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Os últimos 30 anos de eleições legislativas; perspectivas para Setembro Desde a queda do fascismo celebraram-se em Portugal 12 actos eleitorais para a escolha de deputados para a AR e, em 27 de Setembro, haverá mais uma versão. Se as firmas de sondagens se enganam a valer por erros próprios de concepção de amostras e, principalmente, devido à volubilidade das intenções de voto de muita gente, não seremos nós a ter melhores condições para fazer projecções. Por outro lado, não parece estar em risco a preponderância da mafia bicéfala PS/PSD, pese embora a confirmação de alguma erosão, como se verificou nas eleições para o Parlamento Europeu. Daí que as próximas eleições devam constituir um momento de aferição do impasse político que garante o poder do capital financeiro e dos sectores imobiliário ou das obras públicas, no exercício do controlo da aplicação das receitas públicas. Também servirá para se observar a margem de descrédito dos partidos, através do que se possa chamar de taxa de abstenção. E, finalmente, para detecção das capacidades de absorção do descontentamento pela esquerda institucional ou pela direita xenófoba. No que respeita ao provável crescimento da esquerda institucional, no seu conjunto, há várias questões que pretendemos sublinhar: A votação vai englobar uma massa significativa de cidadãos que não tem grandes contactos com esses partidos e não está organizada politicamente, dado o carácter primordialmente eleitoral da sua actuação, mais virada à exposição mediática do que ao enquadramento organizativo. E, portanto essa massa de votantes é, naturalmente volúvel, podendo involuir para um apoio ao PS se este, uma vez na oposição, se “esquerdizar” com toda a carga dubidativa que isso terá, no caso concreto; A escassa aposta na organização e na iniciativa militante, nomeadamente com a mobilização dos sectores sociais mais vulneráveis – precários, desempregados, jovens, reformados, utentes do SNS, professores, – não favorece a fidelidade do voto em futuros actos eleitorais; Por outro lado, a aposta deliberada no cenário parlamentar, com uma quase certa maioria PS/PSD torna pouco profícua essa sede para a defesa dos trabalhadores e dos pobres face à ofensiva do capital a continuar pelo futuro governo. E, não correspondendo a esquerda institucional às expectativas (ingénuas) de muitos cidadãos, estes tanto poderão engrossar as fileiras dos abstensionistas passivos como aumentar o número dos que quererão contestar o regime cleptocrático de formas mais radicais.

Os últimos 30 anos de eleições legislativas; perspectivas para setembro

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Os últimos 30 anos de eleições legislativas; perspectivas para Setembro

Desde a queda do fascismo celebraram-se em Portugal 12 actos eleitorais para a escolha de deputados para a AR e, em 27 de Setembro, haverá mais uma versão. Se as firmas de sondagens se enganam a valer por erros próprios de concepção de amostras e, principalmente, devido à volubilidade das intenções de voto de muita gente, não seremos nós a ter melhores condições para fazer projecções.

Por outro lado, não parece estar em risco a preponderância da mafia bicéfala PS/PSD, pese embora a confirmação de alguma erosão, como se verificou nas eleições para o Parlamento Europeu. Daí que as próximas eleições devam constituir um momento de aferição do impasse político que garante o poder do capital financeiro e dos sectores imobiliário ou das obras públicas, no exercício do controlo da aplicação das receitas públicas. Também servirá para se observar a margem de descrédito dos partidos, através do que se possa chamar de taxa de abstenção. E, finalmente, para detecção das capacidades de absorção do descontentamento pela esquerda institucional ou pela direita xenófoba.

No que respeita ao provável crescimento da esquerda institucional, no seu conjunto, há várias questões que pretendemos sublinhar:

• A votação vai englobar uma massa significativa de cidadãos que não tem grandes contactos com esses partidos e não está organizada politicamente, dado o carácter primordialmente eleitoral da sua actuação, mais virada à exposição mediática do que ao enquadramento organizativo. E, portanto essa massa de votantes é, naturalmente volúvel, podendo involuir para um apoio ao PS se este, uma vez na oposição, se “esquerdizar” com toda a carga dubidativa que isso terá, no caso concreto;

• A escassa aposta na organização e na iniciativa militante, nomeadamente com a mobilização dos sectores sociais mais vulneráveis – precários, desempregados, jovens, reformados, utentes do SNS, professores, – não favorece a fidelidade do voto em futuros actos eleitorais;

• Por outro lado, a aposta deliberada no cenário parlamentar, com uma quase certa maioria PS/PSD torna pouco profícua essa sede para a defesa dos trabalhadores e dos pobres face à ofensiva do capital a continuar pelo futuro governo. E, não correspondendo a esquerda institucional às expectativas (ingénuas) de muitos cidadãos, estes tanto poderão engrossar as fileiras dos abstensionistas passivos como aumentar o número dos que quererão contestar o regime cleptocrático de formas mais radicais.

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• Em suma, o previsível marcado acréscimo da votação na esquerda institucional - cujo principal mérito cabe ao carácter agressivo e anti-social do governo socratóide – coloca essa esquerda perante uma grande responsabilidade e uma enorme pressão, que é a de corresponder às expectativas do seu eleitorado, utilizando a limitada arma parlamentar. Mais, terá a esquerda institucional lideranças aptas e quadros intermédios virados para colaborar na organização da resistência, através de formas mais ousadas e criativas de luta?

1 - A participação eleitoral

O estudo da série dos resultados eleitorais dos últimos 30 anos ajuda à comprensão do que representam eleições de deputados em democracia de mercado e o seu escasso potencial transformador; nas mudanças na galeria dos vencedores e vencidos, sabe-se que nesse catálogo não está representada a multidão, os trabalhadores e os pobres residentes em Portugal.

O quadro seguinte oferece um panorama dos votos não dirigidos a partidos, onde se incluem aqueles passíveis de serem utilizados nos actos eleitorais e que deveriam ser os correspondentes a idêntico número de cidadãos que, por motivos vários, se não deram ao trabalho de uma deslocação ao local das urnas de voto. Esta designação – urna – não deixa de ser curiosa pelo que significa de local onde o cidadão enterra os seus direitos na discricionaridade dos seus putativos representantes.

Tendo em conta o dilatado lapso de tempo, seria normal e correcto começar pela observação do número de inscritos, como universo de referência que engloba todos os potenciais participantes nas eleições. Porém, o número de inscritos não é uma variável fidedigna, dada a má qualidade das actualizações dos recenseados, verdadeira montra da atenção e do cuidado com que os governos tratam a democracia.

Conforme se referiu recentemente (v. Eleições europeias 2009 – limitações e oportunidades), como a eleição de mandarins não é prejudicada pelo número de abstenções e este, não é considerado um elemento com impacto castigador no financiamento dos partidos, a classe política não investe na permanente actualização do recenseamento. Sendo assim, o número de eleitores tanto pode descer, como subir pouco ou acentuadamente, embora se mantenha bastante estável em 1995/2005. Tal como se verificou para as eleições europeias, tudo indica que, este ano, a colheita de eleitores será abundante.

Uma vez que as taxas de abstenção conduzirão a algumas imprecisões, sobretudo em periodos de menores correções da base de dados dos recenseados, o volume de votantes torna-se um objecto mais razoável de análise. Nesse contexto, observa-se:

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• Uma grande estabilidade do número de votantes, apesar do crescimento de 2,7 M de inscritos durante os 30 anos considerados;

• A crença inicial nas virtualidades transformadoras do sufrágio, após as restrições e falsificações impostas pelo fascismo, rapidamente se diluiu, duplicando o número de abstenções entre 1975 e 1976;

• O número de votos nulos nas duas primeiras eleições prendem-se, certamente com o desconhecimento sobre o preenchimento e, curiosamente, os votos em branco foram assimilados a votos nulos nesses dois primeiros actos, embora a sua leitura seja distinta;

• Sobressaem os recordes de votação nas duas vitórias da AD com Sá Carneiro, em 1979/80 e os crescimentos da comparência nas urnas em 1995 e 2005 quando, respectivamente foi enterrado o cavaquismo e afastado Santana Lopes;

• Em 2005 o volume de votos em branco duplica, depois de 20 anos com uma expressão em torno dos 50 mil e, a manutenção dos votos nulos, num mesmo patamar desde 1987, depois de um periodo com valores bem mais elevados em 1979/85;

• Mesmo considerando as dúvidas sobre a qualidade do recenseamento, é nítido o gradual crescimento dos votos não dirigidos a concorrentes específicos, nomeadamente desde 1999, para mais de 3 M de eleitores, quando o volume de inscritos se mantêm praticamente constante.

Milhares

Inscritos Votantes Abstenções Brancos NulosNão integrados

nº % nº % nº % nº % nº %197

5 6.231 5.712 91,7 520 8,3 0 0,0 397 7,0 916 14,7197

6 6.565 5.483 83,5 1.081 16,5 0 0,0 258 4,7 1.339 20,4197

9 7.249 6.007 82,9 1.242 17,1 43 0,7 121 2,0 1.406 19,4198

0 7.179 6.026 83,9 1.153 16,1 35 0,6 103 1,7 1.290 18,0198

3 7.337 5.708 77,8 1.629 22,2 42 0,7 104 1,8 1.776 24,2198

5 7.819 5.799 74,2 2.020 25,8 49 0,8 97 1,7 2.165 27,7198

7 7.931 5.676 71,6 2.254 28,4 50 0,9 74 1,3 2.378 30,0199

1 8.462 5.735 67,8 2.727 32,2 48 0,8 63 1,1 2.838 33,5199

5 8.907 5.905 66,3 3.002 33,7 46 0,8 67 1,1 3.115 35,0199

9 8.865 5.415 61,1 3.450 38,9 57 1,1 51 1,0 3.558 40,1200

2 8.903 5.474 61,5 3.429 38,5 55 1,0 53 1,0 3.537 39,7200

5 8.945 5.748 64,3 3.197 35,7 104 1,8 66 1,1 3.366 37,6

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2 – Os votos dirigidos a partidos

À semelhança do que se fez no artigo sobre as eleições europeias acima referido, procede-se a um conjunto de observações sobre os votos dirigidos a partidos, no seu conjunto e, seguidamente, a cada um dos três grandes segmentos – a esquerda institucional, a direita e a direita xenófoba, embora o posicionamento ideológico e a prática politica, em todos esses segmentos, tenha tido naturais variações num lapso de tempo tão dilatado. Mas, em regra, essas mudanças fizeram-se no sentido de uma maior nitidez no conteúdo conservador ou reaccionário (no caso da direita) ou, de um maior conformismo por parte da esquerda.

a) Votos dirigidos a partidos na sua globalidade

Há uma relação muito forte entre a estabilidade do número de votantes e a do número de votos dirigidos a partidos, tendo em conta a pouca relevância dos votos em branco ou nulos; isto é, ao aumento dos inscritos corresponde, essencialmente, um acréscimo dos não votantes.

Votos dirigidos a partidos (milhares)

Ano nº Ano nº

1975 5.315 1987 5.553

1976 5.226 1991 5.625

1979 5.844 1995 5.792

1980 5.889 1999 5.307

1983 5.561 2002 5.366

1985 5.654 2005 5.579

A observação dos dados revela que:

• Em 1979/80 as vitórias da AD devem-se a uma recomposição dos apoios dos eleitores no seio do sistema partidário e não a um aumento das taxas de participação nos sufrágios, pois maior número de votantes reflecte, essencialmente, o aumento dos eleitores, mormente com a inclusão de retornados das colónias, maioritariamente apoiantes da direita;

• Em 1983, a experiência do bloco central surge após uma quebra acentuada quer dos votos dirigidos a partidos quer dos votantes: estes, numéricamente, situam-se ao nível de 1975 quando o volume de inscritos era 1.1 M inferior;

• As eleições do cavaquismo (1985/91) correspondem a uma grande estabilidade do voto dirigido, pese embora o crescimento dos inscritos em quase 650 milhares;

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• As eleições ganhas por Guterres (1995/99), embora no quadro de grande estabilidade dos inscritos não conduzem a uma grande mobilização dos votantes em partidos, caindo mesmo quase 400 mil, o seu número em 1999;

• O retorno do PSD ao governo (2002), com Durão Barroso não altera em nada quer o número de votantes, quer o daqueles que se expressaram a favor de uma formação partidária, quer ainda nas elevadas taxas de abstenção;

• Em 2005, a péssima imagem de Santana e do seu governo provocou um aumento dos votos dirigidos em cerca de 200 mil, para além da duplicação dos votos em branco, como atrás se salientou.

b) Votos em partidos de esquerda

O quadro que se segue apresenta os votos dirigidos à esquerda institucional, com alguns arranjos simplificadores que, naturalmente, não têm em conta as mutações dos programas políticos verificáveis nos 30 anos de eleições observados. Convém, contudo explicitar alguns aspectos da agregação apresentada:

• No conjunto PCP/APU/CDU enquadram-se as várias plataformas eleitorais encimadas pelo PC e ainda uma formação autónoma que lhe foi muito próxima, o MDP;

• Sob a sigla BE consideraram-se não só o actual BE mas ainda, para anos mais recuados, as formações que lhe deram origem, por sucessivas agregações (UDP, PSR, FEC, PUP, LCI, PC(R) e FER);

• O conjunto dos “outros” é muito heterogéneo, com a presença mais regular do PCTP/MRPP e do POUS mas, incluindo também, MES, FSP, PCPML, PRT, UEDS, OCMLP, LST, MUT e PH.

Milhares de votos

ESQUERDA Total PCP/APU/CDU BE Outros nº % nº % nº % nº %

1975 1.175 22,1 948 17,8 102 1,9 125 2,31976 1.027 19,7 789 15,1 108 2,1 131 2,51979 1.410 24,1 1.129 19,3 168 2,9 113 1,91980 1.276 21,7 1.010 17,1 144 2,4 122 2,11983 1.156 20,8 1.032 18,6 66 1,2 58 1,01985 1.059 18,7 898 15,9 121 2,1 39 0,71987 854 15,4 722 13,0 102 1,8 30 0,51991 630 11,2 505 9,0 77 1,4 49 0,91995 621 10,7 506 8,7 72 1,2 44 0,81999 671 12,6 487 9,2 132 2,5 51 1,02002 586 10,9 380 7,1 154 2,9 52 1,02005 869 15,6 433 7,8 365 6,5 71 1,3

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A evolução dos votos dirigidos às formações da esquerda institucional induz-nos aos seguintes comentários;

• A intensa propaganda sobre as virtualidades da via eleitoral para a construção do socialismo, no periodo que se seguiu ao 25 de Abril conduziu a que um quinto dos votos dirigidos apoiassem a esquerda institucional até 1983;

• À quebra de 1976, decerto motivada pela desmobilização forçada pelo golpe militar de 25 de Novembro, sucede-se a retoma de 1979/80 como reacção à tomada do poder pela AD de Sá Carneiro com o seu programa agressivo e bipolarizador, de restauração do capitalismo tradicional;

• Entre 1979 e até 2002 assiste-se a uma erosão do voto na esquerda institucional, que cessou de se verificar em 2005 e cujo crescimento se poderá consolidar este ano;

• Para essa erosão concorreram vários factores: momentos de voto útil no PS, durante o periodo cavaquista e em 2002; ausência de adaptação da esquerda à “normalização” da democracia de mercado, com o pantanoso bloco central em 1983/85 e os dez anos de cavaquismo que se seguiram; alguns benefícios com a chegada dos fundos comunitários que conquistaram algumas consciências de esquerda; crença no progresso capitalista, que não sendo abalada com a recessão de 1993/95, não beneficiou, consequentemente, em termos eleitorais, a esquerda, em 1995;

• O crescimento recente da esquerda institucional deve-se, por um lado, à reacção ao dueto Santana-Portas em 2005 e, desde 1999, ao federalismo aglutinador de diferenças em torno do BE que constituiu um facto novo e mobilizador à esquerda do espectro institucional. Note-se que em 2005, há 213 mil votos adicionais em partidos mas, mais 283 mil na esquerda institucional.

As votações no PC ou coligações onde o partido participa revelam um grande predomínio no seio da esquerda institucional, até 2005, ano em que o PC representa, apenas metade do conjunto.

A evolução dos votos no PC apresenta alguns aspectos relevantes:

• A quebra de 1976 terá sido resultante da não participação do MDP e ainda das sequelas penalizadoras da esquerda após o golpe de 25 de

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Novembro de 1975, perante o qual o papel e a atitude do PC nunca foram claras. Note-se que em 1976 foi a segunda e última vez que o PC concorreu a eleições legislativas sem integração em coligações;

• A ameaça da direita (AD) em 1979/80 ou do bloco central em 1983, eleva os votos no PC acima de um milhão e aumenta o seu peso na esquerda institucional naquele último ano, mercê da grande quebra das formações à sua esquerda;

• Com o cavaquismo inicia-se um periodo de decrescimento contínuo que durou 17 anos. Sensivelmente, em 2002, o PC ao atingir a sua mais baixa marca eleitoral em legislativas, cifra-se apenas com um terço da sua votação máxima, 23 anos antes; e, para mais, num ano em que a direita mais conservadora voltou ao poder, o que lhe poderia ter sido favorável, como polo atraente para o voto de esquerda;

• Em 2005, o PC recupera algum do seu peso eleitoral, no contexto da duma esquerda institucional francamente crescente, mobilizada contra o tonto Santana, que nem a direita queria como primeiro-ministro.

As votações no BE ou nas suas formações originais têm um comportamento irregular no periodo considerado mas, contrariamente ao PC, no que se refere ao último decénio, há um crescimento consolidado que poderá ainda aumentar em Setembro próximo.

• Em 1975/76, as votações na UDP e congéneres ou na LCI (antigo nome do PSR) quedam-se, em conjunto, aquém das verificadas para os “outros”, o que deixa de acontecer no futuro;

• Nas eleições vencidas pela AD, aquelas formações acompanharam o PC na ascensão como na queda, caindo abruptamente nas eleições que conduziram ao bloco central, em 1983, com a perda do deputado da UDP, pese embora a experiência parcial e efémera de aliança entre a UDP e o PSR. Em 1985 retomam algum peso eleitoral e acompanham o PC nas perdas até 1995;

• É em 1999 com a criação do BE que se observa a viragem ascendente, curta em 2002 mas, muito acentuada em 2005 quando o PC, força historicamente dominante na esquerda institucional, fica apenas a 68 mil votos de distância, deixando antever para breve, uma possível repetição do que aconteceu nas últimas eleições europeias, quando o BE suplantou o número de eleitores do PC. Essa viragem torna-se mais previsível dadas as dificuldades do PC em ganhar eleitorado fora da AML e do Alentejo, contrariamente ao BE e a simpatia de que este goza na juventude e alguma classe média.

As votações nas “outras” formações da esquerda institucional apresentam duas fases distintas, uma até 1980 com resultados superiores a 100 mil votos e

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outra posterior, até 2002 com votações em torno dos 50 mil eleitores. Os resultados de 2005 e o crescimento observado nas últimas eleições europeias podem anunciar uma subida consolidada, beneficiando de alguma recusa de um excesso de institucionalismo por parte do PC e do BE.

• Em 1975, este conjunto é dominado pela FSP (Frente Socialista Popular) e pelo MES (Movimento da Esquerda Socialista), que no ano seguinte sofrem grande erosão. Assim, o PCTP/MRPP, proibido de participar nas eleições de 1975, compensa parcialmente aquela erosão, tornando-se a segunda formação em peso eleitoral neste conjunto, em 1976:

• Em 1979, o PCTP/MRPP passa a ser a principal formação desta área ultrapassando uma efémera UEDS, de algum modo, herdeira do conjunto FSP/MES, surgindo, pela primeira vez o POUS a concorrer. É precisamente o POUS que em aliança com o PST alcança um bom resultado em 1980, ultrapassando o PCTP/MRPP que, então, decresce;

• Na década de 80 o PCTP/MRPP situa-se com resultados em torno dos 20 mil votos, quase em igualdade com o POUS em 1983/1985; este, porém, em seguida passa a ter votações muito escassas e o PCTP/MRPP sobe, de futuro, para um patamar superior aos 40 mil votos. Assinala-se ainda o surgimento do PH (Partido Humanista) em 1999, com votações crescentes desde então.

O crescimento global da esquerda institucional - apesar da heterogeneidade de projectos entre as formações integradas sob aquela designação – desde que não alicerçado em movimentações sociais é frágil e conjuntural, não constituindo, de facto, uma ameaça para os interesses estratégicos da burguesia e do capital. Sendo em Portugal, pouco expressivas as manifestações sociais de protesto, desobediência e contestação, nem muito densa a rede de conexões das forças sociais anti-capitalistas, caberá às formações e militantes de esquerda em geral, um papel central de perspectivação política dos trabalhadores, de acentuação das vantagens da sua autonomia reivindicativa e de luta e, não subalternizar estas fulcrais questões ao imediatismo e ao mediatismo da acção parlamentar.

Dificilmente, sem a mobilização da multidão de trabalhadores em geral, precários, desempregados, aposentados, pobres, se sairá da alternância putrefacta entre as facções da mafia bicéfala PS/PSD; e só o afastamento do poder desses gangs constituirá uma mudança qualitativa nas condições de vida, de trabalho e de bem-estar dos residentes em Portugal.

Sem esse esforço de mobilização e envolvimento de grande parte da população trabalhadora e pobre, as subidas eleitorais da esquerda institucional carecem de uma rectaguarda social segura e podem transformar-se em recuos e desmobilização. O sebastianismo, sempre muito presente na mente dos portugueses poderá criar um Berlusconi que satisfaça as

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necessidades de acumulação de uma burguesia fraca e subalterna e aceite por uma multidão convencida da necessidade de sacrifícios “patrióticos”, como criou um Salazar. E, como estamos assistindo, nas instituições europeias o apego à democracia não tem muita cotação, em tempos de crise.

c) Votos em partidos de direita

No quadro que se segue, resumem-se os resultados obtidos pelo partido-Estado PS/PSD, separando as suas duas alas que, aliás sempre concorreram separadas uma da outra, para que o esquema da bipolarização melhor funcione. Esse esquema tem sido utilizado como forma de permitir qualificar o PS como “esquerda” e, assim, facilitar a divisão da população trabalhadora e, em paralelo, definir o PSD como direita, como se existisse alguma análise objectiva que estabeleça distinções que não as derivadas das conjunturas eleitorais e das próprias exigências da encenação bipolarizadora. O carácter de direita do PS, como repetidamente vimos afirmando, tem sido aceite pacificamente pela esquerda institucional que, em vez de contribuir para a clara separação entre a multidão de trabalhadores e ex-trabalhadores, por um lado e a burguesia e o seu mandarinato, por outro, vem arrastando essa clarificação, contribuindo para o engrossar do eleitorado na mafia bicéfala. Essa, sim será a bipolarização criadora e a base para qualquer transformação. A presença do CDS aliado ao PS em 1978, a sua coligação eleitoral com o PSD através da AD em 1979/80 e, mais tarde os acordos pós-eleitorais para a constituição dos governos Durão e Santana, não põem em causa, minimamente essa bipolarização. O CDS está sempre pronto a apoiar e influenciar, ora uma, ora outra facção do partido-Estado, para levar por diante os pontos mais reaccionários, os interesses do capitalismo mais conservador, com as vantagens inerentes para os seus próprios quadros, como é natural. Recorde-se, como em tão curta presença no governo, foi lesta a sua actuação nos casos Portucale, submarinos, entre outros que, claro está, pairam algures na secretária de algum investigador policial ou magistrado.

Milhares de votos

DIREITA Total PS PPD/PSD* Outros nº % nº % nº % nº %

1975 3.705 69,7 2.163 40,7 1.507 28,4 35 0,71976 3.292 63,0 1.913 36,6 1.335 25,6 44 0,81979 3.339 57,1 1.642 28,1 1.664 28,5 32 0,61980 3.508 59,6 1.673 28,4 1.761 29,9 74 1,31983 3.644 65,5 2.061 37,1 1.555 28,0 28 0,51985 3.976 70,3 1.204 21,3 1.732 30,6 1.039 18,41987 4.415 79,5 1.263 22,7 2.851 51,3 302 5,41991 4.729 84,1 1.671 29,7 2.902 51,6 156 2,81995 4.633 80,0 2.584 44,6 2.015 34,8 35 0,61999 4.184 78,8 2.386 45,0 1.750 33,0 48 0,9

2002 4.297 80,1 2.069 38,6 2.201 41,0 28 0,5

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2005 4.242 76,0 2.588 46,4 1.653 29,6 0 0,0

* AD (1979 e 1980) - A repartição dos votos entre PPD, CDS e PPM baseia-se nos resultados de cada um em 1976

No seu conjunto, a direita tradicional engrossou as suas hostes logo em 1975, quando, através do PS, assumiu o combate contra o impulso revolucionário, teleguiado pela embaixada americana e em ligação com a direcção dos militares. O carácter autoritário de alguma esquerda, lançou então, para os braços do PS e, menos para o PSD (ainda hoje “social-democrata”!!), toda uma massa de trabalhadores, mormente do norte e centro, bem como das Regiões Autónomas, com uma cultura menos urbana, menos marcada por lutas laborais, empregada em sectores menos capitalizados ou empresas de menor dimensão, menos empenhada nas transformações pós-25 de Abril. Tacticamente, o PS apresentava-se como “socialista”, como convinha na época mas, de um “socialismo democrático” inventado pelo parlapatão Soares e que, mesmo esse, foi rapidamente engavetado em benefício da reestruturação capitalista.

Em 1976/79 o PS conseguiu firmar o processo de reestruturação capitalista com o apoio financeiro do SPD alemão e afastar a concorrência de Sá Carneiro à inscrição na Internacional Socialista, embrião do prestimoso PSE, actualmente acantonado no Parlamento Europeu. Assim, o PSD teve de se contentar com uma agremiação menos “esquerdista” sem, naturalmente renegar o legado “socialista” quando chegou ao poder em 1979/83.

Nesse periodo de arrumação política da direita portuguesa, o PS/PSD consegue recompor-se das perdas eleitorais iniciais e inicia em 1980 um periodo de aumento de peso eleitoral que atinge o máximo em 1991, com Cavaco, mantendo-se em torno dos 80% dos votos dirigidos até 2002, Retrocedeu um pouco em 2005, por efeito do visível acréscimo da esquerda institucional e em plena crise económica e, se se repetir algo semelhante ao obervado nas recentes eleições europeias, a direita tradicional poderá, de novo reduzir a sua representatividade, porventura abaixo dos 4M de votos.

A distribuição interna dos votos no seio da direita tradicional revela que:

• Os 12 pleitos eleitorais repartem-se igualmente, quanto a vencedores, entre os dois gangs, PS e PSD; no entanto, note-se que as diferenças favoráveis ao PSD em 1979/80 são curtas, tal como em 2002;

• As vitórias do PS são em geral amplas relativamente ao seu gêmeo que, só no periodo cavaquista em 1985/91 alcançam clara vantagem. A maior diferença entre ambos verifica-se a favor do PS em 2005 (mais de 900 mil) e a favor do PSD, em 1987 com quase 1.6 M, depois de ter absorvido a maior parte dos votantes do epifenómeno PRD;

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• Em termos percentuais, o PS consegue o seu maior peso, no conjunto dos votos dirigidos, com Sócrates em 2005 (46.4%) enquanto o PSD consegue o mesmo feito em 1991 (51.6%). Inversamente, quanto aos piores resultados, o PS manifesta-os em 1985 (21.3%), no rescaldo do bloco central e penalizado pelo surgimento do PRD, de Eanes, enquanto o PSD atinge o seu pior resultado em 1976, quando o PS se apresentava como o campeão da normalização capitalista, por delegação dos militares;

• As forças políticas de direita tradicional, exteriores ao PS/PSD não têm logrado um espaço significativo, se se excluir o periodo 1985/91, enquanto se não esfumou a ilusão do partido “ético”, cuja ambição era a criação de uma força política central, género de PRI mexicano, dirigido por um lider providencial, Eanes. Será curioso verificar se, no actual momento de descrédito do PS/PSD os outros movimentos da direita tradicional que, no seu conjunto, conseguiram um bom resultado nas últimas eleições europeias, conseguem repetir essa façanha, em Setembro.

d) Votos em partidos da direita xenófoba ou fascista

Esta direita a que chamamos xenófoba é dominada pelos CDS/PP que se caracteriza pelo seu exacerbado apelo securitário, próprio de quem teme pela segurança da propriedade face à turba e pelos valores tradicionais face à modernidade; daí o seu pendor para uma maior atenção aos problemas da agricultura. A pátria é um tema caro, o que se denota pela apropriação do apoio aos combatentes da guerra colonial e pela exacerbação dos perigos da imigração, agitados como causa da criminalidade e justificando, por conseguinte, a tara securitária e o papel da autoridade e do Estado. O acentuado nacionalismo, contudo não leva o CDS/PP a recusar os apoios comunitários, bem pelo contrário a verberar contra o seu não adequado aproveitamento… Nesta área se insere também o PND, como dissidência do CDS/PP, provavelmente efémera, embora com 40 mil votos em 2005.

O vector fascista desta direita é protagonizado pelo PNR que, pese embora o seu crescimento nas últimas eleições europeias, se mantém marginal, baseando as suas propostas num nacionalismo racista ferozmente anti-imigrantes, mormente se africanos.

Milhares de votos

DIREITA XENÓFOBA Total CDS/PP * Outros nº % nº % nº %1975 435 8,2 435 8,2 0 0,01976 906 17,3 876 16,8 30 0,61979 1.095 18,7 1.023 17,5 73 1,21980 1.105 18,8 1.072 18,2 32 0,51983 761 13,7 717 12,9 45 0,8

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1985 619 11,0 578 10,2 42 0,71987 284 5,1 252 4,5 32 0,61991 265 4,7 254 4,5 11 0,21995 537 9,3 534 9,2 3 0,01999 452 8,5 452 8,5 0 0,0

2002 482 9,0 477 8,9 5 0,12005 468 8,4 416 7,5 51 0,9

* AD (1979 e 1980) - A repartição dos votos entre PPD, CDS e PPM baseia-se nos resultados de cada um em 1976

No que respeita ao espaço da direita xenófoba observa-se o seguinte:

• O CDS/PP quase ocupa todo esse espaço nos 30 anos analisados, uma vez que as outras formações só ultrapassam 1% dos votos dirigidos a partidos, em 1979;

• Em 1975, pese embora a conotação de partido fascista que lhe valeu o boicote de uma realização magna no Porto e o assalto à sede em Lisboa, o então CDS liderado pela volúvel figura de Freitas do Amaral, aglutinou a direita mais conservadora e radical, beneficiando até, da proibição do concurso do PDC às primeiras eleições;

• Curisosamente e embora liberto do anátema de fascista de 1975, o CDS/PP aparece com uma relevância eleitoral semelhante à inicial, entre 1999 e 2005; neste último ano é muito menos atingido eleitoralmente do que o PSD, parceiro maioritário do governo Santana;

• No periodo 1976/80, aproveitando a maré reaccionária que se seguiu ao golpe de 25 de Novembro e com a criação da AD, o CDS/PP atingiu o máximo da sua força;

• Entre o esfarelar da AD e os consulados de Cavaco, o CDS/PP decai enormemente até se transformar no chamado “partido do taxi” dado o número dos seus deputados na AR. As maiorias absolutas de Cavaco contentam a burguesia portuguesa que, assim, dispensa o CDS/PP como força de pressão;

• Com o retorno do PS à área do poder em 1995, o CDS/PP dobra a sua marca eleitoral, beneficiando da crise dinástica no PSD, com uma liderança pouco credível (Fernando Nogueira);

• Nos três últimos confrontos eleitorais a votação no CDS/PP mantêm-se relativamente estável, mesmo com o retorno ao poder, em apoio de Durão e depois a Santana, quando constituia o núcleo duro do governo; ou, quando o advento da novidade Sócrates encaminhou muitos votos tradicionais de direita para a oferta da maioria absoluta ao chamado engenheiro;

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• Até 1987 a direita xenófoba, fora do CDS/PP, era representada essencialmente pelo PDC (Partido da Democracia Cristã) que deixou de surgir desde então. Depois de uma década representada por grupos pouco expressivos, esta direita residual só ganhou expressão com o surgimento do PND em 2005 que, contudo pouco afectou o CDS/PP.

3 – Eleições em Setembro e o futuro

Em suma, os resultados de 30 anos de eleições legislativas conjugados com a situação actual da conjuntura política e económica, numa perspectivação do produto das eleições aprazadas para 27 de Setembro, revelam;

• A cristalização putrefacta da direita tradicional (PS/PSD) no poder, com a manutenção do carácter subalterno, quiçá neo-colonial da burguesia portuguesa, bem como a tradição corrupta e de pilhagem do Estado;

• A desconfiança e repúdio da população pelos partidos tradicionais, não parece vir a conduzir a uma hecatombe eleitoral da direita, nem a uma subida eleitoral transformadora da esquerda institucional;

• É bem patente, hoje, a ausência de perspectivas de melhoria substantiva da situação da esmagadora maioria da população e, que a actual crise só veio tornar mais visível o empobrecimento geral e a falência do modelo exportador baseado em baixos salários associado ao predomínio do capital financeiro e do imobiliário;

• A participação eleitoral de cada um é uma forma limitada de interferir na definição do poder e que não deve afastar, antes complementar, a preponderância de modos autónomos de organização e luta, por parte dos trabalhadores e da multidão em geral, com um funcionamento baseado em redes e ligações não hierarquizadas;

• Essas formas de actuação e organização são o modo mais eficaz de combater a concentração e a fascização do poder na Europa, que decorre em paralelo com a precariezação, não só no trabalho como na vida em geral de cada um de nós, sendo esta apenas um passo atrás da prática de um genocídio conveniente para um capitalismo sem capacidade de criação de riqueza e de um bem-estar mínimo para a maioria da população mundial.

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