CADERNO DE TEXTOS PARA ESTUDOS E DEBATES SUMÁRIO APRESENTAÇÃO LEMA: MARGARIDAS SEGUEM EM MARCHA POR DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COM DEMOCRACIA, JUSTIÇA, AUTONOMIA, IGUALDADE e LIBERDADE EIXO 1 – SOBERANIA ALIMENTAR EIXO 2 – TERRA, ÁGUA E AGROECOLOGIA EIXO 3 – SOCIOBIODIVERSIDADE E ACESSO AOS BENS COMUNS EIXO 4 – AUTONOMIA ECONÔMICA, TRABALHO E RENDA EIXO 5 – EDUCAÇÃO NÃO-SEXISTA E SEXUALIDADE EIXO 6 – VIOLÊNCIA SEXISTA EIXO 7 - DIREITO À SAÚDE E DIREITOS REPRODUTIVOS EIXO 8 – DEMOCRACIA, PODER E PARTICIPAÇÃO
1. CADERNO DE TEXTOS PARA ESTUDOS E DEBATES SUMRIO APRESENTAO
LEMA: MARGARIDAS SEGUEM EM MARCHA POR DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
COM DEMOCRACIA, JUSTIA, AUTONOMIA, IGUALDADE e LIBERDADE EIXO 1
SOBERANIAALIMENTAR EIXO 2 TERRA, GUA E AGROECOLOGIA EIXO 3
SOCIOBIODIVERSIDADE E ACESSO AOS BENS COMUNS EIXO 4 AUTONOMIA
ECONMICA, TRABALHO E RENDA EIXO 5 EDUCAO NO-SEXISTA E SEXUALIDADE
EIXO 6 VIOLNCIA SEXISTA EIXO 7 - DIREITO SADE E DIREITOS
REPRODUTIVOS EIXO 8 DEMOCRACIA, PODER E PARTICIPAO
2. APRESENTAO Queridas companheiras e companheiros! A Marcha
das Margaridas 2015 j comeou! Em todas as partes de nosso pas se
pode observar a marcha acontecendo em sua essncia mais profunda,
que o despertar para a luta de inmeras mulheres que se renem,
mobilizam, planejam e discutem a realidade, suas necessidades e
anseios, nas comunidades e municpios, regies e estados, em todo o
pas. Sob o lema Margaridas seguem em Marcha por Desenvolvimento
Sustentvel com Democracia, Justia, Autonomia, Igualdade e Liberdade
as mulheres esto nas ruas mais uma vez para protestar contra as
desigualdades sociais; para denunciar todas as formas de violncia,
explorao e dominao e apresentar propostas para avanar na construo
da democracia e da igualdade para as mulheres. Apresentamos a vocs
o Caderno de Textos para Estudos e Debates com o objetivo de
contribuir neste processo de reflexo crtica e construo da Marcha
das Margaridas de 2015 desde a base, com o p da terra e na fora das
florestas e das guas. Este material deve ser um apoio para a
identificao e traduo dos problemas e desafios que hoje se colocam
na vida das mulheres em propostas de mudanas. Esse o momento para
que juntas, ns mulheres, possamos consolidar parcerias e fortalecer
nossa capacidade organizativa, definindo estratgias de incidncia
poltica e estabelecendo com quais espaos da sociedade dialogaremos
e que batalhas travaremos para garantir uma vida digna para todas
as mulheres. As contribuies aqui apresentadas so resultantes da
luta construda coletivamente pelas vrias organizaes e movimentos de
mulheres que compe a Marcha das Margaridas, traduzidas avanos e
desafios que foram identificados nos processos de organizao e
reflexo das Marchas das Margaridas a partir do cotidiano das
mulheres e da nossa luta unitria e feminista. Portanto, esse
Caderno de Textos sintetiza uma profunda anlise coletiva da
realidade que hoje desafia a vida das mulheres, apresentando
algumas conquistas que resultam destas lutas, alm de apontar
desafios a serem enfrentados de maneira estratgica no prximo
perodo. Por isso, fundamental que os debates que vocs esto
realizando em todas as atividades da marcha, desde as reunies em
suas comunidades, sindicatos, municpios ou estados, sejam
cuidadosamente sistematizados (sugesto de planilha no anexo I deste
caderno) e enviados s coordenaes estaduais da marcha. Alm de
registrar a beleza e a fora de cada uma destas aes, com materiais
(fotos, vdeos, depoimentos, etc.), estas contribuies devero
fortalecer a identificao da pauta municipal, estadual, regional e
nacional da Marcha das Margaridas 2015, fortalecendo a nossa
articulao e a visibilidade das aes realizadas. Contamos com sua
colaborao para dar voz a todas as margaridas do campo, da floresta
e das guas. Em 2015, ns, Margaridas de todos os cantos do pas,
vamos juntar toda nossa esperana e o nosso compromisso com a
transformao e, com ousadia, mostrar sociedade e ao Estado a que
viemos, convocando todas as mulheres trabalhadoras do nosso Pas a
darem o prximo passo. Vamos ocupar as ruas, nossos municpios,
capitais, e Braslia, acreditando que possvel construir um Brasil
soberano, sustentvel, mais democrtico, justo e igualitrio na cidade
e no campo, mostrando que sendo milhares, no estamos ss, que
nenhuma de ns est sozinha e que juntas seguiremos em marcha at que
todas sejamos livres!
3. Junte-se a ns! Mobilize outras mulheres! Venha fazer parte
da luta das Margaridas! Alessandra da Costa Lunas Secretria de
Mulheres Trabalhadoras Rurais da CONTAG e Coordenadora Geral da
Marcha das Margaridas
4. CONHECENDO A MARCHA DAS MARGARIDAS NOSSA HISTRIA A Marcha
das Margaridas uma ao estratgica das mulheres do campo, da floresta
e das guas que integra a agenda permanente do Movimento Sindical de
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais MSTTR e de movimentos
feministas e de mulheres do Brasil. Realizada a partir do ano 2000,
tem revelado grande capacidade de organizao e mobilizao. Seu carter
formativo, de denncia e presso, mas tambm de proposio, dilogo e
negociao poltica com o Estado, tornou-a amplamente reconhecida como
a maior e mais efetiva ao das mulheres no Brasil. Com o lema 2000
Razes para marchar Contra a Fome, a Pobreza e a Violncia Sexista, a
primeira Marcha das Margaridas foi construda em adeso Marcha
Mundial das Mulheres e realizada durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso. Essa Marcha teve um forte carter de denncia do
projeto neoliberal, quando as trabalhadoras rurais apresentaram
para o governo sua pauta de reivindicaes para negociao. A
experincia acumulada, desde ento, possibilitou a ampliao das
Marchas seguintes, de modo que grande parte destas reivindicaes
voltou a integrar a pauta da Marcha realizada no ano de 2003. Em
dilogo com o governo Lula, seguimos ampliando a pauta em 2007, com
proposies que foram fundamentais para repensar a poltica para
mulheres no pas. No entanto, foi em 2011, no governo da primeira
mulher eleita para Presidncia do Brasil, Dilma Roussef, que
obtivemos nossas maiores conquistas. E a cada ano mais margaridas
se somavam... Em 2000, sob o lema 2000 razes para marchar: contra a
fome, a pobreza e a violncia sexista ramos 20 mil mulheres. Em 2003
ramos 40 mil mulheres dizendo 2003 Razes para Marchar contra a
fome, a pobreza e a violncia sexista. 2007 razes para marchar
contra a Fome, a Pobreza e a Violncia Sexista foi cantado por 70
mil mulheres em 2007. E em 2011, j eram 100 mil mulheres com 2011
Razes para Marchar por desenvolvimento sustentvel com justia,
autonomia, igualdade e liberdade. NOSSOS OBJETIVOS Fortalecer e
ampliar a organizao, mobilizao e formao sindical e feminista das
mulheres trabalhadoras rurais;
5. Reafirmar o protagonismo e dar visibilidade contribuio
econmica, poltica e social das mulheres do campo, da floresta e das
guas na construo de um novo processo de desenvolvimento rural
voltado para a sustentabilidade da vida humana e do meio ambiente;
Apresentar, atravs de proposies, nossa crtica ao modelo de
desenvolvimento hegemnico a partir de uma perspectiva feminista;
Contribuir para a democratizao das relaes sociais no MSTTR e nos
demais espaos polticos, visando a superao das desigualdades de
gnero e tnico- raciais; Protestar contra as causas estruturantes da
insegurana alimentar e nutricional que precisam ser enfrentados
para a garantia do direito humano alimentao adequada e da soberania
alimentar. Denunciar e lutar contra todas as formas de violncia,
explorao e discriminao contra as mulheres, no sentido da construo
da igualdade; Atualizar e qualificar a pauta de negociaes, propondo
e negociando polticas pblicas para as mulheres do campo, da
floresta e das guas, considerando as suas especificidades. Lutar
pelo aperfeioamento e consolidao das polticas pblicas voltadas s
mulheres do campo, da floresta e das guas desde a esfera municipal,
estadual e federal, contribuindo para que elas incidam no cotidiano
das mulheres rurais. MARGARIDAALVES VIVE EM NS Escolhemos o ms de
agosto para realizarmos a Marcha, por ter sido neste ms,
precisamente, no dia 12 de agosto de 1983, que ocorreu o brutal
assassinato de Margarida Maria Alves (1943 1983). Margarida Maria
Alves era trabalhadora rural. Tinha 40 anos, casada, me de dois
filhos e, rompendo com padres tradicionais de gnero, ocupou, por 12
anos, a presidncia do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa
Grande, na Paraba. Lder sindical bastante influente na regio
Nordeste, Margarida incentivava as trabalhadoras e trabalhadores
rurais a buscarem na justia a garantia de seus direitos,
protegidas/os pela legislao trabalhista. A sua atuao poltica
incomodava, e muito, os latifundirios, os patres, que lhe faziam
ameaas, tentando pressionla a deixar o sindicato. Mas Margarida no
se abateu! Construiu uma trajetria marcada pela luta contra as
injustias sociais e o analfabetismo, tendo fundado, enquanto esteve
frente do sindicato, o Centro de Educao e Cultura do Trabalhador
Rural. Por defender ideais libertrios e pela sua trajetria de luta
pelo direito terra, pela reforma agrria, por trabalho, igualdade
entre as pessoas, justia e por uma vida mais digna para
trabalhadoras e trabalhadores rurais, Margarida Alves foi
cruelmente assassinada, na porta de sua casa. Margarida, que os
poderosos despedaaram para faz-la secar e calar-se, espalhou suas
ptalas... Seu nome se tornou um smbolo nacional cultivado pelas
mulheres e homens do campo, e em nome dela, a cada quatro anos,
milhares de margaridas de todos os cantos e recantos do pas se
encontram em Braslia para marchar juntas, inspiradas pelo seu
clamor de justia, igualdade e paz no campo e na cidade.
6. LEMA: MARGARIDAS SEGUEM EM MARCHA POR DESENVOLVIMENTO
SUSTENTVEL COM DEMOCRACIA, JUSTIA, AUTONOMIA, IGUALDADE E LIBERDADE
A Marcha das Margaridas luta por um desenvolvimento sustentvel,
centrado na vida humana e no respeito aomeio ambiente, diversidade
racial, tnica, geracional e cultural e autodeterminao dos povos.
Tem a garantia da soberania alimentar e o fortalecimento da
agricultura familiar como estratgias para romper com a lgica do
modelo de desenvolvimento capitalista e patriarcal que privilegia a
concentrao de terra e de riquezas e gera pobreza e desigualdades.
Olhamos para o lema da Marcha das Margaridas a partir do meio
rural, que onde vivem e trabalham as mulheres do campo,da floresta
edas guas. Tradicionalmente o meio rural concebido como um espao
que se ope ao espao urbano. comum associ-lo a carncias e atrasos de
ordem econmica, poltica e cultural. A viso distorcida e
preconceituosa sobre o meio rural reproduzida pelo modelo de
desenvolvimento que predomina no Brasil, que se sustenta na aliana
do latifndio com o agronegcio, na concentrao da terra e da renda,
na devastao das florestas e bens comuns, na privatizao e controle
pelo mercado da gua, da biodiversidade, na explorao das
trabalhadoras e trabalhadores e na opresso e subordinao das
mulheres. Afirmamos que esse no o verdadeiro retrato do mundo
rural, que engloba o campo, a floresta e as guas: o rural rico de
conhecimentos, de produo, de belezas, de vidas. L vivem e trabalham
muitas pessoas, com diferentes identidades: jovens, idosas,
mulheres indgenas, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras,
extrativistas, quebradeiras de coco, assentadas da reforma agrria,
assalariadas rurais, agricultoras familiares, camponesas. A opo dos
governos brasileiros ao longo da histria, no entanto, tem
desconsiderado toda essa riqueza, implantando modelos de
desenvolvimento rural sustentados na monocultura, concentrao de
terras, explorao dos recursos naturais e superexplorao do trabalho
pelo poder do latifndio e do agronegcio. O avano do capitalismo no
campo tem se dado a partir da adoo de pacotes tecnolgicos, insumos
qumicos e maquinrios, recebendo como estmulo fortes investimentos
pblicos. Fortalecidos pela aliana entre o latifndio e os setores
financeiros e industriais, estes modelos de desenvolvimento rural
excluram de suas estratgias a realizao efetiva da reforma agrria e
a ampliao da garantia de direitos para a populao do campo. Da mesma
forma, no houve ruptura com a cultura patriarcal, reproduzindo
desigualdades nas relaes sociais e de poder que impactam a vida de
todas/os as/os trabalhadoras e trabalhadores rurais, especialmente
das mulheres que sofrem maior excluso, alcanam maiores ndices de
pobreza e tem suas condies de vida cada dia mais difceis, mais
duras. Mesmo sendo esse modelo do latifndio e do agronegcio
excludente, concentrador e insustentvel social, econmica, poltica e
ecologicamente, ele foi o modelo considerado como prioritrio, o que
seria capaz de modernizar o espao rural e produzir eficincia
econmica. Sabemos, no entanto, que o grande volume de subsdios
pblicos e incentivos governamentais, expressos em recursos
financeiros, legislaes, normativos e estruturao de instituies
pblicas, foram determinantes para consolidar o atual modelo
agroexportador do agronegcio. Quando falamos em agronegcio nos
referimos a uma lgica de produo agropecuria que usa a mecanizao, o
uso de insumos qumicos e explorao das/os trabalhadoras/es em todas
as fases do processo produtivo, desde a produo e distribuio de
suprimentos
7. at o processamento e distribuio dos produtos agrcolas, tendo
como objetivo maior a produo em larga escala, geralmente para a
exportao. Mais do que os negcios da agricultura, o agronegcio
representa uma concepo ideolgica de desenvolvimento para o campo.
Sabemos que o agronegcio dominado por grandes grupos econmicos e
transnacionais, que direcionam a produo para locais onde possam
ganhar mais, ter mais lucro, obter vantagens competitivas,
determinando os preos dos insumos e dos produtos e impondo decises
sobre o que, quando, onde produzir e comercializar, de acordo com
as estratgias do mercado internacional, sem qualquer preocupao com
as demandas locais ou interesses nacionais, como a garantia da
soberania e segurana alimentar. O modelo de desenvolvimento pautado
no agronegcio investe na mercantilizao dos bens da natureza como
terra, gua, florestas e sementes que, sob esta tica, so mercadorias
que entram na disputa de mercado como produtos que podem ser
comercializados com valor definido pela competio entre as empresas.
Com isso, grandes grupos econmicos se apropriam dos bens e direitos
da humanidade pela produo de alimentos, proteo e conservao
ambiental, transformando tudo em uma oportunidade de lucro, dando
preo natureza e conservao ambiental. O modelo produtivo do
agronegcio aumenta a dependncia por pacotes tecnolgicos, insumos
qumicos, agrotxicos, sementes transgnicas e maquinrios, que
produzem impactos ao meio ambiente e sade, alm de eliminar postos
de trabalho no campo. Atualmente o Brasil o principal consumidor de
agrotxicos do mundo, sem legislao e fiscalizao eficientes quanto ao
registro e controle de uso. Esta realidade afeta de maneira mais
grave as/os assalariadas e assalariados rurais que no dispem de
autonomia sobre as formas de execuo do trabalho, a exemplo da
aplicao de agrotxicos. Os terrveis efeitos produzidos por este
modelo mostram a necessidade de romper rapidamente com seu padro
produtivo e de consumo, sob pena de maior escassez dos bens
naturais e mais desigualdade e pobreza no mundo. Pelos impactos que
produz, o modelo do agronegcio totalmente insustentvel. Por
depender da elevao permanente da produo para exportao e do lucro,
mantm relaes de explorao do trabalho, inclusive com trabalho
escravo, pressiona a expanso de fronteiras agrcolas e a
superexplorao dos bens naturais, o que resulta no aprofundamento
dos processos de concentrao, estrangeirizao e supervalorizao dos
preos das terras. Ademais, provoca a expulso dos povos e a violncia
no campo, que se amplia nas disputas pela terra e pelo territrio,
pela gua e demais bens da natureza, ampliando as ocorrncias de
assassinatos, ameaas, espancamentos, despejos, prises ilegais,
dentre outras formas inaceitveis de violao dos direitos humanos.
Destaca-se que a expulso das populaes provoca processos de
desterritorializao, com a quebra de vnculos, trajetrias,
identidades culturais seculares e ignora o saber popular, que
determinante para a construo do conhecimento e da cincia. Isto
afeta a realidade rural, o modo de vida e produo no campo,
interfere na segurana e soberania alimentar dos povos e na sua
relao com o territrio e a natureza. Os efeitos do modelo de
desenvolvimento orientado pela lgica do agronegcio se agravam pelo
fortalecimento do desenvolvimentismo baseado em grandes projetos,
muitos financiados com recursos pblicos e fomentados pelo Programa
de Acelerao do Crescimento (PAC). A implantao de grandes projetos
amplia os impactos sobre o meio ambiente e sobre as populaes,
especialmente aquelas que so foradas a abandonarem
8. os locais onde secularmente produzem e reproduzem seus meios
de vida e de trabalho. Defendemos outro modelo de desenvolvimento
para o campo brasileiro, que tem como pilares estruturadores a
realizao da reforma agrria ampla e massiva e o fortalecimento e
valorizao da agricultura familiar, com o objetivo estratgico e
central de promover soberania alimentar com condies de vida e
trabalho dignos. Para ns, a reforma agrria e a agricultura familiar
esto no centro do desenvolvimento local, fortalecendo o espao rural
em sua diversidade econmica, social, cultural e poltica, que possa
atender as demandas do campo e da cidade com segurana e soberania
alimentar. O desenvolvimento sustentvel e solidrio que queremos
deve ter como base a garantia da igualdade entre as pessoas, a
implementao de polticas pblicas que assegurem qualidade de vida,
proteo social, em especial educao do campo, sade e previdncia
social, alm da garantia do trabalho como valor positivo e de relaes
de trabalho justas para as/os assalariadas e assalariados rurais.
Passa tambm, pela implantao de um modelo de produo e de organizao
das/os trabalhadoras e trabalhadores, com garantia da soberania
alimentar e territorial, de renda, qualidade de vida e emancipao
dos sujeitos polticos, em um projeto de desenvolvimento de
sociedade que visa garantia de direitos e o pleno exerccio da
cidadania. Com esse lema queremos mostrar e valorizar a realidade
das mulheres trabalhadoras do campo, da floresta e das guas, que at
bem pouco tempo nem ao menos eram consideradas como trabalhadoras,
buscando conquistar polticas pblicas e recursos para vencer a
pobreza, a desigualdade, a opresso e violncia com respeito s
tradies, culturas e saberes, proteo da biodiversidade, ao patrimnio
gentico e aos bens comuns. Esse , para ns, um espao onde nos
desafiamos a denunciar e combater as opresses comuns, a partir de
um projeto de sociedade coletivo e diverso, que nos represente em
nossa diversidade de identidades, como jovens, negras, camponesas,
extrativistas, quilombolas, ribeirinhas e de tantas outras
denominaes. Afinal, essa diversidade torna a marcha mais
representativa e mais forte. Para ns, justia combina com autonomia
econmica, poltica e pessoal. Para haver justia necessrio tornar
pblico e questionar a intensa jornada de trabalho das mulheres,
reconhecer a importncia dos trabalhos realizados nas esferas da
produo e da reproduo para a vida. preciso ainda que os trabalhos
domsticos e de cuidados sejam reconhecidos como uma
responsabilidade a ser compartilhada com toda a famlia e o Estado,
alm de considerarmos e valorizarmos os trabalhos de militncias nas
comunidades, sindicatos e movimentos. No h justia sem igualdade e
liberdade para as mulheres, assim como no pode haver igualdade e
liberdade sem que se faa justia. preciso vencer as desigualdades no
mundo do trabalho, na vida familiar e na poltica. Isso implica
reconhecer e vencer as diversas faces da desigualdade, que tm no
preconceito e na discriminao instrumentos perversos, que atingem de
modo diferenciado as mulheres negras e as mulheres jovens. Implica,
ainda, na superao da diviso sexual do trabalho, na socializao do
trabalho domstico e de cuidados, e em polticas que apoiem as
atividades econmicas e a organizao produtiva das mulheres. O
desenvolvimento sustentvel com justia implica na garantia do
direito a uma vida sem violncia. Significa o rompimento do silncio
imposto s mulheres e da impunidade com a criao das condies
necessrias para a democratizao das informaes e o acesso s medidas
de proteo s mulheres vtimas de violncia.
9. A garantia da igualdade e da liberdade requer a autonomia
econmica e pessoal das mulheres, o que significa reconhecer que as
mulheres so donas da prpria vida, que seu corpo no pode ser
apropriado, nem to pouco ser objeto de mercantilizao. Liberdade
implica em poder decidir sobre o nosso corpo e sexualidade, na
busca da extino de todas as formas de preconceito e discriminao,
como as prticas machistas e lesbofbicas (desprezo e/ou dio por
mulheres que se relacionam com outras mulheres) Pensando nesse
contexto, percebemos que nada disso possvel, na realidade e
contexto poltico em que vivemos, se a democracia no for respeitada
e fortalecida, se nosso poder de decidir os rumos do nosso pas, da
nossa comunidade, do nosso movimento, do nosso partido e at mesmo
da nossa famlia no for garantido. Queremos ser ouvidas nos espaos
da poltica, da famlia, do trabalho, e que nossos votos, nossas
escolhas nas urnas sejam reconhecidas e garantidas. Finalmente,
para que o desenvolvimento se faa de forma sustentvel, com
democracia, justia, autonomia, igualdade e liberdade para as
mulheres preciso vencer as desigualdades econmicas e polticas e
garantir a cidadania integral. Significa vencer a pobreza, maior
entre as mulheres, e maior ainda entre as mulheres negras e jovens,
bem como assegurar a liberdade, a participao e formao poltica e o
acesso aos bens materiais e simblicos, com respeito s diversas
identidades, para a desconstruo de padres patriarcais e sexistas e
o acesso s polticas pblicas. Somos Margaridas de todas as idades
Reunimos mulheres de diferentes sotaques, vindas de muitos lugares
e marcadas por distintas identidades, como aponta uma agenda
poltica propositiva voltada para a diversidade de sujeitos do
campo. neste sentido, que as mulheres jovens trabalhadoras rurais
tambm protagonizam esta luta. A cada ano a participao, no apenas
numrica, mas, sobretudo poltica, das jovens mulheres se amplia.
Consideramos ser fundamental apontar os temas prprios desta gerao
de mulheres, demonstrando que os dilemas sociais, econmicos e
culturais vividos por essa juventude, so fortemente influenciados
pelas relaes de gnero. Embora, as jovens compartilhem, enquanto
mulheres, experincias de opresso e discriminao comuns, tambm sofrem
impactos prprios da sua condio juvenil. Estas jovens so marcadas
por um entendimento social de que ser jovem uma condio transitria
prpria de sujeitos em formao. Tais aspectos reforam a noo de que
elas so pouco aptas tomada de decises e ao nos espaos pblicos, o
que amplia as relaes de excluso. Dessa forma, pensar as relaes
sociais de gnero merece o estabelecimento de conexes com os
contextos de classe, tnico-raciais, geracionais, de orientao
afetivo-sexual e territoriais, de forma a compreender como esses
lugares sociais impem restries vida das mulheres. Neste sentido,
esta uma importante oportunidade para refletirmos sobre temas da
agenda poltica, considerando tambm os olhares das jovens mulheres.
Um deles a questo da sucesso rural. No podemos esquecer que os
papis assumidos pelas mulheres jovens no espao da famlia, da
comunidade e das decises polticas, so determinados pelas relaes de
gnero. O fato do trabalho produtivo das jovens ser desvalorizado e
de, normalmente, no serem consideradas como herdeiras da
propriedade, diferente do que ocorre com os rapazes, limita suas
oportunidades e seus projetos de vida, inviabilizando sua
permanncia no campo, como agricultoras familiares.
10. Estes e outros debates precisam ser encarados. preciso que
as jovens venham pra rua com seus batuques e performances, mas
tambm que apontem as questes centrais que afetam suas vidas e
incidam politicamente nos diferentes espaos. Ento, vamos construir
um processo de discusso e mobilizao em torno da Plataforma Poltica
da Marcha 2015 que nos provoque a pensar: Quais as questes que
mexem com esta gerao de mulheres rurais? Por que as jovens mulheres
rurais marcham? Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatstica (IBGE), os brasileiros esto vivendo mais, sendo que a
idade mdia era de 62,5 anos em 1980, passando para 74,8 anos em
2013, estando, no entanto, as mulheres vivendo, em mdia, sete anos
a mais do que os homens. Mais de 23 milhes de brasileiras e
brasileiros tm mais de 65 anos. Em 2050, a perspectiva de que
teremos mais idosos do que jovens com idade inferior a 15 anos,
assim como a expectativa de vida do brasileiro deve aumentar dos
atuais 75 anos para 81 anos. No Brasil, um nmero significativo de
pessoas da terceira idade continua vivendo na rea rural, essa
transio demogrfica ocorrendo rapidamente. Esses dados e projees
trazem para o centro do debate no MSTTR brasileiro a importncia da
ampliao das polticas pblicas e a preocupao com o envelhecimento no
campo e os impactos da sucesso rural, j que as estatsticas mostram
um significativo xodo da juventude no meio rural. As polticas
pblicas no esto dando conta de acompanhar esse acelerado
envelhecimento, j que a populao idosa a que mais cresce no Brasil,
configurando um fenmeno novo e desafiador para o governo, sociedade
e famlias. Consideramos que alguns aspectos devem ser considerados
ao pensar polticas para a terceira idade, dentre eles: aumento do
nmero de pessoas idosas vivendo sozinhas (mais de 6,7 milhes),
sendo 40% mulheres; importante contribuio da renda das pessoas
idosas para compor a renda familiar em 53% dos domiclios; mais
idosas/os vivendo nas cidades: 21 milhes em reas urbanas, 3,8
milhes na rea rural; diminuio da parcela da populao idosa vivendo
em pobreza extrema; a maioria da populao idosa ativa (na rea rural
84,9% continua trabalhando mesmo depois de aposentado); elevado
percentual de pessoas idosas analfabetas, sobretudo no campo. No
entanto o que mais chama a ateno a feminizao do envelhecimento. O
processo social de envelhecer tem um forte componente de gnero. As
mulheres idosas esto vivendo mais que os homens. H uma maior
proporo de vivas do que em qualquer outra faixa etria. Diante dessa
realidade, a Marcha das Margaridas cumpre um importante papel de
trazer para o centro do debate as especificidades da mulher idosa
do campo, das florestas e das guas, destacando os vrios tipos de
conflitos vivenciados por essas mulheres. Trazendo um olhar mais
apurado para as suas necessidades, para sua forma de se relacionar
com as/os outras/os. As mulheres idosas enfrentam muitos desafios
gerados por uma sociedade gerofbica e sexista, suas leis e polticas
pblicas. O contexto social vem ensinando e perpetuando o descrdito
na mulher idosa, que parte de uma maioria invisvel, cujas
necessidades emocionais, econmicas, sociais e fsicas permanecem, em
sua maioria, ignoradas. Na marcha das margaridas de 2015 queremos
tambm dar voz s mulheres assalariadas rurais. Quando olhamos para
um desenvolvimento rural centrado na ao de grandes empresas para
produo de comodities (so geralmente alimentos e minrios
transformados em mercadoria que recebem um preo universal para
serem
11. comercializados no mercado internacional), sabemos que alm
dos impactos gerados na agricultura familiar, precisamos tambm
analisar como as relaes de trabalho esto se dando no meio rural, em
especial no que se refere situao das mulheres assalariadas rurais.
preciso analisar como as mulheres tm atuado no trabalho do campo,
nas diferentes cadeias produtivas e quais os impactos so
ocasionados vida e sade destas mulheres, geralmente considerando a
natureza da atividade desenvolvida, assim como tem se dado a
garantia dos direitos das mesmas. Olhar para as assalariadas
rurais: esse um grande desafio!
12. EIXO 1 SOBERANIAALIMENTAR O conceito de Soberania Alimentar
refere-se ao direito e autonomia dos povos e naes de defender sua
cultura alimentar e decidir sobre as formas de produo, distribuio e
consumo de alimentos. Significa tambm o respeito s culturas e
diversidade dos modos camponeses, pesqueiros e indgenas de produo
agropecuria, de comercializao e de gesto dos espaos rurais, nos
quais as mulheres desempenham um papel fundamental. No cenrio
mundial, a Segurana Alimentar um conceito em disputa que tem
significados divergentes, por vezes opostos, a depender do contexto
histrico, dos sujeitos polticos e dos interesses em jogo. No caso
brasileiro, o processo de construo histrico do conceito de Segurana
Alimentar e Nutricional (SAN) envolveu a participao ativa da
sociedade civil e compreende-se como a garantia do direito de
todas/os ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade,
em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras
necessidades essenciais, tendo como base prticas alimentares
promotoras da sade que respeitem a diversidade cultural e que sejam
ambiental, cultural, econmica e socialmente sustentveis (LOSAN -
Art.3). Podemos dizer que a SAN se constitui em um objetivo
estratgico que orienta as polticas pblicas pelos princpios do
Direito Humano Alimentao Adequada e Saudvel e Soberania Alimentar,
que considerado, a partir da III Conferncia Nacional de SAN, como a
realizao de um direito humano bsico, com a garantia ao acesso
permanente e regular, de forma socialmente justa, a uma prtica
alimentar adequada aos aspectos biolgicos e sociais dos indivduos,
de acordo com o ciclo de vida e as necessidades alimentares
especiais, considerando e adaptando, quando necessrio, o
referencial tradicional local. Deve atender aos princpios da
variedade, qualidade, equilbrio, moderao e prazer (sabor), s
dimenses de gnero, raa e etnia e formas de produo ambientalmente
sustentveis, livre de contaminantes fsicos, qumicos e biolgicos e
de organismos geneticamente modificados (CONSEA, 2007 p.26). A
defesa da Soberania Alimentar e Nutricional tambm se traduz na
defesa de bandeiras de luta dos movimentos sociais do campo e dos
movimentos de mulheres, tais como: reforma agrria, direitos
territoriais e de gesto dos bens da natureza, direito aos
territrios tradicionais pesqueiros, garantia do acesso terra e aos
demais meios de produo; acesso gua limpa e livre de contaminaes e
em quantidade suficiente para o consumo humano e para a produo de
alimentos; adoo de um modelo sustentvel, solidrio e justo de produo
e consumo de alimentos de base agroecolgica; acesso de todas e
todos a uma alimentao adequada e saudvel livre de contaminaes
biolgicas, qumicas e genticas, como microrganismos, agrotxicos e
transgnicos; fortalecimento da agricultura familiar e de mercados
locais, garantindo o abastecimento de alimentos tambm por meio de
compras pblicas; acesso aos servios de sade e nutrio; polticas de
gerao de emprego e renda; adoo de polticas de comrcio internacional
que no submeta a soberania alimentar
13. aos interesses econmicos do livre comrcio; aes voltadas
para o empoderamento e autonomia econmica das mulheres, uma vez que
sobre elas que recaem as responsabilidades pela busca e o preparo
dos alimentos, procura e transporte de gua em locais de escassez, e
sobre elas que a insegurana alimentar e nutricional se manifesta
com maior frequncia. Porque lutamos por Soberania e Segurana
Alimentar e Nutricional AMarcha das Margaridas 2015 reafirma a
Soberania e Segurana Alimentar e Nutricional como um dos principais
eixos de sua plataforma poltica por entender que a defesa destes
princpios nos ajuda a questionar os pilares do atual sistema
alimentar hegemnico pautado na crescente concentrao da terra, na
expanso dos monocultivos e da minerao sobre os diferentes biomas,
na dependncia das transnacionais que controlam desde a produo at o
varejo. Por isso, denunciamos e repudiamos os impactos negativos
desse modelo que gera pobreza e insegurana alimentar e nutricional,
viola o direito das pessoas e dos povos a uma vida digna,
expropriando-os dos seus territrios e dos rios e mares, e explora
as/os trabalhadoras e trabalhadores assalariadas/os do campo e da
cidade. Esse modelo tambm se baseia na explorao e subordinao do
trabalho das mulheres, desvalorizando e tornando invisvel o seu
papel protagonista na produo de alimentos e na garantia da
soberania alimentar. A Marcha vem s ruas para defender a alimentao
como um direito humano, a soberania dos povos do campo, da floresta
e das guas para produzir alimentos saudveis e diversificados e o
direito das mulheres a uma vida digna, com seus trabalhos na
agricultura familiar, extrativismo e pesca artesanal reconhecidos,
fortalecidos e valorizados. Os movimentos sociais e a luta por
soberania alimentar uma bandeira de unidade em todos os continentes
Em nvel mundial, diversos movimentos sociais esto envolvidos na
luta pela defesa da soberania alimentar. O Ano Internacional da
Agricultura Familiar, Campesina e Indgena (AIAFCI), por exemplo,
nasceu da articulao de mais de 360 organizaes em torno do lema
Alimentar o mundo, cuidar do planeta e resultou em grandes aes de
incidncia poltica, em 2014, nos mbitos nacional, continental e
mundial em prol do fortalecimento da agricultura familiar e da
agroecologia por meio de polticas especficas e da efetivao de
espaos de dilogo permanentes entre sociedade civil e governo. A
instituio, em 2004, da Reunio Especializada da Agricultura Familiar
(REAF) dentro das estruturas oficiais do Mercosul - Mercado Comum
do Sul, do qual o Brasil um dos pases membros, tambm uma conquista
importante da sociedade civil. Essa iniciativa contou com o
protagonismo da Confederao de Produtores Campesinos e Indgenas do
Mercosul Ampliado-COPROFAM, organizao qual a Contag filiada. A REAF
tem se constitudo em um espao de fortalecimento das polticas
pblicas para a agricultura familiar, especialmente a partir de aes
que contribuem para a comercializao de seus produtos na Amrica do
Sul.
14. Em 2012 foi constituda a Aliana Latino Americana por
Soberania Alimentar como um espao de construo da unidade na defesa
da soberania alimentar como elemento central de um novo modelo de
sociedade. Fazem parte dessa aliana organizaes de agricultoras/es
familiares, pescadoras/es artesanais, indgenas, consumidoras/es,
assalariadas/es rurais, dentre outros. A reforma do Comit Mundial
de Segurana Alimentar (CSA), no mbito da FAO (Organizao das Naes
Unidas para Alimentao e Agricultura), uma conquista recente, fruto
de lutas sociais. Em 2010, com a criao do Mecanismo da Sociedade
Civil formado por movimentos sociais e ONGs, o CSA passou a contar
com um espao de participao social. O objetivo do mecanismo
articular os posicionamentos da sociedade civil, buscando
influenciar nas decises, polticas e aes sobre agricultura e
Segurana Alimentar e Nutricional. Nesse contexto, o CSA aprovou em
2012 as diretrizes voluntrias de governana da terra, da pesca e das
florestas enquanto um instrumento que fortalece as organizaes e
suas lutas pela democratizao dos bens naturais, pela produo de
alimentos saudveis. Se por um lado houve avanos, por outro, tambm
temos visto o avano de projetos de cooperao do Brasil com pases do
Sul (Amrica Latina e frica), como o caso do ProSavana em Moambique,
que representa grave ameaa soberania alimentar e ao campesinato
deste pas. Apoiado financeiramente pelas Agncias de Cooperao
Brasileira (ABC) e japonesa (JICA) e executado em parceria com o
governo de Moambique, o Programa de Cooperao para o Desenvolvimento
Agrcola da Savana Tropical, conhecido como ProSavana, vai ser
implementado no corredor de Nacala, numa rea de 14,5 milhes de
hectares. Vivem na regio cerca de 4.5 milhes de agricultores/as de
pequena escala, cerca de 80% de camponeses. A falta de informaes
transparentes sobre o programa leva ao medo de usurpao de terra
das/os camponesas/es dos 19 distritos abrangidos pelo programa. As
organizaes do povo de Moambique dizem que h indcios evidentes de
vcios na concepo do ProSavana, graves irregularidades na consulta e
participao pblica. Vivemos no Brasil processos semelhantes. Podemos
citar o PRODECER- Programa de Desenvolvimento do Cerrado,
implementado em 1978. O ProSavana considerado um programa de apoio
a monocultura e nocivo agricultura moambicana. Com isso as
comunidades do corredor de Nacala sofrero rupturas em sua forma de
viver, porque os grandes investidores trazem novas relaes de vida,
empregados e patres e as monoculturas trazem um choque aos hbitos
de produzir um pouco de tudo para a alimentao local. Por isso,
somos contrrias ao ProSavana em Moambique! No podemos admitir que o
governo brasileiro tenha um discurso de compromisso com a
agricultura familiar no Brasil e em outros continentes contribua
para sua destruio. Lutamos para o fortalecimento das lutas globais,
construdas de maneira conjunta entre os agricultores de pequena
escala! O Brasil no cenrio da construo da Soberania e Segurana
Alimentar e Nutricional Na ltima dcada o Brasil alcanou resultados
positivos ao conseguir reduzir a extrema pobreza, a insegurana
alimentar moderada e grave e a mortalidade infantil. Isso ocorreu
por meio do aumento continuado da renda dos segmentos mais pobres
da populao,
15. ampliao do acesso aos alimentos e do acesso das mulheres s
polticas de SAN, fortalecimento da agricultura familiar e fomento
aos programas de convivncia com o semirido. Todavia, ainda h
segmentos da populao que continuam convivendo com situaes graves de
insegurana alimentar e nutricional, como os povos e comunidades
tradicionais, a populao negra e muitos que vivem no meio rural.
Esse quadro preocupante descrito no Relatrio da FAO (Organizao das
Naes Unidas para Alimentao e Agricultura), sobre o Estado de
Segurana Alimentar e Nutricional no Brasil (2014) aponta para a
necessidade de aes efetivas que atuem sobre as causas estruturais
da pobreza e da insegurana alimentar a que estas populaes esto
submetidas. O relatrio da FAO tambm mostra que o Brasil est
vivenciando uma grave epidemia de obesidade relacionada ampliao da
oferta e do consumo de alimentos industrializados. Portanto, o
acesso universal a uma alimentao adequada e saudvel se constitui em
um grande desafio, na medida em que necessrio enfrentar essas
contradies brasileiras no campo da SAN, quando suas aes nacionais e
internacionais reforam modelos convencionais e excludentes de
produo, abastecimento e consumo de alimentos. Conquistas e desafios
para a garantia da Soberania e Segurana Alimentar e Nutricional Ao
longo dos ltimos anos, conseguimos importantes avanos com a aprovao
da Lei Orgnica da Segurana Alimentar e Nutricional (2006) e da Lei
do Programa Nacional da Alimentao Escolar que torna obrigatria a
compra de produtos da agricultura familiar (2009) e a incluso do
Direito Humano Alimentao dentre os direitos fundamentais da nossa
Constituio Federal. Da mesma forma, o fortalecimento de polticas
especficas para a agricultura familiar, a Poltica Nacional de
Segurana Alimentar e Nutricional e o Plano Nacional de Agroecologia
e Produo Orgnica so conquistas importantes que resultaram de amplos
processos de mobilizao e participao social e que contaram com a
parceria e o apoio da Marcha das Margaridas. A existncia de espaos
de dilogo intersetorial entre governo e sociedade e de
monitoramento das polticas pblicas de SAN, como o caso do Conselho
Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional (CONSEA) e dos
conselhos estaduais e municipais, fortalece a democracia
participativa. Todavia, vivemos um perodo de muitas contradies,
pois ao mesmo tempo verificamos o aumento do apoio ao agronegcio
que avana sobre os territrios, o uso crescente e desenfreado de
agrotxicos (j somos o maior consumidor do mundo) e a invaso das
sementes transgnicas que contaminam as sementes crioulas,
concentram ainda mais poder nas mos das transnacionais e envenenam
as nossas comidas. A realizao do Direito Humano Alimentao Adequada
e Saudvel e a garantia da Soberania Alimentar requer o
enfrentamento desses pilares que estruturam o atual sistema
alimentar e a transio para um sistema de produo, abastecimento e
consumo de alimentos democrtico, justo, solidrio e sustentvel,
baseado na produo familiar e na agroecologia. A agroecologia tem se
afirmado como o melhor meio de produo de alimentos saudveis.
Respeita e promove a diversidade social, biolgica e cultural,
trazendo benefcios para toda a sociedade e para o planeta e
garantindo o acesso a esses alimentos por geraes futuras.
16. urgente, e necessrio, que o Estado Brasileiro assuma seu
papel regulador nas diferentes etapas do sistema alimentar (desde a
produo at o consumo), visando: 1) controlar a expanso das
monoculturas e a ao das transnacionais; 2) manter a proibio ao uso
de sementes transgnicas terminator (so sementes que j nascem
estreis e, assim, aumentam ainda mais o lucro das transnacionais);
3) assegurar a imediata implantao do Programa Nacional de Reduo do
Uso de Agrotxicos (PRONARA); 4) adotar reas livres de transgnicos e
agrotxicos; 5) demarcar os territrios pesqueiros tradicionais; 6)
adequar as normas sanitrias realidade da produo familiar e
artesanal, respeitando os modos de fazer tradicionais; 7) regular a
rotulagem e a publicidade de alimentos que fazem mal sade; 8)
garantir o acesso das mulheres rurais aos mercados institucionais,
como PAA e PNAE, dinamizando circuitos curtos de produo e consumo.
Ainda so muito tmidas as polticas pblicas de apoio s dinmicas
econmicas locais e regionais de abastecimento alimentar que
promovam soberania e acesso alimentao adequada e saudvel. necessrio
reconhecer e valorizar a contribuio estratgica das mulheres para a
soberania e SAN ao produzirem alimentos saudveis e diversificados,
conservarem a agrobiodiversidade e destinarem parte dessa produo
para o consumo das famlias. O autoconsumo se configura em uma das
principais estratgias de garantia da soberania alimentar,
assegurando melhoria na qualidade da alimentao, reduo das despesas
com alimentos, aumento da autonomia da famlia frente ao mercado. As
prticas de autoconsumo devem ser reconhecidas, valorizadas e
fomentadas pelas polticas pblicas, incluindo os programas de
fomento e crdito. Para contribuir com o fortalecimento das mulheres
e dar a elas informaes e apoio no processo de produo para
comercializao e autoconsumo em uma perspectiva agroecolgica para a
soberania e segurana alimentar das famlias, fundamental uma
assistncia tcnica e extenso rural (ATER) que considere as suas
demandas, desejos e produes, que tenha informaes atualizadas dos
programas e polticas de governo, potencializando o acesso a
fomentos e crditos, e consiga construir propostas e acompanhamentos
adaptados s suas dinmicas de trabalho, vida das mulheres. necessrio
questionar e desconstruir a viso patriarcal que culpabiliza as
mulheres e sua entrada no mercado do trabalho pelas modificaes no
perfil alimentar da populao brasileira. Alm da implementao de
polticas pblicas que ampliem efetivamente o acesso alimentao
saudvel no mbito familiar fundamental a diviso do trabalho
domstico, com o compartilhamento entre todas/os seus membros das
responsabilidades relacionadas alimentao. PARA CONTINUAR
CONVERSANDO: 1) Como vocs avaliam o desenvolvimento da Soberania e
Segurana Alimentar e Nutricional em seu municpio/territrio/estado?
Mostrem exemplos de questes que impactam diretamente a vida das
mulheres e ameaam a soberania alimentar.
17. 2) Que aes devem ser desenvolvidas em seu municpio, estado
e regio para assegurar a Segurana Alimentar e Nutricional? De que
forma essas aes podem fortalecer a vida das mulheres? 3) Para vocs,
como esto sendo implementadas as polticas pblicas voltadas a
segurana alimentar e nutricional? Elas contribuem na visibilidade
do papel das mulheres? Vocs tm sugestes para melhorar ou ampliar
essas polticas?
18. EIXO 2 TERRA, GUA E AGROECOLOGIA: pilares de sustentao da
Soberania Alimentar Compreendemos que Terra e gua e uma produo
agroecolgica so os pilares para que possamos ter de fato Soberania
Alimentar. Acesso a Terra, Reforma Agrria e Reconhecimento dos
Territrios das Comunidades Tradicionais Da histria de luta das
mulheres por igualdade aprendemos que fundamental elas terem acesso
terra e decidirem como manej-la, terem acesso a sementes, gua e
condies de produzir, e tambm decidir como comercializar e como o
dinheiro ser utilizado. A monocultura e a revoluo verde expulsam as
mulheres do campo; a agroecologia reconhece que elas so
agricultoras, que coletam e manejam a natureza, que elas, sozinhas
ou em grupos produtivos, desenvolvem experincias que devem ser
valorizadas, apoiadas e expandidas. Temos visto o avano do
capitalismo financeiro e das empresas transnacionais, sobre todos
os aspectos da agricultura e do sistema alimentar dos pases e do
mundo. Aofensiva do capital sobre os bens naturais: expulso de
camponeses e camponesas, comunidades indgenas, a expropriao de
terras, territrios, florestas, destruio biodiversidade, gua e
minrios; a explorao do trabalho, o trabalho escravo; e todas as
formas de violncias, em especial a violncia contra a mulher;
colocam a necessidade de enfrentamento a este modelo, que tem o
patriarcado na sua base de sustentao. fundamental reconhecer e
potencializar a luta das mulheres pelo direito terra por meio da
Reforma Agrria e a garantia dos direitos territoriais dos povos
indgenas e populaes quilombolas, na defesa dos territrios das
comunidades tradicionais, como algo estratgico na construo da
agroecologia. Como resultado da luta das Margaridas ao longo dos
anos, hoje podemos comemorar que mais de 70% dos ttulos de terra do
Brasil possuem titulao conjunta, significando um importante
instrumento para a autonomia e igualdade entre homens e mulheres no
meio rural. Ainda segue um desafio: a reviso dos ttulos anteriores
obrigatoriedade de titulao conjunta. No caso de ttulos coletivos,
as mulheres devem constar como associadas. Quando analisamos a
situao das jovens mulheres rurais, percebemos algumas
particularidades. Diante da cultura patriarcal, que invisibiliza o
trabalho das mulheres e que condiciona a herana aos irmos homens, o
direito das jovens se firmarem como sucessoras na propriedade
familiar, tendo acesso terra com condies de viver da mesma, tem
sido uma condio inacessvel. Alm disso, frente ao contexto de
concentrao de terras no Brasil e a decorrente fragmentao das
propriedades da agricultura familiar em pequenos lotes, a
distribuio igualitria das pequenas unidades de produo familiar
entre todos/as os/as filhos/as torna-se um procedimento invivel,
sobretudo, do ponto de vista econmico, para a sobrevivncia da
famlia. Esta realidade vem impondo a migrao campo-cidade, como
alternativa, principalmente para jovens mulheres construrem suas
trajetrias de vida. Vemos, a partir dos dados censitrios, que a
reduo da populao feminina no meio rural, na faixa etria dos 16 aos
29 anos, maior do que quando comparada com a dos jovens homens,
embora, seja
19. significativa para moas e rapazes. Entretanto, o discurso
que justifica o xodo rural juvenil unicamente como um sonho das/os
jovens pela vida urbana, esconde vrias relaes de desigualdade,
dentre elas as que se referem concentrao fundiria e cultura
machista, que submete as mulheres a trabalhos desvalorizados como
os de empregadas domsticas nas cidades. No queremos que o nico
futuro possvel de jovens rurais seja o subemprego em mdias ou
grandes cidades, nem tampouco que o nico recurso dessas para
acessar a terra seja atravs do casamento. Queremos que elas tenham
condio de decidir sobre os rumos da sua prpria vida, tendo o campo
como uma escolha possvel, e a cidade como mais uma alternativa,
onde verdadeiramente possam vislumbrar melhores oportunidades de
trabalho e vida. A violncia contra as mulheres a expresso mais dura
deste conflito territorial. A violncia sexual e o assassinato de
mulheres no campo so usados como formas de desestruturar as
comunidades e abrir caminho para a ofensiva capitalista de presso
sobre as terras e territrios. Companheiras que vivem em comunidades
de Fundo de Pasto, por exemplo, em reas que se tornaram unidades de
conservao, em reas ameaadas pelo agronegcio, denunciam que o Estado
no faz nada frente a essa ofensiva. O direito terra e ao territrio
condio para a agroecologia. As mulheres conquistaram a titulao
conjunta, mas para que esta conquista seja real preciso ter reforma
agrria. No s o projeto de assentamento e regularizao fundiria, mas
enfrentar a concentrao de terras, resgatando as terras que esto nas
mos do agronegcio para entreg-las a agricultoras e agricultores
familiares, camponeses e agroecolgicos. Para que vivamos bem na
terra conquistada tambm lutamos pela autonomia econmica, pelo fim
da violncia contra as mulheres e por condies efetivas para a
participao das mulheres nos processos poltico, econmico e social.
Isto inclui o direito ao trabalho em condies dignas, a socializao
do trabalho domstico; a garantia da comercializao e consumo de
produtos de forma solidria e sustentvel por meio do fortalecimento
dos mercados locais e institucionais. Na agroecologia fundamental
visibilizarmos e potencializarmos o trabalho das mulheres na
construo de formas de viver e produzir que contribuam para a
soberania alimentar, para a preservao da biodiversidade, o resgate
das sementes crioulas, alm de prticas agroecolgicas e culturais
realizadas pelas mulheres das comunidades tradicionais com a
preservao das espcies tradicionais de cada territrio. As Margaridas
na defesa da Agroecologia A agroecologia como um modo de produzir,
relacionar e viver na agricultura implica em relaes respeitosas e
igualitrias entre homens, mulheres, jovens, idosas e destas/es com
a natureza. Isso significa respeito diversidade de tradies,
culturas, saberes, bem como a proteo sociobiodiversidade, ao
patrimnio gentico e aos bens comuns. A agroecologia faz parte da
plataforma poltica da Marcha das Margaridas e compe os pontos
centrais das nossas pautas de reivindicaes, como protagonistas que
somos das prticas agroecolgicas e guardis da biodiversidade, das
sementes e dos saberes. Sem terra e sem gua no h agroecologia, mas
no h agroecologia se as mulheres vivem relaes de subordinao e
violncia, se as mulheres no tm autonomia sobre seus corpos, se no
tm seus direitos sexuais e reprodutivos assegurados e se continuam
excludas dos
20. espaos de poder e representao poltica. Portanto, a
agroecologia se articula com toda a agenda poltica das mulheres do
campo, da floresta e das guas. A luta pela agroecologia uma
realidade no nosso pas h dcadas. Porm, desde 2011, quando a
presidenta Dilma, em resposta s reivindicaes da Marcha das
Margaridas, assumiu o compromisso com a agroecologia, conseguimos
avanar alguns passos na construo de uma poltica que apoie, fortalea
e amplie as prticas agroecolgicas. Sabemos, entretanto, que muitos
so os desafios que se nos apresentam num contexto de avano ofensivo
do agronegcio que tem consequncias destrutivas para a agricultura
familiar, camponesa, indgena e para os povos e comunidades
tradicionais. As mulheres vm construindo historicamente a
agroecologia, assim como suas mes e avs a praticavam, mesmo sem
saber este nome. Mas foi a resistncia delas que garantiu a
existncia de diversidade de sementes e prticas que hoje permitem
que estejamos aqui e que de outra forma teriam se perdido pela
difuso da revoluo verde. Elas usam critrios que no se referem
somente a dinheiro, elas valorizam o autoconsumo e o fato de suas
famlias comerem bem, com qualidade (sem veneno), um alimento que
faz bem para a sade. Junto com o conhecimento e o plantio de
plantas medicinais, as mulheres valorizam o fato de elas e seus
filhos no precisarem ir ao mdico. As mulheres denunciaram o
controle das sementes pelas transnacionais e os transgnicos.
Tivemos uma derrota grande com a liberao de transgnicos que nos
tornam ainda mais refns das empresas. Nosso papel seguir
denunciando e conscientizando sobre o tema. Uma ao concreta
resgatar as sementes crioulas, cuidar e intercambi-las,
reconhecendo o conhecimento que as mulheres tm neste campo, de modo
a garantir nossa autonomia. O conceito de agroecologia toma forma
na luta, na resistncia e nas alternativas das pessoas que a constri
e que consideram a agroecologia como um modo de vida. Assim, os
movimentos, ao ser parte deste processo, trazem seus aportes, como
ns mulheres. Por isto no faz sentido o discurso de que enfrentar a
desigualdade de gnero sair do foco da agroecologia, isto restringir
agroecologia a um conjunto de tcnicas fechadas e com necessidade de
uma autoridade que a delimite. O feminismo tem as mulheres como
sujeito organizado e o princpio de igualdade para todas e todos. O
feminismo a idia radical de que as mulheres so gente! O feminismo
dialoga com a agroecologia, porque ambos os movimentos lutam por
uma sociedade mais justa. No possvel construir agroecologia com
desigualdade de gnero. Infelizmente, muitas vezes, nossos prprios
companheiros de luta pela agroecologia no entendem a importncia do
feminismo para que haja igualdade. No adianta produzir sem veneno e
chegar em casa e apanhar do marido. Hoje temos certeza que uma
coisa est ligada outra. Se a agroecologia defende uma vida digna,
ento tem que ter direitos iguais. O veneno uma violncia pra terra,
pras plantas, pra nossa sade. E o machismo o veneno nas nossas
famlias. Por isso a importncia de construirmos juntos, trazendo o
feminismo para o dilogo de todas e todos. As mulheres usam a
criatividade, fazem o aproveitamento de tudo. Com a agroecologia,
vamos defender solo, gua, plantas e no vamos defender a vida das
mulheres? De qual veneno estamos falando? O patriarcado o veneno na
vida das mulheres. No acreditar no feminismo no acreditar no
protagonismo das mulheres. No existe isso de dizer que o machismo
algo cultural e que no tem como mudar. A agroecologia j
desconstruiu e quer desconstruir muito mais formas de cultivo
que
21. prejudicam o solo, por exemplo, ento tem que desconstruir o
machismo. Cultura ruim deve ser mudada, sim! Agroecologia -
alternativa ao uso indiscriminado de agrotxicos em defesa da sade
como direito humano Os males que os agrotxicos causam sade so
irreparveis, sobretudo quando se fala da produo e do consumo de
alimentos. Por esse motivo a produo de alimentos saudveis e a
soberania e segurana alimentar e nutricional ponto prioritrio na
agenda das mulheres. Para alm dos inmeros adoecimentos causados
pelo uso dos agrotxicos preciso registrar o seu efeito devastador
sobre os ecossistemas e a biodiversidade, comprometendo de modo
irreversvel as prticas sustentveis agroecolgicas e a vida. Apesar
de todas as formas de resistncia e manifestaes, que incluem
denncias, divulgao de resultados de pesquisas, campanhas, atos e
aes promovidos por diversas organizaes e especialmente pelos
movimentos de mulheres, o Brasil permanece o maior consumidor de
agrotxicos no mundo. As investidas do agronegcio voltadas para a
flexibilizao e liberao do uso de agrotxicos avanam a cada dia e se
impem contra as medidas institucionais e de ordem legal. Enquanto
isso a contaminao se alastra, chegando ao leite materno,
desencadeando intoxicaes crnicas que se manifestam no
comprometimento do sistema imunolgico, neurolgico e hormonal e na
forma de doenas como cncer, desequilbrio da tireoide, surdez,
diminuio da acuidade visual e tantas outras. Sobre as mulheres e
meninas incide ainda o desequilbrio hormonal, com desajustes no
desenvolvimento fisiolgico, m formao fetal e abortos. O agronegcio
traz muito lucro para as transnacionais, para as empresas que
produzem os agrotxicos, inclusive com iseno fiscal. Essas grandes
empresas no podem usar vrios desses produtos em seus pases de
origem, produzem especialmente para vender para ns. preciso que
todos tenham clareza que agrotxico veneno e no podemos envenenar os
povos em nome do lucro das transnacionais. Os governos estaduais
esto apostando muito nas empresas para fabricar veneno - tem estado
que no cobra nada de impostos - com o argumento de que estas
empresas traro trabalho e renda para os municpios. O que no se
divulga so as doenas, mortes, explorao das/os trabalhadoras/es,
aumento nos gastos com a sade pblica que eles tambm traro. As
mulheres somam suas vozes s denncias e reivindicaes da Campanha
Permanente contra os Agrotxicos e pela Vida, como a proibio da
pulverizao area, o banimento dos agrotxicos que j so proibidos em
outros pases e o fim da iseno fiscal aos agrotxicos. O Plano
Nacional de Agroecologia e Produo Orgnica prev um Programa Nacional
de Reduo do Uso de Agrotxicos, chamado PRONARA, que precisa ser
imediatamente implementado, para que a poltica de agroecologia
possa se efetivar. Com certeza as investidas do agronegcio para
manter e ampliar o uso de fertilizantes e venenos agrcolas nos
coloca a necessidade permanente de mobilizao e luta contra os
agrotxicos e pela vida. E ainda h a contaminao da gua por
agrotxicos. No RN e CE, na Chapada do Apodi, a populao est sentindo
os efeitos da contaminao da gua e
22. tem feito muitas discusses e aes em torno disso. E no uma
coisa recente, em 1995 a gua da Chapada j se encontrava contaminada
com vrias espcies de veneno. O veneno est na mesa e na gua que
bebemos. O lenol fretico j est contaminado. Nestes casos de
contaminao, a mulher vtima dos agrotxicos no apenas como
assalariada rural, em seus locais de trabalho. Em diversos casos
ela contaminada como me, esposa, filha dos assalariados rurais.
Quantas mulheres so responsveis pela lavagem das roupas de filhos e
maridos assalariados rurais? Quantas/os trabalham sem equipamento
de proteo individual e regressam para suas casas contaminadas/os
com agrotxicos? Quantas so contaminadas por residirem em imveis
cedidos por empregadores, ou distritos prximos, s frentes de
trabalho? Quantas, assim como os demais trabalhadores, perderam o
direito de dispor de gua potvel, sendo obrigadas a consumirem guas
contaminadas com os agrotxicos aplicados nas lavouras? Sementes e
Transgnicos A relao das mulheres com as sementes histrica, desde os
primrdios da agricultura, no ato da seleo, domesticao e cultivo.
Mesmo com o processo da homogeneizao e padronizao do processo
produtivo pela agricultura industrial, e no perodo mais recente a
biotecnologia, as mulheres camponesas vm contribuindo para a
preservao das variedades de sementes, no incentivo guarda e troca
de sementes. Nos territrios notria a contribuio das mulheres ao
observarmos o ambiente trabalhado por elas, onde encontramos uma
diversidade enorme de plantas, resultado das sementes e mudas
coletadas por elas em diversos lugares. Esse trabalho muitas vezes
no se d sem conflitos na famlia, no que se refere escolha da
variedade que vai ser guardada, pois na maioria dos casos as
mulheres buscam a qualidade das sementes para garantir maior
diversidade, melhor alimentao e fcil preparo do alimento, sem
necessariamente buscar a maior produtividade. O olhar das mulheres
sobre as sementes est muito vinculado soberania e segurana
alimentar. importante destacar os graves impactos dos transgnicos
na biodiversidade, na alterao do modo de produo agrcola para a
soberania alimentar ao gerar mudanas na base gentica e reduzir a
diversidade nutricional. Neste sentido, os transgnicos tm impactado
diretamente nos territrios das mulheres. Construo do Conhecimento
Agroecolgico: ATER, Pesquisa, Educao do Campo Nas experincias
agroecolgicas que, cada vez mais, se multiplicam por todas as
partes do planeta, o trabalho das mulheres tem se mostrado como
fundamental e indispensvel para a consolidao da Agroecologia como
modelo de agricultura sustentvel em toda a propriedade. Por isso,
as mulheres precisam de uma assistncia tcnica e extenso rural
(ATER) que considere as suas demandas e que seja adaptada s suas
dinmicas de trabalho. Necessitamos de tcnicos e tcnicas capacitados
para que percebam as nossas necessidades especficas e no reforcem a
costumeira invisibilidade a que so relegadas as prticas das
mulheres rurais, incluindo a a produo para o autoconsumo, que na
maioria das vezes nem objeto de assistncia tcnica. Conseguimos
garantir o atendimento obrigatrio de 50 por cento de mulheres no
pblico
23. das chamadas de ATER Agroecologia do Ministrio do
Desenvolvimento Agrrio e 30 por cento de atividades exclusivas com
mulheres. Isso foi uma conquista das mulheres atravs de muita luta
e mobilizao, mas precisamos garantir esse atendimento das mulheres
em todos os editais de ATER pblica e a sua efetivao. Acreditamos
que a mudana comea na formao: na formao poltica das mulheres
rurais, introduzindo o dilogo entre o feminismo e Agroecologia nos
espaos de formao j existentes; na formao dos tcnicos e tcnicas que
j desenvolvem as atividades de ATER na Agroecologia; e na formao
dos futuros tcnicos nas universidades e escolas tcnicas. Temos que
quebrar as barreiras do preconceito e trazer o feminismo para a
academia e para as organizaes mistas e com isso dar uma maior
visibilidade e reconhecimento do papel das mulheres na
Agroecologia. necessrio mantermos e aprimorarmos as chamadas
deATER. Divulgar as experincias, fomentar os estudos. Fazer um
trip: ensino, pesquisa e extenso. importante tambm que a ANATER
pense nas mulheres e elas tenham a devida importncia dentro desse
projeto. A gente precisa de apoio para estruturar os grupos
produtivos das mulheres, formalizados ou no. a demanda das
mulheres. Agricultura Urbana e Periurbana A agricultura urbana e
periurbana um foco de resistncia das mulheres na agricultura. A
maioria das experincias de agricultura urbana no Brasil
protagonizada por mulheres. Muitas destas mulheres tm origem rural
e tiveram suas famlias expulsas do campo pelo avano do agronegcio
em seus territrios de origem. Outras so de origem urbana e se
aproximaram da agricultura pela preocupao com a sade e o alimento
pessoal e das famlias. Os desafios da agroecologia nas zonas
urbanas so ainda maiores do que da agroecologia nas reas rurais. A
maioria das experincias de agricultura urbana e periurbana no
conseguem acessar as polticas voltadas para a agricultura familiar
devido dificuldade de enquadramento numa lei que restringe o
conceito de agricultura familiar e quase ausncia de uma poltica
voltada, de fato, para a agricultura urbana. Outro desafio garantir
as reas de cultivo frente especulao imobiliria nas grandes cidades.
Muitos terrenos e quintais esto desaparecendo e, cada vez mais, a
agricultura urbana est sendo empurrada para locais mais distantes
da cidade. No h a garantia dos quintais nas polticas de habitao nem
de espaos comunitrios para a prtica da agroecologia nas cidades, o
que torna a prtica ainda mais restrita. preciso que os governos
reconheam a importncia do cultivo de alimentos nas cidades, criando
polticas de apoio agricultura urbana e periurbana que contribuam
para a soberania alimentar das famlias que vivem nas cidades.
Acesso e gesto das guas Em nossa sociedade as mulheres so
responsabilizadas pela gua para consumo domstico. Se elas caminham
longas distncias para encontrar gua ou se ficam muitas horas na
fila do caminho pipa isto no aparece como um problema, mas apenas
como
24. parte de seu papel de mes. Mesmo que a mulher no esteja
diretamente envolvida em buscar gua, ela tambm participa dos comits
das cisternas, do cuidado e da gesto da gua. Ns sabemos que as
mulheres carregam essa preocupao. At mesmo na atual seca no
Sudeste, a gente v a mulher frente, buscando gua para cuidar da
famlia, pois muitos homens no se preocupam. Este trabalho que
realizam feito em um contexto de acesso muito desigual e cada vez
mais difcil. Nos vrios recantos do Brasil, muitos audes foram
construdos em terra de fazendeiros, que os cercam e impedem o
acesso. A situao piora, porque a gua sugada e contaminada pelas
monoculturas, pelas mineradoras e empresas transnacionais que
engarrafam gua para vender. No nosso pas, a outorga (concesso do
direito ao uso) de gua liberada para os grandes projetos, enquanto
negada para as iniciativas produtivas das mulheres, principalmente
quando elas no conseguem disputar a outorga da gua, como j vem
acontecendo em estados da regio sul. Em todo o mundo as comunidades
resistem privatizao da gua e sua contaminao: as mulheres participam
ativamente de todas estas lutas. Quem so os maiores consumidores de
gua? A gua deixou de ser um bem da humanidade pra ser uma
mercadoria. Quanto custa hoje um vasilhame de gua? A grande mdia
coloca que as mulheres so as grandes vils do desperdcio, mas no
fala da gua usada no agronegcio, na minerao e na produo de
celulose. Precisamos intensificar a luta contra a privatizao das
guas e a sensibilizao da populao. A plataforma poltica da Marcha
das Margaridas traz a problemtica para o centro do debate.
necessrio fazermos campanhas para que a gua deixe de ser uma
mercadoria de especulao para ser direito de todas as pessoas. Outra
questo a importncia do uso racional da gua. Isso se faz necessrio
no s nos estados que esto com esse problema, visto que, de forma
geral, no fazemos um uso racional da gua. A privatizao das guas
tambm uma grande preocupao, o capital est tomando conta: voc
precisa comprar a gua mineral, porque as fontes foram vendidas. Ano
passado o governo criou o Conselho Nacional de Irrigao. Sua
composio nos preocupa: empresrios, governo e sociedade civil. No
entanto, dentro da sociedade civil esto os vendedores de
equipamento para irrigao. O agronegcio abusa das fontes hdricas sem
pensar no amanh. O lenol fretico um bem da humanidade. Qual a
fiscalizao do Estado sobre isso? Temos que fortalecer os espaos e
aes de participao popular e o controle social. Sabemos que cada
bioma tem os seus desafios e as suas demandas. Por exemplo, na
Amaznia h gua vontade para lavar roupa, mas no tem gua potvel, pois
muitos municpios no possuem saneamento, deixando os rios que o
cercam completamente contaminados. A regio Sudeste est impactada
pela minerao, deixando comunidades inteiras desalojadas, pois da
noite para o dia descobrem que no tem mais a terra que possuam e o
subsolo no lhes pertence. Mesmo as famlias que resistem so
prejudicadas pela contaminao deixada pela minerao, tanto no solo
como na gua. Precisamos despertar em cada regio esse debate, a
partir da realidade local, considerando a questo da qualidade, do
consumo e uso excessivo da gua. No entanto, precisamos ter cuidado
com o discurso que responsabiliza apenas o uso domstico e as
famlias para o consumo consciente da gua. Na prtica quem tem
dinheiro se apropria da gua, do lenol fretico. So na verdade as
grandes empresas, as indstrias, o agronegcio os maiores
consumidores de agua. No meio rural, ainda existem as grandes
fazendas que tem cinco, seis, dez poos, quando o pequeno produtor
do lado no tem gua.
25. Uma das polticas de maior avano que tivemos na ltima dcada
foram os programas P1MC- Programa Um Milho de Cisternas e o P1+2
Programa Uma terra, Duas guas, que tm possibilitado o acesso a
tecnologias sociais de captao de gua de chuva para beber e
produzir, alm de trazer trabalho e renda para os/as pedreiros/as ou
cisterneiros/as das comunidades e contribuir para o processo de
organizao local, municipal, regional e estadual. Queremos que esses
programas se tornem polticas de governo e ampliem sua atuao, alm de
rever critrios que definem e ampliem os/as beneficirios/as. Por ver
a importncia e a forma como esse trabalho tem se dado, questionamos
a implementao das cisternas de plstico, que tem apresentado
problemas de pouca durabilidade ao calor, alm de deixar de
remunerar a mo de obra local para construo de cisternas para
remunerar as empresas que produzem e vendem essas cisternas de
plstico. H denncias ainda de que essas empresas recebem para cavar
o buraco, mas no o gastam, repassando esse trabalho e a
responsabilidade para as famlias. Por fim, precisamos denunciar a
indstria da venda de gua. No Nordeste, por exemplo, caminho pipa
distribui gua contaminada a um preo absurdo. Controlar isso tambm
responsabilidade do poder pblico. As mulheres tambm protagonizam
experincias de gesto da gua feitas pelas comunidades: seja na
construo de cisternas e nas comisses municipais no nordeste
brasileiro ou nos comits de gua nos bairros populares da Venezuela.
O abastecimento, gesto e proteo da gua para produo e consumo tm que
ser planejados em conjunto, com a participao das mulheres e com o
objetivo de diminuir sua sobrecarga. Por isto consideramos que nem
a gua e nem o trabalho das mulheres so recursos inesgotveis: a gua
um bem comum e no uma mercadoria. PARA CONTINUAR CONVERSANDO: 1)
Como est o acesso terra e gua na sua comunidade e municpio? E a
construo da agroecologia? Como est a participao das mulheres? 2) O
que vocs podem fazer para contribuir com a luta pela terra e pela
gua na sua regio? Que aes podem ser feitas para fortalecer o
movimento agroecolgico? 3) As polticas pblicas voltadas garantia do
acesso terra e gua tm funcionado em seu municpio? Existem desafios?
Quais? Vocs tm sugestes para melhorar as polticas de acesso terra e
gua, fortalecendo principalmente o acesso das mulheres a essas
polticas?
26. EIXO 3 SOCIOBIODIVERSIDADE E ACESSO AOS BENS COMUNS O bem
comum se refere aos bens especficos que so compartilhados e
beneficiam todas (ou quase todas) as pessoas de uma comunidade e
que so requisitos bsicos para uma vida digna: comida, gua, terra,
moradia, conhecimento e servios pblicos (educao, sade, energia,
etc.). Entendemos a sociobiodiversidade como a relao entre bens e
servios gerados a partir de bens naturais, voltados formao de
cadeias produtivas de interesse de povos e comunidades tradicionais
e de agricultores familiares. Ela engloba produtos, saberes, hbitos
e tradies prprias de um determinado lugar ou territrio, alm de
culturas, valores e significados, paisagem, recursos, produtos e
impactos deste mesmo sistema. O meio ambiente e toda sua
diversidade o nosso maior bem comum, que existe no apenas para o
nosso usufruto, mas tm um sentido e uma importncia maior para a
vida na Terra. No entanto, os seres humanos tratam os bens comuns
como recursos, como algo que existe para nos servir e no
compreendem que eles no so infinitos e nem tampouco para ser usado
de forma irresponsvel por empresas e Estados. O sistema capitalista
se sustenta na explorao extrema da natureza e dos bens naturais,
reduzindo-os a meras mercadorias para serem compradas e vendidas a
partir da lgica da privatizao. Consideramos privatizao a ao de
pessoas ou empresas, que torna um bem da natureza uma propriedade
privada, se considera dono e faz desse bem o que quiser: assim esto
sendo tratadas nossas terras, guas, florestas e at mesmo o ar.
Percebemos essa mercantilizao (que considerar a natureza como
mercadoria) quando privatizam a terra e os campos e as/os
camponesas/es, quilombolas e indgenas so expulsas/os e no tem mais
acesso s reas onde viviam e trabalhavam. Mais do que isso, as
cercas impedem o acesso s terras de uso comum que antes eram usadas
como pasto para o gado ou para a coleta de frutos, sementes, lenhas
ou plantas medicinais. Mercantilizam a gua quando os fazendeiros
cercam as represas e impedem que as mulheres tenham acesso a elas.
Quando as fontes de gua esto secas ou contaminadas pela agricultura
intensiva e pelos monocultivos ou quando se criam represas para
produzir uma energia que pouco beneficia a populao local. Os mares
e mangues so privatizados quando tomados pela pesca industrial e
pelo cultivo intensivo de camares e mexilhes deixando pescadores
artesanais e marisqueiras sem suas fontes de sustento ou ainda
quando so drenados para expandir reas industriais. Mercantilizam
nossas florestas quando estabelecem um preo para mant-las em p e
definem quem tem o direito de usufruir dela. Empresas privadas
fazem contratos e pagam a quem no derruba as arvores (como se o
normal fosse elas serem destrudas). A ideia deles incluir na
contabilidade das emisses de gases de efeito estufa aquelas que so
evitadas pela reduo do desmatamento e a degradao florestal. Esse
mecanismo chamado de REDD Reduo das Emisses por Desmatamento e
Degradao Florestal e prev que pases e/ou pessoas preservem suas
florestas. Hoje se fala em REDD+, que se refere construo de um
mecanismo, ou uma poltica, que dever contemplar formas de prover
incentivos positivos aos pases em desenvolvimento que tomarem uma
ou mais das seguintes aes para a mitigao das mudanas climticas,
como 1) Reduo das emisses derivadas de desmatamento e degradao das
florestas; 2) Aumento das reservas florestais de carbono; 3) Gesto
sustentvel das florestas; 4) Conservao florestal. Como parte dessas
polticas temos, por exemplo, o Pagamento por Servios
Ambientais
27. (PSA), que um mecanismo criado para desenvolver um novo
mercado, que tem como mercadoria a ser comercializada os processos
e produtos fornecidos pela natureza, como a puricao da gua e do ar,
a gerao de nutrientes do solo para a agricultura, a polinizao, o
fornecimento de insumos para a biotecnologia, etc. O Pagamento por
Servio Ambiental , portanto, um dos instrumentos elaborados para
tentar solucionar os problemas ambientais dentro da lgica do
mercado, sem questionar as estruturas do capitalismo. Assim, a
proteo do meio ambiente deixa de ser um custo a mais para uma certa
atividade econmica para agora fazer parte da economia, no paradigma
da dita Economia Verde. Um conjunto de instrumentos para alcanar o
desenvolvimento sustentvel, que abre as portas para que vrios
setores industriais passarem o trator da privatizao em bens comuns
que eram patrimnios de comunidades tradicionais e agricultores/as
familiares. O que tem acontecido que empresas e governos tem pago
pequenos recursos, por um longo tempo s/aos agricultoras/es para
que esses no mexem na floresta, o que significa que elas/eles no
podero plantar suas roas, no podero retirar madeira para fazerem
suas casas. O que no se considera que aquela floresta ainda est
ali, porque a forma de convivncia das populaes sempre se deu de
forma harmnica com a natureza e que o preo nfimo que pagam no
suficiente para compensar as perdas de renda que elas/eles tero.
Tais mecanismos so apresentados como forma de proteo das florestas,
mas no h uma preocupao, por exemplo, se grandes reas, com rvores
centenrias e diversas, sero derrubadas para se plantar apenas um
tipo de variedade, como o caso do eucalipto em algumas regies do
pas, nem aonde e que tipos sero plantadas. O que importa passar uma
imagem de ambientalmente corretos, porque fazem o replantio de
rvores, que geraro mais oxignio, que tambm ser comercializado. Essa
lgica tambm mercantiliza o ar quando negocia o Crdito de Carbono ou
Reduo Certificada de Emisses (RCE), que so certificados emitidos
para uma pessoa ou empresa que reduziu a sua emisso de gases de
efeitos estuda. Nessa comercializao comprar Crdito de Carbono
significa comprar uma permisso para emitir gs carbnico, ou seja,
para poder poluir Nossa biodiversidade tambm est sendo privatizada
atravs das leis de patentes impostas pelos acordos de livre
comrcio. A capacidade reprodutiva das sementes reduzida e
privatizada pela tecnologia transgnica e os agrotxicos esto
contaminando nossas terras, guas e pessoas. As mulheres resistem s
mudanas climticas Os desmatamentos, a queima de combustveis fsseis
(derivados do petrleo, carvo mineral e gs natural) para gerao de
energia, atividades industriais e transportes; converso do uso do
solo; agropecuria extensiva e descarte de resduos slidos (lixo) so
atividades que emitem grande quantidade de CO e de outros gases
formadores do efeito estufa, que tem gerado o que chamamos de
mudanas climticas. As mudanas climticas tm gerado profundos
impactos sociais e econmicos na populao, afetando fortemente as/os
agricultoras e agricultores familiares, camponesas/as, indgenas e
as populaes tradicionais, mais vulnerveis, comprometendo seus modos
de vida e as bases de seus bens naturais. Ns, mulheres, vivemos em
uma sociedade machista que se apropria de nosso trabalho e nosso
corpo e nega nossa autonomia.As implicaes dessas alteraes climticas
tambm tm uma marca patriarcal. As mulheres rurais, em muitas
comunidades, so responsveis
28. por buscar gua, cultivar a horta e criar pequenos animais.
Quando secam os audes, riachos ou poos, elas tm que caminhar muitos
quilmetros ou ficar horas na fila do caminho-pipa. Nas cidades,
depois das enchentes, so elas que abandonam seus empregos para
organizar a precria sobrevivncia nos abrigos improvisados em
escolas, igrejas. Outra consequncia das mudanas climticas que
atinge diretamente a vida das mulheres o aumento da violncia sexual
e domstica contra mulheres e meninas aps catstrofes ecolgicas. As
mulheres resistem e do a resposta: construir um mundo igualitrio
com sustentabilidade! Mesmo em situao de dificuldades, as mulheres
vtimas de injustias ambientais, organizam-se coletivamente, criando
redes de solidariedade entre si para enfrentar suas dificuldades e
denunciar sua situao ao mundo. As mulheres resistem s mudanas
climticas e lutam por outro modelo de produo e reproduo da vida em
nosso planeta, um modelo que no baseado na explorao de nenhuma
pessoa e voltado para o bem-estar da maioria das pessoas. No
podemos aceitar que a soluo para as mudanas climticas seja a venda
do direito de poluir para aqueles que tm dinheiro, sem garantir
nenhuma mudana efetiva. Lutamos contra o aquecimento global, porque
queremos que a sustentabilidade da vida humana esteja no centro da
organizao econmica e poltica. Queremos que a relao das pessoas com
a natureza seja responsvel, assegurando a soberania alimentar e
energtica. Nossa luta por uma sociedade sem opresso, na qual a
responsabilidade pela produo e reproduo da vida seja de todas e
todos. Lutamos para que todas e todos possam viver dignamente em um
mundo no qual a liberdade e a autonomia das mulheres estejam sempre
presentes! fundamental que o Estado adote com urgncia polticas para
a agricultura familiar, de adaptao e proteo aos impactos das
mudanas climticas, que garantam a superao dos obstculos decorrentes
dos efeitos climticos, inclusive no atendimento s situaes de
catstrofes e de emergncia e na proteo social s/aos mais vulnerveis.
Aadaptao aos impactos das mudanas climticas requer aes diretas
sobre os sistemas de produo, muitos de responsabilidade
a/osprprias/os trabalhadoras e trabalhadores, mas, que para tanto,
precisam contar com efetivo aporte pblico, especialmente na
capacitao, informao, gerao de conhecimento, disponibilidade de
recursos financeiros, tecnologias adequadas bem como crdito,
infraestrutura e servios pblicos necessrios s condies de adaptao.
Conflitos e injustias ambientais Em nossa sociedade os ricos querem
ser sempre mais ricos: vo cercando as terras, expulsando as
trabalhadoras e trabalhadores dos meios que garantem suas
possibilidades de produzir e sobreviver. Por causa da crise
financeira que abalou o mundo a partir de 2008, isto vem
aumentando: os ricos utilizam as terras, cobertas de pasto ou
monocultura, alm de fazerem a prospeco (procura) de minrios como
reserva de valor, isto , como garantia da riqueza que tm. Os
governos iniciam grandes projetos de hidreltricas e estradas como
uma tentativa de animar a economia e os chamam de desenvolvimento,
progresso. Mas o impacto perverso na vida das comunidades nos faz
perguntar: progresso para quem? Ignorando a contribuio das
agricultoras e comunidades tradicionais, que por geraes mantiveram
e ampliaram a biodiversidade, expulsam e criminalizam
29. famlias em reas de unidade de conservao. O corpo das
mulheres tem sido usado numa tentativa de amortecer, diminuir o
impacto dos conflitos provocados por este progresso. Quando os
trabalhadores se revoltaram contra as pssimas condies de trabalho
na usina de Jirau, em Rondnia, um deputado machista respondeu que o
problema era a falta de prostbulos. A prostituio usada tambm por
aqueles que contratam trabalhadores para colheita na monocultura,
ao redor das usinas hidreltricas e das mineradoras para mant-los em
dvida e sob controle. Quando essas empresas ou megaprojetos chegam
aos territrios isolando, expulsando e contaminando, tornando as
pessoas mquinas-objetos, encontram muita luta e resistncia por
parte das mulheres. O poder pblico no pode se calar, precisa
proteger nosso territrio e nossa populao, quando necessrio abrindo
processos de negociao com a participao ativa das comunidades e das
mulheres, sem constrangimentos ou cooptao. As mulheres tm propostas
alternativas para a economia, a infraestrutura e os servios de suas
regies e estas tm que ser consideradas e implementadas. As mulheres
em nossa sociedade muitas vezes no so consideradas iguais, so
discriminadas, ou seja, no so tratadas com igualdade, respeito e
considerao. Por isso, importante reafirmar que elas podem ter seus
prprios sonhos e desejos e torn-los realidade. Esta injustia
ambiental destri no s a vida das mulheres, mas de suas comunidades.
Quantas plantas domesticadas pelas mulheres nos quintais se perdem
quando os quintais so suprimidos pela monocultura da cana ou da
soja? Quanto conhecimento na coleta e manejo de plantas medicinais
se perde quando as mulheres no podem caminhar livremente pelos
bosques e florestas com medo da violncia? Nossos biomas: conflitos
e desafios O Brasil destaca-se pela imensa riqueza de sua
biodiversidade, no entanto, vem perdendo- a por desconhecer o
potencial das mesmas, e no ter polticas efetivas de apoio
conservao. O caso da Mata Atlntica emblemtico: vem sendo explorada
h anos e hoje est reduzida a menos de 7% do seu tamanho original.
No Cerrado vemos grandes extenses ocupadas por monoculturas, sendo
plantios florestais como os eucaliptos, que, sob a argumentao da
fixao de carbono, abastecem as grandes produes de celulose. A
biodiversidade nestes espaos est comprometida, transformando regies
em desertos verdes, perdendo toda sua capacidade produtiva e
regenerativa, como podemos ver tambm em outras regies do pas. O
Pantanal, maior plancie inundvel do mundo, com um sensvel equilbrio
de seu ecossistema, est sendo ameaado pelas novas tendncias de
desenvolvimento econmico, que substitui os saberes tradicionais das
populaes pantaneiras pela explorao intensiva do potencial
hidreltrico, da pecuria e da atividade agrcola, com aumento da
plantao de eucalipto, alterando significativamente os ciclos da
regio. A Caatinga tem sido a principal fonte de vida, produo e
renda de milhares de famlias nordestinas, que movimentam as
economias locais e mostram como h riqueza nessa regio. No entanto,
a cada ciclo de seca, a economia no semirido sofre fortes impactos
dificultando a qualidade de vida das populaes nesta regio. Outros
fatores agravantes na regio so ocasionados pela ausncia de uma
poltica permanente de convivncia com o semirido. Uma poltica que
tenha enfoque social, baseada nos saberes locais, e nas
30. tecnologias alternativas historicamente testadas e
aprovadas pelas comunidades. Atualmente, muitas so as informaes
sobre a degradao da caatinga, mas pouco se sabe sobre o
aproveitamento econmico da biodiversidade existente nesta vegetao e
os impactos gerados pela desertificao. A falta de mais
investimentos na sistematizao destes conhecimentos mantm
desconhecidas as riquezas da caatinga, que poderiam ser utilizadas
para o desenvolvimento local sustentvel, respeitando suas limitaes
naturais e necessidade das populaes. Sabemos que a resistncia dos
povos do Cerrado, da Caatinga, da Mata Atlntica, do Pantanal est
diretamente relacionada ao uso sustentvel dos bens naturais e o
emprego de prticas agroecolgicas, na defesa da vida, na briga
contra a tomada de reas de nascentes pelos eucaliptos, na luta para
que grandes projetos de permetros irrigados no se apropriem de reas
tradicionalmente ocupadas pela agricultura familiar e agroecolgica,
como tem acontecido na Chapada do Apodi. Esse tem sido um exemplo
de resistncia onde os movimentos sociais, em especial o movimento
feminista, tem se organizado contra um projeto articulado pelo
Ministrio da Integrao Nacional atravs do Departamento Nacional de
Obras Contra as Secas (DNOCS), com investimentos provenientes do
Programa de Acelerao do Crescimento (PAC), que pretende transformar
a regio em um permetro irrigado voltado para a produo de frutas por
empresas do agronegcio. Est prevista a desapropriao de uma rea de
cerca de 14 mil hectares (o equivalente a 14 mil campos de futebol)
para a implementao de um projeto de fruticultura irrigada. Ali,
habitam atualmente cerca de 800 famlias, divididas em cerca de 30
comunidades rurais, que tem sido referncia nacional na produo
agroecolgica. A situao da Amaznia Brasileira tambm preocupante. A
regio, conhecida como pulmo do mundo, tem sofrido com o aumento da
devastao causada por megaempreendimentos, que atuam atravs de uma
agricultura chamada de moderna, beneficiada e apoiada por governos,
os grandes madeireiros e o agronegcio e expulsam as populaes
ribeirinhas, extrativistas e agricultoras. Alm da expanso desse
modelo de produo gerar um dos maiores processos de concentrao da
terra, provocando assim grandes perdas sociais, privando o acesso
aos bens comuns, tambm tem provocado uma tragdia ecolgica. A
agricultura e a pecuria, grandes obras de infraestrutura, a
explorao madeireira, a grilagem de terras, o garimpo e a construo
de hidreltricas so atividades com grandes impactos sobre a
floresta, especialmente quando so feitas de forma ilegal ou sem
obedecer a um zoneamento ecolgico-econmico. Vemos que o
desmatamento em favor da pecuria, da produo de soja, da explorao de
recursos minerais continua sendo grande motivo de preocupao, pois
destroem rvores seculares que abrigam uma riqueza de animais,
plantas, insetos, aves que tambm esto sendo destrudas. Tal processo
de degradao vem sendo potencializado pelas grandes obras
desenvolvidas na Amaznia, a exemplo das hidreltricas, provocando a
degradao das guas e da biodiversidade em nome do desenvolvimento.
Mas o impacto perverso na vida das comunidades nos faz perguntar:
progresso para quem? Ignorando a contribuio das agricultoras e
comunidades tradicionais que por geraes mantiveram e ampliaram a
biodiversidade, expulsando e criminalizando famlias em unidades de
conservao? Essa realidade tem gerado o aumento dos conflitos, por
exemplo, entre pescadores artesanais e a pesca comercial. A
explorao desenfreada tem gerado escassez, colocando em risco de
extino diversas espcies de peixes, alm de manter em poucas mos a
concentrao da renda do pescado, um bem oferecido pela natureza e
que tem sido a base alimentar das famlias na Amaznia.
31. Lamentavelmente o processo de perda de biodiversidade
atinge tambm a Regio Sul, onde algumas reas j so consideradas
semiridas, demandado polticas anteriormente destinadas apenas ao
semirido nordestino. Esta biodiversidade continua sendo ameaada
pelas monoculturas, em especial do eucalipto, pelo uso excessivo de
agrotxicos e pelos plantios transgnicos. Sabemos que existe um
processo de criao de Unidades de Conservao que tm buscado preservar
o ambiente. No entanto, o processo de regularizao dessas reas no
tem se dado como deveria, principalmente quando se trata de
reservas extrativistas e marinhas. Vemos que os rgos que tratam das
questes ambientais tm poucos recursos e profissionais para o
desenvolvimento das aes. Esse descaso tem gerado srios conflitos
que tendem a criminalizar das lideranas e organizaes locais, que
tem resistido aos avanos dos interesses dos grandes empresrios, na
luta pela conservao dos bens naturais. Alm de todos estes desafios,
vemos a aprovao de leis que atendem apenas aos interesses dos
empresrios que buscam o perdo aos danos ambientais cometidos pelos
desmatamentos e pela destruio de reas de Proteo Permanente. A
aprovao da reviso do Cdigo Florestal Brasileiro foi o grande
exemplo dessa contradio: premiou quem no cumpriu com sua parte na
convivncia equilibrada entre produo e preservao, deixando sem
nenhuma alternativa de apoio os que cumpriram com as leis
anteriormente vigentes. Todos os Biomas carecem de uma poltica
orientada para que o uso sustentvel e conservao dessas reas.
necessrio que seja colocada em prtica uma poltica que garanta o
acesso, a produo e a vida das populaes tradicionais com condies de
fomentos orientados proteo do Bioma, valorizao da
sociobiodiversidade e dos bens naturais. Esse um dos grandes
desafios deste sculo: conciliar desenvolvimento econmico, a
qualidade de vida das famlias tradicionais e a conservao da
sociobiodiversidade e dos bens comuns. As mulheres na defesa da
Sociobiodiversidade As mulheres do campo, da floresta e das guas vm
resistindo destruio da sociobiodiversidade pela ao do agronegcio e
das corporaes transnacionais. So milhares de camponesas, indgenas,
quilombolas, ribeirinhas, pescadoras que sobrevivem do uso
sustentvel da biodiversidade com prticas que expressam o saber
acumulado sobre os ecossistemas, o patrimnio gentico, as formas
sustentveis de produo e conservao das sementes, alimentos, plantas
medicinais e domesticao das espcies. Sobrevivem em situaes de
conflito em seus territrios e resistem na luta pelo livre acesso
sociobiodiversidade. As quebradeiras de coco babau so um exemplo,
dentre tantos outros, por manterem viva a resistncia e luta pelo
livre acesso e pela proteo dos babauais. As prticas desenvolvidas
nos quintais expressam os saberes agroecolgicos que se ampliam no
exerccio dos intercmbios de experincias e desafiam ao
aprofundamento da relao entre cultura e nutrio e construo de
estratgias e polticas pblicas que assegurem as condies para o
processamento artesanal e comercializao dos produtos da
sociobiodiversidade. Para as mulheres, a natureza, a
sociobiodiversidade e o conhecimento so patrimnios
32. dos povos para o bem de toda a humanidade e devem ser
defendidos da ao destrutiva do agronegcio e das grandes corporaes
que se apropriam e tratam os recursos naturais apenas como um
negcio que gera lucros. As mulheres so guardis da biodiversidade e
sempre estiveram frente do cultivo de plantas medicinais e das
prticas de medicina caseira. Em muitos casos, foi a preocupao das
mulheres com a sade e as prticas de cultivo e uso das plantas