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Estado de Bem-Estar: origem, modelos e terminologias 1 Rosa Helena Stein 1.1 Modelos e Regimes no Capitalismo Central A existência do Estado de Bem-Estar (EB) é comumente associada à etapa de intervenção estatal na economia a partir da Grande Depressão econômica de 1929, o qual se consolida logo após a Segunda Guerra Mundial. Autores buscam enfatizar que o EB é “uma invenção européia cuja característica mais notável é o estabelecimento de mecanismos obrigatórios de solidariedade entre os cidadãos” pela via contributiva ou fiscal geral (Moreno, 2001:18). Para Esping-Andersen, a idéia capital do Estado de Bem-Estar reside em sua extensão de direitos sociais de cidadania (1996), distinguindo-se de qualquer menú de prestações sociais oferecido pelo Estado. Por isso, afirma que “si pretendemos que tenga algún sentido, el estado de bienestar há de ser algo más que política social: se trata de una construcción histórica única, de una redefinición explícita de todo lo relativo al estado” (2000:52). Bustillo, por sua vez afirma que quando se fala de Estado de Bem-Estar – ou de Estados de bem-estar – se está falando de desenhos alternativos de sociedade (1989). Diversos são os autores que localizam sua existência muito antes da Segunda Guerra Mundial, situando sua origem remota já na legislação dos pobres ingleses em 1601. Outros, localizam essa origem na legislação dos primeiros seguros sociais em fins do século XIX, como uma forma de ruptura com a linha de proteção da “Nova Lei dos Pobres” 2 , a qual, para outros, é também a referência para situar o começo do EB na primeira década do século XIX. As posições social-democratas identificam sua origem a partir do consenso do pós-Segunda Guerra quando resultaram políticas sociais de caráter universal associadas à implantação de políticas macroeconômicas keynesianas, cuja aplicação teve inicio no período de entre-guerras no New Deal estadunidense (Durana, 1999). 1 Conteúdo refere-se ao Cap. 1 da tese de doutorado As políticas de transferência de renda na Europa e na América Latina: recentes ou tardias estratégias de proteção social? CEPPAC/UnB, 2005. 2 Lei promulgada em 14 de agosto de 1834, que ficou conhecida como a Poor Law Reform. A referida Lei mantém o princípio de auxílio aos sem trabalho, mas modifica drasticamente as condições em que é oferecida (Polanyi, Friedlander, Bresciani), pelas quais, destaca-se, principalmente, o princípio da menor elegibilidade. O referido princípio, também utilizado por políticas de assistência social nos dias atuais, implica prestar socorro aos mais necessitados, porém em quantidades tão irrisórias que expõe o pobre à situação de constrangimento, cujo objetivo consiste em fazer com que ele aceite qualquer tipo de trabalho antes de pedir ajuda pública.

Estado de bem estar origem modelos e terminologias

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Page 1: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

Estado de Bem-Estar:

origem, modelos e terminologias 1 Rosa Helena Stein

1.1 Modelos e Regimes no Capitalismo Central

A existência do Estado de Bem-Estar (EB) é comumente associada à etapa de

intervenção estatal na economia a partir da Grande Depressão econômica de 1929, o

qual se consolida logo após a Segunda Guerra Mundial. Autores buscam enfatizar que

o EB é “uma invenção européia cuja característica mais notável é o estabelecimento

de mecanismos obrigatórios de solidariedade entre os cidadãos” pela via contributiva

ou fiscal geral (Moreno, 2001:18). Para Esping-Andersen, a idéia capital do Estado de

Bem-Estar reside em sua extensão de direitos sociais de cidadania (1996),

distinguindo-se de qualquer menú de prestações sociais oferecido pelo Estado. Por

isso, afirma que “si pretendemos que tenga algún sentido, el estado de bienestar há de

ser algo más que política social: se trata de una construcción histórica única, de una

redefinición explícita de todo lo relativo al estado” (2000:52). Bustillo, por sua vez

afirma que quando se fala de Estado de Bem-Estar – ou de Estados de bem-estar – se

está falando de desenhos alternativos de sociedade (1989).

Diversos são os autores que localizam sua existência muito antes da Segunda

Guerra Mundial, situando sua origem remota já na legislação dos pobres ingleses em

1601. Outros, localizam essa origem na legislação dos primeiros seguros sociais em

fins do século XIX, como uma forma de ruptura com a linha de proteção da “Nova Lei

dos Pobres”2, a qual, para outros, é também a referência para situar o começo do EB

na primeira década do século XIX. As posições social-democratas identificam sua

origem a partir do consenso do pós-Segunda Guerra quando resultaram políticas

sociais de caráter universal associadas à implantação de políticas macroeconômicas

keynesianas, cuja aplicação teve inicio no período de entre-guerras no New Deal

estadunidense (Durana, 1999).

1 Conteúdo refere-se ao Cap. 1 da tese de doutorado As políticas de transferência de renda na Europa e na América Latina: recentes ou tardias estratégias de proteção social? CEPPAC/UnB, 2005. 2 Lei promulgada em 14 de agosto de 1834, que ficou conhecida como a Poor Law Reform. A referida Lei mantém o princípio de auxílio aos sem trabalho, mas modifica drasticamente as condições em que é oferecida (Polanyi, Friedlander, Bresciani), pelas quais, destaca-se, principalmente, o princípio da menor elegibilidade. O referido princípio, também utilizado por políticas de assistência social nos dias atuais, implica prestar socorro aos mais necessitados, porém em quantidades tão irrisórias que expõe o pobre à situação de constrangimento, cujo objetivo consiste em fazer com que ele aceite qualquer tipo de trabalho antes de pedir ajuda pública.

Page 2: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

Outro critério utilizado para situar a origem do EB, é a sua relação com o

alcance de determinado nivel de proteção ou a importância que as atividades de bem-

estar ocupam na atuação estatal. Isto porque, algumas políticas não constituiram parte

importante em alguns países, só vindo acontecer em fins dos anos 1960 e inicio da

década seguinte, quando seus orçamentos são ampliados e destinados à

universalização da assistência, educação e à segurança de seus cidadãos.

Em síntese, os acontecimentos que marcam o desenvolvimento das políticas

sociais são destacados como momentos definidores dos Estados de Bem-Estar,

conforme as diferentes concepções, podendo ser localizadas em períodos distintos,

nos quais são consolidadas diferentes formas de organizar o bem-estar público, quais

sejam:

� A “Nova Lei dos Pobres” do século XIX inaugurou o início da intervenção

estatal que, alguns autores referem-se, também, como um Estado de Bem-

Estar assistencial;

� Os sistemas de seguros sociais, no fim do século XIX, assinalaram a aparição

de uma intervenção estatal destinada a garantir a segurança social às classes

assalariadas; e

� No século XX, depois da Segunda Guerra Mundial, o Estado de Bem-Estar

teve uma orientação universalista e igualitária.

Dos antecedentes próximos e remotos, pode-se destacar um conjunto de

critérios que caracterizam o denominado Estado de Bem-Estar, a saber: a introdução

do seguro social; a extensão da cidadania e desfocalização na pobreza extrema e, por

último, o crescimento do gasto social em consequência do comprometimento de

crescente proporção do produto nacional com políticas sociais (Pierson, 1991). Esses

critérios ganham concretude a partir da intervenção estatal na economia para manter o

pleno emprego ou, pelo menos, garantir um alto nível de ocupação; da provisão

pública de uma série de serviços sociais universais, ou seja, dirigido a todos os grupos

de renda, independente de seus rendimentos; e da responsabilidade estatal na

manutenção de um nível mínimo de vida, entendido como um direito social (Mishra,

1989:56).

Para Mishra (2003), o suposto básico que fundamenta o Estado de Bem-Estar,

consiste na considerável autonomia política por parte do Estado nacional no que se

refere à administração macroeconômica e a determinação das políticas sociais, fiscais

e monetárias.

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Na verdade, sobressai a compreensão de diversos autores sobre a difícil tarefa

de definir com precisão o que é o Estado de Bem-Estar, ao mesmo tempo em que

Esping-Andersen (1990) chama a atenção para a constatação quanto à ausência de

interesse por sua definição.

De um modo geral, o Estado de Bem-Estar é definido como aquele que

assegura aos cidadãos condições mínimas de bem-estar, ou aquele que proporciona

aos cidadãos serviços públicos, tais como, educação, saúde, renda em caso de

necessidade (desemprego, enfermidade, aposentadoria) ou outras prestações e

serviços sociais. No entanto, para precisar tal definição, alerta Yruela (1997:134), faz-

se necessário saber algo mais sobre estes serviços e prestações, ou seja: Para quais

situações se prevêem prestações sociais? Quem tem direito a estas prestações? Até

que ponto o cidadão tem que contribuir para ter direito a elas? Até que ponto a renda

que recebem, em caso de necessidade, equivale à que recebiam antes de entrar

nessa situação? Sem dúvida que, quando investigadas entre diferentes países, as

respostas às referidas questões serão distintas.

Esping-Andersen também apresenta outras questões, tais quais: se há

distinção entre os Estados de Bem-Estar, o quê os distingue? Quais as referências

para afirmação da existência de um Estado de Bem-Estar? Às definições comumente

identificadas o autor oferece critica tendo em vista as mesmas não tratarem do

aspecto emancipatório das políticas sociais, não indagarem se estas ajudam a

legitimar o sistema ou não, se contradizem ou auxiliam aos processos de mercado e,

ainda, se a destacada atenção às necessidades básicas é insuficiente para ser

satisfeita por um Estado de Bem-Estar.

Na verdade, esse conjunto de questões reflete a ausência de aprofundamento

teórico-conceitual sobre o EB, ressaltado por diversos autores. Como destaca

Therborn (1989:85) “en términos generales, se puede decir que la investigación desde

las ciencias sociales sobre el Estado de Bienestar carece de una base teórica

suficientemente desarrollada”.

Esping-Andersen, ao analisar os resultados da primeira geração de estudos

comparados, conclui que “no hay nada convincente para ninguna teoria en particular”

(idem, p.38). Porém, o autor informa que a maioria das comparações existentes

explica o EB sob o enfoque do gasto, o qual, entretanto, pode gerar equívocos. Um

dos problemas dessa análise é que suas conclusões se referem mais às variáveis

empregadas do que ao próprio EB. Pode demonstrar menor gasto do EB em alguns

programas sem revelar o comprometimento com o pleno emprego; ou, ao contrário,

Page 4: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

podem indicar grande volume de gasto com programas sociais e ocorrer incremento

do desemprego.

O referido autor concorda com Therborn, no sentido de que para ambos, a

melhor forma de análise do EB partir de um conceito da estrutura do Estado. Mas

quais critérios poderíamos utilizar para julgar se, e quando, um Estado é um EB?

Isuani (1991:9) distingue o EB, do Estado que se configura nessa fase, o

segundo pós-Guerra, denominado como etapa keynesiana, por constituir resposta às

recorrentes crises, bem como ruptura com a etapa liberal existente até à década de

1930. Já EB havia desenvolvido suas instituições antes da Grande Depressão de

1929.

Assim como Therborn (1989), Isuani (idem) traz para o debate o uso dos

termos Estado de Bem-Estar e Estado Keynesiano, além da polêmica sobre sua

definição.

Para ele, “es legitimo hablar del Estado de Bienestar Keynesiano y entender

por ello la forma que adquiere el EB en la etapa keynesiana” (1991:9), como a etapa

de intervenção estatal na economia a partir da Grande Depressão e consolidação logo

após a Segunda Guerra Mundial. Mas, acrescenta que é discutível a sustentação de

que o EB só aquire existência na referida etapa. Nesta etapa o que ocorre é o

aumento da influência estatal no manejo do sistema econômico marcado por três

características que lhe dão realce: o crescimento econômico extraordinariamente

rápido e mais constante que no passado, somados à ampla difusão dos benefícios da

prosperidade econômica, permitindo que os salários crecessem tão rapidamente como

o produto nacional.

O referido autor trata o tema distinguindo os conceitos Estado de Bem-Estar

(EB) e Estado Keynesiano (EK), apoiando-se na identificação quanto às causas de

suas origens, já que o EB respondeu à motivações de índole político-social, enquanto

o Estado Keynesiano (EK) o fez por motivações de natureza econômica. Os

instrumentos típicos de uma etapa e outra são identificados como flexíveis, no caso

keynesiano, e rígido, no caso do EB. No campo da intervenção, o EK opera no campo

da inversão e da produção, enquanto o EB, no terreno da redistribuição,

possibilitanddo a amplos setores da população o consumo de bens e serviços. Por

último, ressalta que a diferença mais suscetível refere-se à polêmica em relação à

crise, que ganha visibilidade em meados da década de 1970. Esta, “es principalmente

la crisis del EK y en consecuencia, los intentos de raiz conservadora que apuntan a

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superarla se basan más en un ataque a instituciones centrales del keynesianismo, que

el desmantelamiento del EB” (idem, p.10).

Para Therborn (1989) os conceitos de Estado Keynesiano de Bem-Estar ou

“Pacto Keynesiano”, no qual o Estado de Bem-Estar é um elemento importante, são

teoricamente “estéreis e incorretos” do ponto de vista histórico, tendo em vista que as

instituições modernas têm suas origens e formação antes mesmo de serem adotadas

as teorias keynesianas, assim como as políticas macroeconômicas de controle da

demanda. É, também “estéril e pouco afortunado”, do ponto de vista teórico, ao unir a

política social do Estado e Bem-Estar, a direção macroeconômica keynesiana e o

compromisso com o pleno emprego que, para o autor, são três coisas que, tanto do

ponto de vista lógico como prático, estão separadas.

Para essa análise, o autor leva em consideração a experiência utilizada na

Bélgica, quando, na ausência de pleno emprego, incluiu prestações por desemprego

sem limitação temporal e sem colocar em marcha uma política ativa de emprego;

também o Japão implementou uma política keynesiana combinada com o

compromisso das empresas privadas com o pleno emprego e com um Estado de Bem-

Estar reconhecidamente pouco desenvolvido. E o EB Suiço é bem restrito e sua

política econômica durante a crise foi muito pouco keynesiana, apesar de que tais

princípios foram ali adotados muito antes que o restante do continente europeu

(1989:85/6).

Esping-Andersen, por sua vez, ressalta três enfoques sobre a questão. O

primeiro toma como referência a transformações históricas ocorridas nas atividades do

Estado dedicadas ao atendimento às necessidades do bem-estar, apresentado por

Therborn (1989:86), para quem, o Estado é classificado em função de duas

dimensões: as prestações sociais e sua orientação em relação ao mercado de

trabalho e o pleno emprego. Para Therborn, a expansão do aumento das prestações

sociais, a maior ou menor preocupação com o pleno emprego, e as idéias keynesianas

de política econômica, no período anterior a meados dos 1970, constituíam uma

coincidência conjuntural que escondeu diferenças profundas entre países, quanto à

concepção da relação entre política social pública e a economia de mercado e suas

instituições. Partindo dessa compreensão, o autor, distingue quatro tipos de Estados

sócio-econômicos:

� Estados de Bem-estar Intervencionistas fortes: aqueles que combinam políticas

sociais universais e o compromisso institucional com o pleno emprego;

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� Estados de Bem-estar compensatórios brandos: aqueles que têm prestações

sociais generosas, mas fundamentalmente dirigidas à compensar a existência

do desemprego, com pouca influência no mercado de trabalho;

� Estados orientados para o pleno emprego com escassa política de bem-estar:

aqueles com poucas prestações sociais, mas com certo compromisso

institucional para manutenção do pleno emprego;

� Estados orientados para o mercado com escassa política de bem-estar:

aqueles com provisão limitada de serviços sociais e pouca intervenção pública

em relação ao emprego.

Outro enfoque conceitual é o apresentado por Titmuss3 (1981) ao considerar

que a busca da igualdade implica escolhas entre objetivos e fins políticos em conflito,

assim como a formulação de políticas e serviços sociais como meios para alcançá-la.

Entretanto, nem todas as políticas e serviços sociais têm o mesmo significado: um

deles refere-se às políticas e serviços que se ocupam dos problemas e das patologias

sociais, da acomodação e re-habilitação dos indivíduos e famílias aos valores e

normas da sociedade. O outro que considera os serviços sociais como instrumento

para satisfazer necessidades específicas na sociedade, independente dos juízos de

valor em relação aos indivíduos e famílias se constituir problemas sociais ou não. Em

vista desta concepção, Titmuss construiu um modelo que, segundo ele (1981:37-38),

pode ajudar a encontrar a ordem em toda a desordem e confusão dos fatos, sistemas

e escolhas referidos a determinadas áreas da vida econômica e social. Nele, distinguiu

três tipos de política social:

� Modelo residual de política social de bem-estar: as instituições de bem-estar

intervêm somente quando a família ou o mercado privado se veem

impossibilitados de fazê-lo. O verdadeiro objetivo do EB consiste em “fazer

com que os indivíduos atuem por si mesmos”. Sua base teórica tem origem nos

primeiros momentos da Lei dos Pobres inglesa e apóia-se na visão orgânica da

sociedade, na qual prevalece a idéia do Estado árbitro desgarrado da

sociedade e, na individualização dos problemas sociais. Tem como modelo de

redistribuição o “modelo atuarial individualizado”, baseado conceitualmente na

teoria do risco social, individual, coletivo e geral, no qual, por um valor

determinado, uma parte se compromete a indenizar ou assegurar à outra,

contra perdas, devido a contingências ou perigo especificado, denominado

risco configurado pelo seguro privado (p.122).

3 Ver Pereira, 1994a.

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� Modelo de política social baseado no esforço pessoal: as instituições de bem-

estar atuam como auxiliares da economia. As necessidades sociais devem ser

satisfeitas com base no mérito, nos resultados alcançados no posto de trabalho

e na produtividade. Tem como suporte teórico as várias teorias econômicas e

psicológicas relacionadas com os incentivos, o esforço e a recompensa e, com

a formação de lealdades de classe e de grupo. Titmuss o descreve como

“Modelo à serviço da casa” (p.39), no qual as necessidades sociais devem

estar submetidas à lógica da rentabilidade econômica.

� Modelo de política social institucional redistributivo: as instituições de bem-

estar têm importância fundamental na sociedade e proporcionam serviços

sociais com base nas necessidades, incorporando sistema de redistribuição de

rendas. Apóia-se tanto em teorias sobre os múltiplos efeitos do sistema

econômico e das mudanças sociais, como também no princípio da igualdade

social.

Para Titmuss, a política social, assim como a economia gira ao redor “do que é,

e do que poderia ser” (p.37), comprometendo-se com uma série de escolhas entre

objetivos e fins políticos em conflito, assim como com a análise daquilo que distingue

culturalmente entre as necessidades e aspirações do homem social em contradição

com o homem econômico (p.65-66). Como afirma o autor, seu objetivo com as

referidas aproximações, é contribuir para indicar as principais diferenças entre os

distintos pontos de vista sobre os meios e os fins da política social.

Da mesma forma, o autor chama a atenção sobre as escolhas e valores com

as quais se busca alcançar a igualdade social, tanto com referência às diversas

políticas ou a outros serviços. Faz um alerta no sentido de que a produção de bem-

estar consiste numa tarefa mais ampla, na qual a progressiva mudança nas situações

e, consequentemente, nas concepções de necessidades, produziram o crescimento da

divisão do bem-estar. Titmuss considera que os serviços sociais (em dinheiro ou em

espécie) não podem ser vistos como um conjunto de sistema de bem-estar com um só

objetivo, mas, sim, como um conjunto de sistemas com uma variedade de objetivos,

alguns em harmonia e outros em conflito entre si. Nesse sentido, o autor distingue três

sistemas (p.190-6) distintos de “serviços sociais”: o bem-estar social, o fiscal e

ocupacional, os quais diferem não em sua função e objetivos, mas sim, no método ou

estratégia de sua aplicação, a saber:

1) Bem-estar social: este sistema está constituído pela intervenção pública

através dos serviços sociais, cuja ampliação relaciona-se ao esgotamento das velhas

Page 8: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

formas de proteção social e ao surgimento da provisão como direito de cidadania

social. Verificam-se a passagem, desde princípio do século passado, dos escassos

serviços de ajuda aos pobres à incorporação de novos campos dedicados à satisfação

coletiva de determinadas “necessidades”. Nestes está incluída uma multiplicidade

heterogênea de atividades (manutenção da renda, cuidados da saúde, trabalho social,

serviços sociais pessoais, moradia, educação, emprego), assim como de segmentos,

que passam a ser alvo de proteção social (desempregados e subempregados

trabalhadores amparados por legislações específicas, viúvas, jovens com tardia

inserção no mercado de trabalho, dentre outros).

2) Bem-estar fiscal: refere-se, a políticas sociais que operam através do

sistema fiscal (com base no sistema progressivo de impostos diretos e taxas

denominadas cotizações ao seguro social, ou seguridade social), em favor de

determinados grupos da população, decorrentes da ampliação das demandas por

proteção social e, também, de mudanças na opinião pública no que diz respeito à

relação existente entre o Estado, o indivíduo e a família. Em seu raio de ação inclui um

crescente apoio à família, através do reconhecimento de um grande número de

“necessidades” e de “dependências”.

3) Bem-estar ocupacional: refere-se ao bem-estar realizado no âmbito de

empresas públicas e privadas, em favor de seus empregados, a partir da expansão de

benefícios ocupacionais, tanto em dinheiro como em espécie, decorrentes do próprio

trabalho. A implementação do bem-estar ocupacional teve seu rápido crescimento,

paralelo ao desenvolvimento do bem-estar social e fiscal e revela, por parte das

indústrias, tanto o seu desejo de “boas relações humanas”, como também a projeção

da imagem do “bom” empresário. Os serviços sociais ocupacionais incorporam o

princípio das necessidades sociais, porém, a partir dos resultados no trabalho, nos

ganhos profissionais e na produtividade. Incluem uma diversidade de benefícios que

compreendem, desde as pensões para os empregados, cônjuges e dependentes;

auxílio em caso de falecimento; serviços de bem-estar e de saúde; ajudas pessoais

para viagens, lazer, roupas e equipamentos; tikets alimentação e transporte; subsídio

moradia; abono férias; auxílios educacionais e para formação; auxílio desemprego,

dentre uma série de outros benefícios.

Como ressalta Titmuss, uma parte desses benefícios pode ser interpretada

como o reconhecimento de dependências (velhice, enfermidade, incapacidade, idade

infantil, viuvez, etc.), mas, na prática, assim como no método administrativo, provocam

a superposição, como também a dualização na prestação dos serviços sociais, uma

vez que os empregados são generosamente amparados em relação aos

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desempregados e aos precariamente inseridos no mercado de trabalho. A estes

últimos, fica reservada a possibilidade de terem suas necessidades satisfeitas pelo

modelo de política social residual, enquanto que os primeiros, os empregados, pelo

modelo de política social baseado nos resultados alcançados pelo esforço pessoal (p.

193-5).

A proposição de análise elaborada por Titmuss, uma das precursoras4 e

inspiradoras de uma variedade5 de novos estudos na investigação comparativa do

Estado de Bem-Estar, marca uma ruptura com uma concepção monolítica da política

social. Orienta-se na defesa das políticas sociais universais, incorpora a idéia da

diversidade das políticas, assim como de vias para a produção de bem-estar. Como

diz Esping-Andersen (1999), contribuiu para que os investigadores ultrapassassem a

“caixa preta” dos gastos, para o conteúdo dos Estados de Bem-Estar e, talvez o mais

importante, para analisar até que ponto o emprego e a vida ocupacional estão sendo

integrados pelo Estado, com vistas à ampliação dos direitos de cidadania.

Johnson (1990) destaca a importância de se considerar os modelos de

Titmuss, que, apesar de suas distintas disposições administrativas, estão relacionados

com o tema da extensão da desigualdade. Apesar de ter tomado como referência o

exemplo da Grã Bretanha para análise sobre a divisão social do bem-estar, considera

que sua análise é aplicável a qualquer sociedade avançada.

O terceiro enfoque informado por Esping-Andersen (1990), consiste em realizar

uma seleção teórica de critérios com os quais se julgam os tipos de EB, que pode ser

feito medindo os EB reais em relação a um modelo abstrato e classificando os

programas concretos ou a totalidade dos Estados de Bem-Estar. Este enfoque é

considerado a - histórico, pelo autor, além de não captar os ideais ou os projetos que

os atores históricos, pretendiam realizar, em seus esforços para alcançar o Estado de

Bem-Estar.

4 Inicialmente apresentada em sua obra Essays on the Welfare State. Londres : Allen and Unwin, 1958. Em 1974, logo após sua morte (06/04/1973) foi editado Social Policy, que consiste na versão editorial de um curso introdutório que ministrou durante muitos anos na London Scholl of Economics, traduzido paro o espanhol e editado em Barcelona, pela Ariel, em 1981. 5 Stein Kuhnle (1997:36) destaca a existência de um grande número, e cada vez maior, de estudos que buscam estabelecer modelos ideais de bem-estar ou classificações dos sistemas de bem-estar. Além daqueles destacados no texto, Titmus (1958); Therborn (1989), Esping-Andersen (1990); Moreno (2001), ver: Flora e Heidenheimer (1981); Ascoli (1984); Jones (1985); Castles e Mitchel (1990); Ginsburg (1992); Deacon (1992); Liebfried (1993); Ferrera (1996), dentre outros.

Page 10: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

Porém, Esping-Andersen, ao final dos anos 1980 inaugura uma nova6 linha de

investigação incorporando dois tipos de novidades: Uma, cuja análise se realiza com

referência no conceito de desmercantilização, o qual se materializa na prestação de

serviços com base na concepção de direito social, bem como na liberação da pessoa

e de sua dependência do mercado. Ou seja, o grau de desmercantilização de uma

política social pode ser conhecido a partir da medida combinada de sua extensão e

intensidade; quer dizer, a taxa de cobertura no eixo universal/seletivo e a taxa média

de reposição de renda (para cada programa de garantia de renda) ou o conjunto de

prestações e seu custo per capita (para cada serviço público), como analisam

Adelantado e Gomà (2000:65).

Outra se relaciona ao estudo que torna mais explícita a conexão entre a

política social e estrutura social, configurada em distintos modelos de EB, agrupados

de acordo com os tipos de regime prevalecentes no país: “liberal”, conservador e

“social-democrata”. O uso do conceito de “regime de bem-estar” parte, assim, da

constatação de uma grande variabilidade do “social”, entendido não como um lugar

distinto do “econômico“ e do “político”, ou de um conjunto de instituições paraestatais,

mas sim, como um conjunto de mediações entre três ordens: o econômico, o político e

o familiar” (Barba, 2004:10)

1. EB “liberal”: Este tipo de regime reflete o compromisso político de minimizar o

papel do Estado, individualizar os riscos e fomentar as soluções de mercado,

desfavorecendo os direitos dos cidadãos (Esping-Andersen, 2000:103).

O regime liberal caracteriza-se por três aspectos fundamentais:

a) é residual, tendo em vista que as garantias sociais estão limitadas aos “riscos

inaceitáveis” ou “maus riscos”, estando, a política social, dirigida aos

comprovadamente pobres;

b) é residual no sentido de que assume uma concepção restrita sobre quais riscos

devem ser considerados “sociais” de forma a direcionar a assistência especificamente

aos riscos “inaceitáveis”, destacando-se para tal a popularidade das transferências –

imposto negativo sobre a renda proposta originalmente por Friedman - da mesma

forma que os planos de seguros sociais modestos, baseadas em regras restritas e

associadas a estigmas; e

6 Publicado originalmente em 1990 sob o título “The three worlds of Welfare Capitalism”.

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c) o fomento ao mercado e ao cultivo aos dualismos, ou seja, os indivíduos com riscos

aceitáveis valem-se por si mesmos no mercado, enquanto que os de riscos

inaceitáveis passam a ser “dependentes da assistência social” (idem, 1990, 2000).

O Estado estimula passivamente o mercado - garantindo o mínimo; ou ativamente -

subsidiando os planos privados de proteção social, destacando-se a assistência

sanitária em grande parte nas mãos do “terceiro setor”, das associações sem fins

lucrativos, como pode verificar-se nos percentuais: 20% do total na Alemanha; 36% na

Austrália; 57% nos Estados Unidos. Considerando tais características, o autor

identifica a existência de distintos grupos de nações, porém o grupo de regimes de

bem-estar liberais, é em sua maioria anglo-saxão: Estados Unidos, Canadá, Austrália,

Irlanda, Nova Zelândia e Grã Bretanha (2000, p. 105-106).

2. EB conservadores e fortemente “corporativistas”: este tipo de regime tem como

marca predominante a mescla da segmentação de status e familirialismo carregados

pela herança histórica na formação do EB do pós-guerra. O legado estadista verifica-

se fortemente no tratamento privilegiado aos funcionários públicos, principalmente na

Áustria, Bélgica, França, Alemanha e Itália7. Em que pesem as tentativas de

consolidação dos planos profissionais, os sistemas de seguridade social estão

marcados pela divisão corporativista, fazendo com que os direitos se subordinem à

classe e ao status.

Outro aspecto do caráter conservador refere-se à sua vinculação com a Igreja

e, consequentemente, pela conservação da família tradicional. Este é refletido na

proteção social marcadamente familiarista, ou seja, em favor do chefe de família do

sexo masculino e da centralidade na família como responsável pelos cuidados e bem-

estar de seus membros. Neste sentido, evidencia-se o principio da subsidiariedade

que serve para destacar que a intervenção do Estado ocorre quando esteja esgotada

a capacidade das famílias mulheres em fazê-lo.

A provisão de serviços neste regime, aparentemente, se equipara ao regime de

bem-estar liberal, no sentido da residualidade, diferindo, portanto, nos sujeitos para o

qual estão destinados. No caso liberal refere-se à escolha dos riscos inaceitáveis,

deixados à margem pelo mercado e, no caso conservador, aqueles deixados pela

família. Em ambos os casos sobressaem a assistência social em detrimento da

garantia mais ampla dos direitos.

7 Cf. Esping-Andersen (2000:112) as pensões para os funcionários públicos representam 30% do total na Austria, 35% na Bélgica, 27% na França e Itália e 21% na Alemanha. Comparativamente a outros países, como na Escandinávia e nos países anglo-saxões, este percentual corresponde a duas ou três vezes mais.

Page 12: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

No âmbito da gestão do emprego ou da formação, verifica-se que por

motivações distintas, os dois referidos regimes, implementam políticas que favorecem

enfoques passivos, qual seja: No enfoque liberal, a gestão do emprego está ligada à

uma questão de equilíbrio de mercado e de flexibilidade salarial; sua prioridade

destina-se aos mercados de trabalho não regulados. No caso do enfoque conservador,

liga-se ou a uma questão de apoio familiar, ou à uma questão de induzir à redução da

oferta de mão-de-obra; sua prioridade localiza-se na forte proteção laboral para

adultos que já tenham emprego, especialmente os chefes de família do sexo

masculino.

3- EB “social-democrata”: neste regime de bem-estar o Estado é o principal promotor

da igualdade, destacando-se pelo compromisso não só com o universalismo, mas

também, com a cobertura de risco global e generosos subsídios. Nele, os direitos se

vinculam aos indivíduos e se baseiam mais na cidadania do que em uma necessidade

demonstrada ou em uma relação laboral, caracterizando-se pelo esforço em

desmercantilizar o bem-estar para minimizar ou abolir a dependência do cidadão ao

mercado e, assim, maximizar a igualdade (p.108).

Esping-Andersen destaca diferentes aspectos que têm possibilitado o

estabelecimento de uma relação direta entre o modelo social democrata e

igualitarismo: todos usufruem os mesmos direitos e subsídios; promoção ativa do bem-

estar e oportunidades vitais; redistribuição da renda e eliminação da pobreza. Os

referidos aspectos têm sua maior expressão nos países nórdicos, incluídos, a

Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia.

Sobre a relação direta com o pleno emprego, apesar de este ter se constituído

num compromisso fundamental deste regime de bem-estar, esta característica não lhe

é exclusiva, tendo em vista que países identificados com outros regimes também o

fizeram. Dinamarca, Finlândia e Suécia, sofrem de desemprego massivo. Apesar

disso, o compromisso com o pleno emprego verifica-se nas políticas ativas do

mercado de trabalho, tanto em termos de recursos gastos como o número de pessoas

envolvidas nos programas de formação, readaptação ou reciclagem profissional. Isso

pode parecer um eco para o workfare norte-americano que Esping-Andersen

(2000:110) se adianta para distinguir entre as prestações condicionadas à realização

de trabalho ali utilizadas e, as nórdicas, onde o Estado deve garantir que todos

disponham dos recursos e motivações necessários para trabalhar.

Apesar dos países nórdicos ostentarem taxas elevadas de substituição de

renda é preciso distingui-los de países de outros regimes que também o fazem. O que

Page 13: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

distingue o regime social-democrata dos demais, liga-se ao papel do Estado, à fusão

da universalidade com a generosidade e o caráter marginal dos serviços de bem-estar

privados, ainda que ultimamente razões orçamentárias vêm provocando redução das

prestações sociais.

De forma sintética o quadro abaixo apresenta os principais modelos de Estados

de Bem-Estar.

Quadro 1 Características dos Estados de Bem-Estar

Regimes bem-estar Liberal Social-democrata Conservador Papel da Família Marginal Marginal Central do Mercado Central Marginal Marginal do Estado Marginal Central Subsidiário

Estado de Bem-Estar

Modo de solidariedade dominante Individual Universal

parentesco corporativismo estatismo

Lugar da solidariedade predominante

Mercado Estado Família

Grau de desmercantilização Mínimo Máximo alto (p/ o chefe de

família) Exemplos Estados Unidos Suécia Alemanha, Itália

Fonte: Esping-Andersen, 2000:115

O modelo inicialmente8 elaborado pelo autor, ao mesmo em que tem sido uma

referência quase que obrigatória nos estudos sobre as políticas sociais no contexto

dos EB, também tem merecido críticas que provocaram um re-exame comparativo por

parte do mesmo (2000). Uma delas refere-se à classificação em três regimes de bem-

estar que, para ele, “servía para identificar sus raíces además de su carácter” (p.22),

porém, referia-se às condições socioeconômicas nas economias capitalistas

prevalecentes nos anos 1970 e 1980. Ainda assim, questiona-se sobre a possibilidade

de se distinguir outros modelos, um “quarto mundo” por assim dizer.

Como adverte, tratava de uma tipologia baseada estritamente nos programas

de manutenção da renda, centrada unicamente no nexo entre Estado e mercado e

elaborada, de forma unidimensional, em torno do operário de produção masculino

(p.101), confirmando que a análise de um único programa tampouco pode caracterizar

8 Originalmente publicado em 1990.

Page 14: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

ou definir um regime. Uma segunda crítica proveniente dos setores feministas

relaciona-se ao não reconhecimento por parte do autor das diferenças de sexo e de

maneira mais geral, à análise sobre a família, considerada pelo autor como

“gravemente deficiente” (idem).

Diante das ambigüidades que podem ser geradas do ponto de vista de uma

tipologia baseada em “três mundos”, bem como sua incapacidade de dar conta dos

mais diferentes aspectos, polêmicas e lógicas, Esping-Andersen analisa, então, a

elaboração de um quarto “mundo do capitalismo de bem-estar”, que poderia abarcar

três casos específicos:

a) O “quarto mundo” dos antípodas ou australiano, argumentado por Castles e

Mitchell (apud Esping-Andersen, 2000) e por eles denominado “Estado de Bem-estar

dos assalariados”, por considerarem que, na Austrália e na Nova Zelândia, foram

implantadas uma série de garantias fortes, e funcionalmente equivalentes, às do bem-

estar, porém, produzidas pelo mercado de trabalho, através de um sistema de

arbitragem, principalmente relativo ao chefe de família do sexo masculino.

Entretando, atualmente todos os planos de manutenção de renda se baseiam

na comprovação de renda, com prestações mais modestas e limitação de

destinatários, mais adaptado ao modelo residual do regime liberal.

b) O “quarto mundo” do Mediterrâneo relaciona-se a argumento de diversos

autores9 (Leibfried, Castles, Ferrera, Lessenich) por considerarem um regime limitado

a uma única política, a assistência social e, notadamente na Itália, o seu uso com

finalidades de clientelismo político. Para Esping-Andersen, o caráter residual da

assistência social no sul da Europa nada mais é do que uma face do seu familiarismo

(idem, p.122).

c) O “quarto mundo” da Ásia Oriental, considerando-se o Japão, Koréia e Taiwan,

coloca um desafio maior às tipologias dos regimes por constituírem uma “versão única

do capitalismo” tendo em vista o pleno emprego sustentável, mercado de trabalho

interno e estrutura industrial fortemente regulados, salários limitados e distribuição de

renda relativamente igualitária, porém, revestidos por práticas laborais autoritárias,

uma democracia conservadora “de um único partido” e um corporativismo sem mão-

de-obra” (Pempel, 1989 apud Esping-Andersen, 2000).

Na análise de Esping-Andersen, tomando-se como referência o Japão, o

Estado de Bem-estar caracteriza-se por um modelo híbrido por combinar o caráter

residual próprio do liberalismo com o corporativismo conservador. Nele, a seguridade 9 Argumentos analisados por Esping-Andersen (2000).

Page 15: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

social é segmentada em função de amplas categorias profissionais, os subsídios e os

níveis de desmercantilização são modestos, enquanto no “mercado de bem-estar”

proporciona garantia de emprego e, para muitos, uma série de prestações sociais.

Nesse sentido, o Japão constitui uma “sociedade de bem-estar” bastante desenvolvida

sendo desnecessário um grande Estado de Bem-estar, considerando o papel

desempenhado pelo mercado e pela família.

Os distintos paradigmas de bem-estar nas sociedades capitalistas

industrializadas indicam diferenças no que diz respeito ao bem-estar; às teorias e aos

conceitos que se constroem para defini-lo, explicá-lo e medí-lo; aos instrumentos

públicos que se desenham e utilizam para alcançá-lo; assim como o papel atribuído ao

mercado, ao Estado e à ordem doméstica para sua produção (Barba, 2004:10).

Entretanto, a categorização dos Estados de bem-estar tem merecido críticas de

diversos autores considerando-se que esse exercício acadêmico acaba por simplificar

uma realidade social complexa sob rótulos simplistas (Moreno, 2001; Baldwin, 1992).

Mas, no caso específo do “enfoque dos regimes”, Taylor-Gooby (1997:68) considera

sua importância e utilidade por possibilitar a relação entre um grande número de

fatores que parecem influenciar os programas de proteção social. Afirma ainda que,

mais do que a tentativa de transformá-lo em algo completamente diferente, todas as

críticas acabam por assumir a forma de modificações, adaptações e adições.

Inúmeros são os desdobramentos nas interpretações e classificações sobre os EB.

Para Moreno (idem), há uma dimensão cultural e axiológica no

desenvolvimento do EB. Essa dimensão é geralmente depreciada nas análises

comparativas cuja evidência é complexa de sintetizar estatisticamente, como a

autopercepção de necessidades e estilos de vida diferentes, que acabam por

influenciar a configuração das opções estratégicas dos principais atores ou coalizões

de atores favorecedoras do desenvolvimento do bem-estar (famílias, governos,

associações civis, sindicatos ou corporações lucrativas), como também constituir

traços comuns entre países. Em vista disso, Moreno, ao considerar o Welfare State

como uma invenção européia e, ao realizar o esforço de identificar culturas,

funcionamentos institucionais e critérios organizativos semelhantes, distingue quatro

regimes de bem-estar, apesar de seus objetivos comuns constituirem a luta contra a

pobreza e a exclusão social. São eles: anglo-saxão, escandinavo, continental e

mediterrâneo, como destacado no Quadro 2. Esta classificação assume em

Abrahamson (1995), respectivamente, a identificação com os modelos liberal,

conservador, socialdemocrata e católico.

Page 16: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

Quadro 2 Características dos Regimes de Bem-Estar Europeus

Anglo-saxão Continental Nórdico Mediterrâneo

Ideologia Cidadania Corporativismo Igualitarismo Autonomia vital

Objetivos Capacitação individual

Manutenção de renda

Rede de serviços sociais

Combinação de recursos

Financiamento Impostos Cotizações laborais

impostos Misto

Subsídios "Tanto alzado" (níveis baixos)

Contributivos (níveis altos)

"Tanto alzado" (níveis altos)

Contributivos (níveis baixos)

Serviços Públicos residuais Agentes sociais Público compreensivo

Apoio familiar

Provisão Misto/ quase mercados

Misto/ONGs Público Misto/ descentralizado

Mercado Trabalho

Desregulação Estáveis/precários Alto emprego público

Economia informal

Gênero Polarização laboral Feminização trabalho parcial

Feminização trabalho público

Familismo ambivalente

Pobreza Cultura dependência

Cultura integração Cultura estatal Cultura assistencial

Fonte: Moreno (2001:28)

Mas, a despeito da existência de diferentes tipos ou modelos de Welfare State,

há uma tendência ideológica dominante assim tratada por Abrahamson (1995)

"estas distinciones son cada vez menos válidas. La actual situación se caracteriza por un alto grado de indeterminación e incertidumbre. Las ideologias tradicionales de política social (keynesianismo, ultraliberalismo, paternalismo) están siendo abandonadas y reemplazadas por el pluralismos del bienestar o la idea del welfare mix con fuerte acento en diferentes 'corresponsabilidades'" (p.137).

Ao fazer essa reflexão, Abrahamson o faz após destacar a existência de quatro

modelos de proteção na Europa: o modelo socialista, o corporativista, o liberal e o

católico, os quais podem ser melhor compreendidos na ilustração do quadro a seguir.

Quadro 3

Regimes de Bem-Estar segundo a ênfase no emprego e à redistribuição social

Ênfase na redistribuição social ALTO BAIXO

ALTO Socialista Liberal Ênfase no emprego

BAIXO Corporativista Católico

Taxa de Pobreza MODERADA ALTA

Fonte: Abrahamson, 1996:138

Page 17: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

Apesar da crítica às tipologias realizadas pelos diversos autores, todos lançam

mão de alguma classificação do Welfare State como recurso explicativo. Isto porque,

se há modelos/regimes diferenciados, fica difícil tratá-los de forma unitária. Fica,

porém, o alerta, apresentado pelos próprios autores, de que os diferentes tipos podem

coexistir num mesmo contexto nacional. O importante é identificar o tipo predominante.

Da mesma forma, que olhares distintos caracterizam versões e tipologias sobre o EB,

é importante que tratemos da natureza do ES.

1.2 A natureza do Estado de Bem-Estar

Visando a compreensão conceitual do EB, vimos que os autores utilizam

diversos enfoques que, em seu conjunto, se complementam. Therborn considera o

“EB como um sistema social de reprodução humana que provê bens públicos e

privados” (p. 89). As políticas e pactos que fazem referência ao EB relacionam-se às

ações do Estado no sentido de realizar a reprodução simples e ampliada da população

nacional, assegurando-lhe a reprodução intergeracional, com incremento de sua

qualidade de vida. Para tanto, as ações no sentido de garantir a reprodução humana

se materializam em termos econômicos, a partir da provisão de bens públicos e

privados.

Os bens públicos são bens de consumo não-rival, no sentido de que os

indivíduos não podem ser privados de seu consumo, mesmo que não tenham

contribuído para seu financiamento. Ou seja, o consumo que uma determinada pessoa

faz de um bem, não impede o possível consumo por parte de outra pessoa. Constitui

bem público a provisão estatal de políticas que garantam a reprodução simples e

ampliada da força de trabalho, visando à melhoria das condições de vida de todos os

membros de uma comunidade geograficamente delimitada.

Os bens privados (porém, de provisão pública), são aqueles de consumo rival,

e caracteriza-se por quatro tipos:

1) aqueles que estão relacionados com as externalidades10 de mercado e

beneficiam a um setor da população do qual outros setores também se beneficiam

10 Ocorrem quando o consumo e/ou a produção de um determinado bem afeta os consumidores e/ou produtores, em outros mercados, e esses impactos não são considerados no preço de mercado do bem em questão. Podem ser positivos, quando os beneficios são externos (ex. os benefícios sociais gerados pela educação: os membros de uma sociedade e, não somente os esdudantes, auferem os benefícios de uma população mais educada, que não são contabilizados pelo mercado); ou negativos, quando os custos são externos (ex. poluição produzida por uma indústria que prejudica a colheita dos agricultores da vizinhança. Nesse

Page 18: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

como, por exemplo, as transferências que geram estabilidade política, ou regulações

sanitárias que impedem a extensão de uma enfermidade;

2) aqueles que o EB provê ou promove a provisão, bens preferentes,

destinados a prevenir ou aliviar as conseqüências da pobreza (ex. regulação ou

provisão de serviços de saúde, de educação, etc.); e aqueles que o EB previne ou

regula o consumo de bens não desejáveis, em relação aos quais a escolha recai sobre

o consumidor (ex. regulação ou proibição do uso do tabaco, álcool, drogas);

3) os complementos salariais: pensões especiais, seguros saúde, transferência

por enfermidades, pagamentos e serviços para veteranos e vítimas de guerras;

4) os resultantes das demandas de redistribuição realizadas por distintas forças

e coalizões ou como resultado da própria racionalidade dos estados e/ou dos políticos.

Therborn fundamenta a necessidade de distinção entre os bens ofertados pelo

Estado de Bem-Estar, considerando a diferença entre a economia política dos

mesmos. No caso da provisão de bens públicos, mesmo que impliquem na existência

de custos e benefícios externos (externalidade negativa e positiva respectivamente),

não devem ser relegados ao mercado; o mesmo deve ser feito com os bens

preferentes, à medida que os indivíduos como consumidores individuais são expostos

à situação de escolha.

Em síntese, parte do EB consiste em solucionar problemas e falhas inerentes

ao mercado, como mecanismo de alocação eficiente dos recursos. Na provisão de

bens privados, a ação do Estado pode ser interpretada como a manifestação de uma

série de esforços redistributivo, cuja avaliação deve ser analisada não em termos de

eficiência na alocação, mas também eficiência do instrumento utilizado no sentido de

se alcançar o objetivo.

Para Therborn, os problemas econômicos, políticos, sociais e ideológicos

enfrentados pelo EB distinguem-se em função das combinações produzidas entre

bens públicos e os quatro tipos de bens já privados destacados, muitas vezes não

considerados pelas principais teorias da crise do EB.

Compreendemos esse Estado “social”, como o define Isuani (idem) como um

conjunto de instituições públicas supostamente destinadas a elevar a qualidade de

vida da força de trabalho ou da população em seu conjunto e a reduzir as diferenças

sociais ocasionadas pelo funcionamento do mercado. Tais instituições operam no

caso, é a agricultura e não a indústria poluidora, que sofre os danos da poluição). Souza, s/d, p,1-2.

Page 19: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

terreno da distribuição secundária11 da renda, mediante transferências monetárias

diretas (pensões, prestações por desemprego ou auxílios familiares) ou indiretas

(subsídios a produtos de consumo básico) e prestações de serviços (educação e

saúde). Outro instrumento do EB consiste na regulação protetora das condições de

trabalho, do meio ambiente ou da qualidade de bens e serviços. Essa abordagem

contempla, tanto a perspectiva restrita como a ampla, de acordo com Esping-Andersen

(1993). De forma sintética, Myrdal, aglutina as duas perspectivas ao definir assim o

Estado Social:

“No último meio século, o Estado se tornou, em todos os países ricos do mundo ocidental, um ‘Estado Social’ democrático, com empenhamento muito explícito pelos amplos objectivos de desenvolvimento económido, pleno emprego, igualdade de oportunidades para os jovens, segurança social, e salvarguarda dos padrões mínimos não só quanto ao rendimento, mas também quanto à nutrição, habitação, saúde e educação, para as pessoas de todas as regiões e grupos sociais”. (Myrdal apud Titmus, 1965:405)

Na perspectiva restrita, o EB está relacionado ao terreno da tradicional melhora

social, ou seja, transferência de renda e serviços sociais. Na perspectiva ampla, as

questões giram em torno da economia política e os interesses estão centrados no

papel do Estado para gestionar e organizar a economia. Nessa perspectiva, os

problemas do emprego, dos salários e da orientação macroeconômica global, são

considerados componentes integrais do complexo EB. Seu tema principal identifica-se

com o “Estado de Bem-Estar Keynesiano”, ou com o “capitalismo de bem-estar social”.

Nele, verifica-se a responsabilidade do Estado como agente econômico na

implementação dos mecanismos necessários para assegurar o pleno emprego dos

recursos. A aceitação dos princípios keynesianos de política orçamentária tem o efeito

de criar uma “base econômica” que permite a atuação do Estado em múltiplas áreas

de funcionamento da sociedade, através do orçamento (política financeira), da política

monetária (ação sobre o crédito e a taxa de câmbio), da política social

(regulamentação dos salários, instalação de regimes de seguro). O Estado

caracteriza-se como um agente econômico particular, emissor e receptor de fluxos que

atravessavam toda a economia nacional. Distingue-se, da etapa anterior, tendo em

vista que sua intervenção assume um caráter legítimo, não só para os tempos de

guerra (mobilização de todos os recuros disponíveis contra o inimigo), mas também,

11 Distribuição secundária ou redistribuição é aquela resultante da redução do aumento que experimentam as rendas obtidas na distribuição primária (“remuneração dos fatores de produção”, ou ingressos gerados no processo de produção e apropriados pelos diferentes setores sociais), em virtude dos tributos aplicados e das diversas modalidades de transferências efetuadas (Isuani, idem, p.10).

Page 20: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

em tempo de paz, para dar sustentabilidade ao crescimento econômico (Brunhoff,

1991), para estabelecer limites ao exercício do poder de mercado e consolidar o poder

do cidadão (Lo Vuolo, 1991).

No que tange à política social Esping-Andersen (1993:41) atenta para que não

se perca de vista a compreensão de que as atividades desse Estado, “están

entrelazadas en la provisión social con las del mercado y el papel de la família". Esse

destaque deve-se ao fato de que, durante décadas, a família, tanto em sua qualidade

de instituição social como em sua condição de sujeito que toma decisões, ficou à

margem das análises sobre o EB (2000:23).

Diante dessa diversidade de definições e/ou enfoques, ao mesmo tempo

complementares, Mishra (1989) alerta para o risco de generalizar o Estado de Bem-

Estar. Por um lado, porque não há um significado preciso que possa ser dado ao

mesmo e, por outro, uma simples olhada nas estatísticas dos países da OCDE

evidencia uma grande variedade de características no que se refere a gastos sociais,

emprego, entre outros.

Em síntese, ao Estado identificado por sua responsabilidade na reprodução

simples e ampliada da força de trabalho e na garantia efetiva de direitos, passou a ser

denominado Estado de Bem-Estar Social! Em sua versão inglesa, a expressão

“Estado de Bem-Estar” (welfare state) foi cunhada pelo arcebispo de York, William

Temple, durante a segunda guerra mundial, como antídoto programático do “estado de

guerra” (warfare state) nazista (Briggs, 1961 apud Esping-Andersen, 2000; Pierson,

1991). Ao período que antecede à Segunda Guerra, Hermann Heller, também o

batizou com o nome de “Estado Social”, ao associá-lo a uma nova forma de Estado

que surgia com a República de Weimer12, assim como no México, em 1917, em cujas

Constituições foi estabelecido um regime avançado de direitos políticos e sociais, com

amplas garantias públicas, outorgando ao Estado funções e tarefas que o

keynesianismo logo lhe atribuiria pela via da política econômica (Cotarelo, 1987:16).

Desde uma perspectiva mais conservadora localiza-se em L. von Stein as idéias

básicas, em 1850, do que seria o Estado Social, ao conceber como deveriam

configurar as relações do Estado com a sociedade e os individuos num modelo mais

distante da ordem burguesa (Pisón, 1998).

Por conseguinte, assim como a denominação recebida por esse Estado difere

de um país para outro (Estado Providência, Welfare State, Estado de Bem-Estar,

12 Arrasada, logo após a I Guerra, em 1919 instala-se na Alemanha, um novo Governo: a República de Weiner, caracterizando-se por uma democracia num país sem qualquer tradição democrática.

Page 21: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

Estado Social, Estado Keynesiano...), o mesmo acontecendo com bem-estar social, a

compreensão deste termo varia de acordo com a cultura, história e sistema de valores

específicos de cada país.

Entretanto, face ao extenso debate que ocorre sobre o tema “Estado de Bem-

Estar” e, independentemente de todas as facetas que ele assume, não podemos

deixar de ressaltar o denominador que lhe é comum: o seu caráter contraditório.

Segundo Offe (1991), ele é “historicamente a combinação resultante de uma série de

fatores, cuja posição varia de país a país [...]. É justamente o seu caráter

multifuncional e a sua capacidade de servir, concomitantemente, a múltiplos objetivos,

que tornam a organização política do Estado Social tão atrativo para uma ampla

coligação de forças heterogêneas” (p.114-115). O Estado de Bem-Estar, diz Offe,

exibe características positivas e negativas dentro de uma unidade contraditória. Ou

seja, o “Estado Social não é uma fonte isolada e autônoma de bem-estar que põe à

disposição do cidadão, como direito, rendas e serviços; ao contrário, ele próprio é

altamente dependente da prosperidade e rentabilidade contínua da economia” (p.117).

O Estado Social não representou uma mudança estrutural da sociedade

capitalista. Ele não alterou as relações econômicas e políticas de poder; não

transformou o modo privado de produção lucrativa no trabalho público destinado à

solução das necessidades humanas. Seu denominador comum manifesta-se na

coexistência da lógica da produção industrial lucrativa e a lógica da necessidade

humana; na coexistência entre o Estado de Bem-Estar mais avançado e o mais

atrasado, entre a coexistência da carência e da abundância (Offe, 1979:212)

Este caráter contraditório que se reproduz nas políticas sociais constitui ponto

de análise privilegiada deste estudo. Mas, reportando-nos ao nosso foco de

investigação e análise, importa questionar: Podemos falar de Estado de Bem-Estar na

América Latina? Como pode ser caracterizada a experiência vivenciada pela região

latino-americana, tomando como parâmetro a experiência dos países do capitalismo

avançado? Poderíamos, falar de existência de um “modelo” de Estado de Bem-Estar

na região? Responder a essas questões é o que será tratado a seguir.

Page 22: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

1.3 Modelos e Regimes na América Latina

Para Mishra (2003)13, “El conjunto del sistema de protección social que

conocemos como Estado de Bienestar en los países industrializados no existe en

muchos países en desarrollo o existe sólo en una forma rudimentaria”. Tal afirmação

decorre da correlação positiva entre políticas de pleno emprego, assistência sanitária

universal, seguros ou programas de garantia de renda, que pode não existir ou, estar

parcialmente desenvolvida nesses países. Segundo Mishra, a detecção da existência

de modos de proteção, deve relacionar-se com o nível de desenvolvimento econômico

e o contexto institucional das nações, sugerindo, como possibilidade de conexão entre

distintas realidades, a referência quanto às funções da proteção social, mais do que às

estruturas ou instituições específicas através das quais se cumprem as referidas

funções. Partindo dessa abordagem, poderíamos dizer que as formas de regulação

social existentes na América Latina, configuram um determinado tipo de EB? Ou

devemos considerar este tipo de Estado somente para aquelas experiências das

democracias avançadas? E como situaríamos os Estados Unidos, cujo modelo é

completamente diferente do Europeu? E o que dizer das diferentes Europas de Bem-

Estar como registra Moreno (2000)?

O fato é que, trazendo a discussão para os dias atuais, se considerarmos que

as concepções de bem-estar que serviram de referência para consolidação de regimes

de proteção social adotado pelos países desenvolvidos em meados do século XX já

têm nova cara, o que poderemos dizer em relação aos países em desenvolvimento?

Essa nova cara inaugura a entrada no século XXI à medida que se apresenta

com uma realidade substancialmente diferente desde as últimas décadas do século

anterior. Dentre as diversas expressões dessa “nova cara”, destaca-se a globalização

e, com ela, uma modificação radical nas formas de produção e reprodução social,

antes centrada no Estado, com base na concepção de soberania.

Hoje, configura-se um novo cenário. Nele, além de um novo tipo de Estado,

também se destaca uma confusa, ou melhor, complexa, noção de bem-estar: É bem-

estar a satisfação das necessidades sociais básicas por parte de toda a sociedade? É

bem-estar o alcance da felicidade plena pelas grandes maiorias?

13 Em conferência “Globalización y bienestar social: una perspectiva internacional”, realizada no II Encuentro sobre Políticas Económicas para el siglo XXI, em Salamanca, 20-21 junho 2003.

Page 23: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

Tendo em vista esses questionamentos e contextos, Portillo (2003:227)

analisa14 o Estado de Bem-Estar na América Latina e afirmando: “Lamentablemente el

siglo XXI nos enseña que aún en aquellos lugares en donde las necesidades básicas

están satisfechas no se vive ningún clima bucólico de felicidad, y como se fuera poco,

la lógica excluyente a la que se hacia referencia condena a grupos sociales, países y

hasta continentes a quedar sin acceso a esas elementales necesidades básicas”. Na

América Latina, com as conquistas materiais e êxitos políticos distintos, dependendo

dos países, os Estados se desenvolvem e contribuem de maneira relevante às novas

formas de produção e, em especial, se comprometem com a reprodução social.

Entretanto, diferentemente de sua fonte de inspiração - as democracias

ocidentais européias e norte-americanas -, o capitalismo dependente na América

Latina não pôde integrar plenamente toda sua população e regiões. Nas últimas

décadas, esse quadro se vê alterado ainda mais pelo “furacão neoliberal”, resultando

num esquartejamento do Estado. Interessa-nos, sobremaneira, chamar a atenção para

as novas configurações assumidas pelas políticas de proteção social desenvolvidas

pelas democracias avançadas, em especial na Europa Ocidental e, as lições que

podemos tirar para a América Latina.

O debate teórico-conceitual sobre o Estado de Bem-estar nos países

desenvolvidos revela não só a diversidade de concepções como também de sua

expressão: não há um modelo único, nem desenvolvimentos lineares e evolutivos

simples; sua expansão esteve associada ao processo e grau de sua inserção na

economia mundial.

Na América Latina tem sido comum dizer que o “modelo de bem-estar” da

Região assemelha-se ao modelo conservador ou corporativo europeu, e que após

décadas de reformas econômicas e sociais, foi se aproximando ao modelo anglo-

saxão, que é residual. Porém, afirma Barba (idem, p.13), ambas as afirmações são

reducionistas. Filgueira (1998:7), por sua vez, afirma “ni somos europeus, ni nos

encontramos en un período expansivo de nuestros estados sociais. La utilidad de las

teorías producidas para los paíces industrializados deben enfrentar el test de la

realidad regional”. Os dois autores buscam demonstrar o reducionismo tendo em vista

que tal afirmação parte de premissas inadequadas. Senão vejamos:

1) As tipologias dos regimes de bem-estar das economias desenvolvidas podem

estar sendo aplicadas à realidade latino-americana de forma mecânica.

14 Em Conferência apresentada no Fórun Europa-Barcelona 2003, intitulada “El Estado de Bienestar en América Latina”.

Page 24: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

De um modo geral não se pode falar da existência e continuidade de Estados

de Bem-Estar na América Latina, sem que se considere ausências importantes, tendo

em vista que, com rara exceção, a democracia não prevaleceu de maneira duradoura;

sequer foram garantidos todos os direitos civis ou políticos ou desenvolvidos

significativamente os direitos sociais para toda a população; tampouco a classe

trabalhadora foi um fator crucial na evolução da política social.

Também, a América Latina, diferentemente dos países centrais, distingue-se

pelos níveis de industrialização e de renda inferiores, bem como pelo mercado

“imperfeito”, segmentado, oligopólico ou monopólico, que sequer favoreceram a

universalização dos salários. Ainda que os modelos de contrato social se assemelhem

aos dos regimes conservadores, é importante ressaltar que diferentes fatores

regionais, locais, étnicos, religiosos, raciais, dentre outros, coexistiram com distintas

formas de negociação, identidade e mobilização política. Em seu conjunto impactaram

na conformação dos regimes de bem-estar, incluindo elementos diferentes aos que

tradicionalmente se consideram no marco dos regimes de bem-estar clássicos, como

também, níveis de bem-estar bastante inferiores (Barba, idem, p.13).

Boa parte dos modelos de desenvolvimento na América Latina, entre 1930 e

1970-80, foi edificada com base em uma forma particular de política “keynesiana” – o

modelo substitutivo de importações, no qual o Estado teve papel central. Contudo, a

modernização econômica e social decorrente do referido modelo foi marcada por um

traço característico na distribuição de seus benefícios, ou seja, foram orientados aos

setores urbanos, cuja cobertura contemplava os setores integrados no mercado formal

de trabalho, excluindo os trabalhadores rurais e aqueles empregados no setor

informal. Como alerta Huber (apud Filgueira, idem), na análise sobre tipologias e

desenvolvimento dos Estados sociais na América Latina, é fundamental que seja

levado em consideração os diferentes graus de expansão do modelo substitutivo de

importações, tipos de produção exportadora e poder político de diferentes setores do

capital e o trabalho, tendo em vista enormes diferenças nos sistemas de bem-estar

nos diversos países da região.

2) A região latino-americana, apesar das enormes diferenças entre os países que a

compõem, desde a dimensão territorial, demográfica, etnico-cultural, à relacionada

ao PIB, aos processos de industrialização, aos indicadores sociais, dentre outras,

pode estar sendo considerada como uma realidade homogênea.

As diferenças sobressaem ainda mais no âmbito do bem-estar social, como

destaca Barba (idem, p.14), quando se trata não só do grau de maturidade

Page 25: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

institucional - já que nem todos os sistemas de prestação social foram criados ao

mesmo tempo - mas também dos níveis de gasto social; desenvolvimento dos

sistemas de prestações sociais; de tendências em relação à cobertura; dos graus de

exclusão social; dos percursos relativos à distribuição de renda; dos níveis de pobreza;

dos índices relativos aos níveis de vida, dentre outros.

A variação de alguns desses aspectos – início histórico e graus de maturação -

podem servir como uma primeira aproximação para diferenciar os sistemas de

proteção social na América Latina, conforme elaboração de Mesa-Lago (1984,1998,

2004). O autor apresenta mais do que a definição tipológica, uma classificação que

procura localizar os países no contexto de desenvolvimento das políticas sociais,

classificando-os em três grupos: pioneiros, intermediários e tardios.

São considerados pioneiros, aqueles países (Argentina, Cuba, Brasil, Chile e

Uruguai) que implementaram o sistema de prestação social nos anos 1920. Conforme

Mesa-Lago (1986:133), estes países tiveram a expansão paulatina da cobertura dos

serviços de saúde, educação e seguridade social, desde o início do século XX. Junto

com a Argentina desenvolveram os sistemas com maior grau de universalidade da

região. Entretanto, caracterizavam-se por uma marcada fragmentação resultando

numa Seguridade Social estratificada correspondente à diversificação da estrutura

produtiva e à necessidade de incorporação política dos grupos emergentes.

A maior parte desses países, principalmente Chile, Uruguai e Argentina,

possuiam elevados níveis de industrialização e relativa urbanização, e neles,

emergiram organizações sindicais fortes, cuja pressão, teve papel importante na

expansão dos sistemas de saúde e educação (Gordon, 2004);

Os intermediários (Bolívia, Costa Rica, Colômbia, Equador, México, Paraguai,

Panamá, Peru e Venezuela) implementaram seus sistemas de Seguridade entre os

anos 1930 e 1940, sob forte influência do Relatório de Beveridge e da ideologia social-

democrata, difundida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Neste grupo

destaca-se a criação de um sistema assistencial de pensões, equiparando-se ao nível

dos pioneiros. Os países desse grupo com maior desenvolvimento relativo contavam

com Instituições de Seguridade Social cujo acesso destinava-se, inicialmente, aos

grupos com maior força de pressão, quais sejam: as forças armadas, empregados

públicos, professores, trabalhadores ferroviários e de energias (Mesa-Lago, idem).

Nesse conjunto de países, Costa Rica se destaca por uma cobertura ampla do

sistema de saúde e educação, bem como pelo conjunto de instituições destinadas à

provisão de outros serviços sociais para setores com menor renda. Conforme Mesa-

Page 26: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

Lago (idem), o país conta com a Caja Costarricence de Seguridad Social (CCSS) que

possue um dos mais amplos sistema de pensões. Para garantir a inclusão do setor

informal e dos setores mais pauperizados, foram criadas pensões suplementares.

Os tardios (El Salvador, Guatemala, Honduras, Haiti, Nicarágua e República

Dominicana), caracteriza-se pelo surgimento de seu sistema de proteção já nos anos

1950 e 1960, pela baixa cobertura e alta concentração de serviços na área urbana.

Devido a baixa capacidade de geração de empregos formais, estes países, tiveram

uma cobertura limitada. Em meados dos anos 1990, o Instituto de Seguridade Social

da Guatemala cobria somente 17% da população, o Ministério da Saúde a um terço e

o resto era coberto pelo setor privado (Cruz-Saco apud Gordon, idem). Índice

semelhante era coberto, no mesmo período, pelo Instituto Salvadorenho de

Seguridade Social (ISSS), criado em meados de anos cinquenta. Em 1992, o índice

tem uma pequena elevação, chegando a 17,6% da PEA. Na Nicarágua, o Instituto

Nicaraguense de Seguridade Social (INSS) serviu principalmente aos setores da

classe média urbana, especialmente Manágua.

Do ponto de vista do gasto social, bem como do nível de desenvolvimento das

prestações sociais, verifica-se a existência de disparidades entre grupos de países,

como por exemplo: a maioria dos “pioneiros”, - Uruguai, Argentina, Chile, Brasil e

Costa Rica (apesar deste último ser considerado como “intermédio”) - gastaram,

durante 1980-1981, em média, 16% do PIB e, dentre estes, encontravam-se também

os sistemas de prestações sociais mais desenvolvidos, acrescidos ainda de países

identificados em outro grupo. Países como Venezuela, Equador, Nicarágua, México e

Colômbia, gastaram 10,1% do PIB, percentual muito próximo à média regional. Porém,

há países como Peru, Paraguai, Bolivia, Guatemala e Honduras, cujos gastos foram

inferiores a um terço dos gastos do primeiro grupo, ou seja, equivalente a 5% do PIB,

refletindo na escassez ou quase inexistência do sistema de prestações sociais.

Nos referidos grupos distingue-se, também, o caráter do sistema de proteção,

ou seja, se, por um lado, a maioria dos países seguiu a perspectiva bismarckiana de

expansão gradual, Costa Rica destaca-se pela expansão beveridgeana de cobertura

universal, ao mesmo tempo em que, nos anos 1960-1970 Cuba havia completado um

sistema de seguridade social universal (Barba, 2004:14).

A identificação que vem sendo estabelecida do paradigma latino-americano

com os regimes conservadores ou corporativos europeus, sem dúvida revela aspectos

que podem ser compartilhados, como: o eixo político que preserva as diferenças de

status; a prevalência da lógica laboral na qual a família, e em especial as mulheres,

Page 27: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

assumem a responsabilidade dos serviços de bem-estar, enquanto os homens

desempenham o papel de provedores e portadores de direitos para a família, através

do emprego formal; e a instituição do seguro social também vinculado ao emprego

formal. Entretanto, o paradigma latino-americano distingue-se por seu caráter

excludente e regressivo tendo em vista que incorporou, particularmente, as

organizações operárias e as classes médias, forjadas pelos setores modernos da

economia e pelo Estado, deixando de lado o resto da sociedade (Barba, idem, p.15).

Tais características impediram a expansão dos direitos de cidadania social, tendo em

vista a distribuição desigual da renda, da cobertura social, bem como da qualidade dos

serviços sociais.

3) Outra premissa equivocada é ignorar a heterogeneidade na região, e ao mesmo

tempo considerar que a implementação de semelhantes agendas de reformas

econômica e social, a partir da crise econômica dos anos 1980, produzirá

resultados similares em casos distintos.

Esta premissa parece evidenciar algum consenso referente à necessidade de

substituir o velho modelo de industrialização voltada para o mercado interno, pelo

modelo de mercado orientado para as exportações; e o paradigma de bem-estar

regional pautado pela lógica laboral, pelo paradigma residual e descentralizado.

Na verdade a crise econômica redefiniu o cenário para a intervenção do

Estado, bem como consolidou novos atores globais e locais que colocaram em

evidência uma agenda econômica e social distinta da industrialização baseada na

substituição de importações. A agenda econômica, pautada pelo propalado Consenso

de Washington, que promovia um capitalismo de livre mercado e a agenda social,

determinada pelos organismos financeiros internacionais – Banco Mundial-BM e

Banco Interamericano de Desarrollo-BID - que também passam a financiar,

recomendar e avaliar as ações públicas, estabelecendo um novo paradigma de bem-

estar para a região. Suas principais características revelam políticas sociais que “dejan

de depender exclusivamente de las capacidades de organización de grupos de los

actores locales o de los recursos políticos con que cuentan y tienden a concebirse

como espacios reservados para la acción de grupos de expertos ligados a agencias,

secretarías de Estado o centros de investigaciones, quienes son asumidos como

peritos en cuestiones técnicas, como la medición de la pobreza, el diseño y evaluación

de programas, etc.” (Barba, idem, p.15), concedendo às políticas sociais um caráter

residual.

Page 28: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

Com base nas referidas características, diversos autores alertam (Barba,

Filgueira, Lo Vuolo,) quanto a necessidade de evitar a aplicação mecânica dos tipos

de regimes de bem-estar desenvolvidos na Europa Ocidental e nos países anglo-

saxões. Porém, torna-se mister que se considere as especificidades dos regimes

latino-americanos, considerando que o conceito de regime de bem-estar constitui os

arranjos entre três esferas – a econômica, a pública e a doméstica -, os quais se vêem

refletidos na forma de produção e distribuição do bem-estar social; ou seja, os arranjos

possíveis na América Latina não reproduzem os das democracias avançadas.

O esforço por identificar uma tipologia característica dos Estados Sociais na

América Latina, levou a Filgueira (idem), apoiando-se em indicadores de cobertura

populacional (o “como” em relação ao gasto); e de gastos sociais (o “quanto” do

gasto); sua distribuição setorial e os níveis de prestação de serviços (uma

aproximação a mais ao “como” se gasta), a propor, diferentemente de Esping-

Andersen, cuja preocupação centra-se na desmercantilização, uma tipologia de

modelos de bem-estar regionais assim denominados: universalistas, duais e

excludentes.

Na distribuição do bem-estar na região, apesar das críticas às tipologias, os

autores identificam pelo menos três tipos de estruturas diferenciadas, amadurecidas

ao longo de várias décadas, marcadas por formas históricas de articulação entre as

instituições públicas e a política social, pelo funcionamento da economia, em especial

pelo mercado de trabalho, e pelas estratégias de bem-estar das famílias, tais quais:

1) Regime universalista estratificado15 (Uruguai, Argentina, Chile). Inclui países

que se encontram dentro do grupo denominado por Mesa-Lago como países

pioneiros. Por este critério, deveria ser incluído também o Brasil, mas logo veremos

que ele pertence a outro grupo. Barba (idem, p.18) também inclui neste grupo a Costa

Rica, apesar de este país ter desenvolvido seu sistema de bem-estar mais tardiamente

que os demais países.

Nestes países, até os anos 1970, e sob o modelo substitutivo de importações

(MSI), observavam-se os maiores níveis de gasto social (ver Tabela 2); a menor

heterogeneidade étnico-cultural; a maior cobertura do seguro social e dos sistemas

educativos e de saúde; os menores níveis de pobreza rural, urbana e total; os

menores índices de concentração de renda; os indicadores mais baixos em relação à

precarização do trabalho e subemprego; os melhores índices em matéria de

15 Nomenclatura semelhante - “universalismo fragmentado"- também utilizada por Duhau (1995) e, “estratificado”, por Gordon (1996). Ver Duhau, 1997:187.

Page 29: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

esperança de vida ao nascer, mortalidade infantil, analfabetismo e índices relativos de

vida (Barba, idem, p.18).

Estes sistemas, apesar de provocarem forte impacto sobre o bem-estar social

(Ver Quadro 3), destacavam-se também pela elevada estratificação dos benefícios;

das condições de acesso e grau de proteção em matéria de seguro social e de saúde.

Para Filgueira, a estratificação dos serviços sociais ao invés de reforçar a

estratificação social contribuiu para amortecê-la. Tais avanços, analisa o autor, são

muito mais na administração e na economia política do desenvolvimento nacional do

que somente no nível do desenvolvimento econômico, tendo em vista que países

como o Brasil e México, apesar de níveis semelhantes de PBI/per capita

apresentavam indicadores sociais muito inferiores. O MSI, no caso da Argentina e do

Uruguai apoiva-se nas exportações de bens primários com reduzida demanda de mão-

de-obra e alta rentabilidade internacional. No Chile, o MSI apoiou-se na siderurgia e na

economia agrária exportadora mais diversificada e de maior demanda de mão-de-

obra.

Países como Argentina e Uruguai tiveram o poder do Estado sobre os capitais

domésticos, somados à recente sindicalização dos setores subordinados, como

responsável pela implementação de extensos programas de proteção sociais. Os

referidos países, acrescidos do Chile, vivenciaram intensos processos migratórios da

área rural aos centros urbanos, o que pressionou em favor da incorporação dos

setores subalternos. Contudo, as categorias profissionais primeiro incorporadas nos

programas sociais foram os servidores públicos, e os sistemas de políticas sociais

passaram por duras reformas já nas décadas de 1970 e 1980 épocas recessivas e

com retração do gasto público, em geral e do gasto social, em particular.

Os regimes universalistas são os que mais se assemelham aos regimes

conservadores europeus, tanto por sua expansão gradual e universalizante, como pela

vinculação da proteção social ao mercado formal de trabalho e às organizações da

classe operária.

2) Regime dual (Brasil, México). Nestes regimes destaca-se acentuada

heterogeneidade no âmbito de território, além da regional, como nos niveis de

desenvolvimento econômico e social, - nos países federalistas como o Brasil, México,

acrescido de Venezuela e Colômbia16. A heterogeneidade possibilita uma diversidade

no desenvolvimento do mercado formal, do Estado e da proteção em alguns Estados

ou regiões, enquanto que, em outros, verifica-se tanto a desproteção como a reduzida 16 A Colombia é uma “República unitária”, porém, descentralizada e com autonomia de suas entidades territoriais, conforme Art. 1º da Constitución Política de Colombia.

Page 30: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

inclusão de maior parte da população, quer seja pela via do mercado quer pela do

Estado (ver Tabela 2). Tal diversidade acaba por demarcar um tipo e uma forma de

controle e incorporação dos setores populares cuja marca principal destaca-se pela

combinação do clientelismo e patrimonialismo, nas regiões de menor desenvolvimento

econômico e social, e pelo corporativismo vertical nas regiões mais desenvolvidas.

Diferentemente dos países classificados como universalistas estratificados, os

sistemas de proteção social dos países de regime dual, cumprem o papel de amortizar

a segmentação social dos setores incorporados aos formatos de proteção,

acentuando, porém a segmentação entre os “protegidos” e os “excluídos”.

3) Regime excludente (República Dominicana, Guatemala, Honduras, El

Salvador, Nicarágua, Bolívia, Equador). Neste regime integram os países da América

Central, com exceção de Costa Rica, acrescidos de países da América do Sul. Tanto

este como o regime dual, distingue-se pelo descenso dos indicadores sociais, bem

como dos níveis do gasto social, da cobertura de seguridade social, de serviços

educativos, de saúde preventiva, do grau de desmercantilização do bem-estar.

Destaca-se ainda o aumento da heterogeneidade étnico-cultural, do caráter

regressivo dos sistemas de proteção social e do grau de informalidade dos mercados

de trabalho. Entretanto, nos regimes intermediários, os países apresentam sistemas

de proteção e seguro social elitistas, que privilegiam um pequeno número de

trabalhadores formais e funcionários públicos, excluindo a maior parte dos

trabalhadores que atuam no setor informal, na agricultura e a mão-de-obra secundária.

Em termos de cobertura, verifica-se que, em 1970, menos de 20% da população

encontrava-se coberta, com exceção da Guatemala, que chegou a 27%. No âmbito da

educação, este percentual se eleva, tendo em vista a expansão da matrícula no ensino

básico que alcançava mais da metade da população, chegando à cobertura universal

em alguns casos. O panorama social em todos os países revela-se pelos piores

índices que ultrapassam a 50% da população em situação de pobreza (Ver Tabela 2).

A pobreza revela-se também do ponto de vista da organização político-social,

já que historicamente a participação dos setores subalternos nas instâncias decisórias

foi reduzida considerando não só o caráter repressivo dos regimes políticos como

também o baixo capital organizativo dos referidos setores, cuja incorporação e

cooptação davam-se por meio de mecanismos clientelistas e patrimonialistas por parte

das elites locais.

A classificação proposta por Filgueira (1998) e Barba (2004) em relação aos

regimes de bem-estar na região latino-americana revela um determinado tipo de

Page 31: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

Estado Social quando o relacionamos à compreensão construída de que o Estado de

Bem-Estar caracteriza-se pela implementação de um sistema de proteção social

definido a partir de direitos sociais universais no âmbito da saúde, educação, moradia

e seguros sociais. Ao estabelecermos uma relação direta, poderíamos afirmar com

toda segurança que não devemos falar de Estado de Bem-Estar na América Latina.

Porém, não é nossa intenção fazer essa comparação. Na verdade o que pretendemos

é, com base nesse conceito, dimensionar os modelos de proteção estabelecida em

realidades distintas, porém voltadas para um mesmo alvo, qual seja, a insegurança

econômica e social.

Tabela 2

Regimes de Bem-Estar na Amérida Latina: Indicadores selecionados – 1970/1980

Seguridade Social

Seguridade Social

Gasto Social

Imunização BCG

Educação Primária

Educação secundária

Regimes de Bem-Estar

Países

Pop. coberta sobre a PEAa

Pop. coberta sobre a

Pop. Total

% PIB (1980)

% sobre pop.

menor um ano

% grupo de idade

matriculada

% grupo de idade

matriculada

Argentina 68.0 78.9 b 16.2 93 105 c 44

Uruguay 95.4 68.5 17.0 97 112 c 59 Universalistas

Chile 75.6 67.3 13.7 98 107 c 39

Brasil 27.0** 96.3* 9.3 66 82 26 Duais

México 28.1 53.4 8.0 80 104 22

Bolívia 25.4 9.0 5.9 70 76 24

Equador 14.8 9.4 9.3 61 97 22

Rep. Dominicana 8.9 s/d 0.7

2.3d 40 100 21

Nicarágua 14.8 9.1 2.3 s/d d 90 80 18

El Salvador 11.6 6.2 1.3 1.7 d s/d 85 22

Guatemala 27.0 14.2 1.6 3.7 d -- (e) 57 8

Excludentes

Honduras 4.2 7.3 0.9 12.2 d 75 87 14

Fonte: Filgueira (1998), com base em Mesa-Lago (1991); Relatório Banco Mundial (1994); Miranda (1994); Cominetti (1994). (*) somente área urbana; (**) Observe-se que dados apresentados pelo autor, diferem dos utilizados por autores brasileiros. Para Draibe, com base em dados do PNAD/IBGE informa que a cobertura previdenciária, girou em torno de 50% de PEA, na década de 1980. a- Cobertura por mecanismos articulados à inserção no mercado formal; b- População coberta superior à PEA relaciona-se a mecanismos mais universalizantes de cobertura a dependentes que não se encontram dentro da PEA; c- Cobertura superior a 100% equivale à dupla matrícula ou cobertura formal de um mesmo individuo, ou na consideração da faixa de idade inferior à faixa reais; d- Gasto em Seguridade Social/Gasto em saúde; (e) não se aplica a vacina

Page 32: Estado de bem estar origem modelos e terminologias

Tabela 2 (continuação)

Regimes de Bem-Estar na Amérida Latina: Indicadores selecionados – 1970/1980

Regimes de Bem-Estar

Países

Domicilios abaixo da linha de pobreza

Domicilios abaixo da linha de

indigência

Analfabetismo Mortalidade Infantil

Esperança de vida ao

nascer

Argentina 8 % 1 % 7.4 % 41 68.4

Uruguay 10 % 4 %* 10.2 % 47 68.6 Universalistas

Chile 17 % 6 % 11.0 % 62 64.2

Brasil 49 % 25 % 33.6 % 95 59.8 Duais México 34 % 12 % 25.8 % 60 62.7

Bolívia 50 % 22 % (a) (b) 37.3 % 157 46.7

Equador s/d s/d 25.8 % 100 57.1

Rep. Dominicana

s/d s/d 33.1 72 57.9

Nicarágua s/d s/d 42.1 109 52.9

El Salvador s/d s/d 42.9 92 59.1

Guatemala 65 (c) 33 % (c) 53.8 104 54.6

Excludentes

Honduras 65 45 % 40.5 110 54.1

Fonte: Filgueira (1998), com base em CEPAL-Panorama Social da América Latina (1995); CEPAL-Anuário Estatístico de América Latina (1980). (a) 1989; (b) Zonas Urbanas; (c) 1980

Para isso, realizaremos uma breve caracterização das políticas sociais nos

Estados de Bem-Estar, tanto no âmbito Europeu como na América Latina, no período

recente, com destaque à “crise” e seus desdobramentos, procurando ressaltar as

estratégias de proteção adotadas pelos países para enfrentamento aos novos riscos

sociais. O foco estará direcionado para os programas de transferências de renda,

denominados Renda Mínima Garantida ou Renda Mínima de Inserção, com o objetivo

de identificar, a partir de análises já existentes, os impactos de tais políticas.

Buscaremos abstrair em que medida os resultados já alcançados podem auxiliar a

recente experiência, em relação ao desenvolvimento de programas semelhantes (na

nomenclatura), para realidades tão díspares, como a América Latina; em que medida

os objetivos se assemelham: estratégia de combate à pobreza, ou à desigualdade

social; medidas de inserção ou de ocupação?