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EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA
Representantes:
1) INSTITUTO MIGUEL ARRAES – IMA, associação de direito
privado sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ/MF sob o nº.
09.302.972/000144, com sede na cidade do Recife, Estado de
Pernambuco, neste ato representado pelo seu presidente e
advogado;
2) ANTÔNIO RICARDO ACCIOLY CAMPOS, brasileiro, divorciado,
advogado, presidente do Instituto Miguel Arraes – IMA, inscrito
na OAB/PE sob o nº. 12.310, portador do título eleitoral nº.
0034.3241.0868, com endereço profissional à Rua do Chacon, nº.
335, Casa Forte, Recife, Pernambuco, CEP: 52061400.
Objeto:
Abertura de inquéritos e/ou ajuizamento de medidas judiciais em
desfavor dos sobreviventes participantes da Operação Condor no Brasil,
responsáveis por vitimar diversas lideranças políticas.
Feito:
REPRESENTAÇÃO PARA ABERTURA DE INQUÉRITO OU
INVESTIGAÇÃO.
1
SUMÁRIO
1. A Comissão da Verdade: Lei 12.528/11...................................07 2. Objetivos da representação e os contornos da Operação Condor 10
2.1. Objetivos da representação ....................................... 10 2.2. Os contornos da Operação Condor .............................. 10
2.2.1. Operação Condor: Necessidade de Investigação Ditaduras Entrelaçadas ............................................11
2.2.2. Depoimento do Governador Miguel Arraes .... ....13
3. As Misteriosas Mortes de Jango, JK e Lacerda ..........................25
3.1. A morte de Jango ..................................................... 25 3.2. A morte de JK .......................................................... 27 3.3. A morte de Lacerda .................................................. 33 3.4. A morte de Emmanuel Bezerra dos Santos ................... 39
3.5. A morte de David Capristano ....... .............................. 42 3.6. A morte de Joaquim Pires Cerveira .............................. 45 3.7 Caso Edmur Péricles Camargo ......................................51
5. O Sequestro dos Uruguaios: Comprovação da real existência da Operação Condor no Brasil..........................................................53 6. A Matriz VerdeAmarela da Operação Condor ...........................54 7. Justiça Espanhola .................................................................63 8. Justiça Italiana .....................................................................67 9. Decisões Judiciais das Justiças da Argentina e do Chile...............69
9.1. Argentina ................................................................ 69 9.2. Chile ....................................................................... 70
2
10 . O Direito Internacional de Direitos Humanos..........................72 11. A Impunidade Fere a Democracia ..........................................77 12. Intolerância à Tortura – Pedagogia ....................................... 81 13. Dos Pedidos........................................................................87 14. Requerimentos de Provas .....................................................88 15. Referências ........................................................................91 16. Anexos ............................................................................. 94
15.1. Lei 12.528/11 ......................................................... 94 15.2. Lei 12.527/11 ........................................................ .99
3
“A natureza, como a história,
segrega memória e vida
e cedo ou tarde desova
a verdade sobre a aurora.
Não há cova funda
que sepulte
– a rasa covardia.
Não há túmulo que oculte
os frutos da rebeldia.
Cai um dia em desgraça a mais torpe ditadura
quando os vivos saem à praça
e os mortos da sepultura”.
Affonso Romano de Sant’Anna, fragmentos de Os
Desaparecidos.
“É uma organização delitiva.”
Baltasar Garzón, juiz espanhol, Audiência Nacional de
Madri.
4
“Em 1976, alguns órgãos, contrários à abertura
promovida pelo Presidente Geisel, buscavam
soluções extralegais”.
Armando Falcão, ministro da Justiça do governo
Ernesto Geisel (19731979), em entrevista a O Globo.
“A verdade cura. Às vezes ela arde, mas cura”.
Desmond Tutu, Bispo sulafricano, Prêmio Nobel da Paz.
“Só há uma causa maior: a verdade!”
Moacir Danilo Rodrigues (19421998), juiz, Brasil.
5
1. A COMISSÃO DA VERDADE:
LEI 12.528/11
Após décadas de protestos e intensos colóquios acerca das malsinações
ocorridas no ainda recente período ditatorial brasileiro, foi instituída a
Lei 12.528, em 18 de novembro de 2011. A referida lei deu existência a
Comissão da Verdade, cuja maior finalidade é, nos termos da própria
legislação em comento,
Art. 1º. .[...] examinar e esclarecer as graves
violações de direitos humanos praticadas no
período fixado no art. 8o do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (de 1946 até a data de
promulgação da atual Constituição), a fim de
efetivar o direito à memória e à verdade
histórica e promover a reconciliação
nacional. (Adaptado) (Grifos nossos)
Portanto, no espaço de tempo acima delimitado (de 1946 até a data de
promulgação da atual Constituição), está incluído o regime de ditadura
militar brasileiro (19641985), cujas práticas de violações de direitos
humanos hão de ser apuradas.
Consistem em objetivos da Comissão Nacional da Verdade, dentre
outros, definidos no art. 3º da lei 12.528/11 , determinar os órgãos e 1
1 Art. 3o. São objetivos da Comissão Nacional da Verdade: I esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de
direitos humanos mencionados no caput do art. 1o;
6
entidades responsáveis pelas práticas de violação de direitos humanos
e elucidar as mortes e desaparecimentos àquela época, mesmo que
realizados fora do âmbito nacional (a título de exemplo, no caso do
expresidente Jango, cuja morte ocorreu no exterior, quando de seu
exílio na Argentina).
Como é sabido, a Comissão em pauta gozou de prazo de 2 (dois) anos
para tecer um relatório minucioso acerca das investigações e
conclusões realizadas. Outrossim, também deveria realizar
recomendações acerca de políticas públicas destinadas a evitar a
violação de direitos humanos, prevenindo tais práticas ao máximo.
Cumpre ressaltar, ainda, que as atividades da Comissão Nacional da
Verdade tiveram o caráter público e qualquer cidadão que desejou
esclarecer alguma circunstância, teve oportunidade de fazêlo,
solicitando informações à Comissão em pauta.
Findo o período estipulado (2 anos), a Comissão foi extinta em caráter
definitivo , bem como os cargos decorrentes de sua existência, através 2
da exoneração dos participantes.
II promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior;
III identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos mencionadas no caput do art. 1o e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade;
IV encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos, nos termos do art. 1o da Lei no 9.140, de 4 de dezembro de 1995;
V colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de violação de direitos humanos;
VI recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional; e
VII promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações. 2 Art. 11. A Comissão Nacional da Verdade terá prazo de 2 (dois) anos, contado da data de sua instalação, para a conclusão dos trabalhos, devendo apresentar, ao final, relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e recomendações. (Grifos nossos)
7
Nos dizeres do atual Ministro da Defesa, Celso Amorim, em entrevista
publicada na Revista Istoé de abril/2012:
A Comissão da Verdade é o último capítulo da
transição democrática, um epílogo. Há muito tempo
estão sendo escritas outras coisas novas da fase
democrática, mas ficou essa questão. É uma
necessidade da sociedade em conciliarse consigo
própria conhecendo a verdade . 3
O referido Ministro destacou ainda que a lei 12.528/11 recebeu a
anuência de grande parte do Congresso Nacional, gerando
incredulidade entre aqueles que não acreditavam na possibilidade de
sua aprovação:
Sei que o (deputado) Jair Bolsonaro não votou, mas
os demais deputados aprovaram a comissão. Aliás,
foi uma das poucas leis aprovadas pelo Congresso
com tanto consenso. Não vejo nenhuma razão para
temer uma judicialização. A própria lei que
estabelece a Comissão reitera a Lei da Anistia.
Em suma, essa Comissão foi a grande oportunidade de colocar em
pratos limpos acontecimentos ainda ocultos que em muito
envergonham a memória do País, mas cujo esclarecimento é de
extrema relevância, inclusive a fim de evitar reincidências futuras e
efetivar a reconciliação nacional, assim como em respeito à memória
das vítimas e de seus respectivos familiares.
3 AMORIM, Celso. "A Comissão da Verdade é o epílogo da transição democrática”. Entrevista publicada na Revista Istoé nº. 2212, Edição de 04 de abril de 2012.
8
9
2. OBJETIVOS DA REPRESENTAÇÃO
E OS CONTORNOS DA OPERAÇÃO CONDOR UM ROTEIRO DE
TRABALHO INVESTIGATIVO
2.1. Objetivos da representação
O presente instrumento de representação se destina a incitar este
órgão a propor medida judicial em desfavor dos sobreviventes
precursores e participantes da Operação Condor no Brasil, responsáveis
por vitimar os líderes opositores, de esquerda, para que se faça justiça
àqueles que porventura suportaram os amargos efeitos dela
decorrentes. Tal operação já teve sua existência neste país comprovada
por ocasião dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade – CNV,
conforme trabalho em anexo.
2.2. Os contornos da Operação Condor
No livro As Garras do Condor, Nilson Mariano assim define tal
operação:
“As ditaduras militares que subjugaram o Cone Sul, nas
décadas de 1970 e 1980, planejaram uma organização
terrorista, secreta e multinacional para caçar adversários
políticos. Era a Operação Condor, a aliança que interligou os
aparatos repressivos da Argentina, do Chile, do Uruguai, do
Paraguai, da Bolívia e do Brasil. Agindo além das fronteiras,
os sócios, do condor tinham permissão para prender,
torturar, matar e ocultar cadáveres. Promoveram uma
guerra de extermínio, sob patrocínio dos Estados.”
“Com a Operação Condor as ditaduras derrubaram as
fronteiras geográficas e políticas, aboliram tratados de
10
proteção a refugiados e desrespeitaram regras de direito
internacional. O horror passou a circular sem passaporte.
Nas incursões alémfronteiras, não foram apanhados
somente guerrilheiros e militantes marxistas – os alvos
imediatos, mas também expresidentes, ministros,
parlamentares, generais legalistas, sindicalistas,
estudantes, intelectuais. Enfim, todos que ousassem
discordar.”
Segundo o Secretário de Direitos Humanos da Argentina, Eduardo
Duhalde, indagado acerca da expectativa sobre os segredos que a
Comissão Nacional da Verdade, cuja lei foi sancionada em novembro de
2011, traria à tona, “mais do que manter sua caixapreta fechada,
o Brasil foi o fiador da Condor, porque a Operação não poderia
ter existido sem a vontade política do País hegemônico da
região” . 4
2.2.1. A Operação Condor:
Necessidade de investigação – ditaduras entrelaçadas
No livro O Beijo da Morte, de Carlos Heitor Cony e Anna Lee há a
seguinte cronologia de fatos:
” 28 de setembro de 1975
Ofício confidencial do general Manuel Contreras, chefe do DINA (serviço
secreto do governo chileno) ao general João Baptista Figueiredo, então
chefe do SNI (serviço secreto do governo brasileiro), dando conta da
mudança da política norteamericana em relação às ditaduras militares
do Brasil, Chile, Argentina e Uruguai. Com a chegada de Jimmy Carter
4 AQUINO, WILSON. In: Ditaduras Entrelaçadas: documentos comprovam que a participação de autoridades brasileiras na Operação Condor foi fundamental para a aliança dos governos totalitários da América Latina. Revista Istoé, Edição de 30 de novembro de 2011.
11
à Casa Branca, seria retirado o apoio de Washington aos regimes
totalitários do Cone Sul. O general Contreras cita nominalmente
Orlando Letelier, exministro de Salvador Allende, e Juscelino
Kubistchek, expresidente do Brasil, como lideranças que poderiam ser
reabilitadas e criar problemas às ditaduras da região.
7 de agosto de 1976
Por volta das 18 horas deste sábado, core a notícias de que Juscelino
Kubitschek teria morrido num acidente de carro na estrada que liga
Luziânia a Brasília. JK iria fazer realmente este deslocamento, mas à
última hora, preferiu ficar em sua fazendinha, em Luzitânia. À noite,
recebe jornalistas e equipes de TV que procuram confirmar a notícia.
22 de agosto de 1976
Às 18h15, morre Juscelino Kubitschek num acidente de carro no km
143 da Rio–São Paulo. Nos dias anteriores, JK escondera de seus
parentes e amigos mais próximos esta viagem ao Rio, quando
almoçaria, no dia seguinte, com o advogado e exministro português
Adriano Moreira, que cuidava de um processo movido pelo governo
oriundo da Revolução dos Cravos, em Portugal, no qual estavam
citados a empresária portuguesa Fernanda Pires de Melo, o
exembaixador Hugo Gouthier e o próprio JK. Chegando ao Rio no final
da tarde daquele domingo, ele dormiria com Lúcia Pedroso no
apartamento dela, em Ipanema, sendo absurdo o insinuado encontro
de alguns minutos dos dois num hotel da RioSão Paulo.
21 de setembro de 1976
Morre, em Washignton, Orlando Letelier, quando uma bomba explodiu
em seu carro. O atentado foi investigado pela polícia norteamericana,
que culpou agentes do DINA e, em especial, o general Contreras, que
atualmente cumpre pena de prisão perpétua no Chile.
12
6 de dezembro de 1976
Depois de receber numerosos avisos para que não dormisse duas
noites no mesmo lugar, o expresidente João Goulart morre na
Argentina, na cidade de Mercedes, próxima à fronteira com o Rio
Grande do Sul. Ele continuava exilado pelo regime militar brasileiro,
mas disposto a retornar brevemente a São Borja, sua cidade natal.
21 de maio de 1977
Após internarse na Clínica São Vicente, sem diagnóstico preciso, mas
com suspeita de septicemia, morre Carlos Lacerda, exgovernador da
Guanabara, que juntamente com Kubitschek e Jango havia criado a
Frente Ampla, que seria a alternativa civil para o retorno do Brasil à
democracia. Uma enfermeira portuguesa, que trabalhara para a Pide
(polícia salazarista), comenta que já vira casos assim, de morte
precipitada por medicamentos no soro hospitalar.
21 de agosto de 1982
O juiz Juan Espinoza, do tribunal argentino de Curuzu Cuatiá, pede a
exumação do corpo de João Goulart, devido a suspeitas de que ele teria
sido assassinado ao tomar remédios que foram trocados por pessoas
próximas a ele. Mais tarde, outro pedido de exumação também não foi
atendido.“
2.2.2. Depoimento do Governador Miguel Arraes
Transcrevemos a seguir trecho do relatório final contendo o depoimento
do Governador Miguel Arraes na Comissão sobre a morte de Jango no 5
Congresso Nacional Brasileiro, juntando também o áudio com o
depoimento:
5 Relatório final (Série Ação Parlamentar; n. 243). Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2004, p. 5359.
13
“Além de informações concretas sobre a forma como obteve
conhecimento antecipado a respeito do processo de eliminação de
lideranças políticas em curso na América do Sul, o Governador Miguel
Arraes trouxe a esta Comissão a perspectiva de um agente político
relevante, que acompanhava os acontecimentos de uma posição muito
distinta da maioria de nossos entrevistados, exilado que estava na
Argélia. Mais uma razão para reproduzirmos na íntegra seu
depoimento, de maneira a registrar oficialmente sua visão dos
acontecimentos.
As considerações iniciais do ilustre depoente ilustram amplamente a
realidade política do mundo na época em que faleceu o exPresidente,
João Goulart.
Devo dizer que eu estava distante, na Argélia, e que
certos fatos específicos me escapam, porque eu não tive
contato, como o Neiva, Brizola e outros, com as pessoas que
assistiram diretamente ao caso. Entretanto, vou citar alguns
fatos que chegaram ao meu conhecimento naquele período.
Eu estava exilado na Argélia. O asilo político me foi
concedido pelo Governador argelino. Nós éramos alguns
poucos que tínhamos esse asilo. Havia muitos refugiados:
cerca de oito mil refugiados políticos em Argel, de todos os
países, da Europa até a Indonésia. Havia gente de todo o
lado. E os argelinos tinham especial cuidado com toda essa
gente que estava lá refugiada, longe de seus países e,
particularmente, com aqueles a quem tinham dado asilo
político, porque se consideravam responsáveis por essas
pessoas que o Governo tinha levado oficialmente para lá.
E alguns fatos também faziam com que eles exercessem
vigilância ou acompanhassem, não para saber da nossa vida,
mas para dar a segurança que fosse possível às pessoas que
14
estavam sob a responsabilidade do Governo argelino. E eles
tinham tido casos concretos de assassinatos políticos, como o
do General Humberto Delgado, assassinado na fronteira de
Portugal com a Espanha, que estava lá na Argélia, saiu de lá
contra a opinião deles, aliás.
Há um assassinato de Ber Baka, líder marroquino muito
conhecido, que também tinha a proteção da Argélia, que foi
seqüestrado e assassinado em Paris. E assim outros casos
desse tipo que faziam com que eles tivessem esse cuidado, o
cuidado não só na Argélia, porque não tinha perigo por lá.
Basta dizer que fiquei na Argélia por 14 anos. Nunca ninguém
me pediu um documento na rua ou em canto nenhum. Só nos
hotéis e no aeroporto, porque é obrigado. Nunca ninguém me
pediu documento. Nós tínhamos toda liberdade lá.
Então, eles nos davam certas indicações para as viagens
que fazíamos, porque haviam acontecido esses casos e eles
nos preveniam que nós não deveríamos sair para outros
lugares sem ter contato com a Embaixada, sem contato com
alguém de confiança. E eles indicavam, quando era o caso, as
pessoas de confiança a quem podíamos recorrer nesses
países.
Então, nós também tínhamos dificuldades. Era preciso
às vezes recorrer à Embaixada. Por exemplo, eu estive
proibido de entrar na França durante muitos anos. Era
proibido oficialmente entrar na França por decreto do Ministro
do Interior francês. Tenho esse documento comigo. Não podia
entrar, não obstante eu tinha que entrar, porque eu tinha
família lá. Eu tinha que entrar. Então, eu sabia como entrar
na França, mas, uma vez lá, era preciso ter condições de
apelar para alguém se houvesse qualquer coisa.
Na Itália, não havia problema, mas havia setores na
polícia italiana – que haviam sido contactados pelo Comissário
15
Fleury – que abordavam os brasileiros e tomavamlhe os
passaportes. Eu mesmo presenciei casos como o do Carlos
Sá. Carlos Sá foi membro do Tribunal do Trabalho de São
Paulo, era exilado. Ele estava lá; quando ia sair do hotel o
abordou, tomou o passaporte e deu 48 horas para deixar o
país. Como ele poderia deixar o país em 48 horas sem
documento, sem coisa nenhuma?
Nós falamos com um senador italiano, e o senador falou
com o primeiroministro, e o primeiroministro mandou uma
pessoa resolver o caso. Mas havia todos os complicadores que
exigiam essas informações etc.
E nós, portanto, tínhamos pessoas na Argélia a quem
podíamos recorrer para nos informar ou elas próprias nos
chamavam para dar as informações que consideravam
necessárias para a nossa vida no exterior.
A principal pessoa encarregada em buscar essas
informações, porque existiam outras, o chefe desses serviços,
era o Coronel Sulleiman Hoffmann. Era assessor para
assuntos internacionais do Presidente Boumedienne. De vez
em quando, eu o via, falava com ele, davame muito com ele.
Certo dia ele me telefona e diz que quer falar comigo. Eu fui
lá. Ele me disse: “Arraes, amanhã e depois de amanhã, se
amanhã não chegarem as pessoas, você espera até depois de
amanhã. Você não sai de casa, espera em casa. Três pessoas
vão lhe procurar”. Eu disse: “Pois não, está certo. Fico em
casa”.
E fiquei efetivamente em casa, e apareceram as
três pessoas. As três pessoas exigiram muito cuidado
na conversa, isto é, eles não queriam em casa ninguém
que não fosse da família, não queriam testemunhas.
Iam falar comigo. E me disseram o seguinte: “Nós
estamos vindo do Cone Sul da América Latina”. Não
16
disseram de onde. “Houve uma reunião da extrema
direita para apreciar a questão de uma possível
abertura”. Já se começava a falar, porque isso está
ligado aqueles àqueles anos da Guerra do Vietnã.
A Guerra do Vietnã estava sendo perdida. E todas
as análises indicavam que, na medida em que a guerra
fosse perdida, os Estados Unidos não poderiam ficar
com o mundo militarizado debaixo das botas de
soldado. Teria de ser dada uma solução intermediária
qualquer, fosse de transição ou de qualquer outro tipo.
Então, já se debatia essa questão, e os militares sabiam
disso. Eles viram que essa era uma tendência que não
mais seria revertida, porque, como falei, era impossível
este mundo todo ficar com os militares mandando
eternamente. Teria de haver um paradeiro para isso. Já
era negativo esse fato na opinião pública internacional.
Naquela fase, algumas figuras da Europa haviam
se manifestado contra a Guerra da Vietnã, e havia
protestos cada vez maiores, inclusive nos Estados
Unidos. Uma das pessoas que em primeiro lugar
realizou um ato que teve uma grande repercussão foi
Olof Palme, primeiroministro sueco, do Partido
Socialista da Suécia, que reuniu 10 mil pessoas na
praça pública para se opor à Guerra do Vietnã.
Portanto, essa opinião que se formava fazia com
que a direita receasse uma mudança, uma
transformação. Essa reunião examinava isso e estudava
providências e precauções a serem tomadas para evitar
que pessoas importantes que estavam presas e
exiladas, em diferentes países, pudessem chegar e
empalmar a opinião pública no caso de uma eleição, de
uma mudança brusca da situação política. Nessa
17
reunião, eles já haviam condenado à morte as pessoas
que estivessem nessa situação e que atendessem a
esse critério.
Assim, eles me pediram que transmitisse essa
informação a pessoas de outros países, pessoas que
estivesses mais ou menos nessa situação. Enfim, que
transmitisse a informação a alguém de confiança para
que cada um fizesse o trabalho dentro das suas áreas
de exilado.
Eu perguntei por que elas, essas pessoas, pediam
isso logo para mim. Eles me disseram: “Primeiro, por
causa da referência que nos foi dada pelo Coronel
Hoffmann; segundo, porque analisando os nomes,
verificamos que o senhor é quem está em melhores
condições de realizar este trabalho, pela sua condição
de exilado aqui na Argélia. O senhor pode se deslocar
para alguns lugares, porque nós não podemos contactar
todo mundo. Não podemos contactar, porque nós não
podemos aparecer em canto algum. Nós estamos aqui
falando com o senhor excepcionalmente, porque é uma
questão decisiva e importante. Assim, o senhor vai ter
esta missão”.
Dessa forma, eu procurei realizar a missão. Fui à
Europa, procurei alguns exilados chilenos e pessoas de
outros países para comunicar essa notícia que me
tinham dado. Não se passou um mês desse
acontecimento, foram assassinados Gutiérrez e
Michelino, dois uruguaios, e uma sucessão de
assassinatos se seguiu nos diferentes países da
América Latina. Todos sabem, e aqui a Comissão pode
até listar, que foi a partir dessa oportunidade que
18
mataram o General Prats, mataram o Letelier, mataram
não sei quem... Tudo isso no espaço de algum tempo.
Então, vejam, qualquer pessoa sabe que as três
pessoas mais importantes no caso da abertura no Brasil
era Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos
Lacerda. Eram essas pessoas que podiam aparecer
como condutores de uma frente nacional para refazer o
País. Portanto, se os senhores pegam essas três
pessoas e juntam com o critério que me foi comunicado
naquela oportunidade, só podemos dizer que eles
tinham sido condenados à morte. Como é que eles
morreram? É outro fato. Mas que a condenação havia,
havia.
Um outro fato é uma conversa que tive com o
Carlos Castello Branco. Ele passou pela Europa depois
da morte de Juscelino Kubitschek. Eu estive com ele em
Paris por apenas um dia. Ele me procurou e estivemos
juntos por um dia. Contei a ele essa história, e ele me
disse que tinha procurado indagar as circunstâncias da
morte de Juscelino. Circunstâncias que ninguém até
hoje explicou, ninguém sabe delas efetivamente.
Sabese que ele morreu em um desastre na via Dutra.
Juscelino, que foi o homem que mais voou neste
País, morre em um desastre de automóvel, em uma
viagem que ele jamais faria de carro – de São Paulo
para o Rio de Janeiro. Por que Juscelino saiu de carro?
Ele mandou buscar o seu motorista – são detalhes que
me informaram – no Rio de Janeiro, sendo que ele
estava em São Paulo. O Sr. Adolfo Bloch deixava um
carro á disposição de Juscelino, e ele tinha um
motorista de confiança. Então, Juscelino manda buscar
o seu motorista, que também morreu no acidente, para
19
fazer essa viagem. E o motorista foi do Rio para São
Paulo para fazer a viagem do expresidente.
Pois bem. O Castello dizia que o inquérito tinha
procurado lançar a culpa para o ônibus, mas que as
perícias que fizeram – depois ninguém fez mais perícia,
nem quis saber de nada, nem aprofundaram as
investigações – tinham descartado o ônibus. Não podia
ser o ônibus. A tinta que estava no carro de Juscelino
era preta. O carro que bateu e desequilibrou o carro de
Juscelino teria sido um carro de cor preta, pois a tinta
estava lá. Mas que esse tal carro preto tinha sido visto
por testemunhas. Então, o Castello Branco lançava
muitas questões em cima da morte de Juscelino
Kubitschek.
Vejam, no meu caso, o que eu posso dizer, diante
dessas informações e sobretudo da comunicação que
me foi feita, nas circunstâncias em que recebi tais
informações, é que havia essa condenação e que
morreram sucessivamente no Brasil Juscelino, Jango e
Lacerda, os homens que haviam sido indicados na
condenação prévia nessa reunião no Cone Sul. Então,
na minha cabeça. Eu não diria que nenhum deles
morreu de morte natural. A suspeita e a dúvida existem
evidentemente. Se esta Comissão puder aprofundar
com fatos e testemunhas, penso que será da maior
importância a apuração de tal procedimento.
Era o que eu podia dizer, Sr. Presidente.
Os debates que se seguiram à exposição inicial permitiram ao expositor
precisar alguns fatos e tecer novas considerações.
20
Registrese, em primeiro lugar, que o depoente evitou falar de lista de
pessoas a serem assassinadas. Deixou claro que seus informantes não
falaram em lista. Eles estabeleceram o critério que havia sido adotado
na reunião. O critério era esse, ou seja, quem tivesse certas condições
ou ameaçasse levantar o País, levantar a população em uma posição
oposta à deles tinha de morrer antes. Ora, nesse processo militar, era
esse um dos objetivos: liquidar não só as grandes lideranças, mas
liquidar as lideranças do País, seja pela prisão, pelo decurso do tempo,
por tudo. Esse era um procedimento traçado por eles.
Em segundo lugar, o depoente pôde precisar a data em que se reuniu
com seus informantes: quinze, vinte dias antes do dia em que foram
assassinados os Srs. Michelini e Gutiérrez.
Em terceiro lugar, o depoente detalhou melhor a situação das pessoas
que lhe transmitiram as informações sobre articulações da extrema
direita para eliminar líderes populares na América do Sul.
... essas pessoas que me procuraram não deram o
nome. Elas estavam credenciadas, quer dizer, eu sabia que
eram pessoas que eu devia escutar, mas eram agentes.
Ninguém pode saber quem são essas pessoas que se
infiltraram para saber dessa reunião do Cone Sul, e
evidentemente eu não tinha nem condições de perguntar. Se
perguntasse, elas podiam até me dar um nome falso, porque
não podiam aparecer. Essas pessoas me procuraram e
explicaram – não sei se fui claro – que me escolhiam, porque
não podiam procurar muita gente e aparecer para exilado
chileno, para exilado daqui...
Eles não podiam, pela função que exerciam, a função
deles era ter a cara escondida, isso é uma coisa lógica. Daí o
fato de terem conseguido essa informação de uma reunião
21
ultrafechada. O coronel, que por sinal faleceu, é o homem do
Governo argelino que disse que essas pessoas iam me
procurar, e efetivamente me procuraram para dizer isso. Era
o Coronel Sulleiman Hoffmann. Esse coronel já é falecido. Era
assessor do Presidente Boumedienne.
Em quarto lugar, o depoente manifestou desconhecimento a respeito
das pessoas que lidavam com o Presidente João Goulart no Uruguai,
com exceção parcial de Cláudio Braga.
Infelizmente, não posso dizer nada a esse respeito.
Conheço o Cláudio Braga, porque ele foi presidente de
sindicatos em Pernambuco. Não tinha muita ligação ou
aproximação com ele, embora me dê com ele. Ele conhecia o
Presidente João Goulart. Eu sei que ele conhecia já de antes,
mas esse relacionamento mais próximo foi coisa do exílio.
Não era um relacionamento que existia antes. Essa é uma
coisa que só o pessoal que morava no Uruguai pode saber.
Em quinto lugar, o depoente voltou a emitir dúvidas sobre a morte de
Juscelino Kubitschek.
A perícia em relação a Juscelino conclui ter sido um
acidente. Acidente foi; porém, foi provocado? A
desestabilização de um carro é uma coisa que, para
pessoas que sabem fazer, não é problema nenhum. É a
coisa mais simples do mundo. Essa dúvida fica. Eu, pelo
menos, duvido disso.
Não estou pondo em dúvida as pessoas que fizeram
os laudos, mas o testemunho que Carlos Castello Branco
me deu foi esse: que testemunhas não foram ouvidas,
gente que não quis depor; há toda essa história. Em meio a
22
uma ditadura, quem iria depor e dizer que ele foi
assassinado? Não é fácil. O que me ficou foi isso. Como
salientou o deputado Miro, sou uma das pessoas, talvez,
que soube antes dos fatos que isso iria acontecer. Ouvi a
sentença que havia sido pronunciada nessa reunião do Cone
Sul e que essa sentença começou a ser executada.
Veja, deputado, não acredito que Deus tivesse sido
escolhido para ser carrasco dos três brasileiros que
morreram em sequência. Se foi de morte natural e se foi
obra de Deus, foi Deus quem executou essa sentença. É
muito estranha a seqüência dessas mortes, quando se liga
a esse fato que relatei.
Em sexto lugar, o depoente distinguiu a repressão no Brasil pela
precisão com que buscou seus alvos.
O que podemos apreciar é o seguinte. As diferenças
de método de um lugar para o outro, a sofisticação da
repressão, a seletividade em cada um dos países. Aqui, no
Brasil, a seletividade foi das mais importantes que já vi.
Aqui existiram os excessos, a tortura, a morte das pessoas,
mas observo que, no geral, aqui as coisas sempre foram
medidas e contadas, tanto quanto podia ser. A estrutura
brasileira não era no estilo Pinochet, que mandava matar no
meio da rua, matava quem era preciso matar. Se formos
estudar isso, será um trabalho muito complicado.
Cabe destacar, ainda, a importante análise política que o depoente
realizou em relação à possível neutralização da investigação pela
impossibilidade de comprovar o assassinato.
23
Na posição que estamos, se negaram a autópsia, não
podemos concluir que alguém matou, que foi assim ou
assado. Mas retirar dúvidas... Só quem quer retirar dúvidas
é a extrema direita. Para nós, ela fica. Ela fica porque nem
prova uma coisa nem outra. Ela fica e tem de ser mantida.
Politicamente é fundamental que seja mantida,
porque as mortes havidas aqui e em outros países mostram
que essa sentença foi efetivamente pronunciada. A morte
de todos esses líderes em outros países é a prova de que a
sentença efetivamente existia.”
O próprio Arraes não revelou, naquela ocasião, ante o seu
temperamento discreto e recatado, que quase foi vítima da Operação
Condor e dos agentes de Fleury, por mais de uma vez, na França,
inclusive iria ao encontro de Ben Barka, quando minutos antes foi
avisado do perigo pelo Serviço Secreto Argelino.
24
3. AS MISTERIOSAS MORTES DE JANGO, JK E LACERDA
3.1. A MORTE DE JANGO
Inconformada com a ausência de esclarecimentos, ao menos,
razoáveis, acerca da morte de João Goulart, a família do expresidente
ingressou com uma ação perante a Procuradoria Geral da República,
solicitando a investigação dos responsáveis pelo seu suposto
assassinato por envenenamento. Jango morreu em 1976, na Argentina,
quando se encontrava exilado; cerca de uma década antes, havia sido
deposto do comando da nação brasileira por intermédio do golpe
ditatorial de 1964.
O pedido da família de Jango chegou ao órgão de controle interno
seguido da gravação de uma entrevista com Mario Neira Barreiro
(exparticipante do serviço de inteligência uruguaio que atualmente se
encontra isolado em uma penitenciária brasileira), tendo sido esta
realizada pelo filho de Jango, João Vicente Goulart. Na entrevista em
lume, Barreiro narra minuciosamente a chamada Operação Escorpião
(que, por sua vez, estaria subordinada à Condor), possivelmente
responsável pelo assassinato de Jango por envenenamento. Os
medicamentos habituais do expresidente, cardiopata, teriam sido
adulterados. Eis o relato de Mario Neira Barreiro a respeito:
“Não me lembro se colocamos no Isordil, no Adelpan ou no
Nifodin. Conseguimos colocar um comprimido nos remédios
importados da França. Ele não poderia ser examinado por 48
horas, aquela substância poderia ser detectada ”. 6
Segundo informações oficiais, a morte de Jango se deu em razão de um
ataque cardíaco, em sua Fazenda localizada na Argentina (cidade de
6 Família denuncia assassinato de João Goulart por envenenamento. Disponível em: <http://www.apn.org.br/apn/content/view/66/44/>. Acesso em: 06 de dezembro de 2011.
25
Mercedes), na madrugada do dia 6 de dezembro de 1976. À época, o
expresidente possuía apenas 57 anos. Seu corpo foi sepultado sem
sequer ter sido submetido a uma autópsia (pasmem!). Impende
destacar que, há não muito tempo, uma comissão externa da Câmara
dos Deputados passou cerca de 6 anos averiguando a morte de Jango.
João Vicente Goulart, filho de Jango, atestou, remetendo à entrevista
com Barreiro, que:
“[...] surgiram depois informações sobre o serviço secreto do
Itamaraty e a colaboração entre esse serviço e os de outros
países, que dão veracidade ao que ele disse. Essa colaboração
já existia antes da Operação Condor .” 7
Ao realizar essa declaração, o filho de Goulart aludiu à publicação de
documentos relativos ao CIEX – Centro de Informações do Exterior.
Este último foi um serviço secreto do Itamaraty incumbido de vigiar os
exilados brasileiros desde os anos 60.
O centro de informações em questão foi divulgado no Correio
Braziliense através de reportagens do jornalista Claudio Dantas
Sequeira datadas de julho de 2007. O supracitado jornalista, a
propósito, ganhou diversos prêmios em decorrência das mesmas.
Toda a documentação utilizada por Sequeira para compor a reportagem
atualmente se encontra guardada no Arquivo Nacional. Não obstante
diversos pesquisadores tenham tentado acessar tais materiais, são
impedidos de fazêlo quanto a documentos concernentes a vítimas do
regime militar, já que os mesmos têm acesso restrito apenas aos
respectivos familiares.
7 Idem, ibidem.
26
3.2. A MORTE DE JK
Até os dias atuais, subsiste uma série de dúvidas quanto à morte
do expresidente Juscelino Kubitschek. Suspeitase que a mesma
esteja atrelada à Operação Condor.
O consultor Legislativo Lúcio Reiner, participante de uma
Comissão externa da Câmara dos Deputados destinada a esclarecer as
Circunstâncias políticas quando da morte do expresidente Juscelino
Kubitschek, chegou às seguintes conclusões a respeito, em meados de
Abril/2001:
A investigação das condições em que se deu a morte do
expresidente Juscelino Kubitschek não se esgota com a perícia do
acidente automobilístico em que o estadista faleceu, nem foi essa a
intenção desta Comissão Externa. [...] O principal mérito desta
Comissão é ter desvendado a verdade: a “Operação Condor”
existiu, o Brasil desempenhou parte ativa e o papel do país foi
de importância fulcral. A participação do Brasil nessa onda de
repressão deve ser ressaltada para que as futuras gerações não
desconheçam os perigos que rondam qualquer ruptura de padrões
democráticos na resolução de conflitos políticos. [...]
A morte de Juscelino Kubitschek, em agosto de 1976, quando, o
que pode surpreender, justamente começava vislumbrarse a distensão
do regime ditatorial, constitui excelente oportunidade para a análise do
padrão que seguiram as ditaduras sulamericanas na década de 70.
Juscelino Kubitschek não era um perigoso extremista nem sequer
participara do governo deposto em 1964. Governador de Minas Gerais
27
e presidente da República, sob a legenda do PSD, partido ligado a
interesses de grandes proprietários rurais e da indústria, seu perfil
sempre foi o de agente político democrata e conciliador. No exercício da
presidência, não apenas conseguiu apoios em todos os partidos
políticos relevantes como anistiou aqueles que tentaram, por meios
ilícitos, apeálo do cargo, como os golpistas da pantomima de
Aragarças.
Quando sobreveio o golpe de Estado que derrubou o governo
João Goulart, Juscelino Kubitschek era senador pelo estado de Goiás.
Foi um dos políticos que tentaram acreditar no caráter transitório do
golpe militar, apresentandose como fortíssimo candidato a retornar à
presidência da República nas eleições previstas para 1965, após o que
seria brevíssima intervenção “saneadora” para purgar os elementos
esquerdistas. No entanto, em 3 de junho de 1964, seus direitos
políticos foram cassados pelo primeiro ato institucional do governo de
exceção. Embora determinado a permanecer no Brasil, o que acabou
por conseguir, teve que sair do país mais de uma vez, sob ameaças de
morte, na década de 60.
No ano de 1966, quando se encontrava no exterior, participou
das negociações para a formação da chamada Frente Ampla,
movimento que congregava políticos das mais variadas tendências
adversários até então irreconciliáveis com o intuito de fazer o país
retornar ao caminho da democracia representativa. Os três nomes
mais importantes da Frente eram justamente os líderes mais
destacados dos três maiores partidos políticos extintos pelo
golpe de 64. Eram eles, respectivamente, além de Juscelino,
pelo PSD, João Goulart pelo PTB e Carlos Lacerda pela UDN.
Entre os fatos mais notáveis da história recente do Brasil
está a morte desses três líderes, em curto lapso de tempo,
quando começava a delinearse a abertura política do regime.
28
Desapareceram, muito convenientemente para o regime de
arbítrio, as três maiores alternativas de poder, posto que, em
caso de eleições diretas, com certeza um dos três teria sido
eleito presidente da república.
Em meados da década de 70, a ditadura estava firmemente
implantada no Brasil e se espalhava por todo o sul do continente
americano. Em 1973 houve o golpe no Chile, em 1976 na Argentina, e
no mesmo período o Uruguai, o Equador e o Peru também estavam sob
a férula de regimes militares. [...]
No Brasil, no entanto, começava a ficar claro que o regime não
conseguira conquistar apoio suficiente para uma permanência mais
longa no poder. Apesar das restrições a uma oposição política mais
atuante e de alguns anos de crescimento econômico acelerado, as
urnas mostraram, em 1974, claro repúdio da população ao governo. Só
restavam duas alternativas ao regime: ou o recrudescimento da
repressão, ou a abertura controlada de cima.
Ao mesmo tempo, a coordenação entre órgãos de repressão do
continente, que já existia e se mostrara claramente no golpe de 64,
começa a ganhar alguma formalização, no que veio a ser chamado de
Operação Condor. Esta Comissão Externa conseguiu realizar extensa
pesquisa sobre essa coordenação repressiva, inclusive com visitas ao
Paraguai, ao Chile e aos Estados Unidos, obtendo farta documentação
oficial que não deixa dúvidas sobre a existência e a dimensão da
operação. [...]
É curioso constatar que, no caso do Brasil, por exemplo, o maior
desafio às forças armadas não se originou nas organizações de
esquerda, mas no próprio ministério do exército, culminando com a
crise institucional que provocou a demissão do general Frota. Esse novo
29
contexto tornou ainda mais clara uma das principais preocupações das
ditaduras sulamericanas: fechar o caminho de retorno de antigos
líderes políticos a postos de destaque após eventual afastamento da
ditadura. Para tanto, não foi descartado o recurso à eliminação física
dos adversários, inclusive de adversários exilados em outros países. Os
casos são numerosíssimos e de conhecimento público, como os do
general Torres, presidente deposto da Bolívia, cujo carro explodiu em
Buenos Aires.
Um dos documentos mais importantes desse período mostra
com toda nitidez a posição do expresidente Juscelino
Kubitschek nesse processo. Praticamente não pairam dúvidas
sobre a autenticidade da carta, de 28 de agosto de 1975,
enviada pelo então coronel Manuel Contreras Sepúlveda, diretor
da DINA — Directoría de Inteligencia Nacional, serviço secreto
chileno, ao general João Figueiredo, então chefe do SNI —
Serviço Nacional de Informações, em que o militar chileno
responde a carta do colega brasileiro, de 21 de agosto do mesmo ano.
Essa correspondência traz indicações importantíssimas. Primeiro,
o autor agradece informações recebidas, o que mostra que a
articulação entre os serviços de repressão dos dois países já existia.
Segundo, demonstra receptividade ao plano de coordenação de
esforços, presumivelmente maior que o já existente, para atuar contra
autoridades eclesiásticas e políticas da América Latina e da Europa.
Terceiro, e mais importante para esta pesquisa, afirma compartilhar de
preocupação do general João Figueiredo quanto a possível vitória do
candidato Jimmy Carter nas eleições presidenciais dos Estados Unidos.
A carta cita expressamente dois políticos que seriam beneficiados por
suas boas relações como Partido Democrata estadunidense; o chileno
Orlando Letelier e o brasileiro Juscelino Kubitschek.[...]
30
Os trabalhos desenvolvidos pela Comissão Nacional da Verdade CNV,
portanto, não se fundaram em qualquer morbidez, qualquer intenção
de sustentar suspeitas pouco verossímeis, mas em fatos políticos
comprovados em fontes oficiais só agora liberadas no Chile, Paraguai e
EUA e em depoimentos relevantes. Ademais, como já foi referido,
ainda que se aceite a hipótese de morte por acidente, não se
pode deixar de trazer a público a situação a que estava
submetida uma figura pública como Juscelino Kubitschek [...]
Destarte, em função da documentação obtida e dos depoimentos
colhidos, fica patente a existência de uma conspiração, organizada
pelos órgãos repressivos dos regimes militares da época, para eliminar
fisicamente todo opositor potencial. Máxime aqueles com
possibilidades, mesmo que longínquas de retornar ao poder. Mais
ainda, podese até afirmar que todo político com simpatia
popular era visto como uma ameaça e, portanto, passível de ser
eliminado, pouco importando sua posição no espectro político.
Ou seja, podese concluir que, do ponto de vista político, estava em
andamento uma verdadeira guerra suja contra a democracia. Em
resumo em todo o Sul do continente, existiu uma operação que incluía
entre seus alvos a eliminação física de líderes políticos eminentes no
período anterior à implantação generalizada de ditaduras militares em
nossos países.
O expresidente Kubitschek, além de ser, sem sombra de
dúvidas, uma das pessoas mais preparadas para conquistar
forte apoio popular quando da retomada de eleições diretas
para a presidência da República (situação que já se vislumbrava no
horizonte político brasileiro), fora explicitamente citado em
correspondência entre os chefes dos serviços de inteligência do
Chile e do Brasil como alvo de preocupação, sendo que o outro
31
político citado, o exchanceler chileno Orlando Letelier, foi
executado mediante explosão de seu carro em Washington.
Juntese a isso a circulação, nos meios jornalísticos de Brasília,
de boatos sobre sua possível morte em acidente automobilístico
forjado, dias antes de que o fato viesse realmente a ocorrer,
para que se possa sustentar, com firmeza, que o expresidente
Juscelino Kubitschek era uma das vítimas potenciais da
Operação Condor. [...]
O jornalista recifense Urariano Mota, por sua vez, resume os fatos que
nos possibilitariam concluir pelo assassinato do expresidente Juscelino
Kubitschek em um artigo intitulado “JK: Acidente ou atentado?”:
1. Em 1975, o jornalista Jack Anderson revelou que o general
chileno Manuel Contreras qualificou Kubitschek como uma ameaça, em
uma carta enviada ao ditador João Figueiredo. Bueno. Contreras era
chefe do Serviço de Inteligência do regime do Augusto Pinochet,
responsável pela morte do exchanceler chileno socialista Orlando
Letelier, ocorrida em 1976 em Washington, e atribuída à Operação
Condor.
2. Segundo o cientista político Luiz Roberto da Costa Jr, em
artigo no Observatório da Imprensa, ao mencionar as circunstâncias da
morte de JK: “Não houve choque com o ônibus da Cometa, pois este
estava atrás da Caravan verde. Testemunhas do ônibus que afirmam
ter visto o clarão (‘sol’, como quer a versão oficial) e ouvido a explosão
(‘batida’, como quer a versão oficial) não depuseram. O Opala periciado
em 1996 não corresponde ao Opala do acidente em 1976, o chassi é
diferente”.
3. Na revista Época de 29.3.1999, sob o título de Um tiro na
história: “Depois de 35 anos trabalhando como perito criminal na
32
Polícia Civil de Minas Gerais, o historiador Alberto Carlos Minas está se
aposentando e decidiu fazer uma revelação: ‘Eu vi um buraco de bala
no crânio do motorista Geraldo Ribeiro’. Era Geraldo Ribeiro quem
dirigia o Opala do expresidente Juscelino Kubitschek no dia 22 de
agosto de 1976, quando bateu num ônibus na Via Dutra e ambos
morreram... Segundo Minas, quando o corpo de Geraldo Ribeiro foi
exumado, há pouco menos de três anos, o crânio estava inteiro e tinha
um buraco. ‘De bala’, garante. ‘Depois que vi isso não me deixaram
entrar na sala novamente’”.
4. E mais, do mesmo Carlos Alberto, em uma rápida entrevista:
“As fotos das vítimas sumiram. Em 1996 o processo foi reaberto, mas
jamais poderia ter prescrito. A família do motorista nunca viu o corpo
dele. Eu era o perito do caso e não pude acompanhar de perto a
exumação dos corpos. Quando levantaram a ossada do Geraldo Ribeiro,
vi um buraco de bala no crânio dele... Do tamanho da tampa de uma
caneta, de cerca de 7 milímetros. O crânio estava íntegro e intacto. Eu
o vi inteiro na minha frente, ele não estava esfacelado como depois
apareceu. Podem dizer que eu estava enganado quanto ao buraco,
mas, se eu estiver errado, como eles explicam um objeto metálico
dentro do crânio do Geraldo? Por que o crânio estava fragmentado
depois dos exames?”.
5. Em livro que me foi enviado por Maria de Lourdes Ribeiro, filha
do motorista e amigo de JK, há o laudo número 12.31/96, do IML de
Minas Gerais. Nele se escreve: “... fragmento metálico de forma
cilindrocônica, medindo sete milímetros de comprimento e diâmetro
médio de dois milímetros, revelandose como fragmento de prego
enferrujado e corroído, recolhido do interior do crânio...”.
6. Notese a passagem especiosa e esperta de bala para prego. E
mais: uma coisa é um prego dentro de um crânio, ali depositado “em
33
período posterior à destruição das partes moles, provavelmente através
de forames da base craniana”, nos termos e imaginação do laudo exato
do IML Outra coisa é um buraco no crânio, criado pelo acaso desse
prego de Deus.
[...]
3.3. A MORTE DE LACERDA
Em entrevista publicada na revista Istoé de 04 de junho de 2000,
a amante e a filha de Carlos Lacerda asseguram que o exjornalista foi
assassinado:
AMANTE AFIRMA QUE EXGOVERNADOR FOI ASSASSINADO E
FILHA REFORÇA SUSPEITA DE ATENTADO POLÍTICO
O depoimento da jornalista Maria Cecília de Azevedo Sodré, 46 anos,
tem tudo para provocar um furacão nas investigações sobre o
envolvimento das Forças Armadas nas mortes dos três maiores líderes
políticos do País num intervalo de dez meses: os expresidentes
Juscelino Kubitschek e João Goulart e o exgovernador Carlos Lacerda.
“Mataram Lacerda”, afirma ela. Vinte e três anos após a morte, Maria
Cecília falou pela primeira vez sobre o tórrido romance que manteve
com o líder da extinta UDN nos dois últimos anos de vida do
exgovernador.
Numa entrevista exclusiva a ISTOÉ, a amante de Lacerda
contesta as versões até agora conhecidas, de que ele andava doente e
abatido. Para ela, nada indicava que o líder udenista pudesse morrer a
qualquer momento. “Ele vivia o auge de sua glória, como homem,
pensador e amante.” Oficialmente, Lacerda morreu em 1977, aos 63
anos, de infecção no coração (endocardite bacteriana) um dia depois de
se internar na Clínica São Vicente, no Rio, com desidratação causada
34
por uma gripe. Os indícios de que uma cooperação entre militares da
Argentina, Chile, Paraguai e Brasil – a Operação Condor – foi montada
em 1975 para combater opositores já levaram a Câmara dos
Deputados a abrir investigações sobre as mortes de Jango e JK, ambas
em 1976. A suspeita de assassinato de Lacerda ainda não é
investigada.
A amante não é a única a discordar da maioria da família
Lacerda, conformada com a versão oficial. A também jornalista Cristina
Lacerda, 48 anos, filha do exgovernador, desconfia que ele tenha sido
vítima da mesma operação que teria eliminado JK e João Goulart. Os
três lideravam os maiores partidos extintos pelo golpe de 64 e
morreram quando ainda articulavam o retorno às eleições diretas, após
a frustrada tentativa de montagem da Frente Ampla, de oposição ao
regime militar. Jango seria o candidato do PTB, JK concorreria pelo PSD
e Lacerda pela UDN. “Imagino que tenham localizado o hospital e se
organizado para se infiltrar lá e matar meu pai. Assim como há
suspeitas de que trocaram o remédio de Jango, há a hipótese de que
tivessem acompanhado meu pai durante a doença. Ele era um homem
saudável”, recorda Cristina.
A amante de Lacerda reforça. “Não existia nada que pudesse
fazêlo entrar no hospital e sair morto. O País inteiro sabia que Carlos
continuava atento”, diz Maria Cecília, endossando a tese de
assassinato. Quando morreu, Lacerda mantinha o casamento de 40
anos com Letícia, mãe de Cristina, Sebastião e Sérgio. “Minha única
intenção é esclarecer os fatos. Meu pai se sacrificou muito pelo Brasil”,
desabafa Cristina, que descarta, no entanto, apoiar uma possível
exumação do corpo do pai, classificandoa como violência.
Investigação – Um dos aspectos relevantes da fase final da carreira
de Lacerda, segundo Cristina, foi a relação afetuosa com seus
35
arquiinimigos Jango e JK, aos quais procurou para costurar a Frente
Ampla. Lacerda foi cassado em dezembro de 1968 e esperava
recuperar seus direitos políticos em 1978. Os documentos colecionados
por Cristina evidenciam que Lacerda se reaproximava da esquerda.
Golpista radical em 64, ele fora simpatizante do PCB até os 25 anos.
Pouco antes de morrer, segundo Cristina, seu pai passava por uma
crise existencial, com altos e baixos, e tomava remédio para
emagrecer. Os problemas de saúde de Lacerda levam seu filho mais
velho, Sebastião, a acreditar na morte por infecção no coração.
Segundo ele, não há indícios que possam confirmar a hipótese de
atentado. “Meu pai estava com a saúde debilitada”, diz ele.
Ao contrário da morte de Lacerda, que nunca foi objeto de
investigação, o acidente que matou JK foi alvo de dois inquéritos
policiais. Na tarde de 22 de agosto de 1976, um domingo, o
expresidente deixou São Paulo e pegou a via Dutra em direção ao Rio
no Opala dirigido por seu motorista particular Geraldo Ribeiro. Por volta
de 18h, na altura do antigo quilômetro 165, em Resende (RJ), o carro
se desgovernou, cruzou a pista e bateu de frente com uma carreta, que
vinha em sentido contrário. Desde então, começaram as controvérsias.
JK teria sido vítima de um atentado ou foi apenas um acidente comum,
como concluiu a polícia em 1976 e 20 anos depois, quando foi reaberto
o inquérito?
Boato – A família nunca acreditou na versão oficial, de que o carro de
JK teria sido abalroado por um ônibus da Viação Cometa, e, por isso,
teria se desgovernado. Das três mortes, a de JK é a mais misteriosa.
Duas semanas antes do acidente, jornais, rádios e tevês haviam
recebido a notícia de que o expresidente havia morrido,
coincidentemente num desastre de carro.” O boato foi na verdade um
balão de ensaio lançado pelos militares linha dura que queriam testar a
reação do País à morte de JK”, afirmou Serafim Jardim, amigo do
expresidente e autor do livro Juscelino Kubitschek.: onde está a
36
verdade? Ao saber dos boatos, JK comentou com Serafim: “Estão
querendo me
matar, mas ainda não conseguiram.”
São inúmeras as falhas da investigação. Um dos fatos mais
intrigantes é o de que os peritos não incluíram nos dois laudos feitos
sobre o acidente as fotos dos corpos de JK e do motorista “por
recomendação de ordem superior”. “Até hoje essas fotos não
apareceram”, acrescentou Serafim. O amigo do expresidente ressalta
ainda que apenas 9 dos 33 passageiros do ônibus foram ouvidos pela
polícia e nenhum disse que o motorista Josias Nunes de Oliveira teria
batido no carro de JK. O juiz Gilson Vitorino, de Resende, também o
inocentou em sentença que consta do processo.
O segundo laudo do acidente foi assinado pelo perito Sérgio de
Souza Leite, que em 1995 foi demitido do Ins tituto de Criminalística
Carlos Éboli, do Rio de Janeiro, após ter sido alvo de denúncias contra
seus laudos no Ministério Público. O perito aposentado Alberto Carlos
Minas, que foi contratado pelos responsáveis pela reabertura do
inquérito, em 1996, rechaçou as perícias feitas na época da morte do
expresidente. “O ônibus não tocou no carro de JK. Se tivesse batido no
Opala, como a versão oficial sustenta, o ônibus teria atropelado o carro
onde estava Juscelino”, concluiu Minas. Permanece no ar a pergunta: O
que fez o carro de JK se desgovernar?
As investigações passaram longe de um fato importantíssimo,
comprovado por ISTOÉ na semana passada. Pouco antes de morrer, JK
parou por cerca de 40 minutos no Hotel Fazenda Villa Forte, em
Resende. O estabelecimento fica a menos de três quilômetros do local
do acidente e seu dono era o brigadeiro Newton Villa Forte, um dos
criadores do serviço secreto das Forças Armadas, embrião do SNI.
Mesmo tendo ido para a reserva em 1949, o oficial foi ativo no golpe de
37
64, servindo de elo entre generais paulistas e mineiros que marcharam
sobre o Rio a partir da Academia Militar das Agulhas Negras, em
Resende. Seria mera coincidência JK morrer minutos depois de deixar o
hotel de um integrante da comunidade de informações, responsável
pelos frequentes atentados contra os opositores do regime militar?
Perseguições – O brigadeiro Villa Forte morreu em 1981, mas seu
filho Gabriel, 46 anos, um dos atuais donos do hotel, lembra de seus
comentários sobre a passagem de Juscelino. “JK parou aqui para tomar
água ou chá e esticar as pernas nas alamedas”, diz Gabriel. Na versão
de seu pai, o brigadeiro reconheceu o expresidente e foi
cumprimentálo. Segundo Gabriel, o hotel abrigou várias reuniões de
oficiais de alta patente do serviço de inteligência, mas naquele dia não
teria havido reunião. “Meu pai estudou com Castello Branco e deu aulas
ao general João Figueiredo. Golbery esteve várias vezes aqui”, afirma.
O episódio surpreendeu Maristela Kubitschek, filha do expresidente.
“Nunca tinha ouvido esta história do hotel. A comissão é que vai poder
investigar”, disse Maristela, referindose à comissão aberta a pedido do
deputado Paulo Octávio (PFLDF), genro de sua irmã Márcia.
A comissão que investiga a morte de Jango foi pedida pelo
deputado Miro Teixeira (PDTRJ). A história oficial conta que o
expresidente morreu de ataque cardíaco em 6 de dezembro de 1976
em sua fazenda na Argentina. As dúvidas sobre o atestado de óbito –
que fala apenas em enfermidad (doença) – atormentam a viúva Maria
Thereza e os filhos João Vicente e Denise. Maria Thereza, 63 anos,
começou a desconfiar de assassinato em 1982, quando surgiram as
primeiras denúncias.
João Vicente, 43 anos, subsecretário de Agricultura do Estado do
Rio, acredita que o maior indício de que seu pai sofria perseguições foi
a “visita” no início de 1976 de três brasileiros desconhecidos ao
38
escritório de exportação onde Jango trabalhava, na avenida Corrientes,
centro de Buenos Aires. “Um comando como este só não levou Wilson
Ferreira Aldunate (candidato à presidência do Uruguai) porque ele fugiu
de pijamas para a embaixada do México”, relata. João Vicente recebeu
uma carta do pai em maio de 1976, alertando para a tensão em que
vivia: “Há dois dias sequestraram do hotel nossos amigos Michellini e
Gutierrez Ruiz (senador e deputado da Frente Ampla uruguaia,
assassinados). Uma monstruosidade que me leva a pensar em meu
futuro na Argentina.”
A família Goulart, que suspeita ter havido envenenamento ou
troca do remédio para o coração, se recusava a permitir a exumação do
corpo, mas mudou de idéia com as notícias sobre a Operação Condor.
João Vicente alega que antes não existia tecnologia capaz de detectar
com precisão a real causa da morte. “Nossa única condição à exumação
é ter certeza de que serão usadas as técnicas mais eficazes”, exige o
filho de Jango. Maria Thereza conta que nunca tinha lido o atestado de
óbito. “Apenas dobrei o papel e o guardei na gaveta. Só soube pelo
noticiário que o médico argentino escreveu apenas enfermidad. Acho
estranhíssimo não haver um diagnóstico correto.”
3.4. A MORTE DE EMANNUEL BEZERRA DOS SANTOS
Líder da Casa do Estudante e importante dirigente do Partido
Comunista Revolucionário (PCR), Emmanuel Bezerra dos Santos logo
chamou a atenção dos militares em sua luta pela democracia. Por isso,
acabou sendo assassinado pelo Coronel de infantaria Cúrcio Neto
(codinome Doutor Fernando) em meados de 1973.
O expreso político e jornalista Rubens Lemos teve a oportunidade de
conhecêlo antes da tragédia e descreve parte da história desse
corajoso militante político:
39
Do alto da escadaria, no saguão de entrada, lá estava ele: EMMANUEL
BEZERRA. Com sua cara tipicamente interiorana, o líder da Casa do
Estudante falava agitado. As palavras fluíam fáceis e convincentes.
EMMANUEL esgrimia palavras como uma espada de fogo num belo e
comovente discurso contra o regime militar que sufocava as liberdades
do povo. Chamava/conclamava os colegas para ao lado do povo
organizado combater a insanidade repressora patrocinada pelos
"donos do Brasil".
Policiais (pouco disfarçados) faziam plantão, dentro e fora do Atheneu.
Os olhos da Ditadura estavam voltados para aquele jovem nascido em
Caiçara.
Não haveria possibilidade de realização do debate para o qual haviam
me convidado os secundaristas. A música era outra; A voz de
EMMANUEL BEZERRA e, ele próprio, encarnando a resistência contra o
arbítrio.
Muitas vezes, mesmo que rapidamente, mantivemos contato.
EMMANUEL sempre se mantinha íntegro. Coragem e determinação à
flor da pele.
Um dia, a repressão iniciou a caçada sistemática ao jovem líder. Ele,
porém, já estava nos becos da clandestinidade. Transformarase num
guerrilheiro. EMMANUEL, O COMBATENTE.
Em 1970, eu também procurado pela Ditadura, vime obrigado a correr
mundo. Escondido no Rio de Janeiro, pude saber notícias de
EMMANUEL: ele passara a ser um dos principais dirigentes do Partido
Comunista Revolucionário (PCR). Durante esse período, nunca cheguei
a me encontrar com ele.
40
De volta à penitenciária (Colônia Penal "João Chaves") em Natal RN,
ainda completamente massacrado pelas torturas sofridas no DOI
CODI, em Recife PE, eu sabia, apesar de tudo, que EMMANUEL
BEZERRA fora assassinado, junto com Manoel Lisboa.
A informação, obtida nos porões do DOI CODI, era estarrecedora:
EMMANUEL BEZERRA havia sido poucos dias antes da minha chegada
àquele organismo de terror submetido às mais torpes formas de
violência contra o ser humano. Todas elas comandadas, segundo a
informação pelo então Coronel Cúrcio Neto, codinome Doutro
Fernando.
Alguns detalhes macabros: EMMANUEL BEZERRA, enfrentando o
sadismo dos seus algozes, assumiu uma postura da mais alta
dignidade: sabendo de tudo (ou quase tudo), não disse nada, fazendo
relembrar a memorável figura de Jean Moulin, herói da Resistência
Francesa, conforme André Malraux, em seu livro documento ‘Anti
Memórias".
Ensandecidos, os torturadores (teria sido, segundo me
disseram, o próprio "Doutro Fernando"), cortaram a pele de
EMMANUEL à base de tesoura. Sem qualquer assistência ou
acompanhamento médico, sobreveio a gangrena e,
posteriormente, o "tiro de misericórdia" desfechado pelo
Coronel Cúrcio Neto.
O que faço, agora, é repassar o que me foi contado dentro do "círculo
de ferro" do DOI CODI, por fonte (preso político) que, não me parece,
tenha estado sob qualquer suspeita da esquerda revolucionária.
41
O fato: o que restou de EMMANUEL foi localizado em cemitério
clandestino situado a quase 4 mil kms de Recife PE. Em princípio me
causou, no mínimo, estranheza. "Alguém terá mentido?" A reflexão foi
necessária e responsável para o que, hoje, me parece óbvio, em
termos de conclusão: EMMANUEL era dirigente de uma Organização
com profundas raízes (políticos, sociais e ideológicas) Nordestinas.
O grande aparato repressor não poderia facilitar e atuou de forma
profissional: transladase o corpo para uma região, literal e
geograficamente distante e distinta (em termos de valores), e terseá
eliminado ou embaralhado pistas. Uma questão de segurança, de
acordo com a ótica da "comunidade de informação e repressão" então
vigente. Infra estrutura eles sempre tiveram para atingir os objetivos
desejados. Até hoje.
De qualquer maneira, o que sabemos (e sentimos) é que EMMANUEL
BEZERRA foi assassinado brutalmente por um SISTEMA cruel e
desumano.
EMMANUEL BEZERRA morreu como um paladino e paradigma da
liberdade do povo brasileiro. Por isso e para revolta embutida pelos
seus assassinos ele permanece vivo.
3.5. A MORTE DE DAVID CAPRISTANO
O Dirigente do Partido Comunista Brasileiro – PCB David Capistrano da
Costa (19131974) sempre foi atuante na história política de seu País.
Por ter participado do Levante de 1935, perdeu o posto de sargento da
Aeronáutica. Além da expulsão das Forças Armadas em decorrência do
supracitado episódio, foi condenado pelo Estado Novo a nada menos
que 19 (dezenove) anos de prisão.
42
Mesmo diante de sua injusta condenação, David não esmaeceu.
Participou da Guerra Civil Espanhola durante a ocupação nazista e
acabou sendo detido pelos alemães em um campo de concentração,
mas conseguiu ser libertado e retornou ao solo brasileiro.
De volta ao território nacional, foi contemplado com o benefício da
anistia em 1945, e dois anos depois ganhou a eleição para Deputado
Estadual em Pernambuco.
No dia 31 de março de 1964, David Capistrano teve um encontro com
Miguel Arraes, objetivando conseguir armas para resistir ao golpe
militar. Segundo Miguel Arraes, em depoimento a respeito:
"David, que tinha participado de outras lutas, achava
que uma resistência armada devia se dar. Eu fiz ver
a ele que tínhamos de medir as coisas de maneira
mais geral, e que nenhuma dessas possibilidades
poderia ser descartada, mas não poderíamos agir
sem uma coordenação qualquer fora do Estado. Eu
tinha sido encarregado por Jango de fazer um
balanço rápido da situação dos outros Estados, para
uma contraposição ao que estava ocorrendo no Sul.
Somente três governadores apoiavam o Governo:
eu, Seixas Dória e Bagder Silveira. Também não
tínhamos preparação, numa situação em que forças
federais e estaduais não era solidárias ao Governo.
Algumas medidas haviam sido tomadas, mas havia
condicionamento para um tipo de ação. Tínhamos
pouca gente na polícia. E o Palácio do Governo era
indefensável, pois só era apto para batalhas do
século XVII. Para resistir, tínhamos que sair. E para
sair, tínhamos que declarar, e já sair numa posição
43
de força. Falei com Jango, entre o dia 31 de março e
o 1o de abril, e vi que ele não resistiria. Desde a
crise da legalidade, Jango tinha optado por soluções
negociadas.” 8
À época, David Capristano também atuava na política pernambucana
dirigindo os jornais "A Hora" e "Folha do Povo".
No dia do golpe militar, David escondeuse em uma mata próxima,
consoante explicou a Miguel Arraes algum tempo depois, quando do
exílio. Conseguiu, pois, livrarse da prisão. A mesma sorte, contudo,
não tiveram sua esposa, Maria Augusta, e seu filho mais velho, David
Capistrano da Costa Filho, que ficaram presos durante alguns meses,
negando quaisquer acusações.
Em 1971, o PCB ordenou a ida de David Capristano à Tchecoslováquia,
a fim de protegêlo da repressão ditatorial. Lá, redigia, junto com
outros indivíduos, a chamada Revista Internacional. Um ano depois, em
1972, David se encontraria novamente com Miguel Arraes, que saiu de
seu exílio, na Argélia, para rever o dirigente comunista na
Tchecoslováquia. No tocante a esse encontro, esclareceu
posteriormente Miguel Arraes:
"Notei que David ficava calado, só ouvindo, e pelo
que eu conhecia dele, deduzi que estava contrariado,
discordando. Depois que terminaram as
conversações, saí com David, que foi me mostrar a
cidade de Praga. Ele me disse que discordava das
posições colocadas por Giocondo. Não aceitava o tipo
de contemporização que estava sendo empreendida.
8 MELO, Marcelo Mário de. Ditadura militar. Disponível em: <http://www.alepe.pe.gov.br/sistemas/perfil/parlamentares/DavidCapistrano/05.html> Acesso em: 19 de abril de 2012.
44
Achava que as condições internacionais, a exemplo
da luta no Vietnam, mostravam que não haveria
recuo das forças conservadoras no mundo. Também
não achava que se deveria precipitar a luta de
qualquer jeito, mas discutir para preparar uma
resistência mais decidida do que a que era feita
naquela oportunidade. Ele adotava, em grande
medida, as críticas de Marighela, embora discordasse
das soluções propostas por ele. Considerava
Marighela precipitado." 9
Em 1974, David Capistrano avisou à família que decidira enfim retornar
ao Brasil. E de fato o fez. Da Tchecoslováquia, chegou à cidade
uruguaia de Paso de Los Libres, fronteira com Uruguaiana, no Rio
Grande do Sul, onde havia sido montado um esquema da travessia
junto a outros militantes do PCB.
Houve dificuldades em passar David para o lado brasileiro, devido à sua
volumosa bagagem, com catorze quilos somente de livros. Alguns dias
depois, chegou a Uruguaiana um enviado do PCB, José Roman, que
transportaria David Capistrano a São Paulo. Partiram no dia 15 de
março de 1973 e nunca mais se soube a seu respeito de ambos,
provocando uma onda de desespero nos familiares respectivos.
Após o desaparecimento de David, foram continuamente
desaparecendo também outros dirigentes do PCB. Devido a esses
misteriosos desaparecimentos, formouse o Grupo de Familiares de
Presos Políticos, que buscava o apoio da sociedade civil, da OAB e de
outros órgãos que pudessem contribuir para o esclarecimento dos
fatos, mas sem muito êxito.
9 MELO, Marcelo Mário de. Exílio e retorno. Disponível em: <http://www.alepe.pe.gov.br/sistemas/perfil/parlamentares/DavidCapistrano/06.html> Acesso em: 19 de abril de 2012.
45
A revista Veja, na edição de 18 de novembro de 1992, trouxe o
depoimento de Marival Dias Chaves do Canto, exsargento do DOI
Departamento de Operações Internas, relatando a chamada “Operação
Radar”, iniciada em 1973, através da qual o Exército objetivava dizimar
o PCB. Marival elucidou o destino de muitos desaparecidos políticos
brasileiros – entre eles, o de David Capistrano e José Roman, que
teriam sido presos em São Paulo e assassinados e esquartejados em
Petrópolis (Rio de Janeiro), em um centro de tortura do DOI existente
na área. Os restos corpóreos de ambos teriam sido ainda ensacados e
jogados em um rio próximo.
O filho de David Capistrano da Costa, David Capristano da Costa Filho,
percorreu trajetória política ideologicamente semelhante à do pai,
havendo sido também militante do PCB. Seguiu a carreira de médico
sanitarista, liderando uma das mais inovadoras e revolucionárias
experiências políticas na área da saúde. Por sua notória atuação,
ocupou cargos de Secretário de Saúde e, posteriormente, de Prefeito
de Santos (São Paulo), em 1992.
3.6. A MORTE DE JOAQUIM PIRES CERVEIRA
Primo de João Goulart, Joaquim Pires Cerveira ingressou no Partido
Comunista Brasileiro – PCB desde muito cedo. Logo chamou a atenção
dos militares por sua inteligência e coragem, que redundaram em um
fim trágico. Em depoimento publicado no jornal A Nova Democracia,
nº. 67 (julho/2010), Neusah Cerveira explica a verdadeira história do
assassinato do pai, perseguido pela Operação Condor:
Era poliglota e formouse engenheiro em telecomunicações. Não tinha
interesse inicial em seguir a carreira militar, mas o fez com o intento de
sustentar sua família. Era um homem reto, de olhar franco e primava
pela justiça. Foi entusiasta e ativista da campanha O Petróleo é Nosso.
46
Era uma grande liderança entre os sargentos e ferroviários no Paraná.
Sua influência entre os trabalhadores e militares futuramente o
levariam a se candidatar como deputado estadual pelo PTB e depois
elegerse como vereador pelo mesmo partido.
No final dos anos de 1950 meu pai foi convidado para a reunião da
Organização LatinoAmericana de Solidariedade – OLAS. Essa
organização surgiu tendo como centro a revolução cubana e tinha como
objetivo difundir a sua linha, o foquismo, que tinha em Régis Debray
seu principal ideólogo. Ele voltou de lá decidido a aplicar a linha de
revolução de libertação de Cuba.
Nesse período, o major Cerveira já sustentava diversas contradições
com a direção do PCB e decidiu desligarse de seu Comitê Central. Em
1958 chegaram a lhe designar para a direção do comitê regional de São
Paulo afim de que reconsiderasse suas posições, mas não foi o que
aconteceu. Após realizar diversos contatos e travar intenso debate, ele
e um grupo de militantes organizam a Frente de Libertação Nacional.
O golpe
Morávamos em Curitiba. Meu pai viajava muito e a frequência de
estrangeiros em nossa casa era muito grande. Todos os dias havia
reuniões em casa. Quando veio o golpe, meu pai ficou marcado como
líder da resistência, foi preso e julgado, bem como todos os seus
irmãos. Ele era vereador e teve seus direitos políticos cassados por dez
anos.
Depois de solto, permaneceu apenas seis meses em liberdade. Foi
novamente detido, dessa vez com maior brutalidade. Mas dessa vez
permaneceu apenas três dias preso, fugindo da prisão com o auxílio de
sargentos.
47
A clandestinidade
No início de 1968 nossa casa foi novamente invadida. Minha mãe havia
saído com um de meus irmãos para fazer compras e ambos foram
sequestrados em uma ação conjunta da Polícia Federal, Exército e
Cenimar. Os militares invadiram nossa casa e eu fugi com meu irmão
mais novo. Os militares disseram que só libertariam minha mãe quando
meu pai se apresentasse. Meu pai estava em Curitiba reorganizando a
FLN.
Enquanto minha mãe e meu irmão eram torturados pelos militares,
meu pai anunciou que estava com a esposa de um coronel e só a
libertaria se minha mãe e meu irmão fossem libertados, caso contrário,
a mataria. Somente assim libertaram os dois.
Com o apoio de companheiros, a família deslocouse para São Paulo e
de lá para o Rio de Janeiro. Passamos todos à clandestinidade, vivendo
em aparelhos (1). Minha mãe não aceitou ir para Cuba. Nessa época
meu pai mantinha contatos e fazia ações conjuntas com o Lamarca,
então comandante da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR. A VPR
preparou, em conjunto com a FLN, o sequestro do embaixador alemão
Von Holleben. A FLN tinha como tarefa a logística e a segurança da
operação. Dias antes do sequestro, um membro da VPR caiu e revelou
as informações sobre meu pai.
Uma operação para tirar minha família do Brasil foi montada. Mas
quando tudo estava pronto, o carro que levava minha mãe e meus
irmãos foi cercado.
Era abril de 1970. Todos foram levados para o DOICODI e torturados.
Meu pai estava preso em uma cela solitária e minha mãe foi colocada
na sala das "mulheres perigosas". Eu, a única em liberdade, fui deixada
48
em uma igreja em Copacabana, onde seria apanhada. Sem saber da
prisão da minha mãe e irmãos, fiquei um dia inteiro esperando. O
padre estranhou minha demora e eu pensei que ele fizesse parte do
apoio. Contei tudo a ele, que foi para a sacristia. Cheguei mais perto e
ouvi que ele dava com a língua nos dentes sobre mim. Saí correndo e
cheguei até o Arpoador, quando senti que alguém me tocava os
ombros. Me assustei, mas eram novos companheiros do meu pai, que
me levaram para um local seguro.
[Somente depois Neusah saberia que o casal de companheiros com
quem estava eram Carlos Lamarca e Iara Iavelberg, dirigentes da VPR.
Dando continuidade aos planos de sequestrar o embaixador alemão e
trocálo por presos políticos do regime militarfascista, Lamarca incluiu
o nome do Major Cerveira entre os prisioneiros a serem libertados e
enviados ao exílio na Europa.
Após esses acontecimentos, a esposa, (Maria de Lourdes Cerveira) do
Major Cerveira foi solta e durante quatro anos teve que ir
periodicamente ao quartel assinar papéis e prestar informações sobre
suas ocupações. Cerveira foi banido e demitido do exército.]
Luta sem fronteiras
[Neusah e seu pai só foram se reencontrar na França. De lá foram para
Cuba, Argélia e finalmente, no final de 1970, para o Chile, logo após a
vitória de Salvador Allende nas eleições presidenciais.]
Ele trabalhava junto ao Ministério das Telecomunicações. Frequentava
a casa de Allende. Meu pai viajava o tempo todo, ampliando seus
contatos, planejando ações. Era o responsável por uma gráfica
clandestina da FLN.
49
[Quando do golpe militar de Pinochet em 1973, o Major Cerveira ficou
no palácio e resistiu aos ataques e bombardeios, saindo de lá apenas
quando se feriu. Na sua saída do Chile, ele foi ajudado pelos mapuches
e pelo povo andino, com quem mantinha contatos. Ele e mais 15
companheiros conseguiram se retirar de forma heroica. Após uma curta
passagem por Cuba, Cerveira foi para a Argentina. Reagrupando
companheiros brasileiros e de outros países da América Latina,
construíram a Frente de Esquerda Revolucionária.]
A Frente realizou pelo menos uma ação de maior envergadura na
Argentina e atribuem a ela a morte de meu pai.
A última vez que conversamos foi antes de Allende ser deposto. Um
amigo havia sido morto e perguntei porque não íamos embora. Ele
respondeu: "porque somos internacionalistas". Me recordo que na
última vez que estivemos na casa de Allende, meu pai defendia a
necessidade de armar o povo. Nos separamos na região fronteiriça, já
no Uruguai. Ele me disse que devia lutar por meus ideais.
Nas garras da Condor
[A ação da Frente levada a cabo na Argentina tratouse do
justiçamento de um general. Cerveira foi entregue aos órgãos de
repressão através de um agente infiltrado. Era um militante próximo do
major, comprado pela Operação Condor].
Cerveira foi sequestrado às 18hs do dia 5 de dezembro de 1973 com
outro companheiro, João Batista de Rita Pereda. Antes de ser preso, ele
foi atropelado por uma equipe que, segundo relatos de testemunhas,
era comandada pelo torturador Sérgio Paranhos Fleury. Depois de
atropelado o puseram em uma ambulância. Um avião fretado o levou
de Buenos Aires ao Galeão, no Rio de Janeiro.
Cerveira e Rita Pereda passaram um dia no DOICODI no Rio. Rita
50
Pereda ficou no Rio e o Major Cerveira foi levado para o Paraná. Lá ele
foi brutalmente torturado e teve os olhos vazados. Em São Paulo, foi
novamente torturado sob as ordens do então coronel Brilhante Ustra.
O próprio Brilhante Ustra, agora general reformado, reconheceu que
meu pai foi preso e torturado em uma entrevista concedida a mim. Esta
entrevista foi reconhecida por ele, tem sua assinatura e está anexada à
minha tese de doutorado – detalha Neusah.
[Neusah iniciou um grande movimento de denúncias, acionou a Anistia
Internacional e a ONU. Um preso político testemunhou ter visto o Major
Cerveira nas dependências do quartel.]
Mas não conseguimos legalizar sua prisão. Mesmo ele tendo sido
reconhecido pelo capelão Major Barroso, que confirmou a sua prisão
em São Paulo. Os militares começaram a me seguir e a perseguir meus
familiares. Recebemos um "recado" de que devíamos sair de São Paulo.
Estava tudo perdido.
Uma militante presa na ocasião disse que viu meu pai muito maltratado
em uma acareação, ela disse que na madrugada do dia 13 de janeiro
de 1974 ele chegou em uma ambulância com o Ustra. Durante as
torturas, em um determinado momento o Ustra, que comandava as
seções de sevícias, deu um chute no rosto do meu pai já desacordado e
gritou: "esse não fala nada".
Essa é a marca que fica gravada da retidão, firmeza e dignidade do
meu pai. Assim que ele e o Rita Pereda foram presos, as quedas de
companheiros pararam imediatamente. Ninguém da Frente caiu mais
na Argentina ou em outros países. Eles não entregaram nada nem
ninguém.
51
3.7 O CASO EDMUR PÉRICLES CAMARGO
Cumpre ainda destacar, dentre outras atrocidades imputadas aos
integrantes da Operação Condor, o caso Edmur Péricles Camargo.
Em 1970, o jornalista foi preso em Porto Alegre (RS), acusado de
assalto a bancos e do assassinato ao fazendeiro José Gonçalves
Conceição, três anos antes.
Contudo, em Janeiro de 1971, foi libertado e banido do Brasil junto
com outros 69 militantes em troca do embaixador suíço Giovanni
Bucher. Camargo resolveu, então, ir para o Chile, mas alguns meses
depois teria deixado o País para realizar um tratamento oftalmológico
no Uruguai. Seu vôo ChileUruguai fez escala em Buenos Aires
(Argentina), local onde foi novamente capturado.
Relatório secreto realizado pela Embaixada do Brasil no Uruguai detalha
o seqüestro em Buenos Aires (17 de maio de 1971, 3h da manhã) e a
transferência ilegal para o Rio de Janeiro através da FAB – Força Aérea
Brasileira (17 de maio de 1971, 6h da manhã) desse militante de
esquerda armada. À época, Edmur contava com 57 anos, sendo afiliado
ao PCB – Partido Comunista Brasileiro e à organização M3G – Marx,
Mao, Marighella e Guevara.
De acordo com Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos
Humanos do Rio Grande do Sul, “o relatório é um raro registro oficial
de uma operação clandestina da ditadura brasileira no exterior”.
Reportagem publicada na Folha de São Paulo (novembro/2011) afirma
ainda que:
52
Os brasileiros já vinham monitorando o caso e
pediram um avião da FAB (Força Aérea Brasileira)
que chegou a Buenos Aires às 3h do dia 17 de maio.
Camargo foi embarcado às 6h e levado ao aeroporto
do Galeão, no Rio.
Documento citado no Correio Brasiliense em 2007
diz que Camargo foi preso graças a informações do
Centro de Informações do Exterior.
O relatório obtido pelo “Página 12” confirma que um
agente do Itamaraty que trabalha em Montevidéu foi
antes a Buenos Aires e alertou as autoridades
argentinas sobre a chegada de Camargo.
A descrição dos horários de chegada e saída do avião
da FAB [...] poderia ser usada pela Comissão da
Verdade para determinar as pessoas envolvidas no
seqüestro. 10
10 VALENTE, Rubens. In: Brasileiro foi seqüestrado na Argentina na ditadura. Folha de São Paulo, 19 de novembro de 2011.
53
4. O SEQUESTRO DOS URUGUAIOS:
COMPROVAÇÃO DA REAL EXISTÊNCIA DA OPERAÇÃO CONDOR
Comumente, o episódio conhecido como o “Sequestro dos Uruguaios” é
considerado o acontecimento de maior repercussão em nível
internacional relativamente à Operação Condor. Resultou de uma
aliança entre as ditaduras uruguaia e brasileira em meados de
novembro de 1978.
Durante o incidente em comento, alguns oficiais do exército uruguaio
viajaram de modo clandestino para Porto Alegre (RGS), onde
sequestraram Universindo Rodríguez Diaz e Lilian Celiberti (além de
seus dois filhos), por serem militantes da oposição política uruguaia.
Ressaltese que o referido seqüestro desfrutou da conivência do regime
militar brasileiro.
A operação, contudo, falhou devido a um telefonema anônimo. Um
jornalista e um fotógrafo foram ao local de realização do crime (o
apartamento do casal em Porto Alegre RGS), onde, recebidos por
oficiais armados que acreditaram serem ambos companheiros deles,
mostraram Lílian Celiberti presa. Desafortunadamente, seu marido e
filhos haviam sido transferidos de forma ilegal para o Uruguai pouco
antes. Com a chegada dos repórteres, Lílian também foi
apressadamente transferida para o Uruguai.
Cerca de dois anos após o sucedido, em 1980, descobriuse quem
tinham sido os delinqüentes responsáveis por manter presos Lílian e os
jornalistas em Porto Alegre: tratavase nada menos do que dois
inspetores do Departamento de Ordem Política e Social – DOPS, João
Augusto da Rosa e Orandir Portassi Lucas. Ambos foram condenados
54
pelo Poder Judiciário nacional. Desta feita, restava comprovada a
participação do governo brasileiro na Operação Condor.
Uma década depois, em 1991, o Governo do Rio Grande do Sul
reconheceu oficialmente o sequestro de Universindo Rodríguez Diaz,
Lilian Celiberti e seus dois filhos através do denominado “Sequestro dos
Uruguaios” e os indenizou, fato que incentivou o Uruguai a fazer o
mesmo logo em seguida.
Portanto, viável afirmar que os únicos sobreviventes e oficialmente
reconhecidos por terem experimentado os efeitos da Operação Condor
são o supramencionado casal, junto com as suas duas crianças.
5. A MATRIZ VERDEAMARELA DA OPERAÇÃO CONDOR
Nilson Mariano, no livro As Garras do Condor assim pontifica:
“A população brasileira ignorava os focos de guerrilhas, as
torturas, as prisões arbitrárias, os assassinatos, os exílios. Não
sabia dos subterrâneos encharcados de sangue. O governo de
Emílio Médici foi insuperável na propaganda e na dissimulação da
realidade. Isolou e desacreditou os grupos de esquerda,
bombardeandoos, pelo rádio e pela televisão, com alertas de que
eram terroristas interessados em vender o país a comunistas
estrangeiros. Ao mesmo tempo, oferecia o “milagre econômico”.
Os ricos andavam de Dodge Dart e bebiam o uísque escocês
Ballantines’s, enquanto a classe média comprava a casa própria
pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) a prestações mensais.
OS pobres eram levados a acreditar que deveriam esperar o “bolo
crescer”, para então ganhar fatias de prosperidade. O ufanismo
55
aumentou quando a seleção de futebol conquistou o
tricampeonato no México, em 1970. Médici recepcionou os heróis
do Tri, ergueu a taça Jules Rimet, arriscou umas embaixadas com
a bola. As rádios tocavam sem parar “pra frente Brasil, do meu
coração...”.
O controle do país foi garantido pela Lei de Imprensa (1967), pelo
Ato Institucional Número 5 (o AI5, de 1968, que fechou o
Congresso Nacional, decretou intervenção nos estados e
municípios e conferiu poderes absolutos) e pela Lei de Segurança
Nacional (1969). A serviço do governo, as televisões exibiam
lemas do tipo “Brasil, ameo ou deixeo”. Quem discordasse
sofria a pena de banimento (proibição de morar no país durante
certo tempo, o que equivalia a um exílio forçado). O banimento
não está previsto na Constituição, mas a ditadura baixou atos
institucionais para expulsar os indesejáveis.
A população desconhecia que o Brasil se associara à Operação
Condor. Eram secretas as viagens ao Paraguai do então chefe do
Serviço Nacional de Informações (SNI), General João Figueiredo,
para dar palestras sobre segurança nacional. Era clandestina a
colaboração brasileira com as polícias secretas do Cone Sul para
espionagens conjuntas, pedidos de captura e troca de
prisioneiros.
A performance da ditadura na Operação Condor teria sido menos
ativa, na comparação com os outros sócios. Documentos
divulgados pelo Departamento de Estado dos EUA, referentes à
CIA, revelaram que o Brasil teria aderido apenas à fase inicial da
aliança terrorista, aquela da formação do banco de dados sobre
“comunistas e subversivos” e do intercâmbio de informações. Os
generais brasileiros, na avaliação dos EUA, não quiseram integrar
56
os esquadrões para caçar inimigos políticos além das fronteiras
da América do Sul. No início de 1976, um agente da CIA baseado
no Brasil relatou a situação para Washington:
Apesar de o Brasil ter aderido ao acordo original entre a
Argentina, o Uruguai, o Chile, a Bolívia e o Paraguai para
trocar informações sobre terrorismo e subversão,ele ainda
não havia concordado em participar de ações da Operação
Condorna Europa, e limitaria sua contribuição até então ao
provisionamento de equipamentos de comunicação para o
Condortel, a rede de comunicações estabelecida pelos
países do Condor [...].
Um outro documento do Departamento de Estado dos EUA, de
outubro de 1976, reafirmou que o Brasil continuava reticente em
participar dos comandos condor de extermínio. Na época, os
militares estavam afrouxando a repressão no país. Um trecho do
informe norteamericano: ”Brasil e Bolívia estão começando a
participar, mas têm reservas por uma ou outra razão. O ímpeto
original para cooperação entre os países do Cone Sul
provavelmente veio do Chile [...]”.
O inegável foi que o Brasil atuou fora de fronteiras. Militantes
políticos brasileiros foram mortos no Chile e na Argentina. Na
dança de cadáveres, seis argentinos desapareceram depois de
sequestrados em território brasileiro.
Em 1999, o juiz federal argentino Cláudio Bonádio enviou carta
rogatória à Justiça do Brasil, pedindo informações sobre os
seqüestrados de Lorenzo Ismael Viñas, Horacio Domingo
Campiglia e Monica Susana de Binstock, ocorridos em 1980, no
Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Os outros três
desaparecidos argentinos já haviam sido reconhecidos (ver o
57
capítulo referente à Argentina). Na carta rogatória, o juiz
argentino perguntou:
Se existiu o “Plano Condor”, destinado à perseguição de
opositores políticos ais regimes militares imperantes na América
do Sul, nas décadas de 70 e 80.
Em caso positivo, se eram permitidos atos além das fronteiras
dos países acordados.
Se houve atos concretos na fronteira BrasilArgentina (sobretudo
em Paso de los LibresUruguaiana) e no aeroporto do Rio de
Janeiro.
Sobre as detenções sofridas por Horacio Domingo Campiglia,
Monica Susana de Binstock e Lorenzo Ismael Viñas no território
do Brasil.
O pedido do Juiz Bonadío foi originado pelo depoimento do
presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH),
Jais Krischke, que apresentou a lista dos comandantes da cadeia de
repressão nos Estados onde ocorreram os sequestros dos três
argentinos. No Rio de Janeiro, eram o General Euclydes Figueiredo
Filho (Comandante do I Exército e irmão do expresidente João
Figueiredo), o Coronel Agnello de Araújo Britto (Superintendente da
Polícia Federal) e o General Edmundo Murgel (Secretário Estadual de
Segurança Pública). No Rio Grande do Sul, General Antônio Bandeira
(comandante do III Exército), Coronel João Leivas Job (Secretário
de Segurança Pública), Coronel Luiz Macksen de Castro Rodrigues
(Superintendente da Polícia Federal), Delegado de Polícia Marco
Aurélio da Silva Reis (Diretor do Dops), Major Átila Rohrsetzer
(Chefe da Divisão Central de Informações DCI) e Coronel Carlos
Alberto Ponzi (Chefe Regional do Serviço Nacional de Informações –
SNI). Coordenando todos, o Chefe do SNI no país, General Octávio
Medeiros.
58
A iniciativa da justiça argentina causou alvoroço e revelações. Numa
entrevista ao repórter José Mitchell, do Jornal do Brasil,o Coronel
Carlos Alberto Ponzi (exchefe do SNI no Rio Grande do Sul)
confirmou que as polícias do Cone Sul fizeram “convênios” para
troca de informações e pedidos de captura. O depoimento do
coronel:
Foi uma guerra suja e feroz nos dois lados. As esquerdas
se uniram e atuavam de forma internacional nos nossos
países. Cuba mandava dinheiro para financiar a guerrilha,
havia campos de treinamento e ataques da esquerda no
país. Então, não deveríamos nos defender?
Especificamente sobre a Operação Condor, o Coronel Ponzi dise o
seguinte ao repórter do JB:
Esta questão da área internacional era mais da agência
central do SNI, não das agências regionais. Era mais de
Brasília. Mas estes convênios, esta troca de informações
era conhecida por todo mundo [...]. Eles queriam
implantar uma outra ideologia em nossos países e
derrubar os governos. Deveríamos, então, permitir a
entrada deles no nosso e nos outros países?
O pedido da Justiça argentina foi encaminhado para atendimento. O
Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o cumprimento da carta
rogatória. O governo federal mandou abrir arquivos. A resposta oficial
foi de que não havia provas e documentos sobre a cooperação entre os
países.
Mas os familiares dos desaparecidos argentinos não desistiram.
Depositaram as esperanças na Justiça da Itália, que abriu
investigações, em 1999, sobre as vítimas com descendência italiana
59
(casos de Horacio Campiglia e Lorenzo Viñas, sumidos no Brasil). O
procurador italiano Giancarlo Capaldo apurava o envolvimento de 50
autoridades do Chile, da Argentina e do Brasil nos crimes. Os acusados
brasileiros eram os mesmos que foram citados pelo juiz argentino
Bonádio, incluindo o exPresidente João Figueiredo (morto depois de
iniciado o processo). Não havia previsão sobre o desenrolar da ação na
Itália.
A influência brasileira sobre os vizinhos armados ocorreu a partir do
golpe de1964. A ditadura paraguaia começou 10anos antes, mas foi o
Brasil o grande preceptor na América do Sul, por ter aplicado e melhor
entendido a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) como fórmula de
reger os destinos da nação. Inspirado nos Estados Unidos, que criaram
a DSN depois da II Guerra Mundial, o Brasil adotou o modelo à
perfeição. Em 1949, fundou a Escla Superior de Guerra (ESG), para
imitar o National War College de Washington. Chefes militares
acreditavam que a Guerra Fria também afetava o país.
Internamente, como vigorava a censura aos meios de comunicação, a
ditadura só divulgava o que interessava à contrapropaganda
psicológica. Seguidamente os jornais estampavam anúncios, com
fotografias: “Estes terroristas são procurados”. As conflagrações, como
a guerrilha no Araguaia, eram ocultadas. De 1972 até 1974, as Forças
Armadas mobilizaram milhares de soldados (foram 3,2 mil somente no
primeiro dos três ataques) na região do Araguaia (Estado do Pará),
para desmantelar a guerrilha do Partido Comunista do Brasil (PC do B).
Foram mortos pelo menos 58 guerrilheiros, a quase totalidade dos que
havia se embrenhado na selva a partir de 1966, tentando obter o apoio
de camponeses para sublevar o país com o “exército popular”. Dezenas
de moradores foram presos e torturados, pela simples suspeita de
terem colaborado.
60
A ditadura brasileira montou uma poderosa máquina de repressão para
eliminar cerca de 40 grupos e facções de esquerda. A maioria tinha
origens no Partido Cominista Brasileiro (PCB), fundado em 1922, sob
inspiração da Revolução Russa de 1917. As organizações que
despontaram:
A Aliança Libertadora Nacional (ALN), liderada pelo exPCB
Carlos Marighella, morto em novembro de 1969, em São
Paulo. A ALN e o MR8 (Movimento Revolucionário 8 de
Outubro) ficaram conhecidos internacionalmente quando
sequestraram o embaixador norteamericano Charles Burke
Elbrick, em setembro de 1969.
A VPR, do Capitão Carlos Lamarca, assumiu a autoria do
sequestro de três diplomatas estrangeiros (Japão, Alemanha e
Suíça) no Brasil, para forçar o governo militar a libertar
prisioneiros políticos.
Também fustigaram a ditadura, na linha de frente, o PC do B,
a VARPalmares (Vanguarda Armada Revolucionária –
Palmares),o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), o
Comando de Libertação Nacional (Colina), o Partido Operário
Revolucionário Trotskysta (port), o Molipo de Jane Vanini e
outros.
A partir de 1969, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica reforçaram os
Departamentos de Ordem Política e Social (Dops). Os militares
passaram a atuar pelos DOIs (Departamentos de Operações Internas) e
Codis (Centros de Operações de Defesa Interna). Foi criada a Operação
Bandeirantes (Oban), em São Paulo, para unificar as ações.
Paralelamente, havia intensa propaganda para realçar as realizações do
governo e acobertar a convulsão interna. O próprio Presidente Médici
definiu, numa declaração de março de 1973, o clima de alheamento
reinante no país:
61
Sintome feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para
assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves,
agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o
Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu
tomasse um tranqüilizante, após um dia de trabalho.
O governo brasileiro decidiu reconhecer e indenizar as vítimas da
chamada guerra suja. Em 1995, foi criada a Comissão Especial de
Mortos e Desaparecidos Políticos, pela Lei 9.140. Cada família atingida
estava recebendo em torno de R$ 100 mil a título de reparação. Os
familiares queriam a investigação dos crimes e a punição dos culpados,
mas o governo negou, alegando que a Lei de Anistia (1979) impedia
eventuais julgamentos.
5.1 A Ajuda do Brasil ao Chile de Pinochet
O Jornal Folha de São Paulo do dia 12 de dezembro de 2011 traz uma
matéria com o seguinte teor:
“O Brasil forneceu um amplo suporte econômico e diplomático aos
primeiros anos da ditadura do general Augusto Pinochet no Chile.
É o que revela uma série de 266 telegramas confidenciais produzidos
por diplomatas brasileiros entre 1973 e 1976.
Os telegramas sigilosos foram enviados e recebidos pela Embaixada do
Brasil em Santiago do Chile e liberados pelo Itamaraty à Folha, que os
divulga no site do projeto “Folha Transparência”.
Os documentos indicam que a ajuda brasileira veio logo após o golpe
liderado por Pinochet (19152006) em 11 de setembro de 1973.
62
Em novembro daquele ano, o Brasil, também, governado por um
ditador, Emílio Médici (19051985), liberou US$ 50 milhões ao Banco
Central chileno para estimular exportações.
O socorro veio a pedido do Chile, que disse, por meio da chancelaria,
se encontrar em “grave situação”.
O Brasil abriu linhas de financiamento na Cacex, a Carteira de Crédito
para Exportação do Banco do Brasil, para empresários interessados em
vender para o Chile, estimulou a venda de açúcar, ônibus, caminhões e
fragatas e acelerou a aquisição de cobre das jazidas chilenas.
De tal forma que passou, em 1976, ao posto de maior comprador
externo de cobre desbancando a Alemanha. “É momento de
concentrarmos aqui nossas compras de cobre. Isso nos dará aqui uma
influência e uma expressão desvinculadas de quem governe o país”,
orientou o embaixador brasileiro.
No campo diplomático, o Brasil, a pedido da Junta Militar Chilena,
ocupou o status oficial de “protetor dos interesses do Chile” no México,
na Polônia e na Iugoslávia.
Como esses países condenaram o golpe chileno, O Brasil assumiu a
tarefa de representar o regime de Pinochet desde negociar a chegada
de presos políticos a quitar compromissos do serviço diplomático.
5.2 Troca de Favores
Os Telegramas também revelam o socorro que o Brasil deu ao Chile
durante discussões na Organização dos Estados Americanos a propósito
da situação dos direitos humanos no Chile – relatório de agosto contou
3.225 mortos ou desaparecidos políticos. Nos foros internacionais, a
63
diplomacia brasileira se absteve ou votou com o Chile em resoluções
que pudesses constranger Pinochet.
“O projeto inicial bastante forte de moção condenatória do governo
chileno foi ‘aguado’ por iniciativa das delegações brasileira e
argentina”, diz um telegrama de 1975 sobre sessão no Parlamento
LatinoAmericano.
Em contrapartida, Chile apoiou inúmeros candidatos brasileiros a
cargos em organismos internacionais.
Os telegramas descrevem ainda como o Brasil operou para financiar
aquisição, pelo Chile, de um sistema completo de comunicações para a
Interpol do Chile, cujo objetivo é capturar foragidos da Justiça de
outros países.
Documentos liberados pelos EUA dizem que uma das principais
ajudas do Brasil à Operação Condor, um plano dos países
latinoamericanos para eliminar opositores políticos, foi montar
uma rede de telecomunicações.”
6. JUSTIÇA ESPANHOLA
No livro As Garras do Condor, Nilson Mariano nos relata:
“A Operação Condor despertou a atenção do mundo em 16 de
outubro de 1998, quando o ditador chileno Augusto Pinochet foi
detido em Londres, a pedido da Justiça da Espanha. Pinochet
realizava na Inglaterra tratamento médico de uma hérnia.
Imaginavase um estadista em visita a um país amigo. Para o juiz
64
espanhol Baltasar Garzón, era um criminoso contra a
humanidade.
Os países do Cone Sul, encerrado o período autoritário, ficaram
amarrados a leis de ponto final e anistia, que mandavam
esquecer o passado e perdoar os comandantes do genocídio
político. Mesmo que o pêndulo do destino voltasse a convergir
para o lado luminoso da História, as democracias continuavam
fragilizadas. Era penoso conciliar o luto dos familiares das
vítimas, enquanto torturadores caminhavam livremente pelas
ruas. O alento por justiça veio do Exterior. Movido pela
constatação de que aproximadamente 700 espanhóis (o número
oscilava de acordo com o avanço das investigações) foram
eliminados no Chile e na Argentina, Baltasar Garzón abriu
processo contra os ditadores. Pinochet, em especial, por ter sido
o mentor da Operação Condor.
O Juizado Número 5 da Audiência Nacional de Madri acusou
Pinochet de organizar a multinacional do terror, em associação a
outros regimes da força da América do Sul. Garzón sustentou que
a Operação Condor foi criada para “viabilizar a repressão violenta
contra as vítimas” além das fronteiras, consolidar os objetivos
“políticoeconômicos” das ditaduras e “instaurar o terror” entre as
populações. O que disse o magistrado:
[...] é uma organização delitiva, apoiada nas próprias
estruturas institucionais, cuja única finalizade será
conspirar, desenvolver e executar um plano criminoso
sistemático de detenções ilegais, sequestros, torturas
seguidas de morte, expulsões de milhares de pessoas e
desaparições seletivas [...].
65
Augusto Pinochet acabou não sendo extraditado para a Espanha,
escapou de sentar no banco dos réus. Além das injunções diplomáticas,
argumentouse que não teria condições físicas nem mentais de
suportar o julgamento. A imagem era de um idoso enroscado na
cadeira de rodas, bengala ortopédica à mão, rosto pendente e
demonstrando alheamento.
Ao desembargador no Chile, em 3 de março de 2000, Pinochet
transfigurouse. Tão logo pisou em solo pátrio, levantouse da cadeira
de rodas, caminhou por conta própria, abraçou familiares, acenou para
amigos. Emblematicamente, recebeu o primeiro cumprimento do
Comandantechefe do Exército, Ricardo Izurieta, cercado por “boinas
negras”, a tropa de elite.
Os 503 dias da prisão Pinochet indicaram que o manto da impunidade
encurtara. A Justiça do Chile, encorajada pelo exemplo da Espanha e
pela transição democrática no país, abriu processo contra o exditador,
Ele perdeu a imunidade que havia se autoconcedido como senador
vitalício. O Juiz Juan Guzmpan Tapia chegou a ordenar a prisão
domiciliar de Pinochet. Mas o julgamento não se consumou, a Suprema
Corte decidiu que o réu não tinha condições de saúde.
O mesmo Baltasar Garzón se voltou contra os outros tiranos do Cone
Sul. Indiciou 98militares e policiais da Argentina, inclusive o General
Jorge Rafael Videla, comandante da primeira junta de governo, por
crimes de lesahumanidade. Se viajassem para o Exterior, poderiam
ser detidos, como ocorreu a Pinochet. Garzón também quis interrogar
95 militares uruguaios, mas esbarrou na falta de autorização do
governo do Uruguai.
O autor deste livro conversou com Baltasar Garzón, em maio de 2001.
Alegando razões éticas de juiz, ele disse que não poderia se manifestar
66
sobre os intentos de julgar ditadores do Cone Sul. No entanto,
respondeu a uma pergunta, sobre a possibilidade de os países
sulamericanos conseguirem punir crimes de tortura, genocídio e
terrorismo:
É difícil que um país, qualquer que seja, tenha a possibilidade de
julgar esses tipos de crimes quando ainda está vivo o regime político
que permitiu os mesmos. Agora, quando termina essa situação, abrese
a possibilidade de fazêlo. Se o novo sistema jurídico e político
garantem o princípio de independência e imparcialidade dos juízes,
essas possibilidades se tornam mais concretas.”
Recentemente, em 17 de janeiro de 2012, Baltasar Garzón foi a
julgamento na Suprema Corte da Espanha acusado de extrapolar os
limites de sua jurisdição. A ação contestava o modo pelo qual o juiz
conduziu uma investigação de corrupção doméstica, já que emitiu
ordens para o uso de grampos telefônicos a fim de descobrir o teor das
conversas entre três acusados e seus respectivos advogados no interior
de uma prisão.
O juiz espanhol, considerado uma espécie de herói dos direitos
humanos internacionais desde que realizou o indiciamento do
exditador chileno Augusto Pinochet, tentou, através de sua defesa,
realizar uma série de manobras processuais objetivando evitar a
condenação.
Segundo o Jornal de Commercio, em reportagem publicada no dia
posterior ao julgamento de Baltasar Garzón:
O caso de corrupção está centrado em uma rede de
homens de negócios que são acusados de pagar
membros do conservador Partido Popular – agora no
poder no governo central – em troca de lucrativos
67
contratos do governo nas regiões de Madri e
Valência. Garzón argumentou que ordenou os
grampos em 2008 por achar que as pessoas que
estavam visitando os dois principais suspeitos no
caso de corrupção estavam agindo como correios
para receber instruções sobre lavagem de dinheiro.
Se for condenado, ele poderá enfrentar uma
sentença máxima de afastamento da banca por 17
anos. Ele está com 56 anos, e os juízes na Espanha
costumam se aposentar aos 70. 11
7. JUSTIÇA ITALIANA
Existem documentos que comprovam que o procurador Giancarlo
Capaldo, magistrado italiano, investigou a ação de militares argentinos
paraguaios, chilenos e brasileiros que torturaram e assassinaram
cidadãos italianos na época das ditaduras militares da América Latina.
Capaldo conduziu inclusive um processo contra o general do exército
chileno Augusto Pinochet devido ao desaparecimento em Santiago de
vários cidadãos ítalochilenos.
No caso de acusados brasileiros de assassinato, sequestros e torturas,
havia uma lista com o nome de onze brasileiros além de muitos
militares de altas patentes dos outros países envolvidos na operação.
Segundo as palavras do Magistrado, em 26 de outubro de 2000, "[...]
Nada posso confirmar nem desmentir porque até dezembro militares
11 Juiz Garzón no banco dos réus. Jornal do Commercio, 18 de janeiro de 2012.
68
argentinos, brasileiros, paraguaios e chilenos serão submetidos a
julgamento penal [...]”
Ainda em dezembro de 2000, a Justiça italiana iniciou o julgamento
dos onze brasileiros, todos militares e policiais. Eram acusados pelo
desaparecimento de três argentinos descendentes de italianos. Os
brasileiros eram atuantes da Operação Condor. Por segredo de justiça,
os resultados dos julgamentos e as punições dos criminosos, se houve,
não foram noticiados. Em dezembro de 2007 foram decretadas por
autoridades italianas, prisões preventivas de diversos envolvidos, entre
eles os já falecidos João Figueiredo (expresidente) e Octavio Medeiros
(exchefe do SNI).
Recentemente, no início de 2012, o mesmo procurador Giancarlo
Capaldo, argumentando que a Lei de Anistia brasileira não têm vigência
no território italiano,
“[...] abriu processo contra 146 militantes
sulamericanos envolvidos no desaparecimento de
25 cidadãos italianos no âmbito da Operação
Condor. Entre eles, 13 brasileiros envolvidos no
seqüestro de dois ítaloargentinos.
Seis dos acusados, inclusive o então ditador João
Figueiredo, já faleceram, mas os demais terão de
suportar o constrangimento do julgamento e possível
condenação. Entre eles, o coronel Carlos Alberto
Ponzi, alvo de recente protesto em Porto Alegre, que
chefiava o SNI gaúcho em 16 de junho de 1980,
quando Lorenzo Ismael Viñas foi raptado em
Uruguaiana.” 12
12 Caça aos algozes da Condor. Revista Carta Capital, 18 de abril de 2012.
69
Tais brasileiros podem ser os primeiros a serem condenados em virtude
da Operação Condor. Apesar disso, em havendo a condenação, é
bastante improvável que o Brasil aceite extraditálo, tendo em vista
inclusive as disposições constitucionais contrárias a tal pretensão.
Inegável, constatar, n’outra senda, que o julgamento em questão pode
ajudar a esclarecer uma série de fatos até então obscuros, propiciando
uma profícua interação com as investigações a serem realizadas pela
Comissão da Verdade Brasileira.
70
8.DECISÕES JUDICIAIS
DAS JUSTIÇAS DA ARGENTINA E DO CHILE
8.1. ARGENTINA
Em julho de 2001, foi decretada a prisão preventiva do exditador
argentino Jorge Rafael Videla (que governou o País de 1976 a 1981),
acusado de envolvimento na Operação Condor, tendo praticado
supostamente os crimes de formação de quadrilha, privação ilegal de
liberdade e tortura.
O processo havia sido aberto há cerca de dois anos e meio atrás,
sendo resultante da denúncia de parentes de Cristina Carreño Arraya
(chilena) e Simon Riquelo (uruguaios), seqüestrados em julho de 1978
e desaparecidos desde essa época.
Videla foi o primeiro expresidente dos países latinoamericanos
participantes da Operação em lume cuja prisão foi efetivamente
realizada por causa dela. O magistrado que ordenou a prisão de Videla
mandou embargar ainda US$ 1 milhão em bens seus.
Os crimes cometidos pelo expresidente prevêem 5 (cinco) a 20
anos de prisão. Contudo, como o mesmo já conta com mais de 70
anos, possui direito a prisão domiciliar.
O juiz federal que mandou expedir o mandado explicou que “[...]
ficou provado que havia um acordo espúrio entre os governos militares
do Cone Sul para eliminar, por meio da chamada Operação Condor,
asilados estrangeiros opositores dos regimes. Temos elementos de
convicção suficientes para considerar provada a formação de quadrilha
e para provar que Videla foi um de seus componentes".
71
Em suas investigações, Corral considerou o Brasil coparticipante
da Operação Condor. Apesar disso, no processo não consta nenhum
brasileiro como acusado.
No mesmo ano da prisão preventiva de Videla (2001), o juiz
federal Rodolfo Canicoba Corral já requisitara a prisão e a imediata
extradição de integrantes da Operação Condor de outras nacionalidades
e situados fora dos limites de seu País: Alfredo Stroessner
(expresidente do Paraguai asilado no território brasileiro desde 1989),
bem como de Manuel Contreras (exchefe da polícia secreta chilena
Dina). Além disso, o Uruguai também negou seu pedido de prisão de
um expolicial e de três exmilitares envolvidos na Operação em
questão.
Frisese que o exditador Jorge Rafael Videla, antes de ter sua
prisão preventiva decretada devido ao suposto envolvimento na
Operação Condor, já estava cumprindo prisão domiciliar desde julho de
1998 por ter sido considerado culpado pelo desaparecimento de bebês
durante a ditadura.
8.2. CHILE
Em setembro de 2009, a justiça chilena ordenou a prisão de nada
menos que 129 (cento e vinte e nove) exmilitares e policiais
considerados participantes da Operação Condor (operação de caráter
supranacional que também contou com membros do Brasil, além do
Paraguai, Uruguai, Argentina, Bolívia e Peru). Eles teriam planejado
uma série de ataques políticos esquerdistas à época da ditadura do
general Augusto Pinochet.
72
Todos esses exmilitares e policiais pertenciam à Dina (Dirección
de Inteligencia Nacional), polícia política chilena em 19741977, à
época do governo de Pinochet.
A Dina foi um órgão similar a outros órgãos ditatoriais brasileiros,
como os antigos Oban e DóiCodi. Segundo estimativas oficiais, em
1973, suas ações resultaram na morte de mais de 3 (três) mil pessoas,
logo após a derrocada do governo popular de Salvador Allende.
Os exmilitares e policiais são acusados do crime de seqüestro
qualificado. Embora os corpos das vítimas nunca tenham sido
encontrados, o desaparecimento das mesmas nas circunstâncias em
que ocorreram sujeitam os supostos responsáveis a cumprir a pena por
tal feito.
Além de terem participado da Operação Condor, os agentes do
Dina também estariam envolvidos na chamada Operação Colombo e
em um caso conhecido como “Calle Conferencia”. Este último resultou
no assassinato de integrantes diversos do Partido Comunista.
Impende destacar que tais crimes de grave violação de direitos
humanos, a exemplo do supramencionado seqüestro qualificado, são
considerados imprescritíveis e, portanto, a punição pela realização dos
mesmos pode ocorrer a qualquer tempo.
A despeito da importância do esclarecimento dessas
circunstâncias e da aplicação de punições aos responsáveis, essa foi a
primeira vez que muitos dos criminosos da ditadura chilena foram
convocados para interrogatório e elucidação de alguns acontecimentos
realizados durante o governo Pinochet.
73
9. O DIREITO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
Em 24 de novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos proferiu sentença no caso Gomes Lund versus Brasil
objetivando censurar as graves violações de direitos humanos ocorridas
à época da Guerrilha do Araguaia.
Alegouse, em suma, que o Brasil possui responsabilidade pelo
desaparecimento de nada menos que 60 (sessenta) pessoas, bem
como por infringir os deveres de investigação e persecução criminal dos
responsáveis por alguns delitos. A referida Corte estabeleceu, em
decorrência de tais fatos, diversas obrigações de fazer para o nosso
País e destacou a impossibilidade de concessão de anistia.
A seguir, destacamos alguns trechos da retrocitada decisão:
As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação
e a sanção por graves violações de direitos humanos carecem de
efeitos jurídicos e não podem ser obstáculo para a investigação dos
fatos referentes ao caso, nem para a identificação e punição dos
responsáveis e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto em
outros casos de grave violação de direitos humanos consagrados na
Convenção Americana ocorridos no Brasil (parágrafo 171 e ponto
resolutivo 3 da sentença).
Cabe ao Brasil investigar e determinar os autores materiais e
intelectuais do desaparecimento forçado das vítimas e da execução
extrajudicial. Ademais, por se tratar de violações graves de direitos
74
humanos, e considerando a natureza dos fatos e o caráter continuado
ou permanente do desaparecimento forçado, o Estado não poderá
aplicar a Lei da Anistia em benefício dos autores, bem como nenhuma
outra disposição análoga, prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa
julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente de responsabilidade
para eximirse dessa obrigação, nos termos dos Parágrafos 171 a 179
da Sentença (parágrafo 256, alínea b).
Ainda segundo a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos
no caso Gomes Lund versus Brasil, cabe às autoridades brasileiras:
a) levar em conta o padrão de violações de direitos
humanos existente na época, a complexidade dos fatos
apurados e o contexto em que os fatos ocorreram;
b) evitar omissões no recolhimento da prova e seguir todas as
linhas lógicas de investigação;
c) identificar os agentes materiais e intelectuais do
desaparecimento forçado e da execução extrajudicial de
pessoas;
d) não aplicar a Lei de Anistia aos agentes de crimes;
e) não aplicar prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa
julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente similar de
responsabilidade criminal para eximirse do cumprimento
da obrigação determinada pela Corte;
f) garantir que as autoridades competentes realizem, ex
officio, as investigações criminais correspondentes à
obrigação determinada pela Corte e responsabilizem os
75
agentes culpados. Para este feito, devem ter a seu alcance
e utilizar todos os recursos logísticos e científicos
necessários para recolher e processar as provas; devem ter
acesso garantido à documentação e informação necessárias
para elucidar os fatos e concluir, com presteza, as
investigações e ações criminais que esclareçam o que
ocorreu à pessoa morta e às vítimas de desaparecimento
forçado;
g) garantir a segurança das pessoas que participem da
investigação, tais como os familiares das vítimas, as
testemunhas e os operadores de justiça;
h) assegurar a não realização de atos que impliquem
obstrução ao andamento do processo investigativo.
Vejamos as conclusões do parecer de Luiz Flávio Gomes e Valério
Mazzuoli acerca da aplicação do Direito Internacional dos Direitos
Humanos pelos Tribunais Brasileiros:
“Ao cabo desta exposição teórica, cabe sumariamente concluir o
seguinte:
1. Que a internacionalização dos direitos humanos é uma
realidade incontestável que marca a era da
pósmodernidade, caracterizada pela globalização (inclusive
da dignidade humana).
2. Que esse corpus júris específico chamado Direito
Internacional dos Direitos Humanos – goza de absoluta
primazia sobre a legislação doméstica naquilo que é mais
benéfico ao ser humano sujeito de direitos (princípio
internacional pro homine). Ou seja, esse conjunto
normativo internacional de proteção possui caráter sui
76
generis. Suas normas possuem hierarquia diferenciada no
plano doméstico (estão acima de todas as leis) e com este
não podem ser confundidas.
3. Toda a produção legislativa ordinária (de qualquer Estado)
que faça parte do sistema interamericano de direitos
humanos está sujeita, doravante, a dois principais tipos de
controle: (a) o de constitucionalidade e (b) o de
convencionalidade.
4. Constitui obrigação impostergável de todos os juízes e
tribunais locais (nacionais) fazer desses dois tipos de
controle uma realidade. Os juízes e tribunais locais estão,
inclusive, obrigados a exercer ex officio tais controles,
segundo o entendimento da Corte Interamericana de
Direitos Humanos.
5. Para a proteção, no nosso entorno regional, dos direitos
humanos previstos nos tratados internacionais, qualquer
ser humano lesado pode acionar o sistema regional
interamericano de direitos humanos, visto que essa tutela
já não está regida pelo princípio do domestic affair, mas
sim do international concern. A proteção dos direitos
humanos convencionados conta com o amparo
complementar do direito internacional.
6. O Brasil tem a obrigação de cumprir a decisão da Corte
Interamericana de Direitos Humanos de 24 de novembro de
2010, proferida no “Caso Araguaia”. O nosso país foi
declarado responsável pelo desaparecimento de dezenas de
pessoas e, agora, por força da sentença da Corte citada
tem o dever de investigar e, se for o caso, processar
responsáveis pelos referidos delitos contra a humanidade,
não tendo nenhum valor jurídico a Lei de Anistia brasileira
(embora validada pelo STF em abril de 2010).
77
7. No Estado de Direito Internacional (defendido, entre outros,
por Luigi Ferrajoli) é preciso respeitar a pluralidade de
fontes normativas e promover, entre elas, o devido
“diálogo” (Erik Jayme) capaz de fazer prevalecer a norma
mais favorável à tutela dos direitos humanos (princípio pro
homine).
8. A jurisprudência brasileira já deu (exuberante)
demonstração da força normativa do direito internacional
dos direitos humanos ao cuidar do tema da prisão civil do
depositário infiel. A nossa Suprema Corte (No RE
466.343/SP) não só reconheceu a hierarquia superior desse
ramo do Direito como acabou editando a Súmula Vinculante
25, para proibir definitivamente a prisão civil de depositário
infiel no País, qualquer que seja a modalidade do depósito.
9. Na esteira desse precedente pósmoderno do STF
esperase, agora, que seja cumprida sem resistência e
dentro de prazo razoável a decisão da Corte Interamericana
no ‘Caso Araguaia’.”
78
10. A IMPUNIDADE FERE A DEMOCRACIA
Santiago A. Canton (Secretário Executivo da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos) em artigo publicado na Folha de São Paulo, no
dia 11/12/2011, defende que:
“São muitos os fatores necessários para a construção de um
Estado de Direito Sustentável. Mas existe um que é
indispensável: a justiça pelas violações dos direitos humanos e
pela destruição do sistema democrático. A impunidade corrói a
sociedade com um todo e constrói sociedades injustas, desiguais,
discriminatórias, em que o ideal de progresso e igualdade é
superado por estruturas de poder formais e informais que
protegem e beneficiam os setores mais favorecidos e prejudicam
os mais vulneráveis.
Nesse oceano de impunidade, o fator que provoca maior dano é aquele
que impede que sejam punidas as pessoas que reinaram sobre a vida e
a morte dos latinoamericanos e destruíram a democracia. A
impunidade que protege os que assassinaram e torturaram milhares de
pessoas e proibiram os povos de decidir seu próprio destino.
Em nossa região, estão sendo dados passos muito positivos para pôr
fim a essa impunidade. Por meio de leis e processos históricos,
nacionais e internacionais, foram abertos processos contra as pessoas
acusadas de graves violações dos direitos humanos. A Argentina anulou
completamente as leis de anistia e se encontra em um processo,
verdadeiro exemplo para o mundo, em que está levando a julgamento
todos os responsáveis pelas violações dos direitos humanos.
Neste novo aniversário do Dia Internacional dos Direitos Humanos,
podemos comemorar o fato de que são cada vez mais os países que
79
aceitam que o combate à impunidade por violações dos direitos
humanos é um pilar fundamental da democracia e do Estado de Direito.
A busca incansável por justiça para as vítimas de direitos humanos
assentou as bases para um Estado de Direito duradouro. Mas não
podemos descansar. Nossa história ensina que o que está em jogo é
importante demais e que o pêndulo não se detém facilmente.”
Uma reportagem da Revista Piauí cujo objetivo é esclarecer “como um 13
acordo entre o governo e a cúpula das Forças Armadas e entre o PT, o
PSDB, e o DEM, impede que a Comissão da Verdade julgue militares e
policiais que torturaram, mataram e desapareceram com corpos
durante a ditadura”, explana que:
No Brasil, as forças políticas dominantes, à
esquerda e à direita, sempre agiram no sentido de
evitar as punições. Isso ficou claro para os juízes na
Costa Rica durante o depoimento das vítimas, que
relataram a dificuldade das famílias em obter informações
sobre os mortos e desaparecidos. Elizabeth Silveira teve
seu irmão, Luiz René, de 21 anos, um estudante de
medicina do Rio de Janeiro, morto na guerrilha. Seu
corpo nunca apareceu. Ela disse à Corte que todas as
informações que as famílias conseguiram até hoje
foram obtidas por meio de relatos de sobreviventes
e de testemunhas civis que se dispuseram a falar.
Nenhuma informação oficial foi disponibilizada.
“Passados mais de trinta anos, os militares se recusaram
a fornecer documentos que ajudem a esclarecer as
mortes não só dos guerrilheiros do Araguaia, mas de
todos os opositores do regime”, disse.
13 Revista Piauí, Edição nº. 64, Ano 6, Janeiro/2012, p. 28.
80
Jurista de renome, Fábio Konder Comparato remete à impunidade e
critica a alegação dos militares de que a Comissão da Verdade apenas
seria imparcial se investigasse tanto o lado dos repressores quanto o
dos reprimidos. Traz, para tanto, à tona as estatísticas oficiais da
Comissão de Mortos e Desaparecidos:
Quais são esses dois lados? Um deles conta com 20 mil
presos políticos, alguns torturados até a morte; 354
pessoas sumariamente executadas e cujos cadáveres
continuam desaparecidos. Mais de 10 mil pessoas que
responderam a inquéritos policiais militares, 707
denunciadas e processadas criminalmente por crimes
contra a segurança nacional, 130 banidos, quase 5 mil
funcionários públicos demitidos. Isso é um lado.
[...]
Agora, o outro lado. Apenas um militar foi submetido a
um inquérito policial militar, que foi arquivado por falta
de provas. 14
O psicólogo paulista Paulo César Endo, que realizou perícia para avaliar
a extensão dos traumas psicológicos causados nos familiares de vítimas
da Guerrilha do Araguaia, acredita que uma das conseqüências da
impunidade é o aumento da violência policial sobre a população
economicamente menos favorecida e, por conseqüência, mais
desprotegida. 15
Ainda segundo Endo, como raramente há punição aos criminosos, as
pessoas continuam torturando sem temer as conseqüências de seus
terríveis feitos e surgem inclusive grupos de extermínio:
“Nunca nenhum agente do Estado foi condenado por
tortura. O máximo que se condena é dona de casa que
14 Revista Piauí, Edição nº. 64, Ano 6, Janeiro/2012, p. 32. 15 Revista Piauí, Edição nº. 64, Ano 6, Janeiro/2012, p. 36.
81
tortura empregada. [...] No Brasil, dos 26 estados,
dezesseis têm grupos de extermínio mapeado e nada se
faz a respeito.” 16
16 Revista Piauí, Edição nº. 64, Ano 6, Janeiro/2012, p. 36.
82
11. INTOLERÂNCIA À TORTURA – PEDAGOGIA
Paulo Sérgio Pinheiro, professor titular de Ciência Política da USP,
diplomata e exSecretário de Estado de Direitos Humanos, ministra, no
Terceiro Seminário Internacional Polícia e Sociedade Democrática: O
Estado Democrático de Direito e as Instituições Policiais (2002),
realizado em Porto Alegre (RS), uma verdadeira aula acerca da
necessidade de intolerância à tortura:
Antes de tudo, cumpre lembrar que durante séculos a tortura foi usada
como meio de prova admitido pelo direito. No excelente e clássico
"livroreportagem" de Pietro Verri, “Observações sobre a Tortura”, um
alerta da ineficácia da tortura como meio de prova, é apresentada a
montagem de um processo judicial, todo ele feito a partir de confissões
obtidas por meio da tortura. [...]
Torturar não é investigar, mas desumaniza não só a vítima
como também o torturador."A tortura subverte a própria lógica
do aparato estatal, que de guardião da lei e assegurador de
direitos transformase em violador da lei e aniquilador de
direitos." [...]
A investigação policial, quando feita nos limites impostos pela lei
funciona como um processo de comunicação. [...] Quando a
comunicação tornase impossível deixamos de considerar o outro como
sujeito, o destituímos de sua inerente dignidade, está preparado o
terreno para a violência. Quando toleramos o outro: dialogamos.
Quando não toleramos o outro: torturamos. A intolerância, que
foi um dos temas principais, está entre as causas primeiras da
tortura. [...]
83
Tolerar é pois suportar a existência do outro e respeitar seu diferente
pensamento, sua outra forma de agir. A tolerância é o primeiro e
imprescindível passo para o reconhecimento do outro como sujeito.
Isso só acontecerá no terreno da hospitalidade. Afirma Edgard Morin:
"Escrevo que o sersujeito nasceu num universo físico, que ignora a
subjetividade que fez brotar, que abriga e, ao mesmo tempo, ameaça.
O indivíduo vivo vive e morre neste universo onde só o reconhecem
como sujeito alguns congêneres vizinhos e simpáticos. É, portanto, na
comunicação amável que podemos encontrar o sentido de nossas
vidas."
Mas a tolerância não é a garantia de um mundo justo e fraterno.
Para atingirmos esse fim é preciso muito mais... Todavia ela é o
mínimo que se pode exigir para a existência de uma convivência
relativamente pacífica na sociedade. Ao tolerar somos capazes de
conviver com o diferente, aturamos o diálogo e podemos "agir
conjuntamente" o que para Hannah Arendt é o fator essencial para
geração de poder. Um poder baseado na tolerância, na convivência e
no agir conjunto. Não um poder baseado na subjugação, um poder que
transforma o ser humano em lixo nãoreciclável.
O poder baseado no "agir conjunto" é a forma de poder mais
adequada a uma democracia participativa como a brasileira.
Tolerância, convivência, hospitalidade esses valores que
informam a democracia participativa "deveriam estar refletidos
no nosso policiamento e na governabilidade" (PSP; 1998). "A
própria noção da forma de policiamento contribui para formação de
uma cultura democrática." (PSP; 1998) Acredito que nenhuma
instituição é mais central para o sucesso da consolidação do estado de
direito do que a polícia. Se isso é verdade, porque a polícia continua a
torturar? Uma das respostas está na intolerância que brutaliza e
84
desumaniza as classes populares. Quando se perde a tolerância,
perdemos toda e qualquer possibilidade de contato sadio entre seres
humanos. Desconsiderarse o outro, transformao em algo descartável,
ejetável, passível e possível de ser torturado.
Uma perversa lógica da intolerância tem dominado a história de nossa
República. Torturas,e já que o poder do Estado brasileiro não é o
poder nãoviolento de Hannah Arendt, mas é o poder que se baseia na
violência, na destruição intencional do outro. Ao torcer e quebrar o
outro, numa situação de completa falta de igualdade de armas, eu
arrancolhe a humanidade pois de forma prática não reconheço seu
merecimento ao respeito, sua inerente dignidade. [...]
Para nosso espanto, atualmente alguns ousam defender a idéia de que
em casos de extrema urgência (determinado prisioneiro possui uma
informação que pode salvar a vida de dezenas de pessoas) a prática da
tortura física e psicológica é legítima. Usase o argumento de que em
algumas circunstâncias, a tortura é um mal menor. Essa toada aparece
este ano [2002] na revista Atlantic Monthly ao refletir que sob
condições extremas e em circunstâncias desesperadoras não seria o
caso de se repensar o recurso à tortura: "Algumas vezes em más
circunstâncias boas pessoas devem fazer coisas más" obviamente,
torturar.
Em outro artigo recente na revista Newsweek um editorialista abre sua
alma lembrando "que não podemos legalizar a tortura; é contra os
valores americanos. Mas ao mesmo tempo em que continuamos
protestando contra os abusos aos direitos humanos no mundo,
precisamos manter uma mentalidade aberta sobre certas medidas de
combate ao terrorismo, como interrogatórios psicológicos sancionados
pela justiça" e propõe a transferência dessa sale besogne, esse
trabalho sujo, para "nossos aliados menos escrupulosos".
85
Mas não é exatamente o que vem acontecendo faz muito tempo na
cena internacional do século XX as grandes potências delegavam a
ditaduras da periferia o papel de contenção do comunismo? Não é o
que acontece em várias novas democracias, como a nossa, em que as
elites brancas instrumentalizam as polícias para sua proteção fechando
aos olhos para a tortura? Essa hipocrisia vem ocorrendo faz décadas.
Essa "mentalidade aberta" para a tortura é mais perigosa ainda que
sua defesa aberta que poucos ousam fazer. Essa legitimação da tortura
como tema de debate muda dramaticamente o pano de fundo dos
pressupostos e opções ideológicas.
O problema aqui, como bem apontou o filósofo esloveno Slavoj Zizek, é
de pressupostos éticos fundamentais: é claro que se pode legitimar a
tortura em relação a benefícios de curto prazo (salvar centenas de
vidas) mas e as conseqüências em longo prazo para nosso universo
simbólico ? Onde devemos parar? Porque não torturar criminosos
graves, um pai que raptou seu filho da exmulher? A idéia de que
depois de deixar o gênio sair da garrafa a tortura possa ser mantida em
um nível "razoável" é a pior ilusão liberal.".
Legitimar a prática da tortura e dos tratamentos desumanos,
sob qualquer circunstância, é dar a possibilidade da desrazão e
da irracionalidade dirigir a vida de homens e de mulheres. É
trocar qualquer indício de humanidade pela mais abjeta
barbárie.
A crença na serventia da tortura é uma doença crônica brasileira que
acomete os aparelhos policiais em todo o país. A Constituição de 1988
com sua carta de direitos do artigo 5 e garantias fundamentais
condenam de forma enfática e veemente sua prática. Passados 14 anos
da promulgação da Constituição de 1988, e 17 anos do final do regime
86
militar constatamos que a tortura deixou de ser praticada contra os
prisioneiros políticos strictu sensu pelo simples fato não haver mais
esses. Entretanto, hoje, nos manicômios judiciais, penitenciárias,
delegacias, instituições para adolescentes em conflito com a lei e
demais lugares de encarceramento a tortura e as mais variadas formas
de tratamentos desumanos continuam a ser perpetrados contra a
população pobre e miserável, as "classes torturáveis" como as chamava
o escritor Graham Greene. [...]
Na época da ditadura militar o perverso argumento para justificar a
tortura pelos aparelhos de repressão paralelos, como os DOICODI, era
a necessidade de preservar a segurança nacional. Nos seus vinte e três
anos de existência da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos e
nos quatorze do Núcleo de Estudos da Violência tem sido
exaustivamente documentada a prática sistemática da tortura no
Brasil, defendido suas vítimas e tentado contribuir para responsabilizar
seus perpetradores. Policiais, juízes, promotores e advogados devem
saber que a tortura é proibida em qualquer circunstância pela lei
internacional; que seu uso faz minar a autoridade e a legitimidade dos
governos;que ela é perpetrada no contexto de outras graves violações
de direito humanos; que ela não é um meio confiável para recolher
informação sobre crimes e criminosos; que as tentativas de justificala
não passam de ardis psicológicos para permitir os perpetradores
desconectarem sua consciência moral de atos de extrema violência. E
no entanto ela persiste .A tortura não pode ser justificada em
nenhuma circunstância porque ele faz impugnar o mero sentido
de nossa existência na nave Terra e que impede toda a
pretensão de sermos humanos. [...]
Como disse meu antigo colega o relator especial para tortura da ONU,
Nigel Rodley, a tortura é um "crime de oportunidade", que pressupõe a
certeza da impunidade. O combate a esse crime exige, assim, a adoção
87
pelo Estado de medidas preventivas e repressivas. De um lado, é
necessárias a criação e manutenção de mecanismos que eliminem a
'oportunidade' de torturar, garantindo a transparência do sistema
prisionalpenitenciário. Por outro, a luta contra a tortura impõe o fim da
cultura de impunidade, exigindo do Estado rigor no dever de investigar,
processar e punir seus perpetradores." [...]
88
12. DOS PEDIDOS
Do exposto, requer:
Diante de todo o narrado e, inclusive, do relatório final da Comissão
Nacional da Verdade – CNV, ora anexado, que declara a existência da
Operação Condor no Brasil, sejam abertos inquéritos ou
investigações e ajuizadas medidas judiciais cabíveis em
desfavor dos sobreviventes participantes da referida operação
Condor no Brasil, que foram responsáveis por vitimar os líderes
opositores.
Outrossim, solicitase que identificados os responsáveis pelas
atrocidades cometidas, especifique em pormenores, tanto quanto
possível, as punições pelos mesmos aplicadas (prisões arbitrárias,
assassinatos, exílios, torturas, desaparecimentos, etc.) e revele as
identidades de suas vítimas.
Afinal, somente através do esclarecimento dos verdadeiros fatos
ocorridos no período ditatorial e dos indivíduos os quais ordenaram sua
execução e/ou propriamente os efetivaram será possível viabilizar a tão
almejada reconciliação nacional.
89
13. REQUERIMENTO DE PROVAS
Requer a produção de todas as provas em Direito admitidas, como
oitiva de testemunhas, depoimentos pessoais, requisição de
documentos, entre outras.
14. REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS
Requisitar:
1. Relatório secreto realizado pela Embaixada do Brasil no Uruguai
em 1971 detalhando o seqüestro e a transferência ilegal através
da FAB (Força Aérea Brasileira) de Edmur Péricles Camargo,
jornalista e militante de esquerda armada até então
desaparecido;
2. Carta de 28 de agosto de 1975 enviada pelo então coronel
Manuel Contreras Sepúlveda, diretor da DINA — Directoría de
Inteligencia Nacional, serviço secreto chileno, ao general João
Figueiredo, então chefe do SNI — Serviço Nacional de
Informações, em que o militar chileno responde a carta do colega
brasileiro, de 21 de agosto do mesmo ano;
3. Que se oficie ao Arquivo Nacional, a Comissão de Anistia e a
Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos
solicitando documentos em que, porventura, esteja citada a
Operação Condor.
90
4. Que se oficie as Comissões da Verdade do Chile, Argentina e
Uruguai, ou aos respectivos Estados Federais, requisitando cópia
das conclusões das Comissões da Verdade.
15. DA PROCEDIMENTALIZAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO
Caso essa Procuradoria ache necessário, a presente representação
pode ser desmembrada, criandose processos específicos para fatos ora
denunciados e que ainda surgirão no transcorrer dela e que merecem
ser apurados para uma maior eficácia da investigação.
Recentemente, países vizinhos noticiaram, mais uma vez, a punição de
responsáveis por assassinatos na Operação Condor, que aconteceu em
diversos países da América Latina. O Brasil não pode se esquivar desse
tema.
Afinal,
“A verdade cura. Às vezes ela arde, mas cura”.
Desmond Tutu, Bispo sulafricano, Prêmio Nobel da Paz, que presidiu a
Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul.
Nestes termos,
Pede deferimento e Justiça!
Recife, 08 de julho de 2016.
Instituto Miguel Arraes IMA Antônio Ricardo Accioly Campos
Presidente
Antônio Ricardo Accioly Campos OAB/PE 12.310
91
16. REFERÊNCIAS
LIVROS E RELATÓRIOS:
Circunstâncias políticas quando da morte do expresidente
Juscelino Kubitschek. Comissão externa da Câmara dos Deputados,
Abril/2001.
CONY, Carlos Heitor; LEE, Anna. O Beijo da Morte. São Paulo: Editora
Objetiva, 2003.
MARIANO, Nilson. As Garras do Condor. São Paulo: Editora Vozes,
2003.
Memorial David da saúde e da vida. Governo de Pernambuco, 2007.
Relatório final (Série Ação Parlamentar; n. 243). Brasília: Câmara
dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2004.
REPORTAGENS E ARTIGOS DE JORNAIS E REVISTAS:
AMORIM, Celso. "A Comissão da Verdade é o epílogo da transição
democrática”. Entrevista publicada na Revista Istoé nº. 2212, Edição
de 04 de abril de 2012.
92
AQUINO, WILSON. In: Ditaduras Entrelaçadas: documentos
comprovam que a participação de autoridades brasileiras na Operação
Condor foi fundamental para a aliança dos governos totalitários da
América Latina. Revista Istoé, Edição de 30 de novembro de 2011.
CANTON, Santiago. Artigo publicado na Folha de São Paulo, 11 de
dezembro de 2011.
MOTA, Uraniano. In: JK: Acidente ou atentado?
Jornal A Nova Democracia, nº. 67 (julho/2010).
NASSIF, Luís. In: O guerreiro da saúde. Folha de São Paulo, 14 de
novembro de 2000.
VALENTE, Rubens. In: Brasileiro foi seqüestrado na Argentina na
ditadura. Folha de São Paulo, 19 de novembro de 2011.
A Comissão da Verdade contra as mentiras. Jornal do Commercio,
2012.
Juiz Garzón no banco dos réus. Reportagem publicada no Jornal do
Commercio, 18 de janeiro de 2012.
Caça aos algozes da Condor. Revista Carta Capital, 18 de abril de
2012.
Revista Istoé, Edição de 04 de junho de 2000.
Revista Piauí, Edição nº. 64, Ano 6, Janeiro/2012.
93
Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso
Gomes Lund versus Brasil, 24 de novembro de 2010.
ENDEREÇOS ELETRÔNICOS:
CUNHA, Luiz Cláudio. Comissão da verdade: o torturador da
Presidente vai depor? Disponível em:
<http://www.projetosterapeuticos.com.br/noticia01.php?id=252>
Acesso em: 13 de dezembro de 2011.
MELO, Marcelo Mário de. Ditadura militar. Disponível em:
<http://www.alepe.pe.gov.br/sistemas/perfil/parlamentares/DavidCapi
strano/05.html>. Acesso em: 19 de abril de 2012.
MELO, Marcelo Mário de. Exílio e retorno. Disponível em:
<http://www.alepe.pe.gov.br/sistemas/perfil/parlamentares/DavidCapi
strano/06.html>. Acesso em: 19 de abril de 2012.
Família denuncia assassinato de João Goulart por
envenenamento. Disponível em:
<http://www.apn.org.br/apn/content/view/66/44/>. Acesso em: 06 de
dezembro de 2011.
94
17. ANEXOS
LEI Nº. 12.528, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011.
Cria a Comissão Nacional da Verdade no
âmbito da Casa Civil da Presidência da
República.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o É criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
Art. 2o A Comissão Nacional da Verdade, composta de forma pluralista, será integrada por 7 (sete) membros, designados pelo Presidente da República, dentre brasileiros, de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e da institucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos.
§ 1o Não poderão participar da Comissão Nacional da Verdade aqueles que:
I exerçam cargos executivos em agremiação partidária, com exceção daqueles de natureza honorária;
II não tenham condições de atuar com imparcialidade no exercício das competências da Comissão;
III estejam no exercício de cargo em comissão ou função de confiança em quaisquer esferas do poder público.
§ 2o Os membros serão designados para mandato com duração até o término dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, a qual será considerada extinta após a publicação do relatório mencionado no art. 11.
95
§ 3o A participação na Comissão Nacional da Verdade será
considerada serviço público relevante.
Art. 3o São objetivos da Comissão Nacional da Verdade: I esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves
violações de direitos humanos mencionados no caput do art. 1o; II promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de
torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior;
III identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos mencionadas no caput do art. 1o e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade;
IV encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos, nos termos do art. 1o da Lei no 9.140, de 4 de dezembro de 1995;
V colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de violação de direitos humanos;
VI recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional; e
VII promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações.
Art. 4o Para execução dos objetivos previstos no art. 3o, a Comissão Nacional da Verdade poderá:
I receber testemunhos, informações, dados e documentos que lhe forem encaminhados voluntariamente, assegurada a não identificação do detentor ou depoente, quando solicitada;
II requisitar informações, dados e documentos de órgãos e entidades do poder público, ainda que classificados em qualquer grau de sigilo;
III convocar, para entrevistas ou testemunho, pessoas que possam guardar qualquer relação com os fatos e circunstâncias examinados;
IV determinar a realização de perícias e diligências para coleta ou recuperação de informações, documentos e dados;
V promover audiências públicas;
VI requisitar proteção aos órgãos públicos para qualquer pessoa que se encontre em situação de ameaça em razão de sua colaboração com a Comissão Nacional da Verdade;
96
VII promover parcerias com órgãos e entidades, públicos ou
privados, nacionais ou internacionais, para o intercâmbio de informações, dados e documentos; e
VIII requisitar o auxílio de entidades e órgãos públicos.
§ 1o As requisições previstas nos incisos II, VI e VIII serão realizadas diretamente aos órgãos e entidades do poder público.
§ 2o Os dados, documentos e informações sigilosos fornecidos à Comissão Nacional da Verdade não poderão ser divulgados ou disponibilizados a terceiros, cabendo a seus membros resguardar seu sigilo.
§ 3o É dever dos servidores públicos e dos militares colaborar com a Comissão Nacional da Verdade.
§ 4o As atividades da Comissão Nacional da Verdade não terão caráter jurisdicional ou persecutório.
§ 5o A Comissão Nacional da Verdade poderá requerer ao Poder Judiciário acesso a informações, dados e documentos públicos ou privados necessários para o desempenho de suas atividades.
§ 6o Qualquer cidadão que demonstre interesse em esclarecer situação de fato revelada ou declarada pela Comissão terá a prerrogativa de solicitar ou prestar informações para fins de estabelecimento da verdade.
Art. 5o As atividades desenvolvidas pela Comissão Nacional da Verdade serão públicas, exceto nos casos em que, a seu critério, a manutenção de sigilo seja relevante para o alcance de seus objetivos ou para resguardar a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem de pessoas.
Art. 6o Observadas as disposições da Lei no 6.683, de 28 de agosto de 1979, a Comissão Nacional da Verdade poderá atuar de forma articulada e integrada com os demais órgãos públicos, especialmente com o Arquivo Nacional, a Comissão de Anistia, criada pela Lei no 10.559, de 13 de novembro de 2002, e a Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos, criada pela Lei no 9.140, de 4 de dezembro de 1995.
Art. 7o Os membros da Comissão Nacional da Verdade perceberão o valor mensal de R$ 11.179,36 (onze mil, cento e setenta e nove reais e trinta e seis centavos) pelos serviços prestados.
§ 1o O servidor ocupante de cargo efetivo, o militar ou o empregado permanente de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, dos Municípios ou do Distrito Federal, designados como membros da Comissão, manterão a remuneração que percebem no órgão ou entidade de origem acrescida da diferença entre esta, se de menor valor, e o montante previsto no caput.
97
§ 2o A designação de servidor público federal da administração
direta ou indireta ou de militar das Forças Armadas implicará a dispensa das suas atribuições do cargo.
§ 3o Além da remuneração prevista neste artigo, os membros da Comissão receberão passagens e diárias para atender aos deslocamentos, em razão do serviço, que exijam viagem para fora do local de domicílio.
Art. 8o A Comissão Nacional da Verdade poderá firmar parcerias com instituições de ensino superior ou organismos internacionais para o desenvolvimento de suas atividades.
Art. 9o São criados, a partir de 1o de janeiro de 2011, no âmbito da administração pública federal, para exercício na Comissão Nacional da Verdade, os seguintes cargos em comissão do GrupoDireção e Assessoramento Superiores:
I 1 (um) DAS5;
II 10 (dez) DAS4; e
III 3 (três) DAS3.
Parágrafo único. Os cargos previstos neste artigo serão automaticamente extintos após o término do prazo dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, e os seus ocupantes, exonerados.
Art. 10. A Casa Civil da Presidência da República dará o suporte técnico, administrativo e financeiro necessário ao desenvolvimento das atividades da Comissão Nacional da Verdade.
Art. 11. A Comissão Nacional da Verdade terá prazo de 2 (dois) anos, contado da data de sua instalação, para a conclusão dos trabalhos, devendo apresentar, ao final, relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e recomendações.
Parágrafo único. Todo o acervo documental e de multimídia resultante da conclusão dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade deverá ser encaminhado ao Arquivo Nacional para integrar o Projeto Memórias Reveladas.
Art. 12. O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei.
Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 18 de novembro de 2011; 190o da Independência e 123o da República.
DILMA ROUSSEFF Jose Eduardo Cardozo
Celso Luiz Nunes Amorim Miriam Belchior
Maria do Rosário Nunes
98
99
LEI Nº. 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011.
Regula o acesso a informações previsto no
inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o
do art. 37 e no § 2o do art. 216 da
Constituição Federal; altera a Lei no 8.112,
de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei
no 11.111, de 5 de maio de 2005, e
dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro
de 1991; e dá outras providências.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem
observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o
fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art.
5o, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição
Federal.
Parágrafo único. Subordinamse ao regime desta Lei:
I os órgãos públicos integrantes da administração direta dos
Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e
Judiciário e do Ministério Público;
II as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as
sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta
ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Art. 2o Aplicamse as disposições desta Lei, no que couber, às
entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de
ações de interesse público, recursos públicos diretamente do
orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo
100
de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos
congêneres.
Parágrafo único. A publicidade a que estão submetidas as
entidades citadas no caput referese à parcela dos recursos públicos
recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestações de contas a
que estejam legalmente obrigadas.
Art. 3o Os procedimentos previstos nesta Lei destinamse a
assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser
executados em conformidade com os princípios básicos da
administração pública e com as seguintes diretrizes:
I observância da publicidade como preceito geral e do sigilo
como exceção;
II divulgação de informações de interesse público,
independentemente de solicitações;
III utilização de meios de comunicação viabilizados pela
tecnologia da informação;
IV fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na
administração pública;
V desenvolvimento do controle social da administração pública.
Art. 4o Para os efeitos desta Lei, considerase:
I informação: dados, processados ou não, que podem ser
utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em
qualquer meio, suporte ou formato;
II documento: unidade de registro de informações, qualquer que
seja o suporte ou formato;
III informação sigilosa: aquela submetida temporariamente à
restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a
segurança da sociedade e do Estado;
IV informação pessoal: aquela relacionada à pessoa natural
identificada ou identificável;
V tratamento da informação: conjunto de ações referentes à
produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução,
101
transporte, transmissão, distribuição, arquivamento, armazenamento,
eliminação, avaliação, destinação ou controle da informação;
VI disponibilidade: qualidade da informação que pode ser
conhecida e utilizada por indivíduos, equipamentos ou sistemas
autorizados;
VII autenticidade: qualidade da informação que tenha sido
produzida, expedida, recebida ou modificada por determinado
indivíduo, equipamento ou sistema;
VIII integridade: qualidade da informação não modificada,
inclusive quanto à origem, trânsito e destino;
IX primariedade: qualidade da informação coletada na fonte, com
o máximo de detalhamento possível, sem modificações.
Art. 5o É dever do Estado garantir o direito de acesso à
informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e
ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil
compreensão.
CAPÍTULO II
DO ACESSO A INFORMAÇÕES E DA SUA DIVULGAÇÃO
Art. 6o Cabe aos órgãos e entidades do poder público, observadas
as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar a:
I gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a
ela e sua divulgação;
II proteção da informação, garantindose sua disponibilidade,
autenticidade e integridade; e
III proteção da informação sigilosa e da informação pessoal,
observada a sua disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual
restrição de acesso.
Art. 7o O acesso à informação de que trata esta Lei compreende,
entre outros, os direitos de obter:
I orientação sobre os procedimentos para a consecução de
acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encontrada ou obtida
a informação almejada;
102
II informação contida em registros ou documentos, produzidos
ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a
arquivos públicos;
III informação produzida ou custodiada por pessoa física ou
entidade privada decorrente de qualquer vínculo com seus órgãos ou
entidades, mesmo que esse vínculo já tenha cessado;
IV informação primária, íntegra, autêntica e atualizada;
V informação sobre atividades exercidas pelos órgãos e
entidades, inclusive as relativas à sua política, organização e serviços;
VI informação pertinente à administração do patrimônio público,
utilização de recursos públicos, licitação, contratos administrativos; e
VII informação relativa:
a) à implementação, acompanhamento e resultados dos
programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas, bem
como metas e indicadores propostos;
b) ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de
contas realizadas pelos órgãos de controle interno e externo, incluindo
prestações de contas relativas a exercícios anteriores.
§ 1o O acesso à informação previsto no caput não compreende as
informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento
científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança
da sociedade e do Estado.
§ 2o Quando não for autorizado acesso integral à informação por
ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não
sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte
sob sigilo.
§ 3o O direito de acesso aos documentos ou às informações neles
contidas utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato
administrativo será assegurado com a edição do ato decisório
respectivo.
§ 4o A negativa de acesso às informações objeto de pedido
formulado aos órgãos e entidades referidas no art. 1o, quando não
103
fundamentada, sujeitará o responsável a medidas disciplinares, nos
termos do art. 32 desta Lei.
§ 5o Informado do extravio da informação solicitada, poderá o
interessado requerer à autoridade competente a imediata abertura de
sindicância para apurar o desaparecimento da respectiva
documentação.
§ 6o Verificada a hipótese prevista no § 5o deste artigo, o
responsável pela guarda da informação extraviada deverá, no prazo de
10 (dez) dias, justificar o fato e indicar testemunhas que comprovem
sua alegação.
Art. 8o É dever dos órgãos e entidades públicas promover,
independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil
acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse
coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas.
§ 1o Na divulgação das informações a que se refere o caput,
deverão constar, no mínimo:
I registro das competências e estrutura organizacional,
endereços e telefones das respectivas unidades e horários de
atendimento ao público;
II registros de quaisquer repasses ou transferências de recursos
financeiros;
III registros das despesas;
IV informações concernentes a procedimentos licitatórios,
inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os
contratos celebrados;
V dados gerais para o acompanhamento de programas, ações,
projetos e obras de órgãos e entidades; e
VI respostas a perguntas mais frequentes da sociedade.
§ 2o Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e
entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos
legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios
oficiais da rede mundial de computadores (internet).
104
§ 3o Os sítios de que trata o § 2o deverão, na forma de
regulamento, atender, entre outros, aos seguintes requisitos:
I conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o
acesso à informação de forma objetiva, transparente, clara e em
linguagem de fácil compreensão;
II possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos
eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e
texto, de modo a facilitar a análise das informações;
III possibilitar o acesso automatizado por sistemas externos em
formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina;
IV divulgar em detalhes os formatos utilizados para estruturação
da informação;
V garantir a autenticidade e a integridade das informações
disponíveis para acesso;
VI manter atualizadas as informações disponíveis para acesso;
VII indicar local e instruções que permitam ao interessado
comunicarse, por via eletrônica ou telefônica, com o órgão ou entidade
detentora do sítio; e
VIII adotar as medidas necessárias para garantir a acessibilidade
de conteúdo para pessoas com deficiência, nos termos do art. 17 da Lei
no 10.098, de 19 de dezembro de 2000, e do art. 9o da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto
Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008.
§ 4o Os Municípios com população de até 10.000 (dez mil)
habitantes ficam dispensados da divulgação obrigatória na internet a
que se refere o § 2o, mantida a obrigatoriedade de divulgação, em
tempo real, de informações relativas à execução orçamentária e
financeira, nos critérios e prazos previstos no art. 73B da Lei
Complementar no 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade
Fiscal).
Art. 9o O acesso a informações públicas será assegurado
mediante:
105
I criação de serviço de informações ao cidadão, nos órgãos e
entidades do poder público, em local com condições apropriadas para:
a) atender e orientar o público quanto ao acesso a informações;
b) informar sobre a tramitação de documentos nas suas
respectivas unidades;
c) protocolizar documentos e requerimentos de acesso a
informações; e
II realização de audiências ou consultas públicas, incentivo à
participação popular ou a outras formas de divulgação.
CAPÍTULO III
DO PROCEDIMENTO DE ACESSO À INFORMAÇÃO
Seção I
Do Pedido de Acesso
Art. 10. Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso
a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1o desta Lei, por
qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do
requerente e a especificação da informação requerida.
§ 1o Para o acesso a informações de interesse público, a
identificação do requerente não pode conter exigências que inviabilizem
a solicitação.
§ 2o Os órgãos e entidades do poder público devem viabilizar
alternativa de encaminhamento de pedidos de acesso por meio de seus
sítios oficiais na internet.
§ 3o São vedadas quaisquer exigências relativas aos motivos
determinantes da solicitação de informações de interesse público.
Art. 11. O órgão ou entidade pública deverá autorizar ou conceder
o acesso imediato à informação disponível.
§ 1o Não sendo possível conceder o acesso imediato, na forma
disposta no caput, o órgão ou entidade que receber o pedido deverá,
em prazo não superior a 20 (vinte) dias:
I comunicar a data, local e modo para se realizar a consulta,
efetuar a reprodução ou obter a certidão;
106
II indicar as razões de fato ou de direito da recusa, total ou
parcial, do acesso pretendido; ou
III comunicar que não possui a informação, indicar, se for do seu
conhecimento, o órgão ou a entidade que a detém, ou, ainda, remeter
o requerimento a esse órgão ou entidade, cientificando o interessado
da remessa de seu pedido de informação.
§ 2o O prazo referido no § 1o poderá ser prorrogado por mais 10
(dez) dias, mediante justificativa expressa, da qual será cientificado o
requerente.
§ 3o Sem prejuízo da segurança e da proteção das informações e
do cumprimento da legislação aplicável, o órgão ou entidade poderá
oferecer meios para que o próprio requerente possa pesquisar a
informação de que necessitar.
§ 4o Quando não for autorizado o acesso por se tratar de
informação total ou parcialmente sigilosa, o requerente deverá ser
informado sobre a possibilidade de recurso, prazos e condições para
sua interposição, devendo, ainda, serlhe indicada a autoridade
competente para sua apreciação.
§ 5o A informação armazenada em formato digital será fornecida
nesse formato, caso haja anuência do requerente.
§ 6o Caso a informação solicitada esteja disponível ao público em
formato impresso, eletrônico ou em qualquer outro meio de acesso
universal, serão informados ao requerente, por escrito, o lugar e a
forma pela qual se poderá consultar, obter ou reproduzir a referida
informação, procedimento esse que desonerará o órgão ou entidade
pública da obrigação de seu fornecimento direto, salvo se o requerente
declarar não dispor de meios para realizar por si mesmo tais
procedimentos.
Art. 12. O serviço de busca e fornecimento da informação é
gratuito, salvo nas hipóteses de reprodução de documentos pelo órgão
ou entidade pública consultada, situação em que poderá ser cobrado
107
exclusivamente o valor necessário ao ressarcimento do custo dos
serviços e dos materiais utilizados.
Parágrafo único. Estará isento de ressarcir os custos previstos no
caput todo aquele cuja situação econômica não lhe permita fazêlo sem
prejuízo do sustento próprio ou da família, declarada nos termos da Lei
no 7.115, de 29 de agosto de 1983.
Art. 13. Quando se tratar de acesso à informação contida em
documento cuja manipulação possa prejudicar sua integridade, deverá
ser oferecida a consulta de cópia, com certificação de que esta confere
com o original.
Parágrafo único. Na impossibilidade de obtenção de cópias, o
interessado poderá solicitar que, a suas expensas e sob supervisão de
servidor público, a reprodução seja feita por outro meio que não ponha
em risco a conservação do documento original.
Art. 14. É direito do requerente obter o inteiro teor de decisão de
negativa de acesso, por certidão ou cópia.
Seção II
Dos Recursos
Art. 15. No caso de indeferimento de acesso a informações ou às
razões da negativa do acesso, poderá o interessado interpor recurso
contra a decisão no prazo de 10 (dez) dias a contar da sua ciência.
Parágrafo único. O recurso será dirigido à autoridade
hierarquicamente superior à que exarou a decisão impugnada, que
deverá se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias.
Art. 16. Negado o acesso a informação pelos órgãos ou entidades
do Poder Executivo Federal, o requerente poderá recorrer à
ControladoriaGeral da União, que deliberará no prazo de 5 (cinco) dias
se:
I o acesso à informação não classificada como sigilosa for
negado;
II a decisão de negativa de acesso à informação total ou
parcialmente classificada como sigilosa não indicar a autoridade
108
classificadora ou a hierarquicamente superior a quem possa ser dirigido
pedido de acesso ou desclassificação;
III os procedimentos de classificação de informação sigilosa
estabelecidos nesta Lei não tiverem sido observados; e
IV estiverem sendo descumpridos prazos ou outros
procedimentos previstos nesta Lei.
§ 1o O recurso previsto neste artigo somente poderá ser dirigido à
ControladoriaGeral da União depois de submetido à apreciação de pelo
menos uma autoridade hierarquicamente superior àquela que exarou a
decisão impugnada, que deliberará no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 2o Verificada a procedência das razões do recurso, a
ControladoriaGeral da União determinará ao órgão ou entidade que
adote as providências necessárias para dar cumprimento ao disposto
nesta Lei.
§ 3o Negado o acesso à informação pela ControladoriaGeral da
União, poderá ser interposto recurso à Comissão Mista de Reavaliação
de Informações, a que se refere o art. 35.
Art. 17. No caso de indeferimento de pedido de desclassificação
de informação protocolado em órgão da administração pública federal,
poderá o requerente recorrer ao Ministro de Estado da área, sem
prejuízo das competências da Comissão Mista de Reavaliação de
Informações, previstas no art. 35, e do disposto no art. 16.
§ 1o O recurso previsto neste artigo somente poderá ser dirigido
às autoridades mencionadas depois de submetido à apreciação de pelo
menos uma autoridade hierarquicamente superior à autoridade que
exarou a decisão impugnada e, no caso das Forças Armadas, ao
respectivo Comando.
§ 2o Indeferido o recurso previsto no caput que tenha como objeto
a desclassificação de informação secreta ou ultrassecreta, caberá
recurso à Comissão Mista de Reavaliação de Informações prevista no
art. 35.
109
Art. 18. Os procedimentos de revisão de decisões denegatórias
proferidas no recurso previsto no art. 15 e de revisão de classificação
de documentos sigilosos serão objeto de regulamentação própria dos
Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, em seus
respectivos âmbitos, assegurado ao solicitante, em qualquer caso, o
direito de ser informado sobre o andamento de seu pedido.
Art. 19. (VETADO).
§ 1o (VETADO).
§ 2o Os órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público
informarão ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do
Ministério Público, respectivamente, as decisões que, em grau de
recurso, negarem acesso a informações de interesse público.
Art. 20. Aplicase subsidiariamente, no que couber, a Lei no
9.784, de 29 de janeiro de 1999, ao procedimento de que trata este
Capítulo.
CAPÍTULO IV
DAS RESTRIÇÕES DE ACESSO À INFORMAÇÃO
Seção I
Disposições Gerais
Art. 21. Não poderá ser negado acesso à informação necessária à
tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais.
Parágrafo único. As informações ou documentos que versem
sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada
por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão
ser objeto de restrição de acesso.
Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais
de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial
decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado
ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo
com o poder público.
Seção II
Da Classificação da Informação quanto ao Grau e Prazos de Sigilo
110
Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da
sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as
informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:
I pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade
do território nacional;
II prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as
relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em
caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;
III pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;
IV oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou
monetária do País;
V prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos
das Forças Armadas;
VI prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e
desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas,
bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;
VII pôr em risco a segurança de instituições ou de altas
autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou
VIII comprometer atividades de inteligência, bem como de
investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a
prevenção ou repressão de infrações.
Art. 24. A informação em poder dos órgãos e entidades públicas,
observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à
segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como
ultrassecreta, secreta ou reservada.
§ 1o Os prazos máximos de restrição de acesso à informação,
conforme a classificação prevista no caput, vigoram a partir da data de
sua produção e são os seguintes:
I ultrassecreta: 25 (vinte e cinco) anos;
II secreta: 15 (quinze) anos; e
III reservada: 5 (cinco) anos.
111
§ 2o As informações que puderem colocar em risco a segurança do
Presidente e VicePresidente da República e respectivos cônjuges e
filhos(as) serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o
término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de
reeleição.
§ 3o Alternativamente aos prazos previstos no § 1o, poderá ser
estabelecida como termo final de restrição de acesso a ocorrência de
determinado evento, desde que este ocorra antes do transcurso do
prazo máximo de classificação.
§ 4o Transcorrido o prazo de classificação ou consumado o evento
que defina o seu termo final, a informação tornarseá,
automaticamente, de acesso público.
§ 5o Para a classificação da informação em determinado grau de
sigilo, deverá ser observado o interesse público da informação e
utilizado o critério menos restritivo possível, considerados:
I a gravidade do risco ou dano à segurança da sociedade e do
Estado; e
II o prazo máximo de restrição de acesso ou o evento que defina
seu termo final.
Seção III
Da Proteção e do Controle de Informações Sigilosas
Art. 25. É dever do Estado controlar o acesso e a divulgação de
informações sigilosas produzidas por seus órgãos e entidades,
assegurando a sua proteção.
§ 1o O acesso, a divulgação e o tratamento de informação
classificada como sigilosa ficarão restritos a pessoas que tenham
necessidade de conhecêla e que sejam devidamente credenciadas na
forma do regulamento, sem prejuízo das atribuições dos agentes
públicos autorizados por lei.
§ 2o O acesso à informação classificada como sigilosa cria a
obrigação para aquele que a obteve de resguardar o sigilo.
112
§ 3o Regulamento disporá sobre procedimentos e medidas a
serem adotados para o tratamento de informação sigilosa, de modo a
protegêla contra perda, alteração indevida, acesso, transmissão e
divulgação não autorizados.
Art. 26. As autoridades públicas adotarão as providências
necessárias para que o pessoal a elas subordinado hierarquicamente
conheça as normas e observe as medidas e procedimentos de
segurança para tratamento de informações sigilosas.
Parágrafo único. A pessoa física ou entidade privada que, em
razão de qualquer vínculo com o poder público, executar atividades de
tratamento de informações sigilosas adotará as providências
necessárias para que seus empregados, prepostos ou representantes
observem as medidas e procedimentos de segurança das informações
resultantes da aplicação desta Lei.
Seção IV
Dos Procedimentos de Classificação, Reclassificação e Desclassificação
Art. 27. A classificação do sigilo de informações no âmbito da
administração pública federal é de competência:
I no grau de ultrassecreto, das seguintes autoridades:
a) Presidente da República;
b) VicePresidente da República;
c) Ministros de Estado e autoridades com as mesmas
prerrogativas;
d) Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; e
e) Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no
exterior;
II no grau de secreto, das autoridades referidas no inciso I, dos
titulares de autarquias, fundações ou empresas públicas e sociedades
de economia mista; e
III no grau de reservado, das autoridades referidas nos incisos I
e II e das que exerçam funções de direção, comando ou chefia, nível
DAS 101.5, ou superior, do GrupoDireção e Assessoramento
113
Superiores, ou de hierarquia equivalente, de acordo com
regulamentação específica de cada órgão ou entidade, observado o
disposto nesta Lei.
§ 1o A competência prevista nos incisos I e II, no que se refere à
classificação como ultrassecreta e secreta, poderá ser delegada pela
autoridade responsável a agente público, inclusive em missão no
exterior, vedada a subdelegação.
§ 2o A classificação de informação no grau de sigilo ultrassecreto
pelas autoridades previstas nas alíneas “d” e “e” do inciso I deverá ser
ratificada pelos respectivos Ministros de Estado, no prazo previsto em
regulamento.
§ 3o A autoridade ou outro agente público que classificar
informação como ultrassecreta deverá encaminhar a decisão de que
trata o art. 28 à Comissão Mista de Reavaliação de Informações, a que
se refere o art. 35, no prazo previsto em regulamento.
Art. 28. A classificação de informação em qualquer grau de sigilo
deverá ser formalizada em decisão que conterá, no mínimo, os
seguintes elementos:
I assunto sobre o qual versa a informação;
II fundamento da classificação, observados os critérios
estabelecidos no art. 24;
III indicação do prazo de sigilo, contado em anos, meses ou dias,
ou do evento que defina o seu termo final, conforme limites previstos
no art. 24; e
IV identificação da autoridade que a classificou.
Parágrafo único. A decisão referida no caput será mantida no
mesmo grau de sigilo da informação classificada.
Art. 29. A classificação das informações será reavaliada pela
autoridade classificadora ou por autoridade hierarquicamente superior,
mediante provocação ou de ofício, nos termos e prazos previstos em
regulamento, com vistas à sua desclassificação ou à redução do prazo
de sigilo, observado o disposto no art. 24.
114
§ 1o O regulamento a que se refere o caput deverá considerar as
peculiaridades das informações produzidas no exterior por autoridades
ou agentes públicos.
§ 2o Na reavaliação a que se refere o caput, deverão ser
examinadas a permanência dos motivos do sigilo e a possibilidade de
danos decorrentes do acesso ou da divulgação da informação.
§ 3o Na hipótese de redução do prazo de sigilo da informação, o
novo prazo de restrição manterá como termo inicial a data da sua
produção.
Art. 30. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade
publicará, anualmente, em sítio à disposição na internet e destinado à
veiculação de dados e informações administrativas, nos termos de
regulamento:
I rol das informações que tenham sido desclassificadas nos
últimos 12 (doze) meses;
II rol de documentos classificados em cada grau de sigilo, com
identificação para referência futura;
III relatório estatístico contendo a quantidade de pedidos de
informação recebidos, atendidos e indeferidos, bem como informações
genéricas sobre os solicitantes.
§ 1o Os órgãos e entidades deverão manter exemplar da
publicação prevista no caput para consulta pública em suas sedes.
§ 2o Os órgãos e entidades manterão extrato com a lista de
informações classificadas, acompanhadas da data, do grau de sigilo e
dos fundamentos da classificação.
Seção V
Das Informações Pessoais
Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de
forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e
imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.
§ 1o As informações pessoais, a que se refere este artigo,
relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:
115
I terão seu acesso restrito, independentemente de classificação
de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data
de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a
que elas se referirem; e
II poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros
diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que
elas se referirem.
§ 2o Aquele que obtiver acesso às informações de que trata este
artigo será responsabilizado por seu uso indevido.
§ 3o O consentimento referido no inciso II do § 1o não será exigido
quando as informações forem necessárias:
I à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa estiver
física ou legalmente incapaz, e para utilização única e exclusivamente
para o tratamento médico;
II à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente
interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a
identificação da pessoa a que as informações se referirem;
III ao cumprimento de ordem judicial;
IV à defesa de direitos humanos; ou
V à proteção do interesse público e geral preponderante.
§ 4o A restrição de acesso à informação relativa à vida privada,
honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de
prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das
informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a
recuperação de fatos históricos de maior relevância.
§ 5o Regulamento disporá sobre os procedimentos para
tratamento de informação pessoal.
CAPÍTULO V
DAS RESPONSABILIDADES
Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam
responsabilidade do agente público ou militar:
116
I recusarse a fornecer informação requerida nos termos desta
Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecêla
intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa;
II utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar,
desfigurar, alterar ou ocultar, total ou parcialmente, informação que se
encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento em
razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou função
pública;
III agir com dolo ou máfé na análise das solicitações de acesso
à informação;
IV divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir
acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal;
V impor sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de
terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal cometido por si ou por
outrem;
VI ocultar da revisão de autoridade superior competente
informação sigilosa para beneficiar a si ou a outrem, ou em prejuízo de
terceiros; e
VII destruir ou subtrair, por qualquer meio, documentos
concernentes a possíveis violações de direitos humanos por parte de
agentes do Estado.
§ 1o Atendido o princípio do contraditório, da ampla defesa e do
devido processo legal, as condutas descritas no caput serão
consideradas:
I para fins dos regulamentos disciplinares das Forças Armadas,
transgressões militares médias ou graves, segundo os critérios neles
estabelecidos, desde que não tipificadas em lei como crime ou
contravenção penal; ou
II para fins do disposto na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de
1990, e suas alterações, infrações administrativas, que deverão ser
apenadas, no mínimo, com suspensão, segundo os critérios nela
estabelecidos.
117
§ 2o Pelas condutas descritas no caput, poderá o militar ou agente
público responder, também, por improbidade administrativa, conforme
o disposto nas Leis nos 1.079, de 10 de abril de 1950, e 8.429, de 2 de
junho de 1992.
Art. 33. A pessoa física ou entidade privada que detiver
informações em virtude de vínculo de qualquer natureza com o poder
público e deixar de observar o disposto nesta Lei estará sujeita às
seguintes sanções:
I advertência;
II multa;
III rescisão do vínculo com o poder público;
IV suspensão temporária de participar em licitação e
impedimento de contratar com a administração pública por prazo não
superior a 2 (dois) anos; e
V declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a
administração pública, até que seja promovida a reabilitação perante a
própria autoridade que aplicou a penalidade.
§ 1o As sanções previstas nos incisos I, III e IV poderão ser
aplicadas juntamente com a do inciso II, assegurado o direito de defesa
do interessado, no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias.
§ 2o A reabilitação referida no inciso V será autorizada somente
quando o interessado efetivar o ressarcimento ao órgão ou entidade
dos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada
com base no inciso IV.
§ 3o A aplicação da sanção prevista no inciso V é de competência
exclusiva da autoridade máxima do órgão ou entidade pública,
facultada a defesa do interessado, no respectivo processo, no prazo de
10 (dez) dias da abertura de vista.
Art. 34. Os órgãos e entidades públicas respondem diretamente
pelos danos causados em decorrência da divulgação não autorizada ou
utilização indevida de informações sigilosas ou informações pessoais,
118
cabendo a apuração de responsabilidade funcional nos casos de dolo ou
culpa, assegurado o respectivo direito de regresso.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplicase à pessoa física
ou entidade privada que, em virtude de vínculo de qualquer natureza
com órgãos ou entidades, tenha acesso a informação sigilosa ou
pessoal e a submeta a tratamento indevido.
CAPÍTULO VI
DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 35. (VETADO).
§ 1o É instituída a Comissão Mista de Reavaliação de Informações,
que decidirá, no âmbito da administração pública federal, sobre o
tratamento e a classificação de informações sigilosas e terá
competência para:
I requisitar da autoridade que classificar informação como
ultrassecreta e secreta esclarecimento ou conteúdo, parcial ou integral
da informação;
II rever a classificação de informações ultrassecretas ou
secretas, de ofício ou mediante provocação de pessoa interessada,
observado o disposto no art. 7o e demais dispositivos desta Lei; e
III prorrogar o prazo de sigilo de informação classificada como
ultrassecreta, sempre por prazo determinado, enquanto o seu acesso
ou divulgação puder ocasionar ameaça externa à soberania nacional ou
à integridade do território nacional ou grave risco às relações
internacionais do País, observado o prazo previsto no § 1o do art. 24.
§ 2o O prazo referido no inciso III é limitado a uma única
renovação.
§ 3o A revisão de ofício a que se refere o inciso II do § 1o deverá
ocorrer, no máximo, a cada 4 (quatro) anos, após a reavaliação
prevista no art. 39, quando se tratar de documentos ultrassecretos ou
secretos.
119
§ 4o A não deliberação sobre a revisão pela Comissão Mista de
Reavaliação de Informações nos prazos previstos no § 3o implicará a
desclassificação automática das informações.
§ 5o Regulamento disporá sobre a composição, organização e
funcionamento da Comissão Mista de Reavaliação de Informações,
observado o mandato de 2 (dois) anos para seus integrantes e demais
disposições desta Lei.
Art. 36. O tratamento de informação sigilosa resultante de
tratados, acordos ou atos internacionais atenderá às normas e
recomendações constantes desses instrumentos.
Art. 37. É instituído, no âmbito do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República, o Núcleo de Segurança e
Credenciamento (NSC), que tem por objetivos:
I promover e propor a regulamentação do credenciamento de
segurança de pessoas físicas, empresas, órgãos e entidades para
tratamento de informações sigilosas; e
II garantir a segurança de informações sigilosas, inclusive
aquelas provenientes de países ou organizações internacionais com os
quais a República Federativa do Brasil tenha firmado tratado, acordo,
contrato ou qualquer outro ato internacional, sem prejuízo das
atribuições do Ministério das Relações Exteriores e dos demais órgãos
competentes.
Parágrafo único. Regulamento disporá sobre a composição,
organização e funcionamento do NSC.
Art. 38. Aplicase, no que couber, a Lei no 9.507, de 12 de
novembro de 1997, em relação à informação de pessoa, física ou
jurídica, constante de registro ou banco de dados de entidades
governamentais ou de caráter público.
Art. 39. Os órgãos e entidades públicas deverão proceder à
reavaliação das informações classificadas como ultrassecretas e
secretas no prazo máximo de 2 (dois) anos, contado do termo inicial de
vigência desta Lei.
120
§ 1o A restrição de acesso a informações, em razão da reavaliação
prevista no caput, deverá observar os prazos e condições previstos
nesta Lei.
§ 2o No âmbito da administração pública federal, a reavaliação
prevista no caput poderá ser revista, a qualquer tempo, pela Comissão
Mista de Reavaliação de Informações, observados os termos desta Lei.
§ 3o Enquanto não transcorrido o prazo de reavaliação previsto no
caput, será mantida a classificação da informação nos termos da
legislação precedente.
§ 4o As informações classificadas como secretas e ultrassecretas
não reavaliadas no prazo previsto no caput serão consideradas,
automaticamente, de acesso público.
Art. 40. No prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da vigência
desta Lei, o dirigente máximo de cada órgão ou entidade da
administração pública federal direta e indireta designará autoridade que
lhe seja diretamente subordinada para, no âmbito do respectivo órgão
ou entidade, exercer as seguintes atribuições:
I assegurar o cumprimento das normas relativas ao acesso a
informação, de forma eficiente e adequada aos objetivos desta Lei;
II monitorar a implementação do disposto nesta Lei e apresentar
relatórios periódicos sobre o seu cumprimento;
III recomendar as medidas indispensáveis à implementação e ao
aperfeiçoamento das normas e procedimentos necessários ao correto
cumprimento do disposto nesta Lei; e
IV orientar as respectivas unidades no que se refere ao
cumprimento do disposto nesta Lei e seus regulamentos.
Art. 41. O Poder Executivo Federal designará órgão da
administração pública federal responsável:
I pela promoção de campanha de abrangência nacional de
fomento à cultura da transparência na administração pública e
conscientização do direito fundamental de acesso à informação;
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II pelo treinamento de agentes públicos no que se refere ao
desenvolvimento de práticas relacionadas à transparência na
administração pública;
III pelo monitoramento da aplicação da lei no âmbito da
administração pública federal, concentrando e consolidando a
publicação de informações estatísticas relacionadas no art. 30;
IV pelo encaminhamento ao Congresso Nacional de relatório
anual com informações atinentes à implementação desta Lei.
Art. 42. O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei no
prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da data de sua
publicação.
Art. 43. O inciso VI do art. 116 da Lei no 8.112, de 11 de
dezembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 116. ...................................................................
............................................................................................
VI levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao
conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de
envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente
para apuração;
.................................................................................” (NR)
Art. 44. O Capítulo IV do Título IV da Lei no 8.112, de 1990, passa
a vigorar acrescido do seguinte art. 126A:
“Art. 126A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal
ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou,
quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade
competente para apuração de informação concernente à prática de
crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em
decorrência do exercício de cargo, emprego ou função pública.”
Art. 45. Cabe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,
em legislação própria, obedecidas as normas gerais estabelecidas nesta
Lei, definir regras específicas, especialmente quanto ao disposto no art.
9o e na Seção II do Capítulo III.
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Art. 46. Revogamse:
I a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005; e
II os arts. 22 a 24 da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991.
Art. 47. Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a
data de sua publicação.
Brasília, 18 de novembro de 2011; 190o da Independência e 123o
da República.
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardoso
Celso Luiz Nunes Amorim
Antonio de Aguiar Patriota
Miriam Belchior
Paulo Bernardo Silva
Gleisi Hoffmann
José Elito Carvalho Siqueira
Helena Chagas
Luís Inácio Lucena Adams
Jorge Hage Sobrinho
Maria do Rosário Nunes
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