recortes a sus ingresos. El mundo, 16 de Julho de 2008. 23 Que equivaleria, na lógica do ordenamento jurídico-legal do Estado brasileiro aos

nossos estados federados, mas que na Bolívia, como Estado então centralista, configura um nível intermediário regional subordinado ao nacional e acima do municipal. 24 CAMARGO, Bolívia, p. 150. 25 Ver: Federacion Sindical de Trabajadores Mineros de Bolivia. Tesis central de la

Federación Sindical de Trabajadores Mineros de Bolivia aprobada sobre la base del proyecto presentado por la delegación de Llallagua. Disponível em: <http://www.pt.org.uy/textos/temas/pulacayo.htm>. Acesso em 19/dez./2009. 26 COSTAS LIJERÓN, Luchas cívicas. 27 ORTIZ SAUCEDO, Jimmy. “El Plan Bohan y la Marcha hacia el Oriente”.

Disponível em:<http://www.nacioncamba.net/articulos/plan_bohan.htm>. Acesso em 12/dez./2009. 28 DUNIA SANDOVAL, Carmen. Santa Cruz: Economía y Poder (1952-1993). La

Paz: Fundación PIEB, 2003, pp. 14-16. O trabalho de Dunia Sandoval destaca-se pela abrangência extensa, ao mesmo tempo em que discute determinadas questões

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eclipsadas pela maior parte dos historiadores nacionais como terra, trabalho, organizações políticas e movimentos sociais. Ainda, mais especial é a maneira a qual relaciona Santa Cruz a todos estes assuntos, na medida em que a historiografia de destaque trabalha com os grandes temas por um lado, enfocando as transformações no altiplano, ou apenas com as formações cooperativas responsáveis pelo desenvolvimento crucenho, polarizando a história política dos últimos 50 anos e, senão ajudando, mantendo o fosso entre a história política em dimensão nacional. 29 Ibidem, p. 18. 30 Ibidem, pp. 20-23. 31 ZAVALETA MERCADO, René. Lo nacional-popular en Bolivia. México: Siglo XXI

Editores, 1986, p. 17. 32 DUNIA SANDOVAL, Santa Cruz: Economía y Poder, p. 42. 33 Ibidem, p. 43. E ainda, é preciso dizer que poucas propriedades de terra foram

distribuídas no bojo da reforma. Ver: Ibidem, p. 46. 34 ROCA, Economia y sociedad en el Oriente Bolivian, p. 583. 35 SORUCO, Los barones del Oriente, p. 40. 36 Ibidem, p. 41. 37 ROCA, Economia y sociedad en el Oriente Bolivian, pp. 605- 606. 38 ARGIRAKIS JORDÁN, Helena. “Prólogo”. In: SORUCO, Los barones del Oriente,

p. viii. 39 MORALES AYMA, Juan Evo. Decreto Supremo 28.071 “Héroes del Chaco”.

Disponível: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal19/13D28071.pdf >. Acesso em 11/dez./2009. Essa nacionalização realizou-se em uma ação mediática que orquestrou o dia do trabalho, a presença militar e a realização de promessas das últimas eleições. O impacto direto nas relações entre Bolívia e Brasil misturou desconfiança com conciliação, em termos que exploraremos posteriormente. 40 Uma caracterização básica aqui compreendida desse conjunto de idéias elucidaria

que, teoricamente, o atraso de determinados países decorre da relação do capitalismo mundial de dependência entre países "centrais" e países "periféricos" - incorrendo, portanto, na noção de que o capitalismo não só é modo de produção, como também sistema de circulação. Como centro formador da economia mundial estariam os chamados „países centrais‟, sendo identificados no espaço em que o meio técnico científico informacional circula em escala ampliada e os fluxos de capital igualmente fluam com mais intensidade. Já os „países periféricos‟ estaria posicionados às margens desse espaço privilegiado, sofrendo as sanções impostas pelas intempéries do centro capitalista, além de estar provida por uma circulação de capitais e de desenvolvimento técnico-científico consideravelmente reduzido com relação aos países centrais, justamente pela sua subordinação (ou dependência). Essa dependência, por sua vez, estaria relacionada ao processo histórico de adesão forçosa das zonas periféricas ao sistema capitalista, já mundializado, e às debilidades dessa inserção imperfeita - ou „subdesenvolvida‟ - que impediria os países periféricos de se emancipar econômica e politicamente com relação ao centro. Ver: GUNDER FRANK, André. Capitalism and Underdevelopment in Latin America: Historical Studies of Chile and Brazil. New York: Monthly Review Press, 1967.

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41 TORRES, Juan José. El general Torres habla a Bolivia. Argentina: Ediciones de Crisis,

1973, pp. 11; 15. 42 GALLARDO LOZADA, Jorge. De Torres a Banzer: diez meses de emergencia en

Bolivia. Argentina: Ediciones Periferia, 1972, pp. 166-167. 43 SÁ, Miguel. “A Bolívia no Tempo Presente: projetos em disputa e crises a partir

do altiplano”. In: CHAVES, Daniel. ARAUJO, Rafael & SÁ, Miguel. Bolívia - passos das revoluções. Niterói: Muiraquitã, 2009, p. 34. 44 BAPTISTA GUMUCIO, Mariano. Breve Historia Contemporânea de Bolívia. México:

Fondo de Cultura Económica, 1996, p. 307. 45 GALLARDO LOZADA, De Torres a Banzer, p. 420. 46 Ibidem, pp. 424-425. 47 O discurso é notado, novamente, com vigor e menção explícita aos recursos

naturais do gás e petróleo, no Século XXI. Ver: El Condor Boliviano Editores. “Prólogo”. In: PINOCHET UGARTE, Augusto. Geopolítica de Chile. La Paz: El Cóndor Boliviano, s/a. 48 BAPTISTA GUMUCIO, Breve Historia Contemporânea de Bolívia, pp. 309b-310. 49 O termo, inicialmente cunhado em uma apresentação de William Gaud, burocrata

do USAID (Agencia dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), refere-se a uma faixa de processos de inovação técnico-científica que revolucionaram a produção agrícola em todo o mundo. O modelo se baseou no uso direto de sementes melhoradas (em especial, as híbridas), insumos industriais, diminuição do custo de manejo e mecanização, bem como uso de tecnologia no plantio, na irrigação e na colheita. Esta etapa do desenvolvimento agroindustrial na região, por sua vez, está relacionada à formação dos Complexos Agroindustriais (CAI). Sobre a formação do Complexo Agroindustrial e a tecnificação do campo, ver: KAUTSKY, Karl. A questão agrária. 3ª ed. São Paulo: Proposta Editorial, 1980. 50 HARNECKER, Marta & FUENTES, Federico. “MAS-IPSP de Bolivia:

Instrumento político que surge de los movimientos sociales”. Disponível em: <www.rebelion.org/docs/67155.pdf>. Acesso em: 20/out./2009, p. 33. 51 Segundo o Manifesto de Tihuanaco, primeiro documento do movimento katarista

consolidado em 1973, “In practice the Bolivian peasantry has never really belonged to any political party because no party has represented their true interests or been inspired with their cultural values”. É necessário mencionar também Garcia Linera, quando afirma categoricamente que este somatório de experiências não segue pela via tradicional dos movimentos políticos e sociais ocidentais: “La comunidad, por tanto, lleva el sello de la subalternidad a la que ha sido arrinconada y de la que no puede sustraerse hasta ahora. De igual manera, los distintos tipos de unificación intra-comunal, ya sean en la forma de resistencia a las imposiciones estatales o de demanda por sus exclusiones, cargan el efecto de esta supeditación colonial que, paradójicamente, es renovada por la resistencia y la demanda”. Ver respectivamente: Manifesto de Tihuanaco. Anexo I. In: CAMARGO, Bolívia, p. 293. GARCIA LINERA, Álvaro. La potencia plebeya: acción colectiva e identidades indígenas, obreras y populares en Bolivia. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2008, p. 205. 52 CAMARGO, Bolívia, p. 173.

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53 ROCHA, Maurício. “A outra volta do bumerangue: Estado, movimentos sociais e

recursos naturais na Bolívia (1952-2006)”. In: Ibidem. Bolívia: de 1952 ao Século XXI. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão / Ministério das Relações Exteriores, 2006, p.24. 54 Manifesto de Tihuanaco. Anexo I. In: CAMARGO, Bolívia, p. 288. 55 CAMARGO, Bolívia, p. 165. 56 HARNECKER & FUENTES, “MAS-IPSP de Bolivia: Instrumento político que

surge de los movimientos sociales”, pp. 33-35. 57 “Hidden cells reveal Bolivia's dark past”. In: BBC News, disponível em:

<http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/7925694.stm>. Acesso em: 16/dez./2009. 58 Ver o “Cuadro 7: Distribución de Tierras en Bolivia según presidentes por

período de gobierno”, baseado no “Situación y perspectivas del proceso agrario”. Ministerio de Desarrollo Sostenible, 2002. Citado en Plan Nacional de Saneamiento y Titulación. La Paz: Ministerio de Desarrollo Rural, Agropecuario y Medio Ambiente, 2006. Segundo este, durante o governo Banzer se entregou mais de 33% da quantidade geral de terras desde a Revolução de ‟52, incluindo até mesmo as suas dotações na redistribuição de terras. 59 SÁ, “A Bolívia no Tempo Presente: projetos em disputa e crises a partir do

altiplano”, p. 13. 60 Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR), de Jaime Paz Zamora, o

Movimiento Nacionalista Revolucionario de Izquierda (MNR-I), de Hernán Siles Suazo, o Partido Revolucionario de la Izquierda Nacionalista, de Juan Lechín Oquendo e Lidia Gueiler e o Partido Comunista de Bolivia. Deve ser destacada a multiplicidade de frentes partidárias neste momento, se configurando ainda mais de uma dezena de partidos em torno da UDP. 61 ROCHA, “A outra volta do bumerangue: Estado, movimentos sociais e recursos

naturais na Bolívia (1952-2006)”, p. 23.