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Os tiros que se seguem rasgam o véu de silêncioem meio à noite escura.
Na calada da noite, pistoleiros invadem uma aldeia indígena.
Maria dos Anjos Paulino Guajajara,
de apenas 6 anos de idade,
em meio a seu sono de criança,
tem a vida interrompida por um tiro na cabeça.
Maria dos Anjos Paulino Guajajara,
Lágrimas e lamentos ecoam pela mata, tendo apenas
a lua por testemunha.
Maria dos Anjos Paulino Guajajara,
A ocorrência não ganha espaço, nem
tem repercussão na grande mídia.
‘Apenas mais um índio assassinado’, friamente calculam
os editores.
Esta apresentação é dedicada à
pequena Maria dos Anjos.
Onde quer que te encontres,
pequenina índia,
brinque em paz...
Onde quer que te encontres,
pequenina índia,
brinque em paz...– Maria dos Anjos Paulino Guajajara –
(2001-2008)
– Séculos Indígenas –
Imagem é mediação
– presença apenas
sugerida.
Um encontro entre
alteridades exige
mediações adequadas.
Quando um rosto é
descoberto, algo dele
permanece oculto. Mistério, quando
experimentado, permanece
mistério.
Índio todo mundo sabe o
que é.Ou criou na cabeça que
sabe.
Se o ponto está
assegurado, a vista é
sempre refém dos espelhos da história...
O século era o décimo sexto
para os habitantes da
Península Ibérica, Europa.
Estes adoravam ora um Deus que lhes prometia
um novo mundo,
ora um mundo que lhes
prometia um novo deus.
Estes adoravam ora um Deus que lhes prometia
um novo mundo,
ora um mundo que lhes
prometia um novo deus.
Outras margens
encontraram.Dão-nas por descobertas.
Chamam-nas ‘Nova Terra’ao que era habitação
para muitos povos.
A mediação poderia ter
sido reverência,
mas o medo gera
dominação.O que poderia ter sido um encontro
transformou-se em terrível calamidade para nossas
mães e nossos pais.
O que poderia ter sido um encontro
transformou-se em terrível calamidade para nossas
mães e nossos pais.
Não por acaso eles nos
chegaram com a distração
dos espelhos...
O que poderia ter sido um encontro
transformou-se em terrível calamidade para nossas mães e pais.
Mas, afinal, o que teriam enxergado
nossos antepassados
naquelas superfícies de
brilho reflexivo?
Mas, afinal, o que teriam enxergado
nossos antepassados
naquelas superfícies de
brilho reflexivo?
Que imagem perdida? Que presença desconhecida?Que rosto é esse na face
indígena?
A imagem do índio reproduzida na nossa sociedade dita
civilizada é tal que o índio nela não se
reconhece.
Diante da insensatez dos livros da escola e da
espetacularização da televisão, confortavelmente agimos como se tudo
tivesse sido dito. Esgotado.
Índio todo mundo sabe o que é.Ou criou na cabeça que sabe.
Se o ponto está assegurado, a vista é sempre refém
dos espelhos da história...
Não há síntese ou imagem que não seja
como nuvem passageira.Híbrida. Provisória.
As melhores ideias a respeito de outros povos e
realidades surgem tão somente de partos
dolorosos.
Merecem todo o nosso apreço.
Mas são, ainda, bem menos do que
o espírito que se almeja alcançar.
O desafio de cultivar uma vivência sensível, aliada à reflexão acerca da
identidade cultural brasileira.
Como enriquecer uma percepção crítica e sensível da realidade histórica e política dos povos
indígenas no Brasil contemporâneo?
Recuperar ritos e tradições esquecidas.
O vermelho do urucum,o azul, quase negro, do jenipapo,
e outras tantas cores essenciais que pelo caminho, por descuido, ficaram
abandonadas.
Em meio à dispersão geral
dos tempos conturbados
que vivenciamos,
ter olhos,cultivar
um coração capaz de
reconhecer e valorizar a
herança poética que dos índios recebemos.
Uma herança poética, ética,
humana e estética,
capaz de nos reconduzir a
desejos e aspirações imemoriais, de banhar a
nossa jornada comum por este pequeno planeta com significado, beleza, poesia
e encanto.
Como usar o tempo a nosso
favor?
Como resgatar os valores espirituais
que apenas na
contemplação, no silêncio
e no repouso são
estabelecidos?
O ritual iniciático a nos conduzir ao ‘mais que humano’ que
habita em nós.
O ritual iniciático a nos conduzir ao ‘mais que humano’ que
habita em nós.
A criança pequenina – cabocla, negra, indígena –
que um dia, não tão distante, fomos.
A seiva ancestral que percorre nossas veias,
e alimenta as nossas mais profundas raízes.
Contemplar um outro mundo possível,
– onde o estranhamento cederá lugarao reconhecimento, diálogo e fraternização na diferença.
Se voltássemos sempre de novo a enxergar o mundo como criança,
nos surpreenderíamos menos com nossos sonhos.
Reconhecer-me-ia numa síntese
minha com traços indígenas?
Falaria que língua?O que comeria aos
domingos?(mas haveria domingos?)
Quem e quantos seriam
a minha família?
Que nome daria a meus sentimentos?
Minha melhor síntese está por ser realizada.
Tema musical: “And When I Touched You”, Ernesto Cortazar
Formatação: [email protected]
Texto adaptado da exposição “Séculos Indígenas”
Organizada pelo ‘Museu do Índio’Brasília, Outubro 2011