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377 CAPÍTULO 40 Transporte de Oxigênio e de Dióxido de Carbono no Sangue e em Outros Líquidos Corporais Depois de difundir-se dos alvéolos para o sangue capilar pulmonar, o oxigênio, principalmente em combinação com a hemoglobina, é transportado para os capilares dos tecidos, onde é liberado para uso das células. A presença de hemoglobina nas ternárias permite que a quantidade de oxigênio transportada pelo sangue seja 30 a 100 vezes maior do que seria se o oxigênio fosse transportado apenas sob a forma de oxigênio dissolvido na águadosangue. Nas células teciduais, o oxigênio reage com diversas substâncias nutrientes, dando origem a grandes quantidades de dióxido de carbono. Este, por sua vez, entra nos capilares dos tecidos e é transportado para os pulmões. Da mesma forma que o oxigênio, o dióxido de carbono também se combina no sangue com substâncias químicas que aumentam em 15 a 20 vezes o transporte de dióxido de carbono. A finalidade deste capítulo é descrever, qualitativa e quantitativamente, os princípios físicos e químicos que regem o transporte de oxigênio e dióxido de carbono no sangue e em outros líquidos corporais. AS PRESSÕES DE OXIGÊNIO E DE DIÓXIDO DE CARBONO NOS PULMÕES, NO SANGUE E NOS TECIDOS Nas discussões apresentadas no Cap. 39, foi dito que os gases podem mover-se de um ponto a outro por meio do processo de difusão e que a causa deste movimento é sempre uma diferença de pressões entre os dois pontos. Assim, o oxigênio difunde-se dos alvéolos para o sangue existente nos capilares pulmonares porque a pressão de oxigênio (Po 2 ) nos alvéolos é maior do que a Po 2 no sangue capilar pulmonar. Similarmente, nos tecidos a PO 2 mais alta no sangue capilar faz com que o oxigênio se difunda para as células. Inversamente, quando o oxigênio é metabolizado nas células e dá origem ao dióxido de carbono, a pressão do dióxido de carbono (Pco 2 ) alcança um valor elevado, o que faz com que o dióxido de carbono se difunda para os capilares dos tecidos. Da mesma forma, o dióxido de carbono difunde-se do sangue para os alvéolos porque a Pco 2 do sangue capilar pulmonar é superior à dos alvéolos. Basicamente, portanto, o transporte de oxigênio e de dióxido de carbono pelo sangue depende da difusão gasosa e da circulação sanguínea. No trecho que se segue, consideraremos os aspectos quantitativos envolvidos nesses fenômenos. Captação de Oxigênio pelo Sangue Pulmonar A parte superior da Fig. 40.1 representa um alvéolo pulmonar adjacente a um capilar pulmonar, ilustrando a difusão de moléculas de oxigênio entre o ar alveolar e o sangue capilar pulmonar. A pressão parcial de oxigênio no ar alveolar (P A O 2 ) é, em média, de 104 mm Hg, ao passo que a pressão parcial de oxigênio no sangue venoso misto (P v o 2 ) que chega aos capilares pulmonares é, em média, de apenas 40 mm Hg, pois uma grande quantidade de oxigênio é removida do sangue à medida que ele passa pelos tecidos periféricos. Assim sendo, a diferença de pressões que inicialmente é responsável pela difusão do oxigênio para dentro dos capilares pulmonares é de 104 - 40 - 64 mm Hg. A curva localizada abaixo do capilar mostra a rápida elevação da Po 2 sanguínea, à medida que o sangue passa pelo capilar, e revela que a Po 2 se torna praticamente idêntica à do ar alveolar no momento em que o sangue acaba de percorrer a primeira terça parte do comprimento do capilar, chegando quase a 104 mm Hg. Captação de Oxigênio pelo Sangue Capilar Pulmonar Durante o Exercício. Durante exercício extenuante, o corpo humano pode exigir uma quantidade de oxigênio até 20 vezes superior à normal.

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CAPÍTULO 40

Transporte de Oxigênio e de Dióxido de Carbonono Sangue e em Outros Líquidos Corporais

Depois de difundir-se dos alvéolos para o sangue capilarpulmonar, o oxigênio, principalmente em combinação com ahemoglobina, é transportado para os capilares dos tecidos, ondeé liberado para uso das células. A presença de hemoglobinanas ternárias permite que a quantidade de oxigênio transportadapelo sangue seja 30 a 100 vezes maior do que seria se o oxigêniofosse transportado apenas sob a forma de oxigênio dissolvidona água do sangue.

Nas células teciduais, o oxigênio reage com diversassubstâncias nutrientes, dando origem a grandes quantidades dedióxido de carbono. Este, por sua vez, entra nos capilares dostecidos e é transportado para os pulmões. Da mesma forma queo oxigênio, o dióxido de carbono também se combina nosangue com substâncias químicas que aumentam em 15 a 20vezes o transporte de dióxido de carbono.

A finalidade deste capítulo é descrever, qualitativa equantitativamente, os princípios físicos e químicos que regem otransporte de oxigênio e dióxido de carbono no sangue e emoutros líquidos corporais.

AS PRESSÕES DE OXIGÊNIO E DE DIÓXIDO DECARBONO NOS PULMÕES, NO SANGUE E NOSTECIDOS

Nas discussões apresentadas no Cap. 39, foi dito que osgases podem mover-se de um ponto a outro por meio doprocesso de difusão e que a causa deste movimento é sempreuma diferença de pressões entre os dois pontos. Assim, ooxigênio difunde-se dos alvéolos para o sangue existente noscapilares pulmonares porque a pressão de oxigênio (Po2) nosalvéolos é maior do que a Po2 no sangue capilar pulmonar.Similarmente, nos tecidos a PO2 mais alta no sangue capilarfaz com que o oxigênio se difunda para as células.

Inversamente, quando o oxigênio é metabolizado nas célulase dá origem ao dióxido de carbono, a pressão do dióxido decarbono (Pco2) alcança um valor elevado, o que faz com que odióxido de carbono se difunda para os capilares dos tecidos.Da mesma forma, o dióxido de carbono difunde-se do sanguepara os alvéolos porque a Pco2 do sangue capilar pulmonar ésuperior à dos alvéolos.

Basicamente, portanto, o transporte de oxigênio e de dióxidode carbono pelo sangue depende da difusão gasosa e dacirculação sanguínea. No trecho que se segue, consideraremosos aspectos quantitativos envolvidos nesses fenômenos.

Captação de Oxigênio pelo Sangue Pulmonar

A parte superior da Fig. 40.1 representa um alvéolopulmonar adjacente a um capilar pulmonar, ilustrando adifusão de moléculas de oxigênio entre o ar alveolar e osangue capilar pulmonar. A pressão parcial de oxigênio no aralveolar (PAO2) é, em média, de 104 mm Hg, ao passo que apressão parcial de oxigênio no sangue venoso misto (Pvo2) quechega aos capilares pulmonares é, em média, de apenas 40 mmHg, pois uma grande quantidade de oxigênio é removida dosangue à medida que ele passa pelos tecidos periféricos. Assimsendo, a diferença de pressões que inicialmente é responsável peladifusão do oxigênio para dentro dos capilares pulmonares é de104 - 40 - 64 mm Hg. A curva localizada abaixo do capilarmostra a rápida elevação da Po2 sanguínea, à medida que osangue passa pelo capilar, e revela que a Po2 se tornapraticamente idêntica à do ar alveolar no momento em que osangue acaba de percorrer a primeira terça parte docomprimento do capilar, chegando quase a 104 mm Hg.

Captação de Oxigênio pelo Sangue Capilar PulmonarDurante o Exercício. Durante exercício extenuante, o corpohumano pode exigir uma quantidade de oxigênio até 20 vezessuperior à normal.

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Fig. 40.2 Variações da Po2 no sangue capilar pulmonar, no sanguearterial e no sangue dos capilares sistêmicos; observa-se o efeito damistura venosa.

Fig. 40.1 Captação de oxigênio pelo sangue capilar pulmonar. (A cur-va mostrada nesta figura foi construída a partir de dados de Milhorn ePulley: Biophys. J., 8:331, 1968.)

Além disso, por causa do aumento de débito cardíaco, o tempoque o sangue permanece nos capilares pode ser reduzido a menosda metade, embora novos capilares se abram. Estes doisfenômenos poderiam prejudicar a oxigenação sanguínea.Entretanto, graças ao grande fator de segurança do processo dedifusão do oxigênio através da membrana pulmonar, o sangue, aodeixar os capilares pulmonares, continua quase que totalmentesaturado com oxigênio. Isto pode ser explicado como se segue.

Em primeiro lugar, foi explicado, no Cap. 39, que acapacidade de difusão para o oxigênio aumenta quase trêsvezes durante o exercício; isto resulta principalmente doaumento da área dos capilares que participam da difusão, mastambém da melhora da relação ventilação-perfusão nas partessuperiores dos pulmões.

Em segundo lugar, observe, na Fig. 40.1, que, quando ofluxo sanguíneo pulmonar é normal, o sangue fica quasetotalmente saturado com oxigênio ao chegar ao fim do terçoinicial do capilar pulmonar, havendo pouca captação adicionalde sangue nos dois terços seguintes. Em outras palavras, osangue permanece nos capilares pulmonares por um tempoque é três vezes superior ao que seria suficiente para a suaplena oxigenação.

Em conseqüência, durante o exercício, mesmo com adiminuição do tempo de exposição nos capilares, o sangueainda consegue ser totalmente oxigenado, ou quase.

Transporte de Oxigênio no Sangue Arterial

Do sangue que chega ao átrio esquerdo vindo do pulmão, cercade 98% passam pelos capilares alveolares, onde foramoxigenados a ponto de ficarem com uma Po, de 104 mm Hg,conforme já explicado.

Outros 2% vêm diretamente da aorta através da circulaçãobrônquica, que supre principalmente os tecidos desustentação dos pulmões; esta parcela de sangue não é expostaao ar alveolar. Este fluxo sanguíneo é composto de sangueshuntado, ou seja, sangue que não passou pelas áreas ondeocorrem as trocas gasosas. Ao deixar os pulmões, o sangueshuntado tem uma Po2 que é aproximadamente igual à dosangue venoso misto normal (cerca de 40 mm Hg).

Este sangue combina-se nas veias pulmonares com o sangueoxigenado proveniente dos capilares alveolares; esta mistura desangues, à qual se dá o nome de mistura venosa de sangue, fazcom que a Po2 do sangue bombeado pelo ventrículo esquerdopara dentro da aorta, caia para cerca de 95 mm Hg. A Fig. 40.2mostra as modificações sofridas pela Po, sanguínea em diferentespontos do sistema circulatório.

Difusão do Oxigênio dos Capilares Periféricos para oLíquido dos Tecidos

Quando o sangue arterial chega aos capilares dos tecidosperiféricos, sua Po2 ainda é de 95 mm Hg. Por outro lado, como émostrado na Fig. 40.3, a Po2 do líquido intersticial que circunda ascélulas dos tecidos é, em média, de apenas 40 mm Hg. Assim,existe inicialmente uma enorme diferença de pressões que fazcom que o oxigênio se difunda do sangue para os tecidos; tãorapidamente que a Po2 capilar cai a um valor quase igual aos 40mm Hg existentes no interstício. Em conseqüência, a Po2 dosangue que deixa os capilares dos tecidos e entra nas veiastambém é de aproximadamente 40 mm Hg.

Efeito da Intensidade do Fluxo Sanguíneo Sobre aPo2 do Líquido Intersticial. Se ocorre aumento no fluxosangüíneo através de um determinado tecido, maior quantidade deoxigênio é levada a esse tecido na unidade de tempo e,correspondentemente, a Po, do tecido aumenta. Tal efeito é mostrado naFig. 40.4. Observe que um "aumento de 400% no fluxo sanguíneo au-menta a Po, de 40 mm Hg (ponto A da figura) para 66 mm Hg (ponto B).Entretanto, o valor mais alto que a Po, pode alcançar, mesmo empresença de um fluxo sanguíneo máximo, é de 95 mm Hg. pois esta é apressão parcial de oxigênio no sangue arterial.

Efeito da Intensidade do Metabolismo Tecidualsobre a Po2 do Líquido Intersticial. Se as célulasconsumirem mais oxigênio do que o normal para seu metabolismo,isto tenderá a reduzir a Po2 do líquido intersticial. A Fig. 40.4também ilustra este efeito, mostrando que a Po2 do líquido intersticialdiminui quando o consumo de oxigênio pelas células aumenta e. aocontrário, que n Po, aumenta quando o consumo diminui.

Fig. 40.3 Difusão do oxigênio de um capilar tecidual para as células

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Fig .40.4 Efeitos do fluxo e do consumo de oxigênio sobre a PO2dos tecidos.

DIFUSÃO DO DIÓXIDO DE CARBONO DAS CÉLULASPARA OS CAPILARES TECIDUAIS E DOS CAPILARESPULMONARES PARA OS ALVÉOLOS

Quando o oxigênio é utilizado pelas células, sua maior partetransforma-se em dióxido de carbono, com conseqüente elevaçãoda Pco2 intracelular. Por conseguinte, o dióxido de carbono di-funde-se das células para o interior dos capilares teciduais e,em seguida, é transportado pelo sangue até os pulmões, ondesofre difusão dos capilares pulmonares para os alvéolos. Assim,em cada ponto da cadeia de transporte de gases, o dióxido decarbono difunde-se exatamente na direção oposta à difusão dooxigênio. Contudo, existe uma grande diferença entre a difusãodo dióxido de carbono e a do oxigênio: o dióxido de carbonodifunde-se cerca de 20 vezes mais rapidamente que o oxigênio.Por conseguinte, as diferenças de pressão que ocasionam a difusãodo dióxido de carbono são, em cada caso, muito menores doque as diferenças de pressão necessárias para haver difusão deoxigênio. Essas pressões são as seguintes:

1. Pco2 intracelular de cerca de 46 mm Hg; Pco2 intersticialde cerca de 45 mm Hg; por conseguinte, existe uma diferençade pressão de apenas 1 mm Hg, conforme ilustrado na Fig. 40.5.

2. Pco2 do sangue arterial que chega aos tecidos, 40 mmHg; Pco3 do sangue venoso que deixa os tecidos, cerca de 45mm Hg; por conseguinte, conforme também indicado na Fig.40.5, o sangue capilar tecidual entra quase exatamente em equilí-brio com a Pco2 intersticial, que também é de 45 mm Hg.

3. Pco2 do sangue venoso que penetra nos capilares pulmo-nares, 45 mm Hg; Pco2 do ar alveolar, 40 mm Hg; por conseguinte, diferença de pressão de apenas 5 mm Hg determina todaa difusão necessária de dióxido de carbono dos capilares pulmo-nares para os alvéolos. Além disso, conforme ilustrado na Fig.40.6, a Pco2 do sangue capilar pulmonar cai quase exatamenteaté um valor igual ao da Pco2 alveolar de 40 mm Hg antesde ter percorrido mais de cerca de um terço da distância aolongo dos capilares. Trata-se do mesmo efeito que foi observadoantes para a difusão do oxigênio.

Efeito do metabolismo tecidual e do fluxo sanguíneosobre a Pco2 intersticial. O fluxo sanguíneo capilar e ometabolismo teciduais afetam a Pco2 de maneira exatamenteoposta à que afetam a Po2 tecidual. A Fig. 40.7 mostra essesefeitos:

1. A redução do fluxo sanguíneo normal, indicado no pontoA, para um quarto do normal, indicado no ponto B, eleva aPCO2 tecidual de seu valor normal de 45 mm Hg para o nívelde 60 mm Hg. Por outro lado, o aumento do fluxo sanguíneopara seis vezes o seu valor normal, indicado no ponto C, diminui

Fig. 40.6 Difusão do dióxido de carbono do sangue capilar para oalvéolo. (Esta curva foi construída a partir de dados de Milhorn ePulley: Biophys- /., 5:337, 1968.)

a Pco2 normal de 45 mm Hg para 41 mm Hg, ou seja, atéquase o nível igual à Pco2 no sangue arterial, de 40 mm Hg,ao penetrar nos capilares teciduais.

2. Deve-se também observar que um aumento de três vezesdo metabolismo eleva acentuadamente a Pco2 para todos os níveisdo fluxo sanguíneo, enquanto a diminuição do metabolismo paraum quarto do normal acarreta queda da Pco2 no líquido inters-ticial para cerca de 41 mm Hg, aproximando-se muito da obser-vada no sangue arterial, de 40 mm Hg.

TRANSPORTE DO OXIGÊNIO NO SANGUE

Em condições normais, cerca de 97% do oxigênio transpor-tado dos pulmões para os tecidos estão quimicamente combinadoscom a hemoglobina presente nos eritrócitos, enquanto os 3%restantes são transportados no estado dissolvido na água do plas-ma e das células. Por conseguinte, em condições normais, ooxigênio é transportado até os tecidos quase totalmente pelahemoglobina.

Fig. 40.5 Captação de dióxido de carbono pelo sangue nos capilares.Fig. 40.7 Efeito do fluxo sanguíneo e do metabolismo sobre a Pco2tecidual.

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Fig. 40.9 Efeito da Po2 do sangue sobre a quantidade de oxigênio ligadoà hemoglobina em cada 100 ml de sangue.

Hg. 40.8 Curva de dissociação de oxigênio-hemoglobina.

COMBINAÇÃO REVERSÍVEL DO OXIGÊNIO COMA HEMOGLOBINA

A química da hemoglobina foi apresentada no Cap. 32, ondefoi frisado que a molécula de oxigênio se combina fracamentee de modo reversível com a porção heme da hemoglobina. Quan-do a Po2 está elevada, como ocorre nos capilares pulmonares,o oxigênio liga-se à hemoglobina; entretanto, quando a Po2 estábaixa, como nos capilares teciduais, o oxigênio é liberado dahemoglobina. Esta é à base do transporte de quase todo ooxigênio dos pulmões para os tecidos.

Curva de dissociação do oxigênio-hemoglobina. A Fig. 40.8ilustra a curva de dissociação do oxigênio-hemoglobina, mos-trando aumento progressivo da percentagem de hemoglobinaque se liga ao oxigênio à medida que a Po2 aumenta. Esse pro-cesso é denominado percentagem de saturação da hemoglobina.Como o sangue nas artérias possui geralmente Po2 de cerca de95 mm Hg, podemos verificar, com base na curva de dissociação,que a saturação habitual do oxigênio do sangue arterial situa-seem torno de 97%. Por outro lado, no sangue venoso normalque retorna dos tecidos, a Po2 é de cerca de 40 mm Hg, e asaturação da hemoglobina ê de cerca de 75%.

Quantidade máxima de oxigênio que pode combinar-se coma hemoglobina do sangue. O sangue de uma pessoa normal contémaproximadamente 15 g de hemoglobina para cada 100 ml desangue, cada grama de hemoglobina pode ligar-se a cerca de1,34 ml de oxigênio, no máximo (1,39 ml quando a hemoglobinaé quimicamente pura; todavia, esse valor fica reduzido devidoa impurezas, como a metemoglobina). Por conseguinte, em mé-dia, a hemoglobina presente em 100 ml de sangue pode combi-nar-se a um total de quase exatamente 20 ml de oxigênio quandoa saturação da hemoglobina é de 100%. Geralmente, isso é ex-presso como 20 volumes por cento. Por conseguinte, a curvade dissociação do oxigênio-hemoglobina para a pessoa normaltambém pode ser expressa em termos de volume por cento deoxigênio, conforme indicado na escala da Fig. 40.8 à direita,cm lugar de sê-lo em percentagem de saturação da hemoglobina.

Quantidade de oxigênio liberado pela hemoglobina nos teci-dos. A quantidade total de oxigênio ligada à hemoglobina nosangue arterial normal, cuja saturação é de 97%, é de cercade 19,4 ml por litro de sangue. Isso está ilustrado na Fig. 40.9.Ao passar pelos capilares teciduais, essa quantidade é reduzida,em média, para 14,4 ml (Po2 de 40 mm Hg, saturação dahemoglobina de 15%). Assim, em condições normais, cerca

de 5 ml de oxigênio são transportados até os tecidos em cada delitro de sangue.

Transporte do oxigênio durante o exercício intenso. No exer-cício pesado, as células musculares utilizam oxigênio com altavelocidade, determinando queda da Po2, do líquido intersticialpara apenas 15 mm Hg. Nessa pressão, apenas 4,4 ml de oxigêniocontinuam ligados à hemoglobina em cada decilitro de sangue,conforme indicado na Fig. 40.9. Dessa maneira, 19,4 — 4,4,ou seja 15 ml, é a quantidade de oxigênio que passa, então,a ser transportada em cada 100 ml de sangue. Por conseguinte,ocorre transporte de três vezes mais oxigênio em cada volumede sangue que passa pelos tecidos. E, se lembrarmos que o débitocardíaco também pode aumentar de seis a sete vezes em corre-dores bem treinados de maratona, a multiplicação desses doisvalores dará um aumento de 20 vezes no transporte de oxigêniopara os tecidos: esse é, aproximadamente, o limite que podeser alcançado.

Coeficiente de utilização. A percentagem de sangue que for-nece seu oxigênio ao fluir pelos capilares teciduais é denominadacoeficiente de utilização. Seu valor normal é de aproximadamente25%, como podemos depreender da exposição anterior. Todavia,durante o exercício intenso, o coeficiente de utilização em todoo organismo pode aumentar por até 75 a 85%. E, nas áreasteciduais locais onde o fluxo sanguíneo é muito lento ou ondeo metabolismo é muito elevado, foram registrados coeficientesde utilização que se aproximam de 100% — ou seja, ocorreremoção de praticamente todo o oxigênio.

EFEITO DA HEMOGLOBINA NO"TAMPONAMENTO" DO OXIGÊNIO TECIDUAL

Embora a hemoglobina seja necessária para o transportede oxigênio para os tecidos, ela ainda desempenha outra funçãoimportante, essencial à vida. Com efeito, ela atua como sistematampão do oxigênio tecidual", isto é, a hemoglobina no sangue éa principal responsável pela estabilização da pressão de oxigênionos tecidos. Esse processo pode ser explicado da seguinte ma-neira:

Papel da hemoglobina para manter constante a Po2 nos teci-dos. Em condições basais, os tecidos necessitam de cerca de5 ml de oxigênio de cada decilitro de sangue que flui pelos capila-res teciduais. Retornando à curva de dissociação de oxigênio-hemoglobina da Fig. 40.9, poderemos verificar que, para seremliberados 5 ml de oxigênio, a Po2 deve cair para cerca de 40mm Hg. Por conseguinte, a Po2 tecidual, normalmente, não podeelevar-se acima desse nível de 40 mm Hg, visto que, se issoocorresse, o oxigênio necessário para os tecidos não poderia

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ser liberado da hemoglobina. Dessa maneira, a hemoglobinaestabelece normalmente um limite superior de cerca de 40 mmHg para a pressão gasosa dos tecidos.

Por outro lado, no exercício intenso, grandes quantidadesadicionais de oxigênio devem ser liberadas da hemoglobina paraos tecidos. Todavia, essa liberação pode ser efetuada com umdecréscimo adicional muito pequeno da Po2 tecidual — até umnível de 15 a 25 mm Hg —, devido à inclinação acentuada dacurva de dissociação; isto é, a queda pequena da Po2 determinaa liberação de grandes quantidades de oxigênio.

Podemos concluir, então, que a hemoglobina no sangue libe-ra automaticamente oxigênio para os tecidos, com pressão queé mantida rigorosamente entre cerca de 15 a 40 mm Hg.

Valor da hemoglobina para manter a Po2 tecidual constantequando a concentração de oxigênio atmosférico modifica-se demodo acentuado. A Po2 normal nos alvéolos é de cerca de 104mm Hg; entretanto, quando se escala uma montanha ou se voanum avião, a Po2 pode facilmente cair para menos da metadedesse valor. Ou, quando se entra em áreas de ar comprimido,como na profundidade do oceano ou em câmaras pressurizadas,a Po2 pode aumentar por até 10 vezes. Mesmo assim, a Po2tecidual modifica-se muito pouco. Vamos explicar isso.

Com base na curva de dissociação do oxigênio-hemoglobinana Fig. 40.8, podemos verificar que, quando a Po2 alveolar dimi-nui para 60 mm Hg, a saturação da hemoglobina arterial aindaé de 89%, ou seja, apenas 8% abaixo da saturação normal de97%. Além disso, os tecidos ainda removem cerca de 5 ml deoxigênio de cada decilitro de sangue que flui pelos tecidos; pararemover esse oxigênio, a Po3 do sangue venoso cai para 35 mmHg, apenas 5 mm abaixo do valor normal. Por conseguinte, aPo2 tecidual dificilmente se modifica, a despeito da acentuadaqueda da Po2 alveolar de 104 para 60 mm Hg.

Por outro lado, quando a Po2 alveolar se eleva até 500 mmHg, a saturação máxima de oxigênio da hemoglobina nunca podeultrapassar 100%, o que corresponde a apenas 3% acima donível normal de 97%. Somente pequena quantidade de oxigênioadicional dissolve-se no líquido do sangue, conforme discutidoadiante. Por conseguinte, quando o sangue flui pelos capilaresteciduais, ele ainda perde alguns mililitros de oxigênio para ostecidos, o que reduz automaticamente a Po2 do sangue capilarpara um valor de apenas poucos milímetros acima do normalde 40 mm Hg.

Conseqüentemente, o nível de oxigênio alveolar pode variarsobremaneira — de 60 para mais de 500 mm Hg de Po2 —e, mesmo assim, a Po3 do tecido não varia por mais do quealguns milímetros em relação ao normal, ilustrando magnifica-mente a função de tamponamento do oxigênio tecidual pela he-moglobina do sangue.

DESVIO DA CURVA DE DISSOCIAÇÃO DOOXIGÊNIO-HEMOGLOBINA E SEU SIGNIFICADO

As curvas de dissociação de oxigênio-hemoglobina das Figs. 40.8e 40.9 são as do sangue comum normal. Entretanto, diversos fatoresdistintos podem deslocar a curva de dissociação em uma ou outra direção,como ilustra a Fig. 40.10. Essa figura mostra que, quando o sanguese torna ligeiramente ácido, com declínio do pH de seu valor normalde 7,4 para 7,2, a curva de dissociação do oxigênio-hemoglobina desvia-se, em média, por cerca de 15% para a direita. Por outro lado, o aumentodo pH para 7,6 desloca a curva, em proporção semelhante, para a esquer-da.

Além das alterações do pH, também são conhecidos vários outrosfatores que causam desvio da curva. Três desses fatores. que deslocama curva para a direita, são: (1) aumento da concentração de dióxidode carbono, (2) elevação da temperatura corporal, e (3) aumento do2,3-difosfoglicerato, um composto de fosfato normalmente presente nosangue, porém em diversas concentrações cm diferentes condições.

Fig. 40.10 Desvio da curva de dissociação de oxigênio-hemoglobina paraa direita, devido a aumento (1) dos íons hidrogênio, (2) do CO2, (3)da temperatura, ou (4) do 2,3-difosfoglicerato (DPG).

Uma condição que desvia a curva de dissociação para a esquerdaé a presença no sangue de grandes quantidades de hemoglobina fetal,um tipo de hemoglobina normalmente presente no feto antes do nasci-mento, que difere da hemoglobina normal denominada hemoglobinado adulto. O desvio da curva para a esquerda na presença de hemoglobinafetal é importante para o suprimento de oxigênio aos tecidos fetais nascondições hipóxicas em que vive o feto. Esse aspecto será discutidocom maiores detalhes no Cap. 82.

Importância do efeito do dióxido d« carbono e dos íonshidrogênio para o desvio da curva de dissociação do oxigênio-hemoglohina — efeito Bohr. O desvio da curva de dissociação dooxigênio-hemoglobina ocasionado por variações do CO2 e dos íonshidrogênio do sangue possui efeito muito significativo, aumentando aoxigenação do sangue nos pulmões, bem como a liberação de oxigênio dosangue nos tecidos- Trata-se do denominado efeito Bohr, que pode serexplicado da seguinte maneira: quando o sangue passa pelos pulmões, odióxido de carbono sofre difusão do sangue para os alvéolos. Essadifusão reduz a Pco2 do sangue e, também, diminui a concentração deíons hidrogênio, devido à conseqüente redução do ácido carbônico dosangue. Ambos os efeitos desviam a curva de dissociação do oxigênio-hemoglobina para a esquerda e para cima, conforme ilustrado na Fig.40.10. Por conseguinte, a quantidade de oxigênio que se liga àhemoglobina em qualquer nível da Po2 alveolar aumenta de modoconsiderável, permitindo, assim, maior transporte de oxigênio para ostecidos. A seguir, quando o sangue alcança os capilares teciduais. verifica-se exatamente o efeito oposto. O dióxido de carbono que penetra nosangue a partir dos tecidos desvia a curva para a direita, o que deslocao oxigênio da hemoglobina e, portanto, faz com que os tecidos recebamoxigênio sob Po2 mais alta que a que poderia ocorrer em outrascondições.

Efeito do 2,3-difosfoglicerato (DPG). O DPG normal no sanguemantêm a curva de dissociação oxigênio-hemoglobina ligeiramentedesviada para a direita. Além disso, em condições de hipoxia queperdurem por mais de algumas horas, a quantidade de DPG no sangueaumenta de modo considerável, com o conseqüente desvio da curva dedissociação ainda mais para a direita. Esse maior deslocamento determinaa liberação de oxigênio para os tecidos com pressão de oxigênio 10 mmHg maior do que a que ocorreria sem esse aumento do DPG. Porconseguinte, afirmava-se no passado que esse poderia constituir nummecanismo importante de adaptação à hipoxia. Todavia, a presença deDPG em excesso também dificulta a combinação da hemoglobina com ooxigênio nos pulmões quando a Po2 alveolar está reduzida, causandoquase sempre tanto prejuízo quanto benefício. Por isso, é questionávelo fato de o desvio da curva de dissociação pelo DPG ser tão benéficona hipoxia quanto se acreditava.

Desvio da curva de dissociação durante o exercício. Noexercício, diversos fatores desviam consideravelmente a curva dedissociação para a direita. Os músculos em atividade liberam grandesquantidades de dióxido de carbono; este, em associação com váriosácidos liberados pelo músculo em exercício, aumenta a concentração deíons hidrogênio no sangue capilar dos músculos.

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Além disso, a temperatura do músculo quase sempre se eleva por 2 a3DC, e, por fim, ocorre liberação de compostos de fosfato. Todos essesfatores atuam em conjunto para desviar consideravelmente a curva dedissociação de oxigênio-hemoglobina do sangue capilar muscular paraa direita. Esse desvio para a direita da curva da hemoglobina permite,algumas vezes, a liberação de oxigênio no músculo com Po2 elevada, deaté 40 mm Hg (valor normal em repouso), até mesmo quando até 75 a85% do oxigênio estão sendo removidos da hemoglobina. A seguir, nospulmões, o desvio ocorre na direção oposta, permitindo, assim, acaptação de maiores quantidades de oxigênio dos alvéolos.

UTILIZAÇÃO METABÓLICA DO OXIGÊNIO PELASCÉLULAS

Relação entre a Po2 intracelular e a velocidade de utilizaçãodo oxigênio. Apenas um diminuto nível de pressão de oxigênioé necessário nas células para que ocorram as reações químicasintracelulares normais. A razão disso é que os sistemas enzimá-ticos respiratórios da célula, que serão discutidos no Cap. 67,estão estruturados de tal maneira que, quando a Po2 celularé superior a 1 a 3 mm Hg, a disponibilidade de oxigênio deixade ser um fator limitante para a velocidade das reações químicas.Ao contrário, o principal fator limitante passa a ser a concen-tração de difosfato de adenosina (ADP) nas células, conformeexplicado no Cap. 3. Esse efeito está ilustrado na Fig. 40.11,que mostra a relação entre a Po2 intracelular e a velocidadede utilização do oxigênio. Podemos observar que, toda vez quea Po2 intracelular for superior a 1 a 3 mm Hg, a velocidadede utilização do oxigênio fica constante, qualquer que seja aconcentração de ADP na célula. Por outro lado, quando a concen-tração de ADP se encontra alterada, a velocidade de utilizaçãodo oxigênio modifica-se proporcionalmente à variação da concen-tração de ADP.

Conforme discutido no Cap. 3, quando o trifosfato de adeno-sina (ATP) é utilizado nas células para fornecer energia, elese converte em ADP. Por sua vez, a concentração crescentede ADP aumenta a utilização metabólica do oxigênio e dos váriosnutrientes que se combinam com ele para liberar energia. Essaenergia é utilizada para a nova síntese de ATP. Por conseguinte,em condições normais de operação, a velocidade de utilização

Fig. 40.11 Efeito da Po2 intracelular sobre a velocidade de utilizaçãodo oxigênio pelas células. Observar que o aumento da concentraçãointracelular de difosfato de adenosina (ADP) aumenta a velocidade deutilização do oxigênio.

do oxigênio pelas células é controlada, em última análise, pelavelocidade do consumo energético nas células — isto ê, pela veloci-dade de formação do ADP a partir do ATP. Somente nos estadosmuitos hipóxicos é que a disponibilidade de oxigênio passa aconstituir condição limitante.

Efeito da distância de difusão entre os capilares e as célulasna utilização do oxigênio. Raramente a distância entre as célulase um capilar é maior do que 50 /xm, de modo que, normalmente,o oxigênio pode difundir-se dos capilares para as células comrapidez suficiente para suprir toda a quantidade necessária deoxigênio utilizado no metabolismo. Todavia, em certas ocasiões,as células se localizam a distâncias maiores dos capilares, e avelocidade de difusão do oxigênio para elas é tão lenta que aPo2 intracelular cai abaixo do nível crítico de 1 a 3 mm Hg,necessário para manter o metabolismo intracelular máximo. Porconseguinte, nessas condições, a utilização do oxigênio pelas célu-las é limitada pela difusão, e não pela quantidade de ADP forma-do no interior das células. Felizmente, isso quase nunca ocorre,exceto em estados patológicos.

Efeito do fluxo sanguíneo sobre a utilização metabólica dooxigênio. A quantidade total de oxigênio disponível por minuto,para sua utilização em qualquer tecido, é determinada (1) pelaquantidade de oxigênio transportado em cada decilitro de sanguee (2) pela velocidade do fluxo sanguíneo. Se a velocidade dofluxo sanguíneo cair para zero, a quantidade de oxigênio dispo-nível obviamente também cai para zero. Por conseguinte, hámomentos em que a velocidade do fluxo sanguíneo por determi-nado tecido pode ser tão lenta que a Po2 tecidual cai abaixodo valor crítico de 1 a 3 mm Hg, necessário para o metabolismointracelular máximo. Nessas condições, a velocidade de utilizaçãodo oxigênio pelos tecidos é limitada pelo fluxo sanguíneo. Toda-via, nem a utilização do oxigênio limitada pela difusão, nema limitada pelo fluxo sanguíneo podem persistir por muito tempo,visto que as células nessas condições recebem menos oxigêniodo que o necessário para a manutenção de sua própria vida.

TRANSPORTE DE OXIGÊNIO NO ESTADO DISSOLVIDO

Na Po2 arterial normal de 95 mm Hg, cerca de 0,29 ml de oxigênioestão dissolvidos em cada decilitro de sangue. A seguir, quando a Po2do sangue cai para 40 mm Hg, nos capilares teciduais, apenas 0,12 mlde oxigênio permanecem dissolvidos. Em outras palavras, 0,17 ml deoxigênio são normalmente transportados no estado dissolvido aos tecidosem cada decilitro de sangue. Esse valor contrasta com quase 5,0 mltransportados pela hemoglobina. Por conseguinte, a quantidade deoxigênio transportada para os tecidos no estado dissolvido énormalmente pequena, de apenas cerca de 3% do total, em comparaçãocom os 97% transportados pela hemoglobina. Durante o exercíciointenso, quando a liberação de oxigênio da hemoglobina para ostecidos aumenta por três vezes, a quantidade relativa transportada, entãono estado dissolvido, cai para apenas 1,5%. Contudo, se a pessoa respiraroxigênio com Po, alveolar muito alta, a quantidade transportada noestado dissolvido pode ficar muito maior, a ponto de, por vezes, ocorrerexcessos pronunciados de oxigênio nos tecidos, com o conseqüente"envenenamento por oxigênio". Isso quase sempre resulta em convulsõese, até mesmo, em morte, conforme discutido com maiores detalhes noCap. 44, em relação à respiração sob alta pressão.

COMBINAÇÃO DA HEMOGLOBINA COM MONÓXIDODE CARBONO — DESLOCAMENTO DO OXIGÊNIO

O monóxido de carbono combina-se com a hemoglobina no mesmoponto da molécula de hemoglobina onde o faz o oxigênio, podendodeslocá-lo da hemoglobina. Além disso, o monóxido de carbono liga-secom afinidade cerca de 250 vezes a do oxigênio, conforme ilustradopela curva de dissociação de monóxido de carbono-hemoglobina da Fig.40.12. Essa curva é quase idêntica à da dissociação de oxigênio-hemo-globina, exceto que as pressões do monóxido de carbono, indicadasna abscissa, estão em um nível de 1/250 do da curva de dissociação

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Fig. 40.12 Curva de dissociação de monóxido de carbono-hemoglobina.Observar as pressões extremamente baixas com que o monóxido decarbono se combina com a hemoglobina.

de oxigênio - hemoglobinada Fig. 40.8. Por conseguinte, pressão demonóxido de carbono de apenas 0,4 mm Hg nos alvéolos, 1/250 a dooxigênio alveolar, permite ao monóxido de carbono competir emigualdade com o oxigênio por sua combinação com a hemoglobina, demodo que metade da hemoglobina do sangue liga-se ao monóxido decarbono, e não ao oxigênio. Assim, uma pressão de monóxido decarbono d£ pouco mais de 0.4 mm Hg (cerca de 0,7 mm Hg, ouconcentração de cerca de 0,1% no ar) pode ser letal.

A administração de oxigênio puro a um paciente com grave intoxi-cação por monóxido de carbono pode ser muito eficaz como tratamento,visto que o oxigênio sob pressões alveolares elevadas desloca o monóxidode carbono de sua combinação com a hemoglobina com muito maisrapidez do que o faz o oxigênio na baixa pressão atmosférica.

O paciente também pode ser beneficiado pela administração simul-tânea de alguns por cento de dióxido de carbono, que estimula fortementeo centro respiratório, conforme discutido no capítulo seguinte. Isso au-menta a ventilação alveolar e reduz a concentração alveolar de monóxidode carbono, permitindo a liberação de quantidades aumentadas de monó-xido de carbono do sangue.

Com a oxigenoterapia intensiva e o uso de dióxido de carbono,é possível remover o monóxido de carbono do sangue com velocidade10 a 20 vezes maior do que sem terapia.

TRANSPORTE DO DIÓXIDO DE CARBONO NOSANGUE

O transporte de dióxido de carbono no sangue não repre-senta problema tão grande quanto o do oxigênio, visto que,mesmo na maioria das condições anormais, o dióxido de carbonogeralmente pode ser transportado em quantidades muito maioresque o oxigênio. Todavia, a quantidade de dióxido de carbonono sangue tem relação muito maior com o equilíbrio ácido-básicodos líquidos corporais, o que foi discutido no Cap. 30.

Em condições normais de repouso, são transportados, emmédia, 4 ml de dióxido de carbono dos tecidos para os pulmõesem cada decilitro de sangue.

FORMAS QUÍMICAS NAS QUAIS O DIÓXIDO DECARBONO É TRANSPORTADO

Para iniciar o processo de transporte do dióxido de carbono,ele se difunde das células teciduais sob a forma de CO2 moleculardissolvido (mas não em grau significativo sob forma de bicarbo-nato, visto ser a membrana celular quase impermeável aos íons

bicarbonato). Ao penetrar no capilar, o dióxido de carbono de-sencadeia uma série de reações físicas e químicas quase instantâ-neas, ilustradas na Fig. 40.13, que são essenciais para seu trans-porte.

Transporte do dióxido de carbono no estado dissolvido. Umapequena porção do dióxido de carbono é transportada até ospulmões no estado dissolvido. Devemos recordar que a Pco2do sangue venoso é de 45 mm Hg, enquanto a do sangue arterialê de 40 mm Hg. A quantidade de dióxido de carbono dissolvidono sangue a 45 mm Hg é de cerca de 2,7 ml/dl (2,7 volumespor cento). A quantidade dissolvida a 40 mm Hg é de cercade 2,4 ml, ou seja, uma diferença de 0,3 ml. Por conseguinte,apenas cerca de 0,3 ml de dióxido de carbono são transportadosna forma dissolvida em cada decilitro de sangue. Isso correspondea cerca de 7% de todo o dióxido de carbono transportado.

Transporte do dióxido de carbono sob forma de íon bicarbo-nato. Reação do dióxido de carbono com a água nos eritrócitos —efeito da anidrase carbônica. O dióxido de carbono dissolvido nosangue reage com a água para formar ácido carbônico. Todavia,essa reação ocorreria muito lentamente para ter importância, nãofosse a presença, no interior dos eritrócitos, da enzima deno-minada anidrase carbônica, que catalisa a reação entre o ácidocarbônico e a água, acelerando sua velocidade por cerca de 5.000vezes. Por conseguinte, em lugar de ocorrer dentro de muitossegundos ou minutos, conforme observado no plasma, a reaçãoprossegue tão rapidamente nos eritrócitos que atinge o equilíbrioquase completo em fração de segundo. Isso permite a reaçãode enormes quantidades de dióxido de carbono com a água doseritrócitos, até mesmo antes de o sangue deixar os capilaresteciduais.

Dissociação do ácido carbônico em íons bicarbonato ehidrogênio. Em outra pequena fração de segundo, o ácidocarbônico formado nos eritrócitos dissocia-se em íons hidrogênioe íons bicarbonato. A seguir, a maior parte dos íons hidrogêniocombina-se com a hemoglobina nos eritrócitos, visto ser ahemoglobina um poderoso tampão ácido-básico. Por sua vez,muitos dos íons bicarbonato difundem-se para o plasma, enquantoos íons cloreto difundem-se para os eritrócitos, tomando seu lugar.Isso é possível devido à presença da proteína transportadora debicarbonato-cloreto na membrana do eritrócito, que determina omovimento desses dois íons em direções opostas com altavelocidade. Por conseguinte, o conteúdo de cloreto doseritrócitos no sangue venoso é maior que o das células arteriais,sendo esse fenômeno conhecido como desvio do cloreto.

A combinação reversível do dióxido de carbono com a água

Fig. 40.13 Transporte do dióxido de carbono no sangue

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nos eritrócitos, sob influência da anidrase carbônica, é provavel-mente responsável por cerca de 70% do dióxido de carbonotransportado dos tecidos para os pulmões. Por conseguinte, essemeio de transporte do dióxido de carbono é, sem dúvida alguma,o mais importante de todos os mecanismos de transporte. Comefeito, quando se administra um inibidor da anidrase carbônica(acetazolamida) a um animal para bloquear a ação da anidrasecarbônica nos eritrócitos, o transporte de dióxido de carbonoa partir dos tecidos fica muito deficiente, a ponto de a Pco2tecidual poder aumentar e atingir 80 mm Hg, em lugar do valornormal de 45 mm Hg.

Transporte do dióxido de carbono em combinação com ahemoglobina e as proteínas plasmáticas — carbaminoemoglobina.Alem de reagir com a água, o dióxido de carbono também reagediretamente com a hemoglobina, formando o composto carbami-noemoglobina (CO2 HHb). Essa combinação do dióxido de car-bono com a hemoglobina é uma reação reversível que ocorrecom ligação muito frouxa, de modo que o dióxido de carbonoé liberado facilmente para os alvéolos, onde a Pco2 é inferiorà dos capilares teciduais. Uma pequena quantidade de dióxidode carbono também reage dessa mesma maneira com as proteínasplasmáticas, embora se trate de uma reação muito menos signifi-cativa, uma vez que a quantidade dessas proteínas correspondeapenas a um quarto da quantidade da hemoglobina.

A quantidade teórica de dióxido de carbono que pode sertransportada dos tecidos para os pulmões em combinação coma hemoglobina e com as proteínas plasmáticas é de cerca de30% da quantidade total transportada — isto é, cerca de 1,5ml de dióxido de carbono em cada decilitro de sangue. Todavia,essa reação é muito mais lenta do que a do dióxido de carbonocom água no interior dos eritrócitos. Por conseguinte, é duvidosoque esse mecanismo seja responsável pelo transporte de maisde 15 a 25% da quantidade total de dióxido de carbono.

CURVA DE DISSOCIAÇÃO DO DIÓXIDO DE CARBONO

É evidente que o dióxido de carbono pode existir no sanguesob muitas formas distintas: (1) como dióxido de carbono livree (2) em combinações químicas com água, hemoglobina e proteí-nas plasmáticas. A quantidade total de dióxido de carbono combi-nada com o sangue sob todas essas formas depende da Pco2Acurva da Fig. 40.14 mostra essa dependência do CO, sanguíneototal, em todas as suas formas em relação à Pco2; essa curvaé denominada curva de dissociação do dióxido de carbono.

Podemos observar que a Pco2 normal do sangue varia entreos limites de 40 mm Hg no sangue arterial e 45 mm Hg nosangue venoso, representando, pois, uma faixa muito estreita.Podemos constatar, também, que a concentração normal de dió-

xido de carbono no sangue é de cerca de 50 volumes por cento,mas que apenas 4 volumes por cento desse valor são efetivamentetrocados durante o transporte normal do dióxido de carbonodos tecidos para os pulmões. Isto é, a concentração se elevapara cerca de 52 volumes por cento, à medida que o sangueflui pelos tecidos, caindo para cerca de 48 volumes por centoquando passa pelos pulmões.

EFEITO DA REAÇÃO DO OXIGÊNIO-HEMOGLOBINASOBRE O TRANSPORTE DE DIÓXIDO DE CARBONO —EFEITO HALDANE

No início deste capítulo, assinalamos que o aumento do dióxidode carbono no sangue determina o deslocamento de oxigênio da hemoglo-bina, constituindo um fator importante na promoção do transporte deoxigênio. O contrário também é verdadeiro: a ligação do oxigênio àhemoglobina tende a deslocar o dióxido de carbono do sangue. De fato,esse efeito, denominado efeito Haldane, é quantitativamente muito maisimportante para promover o transporte de dióxido de carbono do queo efeito de Bohr para o transporte do oxigênio.

O efeito Haldane resulta do simples fato de que a combinação dooxigênio com a hemoglobina faz com que ela se transforme em ácidomais forte. Por sua vez, essa hemoglobina mais ácida desloca o dióxidode carbono do sangue de duas maneiras: (1) A hemoglobina mais forte-mente ácida tem menos tendência a se combinar com o dióxido de carbo-no para formar carbaminoemoglobina, deslocando, assim, grande partedo dióxido de carbono presente sob a forma carbamina. (2) A maioracidez da hemoglobina acarreta a liberação de excesso de íons hidrogênio;esses, por sua vez, ligam-se a íons bicarbonato para formar ácidocarbônico. A seguir, o ácido carbônico dissocia se em água e dióxido decarbono, que é liberado do sangue para os alvéolos.

Por conseguinte, nos capilares teciduais, o efeito Haldane aumentaa captação de dióxido de carbono devido à remoção do oxigênio dahemoglobina, ao passo que, nos pulmões, produz aumento da liberaçãode dióxido de carbono, devido à captação de oxigênio pela hemoglobina.

A Fig- 40.15 ilustra, em termos quantitativos, o significado do efeitoHaldane sobre o transporte do dióxido de carbono dos tecidos paraos pulmões. Essa figura mostra pequeno trecho de duas curvas de disso-ciação de dióxido de carbono distintas, a curva continua, quando a Pco2é de 100 mm Hg, que é o caso dos pulmões, e a curva tracejada, quandoa Po2 é de 40 mm Hg, como ocorre nos capilares teciduais. O pontoA da curva tracejada mostra que a Pco2 normal de 45 mm Hg nostecidos determina a combinação de 52 volumes por cento de dióxidode carbono com o sangue. Ao penetrar nos pulmões, a PCO2 cai para40 mm Hg, enquanto a Po2 se eleva c atinge 100 mm Hg. Se a curvade dissociação do dióxido de carbono não sofresse desvio devido aoefeito Haldane, o conteúdo de dióxido de carbono do sangue cairiaapenas para 50 volumes por cento, o que corresponderia à perda de

Fig. 40.14 Curva de dissociação do dióxido de carbono.

Fig. 40.15 Trechos de curvas de dissociação do dióxido de carbono quan-do a Po2 é de 100 mm Hg e 40 mm Hg, respectivamente. A seta representao efeito Haldane sobre o transporte de dióxido de carbono, conformeexplicado no texto.

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apenas 2 volumes por cento de dióxido de carbono. Todavia, o aumentoda Po2 nos pulmões diminui a curva de dissociação de dióxido de carbonoda linha tracejada para a linha contínua da figura, de modo que o conteú-do de dióxido de carbono cai para 48 volumes por cento (ponto B).Isso representa perda adicional de 2 volumes por cento de dióxido decarbono. Por conseguinte, o efeito Haldane aproximadamente duplicaa quantidade de dióxido de carbono liberada do sangue nos pulmõese quase duplica a captação de CO2 nos tecidos.

VARIAÇÃO DA ACIDEZ DO SANGUE DURANTE OTRANSPORTE DE DIÓXIDO DE CARBONO

O ácido carbônico formado quando o dióxido de carbono entrano sangue tecidual diminui o pH sanguíneo. Felizmente, apesar disso,a reação desse ácido com os tampões do sangue evita a ocorrência deaumento acentuado na concentração de íons hidrogênio. Em geral, osangue arterial tem pH de cerca de 7,41, e, quando o sangue adquiredióxido de carbono nos capilares teciduais, o pH cai para um valorvenoso de aproximadamente 7,37. Em outras palavras, ocorre variaçãode 0,04 unidade do pH. Verifica-se o processo inverso quando o dióxidode carbono é liberado no sangue para os pulmões; o pH se eleva maisuma vez e atinge seu valor arterial. Durante o exercício ou em outrascondições de atividade metabólica elevada, ou quando o fluxo sanguíneopelos tecidos é lento, a diminuição do pH no sangue tecidual (e nospróprios tecidos) pode ser de até 0,50 ou, em certas ocasiões, aindamais, provocando acidose tecidual grave.

QUOCIENTE RESPIRATÓRIO

O leitor perspicaz terá notado que o transporte normal de oxigêniodos pulmões para os tecidos em cada decilitro de sangue é de cercade 5 ml, enquanto o transporte normal de dióxido de carbono dos tecidospara os pulmões é de aproximadamente 4 ml. Por conseguinte, em condi-ções normais de repouso, apenas cerca de 80% do dióxido de carbonosão expirados dos pulmões, em comparação com o oxigênio captadopelos pulmões. A relação entre o débito de dióxido de carbono e a

captação de oxigênio é denominada quociente respiratório (R).

O valor para R modifica-se em diferentes condições metabólicas.Quando o indivíduo utiliza exclusivamente carboidratos para seu metabo-lismo corporal, R aumenta para 1,00. Por outro lado, quando o indivíduoestá utilizando quase exclusivamente as gorduras para sua energia meta-bólica, seu valor cai para 0,7. A razão dessa diferença e que, quandoo oxigênio é metabolizado com os carboidratos, forma-se uma moléculade dióxido de carbono para cada molécula de oxigênio consumido; poroutro lado, quando o oxigênio reage com gorduras, grande parte dooxigênio combina-se com átomos de hidrogênio das gorduras para formarágua, em lugar de dióxido de carbono. Em outras palavras, o quocienterespiratório das reações químicas nos tecidos é de cerca de 0,70 quandoas gorduras são metabolizadas, em comparação com 1,00, quando oscarboidratos estão sendo utilizados. O quociente respiratório tecidualserá discutido no Cap. 71.

Para uma pessoa com dieta normal, consumindo quantidades médiasde carboidratos, gorduras e proteínas, o valor médio do R e considerado0,825.

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386

CAPÍTULO 41

Regulação da Respiração

O sistema nervoso ajusta a intensidade da ventilação alveolarquase exatamente às demandas do organismo, de modo que apressão de oxigênio (Po2) e a pressão de dióxido de carbonoFPC0: do sangue arterial dificilmente se alteram, até mesmodurante o exercício intenso e a maioria dos outros tipos de estresserespiratório.

O presente capítulo descreverá o funcionamento desse siste-ma neurogênico na regulação da respiração.

CENTRO RESPIRATÓRIO

O "centro respiratório" é constituído por vários grupos bas-tante dispersos de neurônios de localização bilateral no bulboe na ponte, conforme ilustrado na Fig. 41.1. É dividido em trêsgrandes conjuntos de neurônios: (1) o grupo respiratório dorsal,localizado na porção dorsal do bulbo, que desencadeia principal-mente a inspiração, (2) o grupo respiratório ventral, localizadona parte ventrolateral do bulbo, que pode ocasionar tanto expira-ção quanto inspiração, dependendo dos neurônios do grupo quesão estimulados, e (3) o centro pneumotáxico, localizado dorsal-mente na porção superior da ponte, que ajuda a controlar tantoa freqüência quanto o padrão da respiração. O grupo respiratóriodorsal de neurônios desempenha o papel fundamental no controleda respiração. Por isso, consideraremos sua função em primeirolugar.

Grupo respiratório dorsal de neurônios — suasfunções inspiratórias e rítmicas

O grupo respiratório dorsal de neurônios estende-se porquase toda a extensão do bulbo. Todos os seus neurônios, oua maior parte, estão localizados no núcleo do feixe solitário,embora outros neurônios na substância reticular adjacente dobulbo também possam desempenhar papel importante no con-trole respiratório. O núcleo do feixe solitário também é a termi-nação sensitiva dos nervos vago e glossofaríngeo, que transmitemsinais sensitivos para o centro respiratório a partir dos quimiorre-ceptores periféricos, barorreceptores e vários tipos diferentes dereceptores no pulmão. Todos os sinais provenientes dessas áreasperiféricas ajudam a controlar a respiração, como veremos emseções posteriores deste capítulo.

Descargas inspiratórias rítmicas do grupo respiratório dorsal.0 ritmo básico da respiração é gerado principalmente no gruporespiratório dorsal de neurônios. Até mesmo quando todos osnervos periféricos que chegam ao bulbo são seccionados, e otronco cerebral também é seccionado acima e abaixo do bulbo,esse grupo de neurônios ainda emite descargas repetidas de poten-

ciais de ação inspiratórios. Infelizmente, todavia, desconhece-sea causa básica dessas descargas repetitivas. Em animais primi-tivos, foram encontradas redes neurais onde a atividade de umgrupo de neurônios excita um segundo grupo que, por sua vez,inibe o primeiro. A seguir, depois de certo período de tempo,0 mecanismo se repete, prosseguindo por toda a vida do animal.Por conseguinte, a maioria dos fisiologistas da respiração acreditaque alguma rede semelhante de neurônios localizada totalmenteno bulbo, envolvendo talvez não apenas o grupo respiratóriodorsal, mas também áreas adjacentes do bulbo, seja responsávelpelo ritmo básico da respiração.

O sinal inspiratório "em rampa". O sinal nervoso que étransmitido aos músculos inspiratórios não é uma descarga instan-tânea de potenciais de ação. Pelo contrário, na respiração normal,ele começa muito fracamente e aumenta de modo uniforme,como se fosse uma rampa, durante cerca de 2 segundos. A seguir,cessa abruptamente durante os próximos 3 segundos, quandocomeça, então, outro ciclo, e assim indefinidamente. Por isso,o sinal inspiratório é considerado como um sinal em rampa. Avantagem óbvia desse fato é que produz aumento uniforme dovolume dos pulmões durante a inspiração, em vez de ocasionarespasmos inspiratórios.

O controle da rampa inspiratória é efetuado de duas ma-neiras:

1. Controle da velocidade do aumento do sinal em rampa,de modo que. durante respiração muito ativa, a rampa aumenta

Fig. 41.1 Organização do centro respiratório.

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rapidamente e, portanto, também enche os pulmões em poucotempo.

2. Controle do ponto limite onde a rampa cessa abrupta-mente. Trata-se do método habitual de controle do ritmo darespiração; isto é, quanto mais cedo ocorrer a interrupção darampa, menor será a duração da inspiração. Por razões que aindanão foram elucidadas, esse processo também reduz a duraçãoda expiração. Por conseguinte, a freqüência da respiração au-menta.

Centro pneumotáxico — sua função de limitar aduração da inspiração e de aumentar a freqüênciarespiratória

O centro pneumotáxico, localizado dorsalmente no núcleopambraquial da ponte superior, transmite continuamente impul-sos para a área inspiratória. O efeito primário desses impulsosconsiste em controlar o ponto de "interrupção" da rampa inspira-tória, controlando, assim, a duração da fase de enchimento dociclo pulmonar. Quando os sinais pneumotáxicos são fortes, ainspiração pode durar apenas 0,5 segundo; entretanto, quandofracos, a inspiração pode ter duração de 5 ou mais segundos,enchendo, assim, os pulmões com grande excesso de ar.

Por conseguinte, a função do centro pneumotáxico consisteprimariamente em limitar a inspiração. Todavia, essa função tempor efeito secundário o aumento da freqüência da respiração,visto que a limitação da inspiração também reduz a expiraçãoe todo o período da respiração. Assim, um sinal pneumotáxicoforte pode aumentar a freqüência da respiração até 30 a 40 respira-ções por minuto, enquanto um sinal pneumotáxico fraco podereduzi-la a poucas incursões respiratórias por minuto.

Grupo respiratório ventral de neurônios — sua funçãotanto na inspiração quanto na expiração

O grupo respiratório ventral de neurônios, encontrado nonúcleo ambíguo, acima, e no núcleo ambíguo abaixo, localiza-se acerca de 5 mm do grupo respiratório dorsal de neurônios, emposição anterior e lateral. A função desse grupo respiratórioventral difere da do grupo respiratório dorsal em vários aspectosimportantes:

1. Os neurônios do grupo respiratório ventral permanecemquase totalmente inativos durante a respiração tranqüila normal.Por conseguinte, a respiração tranqüila normal é causada apenaspor sinais inspiratórios repetitivos do grupo respiratório dorsal,transmitidos principalmente para o diafragma, enquanto a expi-ração resulta da retração elástica dos pulmões e da caixa toráci-ca.

2. Não há evidências de que os neurônios respiratórios ven-trais possam participar da oscilação rítmica básica que controlaa respiração.

3. Quando o impulso respiratório para o aumento da venti-lação pulmonar fica maior do que o normal, sinais respiratóriosespalham-se pelos neurônios respiratórios ventrais a partir domecanismo oscilatório básico da área respiratória dorsal. Comoconseqüência, a área respiratória ventral também contribui parao impulso respiratório.

4. A estimulação elétrica de alguns dos neurônios do grupoventral causa inspiração, enquanto a estimulação de outros pro-duz expiração. Por conseguinte, esses neurônios contribuem tantopara a inspiração quanto para a expiração. Todavia, são especial-mente importantes no sentido de proporcionar sinais expiratóriospoderosos para os músculos abdominais durante a expiração.Por conseguinte, essa área opera mais ou menos como mecanismode reforço quando há necessidade de altos níveis de ventilaçãopulmonar.

Possibilidade de um "centro apnêustico" na ponte inferior

Para aumentar ainda mais a confusão de nossos conheci-mentos a respeito da função do centro respiratório, existe outrocentro estranho na parte inferior da ponte, denominado centroapnêustico. Todavia, sua função só pode ser demonstrada quandoos nervos vagos para o bulbo tiverem sido seccionados e quandoas conexões do centro pneumotáxico também tiverem sido blo-queadas por transecção da ponte em sua parte média. Nessecaso, o centro apnêustico da ponte inferior emite sinais parao grupo respiratório dorsal de neurônios, impedindo o "desliga-mento" do sinal inspiratório em rampa. Por conseguinte, os pul-mões ficam quase totalmente cheios de ar, e apenas ocasional-mente ocorrem breves esforços expiratórios.

A função do centro apnêustico não é compreendida, maspresumivelmente opera em associação com o centro pneumo-táxico para controlar a profundidade da inspiração.

Limitação reflexa da inspiração por sinais da insuflaçãopulmonar — o reflexo de insuflação de Hering-Breuer

Além dos mecanismos neurais que atuam totalmente no tron-co cerebral, existem sinais reflexos provenientes da periferia quetambém ajudam a controlar a respiração. Localizados nas paredesdos brônquios e bronquíolos, em todo o pulmão, existem recep-tores de estiramento que transmitem sinais pelos vagos para ogrupo respiratório dorsal de neurônios quando os pulmões estãoexcessivamente distendidos. Esses sinais afetam a inspiração damesma maneira que os sinais provenientes do centro pneumo-táxico; isto é, quando os pulmões ficam excessivamente insufla-dos, os receptores de estiramento ativam uma resposta apropriadade feedback que "desliga" a rampa inspiratória, interrompendoqualquer inspiração adicional. Trata-se do denominado reflexode insuflação de Hering-Breuer. Esse reflexo também aumentaa freqüência da respiração, como ocorre com os sinais prove-nientes do centro pneumotáxico.

Todavia, nos seres humanos, é provável que o reflexo deHering-Breuer só seja ativado quando o volume corrente au-menta e ultrapassa cerca de 1,5 I. Por conseguinte, esse reflexoparece representar principalmente um mecanismo protetordestinado a impedir o excesso de insuflação pulmonar, em lugarde ser um componente importante do controle normal daventilação.

CONTROLE DA ATiVIDADE GLOBAL DOCENTRO RESPIRATÓRIO

Até agora, discutimos os mecanismos básicos que causama inspiração e a expiração; todavia, também é importante sabercomo a intensidade dos sinais, para o controle respiratório, au-menta ou diminui para atender às necessidades ventilatórias doorganismo. Por exemplo, durante exercício muito intenso, a velo-cidade de utilização do oxigênio e a velocidade de formaçãodo dióxido de carbono aumentam quase sempre por até 20 vezesem relação ao normal, exigindo aumentos proporcionais da venti-lação pulmonar.

O restante deste capítulo tem por finalidade principal discutiresse controle da ventilação em resposta às necessidades do orga-nismo.

CONTROLE QUÍMICO DA RESPIRAÇÃOO objetivo final da respiração é manter concentrações ade-

quadas de oxigênio, dióxido de carbono e íons hidrogênio nos

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tecidos. Por conseguinte, é muito apropriado que a atividaderespiratória seja muito sensível a alterações de qualquer umadessas concentrações.

O excesso de dióxido de carbono ou de tons hidrogênioestimula principalmente o centro respiratório, determinando au-mento acentuado da força dos sinais inspiratórios e expiratóriospara os músculos da respiração.

Por outro lado, o oxigênio não parece exercer efeito diretosignificativo sobre o centro respiratório do encéfalo para controlara respiração. Com efeito, atua quase inteiramente sobre quimior-receptores periféricos localizados nos corpúsculos carotídeos eaórticos; estes, por sua vez, transmitem sinais nervosos apro-priados para o centro respiratório, a fim de controlar a respiração.

Discutiremos inicialmente e estimulação do próprio centrorespiratório pelo dióxido de carbono e pelos íons hidrogênio.

CONTROLE QUÍMICO DIRETO DA ATIVIDADE DOCENTRO RESPIRATÓRIO PELO DIÓXIDO DECARBONO E PELOS ÍONS HIDROGÊNIO

A zona quimiossensorial do centro respiratório. Até agora,discutimos principalmente três áreas distintas do centro respira-tório: o grupo respiratório dorsal de neurônios, o grupo respira-tório ventral e o centro pneumotáxico. Todavia, acredita-se quenenhuma dessas áreas seja afetada diretamente por variaçõesdas concentrações sanguíneas de dióxido de carbono ou de íonshidrogênio. Com efeito, existe uma zona quimiossensível muitoexcitável, ilustrada na Fig. 41.2, de localização bilateral, a menosde 1 mm abaixo da superfície ventral do bulbo. Essa área émuito sensível a mudanças da Pco2 ou da concentração de íonshidrogênio no sangue; por sua vez, ela excita as outras partesdo centro respiratório.

Resposta dos neurônios quimiossensíveis aos íons hidrogênio— o estímulo primário

Os neurônios sensores da zona quimiossensível são especial-mente excitados pelos íons hidrogênio; com efeito, acredita-seque os íons hidrogênio talvez sejam o único estímulo direto impor-tante para esses neurônios. Infelizmente, entretanto, os íonshidrogênio não atravessam facilmente a barreira hemantencefálicaou a barreira hematoliquórica. Por essa razão, as alterações na

Kig. 41.2 Estimulação da área inspiratória pela zona quimiossensívellocalizada bilateralmente no bulbo, ficando apenas a poucos micra abaixoda superfície ventral bulbar. Observar também que os íons hidrogênioestimulam a zona quimiossensível, enquanto o dióxido de carbono nolíquido dá origem ã maior parte dos íons hidrogênio.

concentração sanguínea de íons hidrogênio exercem, na verdade,efeito consideravelmente menor sobre a estimulação dos neurô-nios quimiossensíveis do que as alterações da concentração dedióxido de carbono, apesar de estimularem esses neurônios indi-retamente, como explicaremos adiante.

Efeito do dióxido de carbono do sangue sobre aestimulação da zona quimiossensível

Apesar de o dióxido de carbono ter efeito direto muito pe-queno sobre a estimulação dos neurônios na zona quimiossen-sível, ele tem um efeito indireto muito poderoso. Com efeito,o dióxido de carbono reage com a água dos tecidos, formandoácido carbônico. Este, por sua vez, dissocia-se em íons hidrogênioe bicarbonato; os íons hidrogênio exercem poderoso efeito esti-mulador direto. Essas reações estão ilustradas na Fig. 41.2.

Mas por que o dióxido de carbono do sangue exerce efeitomuito mais potente do que os íons hidrogênio na estimulaçãodos neurônios quimiossensíveis? A resposta é que a barreirahematoencefálica e a barreira hematoliquórica são quase total-mente impermeáveis aos íons hidrogênio, enquanto o dióxidode carbono as atravessa quase como se elas não existissem. Porconseguinte, sempre que houver elevação da PCO2 do sangue,também haverá aumento da Pco2 do líquido intersticial do bulboe do líquido cefalorraquidiano. Nesses dois líquidos, o dióxidode carbono reage imediatamente com a água para formar íonshidrogênio. Assim, paradoxalmente, ocorre liberação de maiornúmero de íons hidrogênio na área quimiossensível respiratóriaquando a concentração sanguínea de dióxido de carbono aumentado que quando a concentração sanguínea de íons hidrogênioaumenta. Por esta razão, a atividade do centro respiratório éconsideravelmente mais afetada por alterações do dióxido decarbono do sangue do que por alterações dos íons hidrogênio,um fato que discutiremos adiante em termos quantitativos.

Importância do PCO2 do líquido cefalorraquidiano naestimulação da área quimiorreceptora. A alteração da Pco2 no líquidocefalorra-quidiano que banha a superfície da área quimiorreceptora dotronco cerebral excita a respiração da mesma maneira que o aumento daPco2 nos líquidos intersticiais também excita a respiração. Todavia, aexcitação ocorre mais rapidamente. Acredita-se que isso se deva aofato de o líquido cefalorraquidiano ter quantidade muito pequena detampões protéicos ácido-básicos. Por conseguinte, a concentração de íonshidrogênio aumenta quase de modo instantâneo quando o dióxido decarbono proveniente dos vasos sanguíneos da araenóide penetra nolíquido cefalorraquidiano. Por outro lado, os tecidos cerebrais possuemgrandes quantidades de tampões de proteína, de modo que a alteração daconcentração de íons hidrogênio em resposta ao dióxido de carbono éacentuadamente retardada. Como conseqüência, a rápida excitaçãoinicial do sistema respiratório pelo dióxido de carbono que penetra nolíquido cefalorraquidiano ocorre dentro de segundos, em comparaçãocom a duração de 1 minuto ou mais para a estimulação que ocorre peloliquido intersticial cerebral.

Redução do efeito estimulante do dióxido de carbono depoisde 1 a 2 dias. A excitação do centro respiratório pelo dióxidode carbono é muito acentuada nas primeiras horas, porém declinagradualmente nos próximos 1 a 2 dias, até atingir apenas cercade um quinto do efeito inicial. Parte desse declínio resulta doreajuste renal da concentração de íons hidrogênio para o normalapós o aumento da concentração de hidrogênio pelo dióxidode carbono. Os rins executam essa função ao elevar a concen-tração sanguínea de bicarbonato. O bicarbonato liga-se aos íonshidrogênio no líquido cefalorraquidiano, reduzindo sua concen-tração. Além disso, dentro de um período de várias horas, osíons bicarbonato também sofrem lenta difusão através das barrei-ras hematoencefálica e hematoliquórica, reduzindo a concen-

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tração de íons hidrogênio em torno dos neurônios respiratórios.Por conseguinte, as mudanças na concentração sanguínea dedióxido de carbono exercem poderoso efeito agudo sobre ocontrole da respiração, mas apenas efeito crônico fraco depoisde alguns dias de adaptação.

Efeitos quantitativos da Pco2 sanguínea e da concentraçãode íons hidrogênio sobre a ventilação alveolar

A Fig. 41.3 ilustra quantitativamente os efeitos aproximadosda Pco3 e do pH do sangue (que é uma medida logarítmicainversa da concentração de íons hidrogênio) sobre a ventilaçãoalveolar. Convém observar o aumento pronunciado da ventilaçãocausado pela elevação da Pco2 Todavia, devemos também obser-var o efeito muito menor da concentração elevada de íonshidrogênio (isto é, do pH diminuído).

Por fim, devemos assinalar a alteração muito grande da venti-lação alveolar na faixa normal da Pco2 sanguínea entre 35 e60 mm Hg. Isso ilustra o enorme efeito exercido por alteraçõesdo dióxido de carbono no controle da respiração. Por outro lado,a mudança da respiração na faixa normal de pH entre 7,3 e7,5 é mais de 10 vezes menos pronunciada. A provável razãodessa enorme diferença reside na pequena permeabilidade dabarreira he mato encefálica aos íons hidrogênio em comparaçãocom sua extrema permeabilidade ao dióxido de carbono. Entre-tanto, após o dióxido de carbono atravessar a barreira, ele reagecom água para formar grandes quantidades de íons hidrogênioque, a seguir, estimulam fortemente a respiração. Todavia, osíons hidrogênio formados antes de atravessar a barreira não po-dem atravessá-la em número suficiente para serem eficazes.

Fig. 41.3 Efeitos do aumento da Pco2 arterial e da redução do pH arterialsobre a freqüência da ventilação alveolar.

Insignificância do oxigênio no controle direto do centrorespiratório

As mudanças na concentração de oxigênio praticamente nãoexercem qualquer efeito direto sobre o próprio centro respiratóriono sentido de alterar o impulso respiratório (embora possua efeitoindireto, como explicaremos na próxima seção). Todavia, o siste-ma de controle respiratório é insuficiente para controlar a Po2no sangue arterial que flui dos pulmões para os tecidos periféricos.Contudo, vimos no Cap. 40 que o sistema de tampão da hemoglo-bina fornece quantidades quase normais de oxigênio aos tecidos,mesmo quando a Po2 pulmonar varia do valor de apenas 60mm Hg até valores elevados de 1.000 mm Hg. Por conseguinte,exceto em condições especiais, pode ocorrer liberação adequadade oxigênio a despeito de alterações da ventilação pulmonar,que variam desde pouco menos da metade do normal até 20vezes ou mais acima do normal. Por outro lado, isso não ocorrecom o dióxido de carbono, visto que tanto a Pco2 do sanguequanto a dos tecidos variam quase inversamente com a freqüênciada ventilação pulmonar; assim, a evolução fez do dióxido decarbono o principal elemento de controle da respiração.

Contudo, para as condições especiais em que os tecidos ficamprejudicados devido à falta de oxigênio, o organismo dispõe deum mecanismo especial para o controle respiratório localizadofora do centro respiratório do cérebro; esse mecanismo respondequando o oxigênio do sangue cai para níveis muito baixos, comoexplicaremos na próxima seção.

SISTEMA QUIMIORRECEPTOR PERIFÉRICO PARA OCONTROLE DA ATIVIDADE RESPIRATÓRIA — PAPEL DOOXIGÊNIO NO CONTROLE RESPIRATÓRIO

Além do controle direto da atividade respiratória exercidopelo próprio centro respiratório, existe outro mecanismoacessórios para controlar a respiração. Trata-se do sistemaquimiorreceptor periférico, ilustrado na Fig. 41.4. Receptoresquímicos especiais, denominados quimiorreceptores, localizam-se em diversas áreas fora do cérebro e são especialmenteimportantes para detectar mudanças nas concentrações deoxigênio no sangue, embora também respondam a alteraçõesnas concentrações de

Fig. 41.4 Controle respiratório pelos corpos carotídeos e aórticos

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dióxido de carbono e de íons hidrogênio. Por sua vez, os quimior-receptores transmitem sinais nervosos para o centro respiratório,para ajudar a regular a atividade respiratória.

Sem dúvida alguma, o maior número de quimiorreceptoresé encontrado nos corpos carotídeos. Todavia, um número consi-derável também é encontrado nos corpos aórticos, ilustradosna Fig. 41.4; alguns localizam-se em outras áreas, cm associaçãocom outras artérias das regiões torácica e abdominal. Os corposcarotideos localizam-se bilateralmente nas bifurcações das arté-rias carótidas comuns, e suas fibras nervosas aferentes passampelos nervos de Hering até os nervos glossofaríngeos e, daí, paraa área respiratória dorsal do bulbo. Os corpos aórticos locali-zam-se ao longo do arco da aorta; suas fibras nervosas aferentespassam pelos vagos para a área respiratória dorsal. Cada umdesses corpos quimiorreceptores recebe suprimento sanguíneoespecial por meio de artéria muito pequena, diretamente do tron-co arterial adjacente. Além disso, o fluxo sanguíneo por essescorpos é muito alto, correspondendo a 20 vezes o peso dospróprios corpos a cada minuto. Por conseguinte, apercentagem de remoção do oxigênio é praticamente nula. Issosignifica que os quimiorreceptores estão sempre expostos a sanguearterial, e não a sangue venoso, de modo que sua Po2corresponde à Po2 arterial.

Estimulação dos quimiorreceptores pela diminuição dooxigênio arterial. As variações da concentração arterial deoxigênio não exercem efeito estimulante direto sobre o própriocentro respiratório; todavia, quando a concentração de oxigêniono sangue arterial cai abaixo do normal, os quimiorreceptores sãofortemente estimulados. Esse efeito está ilustrado na Fig. 41.5,que mostra o efeito de diferentes níveis de Po2 arterial sobre afreqüência dos impulsos nervosos de um corpo carotídeo. Convémobservar que essa freqüência é particularmente sensível aalterações da Po arterial na faixa situada entre 60 e 30 mmHg, que é a faixa em que a saturação da hemoglobina arterialcom oxigênio diminui rapidamente.

Efeito da concentração de dióxido de carbono e de íons hidrogêniosobre a atividade dos quimiorreceptores. O aumento da concentraçãode dióxido de carbono ou da concentração de íons hidrogênio tambémexcita os quimiorreceptores e, dessa maneira, aumenta indiretamentea atividade respiratória. Todavia, os efeitos diretos desses fatores sobreo próprio centro respiratório são muito mais potentes que seus efeitosmediados pelos quimiorreceptores (cerca de sete vezes mais), de modoque, para finalidades práticas, não é necessário considerar os efeitosindiretos por meio dos quimiorreceptores, Contudo, existe uma diferençaentre os efeitos periféricos e centrais do dióxido de carbono: a estimulaçãoperiférica dos quimiorreceptores ocorre cinco vezes mais rapidamenteque a estimulação central, de modo que os quimiorreceptores periféricos

podem aumentar a velocidade da resposta ao dióxido de carbono noinício do exercício.

Mecanismo básico de estimulação dos quimiorreceptorespela deficiência de oxigênio. Ainda desconhecemos o modo exatopelo qual a baixa Po, excita as terminações nervosas nos corpos carotídeose aórticos. Todavia, esses corpos possuem dois tipos de células glandularesdiferentes e muito características. Por esta razão, alguns pesquisadoressugeriram que essas células poderiam funcionar como quimiorreceptorese, a seguir, estimular, por sua vez, as terminações nervosas. Todavia,outros estudos sugerem que as próprias terminações nervosas sãodiretamente sensíveis à baixa Po2.

EFEITO QUANTITATIVO DA BAIXA Po2 ARTERIALSOBRE A VENTILAÇÃO ALVEOLAR

Quando a pessoa respira ar contendo muito pouco oxigênio, essasituação obviamente irá diminuir a Po2 do sangue e excitar os quimiorre-ceptores carotídeos e aórticos, aumentando, assim, a respiração. Entre-tanto, o efeito costuma ser bem menor que o esperado, visto que arespiração aumentada irá remover dióxido de carbono dos pulmões,diminuindo a Pco2 e a concentração de íons hidrogênio do sangue. Essasduas alterações deprimem acentuadamente o centro respiratório, confor-me discutido antes, de modo que o efeito final dos quimiorreceptoresno sentido de aumentar a respiração em resposta à Po3 diminuída é,em grande parte, suprimido, o que é claramente evidente nos resultadosexperimentais ilustrados na Fig. 41.6.

Contudo, o efeito da baixa Po2 arterial sobre a ventilação alveolaré bem maior em algumas outras condições, como: (1) Po2 arterial baixaquando as concentrações de dióxido de carbono do sangue arterial ede íons hidrogênio permanecem normais, a despeito da respiração au-mentada, e (2) respiração de oxigênio em baixas concentrações durantemuitos dias.

Efeito da Po2 arterial baixa quando as concentrações dedióxido de carbono e de íons hidrogênio no sangue arterialpermanecem normais

A Fig. 41.7 ilustra o efeito da Po2 arterial baixa sobre a ventilaçãoalveolar quando a Pco2 e a concentração de íons hidrogênio permanecemconstantes em seus níveis normais. Em outras palavras, o impulso ventila-tório devido ao dióxido de carbono e aos íons hidrogênio não se modifica,havendo apenas o impulso ventilatório decorrente do efeito das baixasconcentrações de oxigênio sobre os quimiorreceptores. A figura mostraque quase não há efeito sobre a ventilação enquanto a Po2 arterial perma-nece acima de 100 mm Hg. Todavia, em pressões abaixo de 100 mm Hg,

Fig. 41.5 Efeito da Po2 arterial sobre a freqüência dos impulsos docorpo carotídeo de gato. (Curva desenhada a partir de dados de váriasfontes, mas principalmente de Von Euler.)

Fig. 41.6 A curva inferior mostra o efeito da Po3 arterial sobre a ventila-ção alveolar quando a ventilação diminui a PCO2 arterial. Observar aestimulação bem menor da ventilação pela baixa Po2 na Fig. 41.7, vistoque a queda da Pco2 exerce efeito depressor sobre a ventilação. (Desenhofeito a partir de dados de Gray: Pulmonary Vemilation and Its Physio-logical Regulation. Springf ield, I I I . , Charles C Thomas.)

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Fig. 41,7 A curva inferior ilustra o efeito de diferentes níveis da Po2sobre a ventilação alveolar, mostrando aumento de seis vezes na ventila-ção quando a Po2 cai de seu nível normal de 100 mm Hg para 20mm Hg. A curva superior mostra que a Pco2 arterial foi mantidaem nível constante durante as medidas efetuadas; o pH também foimantido constante.

a ventilação quase duplica quando a Po2 arterial cai para 60 mm Hge aumenta por quase seis vezes quando cai para 20 mm Hg. Porconseguinte, nessas condições, a Po2 arterial diminuída pode estimularfortemente o processo ventilatório.

Condições em que um impulso ventilatório estimulado pela Po2 arte-rial baixa não é bloqueado por reduções da Pco2 e de íons hidrogênio.Na pneumonia, no enfisema ou em qualquer outra doença pulmonarque impeça a ocorrência de trocas gasosas adequadas através da mem-brana pulmonar, a absorção de oxigênio pelo sangue arterial será muitopequena, e, ao mesmo tempo, a Pco2 e a concentração de íons hidrogêniono sangue arterial geralmente permanecem quase normais ou, às vezes,chegam a aumentar devido ao transporte deficiente de dióxido de carbonoatravés da membrana. Nessas situações, o impulso ventilatório estimu-lado pela baixa Po2 não é bloqueado por alterações da Pco3 e da concen-tração de íons hidrogênio do sangue. Por conseguinte, a baixa concen-tração de oxigênio é muito importante para ajudar a aumentar a respira-ção. Com efeito, se a pessoa receber alta concentração de oxigênio,ela perderá o impulso estimulador desencadeado pela Po2 arterial baixa,e sua ventilação pulmonar quase sempre irá diminuir o suficiente paracausar morte, devido à excessiva elevação da Pco2 e da concentraçãode íons hidrogênio.

Além disso, em alguns casos de exercício extremamente pesado,sobretudo em indivíduos com ligeiro comprometimento do sistemapulmonar, a Pco2 e a concentração de íons hidrogênio do sangue arterialaumentam ao mesmo tempo que a Po2 cai. Nessas condições, o declínioda Po2 arterial combina-se com a elevação do dióxido de carbono edos íons hidrogênio, proporcionando um impulso ventilatório extrema-mente forte.

Efeito da respiração crônica de baixas concentrações de oxigênio

As pessoas que escalam montanhas descobriram que, quando ascendemlentamente uma montanha durante um período de vários dias, em vezde fazê-lo em questão de horas, elas podem suportar concentraçõesde oxigênio atmosférico mais baixas do que quando fazem rápida ascen-são. A razão disso é que o centro respiratório no tronco cerebral perde,dentro de 2 a 3 dias, cerca de quatro quintos de sua sensibilidade amudanças da Pco2 e da concentração de íons hidrogênio no sangue arte-rial. Por conseguinte, a expiração de dióxido de carbono que normal-mente inibiria a respiração não o faz, e a baixa concentração de oxigêniopode estimular o sistema respiratório até um nível muito mais alto deventilação alveolar do que em condições agudas de baixa concentraçãode oxigênio. Em lugar de um aumento de 70% da ventilação que poderia

ocorrer com a exposição aguda a baixas concentrações de oxigênio; aventilação alveolar quase sempre aumenta por até 400 a 500% depoisde 2 a 3 dias de baixa concentração de oxigênio, o que ajuda enormementeo suprimento de oxigênio adicional para as pessoas que escalam monta-nhas. Para dar um exemplo prático, até mesmo us alpinistas experientespodem ter dificuldades devido a falta de oxigênio se, em 1 dia, atingiremuma altitude de apenas 5.500 a 6.100 m. Contudo, o Monte Everest,com altitude de mais de 8.800 m, tem sido escalado até o seu picosem qualquer oxigênio suplementar; todavia, a ascensão é feita em etapasmuito lentas, de modo a se conseguir completa aclimatização do impulsorespiratório à Po2 baixa.

EFEITOS CONJUNTOS DA Pco2 DO pH E DA Po2 SOBRE AVENTILAÇÃO ALVEOLAR

A Fig. 41.8 fornece uma visão geral do modo como os três fatoresquímicos - Po2, Pco2 e pH - atuam em conjunto, afetando a ventilaçãoalveolar. Para entender esse diagrama, vamos observar inicialmente asquatro curvas com linhas contínuas. Cada uma dessas curvas representao efeito de diferentes níveis de Pco2 alveolar sobre a ventilação alveolar;todavia, cada curva foi medida com Po2 diferente, começando com baixosvalores de 40 mm Hg e atingindo o nível elevado de 100 mm Hg. Porconseguinte, essa “família” de curvas de linhas contínuas representaos efeitos combinados da Pco2 e Po2 alveolares sobre a ventilação.

Observemos agora as curvas tracejadas. Todas as curvas com linhascheias foram medidas com pH sanguíneo de 7,4; as curvas tracejadasforam feitas em pH de 7,3. Por conseguinte, temos duas famílias decurvas que representam os efeitos combinados da Pco2 e da Po7 sobrea ventilação em dois valores diferentes de pH. Obviamente, outras famí-lias diferentes de curvas seriam deslocadas para a direita em valoresmais altos do pH e para a esquerda em valores mais baixo do pH.

Assim, ao utilizar esse diagrama, podemos prever o nível de ventila-ção alveolar para a maioria das combinações de Pco2, alveolar, Po-, alveo-lar e pH arterial.

REGULAÇÃO DA RESPIRAÇÃO DURANTE OEXERCÍCIO

No exercício intenso, o consumo de oxigênio e a formaçãode dióxido de carbono podem aumentar por até 20 vezes. Toda-via, a ventilação alveolar costuma aumentar quase exatamenteem proporção com o nível aumentado de metabolismo, conformeilustrado pela relação entre o consumo de oxigênio e a ventilação

Fig. 41.8 Diagrama composto mostrando os efeitos inter-relacionadosda Pco2 da Po2 e do pH sobre a ventilação alveolar. (Desenhado apartir de dados apresentados em Cunningham e Lloyd: The Regulationof Human Respiration. Philadelphia, F. A. Davis Co.)

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Fig. 41.9 Efeito do exercício sobre o consumo de oxigênio e a freqüênciaventilatória. (De Gray: Pulmonary Ventilation and Its Physiological Re-gulation. Springfield, I I I . , Charles C Thomas.)

na Fig. 41.9. Por conseguinte, a Po2 a Pco2 e o pH do sanguearterial permanecem quase exatamente normais.

Ao tentar analisar os fatores que determinam o aumentoda ventilação durante o exercício, ficamos imediatamente tenta-dos a atribuí-lo às alterações químicas que ocorrem nos líquidoscorporais durante o exercício, incluindo elevação do dióxido decarbono, aumento de íons hidrogênio e diminuição do oxigênio.Todavia, isso não é válido, visto que as determinações da Pco2,do pH e da Po2 no sangue arterial mostram que nenhum dessesparâmetros sofre alteração significativa.

Por conseguinte, é preciso responder à seguinte pergunta:Qual a causa da intensa ventilação durante o exercício? Essapergunta não foi respondida; todavia, pelo menos dois efeitosdiferentes parecem estar predominantemente envolvidos:

1. Acredita-se que o cérebro, ao transmitir impulsos paraos músculos em contração, possa transmitir impulsos colateraispara o tronco cerebral, excitando o centro respiratório. Essaação è análoga ao efeito estimulante dos centros superiores docérebro sobre o centro vasomotor do tronco cerebral durante0 exercício, determinando a elevação da pressão arterial, bemcomo o aumento da ventilação.

2. Acredita-se que, durante o exercício, os movimentos cor-porais, especialmente dos membros, aumentem a ventilação pul-monar ao excitar proprioceptores articulares que, a seguir, transmitem impulsos excitatórios para o centro respiratório. A razãopara essa hipótese é que até mesmo os movimentos passivosdos membros aumentam quase sempre a ventilação pulmonarpor várias vezes.

É possível que outros fatores também sejam importantesno sentido de aumentar a ventilação pulmonar durante o exercí-cio. Por exemplo, alguns experimentos sugerem que a hipoxiaque se desenvolve nos músculos durante o exercício desencadeiesinais nervosos aferentes para o centro respiratório, a fim deexcitar a respiração. Todavia, como grande parte do aumentototal da ventilação começa imediatamente com o início do exercí-cio, a maior parte do aumento da respiração resulta provavel-mente dos dois fatores neurogênicos supracitados, isto é, os im-pulsos estimuladores provenientes dos centros superiores docérebro e os reflexos estimuladores proprioceptivos.

Inter-relação entre os fatores químicos e os fatores nervososno controle da respiração durante o exercício. Quando a pessoapratica exercícios, os fatores nervosos geralmente estimulam ocentro respiratório quase exatamente na quantidade apropriadapara suprir as necessidades extras de oxigênio para o exercícioe eliminar o dióxido de carbono adicional. Em certas ocasiões,entretanto, os sinais nervosos são muito fortes ou muito fracos

em sua estimulação do centro respiratório. Nesse caso, os fatoresquímicos desempenham papel muito importante na produçãodo ajuste final da respiração, necessário para manter as concen-trações de dióxido de carbono e de íons hidrogênio dos líquidoscorporais o mais próximo possível da faixa normal. Esse efeitoé ilustrado na Fig. 41.10, que mostra, na curva inferior, as varia-ções da ventilação pulmonar durante um período de exercíciode 1 minuto e, na curva superior, as alterações da Pco2. Convémobservar que, no início do exercício, a ventilação alveolar au-menta instantaneamente, sem qualquer elevação inicial da Pco2arterial. De fato, esse aumento inicial da ventilação costumaser grande o suficiente para diminuir a PCO2 arterial abaixo deseu valor normal, como mostra a figura. A razão pela qual aventilação antecipa-se à elevação do dióxido de carbono do san-gue é que o cérebro proporciona um estímulo de "antecipação"da respiração no início do exercício, causando ventilação alveolarextra, mesmo antes de que seja necessária. Todavia, depois decerca de 30 a 40 segundos, a quantidade de dióxido de carbonoliberada no sangue pelos músculos ativos equivale aproxima-damente à freqüência aumentada da ventilação. A Pco2 arterialretorna essencialmente a seu valor normal, como podemos verno final do período de 1 minuto de exercício na figura.

A Fig. 41.11 mostra o controle da respiração de outra manei-ra, dessa vez em termos mais quantitativos. A curva inferiordessa figura mostra o efeito de diferentes níveis de Pco2 arterialsobre a ventilação alveolar quando o organismo está em repouso— isto é, quando o indivíduo não está efetuando exercício. Acurva superior mostra o desvio aproximado dessa curva ventila-tória causada pelo impulso neurogênico para o centro respiratórioque ocorre durante o exercício muito pesado. As cruzes sobreas duas curvas indicam as Pco2 arteriais, a princípio no estadoem repouso e, a seguir, durante o exercício. Em ambos os casos,a Pco2 situa-se exatamente no nível normal de 40 mm Hg. Emoutras palavras, o fator neurogênico desvia a curva por maisde 20 vezes para cima, de modo que a ventilação equivale quaseexatamente à velocidade de consumo de oxigênio e a velocidadede liberação do dióxido de carbono, mantendo a Po2 e a Pco2arteriais muito próximas a seus valores normais.

Além disso, a curva superior da Fig. 41.11 também ilustra que,caso a Pco2 arterial varie de seu valor normal de 40 mm Hg, elaexerce seu efeito estimulante habitual sobre a ventilação nosvalores acima de 40 mm Hg, e seu efeito depressivo habitualnos valores inferiores a 40 mm Hg.

Fig. 41.10 Alterações da ventilação alveolar e da Pco2 arterial duranteum período de 1 minuto de exercício, bem como após o término doexercício. (Extrapolado para o ser humano a partir de dados obtidosem cães: de Bainton: J. Appí. PhysioL, 33:17$, 1972.)

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Fig. 41,11 Efeito aproximado do exercício máximo para desviar a curvade resposta da ventilação à Pco2 alveolar até um nível muito maiordo que o normal. O desvio, que se acredita ser causado por fatoresneurogênicos, é quase exatamente a quantidade certa para manter aPco2 arterial no nível normal de 40 mm Hg no estado de repouso edurante o exercício muito intenso.

Possibilidade de que o fator neurogênico, no controle da venti-lação durante o exercício, seja uma resposta aprendida. Muitosexperimentos sugerem que a capacidade do cérebro de desviara curva de resposta ventilatória durante o exercício, como ilustraa Fig. 41.11, seja principalmente uma resposta aprendida. Istoé, com exercícios repetidos, o cérebro torna-se progressivamentemais capaz de emitir a quantidade apropriada de sinais necessáriapara manter os níveis normais dos fatores químicos sanguíneos.Além disso, há motivos para se acreditar que alguns dos centrossuperiores de aprendizagem no cérebro sejam importantes paraesse fator de controle respiratório neurogênico — provavelmenteaté mesmo o córtex cerebral. Uma razão importante dessa hipó-tese é que, quando o córtex cerebral é anestesiado, o sistemade controle respiratório perde sua capacidade especial de manteros gases arteriais próximo a seus valores normais durante o exer-cício.

OUTROS FATORES QUE AFETAM A RESPIRAÇÃO

Controle voluntário da respiração. Até agora, discutimos o sistemainvoluntário de controle da respiração. Todavia, todos sabemos quea respiração pode ser controlada de modo voluntário e que podemoshiperventilar ou hipoventilar a ponto de ocasionar sérias perturbaçõesda Pco2 do pH e da Po2 do sangue.

O controle voluntário da respiração não parece ser mediado pormeio do centro respiratório do bulbo. Com efeito, a via nervosa parao controle voluntário passa diretamente do córtex e de outros centrossuperiores por meio do feixe corticoespinhal até os neurônios espinhaisque estimulam os músculos respiratórios.

Efeito dos receptores a irritantes nas vias aéreas. O epitélioda traquéia, dos brônquios e dos bronquíolos é inervado por terminaçõesnervo sas sensoriais que são estimuladas por irritantes que penetram nasvias aéreas respiratórias.

Esses irritantes provocam tosse e espirro, conforme discutido no Cap. 39.Além disso, causam possivelmente constrição brônquica em certasdoenças, como asma e enfisema.

Função dos receptores "J" pulmonares. Ocorrem algumas termina-ções nervosas sensitivas nas paredes alveolares, em justaposição aos capi-lares pulmonares», de onde provém o termo "receptores J". São estimu-lados quando substâncias químicas irritantes são injetadas no sanguepulmonar: também são excitados quando os capilares pulmonares ficamingurgitados com sangue, ou quando, em certas condições, ocorre edemapulmonar como na insuficiência cardíaca congestiva. Embora se desco-nheça o papel funciona] dos receptores J, sua excitação talvez transmitaao indivíduo uma sensação de dispnéia.

Efeito do edema cerebral. A atividade do centro respiratório podeser deprimida ou até mesmo totalmente inativada pelo edema cerebralagudo decorrente da concussão cerebral. Por exemplo, a cabeça podeter-se chocado contra algum objeto sólido, com intumescimento dostecidos cerebrais lesados, comprimindo as artérias cerebrais contra acalota craniana. Como conseqüência, ocorre bloqueio total ou parcialdo suprimento sanguíneo cerebral.

Em certas ocasiões, a depressão respiratória resultante do edemacerebral pode ser temporariamente aliviada pela injeção venosa de solu-ções hipertônicas, como a solução de manitol altamente concentrada.Essas soluções removem osmoticamente parte dos líquidos do cérebro,com conseqüente alívio da pressão intracraniana e, por vezes, restabele-cimento da respiração em poucos minutos.

Anestesia. Talvez a causa mais prevalente de depressão e paradarespiratória seja a superdosagem de anestésicos ou narcóticos Por exem-plo, o pentobarbitol sódico é um anestésico pouco recomendável, por-quanto deprime o centro respiratório consideravelmente mais do quemuitos outros anestésicos, como o halotano. Antigamente, a morfinaera usada como anestésico; entretanto, na atualidade, é apenas empre-gada como complemento do anestésico, visto que ela deprime acentua-damente o centro respiratório, além de ter muito menos capacidadede anestesiar o córtex cerebral.

RESPIRAÇÃO PERIÓDICA

Em diversas doenças, ocorre a anormalidade da respiração denomi-nada respiração periódica. A pessoa respira profundamente durante bre-ve período de tempo e, a seguir, ventila superficialmente ou não respiradurante outro intervalo, com repetição do ciclo.

O tipo mais comum de respiração periódica, a respiração de Cheyne-Stokes, caracteriza-se por lenta respiração que aumenta e diminui, todoo ciclo durando cerca de 40 a 60 segundos.

Mecanismo básico da respiração de Cheyne-Stokes. A causabásica da respiração de Cheyne-Stokes é a seguinte: quando a pessoahiperventila, eliminando, assim, demasiada quantidade de dióxido decarbono do sangue pulmonar e aumentando o oxigênio sanguíneo, sãonecessários vários segundos para que o sangue pulmonar modificadopossa ser transportado até o cérebro, inibindo a ventilação. Nessemomento, a pessoa já hiperventilou alguns segundos adicionais. Assim,quando o centro respiratório eventualmente responde, ele ficadeprimido, e começa, então, o ciclo oposto. Isto é, o dióxido decarbono aumenta e o oxigênio diminui no sangue pulmonar. Novamente,são necessários poucos segundos para que o cérebro possa responder àsnovas mudanças. Entretanto, quando ele responde, a pessoanovamente hiperventila, de modo que o ciclo se repeteindefinidamente.

Por conseguinte, a causa básica da respiração de Cheyne-Stokesé observada em todas as pessoas. Todavia, esse mecanismo encontra-sealtamente "amortecido".-Isto é, os líquidos do sangue e do centro respira-tório possuem grandes quantidades de dióxido de carbono e oxigênioarmazenados e quimicamente ligados. Por conseguinte, em condiçõesnormais, os pulmões não podem formar quantidades extras de dióxidode carbono ou deprimir o oxigênio suficientemente em poucos segundospara determinar o próximo ciclo da respiração periódica. Contudo, emduas condições distintas, os fatores de amortecimento são superados,e ocorre respiração de Cheyne-Stokes:

1. Quando existe retardo pronunciado do transporte do sangue dospulmões para o cérebro, as trocas gasosas no sangue prosseguem pormuitos segundos a mais que o habitual. Nessas condições, as capacidadesde armazenamento de gases no sangue e nos tecidos são ultrapassadas;a seguir, o impulso respiratório periódico torna-se extremo, e começa

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Fig. 41.12 Respiração de Cheyne-Stokes mostrando a mudança da Pco2no sangue pulmonar (linha contínua) e as alterações tardias da Pco2dos líquidos do centro respiratório (linha tracejada).

a respiração de Cheyne-Stokes. Esse tipo de respiração de Cheyne-Stokes é observado quase sempre em pacientes com grave insuficiênciacardíaca, visto que o coração esquerdo é muito grande, e o fluxosanguíneo lento, retardando assim o transporte de gases sanguíneosdos pulmões para o cérebro. Com efeito, em pacientes cominsuficiência cardíaca crônica, é provável a ocorrência intermitente darespiração de Cheyne Stokes durante meses.

2. A segunda causa da respiração de Cheyne-Stokes é o aumentodo ganho do feedback negativo no centro respiratório. Isso significaque a ocorrência de alguma alteração do dióxido de carbono ou dooxigênio do sangue provoca maior alteração na ventilação do que onormal. Por exemplo, em lugar do aumento normal de 2 a 3 vezesna ventilação quando a Pco2 se eleva por 3 mm Hg, essa mesma pressãode 3 mm Hg pode aumentar a ventilação por até 10 a 20 vezes. Porconseguinte, a tendência do feedback do cérebro para a respiração perió-dica é forte o suficiente para provocar a respiração de Cheyne-Stokessem qualquer demora do fluxo sanguíneo entre os pulmões e o cérebro.Esse tipo de respiração de Cheyne-Stokes é observado principalmenteem pacientes com lesão cerebral. Com freqüência, a lesão cerebralinterrompe por completo o impulso respiratório durante algunssegundos; a seguir, uma elevação muito leve da concentração de dióxidode carbono no sangue volta a estimulá-lo com grande força. Esse tipo derespiração de Cheyne-Stokes é quase sempre um prelúdio à morte.

A Fig. 41.12 ilustra registros típicos de alterações da Pco2 pulmonare do centro respiratório durante a respiração de Cheyne-Stokes. Convémobservar que a alteração da Pco2 do sangue pulmonar antecede a Pco2dos neurônios respiratórios. A profundidade da respiração correspondea Pco2 no cérebro e não à Pco2 no sangue pulmonar onde a ventilaçãoestá ocorrendo.

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CAPÍTULO 42

Insuficiência Respiratória - Fisiopatologia,Diagnóstico, Oxigenoterapia

O diagnóstico e o tratamento da maioria dos distúrbios respiratóriospassaram a depender muito do conhecimento dos princípios fisiológicosbásicos da respiração e da troca de gases. Algumas doenças da respiraçãoresultam da ventilação inadequada, enquanto outras decorrem deanormalidades da difusão através da membrana pulmonar ou dotransporte dos pulmões até os tecidos. Em cada um desses casos, aterapia é quase sempre totalmente diferente, de modo que não é maissatisfatório estabelecer simplesmente o diagnóstico de "insuficiênciarespiratória".

ALGUNS MÉTODOS ÚTEIS PARA O ESTUDO DASANORMALIDADES RESPIRATÓRIAS

Nos capítulos anteriores, discutimos diversos métodos diferentespara estudar as anormalidades respiratórias, incluindo a medida dacapacidade vital, do volume corrente, da capacidade residual funcional,do espaço morto, da derivação fisiológica e do espaço mortofisiológico. Esse conjunto de medidas representa apenas parte do arsenaldo fisiologista clínico pulmonar. A seguir, são descritas algumas outrasferramentas interessantes disponíveis.

ESTUDOS DOS GASES E DO pH DO SANGUE

Dentre as mais fundamentais de todas as provas de desempenhopulmonar destacam-se as determinações da Po2 da Pco2 e do pH dosangue Com efeito, é quase sempre importante obter essas medidascom extrema rapidez para ajudar a definir a terapia apropriada em casode angústia respiratória aguda ou na presença de anormalidades agudasdo equilíbrio ácido-básico. Por conseguinte, foram elaborados váriosmétodos simples e muito rápidos para efetuar essas medidas em apenaspoucos minutos, utilizando algumas gotas de sangue. Esses métodossão os seguintes:

Determinação do pH sanguíneo. O pH sanguíneo é medido utilizan-do-se um eletródio de pH de vidro, do tipo utilizado em todos os labora-tórios químicos. Todavia, os eletródios empregados para essa finalidadesão miniaturizados, de modo que não é preciso mais do que uma gotade sangue. A voltagem produzida pelo eletródio de vidro é uma medidadireta do pH, e sua leitura costuma ser feita diretamente na escala devoltímetro ou registrada em gráfico.

Determinação da PCO2 do sangue. Pode-se utilizar um medidor depH com eletródio de vidro para determinar a Pco2 do sangue da seguintemaneira: quando uma solução fraca de bicarbonato de sódio é expostaao dióxido de carbono, este se dissolve na solução até que se estabeleçaum estado de equilíbrio. Nesse estágio de equilíbrio, o pH da solução

é uma função das concentrações da dióxido de carbono e de íons debicarbonato, de acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch quefoi discutida no Cap. 30; isto é,

Por conseguinte, com calibragem apropriada do medidor do pH, pode-sefazer a leitura direta da concentração de dióxido de carbono (ou Pco2).

Quando esse aparelho é empregado para medir a Pco, no sangue,o eletródio de vidro em miniatura é recoberto com uma fina soluçãode bicarbonato de sódio, separada do sangue por uma membrana deplástico muito delgada que permite a difusão do dióxido de carbonodo sangue para a solução. Nesse caso, também, só é necessária umagota de sangue.

Determinação da PO2 do sangue. Pode-se determinar a concentraçãode oxigênio num líquido pela técnica denominada polarografia. Faz-sepassar uma corrente elétrica entre um pequeno eletródio negativo ea solução. Se a voltagem do eletródio for diferente por mais de -0,6volt em relação à voltagem da solução, o oxigênio se depositará noeletródio. Além disso, a intensidade do fluxo da corrente pelo eletródioserá diretamente proporcional à concentração de oxigênio (e, portanto,também a Po2). Na prática, utiliza-se um eletródio negativo de platinacom área de superfície de cerca de 1 mm2, separado do sangue poruma fina membrana de plástico que permite a difusão do oxigênio, masnão a de proteínas ou de outras substâncias que "irão envenenar" oeletródio.

Com freqüência, todos esses três dispositivos de medida do pH,da Pco2 e da Po2 estão reunidos no mesmo aparelho, e todas as medidaspodem ser efetuadas em 1 minuto, utilizando uma amostra muito pequenade sangue. Por conseguinte, as alterações dos gases e do pH do sanguepodem ser acompanhadas quase de momento a momento.

MEDIDA DO FLUXO EXPIRATÓRIO MÁXIMO

Em muitas doenças respiratórias, sobretudo na asma, a resistênciaao fluxo aéreo fica particularmente aumentada durante a expiração,causando, às vezes, enorme dificuldade para a respiração. Isso levouao conceito conhecido como fluxo expiratório máximo, que pode serdefinido da seguinte maneira: quando a pessoa expira com grande força,o fluxo aéreo expiratório atinge um fluxo máximo que não mais podeser aumentado, nem mesmo com força adicional acentuadamente aumen-tada. Este é o fluxo expiratório máximo. O fluxo expiratório máximo

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Fig. 42.1 A, Colapso das vias respiratórias durante esforço expiratóriomáximo, um efeito que limita a velocidade do fluxo expiratório. B,Efeito do volume pulmonar sobre o fluxo aéreo expiratório máximo,mostrando a redução do fluxo aéreo expiratório máximo quando o volu-me pulmonar fica menor.

é muito maior quando os pulmões estão cheios com grande volumede ar do que quando estão quase vazios. Esses princípios podem sercompreendidos ao se consultar a Fig. 42.1.

A Fig. 42.1A ilustra o efeito de pressão aplicada nas superfíciesexternas dos alvéolos e das vias aéreas, produzido pela compressão dacaixa torácica. As setas indicam que a mesma quantidade de pressãoé aplicada nas partes externas dos alvéolos e bronquíolos. Por conse-guinte, essa pressão não apenas força o ar dos alvéolos para osbronquíolos, como também tende a colapsar, ao mesmo tempo, osbronquíolos, impedindo o movimento de ar para o exterior. Quando osbronquíolos estiverem quase totalmente colapsados, qualquer forçaexpiratória adicional ainda poderá aumentar acentuadamente a pressãoalveolar, aumentando, também, a resistência das vias aéreas nomesmo grau e, dessa maneira, impedindo qualquer aumento adicionaldo fluxo. Por conseguinte, além de um grau crítico de força expiratória, ofluxo expiratório máximo já terá sido alcançado.

A Fig. 42.1B ilustra o efeito do colapso bronquiolar sobre o fluxoexpiratório máximo. A curva registrada nessa seção mostra o fluxo expira-tório máximo em todos os níveis de volume pulmonar por uma pessoanormal que inala inicialmente a quantidade máxima possível de ar e,a seguir, expira com esforço expiratório máximo até não mais poderexpirar. Note-se que ela atinge rapidamente um fluxo aéreo expiratóriomáximo, superior a 400 l/min. Todavia, seja qual for o esforço expiratórioadicional que venha a exercer, este ainda será o fluxo máximo queela conseguirá obter.

Convém observar também que, à medida que o volume pulmonardiminui, esse fluxo expiratório máximo também fica menor. A principalrazão disso é que, no pulmão com volume aumentado, os brônquiose bronquíolos são mantidos parcialmente abertos pela tração elásticaexercida em seu exterior pelos elementos estruturais do pulmão. Todavia,à medida que os pulmões diminuem de tamanho, essas estruturas serelaxam, de modo que os brônquios e bronquíolos sofrem colapso maisfácil por pressão externa.

Anormalidades da curva de volume-fluxo expiratóriomáximo. A Fig, 42,2 ilustra novamente a curva normal de volume-fluxo expiratório máximo, juntamente com duas outras curvasregistradas em dois tipos de doenças pulmonares; (1) pulmões em estadode constrição e (2) obstrução parcial das vias aéreas.

Convém assinalar que os pulmões em estado de constrição apre-sentam redução da capacidade pulmonar total (CPT) e do volume residual(VR). Além disso, como o pulmão não pode expandir-se até atingirseu volume normal, mesmo com o maior esforço expiratório possível,o fluxo expiratório máximo não poderá aumentar até igualar o da curva

normal. As doenças pulmonares com constrição incluem doenças fibró-ticas do próprio pulmão como tuberculose, silicose e outras, bem comodoenças que produzem constrição da caixa torácica, como cifose, escoliosee paquipleuris fibrótica.

Nas doenças com obstrução das vias aéreas, costuma ser muito maisdifícil expirar do que inspirar, visto que a tendência ao fechamentodas vias aéreas está acentuadamente aumentada pela pressão positivano tórax durante a expiração. Por outro lado, a pressão pleural negativada inspiração "mantém" realmente as vias aéreas abertas, ao mesmotempo que expande os alvéolos. Por conseguinte, o ar tende a penetrarfacilmente nos pulmões, mas, a seguir, fica neles aprisionado. Duranteum período de meses ou anos, esse efeito aumenta tanto a capacidadepulmonar total quanto o volume residual, conforme ilustrado na Fig.42.2. Além disso, devido à obstrução das vias aéreas que sofrem colapsomais fácil do que as vias aéreas normais, verifica-se acentuada reduçãodo fluxo expiratório máximo. A doença clássica que causa graveobstrução das vias aéreas é a asma. Todavia, a obstrução grave das viasaéreas também ocorre em alguns estágios do enfisema.

CAPACIDADE VITAL EXPIRATÓRIA FORÇADA EVOLUME EXPIRATÓRIO FORÇADO

Outra prova pulmonar clínica de grande utilidade, igualmente muitosimples, consiste em efetuar o registro da capacidade vital expiratóriaforçada (CVEF) num espirômetro. Esse registro está ilustrado na Fig42.3A para uma pessoa com pulmões normais e na Fig. 42.3B parapessoa com obstrução das vias aéreas. Ao efetuar a manobra para acapacidade vital expiratória forçada, a pessoa inspira primeiro aomáximo, até atingir a capacidade pulmonar total, e, a seguir, exala noexpirometro com esforço expiratório máximo, o mais rápido e o maiscompleta-mente possível. A inclinação do registro em relação ao temporepresenta a capacidade vital forçada, conforme ilustrado na figura.

Agora vamos analisar a diferença entre os dois registros para pul-mões normais e em presença de obstrução das vias aéreas. As alteraçõesdo volume total das capacidades vitais forçadas são quase iguais, indi-cando apenas diferença moderada dos volumes pulmonares básicos nasduas pessoas. Por outro lado, existe grande diferença nas quantidadesde ar que essas pessoas conseguem expirar a cada segundo, sobretudodurante o primeiro segundo. Por conseguinte, costuma-se registrar ovolume expiratório forçado durante o primeiro segundo (VEF,) e utili-zá-lo para comparar entre o normal e o anormal. Na pessoa normal,a percentagem da capacidade vital forçada que é expirada no primeirosegundo VEF1/CVF% é de cerca de 80%. Todavia, convém observarna Fig. 42.3B que, em presença de obstrução das vias aéreas, esse valordiminuiu para apenas 47%. Na obstrução grave das vias aéreas, comoa que ocorre quase sempre na asma aguda, esse valor pode cair paramenos de 20%.

PECULIARIDADES FISIOLÓGICAS DEANORMALIDADES PULMONARES ESPECÍFICAS

ENFISEMA PULMONAR CRÔNICO

O termo enfisema pulmonar refere-se, literalmente, a excesso dear nos pulmões. Todavia, ao falarmos de enfisema pulmonar crônico,referimo-nos, em geral, ao complexo processo obstrutivo e destrutivodos pulmões que, na maioria dos casos, é conseqüência do fumo prolon-gado. Resulta de três eventos fisiopatológicos principais nos pulmões:

1. Infecção crônica causada pela inalação de fumaça ou de outrassubstâncias que irritam os brônquios e bronquíolos. A principal razãopara a infecção crônica é que o irritante altera seriamente os mecanismosprotetores normais das vias aéreas, incluindo a paralisia parcial dos cíliosdo epitélio respiratório como conseqüência dos efeitos da nicotina, demodo que o muco não pode ser facilmente removido das vias aéreas;estimulação excessiva da secreção de muco, o que exacerba ainda maisa condição; e inibição dos macrófagos alveolares, que se tornam menoseficazes no combate à infecção.

2. A infecção, o excesso de muco e o edema inflamatório do epitéliobronquiolar causam, em conjunto, obstrução crônica de muitas das viasaéreas menores.

3. A obstrução das vias aéreas torna a expiração particularmentedifícil, com o conseqüente seqüestro de ar nos alvéolos, que ficam excessi-

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Hg. 42.2 Efeito de duas anormalidades respiratórias diferentes -constrição dos pulmões e obstrução das vias aéreas - sobre a curva fluxo-volume expiratório máximo.

vamente distendidos. Esse problema, associado à infecção pulmonar,provoca acentuada destruição de muitas das paredes alveolares. Porconseguinte, o quadro final do pulmão enfisematoso é o ilustrado nasFigs. 42.4 e 42.5.

Os efeitos fisiológicos do enfisema crônico são extremamente varia-dos, dependendo da gravidade da doença e do grau relativo de obstruçãobronquiolar versus destruição do parênquima pulmonar. Todavia, entreas diferentes anormalidades, destacam-se as seguintes:

1. A obstrução bronquiolar provoca acentuado aumento da resis-tência das vias aéreas, resultando em aumento pronunciado do trabalhoda respiração. É particularmente difícil para a pessoa movimentar oar pelos bronquíolos durante a expiração, visto que a força compressivapor fora do pulmão não apenas comprime os alvéolos, como tambémcomprime os bronquíolos, aumentando ainda mais sua resistência durantea expiração.

2. A perda acentuada de parênquima pulmonar provoca granderedução da capacidade de difusão do pulmão, o que diminui a capacidadedos pulmões de oxigenar o sangue e remover dióxido de carbono.

3. O processo obstrutivo é quase sempre mais grave em algumaspartes dos pulmões do que em outras, de modo que algumas porçõessão mais bem ventiladas, enquanto outras são inadequadamente ventiladas. Com freqüência, isso resulta em relações de ventilação-perfusãoextremamente anormais, com Va/Q muito baixa em algumas partes (deri-

Fig. 42.3 Registros durante teste da capacidade vital forçada: A, napessoa normal, e B, na pessoa com obstrução das vias aéreas.

vação fisiológica), com conseqüente aeração insuficiente do sangue, eVa/Q muito elevada em outras partes (espaço morto fisiológico), resul-tando em ventilação perdida; ambos os efeitos são observados nos mes-mos pulmões.

4. A perda de grandes porções do parênquima pulmonar tambémreduz o número de capilares pulmonares pelos quais o sangue podefluir. Como conseqüência, a resistência vascular pulmonar aumenta so-bremaneira, causando hipertensão pulmonar. Esta, por sua vez, sobre-carrega o coração direito e, com freqüência, causa insuficiência cardíacadireita.

Em geral, o enfisema crônico progride lentamente na decorrer demuitos anos. A pessoa desenvolve hipoxia e hipercapnia, devido a hipo-ventilação de muitos alvéolos e devido à perda de parênquima pulmonar.O resultado global de todos esses efeitos consiste em acentuada e prolon-gada fome de ar que pode persistir por vários anos até que a hipoxiae a hipercapnia causem a morte - um preço muito alto a ser pagopelo fumante.

PNEUMONIA

O termo pneumonia descreve qualquer patologia inflamatória dospulmões, na qual alguns ou todos os alvéolos ficam repletos de líquidoe eritrócitos, como mostra a Fig. 42.5. Um tipo comum de pneumoniaé a pneumonia bacteriana, causada mais freqüentemente por pneumo-cocos. Essa doença começa com infecção nos alvéolos; a membranapulmonar torna-se inflamada e altamente porosa, de modo que o líquidoe até mesmo os eritrócitos e leucócitos passam do sangue para os alvéolos.Assim, os alvéolos infectados ficam progressivamente repletos de líquidoe de células, e a infecção se propaga devido à disseminação das bactériasde um alvéolo para outro. Eventualmente, grandes áreas dos pulmões,algumas vezes lobos inteiros ou até mesmo todo um pulmão, ficam "con-solidadas", o que significa que ficam repletas de líquido e detritos celu-lares.

A função pulmonar durante a pneumonia modifica-se nos diferentesestágios da doença. Nos estágios iniciais, o processo pneumônico podelocalizar-se em apenas um pulmão, e a ventilação alveolar pode estarreduzida, apesar de o fluxo sanguíneo pelos pulmões permanecer normal.Isso resulta em duas anormalidades pulmonares principais: (1) reduçãoda área total da superfície disponível da membrana respiratória t (2)diminuição da relação ventilação-perfusão. Ambos os efeitos provocamredução da capacidade de difusão, com conseqüente hipoxemia (baixaconcentração de oxigênio no sangue) e hipercapnia (alta concentraçãode dióxido de carbono no sangue).

A Fjg. 42.6 ilustra o efeito da relação ventilação-difusão diminuídana pneumonia, mostrando que o sangue que passa pelos pulmões arejadosfica 97% saturado, enquanto o que flui pelo pulmão não-arejado perma-nece apenas 60% saturado, de modo que a saturação média do sangueaórtico é de apenas cerca de 78%, o que está muito aquém do normal.

ATELECTASIA

O termo atelectasia refere-se ao colapso dos alvéolos. Pode ocorrerem área localizada de um pulmão, em todo um lobo ou em todo umpulmão. As causas mais comuns são: (1) obstrução das vias aéreas e(2) ausência de surfactante nos líquidos que revestem os alvéolos.

Obstrução das vias aéreas. O tipo de atelectasia causado por obstru-ção das vias aéreas costuma resultar (1) do bloqueio de muitos brônquiospequenos com muco ou (2) da obstrução de um brônquio principal,devido à presença de um grande tampão mucoso ou de algum objetosólido, como câncer. O ar aprisionado além do bloqueio é absorvidodentro de minutos a horas pelo sangue que flui nos capilares pulmonares.Se o tecido pulmonar for elástico o suficiente, isso resultará simplesmenteem colapso dos alvéolos. Todavia, se o tecido pulmonar não puder sofrercolapso, a absorção do ar dos alvéolos criará pressões tremendamentenegativas no interior dos alvéolos e removerá o líquido do interstíciopulmonar para os alvéolos, determinando seu enchimento completo comlíquido de edema. Esse é quase sempre o efeito que ocorre quandotodo um pulmão fica atelectásico. Essa condição é denominada colapsomaciço do pulmão, visto que a solidez da parede torácica e do mediastinosó permite que o pulmão diminua seu tamanho até cerca da metadedo normal, em lugar de sofrer colapso completo. O espaço restantenos alvéolos deve, então, encher-se de líquido.

Os efeitos causados pelo colapso maciço (atelectasia) de todo um

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Fig. 42.4 Comparação do pulmão enfisematoso(acima) com o pulmão normal (abaixo), mostrando aextensa destruição alveolar. (Reproduzido compermissão de Patrícia Delaney and the Department ofAnatomy, The Medical College of Wisconsin.)

pulmão sobre a função pulmonar global estão ilustrados naFig. 42.7. 0 colapso do tecido pulmonar oclui não apenas osalvéolos, mas também aumenta quase sempre a resistência aofluxo sanguíneo pelos vasos pulmonares. Esse aumento daresistência ocorre, em parte, devido ao próprio colapso, quecomprime e dobra os vasos à medida que o volume do pulmãodiminui. Além disso, a hipoxia nos alvéolos colapsados deter-minavasoconstrição adicional, conforme explicado no Cap. 38.

Devido à constrição vascular, o fluxo sanguíneo pelo pulmãoateleetásico fica muito pequeno. A maior parte do sangue sedirige para o pulmão ventilado que, por conseguinte, torna-sebem arejado.

Na situação mostrada na Fig. 42.1, cinco sextos do sanguepassam pelo pulmão arejado e apenas um sexto, pelo pulmãonão-arejado. Em conseqüência, a relação ventilação-perfusãoglobal está apenas moderadamente comprometida, de modo queo sangue apresenta apenas ligeira dessaturação de oxigênio, adespeito da perda total de ventilação de todo um pulmão.

Ausência de surfactante. A secreção e a função dosurfactante nos alvéolos foram consideradas no Cap. 37. Foiassinalado que o surfactante

Fig. 42.5 Alterações pulmonares na pneumonia e no enfisema.

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Fíg. 42.6 Efeito da pneumonia sobre a saturação do sangue arterialcom oxigênio.

é secretado pelo epitélio alveolar nos líquidos que revestem os alvéolos.Essa substância diminui a tensão superficial nos alvéolos por duas a10 vezes e desempenha importante papel ao impedir o colapso alveolar.Todavia, em diversas patologias diferentes, como a doença da membranahialina (ou síndrome de angústia respiratória), que quase sempre ocorreem prematuros, a quantidade de surfactante secretado pelos alvéolosestá muito reduzida. Como conseqüência, a tensão superficial do líquidoalveolar aumenta a ponto de provocar séria tendência dos pulmões dessesbebês ao colapso ou ao enchimento de líquido, conforme explicado ante-riormente. Muitos desses lactentes morrem de asfixia à medida que por-ções cada vez maiores dos pulmões tornam-se atelectásicas.

ASMA

A asma caracteriza-se pela contração espástica dos músculos lisosdos bronquíolos, ocasionando respiração extremamente difícil. Ocorreem 3 a 5% de todas as pessoas em alguma época da vida. A causahabitual reside na hipersensibilidade dos bronquíolos a substâncias estra-nhas presentes no ar. Em pacientes mais jovens, com menos de 30 anosde idade, a asma. em cerca de 70% dos casos, é causada por hipersensi-bilidade alérgica, sobretudo sensibilidade a pólens vegetais. Em pessoasde idade mais avançada, a causa é quase sempre a hipersensibilidadea tipos não-alérgicos de irritantes presentes no ar, como os irritantesexistentes na neblina (ou "nevoeiro de ar poluído", smog).

Acredita-se que a reação alérgica que ocorre no tipo alérgico daasma se processe da seguinte maneira: tipicamente, a pessoa alérgicapossui tendência a formar quantidades anormalmente grandes de anti-corpos IgE. Esses anticorpos causam reações alérgicas quando reagemcom seus antígenos complementares, conforme explicado no Cap. 34.Na asma, esses anticorpos fixam-se principalmente aos mastócitos exis-tentes no interstício pulmonar em íntima associação com os bronquíolose os pequenos brônquios. Quando a pessoa respira o pólen ao qualé sensível (isto é, contra o qual a pessoa desenvolveu anticorpos IgE)o pólen reage com os anticorpos fixados aos mastócitos, o que desen-cadeia a liberação de várias substâncias diferentes por essas células.Entre essas substâncias, destacam-se a histamina, a substância de reaçãolenta de anafilaxia (que é uma mistura de leucotrienos), o fator quimio-táxico eosinófitos e a bradicinina. Os efeitos combinados de todos essesfatores, em particular da substância de reação lenta da anafilaxia (SRS-

Fig. 42.7 Efeito da atelectasia sobre a saturação de sangue arterial comoxigênio.

A), consistem em produzir (1) edema localizado nas paredes dos peque-nos bronquíolos, bem como secreção de muco espesso no lúmen bron-quiolar, e (2) espasmo do músculo liso bronquíolar. Por conseguinte,é óbvio que ocorra acentuado aumento da resistência das vias aéreas.

Conforme discutido antes neste capítulo, o diâmetro bronquiolarfica mais reduzido durante a expiração do que durante a inspiraçãona asma, visto que a maior pressão intrapulmonar durante o esforçoexpiratório comprime a face externa dos bronquíolos. Como os bron-quíolos já estão parcialmente ocluídos, a oclusão adicional decorrenteda pressão externa provoca obstrução particularmente grave durantea expiração, por conseguinte, a pessoa asmática geralmente pode inspirarde modo adequado, mas tem grande dificuldade em expirar. Por conse-guinte, as medidas clínicas revelam acentuada redução da velocidadeexpiratória máxima e do volume expiratório. Além disso, esse processoresulta em dispnéia, ou "fome de ar", que será discutida mais adiante.

A capacidade residual funcional e o volume residual do pulmãoficam acentuadamente aumentados durante o ataque asmático, devidoà dificuldade de expirar o ar dos pulmões. Além disso, no decorrerde longo período de tempo, a caixa torácica fica permanentemente au-mentada, resultando no "tórax em barril", enquanto ocorre aumentopermanente da capacidade residual funcional e do volume residual.

TUBERCULOSE

Na tuberculose, os bacilos tuberculosos provocam reação tecidualpeculiar nos pulmões, incluindo (1) invasão da região infectada por ma-crófagose (2) isolamento da lesão por tecido fibroso, formando o denomi-nado tubérculo. Esse processo de isolamento ajuda a limitar a transmissãoposterior dos bacilos tuberculosos nos pulmões e, portanto, faz partedo processo protetor contra a infecção. Todavia, em cerca de 3% detodos os indivíduos que contraem tuberculose, o processo de isolamentovaria e os bacilos tuberculosos propagam-se pelos pulmões, se a doençanão for tratada, resultando quase sempre em acentuada destruição dotecido pulmonar, com formação de grandes cavidades. Por conseguinte,a tuberculose em seus estágios terminais determina o aparecimento demuitas áreas de fibrose nos pulmões e reduz a quantidade total de tecidopulmonar funcional. Esses efeitos provocam (1) aumento do "trabalho"por parte dos músculos respiratórios responsáveis peia ventilação pulmo-nar e redução da capacidade vital e da capacidade respiratória; (2) reduçãoda área total da superfície da membrana respiratória e aumento de espes-sura da membrana respiratória, resultando em diminuição progressivada capacidade de difusão pulmonar; e (3) relação anormal ventilação-perfusão nos pulmões, reduzindo ainda mais a capacidade de difusãopulmonar.

HIPOXIA

Obviamente, quase qualquer uma das condições citadas nas seçõesanteriores deste capítulo pode causar graus pronunciados de hipoxiacelular. Em algumas delas, a oxigeno terapia é de grande valia; em outras,é de valor moderado; e, em outras ainda, não tem quase utilidade.Por conseguinte, é importante classificar os diferentes tipos de hipoxia;a seguir, poderemos facilmente discutir os princípios fisiológicos da tera-pia. Apresentamos a seguir uma classificação descritiva das diferentescausas de hipoxia:1. Oxigenação inadequada dos pulmões por razões extrínsecas.

a. Deficiência de oxigênio na atmosferab. Hipoventilação (distúrbios neuromusculares)

2. Doença pulmonara. Hipoventilação devido ao aumento da resistência das vias aéreas

ou à redução da complacência pulmonarb. Relação ventilação-perfusão alveolar irregular (incluindo aumento

do espaço morto fisiológico e da derivação fisiológica)c. Diminuição da difusão pela membrana respiratória

3. Derivações venosas-arteriais (derivação cardíaca "direita para esquerda")

4. Transporte e suprimento inadequados de oxigênioa. Anemia, hemoglobina anormalb. Deficiência circulatória geralc. Deficiência circulatória localizada (periférica, cerebral, vasos coro-

nários)d Edema tecidual

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5. Capacidade tecidual inadequada para utilizar oxigênioa. Intoxicação das enzimas celularesb. Capacidade metabólica celular diminuída, decorrente de intoxi-

cação, deficiência metabólica ou outros fatores.Esta classificação de diferentes tipos de hipoxia é, em grande parte,

óbvia, em função do que foi discutido antes, neste capítulo. Apenasum dos tipos de hipoxia citados nessa classificação exige maior explicação;trata-se da capacidade inadequada das células de utilizar oxigênio.

Capacidade tecidual inadequada de utilizar oxigênio. A causa clássicada incapacidade dos tecidos em utilizar oxigênio é o envenenamentopor cianeto, em que a ação da citocromo oxidase fica completamentebloqueada, a ponto de os tecidos não conseguirem utilizar o oxigênio,apesar de presente em grandes quantidades. Além disso, a deficiênciadas enzimas oxidativas ou de outros elementos do sistema oxidati-vo tecidual podem acarretar esse tipo de hipoxia. Um exemplo especialé observado na doença beribéri, em que várias etapas importantesdo processo de utilização tecidual de oxigênio e da formação de dióxi-do de carbono estão comprometidas, devido à deficiência de vitami-na B.

Efeitos da hipoxia sobre o organismo. A hipoxia, se for grave osuficiente, pode realmente causar a morte das células; todavia, em grausmenos profundos, resulta principalmente em (1) atividade mental depri-mida, culminando, algumas vezes, em coma, e (2) redução da capacidadede trabalho dos músculos. Esses efeitos são discutidos no capítulo seguin-te, em relação à fisiologia das grandes altitudes.

OXIGENOTERAPIA NOS DIFERENTES TIPOS DE HIPOXIA

O oxigênio pode ser administrado (1) colocando-se a cabeça dopaciente numa "tenda" que contenha ar enriquecido com oxigênio, (2)deixando o paciente respirar oxigênio puro ou altas concentrações deoxigênio por uma máscara, ou (3) administrando-se oxigênio por tubointranasal.

A oxigenoterapia é de grande valia em certos tipos de hipoxia,mas praticamente não tem valor em todos os demais tipos. Todavia,lembrando os princípios fisiológicos básicos dos diferentes tipos de hipo-xia, pode-se decidir rapidamente quando a oxigenoterapia é de valore, nesse caso, até que ponto é valiosa. Vejamos alguns exemplos.

Na hipoxia atmosférica, a oxigenoterapia naturalmente conseguecorrigir por completo o nível diminuído de oxigênio nos gases inspiradosc, portanto, constitui terapia com 100% de eficácia.

Na hipoxia por hipoventilação, a pessoa respirando oxigênio a 100%pode mobilizar cinco vezes mais oxigênio para os alvéolos a cada respira-ção do que quando ela respira ar normal. Por conseguinte, a oxígeno-terapia, nesse caso, pode ser extremamente benéfica. (Entretanto, nãoproporciona qualquer benefício para a hipercapnia também causada pelahipoventilação.)

Na hipoxia causada por difusão diminuída, ocorre praticamente omesmo resultado que na hipoxia por hipoventilação, visto que a oxigeno-terapia pode elevar a Po3 nos pulmões do valor normal de cerca de100 mm Hg para até 600 mm Hg. Isso eleva o gradiente de difusãodo oxigênio entre os alvéolos e o sangue de seu valor normal de 60mm Hg para até 560 mm Hg, ou seja, aumento de mais de 800%.Esse efeito altamente benéfico da oxigenoterapia na hipoxia por difusãoestá ilustrado na Fig. 42.8, que mostra que o sangue pulmonar no pacientecom edema pulmonar retira oxigênio quatro vezes mais rápido do queo faria sem qualquer terapia.

Na hipoxia causada por anemia, por transporte anormal petahemoglobina, por deficiência circulatória ou por derivaçãofisiológica, a oxigenoterapia tem valor bem menor, visto que osalvéolos já dispõem de quantidade abundante de oxigênio. Na verdade, oproblema reside na deficiência dos mecanismos apropriados dotransporte do oxigênio para os tecidos. Mesmo assim, pequenaquantidade adicional de oxigênio, entre 7 e 30%, pode ser transportadano estado dissolvido no sangue, embora a quantidade transportada pelahemoglobina dificilmente seja alterada. Essa pequena quantidade deoxigênio adicional pode representar a diferença entre a vida e a morte.

Nos diferentes tipos de hipoxia causada pelo uso inadequado deoxigênio pelos tecidos, não há qualquer anormalidade na captação deoxigênio pelos pulmões ou no seu transporte até os tecidos. Na verdade,o sistema metabólico tecidual é simplesmente incapaz de utilizar ooxigênio fornecido. Por conseguinte, é duvidoso que a oxigenoterapiatraga qualquer benefício.

Fig. 42.8 Absorção de oxigênio no sangue capilar pulmonar no edemapulmonar, com e sem oxigenoterapia.

HIPERCAPNIA

A hipercapnia refere-se a excesso de dióxido de carbono nos líquidoscorporais.

À primeira vista, poder-se-ia suspeitar que qualquer patologia respi-ratória que causasse hipoxia também poderia provocar hipercapnia. To-davia, a hipercapnia só costuma ocorrer em associação a hipoxia quandoesta é causada por hipoventilação ou por deficiência circulatória. Asrazões disso são as seguintes:

Naturalmente, a hipoxia causada por quantidade demasiado pequenade oxigênio no ar, por quantidade muito pequena de Hemoglobina oupor envenenamento das enzimas oxidativas está apenas relacionada àdisponibilidade de oxigênio ou à sua utilização pelos tecidos. Porconseguinte, é perfeitamente compreensível que a hipercapnia nãoacompanhe esses tipos de hipoxia.

Além disso, na hipoxia decorrente da difusão insuficiente atravésda membrana pulmonar ou através dos tecidos, não costuma ocorrerhipercapnia grave, visto que o dióxido de carbono difunde-se 20 vezesmais rapidamente que o oxigênio. Além disso, se surgir hipercapnia.sua presença estimula imediatamente a ventilação pulmonar, que corrigea hipercapnia, mas não necessariamente a hipoxia.

Todavia, na hipoxia causada por hipoventilação, a transferênciade dióxido de carbono entre os alvéolos e a atmosfera é tão afetadaquanto a transferência de oxigênio. Por conseguinte, a hipercapnia sem-pre ocorre com hipoxia. E, na deficiência circulatória, a redução dofluxo sanguíneo diminui a remoção de dióxido de carbono dos tecidos,com conseqüente desenvolvimento de hipercapnia tecidual. Todavia,a capacidade de transporte de dióxido de carbono pelo sangue é cercade três vezes a do oxigênio, de modo que, mesmo nessa situação, ahipercapnia tecidual é muito menor que a hipoxia.

Quando a Pco2 alveolar se eleva acima de aproximadamente 60a 75 mm Hg, o indivíduo respira tão rápida e profundamente quantopode, e a "fome de ar", também denominada dispnéia, torna-se muitointensa. À medida que a Pco2 se eleva para 80 a 100 mm Hg, a pessoatorna-se letárgica e, algumas vezes, semicomatosa. Podem ocorrer anes-tesia e morte quando a Pco2 atinge 100 a 150 mm Hg.

CIANOSE

O termo "cianose" refere-se à tonalidade azul da pele, causadapeia presença de quantidades excessivas de hemoglobina desoxigenadanos vasos sanguíneos da pele, especialmente nos capilares. Essa hemoglo-bina desoxigenada possui intensa coloração azul púrpura escura, queé transmitida através da pele.

Não é a percentagem de desoxigenação da hemoglobina que deter-mina a tonalidade azulada da pele, mas, principalmente, a concentraçãode hemoglobina desoxigenada, sem relação com a quantidade de hemoglo-bina oxigenada. A razão disso é que a coloração avermelhada do sangueoxigenado é fraca em comparação com a tonalidade azul escura do sangue

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desoxigenado. Por conseguinte, quando os dois são misturados, o sangueoxigenado possui relativamente pouco efeito de coloração em compa-ração com o sangue desoxigenado.

Em geral, surge cianose definida sempre que o sangue arterial contémmais de 5 g de hemoglobina desoxigenada em cada decilitro de sangue.

DISPNÉIA

A dispnéia refere-se ao sofrimento mental associado à incapacidadede ventilar o suficiente para satisfazer a demanda de ar. O termo "fomede ar" é um sinônimo comum.

Pelo menos três fatores diferentes atuam quase sempre no desenvol-vimento da sensação de dispnéia. São eles: (1) anormalidade dos gasesrespiratórios nos líquidos corporais, especialmente hipercapnia (que serádiscutida adiante) e, em menor grau, a hipoxia, (2) a quantidade detrabalho que deve ser executada pelos músculos respiratórios para per-mitir ventilação adequada, e (3) o estado mental.

A pessoa torna-se muito dispnéica devido especialmente ao acúmuloexcessivo de dióxido de carbono nos líquidos corporais. Todavia, algumasvezes, os níveis de dióxido de carbono e de oxigênio nos líquidos corporaisestão totalmente normais; entretanto, para alcançar essa normalidadedos gases respiratórios, a pessoa precisa respirar com muita força. Nessescasos, a atividade forçada dos músculos respiratórios quase sempre dáà pessoa a sensação de dispnéia muito intensa.

Por fim, as funções respiratórias da pessoa podem estar totalmentenormais, embora a dispnéia possa ser experimentada em conseqüênciade estado mental anormal. Trata-se da denominada dispnéia neurogênicaou, por vezes, dispnéia emocional. Por exemplo, quase todas as pessoasque pensam momentaneamente sobre o ato da respiração podem, derepente, começar a realizar incursões respiratórias um pouco mais profun-das do que o habitual, devido à sensação de dispnéia leve. Essa sensaçãoaumenta sobremaneira em pessoas com temor psicológico de não seremcapazes de receber quantidade suficiente de ar, como ao entrar em salaspequenas ou com grandes multidões.

RESPIRAÇÃO ARTIFICIAL

Ressuscitador. Existem muitos tipos de ressuscitadores, e cada umpossui seus próprios princípios característicos de funcionamento. Basica-mente, o ressuscitador ilustrado na Fig. 42.9A consiste num suprimentode oxigênio ou de ar, num mecanismo para aplicar pressão positivaintermitente e, em alguns aparelhos, pressão negativa, e numa máscaraque deve ser adaptada ao rosto do paciente ou a conector, para ligar

o equipamento a um tubo endotraqueal. Esse aparelho força ar atravésda máscara para os pulmões do paciente durante o ciclo de pressãopositiva e, a seguir, permite geralmente que o ar saia passivamentedos pulmões durante o resto do ciclo.

Com freqüência, os primeiros ressuscitadores produziam lesão gravedos pulmões, devido à excessiva pressão positiva, razão pela qual seuuso foi muito criticado. Todavia, na atualidade, a maioria dos ressusci-tadores possui limites ajustáveis de pressão positiva que, em geral, sãode 12 a 15 cm de água para os pulmões normais mas que podem sermais altos para pulmões de complacência abaixo do normal.

Pulmão de aço. A Fig. 42.9B ilustra o pulmão de aço com o corpodo paciente no seu interior e a cabeça projetando-se para fora atravésde um colar flexível, porém impermeável ao ar. Na extremidade docilindro oposta à cabeça do paciente existe um diafragma de couro acio-nado por um motor, que se move para frente e para trás com excursãosuficiente para elevar e baixar a pressão dentro do cilindro. Quandoo diafragma de couro se move para dentro, desenvolvem-se pressãopositiva em torno do corpo, provocando a expiração; quando o diafragmase move para fora, a pressão negativa determina a inspiração. Válvulasde controle sobre o respirador controlam as pressões positivas e negativas.Normalmente, essas pressões são ajustadas de modo que a pressão nega-tiva que produz a inspiração caia para -10 a -20 cm de água, enquantoa pressão positiva se eleva para 0 a +5 cm de água.

Efeito do ressuscitador e do pulmão de aço sobre o retorno venoso.Quando o ar é forçado para dentro dos pulmões sob pressão positiva,ou quando a pressão em torno do corpo do paciente diminui acentuada-mente. porém com traquéia exposta à pressão atmosférica pelo nariz,como no caso do pulmão de aço, a pressão no interior da cavidadetorácica fica maior do que a pressão em qualquer outro lugar do corpo.Por conseguinte, o fluxo sanguíneo das veias periféricas para o tóraxfica prejudicado. Como conseqüência, o uso de pressões excessivas como ressuscitador ou com o pulmão de aço pode reduzir o débito cardíaco— algumas vezes até níveis letais. Em geral, a pessoa normal podesobreviver com pressão positiva contínua de até 20 mm Hg nos pulmões;todavia, a exposição por mais de alguns minutos a pressão acima de30 mm Hg pode causar morte.

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Fig. 42.9 A, Ressuscitador. B, Pulmão de aço.

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403

UNIDADE VIII

FISIOLOGIA DA AVIAÇÃO, DO ESPAÇO E DOSMERGULHOS SUBMARINOS PROFUNDOS

Ø Fisiologia da Aviação, das Altitudes Elevadas e do Espaço

Ø Fisiologia dos Mergulhos Submarinos Profundos e de Outras CondiçõesHiperbáricas

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CAPÍTULO 43

Fisiologia da Aviação, das Altitudes Elevadas e do Espaço

À medida que o homem subiu a altitudes cada vez maiores naaviação, escalando montanhas e em veículos espaciais, tornou-se cadavez mais importante conhecer-se os efeitos da altitude e das baixas pres-sões gasosas, assim como diversos outros fatores — forças de aceleração,imponderabilidade, e assim por diante — sobre o corpo humano. Opresente capítulo trata desses problemas.

EFEITOS DA BAIXA PRESSÃO E OXIGÊNIO SOBRE OCORPO

Pressões barométricas a diferentes altitudes. O Quadro 43.1 mostraas pressões barométricas e de oxigênio a diferentes altitudes, mostrandoque, ao nível do mar, a pressão barométrica é de 760 mm Hg; a 3.000metros, de apenas 523 mm Hg; e a 15.000 metros, de 87 mm Hg. Essaredução da pressão barométrica é a causa básica de todos os problemasde hipoxia na fisiologia das grandes altitudes, porque, quando a pressãobarométrica declina, a pressão parcial de oxigênio cai proporcionalmente,permanecendo o tempo todo ligeiramente abaixo de 21% da pressãobarométrica total — aproximadamente 159 mm Hg ao nível do mar,mas apenas 18 mm Hg a 15.000 metros.

Po2 ALVEOLAR A DIFERENTES ALTITUDES

Efeito do dióxido de carbono e do vapor d'água sobre o oxigênioalveolar. Mesmo em altitudes elevadas, o dióxido de carbono é continua-mente excretado do sangue pulmonar para os alvéolos. Assim, também,a água se vaporiza das superfícies respiratórias para o ar inspirado. Comoconseqüência, esses dois gases diluem o oxigênio nos alvéolos, reduzindo,assim, a concentração do oxigênio.

A pressão de vapor d'água permanece em 47 mm Hg, enquantoa temperatura corporal estiver normal, independentemente da altitude;e, durante a exposição a altitudes muito elevadas, a pressão de dióxidode carbono cai nas pessoas aclimatadas, o que aumenta por cerca decinco vezes sua ventilação alveolar, do valor normal de 40 mm Hg aonível do mar para cerca de 7 mm Hg, devido ao aumento da respiração.

Vamos ver agora como as pressões desses dois gases afetam ooxigênio alveolar. Suponhamos, por exemplo, que a pressão barométricaseja reduzida a 253 mm Hg, que é o valor medido no topo do MonteEverest, a 8.853 m. Dessa pressão, 47 mm Hg têm de ser vapor d'água,deixando apenas 206 mm Hg para os outros gases. Em pessoasaclimatadas, 7 mm dos 206 mm Hg têm de ser dióxido de carbono,sobrando apenas 199 mm Hg. Se não houvesse utilização de oxigêniopelo organismo, um quinto desses 199 mm Hg seria oxigênio e quatroquintos seriam nitrogênio; ou a Po2 nos alvéolos seriam de 40 mm Hg.Contudo, parte desse oxigênio alveolar seria absorvida pelo sangue,deixando cerca de 35 mm Hg de pressão de oxigênio nos alvéolos.

Portanto, no cume do Monte Everest mesmo as pessoas mais bemaclimatadas mal podem sobreviver respirando ar. O efeito é porémmuito diferente quando o indivíduo está respirando oxigênio, comoveremos nas discussões que se seguem.

Po, alveolar em diferentes altitudes. A quinta coluna do Quadro43.1 mostra a Po2 nos alvéolos a diferentes altitudes ao se respirar ar,tanto para pessoas aclimatadas como para as não-aclimatadas. A Po:alveolar é de 104 mm Hg ao nível do mar; a 6.000 m de altitude elacai para 40 mm Hg nas pessoas não-aclimatadas. mas para 53 mm Hgnas aclimatadas. A diferença entre as duas é que a ventilação alveolaraumenta apenas ligeiramente nas pessoas não-aclimatadas, porém au-menta por cerca de seis vezes mais nas pessoas aclimatadas, como vamosdiscutir mais adiante.

Saturação da hemoglobina por oxigênio em diferentes altitudes. AFig. 43.1 mostra a saturação arterial de oxigênio em diferentes altitudesrespirando-se ar ou oxigênio. Até a altitude de aproximadamente 3.000m, mesmo respirando-se ar, a saturação arterial de oxigênio permanecepelo menos em 90%. Acima dos 3.000 m, porém, a saturação arterialde oxigênio cai progressivamente, como é mostrado pela curva à esquerdada figura, até chegar a apenas 70% aos 6.000 m e muito menos aindaa altitudes ainda mais elevadas.

EFEITO DE SE RESPIRAR OXIGÊNIO PURO SOBRE APo2 ALVEOLAR, EM DIFERENTES ALTITUDES

Quando a pessoa respira oxigênio puro em vez de ar, a maior partedo espaço ocupado anteriormente nos alvéolos pelo nitrogênio passaagora a ser ocupada pelo oxigênio. A 9.000 m, portanto, o aviadorpode ter Po2 alveolar de 139 mm Hg. em vez dos 18 mm Hg se respirassear.

A segunda curva da Fig. 43.1 mostra a saturação arterial de oxigênioa diferentes altitudes quando se está respirando oxigênio. Observe quea saturação permanece acima de 90% até que o aviador sobe a aproxima-damente 12.000 m; depois, ela cai rapidamente para cerca de 50% emtorno dos 14.000 m.

O "teto" ao se respirar ar e ao se respirar oxigênio numavião não-pressurizado

Comparando-se as duas curvas de saturação arterial de oxigênioda Fig. 43.1, observa-se que um aviador respirando oxigênio pode subira altitudes bem mais elevadas que aquele que não o faz. A saturaçãoarterial a 14.000 m, por exemplo, é de cerca de 50% ao se respiraroxigênio, sendo equivalente à saturação arterial de oxigênio a 7.000 m

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Quadro 43.1 Efeitos da exposição aguda a baixas pressões atmosféricas sobre as concentrações dos gases alveolares ea saturação arterial de oxigênio*

Respirando Ar Respirando oxigênio puro

Pressão Po2 no Pco2 nos Po2 nos Saturação Pco2 nos Po2 nos Saturação

b arométrica ar alvéolos alvéolos arterial de alvéolos alvéolos arterial deAltitude (m) (mm Hg) (mm Hg) (mm Hg) (mm Hg) oxigênio (%) (mm Hg) (mm Hg) oxigênio (%)

0 760 159 40 (40) 104(104) 97 (97) 40 673 1003.000 523 110 36 (23) 67 (77) 90 (92) 40 436 1006.000 349 73 24(10) 40 (53) 73 (85) 40 262 1009.000 226 47 24(7) 18(30) 24 (38) 40 139 99

12.000 141 36 58 8415.000 87 18 24 16 15

*Os números entre parênteses são valores em indivíduos aclimatados.

ao se respirar ar. Além disso, como a pessoa não-aclimatada podenormalmente permanecer consciente até que a saturação arterial deoxigênio caia para 40 a 50%, o teto para um aviador num avião não-pres-surizado respirando ar é de aproximadamente 7.000 m, e de cerca de14.000 m respirando oxigênio, desde que o equipamento que supre ooxigênio funcione perfeitamente.

EFEITOS AGUDOS DA HIPOXIA

Alguns dos importantes efeitos agudos da hipoxia, começando naaltitude aproximada de 3.600 m, são sonolência, lassidão, fadiga mentale muscular, por vezes cefaléia, ocasionalmente náuseas e, por vezes,euforia. Todos esses efeitos evoluem para um estado de abalos muscularesou convulsões acima de 5.400 m e culminam em coma, em pessoas não-aclimatadas, acima de 7.000 m.

Um dos efeitos mais importantes da hipoxia é a diminuição da efi-ciência mental que prejudica o juízo crítico, a memória e a execuçãode movimentos motores precisos- Quando um aviador fica a 4.500 mpor 1 hora, por exemplo, sua eficiência mental normalmente cairá paraaproximadamente 50% do normal, e, após 18 horas nesse nível, paraaproximadamente 20% do normal.

ACLIMATAÇÃO À BAIXA Po2

Uma pessoa que permanece numa altitude elevada por dias, semanasou anos fica cada vez mais adaptada à baixa Po2 de modo que essaaltitude causa menos efeitos prejudiciais ao organismo e também possi-bilita que a pessoa trabalhe mais, sem efeitos hipóxicos, ou suba a altitudeainda mais elevada. Os cinco meios principais pelos quais ocorre a aclima-tação são: (1) grande aumento na ventilação pulmonar, (2) aumentodo número de hemácias, (3) aumento da capacidade de difusão dospulmões, (4) aumento da vascularização dos tecidos e (5) maior capaci-

Fig. 43.1 Efeito da baixa pressão atmosférica sobre a saturação arterialde oxigênio ao se respirar ar e ao se respirar oxigênio puro.

dade de utilização de oxigênio pelas células, apesar da baixa Po2.Aumento da ventilação pulmonar. Com exposição imediata a uma

Po2 muito baixa, a estimulação hipóxica dos quimiorreceptores aumentaa ventilação alveolar até um máximo de aproximadamente 65%. Issoé uma compensação imediata à altitude elevada e possibilita por si sóque o indivíduo suba alguns milhares de metros mais alto do que seriapossível sem esse aumento da ventilação. Caso o indivíduo permaneçaem altitude muito elevada por vários dias, a ventilação vai, então, aumen-tar gradualmente, em média até cerca de cinco vezes o normal. A causabásica desse aumento gradual é o seguinte:

O aumento imediato de 65% da ventilação pulmonar ao se subirpara uma altitude elevada elimina grande quantidade de dióxido decarbono, reduzindo a Pco2 e aumentando o pH dos líquidos corporais.Ambas as alterações inibem o centro respiratório, opondo-se, assim,à estimulação desse centro pelos quimiorreceptores. Durante os 2 a 5dias subseqüentes, porém, essa inibição desaparece, possibilitando queo centro respiratório passe a responder com força integral aos estímulosquimiorreceptores conseqüentes à hipoxia, e a ventilação aumenta atécerca do quíntuplo da normal. A causa desse declínio da inibição éconsiderada como sendo principalmente a redução da concentração deíons bicarbonato no líquor cefalorraquidiano e, provavelmente, tambémnos tecidos corporais. Isso, por sua vez, diminui o pH nos líquidos quecircundam os neurônios quimiossensíveis do centro respiratório, aumen-tando, assim, a atividade do centro. (Ver o Cap. 41, para uma discussãomais detalhada desse efeito.)

Aumento do número de hemácias e da hemoglobina, durante a aclima-tação. Deve-se recordar, do Cap. 32, que a hipoxia é o principal estímulocausador de aumento na produção de hemácias. Normalmente, na aclima-tação integral sob baixo nível de oxigênio, o hematócrito se eleva deseu valor normal de 40 a 45 para 60 a 65, em média, com aumentomédio da concentração de hemoglobina do valor normal de 15 g/dl paracerca de 22 g/dl.

Além disso, o volume sanguíneo também aumenta, muitas vezespor até 20 a 30%, ocasionando aumento total de até 50 a 90% na hemoglo-bina circulante.

Infelizmente esse aumento da hemoglobina e do volume sanguíneoé lento, não tendo praticamente qualquer efeito até 2 a 3 semanas depois,atingindo a metade de seu desenvolvimento em aproximadamente 1 mêsc só se desenvolvendo na sua totalidade após muitos meses.

Aumento da capacidade de difusão durante a aclimatação. Deve-serecordar que a capacidade normal de difusão do oxigênio, através damembrana pulmonar é de aproximadamente 21 ml/mm Hg/min, podendoesta capacidade de difusão aumentar até três vezes durante o exercício.Aumento semelhante da capacidade de difusão ocorre nas altitudes eleva-das. Parte desse aumento decorre provavelmente do grande aumentodo volume sanguíneo pulmonar, que expande os capilares e aumentaa superfície através da qual o oxigênio pode difundir-se para o sangue.Outra parte decorre do aumento no volume pulmonar, que expandea área da superfície da membrana alveolar. Uma última parte decorredo aumento da pressão arterial pulmonar; isso força o sangue a passarpor um número de capilares alveolares maior que o normal - especial-mente nas partes superiores dos pulmões, que não são bem perfundidasnas condições habituais.

O sistema circulatório na aclimatação - aumento dacapilaridade. O débito cardíaco freqüentemente aumenta até 30%imediatamente após a pessoa subir até altitude elevada, mas, em

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seguida, volta ao normal com o aumento do hematócritosanguíneo, de modo que a quantidade de oxigênio transportadapara os tecidos permanece aproximadamente normal — isto é, anão ser que a altitude seja tão elevada que ocorra hipoxia grave.

Outra adaptação circulatória é o aumento do número decapilares nos tecidos, o que é denominado aumento dacapilaridade. Isso ocorre especialmente em animais nascidos ecriados em altitudes elevadas, sendo observado em menor graunos animais que foram expostos à altitude mais tardiamente emsua vida. Nos tecidos muito ativos expostos à hipoxia crônica, oaumento da capilaridade é particularmente acentuado. A den-sidade capilar no músculo do ventrículo direito, por exemplo,aumenta muitos pontos percentuais devido aos efeitoscombinados da hipoxia c da excessiva carga de trabalho sobre oventrículo direito ocasionadas pela hipertensão pulmonar naalt itude elevada (a hipertensão decorre da vasoconstriçãocausada pela baixa concentração alveolar de oxigênio).

Aclimatação celular. Em animais nascidos nas altitudes de4.000 a 5.000 m, as mitocôndrias e alguns sistemas celulares deenzimas oxidativas são mais abundantes que nos que habitam aonível do mar. Presume-se, portanto, que tanto os seres humanosadaptados como esses animais possam utilizar o oxigênio maisefetivamente que seus correspondentes ao nível do mar, masainda não se tem certeza disso.

ACLIMATAÇÃO NATURAL DOS NATIVOS QUE VIVEMNAS GRANDES ALTITUDES

Muitos nativos dos Andes e do Himalaia vivem em altitudessuperiores a 4.000 m — um grupo nos Andes peruanos vive, defato, na altitude de 5.200 m e trabalha numa mina a 6.000 m.Muitos desses nativos nasceram nessa altitude e vivem aí portoda a vida. Em todos os aspectos da aclimatação, os nativos sãosuperiores até aos mais aclimatados habitantes de terras baixas,ainda que estes tenham vivido em altitudes elevadas por 10anos ou mais. Esse processo de aclimatação dos nativos começano período neonatal. O tamanho do tórax em particular aumentamuito, enquanto que o tamanho corporal diminui um pouco,produzindo proporção elevada entre a capacidade ventilatóriae a massa corporal. Além disso, seu coração é consideravelmentemaior que o do habitante das terras baixas, especialmente o ladodireito, que proporciona pressão arterial pulmonar elevada parabombear sangue por um sistema capilar muito expandido.

O aporte de oxigênio aos tecidos pelo sangue também é muitofacilitado nesses nativos. A Fig. 43.2 mostra, por exemplo,as curvas de

Fig. 43.2 Curvas de dissociação do oxigênio para o sangue deresidentes em altitudes elevadas e ao nível do mar, mostrando osrespectivos conteúdo de oxigênio e PO; arteriais e venosos,conforme registrado em seu ambiente nativo. (De Oxygen-dissociation curves for bloods of high-altitude and sea-levelresidents. PAHO Scientific Publication n." 140, Life ai HighAltitudes, 1966.)

dissociação da hemoglobina-oxigênio para nativos que vivemao nível do mar e seus correspondentes que vivem a 4.500 m.Note que a Po2 do oxigênio arterial nos nativos das grandesaltitudes é de apenas 40 mm Hg, mas, devido à maiorquantidade de hemoglobina, a quantidade de oxigênio no sanguearterial é de fato maior do que no sangue dos nativos dealtitudes mais baixas. Note, também, que a Po2 venosa nosnativos das grandes altitudes é apenas 15 mm Hg inferior a Po2dos habitantes das terras baixas, apesar da Po2 arterial muitobaixa, indicando que o transporte de oxigênio para os tecidos éextraordinariamente eficaz nos nativos naturalmente aclimatadosàs grandes altitudes.

CAPACIDADE DE TRABALHO A ALTITUDESELEVADAS: O EFEITO DA ACLIMATAÇÃO

Fora à depressão mental causada pela hipoxia, como foidiscutido antes, a capacidade de trabalho de todos os músculostambém diminui muito na hipoxia. Isso inclui não só os músculosesqueléticos, mas também o músculo cardíaco, de modo que atémesmo o nível máximo do débito cardíaco fica reduzido. Emgeral, a capacidade de trabalho é reduzida em proporção direta àredução da captação máxima de oxigênio que o organismo podeobter.

Assim, os nativos naturalmente aclimatados podem realizartrabalho diário, mesmo nessa altitude elevada, quase igual ao depessoa normal ao nível do mar, mas até mesmo habitantes deterras baixas bem aclimatados quase nunca chegam a esseresultado.

DOENÇA CRÔNICA DA MONTANHA

Por vezes, o indivíduo que permanece muito tempo emaltitude elevada vem a apresentar doença crônica da montanha,na qual ocorrem os seguintes efeitos: (1) a massa eritrocitária e ohematócrito aumentam excepcionalmente; (2) a pressão arterialpulmonar fica ainda mais elevada que com a elevação normal,observada durante a aclimatação, (3) o lado direito do coraçãose dilata muito, (4) a pressão arterial periférica começa a cair, (5)sobrevêm insuficiência cardíaca congestiva, (6) a morte segue-secom freqüência, se a pessoa não for removida para altitudemais baixa. A causa dessa seqüência de eventos temprovavelmente tríplice natureza: primeiro, a massa eritrocitáriatorna-se tão grande que a viscosidade sanguínea aumenta porvárias vezes; isso, então, reduz efetivamente o fluxo sanguíneotecidual, de modo que o aporte de oxigênio também começa adiminuir. Segundo, as arteríolas pulmonares apresentamvasoespasmo devido à hipoxia pulmonar. Isso decorre do efeitoconstritor vascular hipóxico que atua normalmente desviando ofluxo sanguíneo dos alvéolos não-aerados para os aerados, comofoi explicado no Cap. 38. Nesse caso, porém, todas as arteríolas secontraem, a pressão arterial pulmonar se eleva excessivamente eo lado direito do coração entra em insuficiência. Terceiro, oespasmo das arteríolas pulmonares desvia grande parte do fluxosanguíneo para os vasos pulmonares não-alveolares, causando,assim, fluxo sanguíneo excessivo pelo shunt pulmonar, no qual, osangue não é oxigenado; e isso complica ainda mais oproblema. Felizmente, muitas pessoas se recuperam em algunsdias ou semanas, quando levadas para altitude mais baixa.

DOENÇA AGUDA DA MONTANHA E EDEMAPULMONAR DAS GRANDES ALTITUDES

Uma pequena percentagem das pessoas que sobemrapidamente para altitudes elevadas torna-se agudamentedoente e morre, se elas não receberem oxigênio ou não foremlevadas para altitude mais baixa.

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A doença começa algumas horas até cerca de 2 dias após a subida.Dois eventos diferentes ocorrem freqüentemente:

1. Edema cerebral agudo. Decorre supostamente da vasodilataçãolocal dos vasos sanguíneos cerebrais, causada pela hipoxia. A dilataçãodas arteriolas eleva a pressão capilar, o que, por sua vez, faz com quehaja vazamento de líquido para os tecidos cerebrais. O edema cerebralpode levar, então, a grave desorientação e a outros efeitos relacionadosà disfunção cerebral.

2. Edema pulmonar agudo. Sua causa ainda não é conhecida, masa resposta sugerida é a seguinte: a grave hipoxia faz com que as arteriolaspulmonares se contraiam fortemente, mas sua contração é muito maiorem algumas partes do pulmão que em outras, de modo que volumecada vez maior do fluxo sanguíneo pulmonar é forçado a cada vez pormenos vasos pulmonares não-contraídos. A conseqüência postulada éque a pressão capilar nessas áreas dos pulmões torna-se particularmentealta e ocorre edema local. Em seguida, a extensão do processo paraáreas cada vez maiores dos pulmões leva a grave disfunção pulmonar,que pode ser letal. Contudo, fazer a pessoa respirar oxigênio geralmentereverte o processo em algumas horas.

Algumas pessoas têm extrema reatividade vascular pulmonar à hipo-xia, muitas vezes maior que a reatividade de pessoas normais; essaspessoas são particularmente susectíveis ao edema pulmonar agudo dasgrandes altitudes.

EFEITOS DE FORÇAS DE ACELERAÇÃO SOBRE OCORPO NA FISIOLOGIA DA AVIAÇÃO E DO ESPAÇO

Devido às mudanças rápidas na velocidade e na direção do movi-mento nos aviões e veículos espaciais, vários tipos de forças de aceleraçãoafetam com freqüência o corpo durante o vôo. Ao início do vôo háaceleração linear simples; ao final do vôo, desaceleração; e cada vezque o veículo faz uma curva, aceleração angular e centrífuga.

FORÇAS DE ACELERAÇÃO CENTRÍFUGA

Quando um avião faz uma curva, a força da aceleração centrífugaé determinada pela seguinte relação:

em que / é a força de aceleração centrífuga, m é a massa do objeto,v é a velocidade de vôo e r é o raio da curva. Esta fórmula deixaclaro que, quando a velocidade aumenta a força de aceleração centrífugaaumenta proporcionalmente ao quadrado da velocidade. Também é evi-dente que a força de aceleração é diretamente proporcional ao graude fechamento da curva (quanto menor for o raio).

Medida da força de aceleração — "G". Quando um indivíduo estásimplesmente sentado, a força com que ele faz pressão contra o assentodecorre do empuxo da gravidade, sendo igual a seu peso. Diz-se quea intensidade dessa força é de +1 G, por ser igual ao empuxo da gravi-dade. Se a força com que ele comprime o assento passa a ser de cincovezes seu peso normal durante a saída de um mergulho, a força atuandosobre o assento é de +5 G.

Se um avião faz um looping externo, de modo que o indivíduofica preso por seu cinto de segurança, uma força G negativa é aplicadaa seu corpo, e quando a força com que ele é lançado contra seu cintoé igual ao peso de seu corpo, a força negativa é de -1 G.

Efeitos da força de aceleração centrífuga (G positiva) sobre o corpo.Efeitos sobre o sistema circulatório. O efeito mais importante da aceleraçãocentrífuga é sobre o sistema circulatório, porque o sangue é móvel epode ser translocado por forças centrífugas.

Quando o aviador é submetido a uma força G positiva, o sangueé centrifugado para a parte inferior de seu corpo. Assim, se a forçade aceleração centrífuga for de +5 G e o indivíduo estiver na posiçãoereta imóvel, a pressão hidrostática nas veias dos pés é cinco vezesa normal, ou de aproximadamente 450 mm Hg; mesmo na posição sentadaessa pressão é de quase 300 mm Hg. Quando aumenta a pressão nosvasos da parte inferior do corpo, eles se dilatam passivamente, e grandeproporção do sangue da parte superior do corpo é translocada paraesses vasos da parte inferior. Como o coração não pode bombear sanguese não houver sangue voltando a ele, quanto maior for a quantidade

de sangue acumulada na parte inferior do corpo, menor fica o débitocardíaco.

A Fig. 43.3 mostra as alterações da pressão arterial sistólica e diastó-lica na parte superior do corpo quando uma força de aceleração de+ 3,3 G é subitamente aplicada a uma pessoa sentada. Note que ambasas pressões ficam abaixo de 22 mm Hg nos primeiros segundos apóso início da aceleração, mas depois retornam a uma pressão sistólicade aproximadamente 55 mm Hg e a pressão diastólica de 20 mm Hgem mais de 10 a 15 segundos. Essa recuperação secundária é causadaprincipalmente pela ativação dos reflexos barorreceptores.

Uma aceleração superior a 4 a 6 G provoca obscurecimento davisão dentro de alguns segundos e a perda da consciência logo depoisdisso. Se esse grau de aceleração for mantido, a pessoa morre.

Efeitos sobre as vértebras. Forças de aceleração extremamente eleva-das, até mesmo por fração de segundo, podem fraturar as vértebras.O grau de aceleração positiva que a média das pessoas pode suportarna posição sentada antes que ocorra a fratura das vértebras é de aproxima-damente 20 G.

G negativa. Os efeitos de uma força G negativa sobre o corpo nãosão tão drásticos agudamente, mas seriam mais nocivos permanente-mente que os efeitos de uma força G positiva. Um aviador pode geral-mente fazer loopings externos com forças de aceleração negativa deaté -4 a 5 G sem maiores danos, exceto pela intensa hiperemiamomentânea da cabeça, embora, ocasionalmente, distúrbiospsicóticos de 15 a 20 minutos de duração ocorram depois disso, devidoao edema cerebral.

Ocasionalmente, as forças G negativas podem ser tão grandes ea centrifugação do sangue para a cabeça tão intensa, que a pressãoarterial no cérebro chega a 300 a 400 mm Hg, por vezes ocasionandoa ruptura dos pequenos vasos na superfície da cabeça e no cérebro.Entretanto, os vasos no interior do crânio têm menor tendência à rupturado que seria de se esperar, pois o liquor é centrifugado para a cabeçaao mesmo tempo que o sangue é centrifugado para os vasos cranianos,e o grande aumento da pressão liquórica age como amortecedor sobreo lado externo do cérebro, impedindo a ruptura vascular.

Como os olhos não são protegidos pelo crânio, durante uma forçaG negativa ocorre neles hiperemia intensa. Em conseqüência, os olhossão muitas vezes temporariamente cegados pela "onda vermelha".

Proteção do corpo contra as forças de aceleração centrífuga. Procedi-mentos e aparelhos específicos foram desenvolvidos para proteger osaviadores do colapso circulatório que ocorre durante uma força G posi-tiva. Primeiro, se o aviador retesar os músculos abdominais em grauextremo e inclinar-se para a frente, comprimindo o abdome, parte doacúmulo de sangue nos grandes vasos do abdome pode ser evitada,retardando, assim, o início da perda de consciência. Também, vestesespeciais "anti-G" foram criadas para impedir o acúmulo nas pernase na parte inferior do abdome. A mais simples delas aplica pressãopositiva às pernas e ao abdome, inflando bolsas compressivas quandoa força G aumenta. Teoricamente, um piloto submerso num tanqueou numa veste de água poderia suportar graus muito elevados de acelera-ção, tanto positiva como negativa, pois as pressões desenvolvidas naágua e fazendo pressão sobre a parte externa do corpo durante a acele-ração centrífuga se equivalem quase que exatamente às forças que atuamsobre o corpo. Infelizmente, porém, a presença de ar nos pulmões aindapossibilita o deslocamento do coração, tecidos pulmonares e diafragmapara posições gravemente anormais, apesar da submersão em água. Mes-mo que esse procedimento seja utilizado, os limites de segurança seriamde aproximadamente 15 a 20 G.

Fig. 43.3 Alterações das pressões arteriais sistólica e diastólica apósexposição abrupta e contínua a força de aceleração de +3,3 G. (Modi-ficado de Martin e Henry: /. Aviation Med. 22:382, 1951.)

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EFEITOS DE FORÇAS DE ACELERAÇÃO LINEAR SOBREO ORGANISMO

Forças aceleratórias em viagens espaciais. Diferentemente deum avião, um veículo espacial não pode fazer curvas rápidas; aaceleração centrífuga tem, portanto, pouca importância, exceto quandoo veículo começa a girar de forma anormal. Por outro lado, a aceleraçãode lançamento e da aterrissagem podem ser enormes; ambas são tipos deaceleração linear.

A Fig. 43.4 ilustra um perfil típico da aceleração durante o lança-mento de um veículo espacial de três estágios, mostrando que o primeiroestágio causa aceleração de até 9 G e o segundo de até 8 G. Em posiçãoereta, o corpo humano não pode suportar toda essa aceleração, mas,em posição semi-reclinada transversaL do eixo da aceleração, essegrau de aceleração pode ser suportado com facilidade, apesar dofato de que as forças de aceleração continuam por até 5 minutos decada vez. Vê-se, pois a razão para os assentos reclinados utilizados pelosastronautas.

Também ocorrem problemas durante a desaceleração, quando dareentrada do veículo espacial na atmosfera. Uma pessoa viajando a Mach1 (a velocidade de som e de aviões rápidos) pode ser desacelerada comsegurança numa distância de aproximadamente 200 metros, enquantouma pessoa viajando à velocidade de Mach 100 (velocidade possívelnas viagens espaciais) requer distância de aproximadamente 16.000 kmpara desaceleração segura. A principal razão para essa diferença é quea energia total que tem de ser gasta durante a desaceleração é propor-cional ao quadrado da velocidade, o que, por si só, aumenta 10.000vezes a distância. Além disso, porém, um ser humano pode suportardesaceleração bem menor quando sua duração é prolongada que quandoé curta. Por esta razão, a desaceleração tem de ser feita muito maislentamente a partir das velocidades muito altas que o necessário comvelocidades mais baixas.

Forças de desaceleração associadas a saltos de pára-quedas.Quando o pára-quedista sai do avião, a velocidade de queda é, no início,de exatamente 0 metro por segundo. Entretanto, devido à forçaaceleratória da gravidade, dentro de 1 segundo a velocidade de queda éde 9 metros por segundo (se não houver resistência do ar), de 18 metrospor segundo em 2 segundos, e a assim por diante. Contudo, à medidaque aumenta a velocidade da queda, a resistência do ar, tendendo atornar mais lenta a queda, também aumenta. Finalmente, a força dedesaceleração da resistência do ar se equilibra exatamente à forçaaceleratória da gravidade, de modo que, após cair por aproximadamente12 segundos e à distância de 420 m, a pessoa vai estar caindo comvelocidade terminal de 175 a 190 km/h (50 m/s).

Se o pára-quedista já atingiu a velocidade terminal de queda antesde abrir o pára-quedas, há um "choque da carga de abertura" de aproxi-madamente 540 kg sobre as alças do pára-quedas.

Fig. 43.4 Forças de aceleração durante a decolagem de um veículoespacial.

O pára-quedas de tamanho comum diminui a velocidade de quedado pára-quedista para aproximadamente um nono da velocidade termi-nal. Em outras palavras, a velocidade de aterrissagem é de aproxima-damente 6 m/s e a força de impacto contra o solo é de aproximadamente1/81 da força de impacto sem o pára-quedas. Ainda assim, a força doimpacto ainda é bastante grande para causar consideráveis danos aocorpo, se o pára-quedista não estiver bem treinado em aterrissagens.De fato, a força de impacto com o solo é aproximadamente a mesmaque ocorreria ao se pular da altura de 1,80 m. A não ser que previamenteavisado disso, o pára-quedista vai ser enganado por seus sentidos a aterris-sar com as pernas estendidas, e isso vai ocasionar enormes forças dedesaceleração ao longo do eixo esquelético do corpo, levando à fraturada pelve, de vértebras ou de uma das pernas. Por conseguinte, os pára-quedistas treinados tocam o solo com os joelhos dobrados, mas os múscu-los retesados, para amortecer o choque da aterrissagem.

"CLIMA ARTIFICIAL" NO VEÍCULO ESPACIALFECHADO

Como não há atmosfera no espaço exterior, tem-se de criar atmosferae clima artificiais. O mais importante de tudo é que a concentraçãode oxigênio tem de permanecer suficientemente elevada e a concentraçãode dióxido de carbono suficientemente baixa para impedir a sufocação.Em algumas das primeiras missões ao espaço, utilizou-se uma atmosferana cápsula com oxigênio puro com cerca de 260 mm Hg de pressão.Em outras, utilizou-se mistura gasosa de 50% de oxigênio e 50% denitrogênio, com pressão total de aproximadamente 380 mm Hg. A pre-sença de nitrogênio na mistura reduz muito a probabilidade de incêndioe explosão. Ela também protege quanto ao desenvolvimento de áreaslocais de atelectasia que ocorrem com freqüência ao se respirar oxigêniopuro, porque o oxigênio é absorvido muito rapidamente quando os pe-quenos brônquios são temporariamente bloqueados por tampões mu-cosos.

Para viagens espaciais durando mais de alguns meses, é impraticávellevar-se suprimento adequado de oxigênio e absorvente suficiente parao dióxido de carbono. Por esta razão, têm sido propostas "técnicas dereciclagem" para o uso repetido da mesma quantidade de oxigênio.Alguns processos de reciclagem dependem de procedimentos puramentefísicos, tais como destilação, eletrólise da água para liberar oxigênioetc. Outros dependem de métodos biológicos, tais como o uso de algas,com sua grande reserva de clorofila, para produzir substâncias alimen-tares e, simultaneamente, liberar oxigênio a partir do dióxido de carbono,pelo processo de fotossíntese. Infelizmente, ainda não se obteve umsistema de reciclagem inteiramente prático.

IMPONDERABILIDADE NO ESPAÇO

Uma pessoa num satélite e mórbida ou em qualquer veículo espacialimóvel apresenta ausência de peso. Isso quer dizer que o indivíduo nãoé atraído para a parte inferior, lateral ou superior do veículo espacial,mas, simplesmente, flutua no interior de suas câmaras. A causa dissonão é a falta de empuxo da gravidade sobre o corpo, porque a gravidadede qualquer corpo celeste vizinho ainda está ativa. No entanto, a gravi-dade age tanto sobre o veículo espacial como sobre a pessoa ao mesmotempo e, como não há resistência ao movimento no espaço, ambos sãopuxados com exatamente a mesma força de aceleração e na mesmadireção. Por esta razão, o indivíduo simplesmente não é atraído emdireção a qualquer das paredes da nave.

Problemas fisiológicos da imponderabilidade. Felizmente, os proble-mas fisiológicos da imponderabilidade não se mostraram graves. Muitosdos problemas que ocorrem de fato parecem estar relacionados a trêsefeitos da imponderabilidade: (1) cinetose, durante os primeiros diasda viagem, (2) translocação de líquidos no interior do corpo devidoà ausência das pressões hidrostáticas produzidas pela ação de gravidade,e (3) diminuição da atividade física por não ser necessária força decontração muscular para opor-se à força da gravidade.

Quase 50% dos astronautas apresentam cinetose, com náuseas evômitos, durante os 2 a 5 primeiros dias de viagem espacial. Isso decorre,provavelmente, de um padrão pouco familiar dos sinais de movimentoque chegam aos centros de equilíbrio do cérebro, com ausência totalde sinais gravitacionais.

Os efeitos observados durante estadia prolongada no espaço sãoos seguintes: (1) diminuição do volume sanguíneo, (2) diminuição da

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massa eritrocitária, (3) diminuição da força e da capacidade de trabalhodos músculos, (4) diminuição do débito cardíaco máximo, e (5) perdade cálcio e fosfato pelos ossos, bem como perda de massa óssea. Muitosdesses mesmos efeitos ocorrem também em pessoas presas ao leito porlongos períodos. Por esta razão, extensos programas de exercícios sãoexecutados durante missões prolongadas em Laboratórios Espaciais, sen-do muitos dos efeitos acima bastante reduzidos, exceto pela perda óssea.Nas expedições anteriores do Laboratório Espacial, em que o programade exercícios não era tão vigoroso, os astronautas apresentavam capaci-dade de trabalho bem menor nos primeiros dias após voltarem à Terra.Eles apresentavam também tendência a desfalecer (e ainda a apresentam,até certo ponto) ao ficarem de pé no primeiro dia, pouco mais ou menos,após a volta à gravidade, devido à translocação de seu volume sanguíneoreduzido para o abdome e as pernas.

Os efeitos da imponderabilidade que ocorrem habitualmente emgeral atingem o máximo nas primeiras semanas após o astronauta entrarno ambiente espacial, não sendo, felizmente, progressivos daí em diante,com uma exceção: a perda óssea continua por muitos meses, presumi-velmente porque a estimulação do depósito de osso requer os estressesadicionais da gravidade. Apesar disso, parece que, com programa deexercício apropriado, os efeitos fisiológicos da imponderabilidade nãovão ser um problema sério nem mesmo nas viagens espaciais prolongadas.

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CAPÍTULO 44

Fisiologia dos Mergulhos Submarinos Profundose de Outras Condições Hiperbáricas

Quando os seres humanos executam mergulhos submarinos, a pres-são em torno deles aumenta muito. Para impedir que os pulmões colap-sem, o ar também tem de ser suprido sob pressão elevada, o que expõeo sangue nos pulmões a pressão gasosa alveolar extremamente eleva-da, condição denominada hiperbarismu. Além de certos limites, es-sas pressões elevadas podem causar grandes alterações na fisiologia cor-poral.

Relação entre a profundidade do mar e a pressão. Uma colunade água do mar com 10 m de profundidade exerce a mesma pressão,em sua parte inferior, que toda a atmosfera acima da terra. Umapessoa 10 m abaixo da superfície do oceano está, portanto, exposta àpressão de 2 atmosferas, 1 atmosfera de pressão causada pelo ar acimada água e a segunda atmosfera pelo peso da própria água. A 2 m, apressão é de 3 atmosferas, e assim por diante, de acordo com oquadro da Fig. 44.1.

Efeito da profundidade sobre o volume dos gases — Lei de Boyle.Outro efeito importante da profundidade é a compressão dos gases emvolumes cada vez menores. A Fig. 44.1 mostra também um jarro aonível do mar contendo 11 de ar. A 10 m sob a superfície do mar,onde a pressão é de 2 atmosferas, o volume foi comprimido a apenasmeio litro, e a 8 atmosferas (70 m), para um oitavo de litro. Assim,o volume ao qual uma dada quantidade de gás é comprimido é inversa-mente proporcional à sua pressão. Este é o princípio físico denominadoLei de Boyle, que é extremamente importante nos mergulhos, porque0 aumento da pressão pode fazer colapsar as câmaras aéreas no corpodo mergulhador, incluindo os pulmões, causando freqüentemente gravesdanos.

Muitas vezes neste capítulo vai ser necessário referimo-nos ao volumereal versus o volume ao nível do mar. Podemos falar, por exemplo, deum volume real de 11 a uma profundidade de 90 m; esta é a mesmaquantidade de ar que o volume ao nível do mar de 10 I.

EFEITO SOBRE O CORPO DE ELEVADAS PRESSÕESGASOSAS PARCIAIS

Os três gases aos quais um mergulhador respirando ar é normalmenteexposto são nitrogênio, oxigênio e dióxido de carbono, e Cada um delespode, por vezes, ocasionar graves efeitos fisiológicos sob pressões eleva-das.

Narcose do nitrogênio sob elevadas pressões de nitrogênio.Aproximadamente quatro quintos do ar são constituídos por nitrogênio.Na pressão ao nível do mar, o nitrogênio não tem qualquer efeitoconhecido sobre a função corporal, mas sob pressão elevada ele podeocasionar graus variáveis de narcose. Quando o mergulhadorpermanece submerso por 1 hora ou mais e está respirando arcomprimido, a profundidade em que os primeiros sintomas de narcoseleve se manifestam é de aproximadamente 36 m, nível em que elecomeça a apresentar jovialidade e a perder muito de sua cautela.

Entre 45 e 60 m, ele se torna sonolento. Entre 60 e 75 m, sua forçadiminui consideravelmente e ele muitas vezes fica por demaisdesajeitado para realizar o trabalho que lhe é exigido. Além de 75 m(8,5 atmosferas de pressão), o mergulhador torna-se geralmente quaseinútil, em conseqüência da narcose do nitrogênio, se permanecer nessaprofundidade por muito tempo.

A narcose do nitrogênio tem características muito semelhantes àsda embriaguez alcoólica, sendo por esta razão freqüentemente designadacomo "êxtase das profundezas".

O mecanismo do efeito de narcose é considerado como sendo omesmo de praticamente todos os gases anestésicos. Quer dizer, onitrogênio dissolve-se livremente nos tecidos adiposos do organismo,presumindo-se que, como a maioria dos outros gases anestésicos, ele sedissolve nas membranas neuronais e reduz sua excitabilidade, devido aseu efeito físico de alterar a condutância elétrica das membranas.

Toxicidade do oxigênio a pressões elevadas. Efeito de Po2 extrema-mente alta sobre o transporte de oxigênio pelo sangue. Quando a Po2do sangue se eleva muito acima de 100 mm Hg, a quantidade de oxigêniodissolvida na água do sangue aumenta acentuadamente. isso é mostradona Fig. 44.2, que apresenta a mesma curva de dissociação de oxigênio-hemoglobina que foi apresentada no Cap. 40, exceto que a Po2 alveolaraumentou, agora, para mais de 3.000 mm Hg. Também é mostradoo volume do oxigênio dissolvido no líquido do sangue a cada nível dePo2. Observe que, na faixa normal da Po2 alveolar, o oxigênio dissolvidonão constitui praticamente nada do oxigênio total no sangue, mas, àmedida que a pressão se eleva progressivamente até milhares de milíme-tros de mercúrio, uma grande parte do oxigênio total apresenta-se entãodissolvida, e não ligada à hemoglobina.

Efeito da Po2 alveolar sobre a Po2 tecidual. Vamos supor que aPo2 nos pulmões seja de aproximadamente 3.000 mm Hg (4 atmosferasde pressão). Referindo-nos à Fig. 44.2, verifica-se que isso representaconteúdo total de oxigênio de aproximadamente 29 volumes por centoem cada 100 ml de sangue, como é mostrado pelo ponto A na figura,Com a passagem desse sangue pelos capilares teciduais e a utilizaçãopelos tecidos de sua quantidade normal de oxigênio — cerca de 5 mlde cada 100 ml de sangue —, o conteúdo de oxigênio na saída doscapilares teciduais ainda é de 24 volumes por cento (ponto B na figura).Nesse ponto, a Po2 ainda é de cerca de 1.200 mm Hg, o que significaque o aporte de oxigênio aos tecidos está sendo feito sob essa pressãoextremamente elevada, em vez do valor normal de 40 mm Hg. Assim,depois que a Po2 alveolar se eleva acima de um nível crítico, o mecanismotampão da hemoglobina-oxigênio (discutido no Cap. 40) não mais conse-gue manter a Po2 tecidual na faixa normal segura entre 20 e 60 mm Hg.

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Fig. 44.1 Efeito da profundidade sobre os volumes gasosos.

Intoxicação aguda por oxigênio. Devido à Po2 tecidualextremamente elevada que ocorre ao se respirar oxigênio sob pressãoalveolar de oxigênio muito alta, pode-se logo ver que isso pode sermuito prejudicial a muitos dos tecidos corporais. Isto éparticularmente verdadeiro para o cérebro. De fato, a exposição a 3atmosferas de pressão de oxigênio (Po2 – 3.040 mm Hg) causaconvulsões, seguidas por coma, na maioria das pessoas. As convulsõesocorrem freqüentemente sem qualquer aviso e, por razões óbvias, podemser letais a mergulhadores submersos.

Outros sintomas encontrados na intoxicação aguda pelo oxigênioincluem náuseas, espasmos musculares, tonteiras, distúrbios visuais,irritabilidade e desorientação.

O exercício aumenta muito a suscetibilidade de um mergulhadorã toxicidade do oxigênio, fazendo os sintomas aparecerem muito maisprecocemente e com intensidade muito maior que em indivíduos emrepouso.

Oxidação intracelular excessiva como causa da toxicidade dooxigênio paraosistema nervoso — "radicais livres oxidantes". Ooxigênio molecular (Oj) tem capacidade muito pequena de oxidar outroscompostos químicos. Para isso ele tem de ser convertido primeironuma forma "ativa" de oxigênio. Há várias formas diferentes deoxigênio ativo; elas são

Fig. 44.2 Quantidade de oxigênio dissolvida nos líquidos do sangue eem combinação com a hemoglobina sob Po2 muito elevada.

designadas como radicais livres de oxigênio. Mesmo quando a Po2tecidual apresenta-se normal, ao nível do 40 mm Hg, pequenas quanti-dades de radicais livres são continuamente formadas a partir do oxigêniomolecular dissolvido. No entanto, os tecidos também contém múltiplasenzimas que removem rapidamente os radicais livres, incluindo especial-mente as peroxidases, catalases, e superóxidos dismutases. Por esta ra-zão, enquanto o mecanismo da hemoglobina-oxigênio funcionar adequa-damente e mantiver a Po2 tecidual normal, os radicais livres oxidantesvão ser removidos tão rapidamente que têm pouco ou nenhum efeitosobre os tecidos.

Por outro lado, acima da Po2 alveolar crítica (acima da Po2 de2 atmosferas aproximadamente), o mecanismo tampão da hemoglobina-oxigênio falha e a Po3 tecidual pode, então, elevar-se até centenas oumilhares de milímetros de mercúrio. Os radicais livres oxidantes literal-mente afogam os sistemas enzimáticos que os removem, tendo, então,efeitos destrutivos graves, e até mesmo letais, sobre as células. Umdos principais efeitos é o de oxidar os ácidos graxos poliinsaturadosque são componentes essenciais de muitas das estruturas membranosasdas células, e outro efeito é o de oxidar algumas das enzimas celulares,danificando, assim, gravemente os sistemas metabólicos celulares. Ostecidos nervosos são particularmente suscetíveis, devido a seu elevadoconteúdo lipídico. Por esta razão, muitos dos efeitos agudos letais datoxicidade aguda do oxigênio estão relacionados à disfunção cerebral.

Intoxicação crônica pelo oxigênio como causa daincapacidade pulmonar. Uma pessoa pode ser exposta a oxigênio a100% sob pressão atmosférica normal quase que indefinidamente sem vira apresentar a toxicidade aguda do oxigênio para o sistema nervoso queacabamos de descrever. No entanto, após apenas cerca de 12 horas deexposição ao oxigênio a 100%, começam a se manifestar congestão dasvias aéreas pulmonares, edema pulmonar e atelectasia, causados porlesões do revestimento dos brônquios e alvéolos. A razão para esseefeito nos pulmões, e não em outros tecidos, é que os espaços aéreosdos pulmões são diretamente expostos à elevada pressão de oxigênio,enquanto o aporte de oxigênio aos outros tecidos é feito sob Po2praticamente normal, devido ao sistema tampão da hemoglobina-oxigênio, desde que a Po3 tecidual permaneça abaixo de cerca de 2atmosferas.

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Toxicidade do dióxido de carbono nas grandesprofundidades. Quando o equipamento de mergulho éapropriadamente fabricado e também funciona de forma adequada, omergulhador não tem dificuldade com a toxicidade do dióxido decarbono, pois a profundidade por si só não aumenta a pressão parcialde dióxido de carbono nos alvéolos. Isso ocorre porque aprofundidade não aumenta a produção de dióxido de carbono peloorganismo; e, enquanto respirar um volume corrente normal, omergulhador vai continuar a expirar o dióxido de carbono à medidaque ele é formado, mantendo sua pressão parcial alveolar de dióxido decarbono no valor normal.

Infelizmente, porém, em certos tipos de equipamento de mergulho,tais como o capacete de mergulho e os diferentes tipos de aparelhosde reinspiração, o dióxido de carbono pode freqüentemente se acumularno ar do espaço morto do aparelho e ser novamente respirado pelomergulhador. Até a pressão alveolar de dióxido de carbono (Pco3) decerca de 80 mm Hg, duas vezes a dos alvéolos normais, o mergulhadorsuporta esse acúmulo, aumentando seu volume-minuto respiratório atéum máximo de oito a l i vezes, para compensar o aumento de dióxidode carbono. Acima do nível de 80 mm Hg, porém, a situação torna-seintolerável e o centro respiratório acaba ficando deprimido, e não excita-do, a respiração do mergulhador começa, então, a falhar, em vez deefetuar a compensação. Além disso, o mergulhador apresenta graveacidose respiratória e sobrevêm graus variáveis de letargia, narcose e.finalmente, anestesia, como é discutido no Cap. 42.

DESCOMPRESSÃO DO MERGULHADOR APÓSEXPOSIÇÃO A ALTAS PRESSÕES

Quando a pessoa respira sob pressão elevada por longo período,a quantidade de nitrogênio dissolvida nos líquidos corporais aumentamuito. A razão disso é a seguinte: ao fluir pelos capilares pulmonares,o sangue se satura de nitrogênio à mesma pressão da mistura respirada.Em algumas horas, há aporte a todos os tecidos do corpo de quantidadesuficiente de nitrogênio para saturar também os tecidos com nitrogêniodissolvido. Por não ser metabolizado pelo organismo, o nitrogênio perma-nece dissolvido até que a pressão de nitrogênio nos pulmões diminua,quando ele é então removido pelo processo respiratório reverso.

Volume de nitrogênio dissolvido nos líquidos corporais emdiferentes profundidades. Ao nível do mar, há quase 11 de nitrogêniodissolvido em todo o corpo. A pouco menos da metade disso dissolvidona água corporal e pouco mais da metade no tecido adiposo corporal. Issoocorre apesar do fato do tecido adiposo constituir apenas 15% do corponormal, pois o nitrogênio é cinco vezes mais solúvel em lipídios que emágua.

mar, pode formar-se em seus líquidos corporais, quer mtra querextracelulares. uma quantidade significativa de bolhas de nitrogênio,que podem causar danos maiores ou menores em quase todas as regiõesdo corpo, dependendo do número de bolhas formadas; essa é a "doençada descompressão".

Os princípios subjacentes à formação de bolhas são mostrados naFig. 44.3. A esquerda, os tecidos do mergulhador entraram em equilíbriosob pressão de nitrogênio muito elevada. Porém, enquanto ele perma-necer profundamente submerso, a pressão contra a parte externa deseu corpo (5.000 mm Hg) comprime todos os tecidos corporais o suficientepara manter em solução os gases dissolvidos. Quando o mergulhadorsobe subitamente até o nível do mar, contudo, a pressão do lado defora de seu corpo passa a ser de apenas 1 atmosfera (760 mm Hg),enquanto a pressão nos líquidos corporais é a soma das pressões dovapor d'água, dióxido de carbono, oxigênio e nitrogênio, ou um totalde 4.065 mm Hg, que é bem maior do que a pressão do lado de forado corpo. Assim sendo, os gases podem sair do estado dissolvido eformar, de fato, bolhas tanto nos tecidos como. especialmente, no sangue,onde entopem os pequenos vasos. Entretanto, as bolhas podem nãoaparecer por muitos minutos a horas, porque os gases podem permanecerdissolvidos no estado "supersaturado", ocasionalmente, por algumas ho-ras antes de formarem bolhas.

O exercício acelera a formação de bolhas durante a descompressão,devido à maior agitação dos tecidos e líquidos. Este é o efeito análogoao de agitar-se uma garrafa de refrigerante aberta para soltar as bolhasde gás.

Sintomas da doença de descompressão. Muitos dos sintomas dadoença de descompressão são causados pelo bloqueio de vasossanguíneos nos diferentes tecidos por bolhas de gás. Inicialmente,apenas os vasos menores são bloqueados por bolhas muito pequenas,mas, ã medida que as bolhas coalescem, são afetados vasos cada vezmaiores. E claro que a isquemia e, por vezes, a morte dos tecidos são asconseqüências disso.

Em muitas pessoas com doença de descompressão, os sintomas sãodores nas articulações e nos músculos das pernas ou braços, afetandocerca de 89% dos que vêm a apresentar essa condição. A dor articularé responsável pelo termo "contorções" que é freqüentemente aplicadoa esta condição.

Em 5 a 10% das pessoas com doença de descompressão, ocorremsintomas referentes ao sistema nervoso, variando de tonteiras, em cercade 5% dos casos, à paralisia e colapso ou perda de consciência, ematé 3% deles. A paralisia pode ser temporária, mas, em alguns casos,os danos são permanentes.

Finalmente, cerca de 2% das pessoas com doença de descompressãoapresentam "sufocação", ocasionada pelo número maciço de microbo-Ihas entupindo os capilares dos pulmões; isso se caracteriza por grandefalta de ar, seguida, muitas vezes, de edema pulmonar grave e, ocasional-mente, por morte.

Várias horas são, porém, necessárias para que as pressões gasosasde nitrogênio em todos os tecidos corporais entrem em equilíbrio coma pressão gasosa de nitrogênio nos alvéolos, simplesmente porque osangue não flui de modo suficientemente rápido e o nitrogênio nãose difunde com rapidez suficiente para levar ao equilíbrio instantâneo.O nitrogênio dissolvido na água corporal chega à saturação praticamentecompleta em menos de 1 hora, mas o lipídio, requerendo muito maisnitrogênio para a saturação e tendo também um suprimento sanguíneorelativamente insuficiente, só atinge a saturação após algumas horas.Por esta razão, se o indivíduo permanecer em níveis profundos porapenas alguns minutos não vai haver muito nitrogênio dissolvido noslíquidos e tecidos; ao passo que, se ele permanecer em nível profundopor várias horas, tanto os líquidos como os tecidos vão estar quaseque totalmente saturados de nitrogênio.

Doença da descompressão (sinônimos: contorções [bends],doença do ar comprimido, doença do caixão, paralisia dosmergulhadores, disbarismo). Quando um mergulhador fica submersopor tempo suficiente para que uma grande quantidade de nitrogênio sedissolva em seu corpo e volta, então, subitamente à superfície do mar

FIG.. 44.3 Pressão gasosa tanto dentro como fora do corpo,mostrando à direita o grande excesso de pressão intracorporalresponsável pela formação de bolhas nos tecidos corporais.

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Velocidade da eliminação de nitrogênio pelo organismo; tabelas dedescompressão. Felizmente, quando um mergulhador é trazido à super-fície lentamente, o nitrogênio dissolvido é eliminado pelos pulmões deforma suficientemente rápida para impedir a doença da descompressão.Cerca de dois terços do nitrogênio total são eliminados em 1 hora ecerca de 90% em 6 horas.

Tabelas especiais de descompressão foram elaboradas pela Marinhanorte-americana, detalhando os procedimentos para uma descompressãosegura. Para dar ao leitor uma idéia do processo de descompressão,um mergulhador que estava respirando ar a uma profundidade de 57 metroshá 60 minutos é descomprimido de acordo com o seguinte esquema:

10 minutos na profundidade de 15 m17 minutos na profundidade de 12 m19 minutos na profundidade de 9 m50 minutos na profundidade de 6 m84 minutos na profundidade de 3 m

Assim, para um período de trabalho submerso de apenas 1 hora,o tempo total de descompressão é de cerca de 3 horas.

Descompressão em tanques e tratamento da doença da descompres-são. Outro procedimento muito utilizado para a descompressão de mergu-lhadores profissionais é colocar-se o mergulhador num tanque pressu-rizado e. então, reduzir-se gradativamente a pressão até a pressão atmos-férica normal, utilizando-se basicamente a mesma escala temporal acimareferida.

A descompressão em tanques é ainda mais importante no tratamentodas pessoas cujos sintomas da doença de descompressão ocorrem dentrode minutos ou até horas após elas terem voltado à superfície. Nessecaso, o mergulhador é imediatamente recomprimido até um nível profun-do. Em seguida, a descompressão é efetuada, por período várias vezesmais prolongado que o período habitual de descompressão. Para obter-semelhores resultados, a concentração de oxigênio na mistura gasosa dotanque de descompressão é aumentada, por vezes, até o oxigênio puro.Isso reduz a pressão parcial de nitrogênio nos alvéolos para um valormuito baixo, o que ocasiona a retirada de nitrogênio várias vezes maisrápida.

Mergulhos de saturação e uso de misturas de hélio-oxigênio emmergulhos profundos. Quando têm de trabalhar a níveis muito profundos— entre 75 e quase 300 metros , os mergulhadores passam a viverpor várias semanas num grande tanque de compressão, permanecendocomprimidos a uma pressão próxima daquela em que eles vão trabalhar.Isso mantém os tecidos e líquidos corporais saturados dos gases aosquais eles vão ser expostos enquanto submersos. Quando eles, então,vão trabalhar e posteriormente retornam ao mesmo tanque após o traba-lho, não há alterações significativas da pressão e não ocorrem bolhaspor descompressão.

Em mergulhos muito profundos, especialmente mergulhos de satura-ção, geralmente se utiliza na mistura gasosa hélio em vez de nitrogênio,por três razões diferentes: (1) ele tem apenas um quinto do efeito narcó-tico do nitrogênio, (2) apenas cerca da metade do hélio se dissolvenos tecidos corporais relativamente ao nitrogênio, e (3) a baixa densidadedo hélio (um sétimo da densidade do nitrogênio) mantém em nível míni-mo a resistência das vias aéreas, o que é extremamente importante, poiso nitrogênio muito comprimido é tão denso que a resistência das viasaéreas pode ficar extrema, tornando por vezes insuportável o trabalhode respirar.

Finalmente, em mergulhos muito profundos, é importante reduzir-sea concentração de oxigênio na mistura gasosa, pois, caso contrário, vaiocorrer a toxicidade do oxigênio. Na profundidade de 210 metros (22atmosferas de pressão), por exemplo, uma mistura de oxigênio a 1%vai proporcionar todo o oxigênio necessário ao mergulhador, enquantoa mistura de oxigênio a 21% (a percentagem presente no ar) forneceriaaporte de Po2 aos pulmões de mais de 4 atmosferas, nível capaz decausar convulsões em apenas 30 minutos.

MERGULHOS COM APARELHO AUTÔNOMO DERESPIRAÇÃO (SCUBA)

Antes da década de 40, quase todos os mergulhos eram feitos empre-gando capacete de mergulho ligado a um tubo de borracha pelo qualo ar era bombeado da superfície para o mergulhador, então, em 1943,

Cilindros de ar.Fig. 44.4 O tipo de aparelho de mergulho de demanda de

circuito aberto.

Jacques Cousteau desenvolveu e popularizou o aparelho autocontidopara respiração debaixo d'água, conhecido popularmente simplesmentecomo aparelho de mergulho ou aparelho SCUBA (acrônimo formadopelas iniciais de setf contained underwaier breathing apparatus). O tipo deSCUBA utilizado em mais de 99% de todos os mergulhos esportivos ecomerciais é o sistema de demanda de circuito aberto, ilustrado naFig. 44.4. Esse sistema é composto dos seguintes componentes: (1) umou mais tanques de ar comprimido ou de alguma outra mistura pararespirar, (2) uma válvula "redutora" de primeiro estágio, para reduzira pressão dos tanques até um nível constante de baixa pressão, (3) umacombinação de válvula de inalação "de demanda" e válvula de exalação,que possibilita que o ar seja puxado para os pulmões com pressão respira-tória ligeiramente negativa e( depois, seja exalado no mar sob pressãopositiva bem pequena, e (4) um sistema de máscara e tubo com pequeno"espaço morto".

Basicamente, o sistema de demanda opera da seguinte maneira:a válvula redutora de primeiro estágio reduz a pressão dos tanques,em geral para uma pressão de cerca de 140 PS1. Entretanto, a misturarespirada não flui continuamente para a máscara. Em vez disso, a cadainspiração ligeira pressão negativa na máscara puxa para dentro o diafrag-ma da válvula de demanda, e isso libera, automaticamente, o ar dotubo para a máscara e os pulmões. Desse modo, a quantidade de arnecessária à inalação passa para o sistema. Na expiração, então, o arnão pode voltar para o tanque, sendo, em vez disso, expirado atravésda válvula de expiração.

O problema mais importante no uso do aparelho de mergulho éo limite de tempo que se pode permanecer submerso; por exemplo,a 60 m de profundidade só é possível permanecer alguns minutos. Arazão disso é que é necessário grande fluxo de ar dos tanques pararemover, dos pulmões, o dióxido de carbono — quanto maior a profun-didade, maior deverá ser o fluxo de ar em termos da quantidade dear necessária, porque os volumes foram comprimidos a um pequenotamanho.

PROBLEMAS FISIOLÓGICOS ESPECIAIS NOSSUBMARINOS

Fuga de submarinos. Basicamente, os mesmos problemas que ocor-rem em mergulhos submarinos profundos são muitas vezes enfrentadosnos submarinos, em especial quando é necessário fugir de um submarinosubmerso. A fuga de até 90 metros é possível sem o uso de qualquertipo especial de aparelho. O uso apropriado de aparelhos de respiração,especialmente quando se emprega hélio, pode, teoricamente, possibilitara fuga de uma profundidade de 180 metros ou, talvez, mais.

Um dos principais problemas da fuga é a prevenção da emboliagasosa. À medida a que pessoa sobe, os gases em seus pulmões seexpandem e, por vezes, rompem um vaso pulmonar, fazendo com que

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os gases passem ao sistema vascular pulmonar e causem embolia nacirculação. À medida que sobe, portanto, o indivíduo tem de exalar,conscientemente, de modo contínuo.

A eliminação pelos pulmões dos gases em expansão, durante a subi-da, mesmo sem se respirar, é, muitas vezes, suficientemente rápida paraesgotar o dióxido de carbono acumulado nos pulmões. Isso impede quea concentração de dióxido de carbono no sangue aumente e que o indiví-duo tenha vontade de respirar. Assim, ele pode prender a respiraçãopor tempo mais prolongado durante a subida à superfície.

Problemas de saúde no ambiente interno do submarino. Exceto pelafuga, a medicina submarina gira habitualmente em torno de diversosproblemas de engenharia para manter os riscos fora do ambiente interno.Em submarinos atômicos, existe o problema dos riscos da radiação;com proteção apropriada, porém, a quantidade de radiação recebidapela tripulação submersa ficou, de fato, menor que a radiação normalrecebida acima da superfície devido aos raios cósmicos.

Segundo, gases tóxicos ocasionalmente escapam para a atmosferado submarino e têm de ser logo controlados. Durante várias semanasde submersão, por exemplo, consumo de cigarros pela tripulação podeliberar quantidade suficiente de monóxido de carbono para causar intoxi-cação por monóxido de carbono, se ele não for removido do ar, e,ocasionalmente, até o gás Freon difunde-se pelos tubos dos sistemasde refrigeração em quantidade suficiente para ocasionar toxicidade.

TERAPIA COM OXIGÊNIO HIPERBÁRICO

Recentemente, ficou-se sabendo que as intensas propriedades oxi-dantes do oxigênio sob alta pressão (oxigênio hiperbárico) pode ter efeitosterapêuticos muito valiosos em diversas condições clínicas importantes.Em conseqüência, muitos centros médicos dispõem, agora, de grandestanques de pressão onde os pacientes podem ser colocados e tratadoscom oxigênio hiperbárico. O oxigênio é geralmente administrado a Po3de 2 a 3 atmosferas de pressão por máscara ou tubo endotraqueal, enquan-to o gás em torno do corpo é ar comprimido ao mesmo nível elevadode pressão. Acredita-se que os mesmos radicais livres oxidantes respon-sáveis pela toxicidade do oxigênio sejam igualmente responsáveis pelosbenefícios terapêuticos. Algumas das condições em que a terapia comoxigênio hiperbárico é particularmente benéfica são as que se seguem.

Provavelmente, o uso mais eficaz do oxigênio hiperbárico é no trata-mento da gangrena gasosa. As bactérias que causam essa condição, osorganismos dostridiats, crescem melhor em condições anaerrtbicas e paramde crescer efetivamente sob pressões de oxigênio acima deaproximadamente 70 mm Hg. A oxigenação hiperbárica dos tecidospode, pois, freqüentemente fazer cessar por completo o processoinfeccioso, convertendo, assim, uma condição que anteriormente eraquase 100% fatal numa condição que é curada, em muitos casos, pelaterapia hiperbárica.

Resultados recentes também sugerem que a oxigenação hiperbáricapode ter efeito praticamente tão grande na cura da lepra como na curada gangrena gasosa — também devido à suscetibilidade do bacilo dalepra à destruição por pressões elevadas de oxigênio.

Outras condições em que a terapia com oxigênio hiperbárico mostrou-se valiosa ou possivelmente valiosa incluem a doença de descom-pressão, a embolia gasosa arterial, a intoxicação por monóxido de carbo-no, a osteomielite e o infarto do miocárdio.

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UNIDADE IX

O SISTEMA NERVOSO: A. PRINCÍPIOS GERAISE FISIOLOGIA SENSORIAL

Ø Organização do Sistema Nervoso; Funções Básicas das Sinapses e SubstânciasTransmissoras

Ø Receptores Sensoriais; Circuitos Neuronais para o Processamento daInformação

Ø Sensações Somáticas: I. Organização Geral; os Sentidos Tátil e de PosiçãoØ Sensações Somáticas: II. Dor, Cefaléia e Sensações Térmicas

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CAPÍTULO 45

Organização do Sistema Nervoso; Funções Básicas dasSinapses e Substâncias Transmissoras.

O sistema nervoso, junto com o sistema endócrino, provêa maior parte das funções de controle para o corpo. Em termosgenéricos, o sistema nervoso controla as atividades rápidas docorpo tais como: contrações musculares, eventos viscerais quese modificam rapidamente, e mesmo as velocidades de secreçãode algumas glândulas endócrinas. O sistema endócrino, ao contrá-rio, regula principalmente as funções metabólicas corporais.

O sistema nervoso é único, pela vasta complexidade dasações de controle que é capaz de executar. Ele recebe literalmentemilhões de pequenos sinais de informação provenientes dos dife-rentes órgãos sensoriais e os integra em sua totalidade para deter-minar a resposta a ser elaborada pelo organismo. O objetivodeste capítulo é apresenta", primeiro, um apanhado do meca-nismo geral pelo qual o sistema nervoso executa tais funções.A partir daí, discutiremos as funções das sinapses do sistemanervoso central, estruturas básicas no controle da passagem dossinais que entram, atravessam e saem do sistema nervoso central.Nos capítulos subseqüentes, analisaremos de modo detalhadoas funções das partes individuais do sistema nervoso. No entanto,antes de começar essa discussão, seria interessante que o leitorrevisse os Caps. 5 e 6, que apresentam, respectivamente, osfundamentos dos potenciais de membrana e da transmissão desinais nos nervos e através das junções neuromusculares.

MODELO GERAL DO SISTEMA NERVOSO

O NEURÔNIO 00 SISTEMA NERVOSO CENTRAL -A UNIDADE FUNCIONAL BÁSICA

O sistema nervoso central é composto de mais de 100 bilhõesde neurônios. A Fig. 45.1 ilustra um neurônio típico do tipoencontrado no córtex cerebral motor. A informação aferenteentra na célula em sua quase totalidade através de sinapses locali-zadas sobre os dendritos ou sobre o corpo celular neuronal; onúmero dessas conexões sobre cada neurônio pode variar desdeapenas algumas centenas até vários milhares, chegando à ordemde 200.000. Por outro lado o sinal eferente se propaga ao longode axônio único, o qual, por sua vez, fornece várias ramificaçõespara outras partes do cérebro, medula espinhal ou periferia corpo-

ral. Esses terminais irão fazer sinapses com os neurônios seguin-tes, com células musculares ou células secretoras.

Uma propriedade especial da maioria das sinapses resideno fato de que o sinal passa apenas em direção à célula seguinte,exceto sob raras condições. Isso permite que os sinais sejamconduzidos nas direções requeridas para que sejam executadasas funções neurais necessárias. Também veremos que os neurô-nios são organizados em grande variedade de redes neuronais,que determinam as funções do sistema nervoso.

A PARTE SENSORIAL DO SISTEMA NERVOSO-RECEPTORES SENSORIAIS

A maioria das atividades do sistema nervoso é iniciada pelaexperiência sensorial emanada a partir dos receptores sensoriais,sejam eles receptores visuais, receptores auditivos, receptorestáteis sobre a superfície corporal, ou outros tipos de receptores.A experiência sensorial pode provocar reação imediata, ou suamemória pode ser guardada no cérebro por minutos, semanasou anos, podendo, assim, ajudar a determinar as reações corpo-rais em data futura.

A Fig. 45.2 mostra a parte do sistema sensorial, a partesomática, que transmite a informação sensória! dos receptoresde toda a superfície corporal e de algumas estruturas profundas.Esta informação entra no sistema nervoso central por meio dosnervos espinhais e é conduzida para as múltiplas áreas sensoriaisprimárias localizadas (1) em todos os níveis da medula espinhal, (2)na substância reticular do bulbo, ponte e mesencéfalo, (3) nocerebelo, (4) no tálamo e (5) nas áreas somestésicas do córtexcerebral. Porém, em adição, a essas áreas sensoriais primárias,os sinais também estão essencialmente interligados a todas asoutras partes do sistema nervoso.

A PARTE MOTORA — OS EFETORES

O principal papel final do sistema nervoso é controlar asvárias atividades corporais. Isto é conseguido por meio do con-trole exercido sobre (1) a contração dos músculos esqueléticosem todo o corpo, (2) a contração dos músculos lisos nos órgãosinternos e (3) a secreção das glândulas endócrinas e exócrinasem várias partes do corpo. Estas atividades são chamadas, deforma coletiva, funções motoras do sistema nervoso, e osmúsculos e glândulas são denominados efetores, porqueexecutam as funções ditadas pelos sinais nervosos.

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Fíg. 45.2 O eixo sensorial somático do sistema nervoso

Fig. 45.1 Estrutura de grande neurônio cerebral, mostrando suas partesfuncionais importantes. (De Guyton: Basic Neuroscience: Anatomy andPhysiology. Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1987.)

A Fig. 45.3 mostra o eixo motor do sistema nervoso envolvidono controle da contração do músculo esquelético. Funcionandoparalelo a esse eixo há outro sistema semelhante, que controlaos músculos lisos e glândulas, chamado sistema nervoso autonô-mico, que será discutido no Cap. 60. Observe, na Fig. 45.3, queos músculos esqueléticos podem ser controlados por níveis muitodiferentes do sistema nervoso central, incluindo (1) a medulaespinhal, (2) a substância reticular do bulbo, ponte e mesencéfalo,(3) os gânglios basais, (4) o cerebelo e (5) o córtex motor. Cadauma dessas diferentes áreas desempenha seu papel específicono controle dos movimentos corporais, os níveis mais baixosenvolvidos primariamente com as respostas automáticas e instan-tâneas do corpo aos estímulos sensoriais; e as regiões superiores,com os movimentos deliberados, controlados pelos processos depensamento do cérebro.

PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO - FUNÇÃO"INTEGRATIVA" DO SISTEMA NERVOSO

A função primordial do sistema nervoso é a deprocessar a informação que chega, de tal forma que ocorra aresposta motora apropriada.

Mais de 99% de toda a informação sensorial é descartadapelo cérebro como sendo irrelevante e não-impor-tante. Comoexemplo, podemos citar o fato de que não são percebidas aspartes do corpo que estão em contato com as roupas, bem comonão é percebida a pressão da cadeira sobre as áreas corporaisem contato com ela, quando estamos sentados. Da mesmaforma, a atenção é dirigida para um objeto definido dentro docampo visual de visão, e mesmo o eterno ruído que existe nomeio ambiente é ignorado em termos perceptivos. Uma vezselecionada, a informação sensória! considerada importante é,então, canalizada para as regiões motoras específicas docérebro para causar as respostas desejadas. Essa canalização dainformação é chamada de função integrativa do sistema nervoso.Dessa maneira, se a pessoa coloca a mão sobre um fornoquente, a resposta desejada é a de levantar a mão. Ocorremtambém outras respostas associadas, tais como mover todo ocorpo para longe do forno e, talvez, até saltar com dor. Mesmoessas respostas representam apenas pequena fração datotalidade do sistema motor do corpo. Papel das sinapses noprocessamento da informação. A sinap-se é o ponto de junçãoentre um neurônio e o que a ele se segue e, por isso, é umlocal crucial para o controle da transmissão do sinal. Adiante,neste capítulo, discutiremos os detalhes da função sináptica.Entretanto, é importante colocarmos desde já que as sinapsesdeterminam as direções em que os sinais nervosos se espalhamdentro do sistema nervoso.

Algumas sinapses transmitem sinais de um neurônio para oseguinte com facilidade, enquanto outras o fazem somente comdificuldade. Devemos também ter em mente que sinaisfácilitatórios e inibitórios provenientes de outras áreas dosistema nervoso podem controlar a atividade sináptica, àsvezes facilitando ou dificultando a transmissão do sinal. Alémdisso, alguns neurônios pós-sinápticos respondem com grandenúmero de impulsos, enquanto outros respondem apenas comuns poucos. Assim, as sinapses exercem ação seletiva, semprebloqueando os sinais fracos, enquanto permitem a passagem dossinais fortes, sempre selecionando e amplificando certos sinaisfracos e sempre canalizando os sinais em várias direções, emvez de o fazer simplesmente em uma direção.

ARMAZENAMENTO DA INFORMAÇÃO —MEMÓRIA

Apenas pequena fração da informação sensorial importanteprovoca resposta motora imediata. A maior parte do restanteé armazenada para o controle futuro das atividades motoras epara uso nos processos de análise. A maior parte desse armazena-mento ocorre no córtex cerebral, mas não toda, uma vez quemesmo as regiões basais do cérebro e, provavelmente, a medulaespinhal são capazes de

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Fig. 45..3 Eixo do sistema nervoso.

armazenar pequenas quantidades de informação.O armazenamento da informação é o processo a que chama-

mos memória e isto é também uma função das sinapses. Istoé, cada vez que certos tipos de sinais sensoriais passam atravésde uma seqüência de sinapses, elas se tornam mais capazes detransmitir os mesmos sinais na próxima vez, um processoque é chamado de facilitação. Após os sinais sensoriais terempassado através das sinapses um grande número de vezes, assinapses se tornam tão facilitadas que sinais gerados dentro dopróprio cérebro são capazes de causar a transmissão dosimpulsos através das mesmas seqüências de sinapses, mesmoquando o impulso sensorial não tenha sido excitado. Isso dá aoindivíduo a percepção de experimentar as sensações originais,apesar delas serem, na verdade, apenas memórias dassensações. Infelizmente, não sabemos o mecanismo exatopelo qual a facilitação das sinapses ocorre no processo damemória, mas o que se conhece sobre isso, bem como outrosdetalhes do processo da memória, será discutido no Cap. 57.Uma vez que as memórias tenham sido armazenadas no sistemanervoso elas se tornam parte do mecanismo de processamento.Os processos de decisão do cérebro comparam experiênciassensoriais novas com as memórias armazenadas; as memóriasajudam a selecionar as informações sensoriais novas consideradasimportantes, bem como a canalizá-las para áreas apropriadas dearmazenamento, com vistas a utilizações futuras, ou para áreasmotoras, causando respostas corporais.

OS TRÊS PRINCIPAIS NÍVEIS DA FUNÇÃODO SISTEMA NERVOSO CENTRALO sistema nervoso humano tem características específicas

adquiridas em cada estágio do desenvolvimento evolutivo. Dessaherança, três principais níveis do sistema nervoso central têmatributos funcionais específicos: (1) nível medular, (2) nívelcerebral inferior, e (3) nível cerebral superior ou nível cortical.

Nível medular

Muitas vezes, conceituamos a medula espinhal como umaestrutura cuja função primordial é apenas a de possibilitar acondução de sinais que vêm da periferia corporal em direçãoao encéfalo ou dos que, gerados em estruturas cerebrais, vãopara a periferia corporal. Essa conceituação é totalmente equivo-cada.

Mesmo após a secção transversa da medula na altura daregião cervical superior, muitas funções medulares aindaocorrem. Os circuitos neuronais da medula podem causar, porexemplo: (1) movimentos de marcha, (2) reflexos que afastamparte do corpo dos objetos, (3) reflexos que estiram os membrosinferiores para suportar o corpo contra a ação da gravidade, e(4) reflexos que controlam os vasos sanguíneos locais,movimentos gastrintestinais, além de várias outras funções.

Na verdade, os níveis superiores do sistema nervoso nãoenviam sinais diretamente para a periferia corporal.

Em vez disso, eles enviam os sinais aos centros de controleda medula espinhal, simplesmente "comandando" os centrosmedulares a executarem as funções correspondentes.

Nível cerebral inferior

Muitas, se não a maioria, daquelas que denominamos ativi-dades orgânicas subconscientes são controladas em áreas cere-brais inferiores — bulbo, ponte, mesencéfalo, hipotálamo, tála-mo, cerebelo e gânglios basais. O controle subconsciente da pres-são arterial e respiração ocorre principalmente ao nível dobulbo e da ponte.

O controle do equilíbrio é função combinada de partesmais antigas do cerebelo com a substância reticular do bulbo,ponte e mesencéfalo. Os reflexos de alimentação, tais como asalivação em resposta ao sabor dos alimentos e o lamber doslábios, são controlados por centros localizados no bulbo,ponte, mesencéfalo, amígdala e hipotálamo.

Da mesma forma, muitas respostas emocionais, tais comoa raiva, a excitação, as atividades sexuais, a reação à dor ou a deprazer, podem ocorrer em animais sem córtex cerebral.

Nível cerebral superior ou nível corticalApós o que foi relatado acerca das funções do sistema nervosoque podem ocorrer nos níveis medular e cerebral inferior, oque resta a ser feito pelo córtex cerebral? A resposta a estapergunta é complexa, mas podemos começar pelo fato de sero córtex cerebral uma área de armazenamento de informaçõesextremamente grande.

O córtex cerebral nunca funciona sozinho, mas sempre emassociação com os centros inferiores do sistema nervoso. Sem ocórtex cerebral, as funções dos centros cerebrais inferiores sãosempre muito imprecisas. A grande massa de memória dainformação cortical converte habitualmente essas funções emoperações muito definidas e precisas.

Finalmente, o córtex cerebral é essencial para a maior partedos nossos processos mentais, apesar dele também não funcionarsozinho nisso. Na verdade, são os centros cerebrais inferioresque mantêm o córtex cerebral em alerta, abrindo seu banco dememórias para a máquina de pensamento do cérebro.

Assim, cada parte do sistema nervoso executa funções espe-cíficas. Muitas funções integrativas são bem desenvolvidas namedula espinhal, e muitas das funções subconscientes se originame são inteiramente executadas nas regiões cerebrais inferiores.No entanto, é o córtex que abre o mundo para o nosso pensa-mento.

COMPARAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO COM UMCOMPUTADOR ELETRÔNICO

Quando diferentes cientistas, em diferentes laboratórios do mundo,desenvolveram os primeiros computadores eletrônicos, rapidamente fi-cou claro que todas essas máquinas tinham muitas coisas em comumcom o sistema nervoso. Em primeiro lugar, todas elas têm circuitosde entrada, que são comparáveis à parte sensorial do sistema nervoso,e circuitos de saída, comparáveis à parte motora do mesmo.

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Nas vias de condução, situadas entre as entradas e saídas, estãolocalizadas estruturas envolvidas na execução de diferentes tipos decomputações.

Nos computadores simples, os sinais de saída são diretamente contro-lados pelos sinais de entrada, operando de modo semelhante ao dosreflexos simples da medula espinhal. No entanto, nos computadoresmais complexos, a saída é determinada tanto pelos sinais de entradacomo por informações já existentes, armazenadas em sua memória, o

que é análogo aos reflexos mais complexos e aos mecanismos de processa-mento de nosso sistema nervoso superior. À medida que os computadorestornam-se mais complexos, é necessário adicionar ainda uma outra unida-de, denominada unidade de programação central, que determina a se-qüência de todas as operações. Essa unidade é análoga ao mecanismocerebral que nos possibilita dirigir nossa atenção primeiro para um pensa-mento, sensação ou atividade motora, depois para outro, e assim pordiante, até que seqüências completas de pensamento ou ação se desen-volvam.

A Fig. 45.4 é um diagrama de bloco simples de um computadormoderno. Mesmo o rápido estudo desse diagrama demonstra sua seme-lhança com o sistema nervoso. A analogia entre os componentes básicosdo computador para utilização múltipla e os do sistema nervoso demons-tra que o cérebro é basicamente um computador que coleta continua-mente informação sensorial e, juntamente com as informações já armaze-nadas, computa a programação diária da atividade orgânica.

Fig. 45.4 Esquema de um computador eletrônico de utilização geralmostrando os componentes básicos e suas inter-relações.

AS SINAPSES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Todo estudante de medicina sabe que a informação é trans-mitida no sistema nervoso central principalmente sob a formade impulsos nervosos ao longo de uma sucessão de neurônios,um após o outro. Entretanto, não está claro, à primeira vista,que cada impulso: (1) pode ser bloqueado na sua transmissãode um neurônio para o seguinte, (2) pode ser modificado deum impulso único para impulsos repetitivos, ou (3) pode serintegrado com impulsos provenientes de outros neurônios, cau-sando padrões de impulsos altamente complexos em neurôniossucessivos. Todas essas funções podem ser classificadas comofunções sinápticas dos neurônios.

Tipos de sinapses — químicas e elétricas

Os sinais nervosos são transmitidos de um neurônio parao seguinte através de junções interneuronais chamadas sinapses.No mundo animal, há basicamente dois tipos diferentes de sinap-ses: (1) a sinapse química e (2) a sinapse elétrica.

No ser humano, quase todas as sinapses utilizadas para atransmissão de sinais, no sistema nervoso central são sinapsesquímicas. Nessas sinapses, o primeiro neurônio secreta, na jun-ção, uma substância química chamada neurotransmissor, e essetransmissor, por seu lado, atua sobre proteínas receptoras locali-zadas na membrana do neurônio seguinte para o excitar, o inibirou modificar sua sensibilidade de alguma outra maneira. Atéo momento já foram descobertas mais de 40 diferentes substânciastransmissoras. Algumas das mais conhecidas são: acetilcolina,norepinefrina, histamina, ácido gama-aminobutírico (GABA) eglutamato.

As sinapses elétricas, por outro lado, são caracterizadas porcanais diretos que conduzem eletricidade de uma célula paraa seguinte. A maior parte delas é composta de pequenas estru-turas protéicas tubulares chamadas junções abertas, que permitemo livre movimento de tons do interior de uma célula para aseguinte. Essas junções foram discutidas no Cap. 4. Apenas algu-mas junções abertas foram encontradas no sistema nervoso cen-tral e seu significado geral não é conhecido. Por outro lado,é através das junções abertas e outras junções semelhantes queos potenciais de ação são transmitidos de uma fibra muscularlisa para a seguinte, na musculatura lisa visceral (Cap. 8) e tam-bém de uma célula muscular cardíaca para a seguinte, na muscu-latura cardíaca (Cap. 10).

Condução unidirecional através das sinapses químicas. Assinapses químicas têm uma característica extremamente impor-tante que as torna altamente desejáveis como forma de trans-missão de sinais no sistema nervoso: elas sempre transmitemos sinais em uma só direção, isto é, do neurônio que secretao transmissor, denominado neurônio pré-sináptico, para o neurô-nio sobre o qual o transmissor atua, denominado neurônio pós-si-náptico. Este é o princípio da condução unidirecional, atravésdas sinapses químicas, e que é bem diferente da condução atravésdas sinapses elétricas, que são capazes de transmitir os sinaisem ambas as direções.

Pense, por um momento, na extrema importância da proprie-dade de condução unidirecional. Ela permite que os sinais sejamdirigidos para pontos específicos. Na verdade, o que possibilitaque o sistema nervoso execute essa miríade de funções de sensa-ção, controle motor, memória e muitas outras, é essa transmissãoespecífica de sinais para áreas discretas e altamente circunscritasno mesmo.

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ANATOMIA FISIOLÓGICA DAS SINAPSES

A Fig. 45.5 ilustra um motoneurônio típico na pontaanterior da medula espinhal. Ele é composto de três partesprincipais: o soma, que é o corpo principal do neurônio; umaxônio único, que se estende do soma em direção ao nervoperiférico; e os dendritos, que são projeções finas do somaque se estendem por até 1 mm nas áreas circunvizinhas damedula.

Sobre as superfícies dos dendritos ou do soma do motoneu-rônio repousam pequenos botões denominados terminais prê-si-nápticos, cuja quantidade pode atingir até cerca de 100.000 paracada motoneurônio. Aproximadamente 80 a 95% desses botõesse situam sobre os dendritos e apenas 5 a 20% deles sobre osoma. Esses terminais são as extremidades de fibras nervosasque se originam em muitos outros neurônios; comumente, nãomais que uns poucos desses terminais têm origem em um mesmoneurônio. Adiante ficará evidente que muitos desses terminaispré-sinápticos são excitatórios e secretam uma substância queexcita o neurônio pós-sináptico, mas muitas outras são inibitóriase secretam uma substância que inibe esse neurônio.

Tanto na medula espinhal como no cérebro há outrosneurônios que diferem de modo marcante dos motoneurôniosem (1) tamanho do corpo celular; (2) comprimento, largura enúmero de dendritos, com o comprimento podendo variar desdeum valor praticamente nulo até vários centímetros; (3)comprimento e largura do axônio; e (4) número de terminaispré-sinápticos. que podem variar desde apenas uns poucos atévárias centenas de milhares. Essas diferenças fazem com queneurônios de deferentes partes do sistema nervoso reajam demodo diferente a sinais que estão chegando até eles e, por essemotivo, executem funções diferentes.

Os terminais pré-sinápticos. Estudos de microscopia eletrô-nica mostram que os terminais pré-sinápticos têm diversas formasanatômicas, mas, na maior parte das vezes, fazem lembrar peque-

nos botões redondos ou ovais e, por isso, são freqüentementedenominados botões terminais, botões, pés terminais ou botõessinópticos.

A Fig. 45.6 ilustra a estrutura básica do terminal pré-si-náptico. Ele é separado do soma neuronal pela fenda sinóptica,com largura da ordem de 200 a 300 Å. O terminal tem duasestruturas internas importantes para a função excitatória ouinibitória da sinapse: as vesículas sinópticas e as mitocôndrias. Asvesículas sinápticas contêm substâncias transmissoras que,quando liberadas na fenda sináptica, podem excitar ou inibiro neurônio pós-sináptico — excitam, se a membrana neuronalcontém receptores excitatórios, inibem, se ela contém receptoresinibitórios. As mitocôndrias fornecem trifosfato de adenosina(ATP), que é requerido para a síntese de mais substância trans-missora.

Quando um potencial de ação se propaga sobre um terminalpré-sináptico, a despolarização da membrana causa o esvazia-mento de um pequeno número de vesículas no interior da fendasináptica e o transmissor liberado causa, por sua vez, imediatamodificação das características de permeabilidade da membrananeuronal pós-sináptica, que leva à excitação ou inibição do neurô-nio, dependendo das características de seus receptores.

Mecanismo pelo qual os potenciais de ação causamliberação do transmissor nos terminais pré-sinápticos - papeldos íons cálcio

A membrana sináptica dos terminais pré-sinápticos contémgrande número de canais de cálcio voltagem-dependentes. Esselocal é bem diferente de outras áreas da fibra nervosa, que contêmpoucos desses canais. Quando o potencial de ação despolarizao terminal junto com os íons sódio responsáveis pela maior partedo potencial de ação, ocorre o fluxo de grande número de íonscálcio para dentro do terminal. A quantidade de substância trans-missora que é liberada para o interior da fenda sináptica estádiretamente relacionada ao número de íons cálcio que entramno terminal. O mecanismo preciso pelo qual os íons cálcio causamessa liberação não é conhecido, mas se acredita que seja o quese segue.

Quando os íons cálcio entram no terminal sináptico, acredi-ta-se que eles se liguem a moléculas protéicas na superfície internada membrana em locais denominados sítios de liberação. Essaligação faz com que as vesículas transmissoras situadas na vizi-nhança do local também se liguem à membrana, na verdadefundindo-se com ela, e, finalmente, abram-se para o exteriorpor meio do processo chamado exoeitose, descrito no Cap. 2.

Fig. 45.5 Um típico neurônio motor mostrando terminais pré-sinápticosno soma neuronal e nos dendritos. Observe também o axônio único.

Fig. 45.6 Anatomia fisiológica da sinapse.

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Comumente, a chegada de cada potencial de ação ao terminalpré-sináptico faz com que algumas vesículas liberem o transmissorpara o interior da fenda sináptica. Com relação ao neurotrans-missor acetilcolina, cada vesícula contém entre 2.000 e 10.000moléculas e há, no terminal pré-sináptico, vesículas suficientespara transmitir desde algumas centenas até mais de 10.000 poten-ciais de ação.

Ação da substância transmissora sobre o neurônio pós-sináptico — a função dos receptores

Nas sinapses, a membrana do neurônio pós-sináptico contémgrande número de proteínas receptoras, também ilustradas naFig. 45.6. Esses receptores têm dois componentes importantes:(1) um componente de ligação que se projeta para fora da mem-brana, no interior da fenda sináptica, onde ocorre o acoplamentocom o neurotransmissor proveniente do terminal pré-sinápticoe (2) um componente ionóforo que atravessa toda a membranarumo ao interior do neurônio pós-sináptico. Por seu lado, o ionó-foro pode ser de um dos dois tipos: (1) um canal iônico quimica-mente ativado ou (2) uma enzima que ativa uma modificaçãometabólica interna dentro da célula.

Os canais iônicos. Os canais iônicos quimicamente ativados(também chamados canais ligando-ativados) são comumente detrês tipos: ( X ) canais de sódio, que permitem a passagem principal-mente de íons sódio (mas também de alguns íons potássio-), (2)canais de potássio, que permitem principalmente a passagem dosíons potássio através da membrana, e (3) canais de cloreto, quepermitem a passagem de cloreto e de alguns outros íons. Comoveremos adiante, a abertura dos canais de sódio excita o neurôniopós-sináptico. Por isso, a substância transmissora que abre oscanais de sódio é chamada de transmissor excitatório. Por outrolado, a abertura dos canais de potássio e cloreto inibe o neurônio,e os transmissores que abrem um ou ambos os canais são denomi-nados transmissores inibitórios.

Os receptores enzimáticos. A ativação de um receptor dolipo enzimático causa outros efeitos sobre o neurônio pós-si-náptico. Um dos efeitos é o de ativar a máquina metabólicacelular, como, por exemplo, pela formação do monofosfato deadenosina cíclico (AMP cíclico) que, por seu lado, excita muitasoutras atividades intracelulares. Outro efeito é o de ativar genescelulares, os quais produzem receptores adicionais para a mem-brana pós-sináptica. Ainda um terceiro efeito é o de ativar asproteínas quinases, que diminuem o número de receptores. Mu-danças como essas podem alterar a reatividade das sinapses porminutos, dias, meses ou mesmo anos. Por isso, as substânciastransmissoras que causam tais efeitos são muitas vezes chamadasde moduladores sinápticos. Experiências recentes demonstraramque tais moduladores são importantes em pelo menos algunsdos processos da memória, que discutiremos no Cap. 57.

Receptores excitatórios e inibitórios

Alguns dos receptores sinápticos, quando ativados, causamexcitação do neurônio pós-sináptico, enquanto outros causaminibição. A importância de se ter tanto receptores excitatórioscomo inibitórios reside no fato de que isso dá uma dimensãoadicional à função neural, permitindo que a ação neural sejatanto restringida quanto estimulada.

Os diferentes mecanismos moleculares e de membrana em-pregados pelos diferentes receptores para causar excitação ouinibição incluem os seguintes:

Excitação1. Abertura dos canais de sódio para permitir o fluxo de

grande número de cargas positivas para o interior da célula pós-si-

náptica. Isso faz com que o potencial de membrana se altereem direção ao nível do limiar para a excitação. Essa é, de longe,a maneira mais usada de causar excitação.

2. Depressão da condução através dos canais de potássioou cloreto, ou de ambos. Isso diminui a difusão de íons potássio,carregados positivamente, para fora do neurônio pós-sináptico,ou diminui a difusão de íons cloreto, carregados negativamente,para dentro. Em ambos os casos, isso tende a fazer com queo potencial de membrana se torne internamente mais positivodo que o normal, o que é excitatório.

3. Várias modificações do metabolismo celular interno nosentido de excitar sua atividade ou, em algumas situações, deaumentar o número de receptores excitatórios da membrana oudiminuir o número de receptores inibitórios.

Inibição1. Abertura dos canais de potássio através das moléculas

dos receptores. Isso permite a difusão rápida de íons potássiopositivamente carregados para fora do neurônio pós-sináptico,aumentando a negatividade intracelular, o que é inibitório.

2. Aumento da condutância de íons cloreto através dos receptores. Isso permite que íons cloreto carregados negativamentese difundam para o interior do neurônio pós-sináptico, o quetambém é inibitório.

3. Ativação de enzimas metabólicas que inibem as funçõesmetabólicas celulares, ou que provoquem aumento do númerode receptores sinápticos inibitórios ou diminuição do númerode receptores sinápticos excitatórios.

SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS QUE FUNCIONAMCOMO TRANSMISSORES SINÁPTICOS

Mais de 40 substâncias químicas diferentes já foram provadasou postuladas funcionarem como transmissores sinápticos. Muitasdelas estão listadas nos Quadros 45.1 e 45.2, que as dividemem dois grupos distintos de transmissores sinápticos. Um dosgrupos, formado por substâncias com moléculas pequenas, sãotransmissores de ação rápida. O outro grupo, constituído porgrande número de neuropeptídios de peso molecular muito maiselevado, age bem mais lentamente.

Os transmissores de baixo peso molecular e ação rápidasão os que causam a maior parte das respostas agudas do sistemanervoso, tais como a transmissão dos sinais sensoriais em direçãoao cérebro, bem como dos sinais motores em direção aos múscu-los. Os neuropeptídios, por outro lado, causam comumente açõesmais prolongadas, tais como as modificações a longo prazo donúmero de receptores, o fechamento duradouro de certos canaisiônicos e, possivelmente, as alterações a longo prazo do númerode sinapses.

Quadro 45.1 Transmissores de baixo peso molecular, de açãorápida

Classe IAcetilcolina

Classe II: As aminasNorepinefrinaEpínefrinaDopaminaSerotoninaHistamina Classe

III: AminoácidosÁcido y-aminobutírico (GABA)GlicinaGlutamatoAspartato

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Quadro 45.2 Transmissores de ação lenta — neuropeptídios

A. Harmônios liberadores hipotaiâmicosHormônio liberador de tireotropínaHormônio liberador do hormônio luteinizanteSomatostatina (fator inibitório do hormônio docrescimento)

B. PeptidiospituitáriosACTH0-EndorfinaHormônio a-melanócito-estimulanteProlactinaHormônio luteinizanteTireotropinaHormônio do crescimentoVasopressinaOcitocina

C. Peptidios que agem sobre o intestino e sobre o cérebroLeucina-encefalinaMetionina-encefalinaSubstância PGastrinaColecistocininaPolipeptídio intestinal vasoativo (PIV)NeurotensinaInsulinaGlucagon

D. De outros tecidosAngiotensina IIBradicininaCarnosinaPeptidios do sonoCalcitonina

Os transmissores de baixo peso molecular que agemrapidamente

Os tipos de transmissores de baixo peso molecular, quasesem exceção, são sintetizados no citosol do terminal pré-sinápticoe absorvidos, por transporte ativo, para o interior das vesículastransmissoras aí localizadas. Então, cada vez que um potencialde ação chega ao terminal pré-sináptico, algumas vesículas, porexocitose, liberam, ao mesmo tempo, o transmissor para o inte-rior da fenda sináptica, dentro de 1 milissegundo ou menos.A ação subseqüente desses tipos de transmissores sobre os recep-tores da membrana também ocorre comumente dentro de 1 msou menos. Mais comumente, o efeito é aumento da condutânciados canais iônicos; como exemplo temos o aumento da condu-tância ao sódio, que causa excitação, ou o aumento da condu-tância ao potássio, que causa inibição. No entanto, os tipos detransmissores de baixo peso molecular podem, ocasionalmente,estimular as enzimas receptores-ativadas, em lugar de abrir canaisiônicos, provocando alterações do funcionamento da máquinametabólica intracelular.

Reciclagem das vesículas que contêm transmissores de baixopeso molecular. As vesículas que armazenam e liberam os trans-missores de baixo peso molecular são continuamente recicladas,isto é, são usadas várias e várias vezes. Após se fundirem coma membrana sináptica e liberarem o transmissor, as vesículas,em primeira instância, simplesmente se tornam parte da mem-brana sináptica. No entanto, dentro de alguns segundos ou minu-tos, a parte da membrana correspondente à vesícula se invaginapara o interior do terminal pré-sináptico e se desprende, paraformar uma nova vesícula. Essas membranas ainda contêm asproteínas de transporte apropriadas, necessárias para que novaquantidade de substância transmissora se concentre no interiorda vesícula.

A acetilcolina é um típico transmissor de baixo peso mole-cular que obedece os princípios acima com relação à síntesee liberação. Ela é sintetizada no terminal pré-sináptico a partir

de acetil-coenzima A (acetil-CoA) e colina na presença da enzimacolina acetiltransferase. A seguir, ela é transportada para o inte-rior de vesículas específicas. Quando, mais tarde, as vesículasliberam a acetilcolina na fenda sináptica, ela é quebrada emacetato e colina sob a ação da enzima colinesterase, que estáligada ao retículo proteoglicano que enche o espaço da fendasináptica. Então, as vesículas são recicladas e a colina é transpor-tada ativamente de volta para o interior do terminal para ser,outra vez, usada na síntese de nova molécula de acetilcolina.

Características de alguns dos mais importantes transmissoresde baixo peso molecular. Os mais importantes transmissores debaixo peso molecular são os seguintes:

Acetilcolina — é secretada pelos neurônios de muitas áreascerebrais, mas especificamente pelas grandes células piramidaisdo córtex motor, por diversos neurônios dos gânglios basais,pelos motoneurônios que inervam os músculos esqueléticos, pelosneurônios pré-ganglionares do sistema nervoso autonômico, pe-los neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso parassimpá-tico e por alguns neurônios pós-ganglionares do sistema nervososimpático. Na maior parte das vezes, a acetilcolina tem efeitoexcitatório; no entanto, sabe-se que ela tem efeitos inibitóriosem algumas terminações nervosas parassimpáticas periféricas,tais como a inibição do coração pelos nervos vagos.

Norepinefrina — é secretada por muitos neurônios cujoscorpos celulares estão localizados no tronco cerebral e hipotá-lamo. Especificamente, os neurônios secretores de norepinefrina,localizados no locus ceruleus da ponte, enviam fibras nervosaspara áreas espalhadas no cérebro e ajudam a controlar o estadogeral e o estado de ânimo mental. Em muitas dessas áreas, elaativa receptores excitatórios mas, em umas poucas, ativa recep-tores inibitórios. A norepinefrina é também secretada pela maiorparte dos neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso simpá-tico, onde ela excita alguns órgãos mas inibe outros.

Dopamina — é secretada por neurônios originários da subs-tantia nigra. Esses neurônios terminam principalmente na regiãoestriatal dos gânglios basais. O seu efeito é comumente de ini-bição.

Glicina — é secretada principalmente nas sinapses da medulaespinhal. Provavelmente, atua sempre como transmissor inibi-tório.

Ácido gama-aminobutírico (GABA) — é secretado por ter-minações nervosas na medula espinhal, no cerebelo, nos gângliosbasais e em muitas outras áreas do córtex. Acredita-se que causesempre inibição.

Glutamato — é provavelmente secretado por terminais pré-sinápticos em muitas das vias sensoriais, bem como em muitasáreas do córtex, é provável que cause sempre excitação.

Serolonina — é secretada pelos núcleos que se originamna parte mediana do tronco cerebral e se projetam para muitasoutras áreas do sistema nervoso, especialmente para a pontadorsal da medula espinhal e para o hipotálamo. A serotoninaage como inibidora da via algésica na medula e acredita-se, tam-bém, que ela ajude a controlar o humor da pessoa, talvez atéprovocando sono.

Os neuropeptídios

Os neuropeptídios formam um grupo inteiramente diferentede neurotransmissores, sintetizados de modo diferente e cujasações são lentas e, por outro lado, bastante diferentes das corres-pondentes aos transmissores de baixo peso molecular.

Os neuropeptídios não são sintetizados no citosol dos termi-nais pré-sinápticos. Em vez disso, eles são sintetizados pelosribossomas, localizados no corpo celular dos neurônios, comopartes integrais de grandes moléculas protéicas, e são transpor-tados imediatamente para o retículo endoplásmico do corpo celu-

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lar. O retículo endoplásmico e, subseqüentemente, o aparelhode Golgi funcionam juntos para fazer duas coisas: primeiro, elesquebram enzimaticamente a proteína original em fragmentos me-nores e, dessa maneira, liberam tanto o próprio neuropeptídiocomo seu precursor. Segundo, o aparelho de Golgi empacotao neuropeptídio em minúsculas vesículas transmissoras, que sãoliberadas no interior do citoplasma. As vesículas transmissorassão, então, transportadas por toda a extensão da célula até aextremidade das fibras nervosas por meio da corrente de fluxoiônico do citoplasma do axônio, com velocidade de fluxo deapenas alguns centímetros por dia. Finalmente, essas vesículasliberam seu transmissor em resposta a potenciais de ação, damesma forma como ocorre com os transmissores de baixo pesomolecular. Entretanto, há autólise da vesícula, e ela não é reuti-lizada.

Devido ao seu laborioso método de formação, os neuropep-tídios são liberados em quantidades habitualmente muito meno-res que as dos transmissores de baixo peso molecular. No entanto,isso é parcialmente compensado pelo fato de que, geralmente,os neuropeptídios são mil ou mais vezes mais potentes que ostransmissores de baixo peso molecular. Outra característica im-portante dos neuropeptídios é que, habitualmente, causam açõesmuito mais prolongadas. Algumas dessas ações incluem fecha-mento prolongado dos canais de cálcio, alterações prolongadasda máquina metabólica celular, alterações prolongadas naativação ou desativação de genes específicos no núcleo celular ealterações prolongadas do número de receptores excitatórios ouinibitórios. Alguns desses efeitos podem durar dias ou, às vezes,meses ou anos. Infelizmente, nossos conhecimentos sobre asfunções dos neuropeptídios estão ainda em seus primórdios.

Liberação de apenas um só transmissor de moléculapequena para cada tipo de neurônio

Quase invariavelmente, apenas um só tipo de transmissorde molécula pequena é liberado para cada tipo de neurônio.No entanto, os terminais de um mesmo neurônio também podemliberar, ao mesmo tempo, um ou mais neuropeptídios. Mais ain-da, qualquer que seja o transmissor ou neuropeptídio liberadoem um terminal do neurônio, todos os outros terminais dessemesmo neurônio irão liberar os mesmos transmissores, não im-portando se os terminais são em número pequeno ou grande,como também se suas extremidades terminam dentro do sistemanervoso ou em órgãos periféricos.

Remoção da substância transmissora nas sinapses

Depois que o transmissor é liberado em um terminal nervoso,ele é destruído ou removido de alguma outra maneira, a fimde evitar que sua ação continue para sempre. No caso dos neuro-peptídios, eles são removidos principalmente por difusão paraos tecidos vizinhos e, em seguida, são destruídos dentro de minu-tos ou horas por enzimas específicas ou não-específicas. Paraos transmissores de ação rápida, a remoção ocorre comumenteem alguns milissegundos, ò que pode ser conseguido por trêsmaneiras diferentes:

1. Por difusão do transmissor da fenda para os líquidos emvolta.

2. Por destruição enzimática dentro da fenda sináptica. Nocaso da acetileolina, por exemplo, a enzima colinesterase estápresente na fenda, ligada à matriz de proteoglicano que encheo espaço. Cada molécula dessa enzima é capaz de quebrar até10 moléculas de acetileolina a cada milissegundo, inativando asubstância transmissora. Efeitos semelhantes ocorrem com outrostransmissores.

3. Por transporte ativo de volta ao terminal pré-sinápticoque o liberou e reutilização. Esse processo é denominado recap-tação do transmissor. Ele ocorre de forma intensa, principalmentenos terminais do sistema nervoso simpático, para recaptação denorepinefrina, como discutiremos no Cap. 60.

O grau em que cada um destes métodos de remoção é utili-zado é diferente para cada tipo de transmissor.

EVENTOS ELÉTRICOS DURANTE AEXCITAÇÃO NEURONAL

Os eventos elétricos que ocorrem durante a excitação neuro-nal foram estudados especialmente nos grandes motoneurôniosdas pontas anteriores da medula espinhal. Por esse motivo, oseventos que serão descritos nas seções a seguir se relacionamessencialmente a esses tipos de neurônios. No entanto, à exceçãode algumas diferenças quantitativas, eles também se aplicam àmaior parte dos outros neurônios do sistema nervoso.

O potencial de repouso da membrana do soma neuronal. AFig. 45.7 ilustra o corpo de um motoneurônio, mostrando queo potencial de repouso da membrana é da ordem de -65 milivolts.Esse potencial é menor que os -90 milivolts encontrados nasgrandes fibras nervosas periféricas e nas fibras muscularesesqueléticas. Essa voltagem menor é, no entanto, importante,pois permite o controle tanto positivo como negativo do grau deexcitabilidade do neurônio. Isto é, levando a voltagem para umvalor menos negativo, torna a membrana do neurônio maisexcitável, enquanto aumentando a voltagem para um valor maisnegativo torna o neurônio menos excitável. Como será explicadonas seções seguintes, esta é à base dos dois modos defuncionamento dos neurônios — tanto a excitação quanto ainibição.

Diferenças de concentração iônica, através da membrana dosoma neuronal. A Fig. 45.7 também ilustra as diferenças de con-centração, através da membrana do soma neuronal, para os trêsíons considerados mais importantes para a função neuronal: íonssódio, íons potássio e íons cloreto.

Na parte superior é mostrado que a concentração de íonssódio é muito grande no líquido extracelular mas é pequenano interior do neurônio. Esse gradiente de concentração é man-tido graças a uma potente bomba de sódio que bombeia continua-mente esse íon para fora do neurônio.

A figura também mostra que a concentração de íons potássioé grande dentro do soma neuronal, mas muito baixa no líquidoextracelular. Ela ilustra que também há uma bomba de potássio(a outra metade da bomba de Na+-K+, como já descrito noCap. 4) que bombeia o potássio para o interior. No entanto,

Fig. 45.7 Distribuição dos íons sódio, potássio e cloro através da mem-brana do soma neuronal; origem do potencial da membrana no interiordo soma.

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há vazamento de íons potássio através dos canais iônicos da mem-brana com velocidade suficiente para anular grande parte daeficiência da bomba de potássio.

A concentração de íon cloreto é alta no líquido extracelular,mas é baixa dentro dos neurônios, conforme mostra a Fig. 45.7.Ela também mostra que a membrana é bastante permeável aosíons cloreto e que parece existir uma fraca bomba de cloreto.Mostra ainda que a razão da baixa concentração de íons cloretodentro do neurônios se deve, em grande parte, ao potencial de-65 mV do interior do neurônios. Isto é, a voltagem negativarepele os íons cloreto negativamente carregados, forçando-osa fluírem para fora do neurônio através dos poros até que suaconcentração iônica se torne muito maior do lado de fora quedo lado de dentro.

Vamos relembrar, neste ponto, o que aprendemos nos Caps.4 e 5 sobre as relações entre as diferenças de concentraçõesiônicas e os potenciais de membrana. Deve ser lembrado queum potencial elétrico através da membrana, tendo polaridadee magnitude adequadas, é capaz de se opor plenamente ao movi-mento de íons através da mesma, a despeito das diferenças deconcentração existentes entre o lado de dentro e o lado de forada membrana. Tal potencial, que é capaz de exercer essa oposiçãototal e exata ao movimento de cada tipo de íon, é chamadode potencial de Nernst para aquele íon. A equação para eleé a seguinte:

Concentração foraConcentração dentro

onde EMF é o potencial do lado de dentro da membrana emmilivolts. O potencial será positivo (+) para um íon positivo,e negativo (-) para um íon negativo.

Agora, vamos calcular o potencial de Nernst que exerceráoposição exata ao movimento de cada um dos três íons distintos:sódio, potássio e cloreto.

Para a diferença de concentração de íons sódio mostradana Fig. 45.7, 142 mEq/1 no exterior e 14 mEq/1 no interior, opotencial de membrana que exercerá oposição exata ao movi-mento do íon através dos canais de sódio, seria de +61 mV.No entanto, o verdadeiro potencial de membrana é de -65 mV,e não +61 mV. Por isso, os íons sódio normalmente se difundempara o interior do neurônios através dos canais de sódio; no entan-to, essa quantidade não c muito grande, porque a maior partedos canais de sódio está normalmente fechada. Além disso, osíons que conseguem se difundir para o interior são, em condiçõesnormais, imediatamente bombeados para o exterior pela bombade sódio.

Para os íons potássio, o gradiente de concentração é 120mEq/1 dentro dos neurônios e 4,5 mEqA do lado de fora. Issoorigina um potencial de Nernst de -86 mV dentro do neurônios,que é mais negativo que os -65 mV realmente registrados. Porisso, há uma tendência dos íons potássio de se difundirem parao lado de fora do neurônios, o que é contraposto pelo contínuobombeamento desses íons para o interior.

Finalmente, o gradiente do íon cloreto, 107 mEq/1 fora e8 mEq/1 dentro dos neurônios, corresponde a um potencial deNernst de -70 mV dentro do neurônio, que é ligeiramente maisnegativo que o valor realmente medido. Por isso, os íons cloretotendem normalmente a fluir para o interior dos neurônios, eos que o conseguem são trazidos de volta para fora,provavelmente por meio de um bombeamento ativo de cloreto.

Tenha em mente esses três potenciais e lembre-se da direçãoem que os diferentes íons tendem a se difundir, pois essa infor-mação será importante para o entendimento tanto da excitaçãoquanto da inibição do neurônios pela ativação sináptica doscanais receptores.

Origem do potencial de repouso da membrana do somaneuronal. A causa básica para que o potencial de repouso damembrana do soma neuronal seja da ordem de -65 mV é a bombade sódio-potássio. Essa bomba causa a extrusão de mais íonssódio positivamente carregados para o exterior do que íonspotássio para o interior - três íons sódio são transportados parafora enquanto dois íons potássio são transportados para dentro.Devido ao fato de existirem dentro do soma neuronal muitosíons negativamente carregados que não podem difundir-seatravés da membrana - íons protéicos, íons fosfato e muitosoutros -, a extrusão do excesso de íons positivos para o exteriordeixa alguns desses íons negativos não-difusíveis em desequilíbriocom os íons positivos no interior das células. Por isso, o interiordo neurônio fica negativamente carregado como resultado dabomba de sódio-potássio. Esse princípio foi discutido commaiores detalhes no Cap. 5, em relação ao potencial de repousoda membrana das fibras nervosas. Além disso, como tambémfoi explicado no Cap. 5, a difusão dos íons potássio para fora,através da membrana, é outra causa da negatividadeintracelular.

Distribuição uniforme do potencial dentro do soma. Ointerior do soma neuronal contém uma solução eletrolíticaaltamente condutora, o líquido intracelular do neurônios. Alémdisso, o diâmetro do soma neuronal é muito grande de 10 a 80fim provocando ausência quase completa de resistência àcondução da corrente elétrica de uma parte a outra no interiordo soma. Por isso, qualquer modificação de potencial emqualquer parte do líquido intrassômico leva a mudança depotencial praticamente igual em todo o interior do somaneuronal. Isto é um princípio importante, pois é o principalfator envolvido na somação de sinais que chegam ao neurônioprovenientes de várias fontes, como veremos em seçõessubseqüentes deste capítulo.

Efeito da excitação sináptica sobre a membrana pós-sináptica- o potencial pós-sináptico excitatório. A Fig. 45.8A ilustra oneurônios em repouso, com um terminal pré-sináptico não-ex-citado em contato com sua superfície. O potencial de repousoda membrana em qualquer ponto do soma é de -65 mV.

A Fig. 45.8B ilustra um terminal pré-sináptico que secretouseu transmissor na fenda entre o terminal e a membrana somáticaneuronal. Esse transmissor age sobre um receptor excitatórioda membrana para aumentar a permeabilidade da membrana aoNa. Devido ao grande gradiente eletroquímico que tende apromover o influxo de íons sódio, o grande aumento da condutân-cia ao íon sódio permite a passagem desse íon através da mem-brana.

O rápido influxo de íons sódio positivamente carregadospara o neurônio neutraliza parte da negatividade do potencialde repouso da membrana. Assim, na Fig. 45.8B, o potencialde repouso da membrana passou de -65 mV para -45 mV.Essa modificação da voltagem do potencial de repouso neuronal,indo para um valor menos negativo, é chamada de potencial pós-sináptico excitatório (ou PPSE) porque, se esse potencialaumentar suficientemente, é capaz de evocar um potencial deação no neurônio, excitando-o. Nesse caso, o PPSE é de +20mV.

No entanto, gostaríamos de chamar a atenção para um pon-to. A descarga de um só terminal pré-sináptico é incapaz delevar o potencial neuronal de -65 mV para -45 mV. Uma alteraçãodessa magnitude requer, na verdade, a descarga simultânea demuitos terminais - cerca de 40 a 80 para um motoneurônioscomum - ao mesmo tempo ou em rápida sucessão. Isso ocorrepelo processo denominado somação, que será discutido em deta-lhe nas seções seguintes.

Geração dos potenciais de ação no segmento inicial do axõnioque sai do neurônio - limiar de excitação. Quando o potencialpós-sináptico excitatório se eleva até valor suficiente, chega aum ponto em que se inicia um potencial de ação noneurônios.

EMF (mV) = ±61 x log

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Fig. 45..8 Três estados de um neurônio. A, Neurônio em repouso. B,Neurônio em estado excitado, com potencial intraneuronal aumentadodevido ao influxo de sódio. C, Neurônio em estado inibido, com reduçãodo potencial da membrana intraneuronal devido ã saída de íons potássioe ao influxo de íons cloro.

Entretanto, o potencial de ação não se inicia na membrana somá-tica adjacente às sinapses excitatórias. Em vez disso, ele começano segmento-inicial do axônio que deixa o soma neuronal. Aprincipal razão para esse ponto de origem do potencial de açãoreside no fato de que o soma tem, em sua membrana, relativa-mente poucos canais de sódio voltagem-dependentes, o que tornadifícil a abertura do número de canais necessários para provocarum potencial de ação. Por outro lado, a membrana do segmentoinicial tem concentração sete vezes maior de canais de sódio volta-gem-dependentes e, por isso, é capaz de deflagrar um potencialcom muito mais facilidade que o soma neuronal. O potencialpós-sináptico excitatório capaz de deflagrar um potencial de açãono segmento inicial fica entre +15 e +20 mV, ao contrário doque ocorre com o soma, onde, para que seja deflagrado umpotencial de ação, é necessário um potencial pós-sináptico de+30 mV ou mais.

Uma vez deflagrado, o potencial de ação caminha tantoem direção periférica ao longo do axônio, como em direção con-trária. Eles são capazes de também se propagar até os dendritos,mas não em todos eles, pois, da mesma forma que o soma neuro-nal, os dendritos possuem muito poucos canais de sódio voltagem-dependentes e, por isso, são freqüentemente incapazes de gerarpotenciais de ação.

Assim, na Fig. 45.8B, é mostrado que, sob condições nor-mais, o limiar para excitação dos neurônios é da ordem de -45mV. o que representa um potencial pós-sináptico excitatório de+20 mV, isto é, 20 mV mais positivo que o potencial de repousonormal do neurônio, que é de -65 mV.

EVENTOS ELÉTRICOS NA INIBIÇÃO NEURONAL

Efeitos das sinapses inibitórias sobre a membrana pós-sináp-tíca - o potencial pós - sináptico inibitório. As sinapses inibitórias,em lugar de abrirem os canais de sódio, abrem os canais depotássio ou de cloreto, ou ambos, permitindo que um ou osdois íons passem com facilidade através da membrana.

Para entender como as sinapses inibitórias inibem o neurôniopós-si-nãptico, vamos relembrar o que aprendemos sobre ospotenciais de Nernst tanto para os íons potássio como para osíons cloreto. Calculamos que, para os íons potássio, essepotencial é da ordem de -86 mV e, para os íons cloreto, daordem de -70 mV. Os dois potenciais são mais negativos que os-65 mV registrados para o potencial de repouso da membrananeuronal. Por isso, a abertura dos canais de potássio permitemque os íons potássio positivamente carregados fluam para oexterior, o que tornará o potencial de membrana mais negativoque o normal. A abertura dos canais de cloreto permite que íonscloreto, negativamente carregados, fluam para o interior, o quevai fazer com que o potencial de membrana do neurônio fiquemais negativo do que o normal. Isso aumenta a negatividadeintracelular, o que é denominado hiperpolarização. Isso provoca,obviamente, inibição do neurônio, pois o potencial de membranaestá agora mais longe do limiar de excitação. Por isso, oaumento da negatividade intracelular, para além do valornormal do potencial de repouso da membrana, é denominadopotencial pós-sináptico inibitório (PPSI).

Assim, a Fig. 45.8C ilustra o efeito causado pela ativaçãodas sinapses inibitórias sobre o potencial de membrana, permi-tindo o influxo de cloreto ou o efluxo de potássio da célula,com o potencial de membrana indo do seu valor normal de -65mV para o valor mais negativo de -70 mV. Esse potencial demembrana, que é 5 mV mais negativo, é o potencial pós-sinápticoinibitório. Então, o PPSI nessa situação é -5 mV.

Inibição dos neurônios sem provocar potencial pós-sinápticoinibitório - "curto-circuito" da membrana. Algumas vezes, aativação de sinapses inibitórias não altera o potencial de mem-brana ou causa potencial pós-sináptico muito pequeno, mas levaà inibição do neurônio.

A razão pela qual algumas vezes o potencial de membrananão se altera está no fato de que, em alguns neurônios, as diferen-ças de concentração para os íons potássio e cloreto levam a poten-cial de equilíbrio de Nernst igual ao potencial de repouso damembrana. Por isso, quando os canais inibitórios se abrem, aresultante do fluxo dos íons é zero, e não ocorre potencial pós-si-náptico inibitório. Além disso, os íons potássio ou cloreto, ouambos, difundem bidirecionalmente, através dos canais, que es-tão altamente permissíveis à passagem desses íons muito maisrapidamente que o normal, e esse alto fluxo inibe o neurônioda seguinte maneira: quando as sinapses excitatórias causam ofluxo de íons sódio para o interior do neurônio, os canais depotássio ou cloreto que estão muito permeáveis fazem com queo potencial pós-sináptico excitatório seja muito menor do queo usual, uma vez que qualquer tendência de mudança no potencialde repouso da membrana é imediatamente anulada pelo fluxorápido de íons potássio ou cloreto, através dos canais inibitórios,trazendo o potencial de volta ao potencial de equilíbrio de Nernstpara esses dois íons. Por isso, o fluxo de íons sódio necessáriopara se sobrepor ao fluxo de íons potássio ou cloreto e, conse-qüentemente, provocar a excitação, terá que ser entre 5 e 20vezes maior que o normal.

A propriedade dos íons potássio e cloreto tenderem a mantero potencial de membrana em um valor próximo ao do potencialde repouso, quando os canais inibitórios ficam muito permeáveis,c chamada de "curto-circuito" da membrana, que faz com queo fluxo de corrente de sódio, causado pelas sinapses excitatórias,seja ineficiente para a excitação da célula.

Para expressar o fenômeno do curto-circuito mais matematicamente,é necessário relembrarmos a equação de Goldman, no Cap. 5. Essaequação mostra que o potencial de membrana é determinado pelasomação da capacidade dos diferentes íons para transportar cargaselétricas através da membrana em ambas as direções.

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O potencial de membrana se aproximará dos potenciais de equilíbrio deNernst para os íons aos quais a membrana é mais permeável. Quando oscanais inibitórios estão muito abertos, a membrana está muitopermeável aos íons cloreto e potássio. Por isso, quando os canaisexcitatórios se abrem, os efeitos somados dos canais inibitórios fazemcom que seja muito difícil a chegada do potencial neuronal aos valoreslimiares para a excitação

Inibição pré-sináptica

Além da inibição causada por sinapses inibitórias, operandosobre a membrana neuronal, que é chamada inibição pós-sináp-tica, comumente ocorre outro tipo de inibição nos terminais pré-sinápticos, antes que o sinal chegue à sinapse. Acredita-se queesse tipo de inibição, chamado de inibição pré-sináptica, ocorracomo se segue.

Na inibição pré-sináptica, a inibição é causada pelas sinapses"pré-sinápticas" sobre as extremidades das fibras nervosas, antesque elas entrem em contato com o neurônio seguinte. No momen-to, supõe-se que a ativação dessas sinapses sobre os terminaispré-sinápticos diminua a capacidade da membrana em abrir oscanais de cálcio. Como os íons cálcio têm que entrar nos terminaispré-sinápticos para que as vesículas possam liberar o transmissorna sinapse neuronal, o resultado óbvio é a redução da excitaçãoneuronal.

A causa da entrada reduzida de cálcio nos terminais pré-si-nápticos ainda é desconhecida. Uma teoria sugere que as sinapsespré-sinápticas liberem um transmissor que bloqueia diretamenteos canais de cálcio. Outra teoria propõe que o transmissor inibaa abertura dos canais de sódio, reduzindo, dessa forma, a ampli-tude do potencial de ação no terminal. Como os canais de cálciovoltagem-ativados são extremamente voltagem-sensitivos, qual-quer diminuição do potencial de ação reduziria drasticamentea entrada de cálcio.

A inibição pré-sináptica ocorre em muitas vias sensoriaisdo sistema nervoso. Isto é, as fibras nervosas adjacentes inibemas fibras ao lado, o que minimiza a dispersão lateral dos sinaisde uma fibra para suas vizinhas. Esse fenômeno será discutidode maneira mais completa em capítulos subseqüentes.

A inibição pré-sináptica difere da inibição pós-sináptica emsua seqüência temporal. Ela necessita de vários milissegundospara se desenvolver mas, uma vez que ocorra, pode durar porminutos ou mesmo horas. Por outro lado, a inibição pós-sinápticadura, normalmente, apenas poucos milissegundos.

Somação dos potenciais pós-sinápticos

Curso temporal dos potenciais pós-sinápticos. Quando a si-napse excita o motoneurônio da ponta ventral, a membrana neu-ronal permanece com a permeabilidade aumentada por apenas1 a 2 ms. Durante esse tempo, os íons sódio se difundem rapida-mente para o interior da célula, criando o potencial pós-sinápticoexcitatório, ilustrado nas duas curvas inferiores da Fig. 45.9. Essepotencial se dissipa lentamente ao longo dos 15 ms seguintes,porque esse é o tempo requerido para que as cargas positivasfluam das sinapses excitadas ao longo do comprimento de dendri-tos e axônios, e, também, para que ocorra o fluxo de íons potássio(para fora) e cloreto (para dentro), de forma a restabelecer opotencial de repouso normal da membrana.

O que ocorre durante o potencial pós-sináptico inibitórioé exatamente o oposto, isto é, a sinapse inibitória aumenta apermeabilidade da membrana para os íons potássio ou cloreto,ou ambos, durante 1 a 2 ms, e isso leva o potencial intraneuronalpara valores mais negativos que o normal, criando, em conse-quência, o potencial pós-sináptico inibitório. Esse potencial tam-bém persiste por cerca de 15 ms.

Entretanto, outros tipos de substâncias transmissoras atuan-do sobre outros neurônios podem excitá-los ou inibi-los por cente-nas de milissegundos, ou mesmo segundos, minutos ou horas.

Somação espacial dos potenciais pós-sinápticos - olimiar para o disparo

Já foi mostrado antes que a excitação de um só terminalsobre a superfície de um neurônio provoca excitação mínima.Isso se deve ao fato de que a quantidade de substância transmis-sora liberada por um só terminal origina, na maior parte dasvezes, potencial pós-sináptico excitatório com amplitude entre0,5 e 1 mV, em lugar dos 10 a 20 mV usualmente necessáriospara que seja alcançado o limiar de excitação. No entanto, du-rante a excitação de um grupo neuronal do sistema nervoso,muitos terminais pré-sinápticos são comumente estimulados aomesmo tempo e, apesar desses terminais estarem espalhados so-bre áreas extensas do neurônio, seus efeitos são ainda capazesde se somar. A razão para que isso ocorra é a seguinte: Já foiapontado antes, que a modificação de potencial em qualquer pon-to do soma faz com que, em toda sua extensão, ocorra alteraçãodo potencial com amplitude quase exatamente igual à do pontode origem. Por isso, para cada sinapse excitatória que disparasimultaneamente, o potencial do interior do soma se torna maispositivo por uma fração de milivolt, podendo chegar até 1 mV.Quando o potencial pós-sináptico excitatório alcança amplitudesuficiente, é atingido o nível de disparo, deflagrando um potencialde ação no segmento inicial do axônio. Esse efeito é ilustradona Fig. 45.9, que mostra vários potenciais pós-sinápticos excitató-rios. O potencial pós-sináptico excitatório da parte de baixo dafigura foi causado pela estimulação simultânea de quatro sinapses;o potencial imediatamente acima foi causado pela estimulaçãode número duas vezes maior de sinapses; finalmente, o potencialpós-sináptico da parte superior da figura foi causado pela estimu-lação de um número quatro vezes maior de sinapses. Nesse últimocaso, foi deflagrado um potencial de ação no segmento inicialdo axônio.

O efeito da somação de potenciais pós-sinápticos pela esti-mulação de terminais múltiplos sobre áreas extensas da mem-brana é chamado de somação espacial.

Somação temporal

Cada vez que um terminal dispara, a substância transmissoraliberada abre os canais da membrana por 1 a 2 ms. Uma vez

Fig. 45..9 Potenciais pós-sinápticos excitatórios mostrando que a descar-ga simultânea de apenas algumas sinapses não vai provocar um potencialsomado suficiente para produzir um potencial de ação, mas que a descargasimultânea de muitas sinapses vai elevar o potencial somado até o limiarde excitação e dar lugar a um potencial de ação sobreposto.

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que os potenciais pós-sinápticos duram até 15 ms, uma segundaabertura dos mesmos canais pode fazer com que o potencial pós-sináptico tenha maior amplitude. Por isso, quanto mais rápida forà freqüência da estimulação do terminal, maior será o potencialpós-sináptico resultante. Dessa maneira, se os potenciais pós-sinápticos ocorrerem com freqüência suficientemente rápida,eles podem somar-se, da mesma forma como podem somar-seos potenciais pós-sinápticos originados pelos terminaisextensamente distribuídos sobre a superfície do neurônios. Essasomação é denominada somação temporal.

Somação simultânea dos potenciais pós-sinápticos excitatóriose inibitórios. Obviamente, se um potencial pós-sináptico inibitóriotende a levar o potencial de membrana para um valor mais nega-tivo enquanto o potencial pós-sináptico excitatório tende, ao mes-mo tempo, a fazer com que o potencial de membrana se tornemenos negativo, esses dois efeitos podem anular-se total ou par-cialmente. O potencial pós-sináptico excitatório também podeser severamente anulado pelo "curto-circuito" inibitório da mem-brana. Assim, se um neurônio está sendo excitado por um poten-cial pós-sináptico excitatório, um sinal inibitório proveniente deoutra fonte pode facilmente reduzir o potencial pós-sinápticopara valores abaixo do limiar para excitação, diminuindo, dessamaneira, a atividade do neurônio.

Facilitarão dos neurônios. Muitas vezes, a somação dos po-tenciais pós-sinápticos é de natureza excitatória, mas o potencialnão tem amplitude suficiente para atingir o limiar de excitação.Quando isso acontece, dizemos que o neurônio está facilitado,isto é, o potencial de membrana está mais perto do limiar dedisparo do que normalmente, mas ainda não atingiu o nível dedisparo. Entretanto, outro sinal que entre no neurônio, prove-niente de outra fonte, é capaz de excitá-lo muito facilmente.Sinais difusos no sistema nervoso sempre facilitam grandes gruposneuronais, de tal forma que eles podem responder rápida efacilmente a sinais provenientes de fontes secundárias.

FUNÇÕES ESPECIAIS DOS DENDRITOS NAEXCITAÇÃO DOS NEURÔNIOS

O grande campo espacial de excitação dos dendritos. Os den-dritos do motoneurônio da ponta ventral se estendem por 500a 1.000 µm em todas as direções a partir do soma neuronal.Por isso, esses dendritos podem receber sinais vindos de grandeárea espacial em torno do motoneurônio. Isso cria grande oportu-nidade para a somação de sinais vindos de muitos neurôniospré-sinápticos em separado.

Também é importante o fato de 80 a 90% dos terminais pré-sinápticos ficarem localizados sobre os dendritos do motoneu-rônio da ponta ventral, enquanto apenas 10 a 20% terminamsobre o soma neuronal. Por isso, a parte mais preponderanteda excitação provém de sinais transmitidos para os dendritos.

Muitos dendritos não podem transmitir potenciais de ação -mas podem transmitir sinais por condução eletrotônica. Muitosdendritos não são capazes de transmitir potenciais de ação porque,têm relativamente poucos canais de sódio voltagem-dependentes.de tal forma que seus limiares para excitação são muito elevadospara que ocorram potenciais de ação. Ainda assim, eles trans-mitem correntes eletrotônicas dos dendritos para o soma. Trans-missão de corrente eletrotônica significa a propagação de correntepor condução elétrica nos líquidos dos dendritos sem a geraçãode potenciais de ação. A estimulação do neurônio por esse tipode corrente tem características especiais, como se segue.

Decremento da condução eletrotônica nos dendritos — maiorexcitação provocada pelas sinopses mais próximas ao soma. NaFig. 45.10, são mostradas algumas sinapses excitatórias e inibitó-rias estimulando os dendritos de um neurônio. Sobre os dois

Fig. 45.10 Estimulação de neurônio por terminais pré-sinápticos, locali-zados sobre os dendritos, mostrando, especialmente, a condução comdecremento dos potenciais eletrotônicos excitatórios nos dois dendritosà esquerda e a inibição da excitação, no dendrito da parte mais superior.Também é mostrado o potente efeito das sinapses inibitórias, localizadasno segmento inicial.

dendritos à esquerda da figura são mostrados os efeitos excita-tórios na proximidade das extremidades dos dendritos. Note asaltas amplitudes dos potenciais excitatórios nessas extremidades,isto é, os potenciais de membrana ficam menos negativos nessespontos. Entretanto, boa parte da amplitude dos potenciais pós-si-nápticos excitatórios a perdida antes que eles atinjam o soma.Essa perda ocorre porque os dendritos são longos e finos, esuas membranas são também finas e excessivamente permeáveisaos íons potássio e cloreto, possibilitando o "vazamento" dacorrente elétrica. Por isso, antes que os potenciais excitatóriosconsigam alcançar o soma, grande parte do potencial é perdidapor vazamento através da membrana. Essa diminuição do poten-cial de membrana, verificada à medida que ele se propaga eletro-tonicamente ao longo dos dendritos em direção ao soma, é chama-da de condução com decremento.

Também é óbvio que o decremento da condução será menorà medida que a sinapse excitatória estiver mais próxima do somaneuronal. Por isso, as sinapses excitatórias localizadas perto dosoma têm efeito excitatório muito maior que as localizadas empontos mais distantes.

Reexcitação rápida do neurônio pelos dendritos, após adescarga neuronal. Quando um potencial de ação é deflagradopelo neurônio ele comumente se propaga também para trás, porsobre o soma neuronal, mas nem sempre por sobre osdendritos. Por isso, habitualmente, os potenciais pós-sinápticosexcitatórios nos dendritos são apenas parcialmente perturbadospelo potencial de ação, de modo que, imediatamente após otermino do potencial de ação, os potenciais ainda existentes nosdendritos estão prontos e esperando para excitar novamente oneurônio. Assim, os dendritos têm uma "capacidade desustentação" dos sinais excitatórios provenientes de fontes pré-sinápticas.

Somação da excitação e inibição nos dendritos. Na ilustraçãoda Fig. 45.10, o dendrito da parte superior está sendo estimuladotanto por sinapses excitatórias como inibitórias. Na extremidadedo dendrito ocorre grande potencial pós-sináptico excitatóriomas, mais próximo ao soma, há duas sinapses inibitórias atuandosobre o mesmo dendrito. Essas sinapses inibitórias provocamvoltagem hiperpolarizante que anula completamente, o efeitoexcitatório e, além disso, transmite pequena inibição, por condu-ção eletrotônica, em direção ao soma. Isso mostra que os dendri-

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tos são capazes de somar potenciais pós-sinápticos excitatóriose inibitórios da mesma maneira que o soma.

Na mesma figura, também são mostradas várias sinapsesinibitórias sobre o cone axônico e o segmento inicial do axônio.Essa localização determina inibição especialmente poderosa, poistem efeito direto, aumentando o limiar para a excitação exata-mente sobre o ponto onde o potencial de ação é normalmente deflagrado.

RELAÇÃO ENTRE O ESTADO DE EXCITAÇÃODO NEURÔNIO E A FREQUÊNCIA DE DISPARO

O estado excitatório. O "estado excitatório" de um neurônioé definido pelo grau de atividade excitatória a ele dirigida. Se,em determinado instante, o grau de excitação do neurônio formaior que o de inibição, consideramos que há um estado excita-tório. Por outro lado, se há mais inibição do que excitação, dize-mos que há um estado inibitório.

Quando o estado excitatório de um neurônio alcança valoresacima do limiar para excitação, o neurônio irá disparar repetitiva-mente enquanto o estado excitatório permanecer nesse nível.No entanto, a freqüência de disparo do neurônio é definida pelaquantidade em que o estado excitatório excedeu o limiar. Paraexplicar isso, temos que considerar, antes de tudo, o que ocorrecom o potencial do soma neuronal durante e após o potencialde ação.

Modificações do potencial somático neuronal durante e apóso potencial de ação. A curva inferior da Fig. 45.11 ilustra umpotencial de ação se propagando, em direção retrógrada, sobreo soma neuronal, após ter sido deflagrado no segmento inicialdo axônio por potencial pós-sináptico excitatório. Após a pontado potencial de ação, ocorre estado muito longo de "hiperpolari-zação", que dura muitos milissegundos. Durante esse intervalo,o potencial da membrana somática permanece mais negativodo que o potencial de repouso habitual da membrana. Isso écausado, pelo menos parcialmente, pelo alto grau de permea-bilidade da membrana neuronal aos íons potássio, que persistepor muitos milissegundos após o término do potencial de ação.Essa alta condutividade da membrana para o potássio tambémprovoca "curtos-circuitos" da membrana para os potenciais exci-tatórios, como já foi explicado antes.

A importância dessa hiperpolarização, bem como do curto-circuito que ocorre após o término do potencial em ponta, estáno fato de que o neurônio permanece em estado de inibiçãodurante esse período de tempo. Por isso, durante esse tempo,é requerido um estado excitatório maior que o normal para causara reexcitação do neurônio.

Relação entre o estado excitatório e a freqüência de disparo.A curva mostrada na parte superior da Fig. 45.11, referida como"Estado excitatório requerido para reexcitação", representa onível relativo do estado excitatório requerido para reexcitar oneurônio, a cada instante após o término do potencial de ação.Note que, imediatamente após o término do potencial de ação,é necessário um estado excitatório muito elevado. Isso quer dizerque um número muito grande de sinapses excitatórias tem quedisparar simultaneamente. A seguir, após terem se passado muitosmilissegundos e o estado de hiperpolarização e o curto-circuito doneurônio começarem a desaparecer, o estado excitatório re-querido torna-se acentuadamente reduzido.

Por esse motivo, quando o estado excitatório é elevado,um potencial de ação é rapidamente seguido por outros (umsegundo, um terceiro, e assim por diante), com o processo prosse-guindo indefinidamente. Assim, no estado excitatório muito ele-vado, a freqüência de disparo do neurônio é alta.

Por outro lado, quando o estado excitatório está apenasligeiramente acima do limiar, para que possa deflagrar outro

Fig. 45.11 Potencial neuronal seguido por prolongado período de hiper-polarização neuronal. É mostrado também o "estado excitatório"' neces-sário para a reexcitação do neurônio a intervalos determinados apóso término do potencial de ação.

potencial de ação, o neurônio terá que se recuperar quase comple-tamente da hiperpolarização e do curto-circuito, o que leva váriosmilissegundos. Isso implica baixa freqüência de disparo neuronal.

Características de respostas de diferentes neurônios a níveiselevados do estado excitatório. O estudo histológico do sistemanervoso demonstra que, nas diferentes áreas, existem vários tiposde neurônios e, fisiologicamente, os diferentes tipos de neurôniosexecutam funções diferentes. Por isso, como seria de se esperar,a capacidade de responder a estímulos que chegam às sinapsesvaria de um tipo de neurônio para outro.

A Fig. 45.12 ilustra as respostas teóricas de três tipos diferen-tes de neurônios em níveis variáveis de estado excitatório. Noteque o neurônio 1 tem limiar de excitação baixo, enquanto oneurônio 3 tem limiar alto. Deve-se também notar que, enquantoo neurônio 2 tem a freqüência máxima de descarga mais baixa,o neurônio 3 tem a mais alta.

Alguns neurônios do sistema nervoso central disparam conti-nuamente porque o estado excitatório está normalmente acimado nível limiar. A freqüência de disparo desses neurônios podeaumentar ainda mais, por elevação de seu estado excitatório,e se superpõe a um estado inibitório no neurônio.

Assim sendo, os diferentes neurônios respondem de mododiverso, com limiares de excitação distintos e freqüências máxi-

Fig. 45.12 Características da resposta de diferentes tipos de neurôniosa níveis progressivamente crescentes do estado excitatório.

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mas de descarga também diferentes. Com uma pequena dosede imaginação, é fácil entender a importância desses vários tiposde neurônios. com diferentes características de resposta, paraque o sistema nervoso possa desempenhar com precisão e eficiên-cia a imensa gama de funções que executa.

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DATRANSMISSÃO SINÁPTICA

Fadiga da transmissão sináptica. Quando as sinapses excita-tórias são repetitivamente estimuladas com freqüência elevada,o número de descargas pelo neurônio pós-sináptico é inicialmentemuito elevado mas, com o tempo (milissegundos ou segundos),torna-se progressivamente menor. Esse fenômeno é denominadofadiga da transmissão sináptica.

A fadiga é uma característica muito importante da funçãosináptica, pois, quando áreas do sistema nervoso se tornam supe-rexcitadas, a fadiga faz com que esse excesso de excitabilidadese desfaça rapidamente. Tomemos como exemplo a convulsãoepiléptica: é provável que, durante a crise convulsiva, a fadigaseja o principal meio pelo qual o excesso de excitabilidade cere-bral seja vencido, fazendo cessar a convulsão. Assim, a fadigaé um mecanismo de proteção contra o excesso de atividade neuro-nal. Isso será mais discutido no capítulo seguinte, na descriçãodos circuitos neuronais reverberativos.

A fadiga se deve principalmente à exaustão dos estoquesdos transmissores nos terminais pré-sinápticos. Foi calculado queos terminais excitatórios têm capacidade para armazenar trans-missores em quantidade suficiente para apenas 10.000 transmis-sões sinápticas normais. Assim sendo, apenas alguns segundosou minutos de estimulação com alta freqüência são suficientespara levar à exaustão dos transmissores. Entretanto, é provávelque parte do processo de fadiga também esteja ligado a doisoutros fatores que são: (1) inativação progressiva de receptoresda membrana pós-sináptica e (2) retenção lenta e progressivade íons cálcio no interior do neurônio pós-sináptico, causadapelos sucessivos potenciais de ação esses íons, por seu lado,abrem os canais de potássio cálcio-dependentcs, o que causaum efeito inibitório sobre o neurônio pós-sináptico.

Facilitação pós -tetânica. Quando uma série de impulsos repetitivosde alta freqüência estimula uma sinapse excitatória que é a seguir deixadaem repouso por determinado período, observamos que, durante algumtempo (segundos ou minutos), a resposta da sinapse será maior do quea normalmente verificada. A isto chamamos facilitação pós-tetânica

Experimentos mostraram que a facilitação pós-tetânica se deve prin-cipalmente ao acúmulo de excesso de íons cálcio nos terminais pré-sináp-ficos, devido à lentidão com que a bomba de cálcio remove esses íonsa cada potencial de ação. O acúmulo progressivo desses íons leva aliberação cada vez maior da substância transmissora, pelas vesículas po-dendo, ocasionalmente, dobrar a quantidade de transmissor que é nor-malmente liberada.

O significado fisiológico da facilitação pós-tetânica é ainda duvidoso,e pode não ter significado real. Entretanto, os neurônios poderiam armazenar as informações por este mecanismo. Por isso, a facilitação pós-te-tânica poderia ser um mecanismo da memória de curto prazo no sistemanervoso central.

Efeito da acidose e alcalose sobre a transmissão sináptica. Os neurô-nios são muito responsivos às modificações do pH nos líquidos intersticiaisem torno deles. A alcalose provoca um grande aumento da excitabilidadeneuronal. Quando, por exemplo, ocorre aumento do pH arterial deseu valor normal de 7,4 para 7,8 ou 8,0, observamos, com freqüência,convulsões cerebrais devido ao aumento da excitabilidade dos neurônios.Isso pode ser demonstrado com facilidade quando se faz hiperventilaçãoem pessoa que tenha predisposição a convulsões epilépticas. A hiperven-

tilação eleva o pH do sangue apenas momentaneamente, mas essepequeno tempo é, muitas vezes, suficiente pai a provocar um ataqueepiléptico.

Por outro lado, a acidose provoca grande depressão da atividadeneuronal e queda do pH de 7,4 para 7,0 leva, habitualmente, ao estadocomatoso. Como exemplo, podemos citar o coma que sempre se desen-volve nos casos de grave acidose diabética ou urêmica.

Efeito da hipoxia sobre a transmissão sináptica. A excitabilidadeneuronal também é muito dependente de suprimento adequado de oxigê-nio. A retirada de oxigênio por apenas alguns segundos pode levar acompleta inexcitabilidade dos neurônios. Isso é observado com frequên-cia quando há interrupção temporária da circulação cerebral, situaçãona qual. dentro de 3 a 5 segundos, a pessoa fica inconsciente.

Efeito de medicamentos sobre a transmissão sináptica. É sabido quediversos medicamentos são capazes de aumentar a excitabilidade dosneurônios, enquanto outros são capazes de diminuí-la. Como exemplode substâncias excitatórias temos a cafeína, a teofilina e a teobromina,encontradas, respectivamente, no café, chá e chocolate, que aumentama excitabilidade neuronal presumivelmente devido à redução do limiarpara excitação dos neurônios. Outro exemplo de agente capaz de aumen-tar a excitabilidade dos neurônios é a estrienina. No entanto, em vezde reduzir o limiar para a excitação dos neurônios, ela inibe a açãode alguns transmissores inibitórios sobre os neurônios, especialmenteos efeitos inibitórios da glicina sobre a medula espinhal. Isto potencializaos efeitos dos transmissores excitatórios, fazendo com que os neurôniosfiquem tão excitados que passam, facilmente, a disparar de forma repeti-tiva, resultando em severos espasmos musculares tônicos.

A maior parte dos anestésicos aumenta o limiar de excitação dasmembranas e, em conseqüência, diminui a transmissão sináptica emmuitos pontos do sistema nervoso. Como a maioria desses anestésicossão lipossolúveis, admite-se que eles possam modificar as característicasfísicas das membranas, tornando-as menos responsivas aos agentes excita-tórios.

Retardo sináptico. O processo da transmissão de um potencial deação do neurônio pré-sináptico para o pós-sináptico demora certo tempo,devido a (1) descarga da substância transmissora pelo terminal pré-si-náptico, (2) difusão do transmissor até a membrana pós-sináptica, (3)ação do transmissor sobre os receptores da membrana, (4) ação do recep-tor para aumentar a permeabilidade da membrana e, (5) influxo desódio, aumentando o potencial pós-sináptico excítatório até valores sufi-cientes para deflagrar o potencial de ação. O mínimo de tempo necessáriopara que todos esses eventos aconteçam, mesmo quando grande númerode sinapses excitatórias está envolvido, é da ordem de 0,5 ms. A issochamamos retardo sináptico. Esse retardo é importante porque os neuro-fisiologistas podem medir o tempo mínimo de retardo entre as descargasde impulsos aferentes e eferentes e, a partir desse dado, estimar o númerode neurônios em série que existem no circuito sob estudo.

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CAPÍTULO 46

Receptores Sensoriais; Circuitos NeuronaisPara o Processamento da Informação

Os sinais que entram no sistema nervoso são provenientesdos receptores sensoriais que detectam estímulos tais como toque,som, luz, dor, frio, calor, e assim por diante. O objetivo destecapítulo é discutir os mecanismos básicos pelos quais esses recep-tores sensoriais transformam os estímulos em sinais nervosose, também, como as informações contidas nesses sinais são pro-cessadas no sistema nervoso.

TIPOS DE RECEPTORES SENSORIAIS E OSESTÍMULOS SENSORIAIS QUE ELES DETECTAM

O Quadro 46.1 apresenta uma lista e classificação da maiorparte dos receptores sensoriais do corpo. Esse quadro mostraque existem basicamente cinco tipos de receptores sensoriais:(1) mecanorreceptores, que detectam a deformação mecânica doreceptor, ou de células adjacentes; (2) termorreceptores, que de-tectam alterações da temperatura, alguns são sensíveis ao frioe outros ao calor; (3) nociceptores (receptores da dor), que detec-tam lesões teciduais, sejam elas físicas ou químicas; (4) receptoreseletromagnéticos, que detectam a luz incidente sobre a retinado olho; e (5) quimiorreceptores, que detectam o gosto, o olfato,o nível de oxigênio no sangue arterial, a osmolalidade dos líquidoscorporais, a concentração de dióxido de carbono, e, talvez, outrosfatores que fazem parte da química do organismo.

Neste capítulo, discutiremos alguns tipos de receptores espe-cíficos, notadamente os mecanorreceptores periféricos, para ilus-trar alguns dos princípios básicos do funcionamento dos recep-tores. Outros receptores serão discutidos juntamente com os siste-mas sensoriais a que pertencem.

A Fig. 46.1 ilustra alguns tipos de mecanorreceptores encon-trados na pele ou em estruturas corporais profundas, e suas res-pectivas funções sensoriais são apresentadas no Quadro 46.1.Todos esses receptores serão analisados nos capítulos seguintes,quando discutirmos os respectivos sistemas sensoriais.

SENSIBILIDADE DIFERENCIAL DOS RECEPTORES

A primeira questão que deve ser respondida é: como doistipos de receptores detectam diferentes tipos de estímulossensoriais? A resposta é: devido às diferentes sensibilidades.Isto é,

cada tipo de receptor é extremamente sensível a determinadotipo de estímulo para o qual foi designado e, além disso, elequase não responde a outros tipos de estímulos sensoriais atuandocom sua intensidade normal. Dessa maneira, os bastonetes econes são muito responsivos à luz, mas praticamente não respon-dem a calor, frio e pressão sobre os globos oculares ou a modifi-cações químicas do sangue. Os osmorreceptores, localizados nosnúcleos supra-ópticos do hipotálamo, respondem a pequeníssimasalterações da osmolalidade dos líquidos corporais, mas nuncase observou que eles sejam capazes de responder ao som. Final-mente, receptores à dor, localizados na pele, dificilmente sãoestimulados por estimulações normais de tato ou pressão, masficam muito ativos no momento que os estímulos táteis têm inten-sidade suficiente para provocar lesão dos tecidos.

Modalidade de sensação — o princípio da "linhamarcada"

Cada um dos principais tipos de sensação que podemos expe-rimentar - dor, toque, visão, som, etc. - é chamado de umamodalidade de sensação. No entanto, apesar do fato de experi-mentarmos essas diferentes modalidades, as fibras nervosas sótransmitem impulsos. Portanto como as diferentes fibras nervosastransmitem as diferentes modalidades de sensação?

A resposta a esta pergunta reside no fato de que cada feixenervoso termina em um ponto específico do sistema nervosocentral, e o tipo de sensação sentida quando uma fibra nervosaé estimulada é determinado pelo ponto para o qual ela se dirigeno sistema nervoso. Por exemplo: se uma fibra da dor é estimu-lada, a pessoa tem a percepção de dor, independentemente doestímulo que tenha excitado a fibra. O estímulo pode ser eletrici-dade, calor, esmagamento ou estimulação dos terminais das fibrassensíveis à dor provocada por lesão tecidual. Da mesma maneira,se uma fibra tátil é estimulada, a partir da excitação de umreceptor tátil por um estímulo elétrico ou de qualquer outrotipo, a pessoa tem a percepção de tato, pois essas fibras terminamem áreas cerebrais específicas para a sensação tátil. De modosemelhante, as fibras provenientes da retina terminam em áreascerebrais visuais, as procedentes do ouvido, em áreas auditivas,e as que estão ligadas à sensibilidade térmica, em áreas cerebraiscorrespondentes à percepção de temperatura.

Essa especificidade das fibras nervosas para só"transmitiremuma modalidade de sensação é denominada princípio da "linhamarcada".

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Quadro 46.1 Classificação dos receptores sensoriais

TRANSDUÇAO DOS ESTÍMULOS SENSORIAIS EMIMPULSOS NERVOSOS

CORRENTES LOCAIS NOS TERMINAIS NERVOSOS- POTENCIAIS RECEPTORES

Todos os receptores sensoriais têm uma coisa em comum:qualquer que seja o tipo de estímulo que excita o receptor, seuefeito imediato é o de alterar o potencial de membrana do recep-tor. Essa alteração no potencial é chamada de potencial do receptor.

Mecanismos dos potenciais dos receptores. Os diferentes tiposde receptores podem ser excitados por várias maneiras, para

Fig. 46.1 Vários tipos de terminações nervosas sensoriais somáticas.

desencadear o aparecimento do potencial do receptor: (1) pordeformação mecânica do receptor, que distende a membranae abre os canais iônicos; (2) pela aplicação de substâncias quími-cas, também abrindo canais iônicos; (3) por alterações da tempe-ratura da membrana, o que leva a modificações de sua permea-bilidade; e (4) pelos efeitos das radiações eletromagnéticas. que,de maneira direta ou indireta, levam a alterações das caracte-rísticas da membrana, permitindo o fluxo iônico por seus canais.Como será visto adiante, essas quatro formas distintas de excita-ção dos receptores correspondem, de modo geral, aos quatrodiferentes tipos de receptores sensoriais. Em todas as situações,a causa básica das alterações do potencial de membrana se devea modificações de permeabilidade da membrana do receptor,que permite que os íons se difundam com maior ou menor facili-dade através da membrana, levando, como conseqüência, a modi-ficações de seu potencial.

A amplitude do potencial receptor. A amplitude máxima damaior parte dos potenciais dos receptores sensoriais é daordem de 100 mV. Essa voltagem corresponde aproximadamenteà mesma voltagem máxima registrada para os potenciais de ação,e também à voltagem obtida quando ocorre a permeabilidademáxima da membrana aos íons sódio.

Relação entre o potencial do receptor e os potenciais de ação.Quando o potencial do receptor atinge um valor acima do limiarde disparo para a fibra nervosa correspondente a esse receptor,tem inicio o aparecimento de potenciais de ação, como está ilus-trado na Fig. 46.2. Note, também, que, quanto mais o potencialdo receptor ultrapassa o valor limiar, maior vai ser a freqüênciados potenciais de ação na fibra correspondente. Dessa maneira,o potencial do receptor estimula a fibra nervosa sensorial damesma forma que o potencial pós-sináptico excitatório estimulao axônio neuronal, nos neurônios do sistema nervoso central.

O potencial receptor do corpúsculo de Pacini -exemplo ilustrativo da função receptora

Neste momento, seria interessante para o leitor reestudara estrutura anatômica do corpúsculo de Pacini, mostrado na Fig.

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Fig. 46.2 Relação típica entre o potencial do receptor e os potenciaisde ação quando o potencial do receptor se eleva acima do nível limiar.

46.1. Note que o corpúsculo tem uma fibra nervosa central quese estende através de sua região central. Essa fibra é envolvidapor camadas múltiplas de cápsulas concêntricas, de tal formaque a compressão externa sobre qualquer ponto do corpúsculoirá alongar, provocar indentação ou, de qualquer outra maneira,deformar a fibra central.

Vamos agora estudar a Fig. 46.3, onde só é mostrada afibra central do corpúsculo de Pacini, uma vez que todas ascamadas capsulares foram removidas por microdissecçáo. A ex-tremidade da fibra central é amielínica, mas se torna mielinizadapouco antes de deixar o corpúsculo para entrar no nervo periféricosensorial.

A figura também ilustra o mecanismo pelo qual o potencialdo receptor é gerado no corpúsculo de Pacini. Observe a pequenaárea do terminal que foi deformada pela compressão do corpús-culo, e note que os canais iônicos se abriram na membrana,permitindo que íons sódio positivamente carregados se difundis-sem para o interior da fibra. Isso leva a aumento da positividadedentro da fibra, que é o potencial do receptor. Por seu lado.o potencial do receptor induz um circuito local de fluxo de corren-te, indicado pelas setas vermelhas, que se espalham ao longoda fibra nervosa. No primeiro nodo de Ranvier, que ainda selocaliza dentro da cápsula do corpúsculo de Pacini, o fluxo decorrente local despolariza o nodo. provocando o disparo de típicospotenciais de ação que são conduzidos ao longo da fibra nervosaem direção ao sistema nervoso central.

Relação entra a intensidade do estímulo e o potencial doreceptor. A Fig. 46.4 ilustra as alterações do potencial do receptorao aumentarmos de forma progressiva a compressão mecânicaaplicada experimentalmente sobre o núcleo central de umcorpúsculo de Pacini. Note que, de início, a amplitude aumentarapidamente, mas esse aumento se torna progressivamente menosrápido à medida que a intensidade do estímulo vai se elevando.

Fig. 46.3 Excitação de uma fibra nervosa sensorial porpotencial do receptor produzido em corpúsculo de Pacini.(Modificado de Loéwens-lein: Ánn. N.Y. Acaà. Sei., 94:510.1961.)

Fig. 46.4 Relação entre a amplitude do potencialreceptor e a intensidade do estímulo aplicado sobreum corpúsculo de Pacini. (De Loewens-tein: Atui.N.Y. Acad. Sei., 94:510, 1961.)

De modo geral, a freqüência dos potenciais de ação repetitivos,provenientes dos receptores sensoríais, aumenta proporcio-nalmente ao aumento do potencial do receptor. Analisando essainformação junto com os dados da Fig. 46.4, podemos verificarque mesmo um estímulo sensorial muito pequeno é capaz deevocar algum sinal sensorial. Por outro lado, a estimulação muitointensa do receptor causa redução progressiva do aumento donúmero de potenciais de ação. Isso é um princípio muito impor-tante, empregado por quase todos os receptores sensoriais. Essapropriedade permite que o receptor seja muito sensível a expe-riências sensoriais fracas, ao mesmo tempo que impede que sejaatingida a freqüência máxima de disparo, a não ser que a expe-riência sensorial seja extrema. Obviamente, isso permite queo receptor tenha uma faixa de resposta extremamente ampla,indo de estímulos muito fracos a muito intensos.

ADAPTAÇÃO DOS RECEPTORES

Uma característica especial dos receptores é o fato de que.após determinado período de tempo, eles se adaptam total ouparcialmente aos estímulos a que são sensíveis, isto é, quandoum estímulo sensorial é aplicado, os receptores respondem, ini-cialmente, com uma freqüência de impulsos muito alta; como passar do tempo, há queda progressiva da freqüência de respos-ta até que, finalmente, muitos deles deixam de responder. AFig. 46.5 mostra curvas de adaptação típicas para certos tipos dereceptores. Note que o corpúsculo de Pacini se adapta de formaextremamente rápida e os receptores pilosos se adaptam em tornode 1 segundo, enquanto os receptores da cápsula articular e dofuso muscular têm adaptação muito lenta.

Além disso, a adaptação é maior em alguns receptoressensoriais que em outros. Os corpúsculos de Pacini, porexemplo, se adaptam até a “extinção” em milésimos desegundo, e os receptores pilosos se adaptam até a extinção em 1segundo ou mais. É provável que, eventualmente, todos os outrosmecanorre-ceptores também se adaptem completamente, masalguns deles necessitam de horas ou dias para que issoaconteça, razão por que são chamados de receptores "não-Lidaptativos".

E provável que alguns mecanorreceptores, quimiorrecep-tores e receptores à dor nunca se adaptem completamente.

Mecanismos de adaptação dos receptores. A adaptação dos

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Fig. 46..5 Adaptação de diferentes tipos de receptores mostrando a adap-tação rápida de alguns receptores e a adaptação lenta de outros.

receptores é uma propriedade individual de cada tipo de receptor,da mesma forma que o desenvolvimento de um potencial doreceptor é próprio para cada tipo de receptor. Podemos citarcomo exemplo os cones e bastonetes da retina do olho, quese adaptam a partir.de modificações da concentração de seuspigmentos fotossensíveis (o que será discutido no Cap. 50).

O tipo de mecanorreceptor mais detalhadamente estudadoquanto à adaptação foi, também, o corpúsculo de Pacini. A adap-tação nesse receptor ocorre de duas maneiras. Primeiro, o corpús-culo de Pacini é uma estrutura viscoelástica, de tal forma que,quando uma força da distorção é subitamente aplicada sobreum lado do corpúsculo, o componente viscoelástico transmitediretamente essa força de modo instantâneo para o mesmo ladodo núcleo central, evocando, assim, o potencial do receptor.Entretanto, o líquido do interior do corpúsculo se redistribuiem centésimos de segundo, de maneira que a pressão se tornaessencialmente igual em todo o seu interior, o que faz com quea pressão seja a mesma sobre todos os pontos da fibra do núcleocentral. Como conseqüência, o potencial receptor não é maisevocado. Assim, o potencial receptor aparece quando se instalaa compressão mas desaparece dentro de fração de segundo, ape-sar da compressão continuar.

A seguir, quando a força de compressão é retirada, ocorremeventos essencialmente inversos. A remoção súbita da distorçãoem um lado do corpúsculo permite a expansão rápida desse lado,causando, novamente, uma distorção correspondente do núcleocentral. Mais uma vez, dentro de milésimos de segundo, a pressãoé equalizada em todo o interior do corpúsculo, e o estímulose torna ineficaz. Entretanto, o distúrbio causado na fibra donúcleo central assinala o término da compressão, da mesma ma-neira que assinalou sua instalação.

O segundo mecanismo de adaptação do corpúsculo de Pacinié muito mais lento que o primeiro e resulta do fenômeno denomi-nado acomodação, que ocorre na própria fibra. Isto é, mesmoque, por acaso, a fibra do núcleo central continue distorcida,o que pode ser conseguido removendo-se a cápsula e compri-mindo-se o núcleo com um estilete, a extremidade da fibra nervo-sa torna-se por si própria "acomodada" ao estímulo. Provavel-mente, isso resulta da "inativação" dos canais de sódio da mem-brana da fibra nervosa, o que indica que o próprio fluxo decorrente através dos canais causa, de alguma maneira, seu fecha-mento, como explicado antes no Cap. 5.

Presume-se que os mesmos mecanismos gerais expostos aci-ma também se apliquem a todos os outros tipos de mecanorre-ceptores. Isto é, parte da acomodação resulta de reajustamentosda própria estrutura do receptor, e parte resulta da acomodação

da fibrila nervosa terminal.Função dos receptores de adaptação lenta — os receptores

"tônicos". Receptores de adaptação lenta são os que, enquantoo estímulo estiver presente, continuam a transmitir impulsos parao cérebro (ou pelo menos durante vários minutos ou horas),Por isso, eles mantêm o cérebro constantemente informado sobrea situação corporal e sua relação com o meio ambiente. Porexemplo: os impulsos provenientes dos fusos musculares e doaparelho tendinoso de Golgi permitem ao sistema nervoso centralsaber o estado de contração muscular e a carga a que o tendãomuscular está sendo submetido a cada instante.

Outros tipos de receptores de adaptação lenta incluem osreceptores da mácula no aparelho vestibular, os receptores dador, os barorreceptores da rede arterial, os quimiorreceptoresdos corpos carotídeos e aórticos e alguns receptores táteis, taiscomo as terminações de Ruffini e os discos de Merkel.

Devido ao fato dos receptores de adaptação lenta seremcapazes de transmitir a informação por muitas horas, eles sãotambém chamados de receptores tônicos. Muitos desses recep-tores se adaptam lentamente até a extinção, se a intensidadese mantiver absolutamente constante por muitas horas ou dias.Felizmente, devido às contínuas modificações de nosso estadocorporal, esses receptores quase nunca atingem o estado de adap-tação completa.

Função dos receptores de adaptação rápida, para detecçãode mudanças na força do estímulo — os "receptores de frequên-cia" ou "receptores de movimento" ou "receptores fásicos".Obviamente os receptores que se adaptam rapidamente nãopodem ser usados para transmitir um sinal contínuo pois eles sósão estimulados quando ocorrem mudanças na potência doestímulo. Esses receptores reagem fortemente enquanto umamudança está, na verdade, começando a se desenvolver. Alémdisso, o número de impulsos transmitidos é diretamenterelacionado com o grau de velocidade com que a mudançaocorre. Por isso, esses receptores são denominados receptores defreqüência, receptores de movimento, ou receptores fásicos.Assim, no caso do corpúsculo de Pacini, uma pressão súbitaaplicada sobre a pele excita esse receptor por algunsmilissegundos e, em seguida, essa excitação acaba, mesmo que apressão continue. No entanto esse receptor é capaz detransmitir novamente o sinal quando a pressão é liberada. Emoutras palavras, o corpúsculo de Pacini é de suma importânciapara a transmissão de informações sobre mudanças rápidas dapressão exercida contra o corpo, mas é inútil para atransmissão de informações acerca de uma pressão constanteaplicada sobre o corpo.

Importância dos receptores de freqüência — sua função deprevisão. Conhecendo-se o grau de velocidade com que vai ocor-rer uma mudança no estado corporal, é possível se prever qualserá a situação do corpo dentro de alguns segundos ou minutos.Por exemplo: os receptores dos canais semicirculares localizadosno aparelho vestibular do ouvido são capazes de detectar o graude velocidade com que a cabeça vai girar quando se faz umacurva. Usando essa informação, a pessoa pode prever quantovai girar nos próximos 2 segundos e, dessa forma, pode ajustaros movimentos dos membros antes do tempo, para não perdero equilíbrio. Da mesma forma, receptores localizados nas articu-lações, ou em suas vizinhanças ajudam a detectar o grau develocidade dos movimentos das diferentes partes do corpo. Porisso, quando se está correndo, as informações provenientes dessesreceptores permitem que o sistema nervoso prejulgue onde esta-rão os pés durante qualquer fração de milissegundo e, com basenesses dados, sinais motores apropriados podem ser transmitidosaos músculos das pernas promovendo as correções de posiçãodos membros de forma antecipada, ò que faz com que a pessoanão caia. A perda dessa função de previsão torna impossívela deambulação.

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AS FIBRAS NERVOSAS QUE TRANSMITEM OS SINAISE SUA CLASSIFICAÇÃO FISIOLÓGICA

Alguns sinais precisam ser transmitidos ao sistema nervoso centralcom rapidez máxima; caso contrário, a informação será inútil. Um exem-plo disso são os sinais sensoriais que chegam ao cérebro informando,durante uma corrida, as posições momentâneas dos membros em cadafração de segundo. Um outro exemplo são os sinais motores enviadosde volta aos músculos a partir do cérebro. Por outro lado, alguns tiposde informação sensorial, tais como a dor contínua, não necessitam sertransmitidos rapidamente, de forma que a transmissão pode ser feitapor meio de fibras com velocidade de condução lenta. Felizmente, temosfibras nervosas com faixa de diâmetro bastante ampla (variando de 0,2a 20,0 µm de diâmetro) — quanto maior o diâmetro, maior a velocidadede condução — com velocidades de condução variando entre 0,5 e 120,0m/s.

A Fig. 46.6 apresenta duas diferentes classificações que são geral-mente usadas para as fibras nervosas. Uma delas é a classificação geral,que inclui tanto fibras sensoriais como motoras, incluindo também asfibras do sistema autonômico. A outra é uma classificação das fibrasnervosas sensoriais, comumente utilizada pelos neurofisiologistas queestudam o sistema sensorial.

Na classificação geral as fibras são divididas nos tipos A e C, eas fibras do tipo A são subdivididas em fibras a, /3, -y e S.

As fibras do tipo A são fibras típicas dos nervos espinhais. As fibrasdo tipo C são fibras de pequeno diâmetro, não-mielinizadas, e conduzemimpulsos com baixa velocidade. Essas fibras constituem mais da metadedas fibras sensoriais na maior parte dos nervos periféricos, e a essegrupo pertencem todas as fibras autonômicas pós-ganglionares.

Os diâmetros, velocidades de condução e funções dos diferentestipos de fibras nervosas estão apresentados na Fig. 46.6. Note que umaspoucas fibras de grande diâmetro são capazes de conduzir impulsos comvelocidades de até 120,0 m/s, significando que o sinal poderia percorrerem 1 segundo distância maior que a de um campo de futebol. Por outrolado, as fibras de menor diâmetro conduzem impulsos com velocidadesmuito lentas (até em torno de 0,5 m/s), com o sinal demorando cercade 2 segundos para ir da ponta do dedo grande do pé até a medulaespinhal.

Classificação alternativa usada pelos fisiologistas que estudam o siste-ma sensorial. Certas técnicas de registro tornaram possível separar asfibras do tipo Aa em dois subgrupos; entretanto, essas mesmas técnicasnão permitem distinção fácil entre as fibras A/3 e A-y. Por isso, os fisiolo-gistas que estudam o sistema sensorial passaram a usar freqüentementea seguinte classificação:

Grupo Ia. Fibras das terminações anuloespirais dos fusos musculares(diâmetro médio de 17 µm; essas fibras são do tipo Aa na classificaçãogeral).

Grupo Ib. Fibras dos órgãos tendinosos de Golgi (diâmetro médiode 16 µm; essas fibras também são do tipo Aa.

Grupo II. Fibras dos receptores táteis cutâneos isolados e das termi-nações em buque dos fusos musculares (diâmetro médio de 8 µm; essasfibras são do tipo A/3 e A-y na classificação geral).

Grupo III. Fibras que conduzem as sensações de temperatura, detato grosseiro e de dor aguda (diâmetro médio de 3 µm; essas fibrassão do tipo AO na classificação geral).

Grupo IV. Fibras não-mielinízadas, que conduzem as sensações dedor, prurido, temperatura e tato grosseiro (diâmetro de 0,5 a 2,0 µm;são fibras do tipo C na classificação geral).

Fig. 46.6 Classificação fisiológica e funções das fibras nervosas.

TRANSMISSÃO DE SINAIS DE DIFERENTESINTENSIDADES PELOS FEIXES NERVOSOS -SOMAÇÃO TEMPORAL E ESPACIAL

A intensidade de um sinal é uma das características quetem que ser sempre conhecida, como, por exemplo, a intensidadeda dor. As diferentes gradações de intensidade podem ser trans-mitidas utilizando-se número maior de fibras paralelas ou envian-do-se maior número de impulsos por uma só fibra. Esses doismecanismos são chamados, respectivamente, de somação espaciale somação temporal.

A Fig. 46.7 ilustra o fenômeno da somação espacial emque o aumento da intensidade do sinal é transmitido pela utiliza-ção de um número progressivamente maior de fibras. Essa figura

Fig. 46.7 Padrão de estimulação das fibras, de dor de feixe nervoso,conduzindo a informação dolorosa de área cutânea, picada por um alfine-te. Este é um exemplo de somação espacial.

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mostra uma secção de pele inervada, em paralelo, por um grandenúmero de fibras nervosas sensíveis à dor. Cada uma dessasfibras se arboriza em centenas de terminações nervosas livresque funcionam como receptores para a dor. Os ramos da arbori-zação de cada uma das fibras que levam a informação dolorosacobrem freqüentemente uma área que chega a atingir 5 cm dediâmetro, e essa área é chamada de campo receptivo dessa fibra.O número de terminações é grande no centro do campo, masdiminui na periferia. A figura também mostra que as arborizaçõesse superpõem entre si. Por isso, um estímulo puntiforme aplicadoapele excita, simultaneamente, terminações de várias fibras sensí-veis à dor. No entanto, quando a espetadela ocorre no centrodo campo receptivo de uma determinada fibra sensível à dor,o grau de estimulação dessa fibra é muito maior do que quandoo estímulo é aplicado na periferia de seu campo.

Na parte inferior da Fig. 46.7 estão representadas, em secçãotransversa do feixe nervoso proveniente da pele, as fibras queconduzem o estímulo doloroso cm três diferentes situações. Aesquerda, é mostrado o efeito de um estímulo fraco, com umasó fibra respondendo fortemente (representado pela fibra cheia),enquanto várias fibras adjacentes são fracamente estimuladas(representadas por fibras cheias pela metade). As duas outrasrepresentações mostram, respectivamente, os efeitos de estímulosmoderados (no meio) e fortes (à direita), em que se verificao aumento progressivo do número de fibras estimuladas. Assim,os sinais mais fortes se espalham por mais e mais fibras. Esseé o fenômeno da somação espacial.

Outra maneira de se transmitir sinais de maior intensidadeé aumentar a freqüência dos impulsos nervosos em cada fibra,que é chamado de somação temporal. A Fig. 46.8 ilustra essefenômeno mostrando, na parte superior, as modificações de in-tensidade do sinal e, na parte inferior, o número de impulsosconduzidos pela fibra.

TRANSMISSÃO E PROCESSAMENTO DE SINAIS EMGRUPAMENTOS NEURONAIS

O sistema nervoso central é constituído por centenas oumesmo milhares de grupamentos neuronais distintos, alguns delescontendo poucos neurônios enquanto outros podem conter umnúmero muito grande. O córtex cerebral pode ser consideradocomo um só e imenso grupamento neuronal, como também podeser considerado como contendo grande número de grupamentosmenores, cada um executando suas funções separadamente. Ou-tros grupamentos neuronais incluem os diferentes gânglios basais.

Fig. 46..8 Translação da intensidade do sinal em série de impulsos nervo-sos, com freqüência modulada, mostrando acima a intensidade do sinale abaixo os impulsos nervosos separados. Este é um exemplo de somaçãotemporal.

os núcleos específicos no tálamo e no cerebelo, no mesencéfalo,na ponte e no bulbo. A substância cinzenta dorsal da medulaespinhal também pode ser considerada como outro longo grupa-mento neuronal, distinto do grupamento neuronal correspon-dente à substância cinzenta ventral.

Cada grupamento tem suas características especiais de orga-nização que fazem com que ele processe os sinais à sua própriamaneira, e é isso que possibilita ao sistema nervoso executara grande variedade de funções de que ele é capaz. Entretanto,apesar das diferenças de função, os grupamentos também têmmuitos princípios semelhantes em seu funcionamento, como serádescrito nas páginas seguintes.

A TROCA DE SINAIS DENTRO DOSGRUPAMENTOS NEURONAIS

Organização de neurônios para a troca de sinais. A Fig.46.9 é um diagrama esquemático de vários neurônios de umgrupamento neuronal, mostrando as fibras de "entrada" à esquer-da e as fibras de saída à direita. Cada fibra de entrada dá centenasou milhares de ramos, com uma média de mil ou mais terminaisque se espalham sobre uma grande área, fazendo grande númerode sinapses com os dendritos ou corpos celulares dos neurôniosno grupamento. Os dendritos também se arborizam, habitual-mente , por centenas ou milhares de micrómetros dentro do grupa-mento. A área nervosa estimulada por essas fibras nervosas quechegam é denominada campo estimulatório. Note que grandenúmero de terminais de cada fibra de entrada se localiza sobreo neurônio central de seu campo, mas os neurônios mais afastadosdo centro do campo recebem um número progressivamente me-nor de terminais.

Estímulos limiares e subliminares - facilitação. Relembrandoa discussão da função sináptica feita no capítulo anterior, chama-mos atenção para o fato de que a descarga de um só terminalpré-sináptico excitatório dificilmente estimula o neurônio pós-sináptico. Em vez disso, para causar a excitação de um neurônio,é necessária a descarga de grande número de terminais sobre ele,tanto simultaneamente como em rápida sucessão. Tomemos co-mo exemplo a Fig. 46.9 e vamos considerar que, para a excitação

Fig. 46.9 Organização básica de um grupamentoneuronal

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de qualquer um dos neurônios, é necessário que seis terminaisdistintos descarreguem simultaneamente. Se contarmos o númerode terminais sobre cada um dos neurônios, proveniente de cadauma das fibras de entrada, observaremos que a fibra 1 tem termi-nais mais que suficientes para causar o disparo do neurônio a.Por isso, o estimulo da fibra de entrada 1 é denominado estimuloexcitatório para o neurônio a. Ele é também chamado de estímulosupralimiar, porque está acima do limiar requerido para a exci-tação.

A fibra de entrada 1 também fornece terminais para os neu-rônios b e c, mas não em número suficiente para causar excitação.No entanto, a descarga desses terminais torna ambos os neurôniosmais excitáveis para sinais provenientes de outras fibras aferentes.Por isso, o estímulo para esses neurônios é chamado sublimiar,e dizemos que os neurônios estão facilitados.

De modo semelhante, o estímulo proveniente da fibra deentrada 2 para o neurônio d é um estímulo supralimiar e, paraos neurônios b e c,é sublimiar, mas os neurônios ficamfacilitados.

Deve-se levar em conta que a Fig. 46.9 representa umaversão altamente condensada de um grupamento neuronal, umavez que cada fibra nervosa de entrada fornece terminais paracentenas ou milhares de neurônios separados, localizados emseu campo de distribuição, conforme ilustrado na Fig. 46.10. Naparte central do campo, identificada na Fig. 46.10 pela áreacircular escurecida, quase todos os neurônios são estimuladospelas fibras aferentes. Por esse motivo, essa área é denominadazona de descarga das fibras aferentes, também chamada de zonaexcitada ou zona limiar. Em ambos os lados dessa área, os neurô-nios estão facilitados, mas não excitados, e as regiões correspon-dentes são denominadas zonas facilitadas, também chamadas dezonas sublimiares.

Inibição de grupamentos neuronais. Devemos nos lembrarque algumas fibras aferentes inibem os neurônios, em lugar deexcitá-los. Isso é exatamente o oposto da facilitação, e todo ocampo coberto pelas ramificações inibitórias e denominado zonainibitória. Devido ao grande número de terminações centrais,o grau de inibição no centro dessa zona é muito grande, tornan-do-se progressivamente menor à medida que se avança para aperiferia.

Divergência de sinais que passam por grupamentosneuronais

É sempre importante para os sinais que entram em um grupa-mento neuronal excitar o maior número possível de fibras queirão sair do grupamento. Esse fenômeno é chamado de divergên-cia. Há dois tipos principais de divergência, com objetivos com-pletamente diferentes:

A divergência de amplificação é ilustrada na Fig. 46.11A,onde é mostrado que um sinal de entrada se espalha por númeroprogressivamente maior de neurônios à medida que ele passaao longo de sucessivas junções neuronais em seu trajeto. Essetipo de divergência é característico da via corticoespinhal emseu controle sobre a contração dos músculos esqueléticos, emque uma só célula piramidal no córtex motor é capaz de, sob

Fig. 46..10 Zonas de "descarga" e "facilitada" de uma rede neuronal

Fig. 46..11 “Divergência”em vias neuronais. A, Divergência dentro deuma via ocasionando a "amplificação" do sinal. D, Divergência paramúltiplos feixes para transmitir o sinal a áreas distintas.

condições apropriadas, excitar até 10.000 fibras musculares.O segundo tipo de divergência, ilustrado na Fig. 46.UB, é

denominado divergência para feixes múltiplos. Nesse caso, o sinalé transmitido, a partir do grupamento neuronal, em duas oumais direções. Por exemplo, a informação transmitida pelascolunas dorsais da medula espinhal toma dois caminhos na parteinferior do cérebro: (1) para o cerebelo e (2) atravessando asregiões cerebrais inferiores, para o tálamo e córtex cerebral.De forma semelhante, quase toda a informação sensorial no tála-mo é dirigida tanto para estruturas profundas do tálamo comopara regiões distintas do córtex cerebral.

Convergência de sinais

"Convergência" quer dizer que sinais provenientes de váriasfontes de entrada convergem para excitar um só neurônio. A Fig.46.12A mostra a convergência a partir de fonte única. Isto é,múltiplos terminais provenientes de um só feixe aferente termi-nam sobre o mesmo neurônio. A importância desse tipo de con-vergência reside no fato de que os neurônios raramente são excita-dos por um potencial de ação proveniente de um só terminalaferente. Entretanto, potenciais de ação provenientes de múlti-plos terminais aferentes causarão "somação espacial" suficientepara levar os neurônios até o nível de excitabilidade requeridopara disparar.

No entanto, a convergência também pode resultar de sinaisaferentes (excitatórios ou inibitórios) originários de fontes múlti-

Fig. 46..12 Convergência de múltiplas fibras aferentes sobre um úniconeurônio. A, Fibras aferentes de uma única fonte. B, Fibras aferentesde múltiplas fontes,

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plas, como ilustrado na Fig. 46.12B. Por exemplo, os interneu-rônios da medula espinhal recebem sinais convergentes (1) dasfibras nervosas periféricas que entram na medula, (2) das fibrasproprioespinhais que passam de um segmento da medula paraoutro, (3) das fibras corticoespinhais provenientes do córtex cere-bral, e (4) de várias outras vias longas descendentes, provenientesdo cérebro em direção à medula espinhal. A seguir, os sinaisdos interneurônios convergem para os motoneurônios, locali-zados na ponta anterior da medula, que controlam a funçãomuscular.

Tal convergência permite a somação de informaçõesproveniente de fontes diferentes, e a resposta resultante é oefeito da soma de todas as informações que chegam. Por isso, aconvergência é, obviamente, um dos meios importantespelos quais o sistema nervoso central correlaciona, soma eseleciona os diferentes tipos de informação.

Circuitos neuronais causando sinais de saída tantoexcitatórios quanto inibitórios

Algumas vezes, o sinal que chega a um grupamento neuronalprovoca um sinal de saída excitatório em determinada direçãoe, ao mesmo tempo, um sinal inibitório dirigido para outro local.Por exemplo, ao mesmo tempo que um sinal excitatório é trans-mitido para um grupo de neurônios da medula espinhal quecomanda o movimento de uma perna para a frente, um sinalinibitório é transmitido através de outro grupo neuronal, no sen-tido de inibir a estimulação dos músculos posteriores da perna,de modo a não haver oposição ao movimento para a frente.Esse tipo de circuito é característico do controle de todos ospares de músculos antagonistas e é denominado circuito de inibi-ção recíproca.

A Fig. 46.13 ilusta a forma pela qual essa inibição é feita.A fibra aferente excita diretamente a via de saída excitatória,mas estimula um neurônio inibitório intermediário (neurônio 2),que, por sua vez, inibe a segunda via de saída do grupamentoneuronal. Esse tipo de circuito também é importante na preven-ção de hiperatividade em muitas áreas cerebrais.

PROLONGAMENTO DE UM SINAL POR UMGRUPAMENTO NEURONAL — 'PÓS-DESCARGA"

Até o momento, consideramos apenas os sinais que são trans-mitidos de forma instantânea através dos grupamentos neuronais.No entanto, em alguns casos, o sinal que entra em um grupamentoprovoca descarga de saída prolongada, chamada pós-descarga,que continua mesmo quando o sinal aferente acaba e tem duraçãoque varia entre alguns milissegundos e vários minutos. Os doismais importantes mecanismos pelos quais ocorre a pós-descargasão os seguintes:

Pós-descarga sináptica. Quando as sinapses excitatórias dis-param sobre as superfícies dos dendritos ou do soma do neurônio,aparece um potencial pós-sináptico no neurônio que dura muitosmilissegundos, principalmente quando estão envolvidos algunstransmissores sinápticos de efeito prolongado. Esse potencial con-

tinua a excitar o neurônio enquanto estiver existindo, causandoa transmissão de uma série continuada de impulsos de saída,como explicado no capítulo anterior. Assim, como resultado ape-nas desse mecanismo de "pós-descarga" sináptica, é possível queum só sinal aferente instantâneo cause um sinal de saída susten-tado (uma série de descargas repetitivas) que dura por muitosmilissegundos.

Os circuitos reverberativos (oscilatórios) como uma causada prolongação de sinais. Um dos circuitos mais importantesem todo o sistema nervoso é o circuito reverberativo ou oscilatório.Tais circuitos são causados por feedback positivo dentro da redeneuronal. Isto é, a saída de uma rede neuronal atua de formaexcitatória sobre a entrada do mesmo circuito. Em conseqüência,o circuito, uma vez estimulado, dispara repetitivamente por longotempo.

Na Fig. 46.14 estão ilustradas muitas variedades possíveisde circuitos reverberativos, o mais simples deles — na Fig. 46.14A-envolvendo apenas um só neurônio. Nesse caso, o neurônio desaída envia uma fibra nervosa colateral de volta aos seuspróprios dendritos ou soma, estimulando a si mesmo. Por isso,uma vez que ocorra o disparo do neurônio, a própria descargaaluaria como estímulos de feedback que ajudariam a mantê-lodisparando por longo tempo após o término do estímulo.

A Fig. 46.14B ilustra a inclusão de mais alguns neurôniosno circuito de feedback, o que aumenta o período de tempoentre a descarga inicial e o sinal do feedback. A Fig. 46.14Cilustra um sistema ainda mais complexo em que fibras excitatóriase inibitórias atuam sobre o circuito reverberativo. Um sinal facili-tatório aumenta a intensidade e freqüência da reverberação, en-quanto o sinal inibitório diminui a reverberação ou a bloqueiapor completo.

A Fig. 46.14D ilustra que a maior parte das vias reverbe-rativas são constituídas por muitas fibras paralelas e que, em

Fig. 46.13 Circuito inibitório. O neurônio n.° 2 é inibitório. Fig. 46..14 Circuitos reverberativos de complexidade crescente.

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cada "estação" celular, as fibrilas terminais se difundem ampla-mente. Em tal sistema, o sinal total de reverberação pode sertanto fraco como forte, dependendo da quantidade de fibrasnervosas paralelas momentaneamente envolvidas no processo dereverberação.

Características do prolongamento de sinais provenientes decircuitos reverberativos. A Fig. 46.15 ilustra sinais de saída de umcircuito reverberativo típico. Enquanto o estímulo de entradanecessário é da ordem de apenas 1 ms, o sinal de saída duravários milissegundos ou até minutos. A figura demonstra quea intensidade do sinal de saída é normalmente alta no inícioda reverberação, com diminuição progressiva até um valor críticoquando, então, de maneira abrupta, o sinal cessa totalmente.A causa dessa cessação abrupta da reverberação é a fadiga deuma ou mais junções sinápticas no circuito. Ultrapassando umnível crítico, a fadiga diminui a estimulação do neurônio seguinteno circuito até um nível abaixo do limiar, provocando quebrado processo de reverberação. Obviamente, a duração do sinal,antes de cessar, também pode ser controlada por sinais prove-nientes de outras partes do cérebro, que inibem ou facilitamo circuito.

Quase todos esses modelos exatos de sinais de saída foramregistrados em nervos motores que excitam um músculo envol-vido no reflexo flexor, resultante da estimulação dolorosa dopé (como ilustrado adiante na Fig. 46.18).

Sinais de saída contínuos em circuitos neuronais

Alguns circuitos neuronais emitem sinais de saída continua-mente, mesmo sem sinais de entrada excitatórios. Esse efeitopode ser provocado por, pelo menos, dois diferentes mecanismos:(1) descarga neuronal intrínseca e (2) sinais reverberativos contí-nuos.

Descarga contínua causada por excitabilidade neuronalintrínseca. Os neurônios, como outros tecidos excitáveis,disparam repetitivamente quando seus potenciais de membranaultrapassam os valores dos potenciais limiares. Em muitosneurônios, os potenciais de membrana já são normalmenteelevados, com valores capazes de fazer com que eles disparemcontinuamente. Isso ocorre especialmente em grande número deneurônios do cerebelo, como também na maioria dosinterneurônios da medula espinhal. A freqüência com que essascélulas emitem impulsos pode ser aumentada por sinaisfacilitatórios ou diminuída por sinais inibitórios, estes últimospodendo até causar a extinção dos sinais de saída.

Sinais contínuos emitidos a partir de circuitos reverberativoscomo modo de transmitir informações. Obviamente, um circuitoreverberativo onde não ocorra a fadiga até a extinção tambémpode ser fonte de impulsos contínuos. Nesse caso, impulsos facili-tatórios que entrem no grupamento de reverberação podem au-mentar o sinal de saída, enquanto a inibição pode diminuir ou

Fig. 46..16 Atividade contínua de um circuito reverberativo ou de grupode neurônios com descarga intrínseca. Esta figura mostra também oefeito de sinais aferentes excitatórios ou inibitórios.

até extinguir o sinal.A Fig. 46.16 mostra um sinal de saída contínuo em um

grupamento neuronal, sejam os impulsos causados por uma exci-tabilidade neuronal intrínseca ou resultado de reverberação. Noteque um sinal de entrada excitatório (ou facilitatório) aumentaacentuadamente o sinal de saída, enquanto um sinal de entradainibitório causa efeito inverso no sinal de saída. Os leitores fami-liarizados com radiotransmissores reconhecerão essa transmissãode informação como sendo do tipo onda carreadora, isto é, ossinais de controle excitatórios ou inibitórios não são a causado sinal de saída, mas o controlam. Note que esse sistema deonda carreadora permite tanto a diminuição como o aumentona intensidade do sinal, enquanto, até o momento, os tipos detransmissão de informação que discutimos têm sido apenas infor-mações positivas, em lugar de informações negativas. Esse tipode transmissão de informação é usado pelo sistema nervoso auto-nômico para controlar algumas funções tais como tônus vascular,tônus intestinal, grau de constrição da íris, batimentos cardíacos,e outros.

SINAIS DE SAÍDA RÍTMICOS

Muitos circuitos neuronais emitem sinais de saída rítmicoscomo, por exemplo, os sinais rítmicos respiratórios originadosna substância reticular do bulbo e ponte. Esse sinal repetitivo

Fig. 46.15 Padrão típico do sinal eferente produzido por circuito rever-berativo após receber um único estímulo, mostrando os efeitos da facilita-ção e da inibição.

Fig. 46..17 A eferência rítmica do centro respiratório mostrando queuma estimulação progressivamente crescente do corpo carotídeo aumentatanto a intensidade como a freqüência de oscilação.

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rítmico continua durante toda a vida do indivíduo, enquantooutros sinais rítmicos, tais como os que causam os movimentosde coçar, executados pelos membros posteriores de cães, ou osmovimentos de marcha de um animal, necessitam de estímulosaferentes para os respectivos circuitos para que os sinais possamser iniciados.

Em estudos experimentais já realizados foi verificado quequase todos os sinais rítmicos são resultantes de circuitos reverbe-rativos, simples ou sucessivos, que produzem sinais excitatóriosou inibitórios para os circuitos a seguir.

Obviamente, os sinais facilitatórios ou inibitórios são capazesde afetar os sinais de saída rítmicos da mesma maneira comoafetam os sinais de saída contínuos. A Fig. 46.17, por exemplo,ilustra os sinais rítmicos respiratórios do nervo frênico. No entan-to, quando o corpúsculo carotídeo é estimulado pela deficiênciade oxigênio arterial, ocorre aumento progressivo tanto da ampli-tude como da freqüência do padrão do sinal rítmico.

Fig. 46. 18 Reflexos flexores sucessivos ilustrando a fadiga dacondução pela via reflexa.

INSTABILIDADE E ESTABILIDADE DOSCIRCUITOS NEURONAIS

Quase todas as áreas cerebrais se conectam direta ou indire-tamente com todas as outras, e isso cria sério problema. Se aprimeira área excita a segunda, a segunda excita a terceira, esta,a quarta, e assim por diante, ate que, finalmente, o sinal desaída do final da cadeia reexcita a primeira área, é óbvio queum sinal excitatório entrando em qualquer área cerebral desenca-dearia um ciclo contínuo de reexcitação de todas as outras partes.Caso isso ocorresse, o cérebro ficaria inundado por grande núme-ro de sinais reverberativos incontrolados. Esses sinais, apesarde não estarem transmitindo qualquer informação estariam con-sumindo os circuitos cerebrais, de tal forma que nenhum dossinais informacionais poderia ser transmitido. Esse efeito apare-ce, por exemplo, em amplas áreas cerebrais durante as convulsõesepilépticas.

Como o sistema nervoso central se previne contra esse tipode atividade durante todo o tempo? A resposta parece envolverdois mecanismos básicos, que funcionam em todo o sistema ner-voso central: (1) circuitos inibitórios e (2) fadiga das sinapses.

Circuitos inibitórios como mecanismo para aestabilização da função do sistema nervoso central

Há dois tipos de circuitos inibitórios, distribuídos por váriasáreas cerebrais, que auxiliam na prevenção do alastramento ex-cessivo de sinais: (1) circuitos de feedhack inibitório que retornamdos terminais das vias para os neurônios excitatórios localizadosno início das mesmas vias – esses circuitos existem, conseqüê-mente, em todas as vias nervosas sensoriais, e inibem os neurôniosde entrada quando os terminais ficam hiperexcitados. (2) Algunsgrupamentos neuronais que exercem controle inibitório grosseirosobre amplas áreas cerebrais – como exemplo temos vários gân-glios basais exercendo influências inibitórias sobre o sistema decontrole motor.

Fadiga sináptica como meio de estabilização do sistemanervoso

Fadiga sináptica quer dizer simplesmente que a transmissãosináptica se torna progressivamente mais fraca à medida quese prolonga o período de excitação. A Fig. 46.18 ilustra trêsregistros sucessivos de um reflexo flexor desencadeado em ani-

mal, causado por estímulo doloroso na planta da pata. Note,em cada registro, que há um “decremento” progressivo dacontração, isto é, sua força diminui; acredita-se que isso ocorradevido à fadiga das sinapses no circuito do reflexo flexor. Alémdisso, quanto menor o intervalo entre os reflexos flexoressucessivos, menor a intensidade da resposta flexorasubseqüente. Assim, a sensibilidade da maior parte doscircuitos neuronais se toma deprimida quando sãosuperutilizados.

Ajuste automático rápido da sensibilidade de uma via pelomecanismo de fadiga. Vamos agora aplicar o fenômeno da fadigaàs múltiplas vias cerebrais. As vias superutilizadas tornam-se nor-malmente fatigadas e, em conseqüência, terão sua sensibilidadereduzida. Por outro lado, as que estão subutilizadas estarão emrepouso, e terão sua sensibilidade aumentada. Assim, a fadigae a recuperação da fadiga constituem um meio importante demoderação, a curto prazo, da sensibilidade de diferentes circuitosno sistema nervoso, ajudando a mantê-los operando em umafaixa de sensibilidade que permita seu funcionamento eficaz.

Mudanças a longo prazo da sensibilidade sináptica causadaspela regulação automática, para baixo ou para cima, dos recep-tores sinópticos. Foi verificado recentemente que a sensibilidadedas sinapses poderia ser profundamente modificada a longo prazopela diminuição do número de proteínas receptoras nos locaissinápticos onde há superatividade, bem como aumento dos recep-tores onde há subatividade. O mecanismo para que isso aconteçaparece ser o seguinte: as proteínas receptoras são constantementeformadas pelo sistema retículo endoplásmico-aparelho de Golgi,e são continuamente inseridas na membrana sináptica. No entan-to, quando a sinapse é superutilizada e excessos de substânciatransmissora se combinam com as proteínas receptoras, muitasdessas proteínas são permanentemente inativadas e, presumi-velmente, removidas da membrana sináptica. Isso é especial-mente verdadeiro quando algumas das substâncias transmissoras“moduladoras” são liberadas nas sinapses.

Felizmente, a fadiga e a diminuição ou aumento dos receptores, bem como outros mecanismos de controle do sistema ner-voso, ajustam continuamente a sensibilidade de cada circuitoa um nível quase exatamente igual ao que é requerido para ofuncionamento adequado. Pense por um momento, em comoseria problemático se apenas uns poucos circuitos tivessem suasensibilidades anormalmente altas; poderíamos ter espasmosmusculares contínuos, convulsões, distúrbios psicóticos, alucina-ções, tensão e muitas outras perturbações nervosas. Entretantoos controles automáticos normalmente reajustam as sensibili-dades dos circuitos até uma faixa controlável de reatividadecada momento em que eles se tornam muito ativos ou muitodeprimidos.

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CAPÍTULO 47

Sensações Somáticas: I. Organização Geral;os Sentidos Tátil e de Posição

Os sentidos somáticos são os mecanismos nervosos que cole-tam as informações sensonais provenientes do corpo. Esses senti-dos diferem dos chamados sentidos especiais, que se referem,especificamente, a visão, audição, olfação, gustação e equilíbrio.

CLASSIFICAÇÃO DOS SENTIDOS SOMÁTICOS

Os sentidos somáticos podem ser classificados em três dife-rentes tipos fisiológicos: (1) Os sentidos somáticos mecanorre-cepúvos, que incluem as sensações táteis e de posição, que sãosensações estimuladas por deslocamento mecânico de alguns teci-dos corporais, (2) os sentidos termorreceptivos, que detectamcalor e frio, e (3) o sentido da dor, que é ativado por qualquerfator capaz de levar à lesão tecidual. Neste capítulo, vamos discutiros sentidos mecanorreceptivos táteis e de posição e, no capítuloseguinte, serão discutidos os sentidos termorreceptivo e doloroso.

Os sentidos táteis incluem os sentidos de toque, pressão,vibração e cócegas, e os sentidos de posição incluem os sentidosde posição estática e de velocidade de movimento.Outrasclassificações das sensações somáticas. Muitas vezes, as sensaçõessomáticas são grupadas a outras classes de sensações que não sãonecessariamente mutuamente exclusivas, como se segue.

Sensações exterorreceptivas são as provenientes da superfície corpo-ral . Sensações propriocepúvas são as relacionadas ao estado físico corpo-ral, estando aí incluídas as sensações de posição, as sensações dos múscu-los e tendões, as sensações de pressão provenientes de áreas profundasdos pés e até mesmo a sensação de equilíbrio, que é geralmente conside-rada como sensação "especial", em lugar de sensação somática.

Sensações viscerais são as provenientes das vísceras corporais. Emgeral, a utilização deste termo se refere especificamente às sensaçõesprovenientes dos órgãos internos.

As sensações profundas são as provenientes dos tecidos profundos,tais como faseias, músculos, ossos, e outras. Nessas sensações estãoincluídas, principalmente, a pressão "profunda", a dor e a vibração.

DETECÇÃO E TRANSMISSÃO DAS SENSAÇÕESTÁTEIS

Inter-relação entre as sensações táteis de toque, pressão evibração. Apesar de serem freqüentemente classificadas comosensações distintas, tanto o toque como a pressão e a vibraçãosão detectados pelos mesmos tipos de receptores. Entre essassensações só há três diferenças: (1) a sensação de toque resulta

da estimulação de receptores táteis localizados na pele ou emtecidos imediatamente abaixo dela; (2) a sensação de pressãoresulta geralmente da estimulação de tecidos mais profundos;(3) a sensação de vibração resulta de sinais sensoriais rapidamenterepetitivos, mas são utilizados alguns dos mesmos tipos de recep-tores usados para a detecção de toque e pressão - especifi-camente os receptores que se adaptam muito rapidamente.

Os receptores táteis. São conhecidos pelo menos seis tiposinteiramente diferentes de receptores táteis, mas há muitos outrostipos semelhantes a eles. Alguns desses receptores foram ilustra-dos na Fig. 46.1, e suas características especiais são as seguintes:

Primeiro, as terminações nervosas livres, que são encontradasem toda a pele e em muitos outros tecidos, podem detectartoque e pressão. Como exemplo, podemos citar as sensaçõesde toque c pressão provocadas pelo contato suave com a córneado olho, apesar dessa estrutura não ter outras terminações nervo-sas além das terminações nervosas livres. Segundo, umreceptor de toque de sensibilidade especial é o corpúsculo deMeissner, uma terminação nervosa encapsulada alongada queexcita uma fibra nervosa sensorial de grande diâmetro (tipo A/3).Dentro da cápsula há várias espirais de filamentos nervososterminais. Esses receptores estão presentes na pele que nãopossui pêlos (a chamada pele glabra) e são particularmenteabundantes nas pontas dos dedos, nos lábios e em outras áreasda pele onde está altamente desenvolvida a capacidade de discer-nir as características espaciais das sensações de toque. Os corpús-culos de Meissner se adaptam em fração de segundo após seremestimulados, o que indica que são particularmente sensíveis aomovimento de objetos muito leves sobre a superfície da pelee, também, a vibrações de baixa freqüência. Terceiro, a pontados dedos e outras áreas que contêm os corpúsculos de Meissnertambém contêm grande número de receptores táteis de pontaexpandida, o tipo a que pertencem os discos de Merkel,ilustrados na Fig. 47.1. A parte pilosa da pele também contémuma quantidade moderada de receptores de ponta expandida,apesar de praticamente não serem encontrados nesses locais oscorpúsculos de Meissner. Esses receptores diferem doscorpúsculos de Meissner pelo fato de transmitirem um sinalinicialmente forte, mas que se adapta parcialmente, ao qual sesegue um sinal contínuo mais fraco, de adaptação muito lenta.Por isso, eles são responsáveis pelo fornecimento de sinais desituações estacionárias, que permitem a detecção do toque conti-nuado de objetos sobre a pele. Os discos de Merkel se grupamformando um só órgão receptor, denominado receptor de cúpula

que se projeta para cima, contra a face interna do epitélio da pele,como também ilustrado na Fig. 47.1. Isso faz com que, nesseponto, o epitélio se projete para fora, criando, então, uma cúpula,e constituindo um receptor extremamente sensível. Note,também, que todo o grupo de discos de Merkel é inervado poruma só fibra nervosa, do tipo mielínica, de grande diâmetro(tipo A/3). Esses receptores, junto com os corpúsculos de Meiss-ner discutidos acima, têm papéis extremamente importantes nalocalização das sensações de toque sobre áreas superficiais especí-ficas do corpo, bem como na determinação da textura do que

está sendo sentido.Quarto, o movimento suave de qualquer pêlo do corpo esti-

mula a fibra nervosa que está entrelaçada em sua base. Assim,cada pêlo tem sua fibra nervosa basal, denominada órgão pilosoterminal, que também é um receptor de toque. Esse receptorse adapta facilmente e, da mesma forma que os corpúsculosde Meissner, detecta principalmente os movimentos de objetossobre a superfície corporal, ou o contato inicial com o corpo.

Quinto, localizados nas camadas mais profundas da pelee também nos tecidos mais profundos estão os órgãos terminais

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de Ruffini, que são terminações encapsuladas e com muitas ramifi-cações, conforme ilustrado no capítulo anterior. Essas termina-ções se adaptam muito pouco e, por isso, são importantes paraa detecção de estados de deformação continuada da pele e dostecidos mais profundos, tais como os sinais de toque e de pressãomais fortes e contínuos. Eles também estão localizados nas cápsu-las articulares e ajudam a sinalizar o grau de rotação da articu-lação.

Sexto, os corpúsculos de Pacini, que foram discutidos deta-lhadamente no Cap. 46, que se situam imediatamente abaixoda pele e também em regiões mais profundas, nas faseias teciduaisdo corpo. Eles só são estimulados por movimentos muito rápidosdos tecidos, pois se adaptam em centésimos de segundo. Porisso, eles são particularmente importantes para a detecção davibração dos tecidos ou de outras modificações extremamenterápidas do estado mecânico tecidual.

Transmissão das sensações táteis nas fibras nervosasperiféricas. Quase todos os receptores sensoriaisespecializados, tais como os corpúsculos de Meissner, receptoresde cúpula de Iggo, receptores pilosos, corpúsculos de Pacini eterminações de Ruffini transmitem seus sinais pelas fibrasnervosas do tipo A/3, que têm velocidade de condução entre30 e 70 m/s. Por outro lado, as terminações nervosas livres tátil-

Fig. 47.1 O receptor em cúpula de Iggo. Observe os inúmerosdiscos de Merkel inervados por uma única fibra mielinizadacalibrosa e localizados abaixo da superfície do epitélio.(Extraído de Iggo e Muir: J. Physiol, 200:76?>, 1969.)

-

DETECÇÃO DA VIBRAÇÃO

Todos os diferentes receptores táteis estão envolvidos nadetecção da vibração, apesar dos diferentes receptores seremsensíveis a diferentes freqüências de vibração. Corpúsculos dePacini são capazes de sinalizar vibrações na faixa entre 30 e800 ciclos/s porque eles respondem de forma extremamenterápida a deformações teciduais pequenas e rápidas e, além disso,transmitem seus sinais via fibras nervosas do tipo A/3, que sãocapazes de transmitir mais de 1.000 impulsos por segundo.

Por outro lado, vibrações de baixa freqüência, até 80 ciclos/s,estimulam outros receptores táteis, especialmente os corpúsculosde Meissner, que se adaptam menos rapidamente que os corpús-culos de Pacini.

PRURIDO E CÓCEGA

Estudos neurofisiológicos recentes demonstraram a existên-cia de terminações nervosas livres mecanorreceptivas de alta sen-sibilidade e adaptação muito rápida, que só informam as sensa-ções de prurido e cócega. Além disso, essas terminações são

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encontradas quase exclusivamente nas camadas superficiais dapele, que é, também, o único tecido em que as sensações deprurido e cócegas podem ser detectadas. Essas sensações sãotransmitidas por fibras nervosas amielínicas finas, do tipo C,semelhantes às que transmitem as sensações de dor do tipo lenta.

O objetivo da sensação de prurido é chamar a atenção paraestímulos superficiais médios, tais como o se arrastar de umapulga sobre a pele ou a picada de uma mosca, e os sinais geradospor esses estímulos excitam o reflexo de coçar ou outras manobrasque afastem o hospedeiro do fator de irritação.

O prurido pode ser eliminado pelo ato de se coçar, se issoremover o agente irritante ou se o ato de se coçar é suficientepara provocar a sensação de dor. Acredita-se que os sinais dedor são capazes de suprimir os sinais de prurido na medula espi-nhal, pelo processo de inibição lateral, que será descrito no capí-tulo seguinte.

AS DUAS VIAS SENSORIAIS PARA A TRANSMISSÃODOS SINAIS SOMÁTICOS EM DIREÇÃO AO SISTEMANERVOSO CENTRAL

Quase todas as informações sensoriais com origem nos seg-mentos corporais entram na medula espinhal pelas raízes dorsaisdos nervos espinhais (com exceção de umas poucas fibras muitofinas, cuja importância é questionada, que entram pelas raízesventrais). Entretanto, a partir do ponto de entrada na medulaespinhal, os sinais sensoriais são transmitidos em direção ao cére-bro por uma das duas vias sensoriais existentes: (1) o sistemacoluna dorsal-lemnisco medial e (2) o sistema ântero-lateral. Apartir do tálamo, parte dos dois sistemas volta a caminhar junto.

O sistema coluna dorsal-lemnisco medial, como o próprionome indica, conduz os sinais principalmente pelas colunas dor-sais da medula espinhal e, então, após cruzar para o lado opostoao nível do bulbo, dirige-se para o tálamo através do troncocerebral, por meio do lemnisco medial. Por outro lado, os sinaisque utilizam o sistema ântero-lateral, após se originarem naspontas dorsais da substância cinzenta espinhal, cruzam para olado oposto na medula e ascendem, pelas colunas brancas lateralc anterior, para terminar em todos os níveis do tronco cerebrale, também, no tálamo.

O sistema coluna dorsal-lemnísco medial é composto de fi-bras nervosas mielínicas de grande diâmetro, que conduzem sinaispara o cérebro com velocidade entre 30 e 110 m/s, enquantoo sistema ântero-lateral é composto de fibras mielínicas muitomais finas (diâmetro médio de 4 µm) que conduzem sinais comvelocidades que variam entre uns poucos metros por segundoaté 40 m/s.

Outra diferença entre os dois sistemas é que o sistema colunadorsal-lemnisco medial tem grau muito alto de orientação espacialde suas fibras nervosas, no que diz respeito à sua origem nasuperfície corporal, enquanto a orientação espacial das fibrasno sistema ântero-lateral é muito menor.

Essas diferenças caracterizam imediatamente os tipos de in-formação sensorial que podem ser transmitidos pelos dois siste-mas. Isto é, a informação sensorial que precisa ser transmitidarapidamente e com grande fidelidade temporal e espacial - étransmitida pelo sistema coluna dorsal-lemnisco medial, enquan-to a que não necessita ser transmitida rapidamente, ou que nãoprecisa de grande fidelidade espacial, é transmitida principal-mente pelo sistema ântero-lateral. Por outro lado, o sistema ânte-ro-lateral tem uma propriedade especial que o sistema colunadorsal-lemnisco medial não tem: a capacidade de transmitir amploespectro de modalidades sensoriais - dor, calor, frio e sensações

táteis grosseiras. O sistema dorsal é limitado apenas aos tiposde sensações mecanorreceptivas mais discretas.

Tendo em mente essa diferenciação, podemos, agora, apre-sentar os diferentes tipos de sensações transmitidos pelos doissistemas:

O sistema coluna dorsal-lemnisco medial

1. Sensações de toque que necessitam de alto grau de localização do estímulo.

2. Sensações de toque que requerem transmissão de grada-ções de intensidade muito acuradas.

3. Sensações fásicas, tais como as sensações vibratórias.4. Sensações que informam sobre os movimentos sobre a

pele.5. Sensações de posição.6. Sensações de pressão nas quais é necessário julgamento

acurado da intensidade da pressão.

O sistema ântero-lateral

1. Dor.2. Sensações térmicas, incluindo tanto as sensações de calor

como as de frio.3. Sensações de toque e pressão grosseiros, que permitem

localização apenas grosseira sobre a superfície corporal.4. Sensações de prurido e de cócegas.5. Sensações sexuais.

TRANSMISSÃO PELO SISTEMA COLUNADORSAL-LEMNISCO MEDIAL

ANATOMIA DO SISTEMA COLUNADORSALLEMNISCO MEDIAL

Ao entrarem na medula espinhal, provenientes das raízes dorsaisdos nervos espinhais, as grandes fibras mielínicas oriundas dos mecanor-receptores especializados entram para a margem lateral das colunas bran-cas dorsais. Entretanto, cada fibra se divide, quase que imediatamente,para formar um ramo medial e um ramo lateral, como ilustrado pelafibra medial, proveniente da raiz dorsal na Fig. 47.2. O ramo medialse curva para cima na coluna dorsal e prossegue pela via da colunadorsal, em direção ao cérebro.

O ramo lateral entra na ponta dorsal da substância cinzenta damedula e se divide várias vezes, formando sinapses em quase todas

Fig. 47.2 Corte transversal da medula mostrando aslâminas anatômicas de I até IX da substância cinzentada medula e dos feixes sensoriais ascendentes dascolunas brancas da medula.

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as partes das áreas intermediária e anterior da substância cinzenta damedula, Os neurônios aí excitados servem, por sua vez, a três funções:(1) pequeno número deles dá origem a fibras de segunda ordem quevoltam a entrar na coluna dorsal, constituindo cerca de 15% de todasas fibras da coluna dorsal. Pequena parte dessas fibras de segunda ordementra na coluna póstero-lateral, formando o feixe espinocervical, quevolta a caminhar junto ao sistema da coluna dorsal nas regiões cervicale bulbar inferior. (2) Grande número de neurônios evoca reflexos locaisna medula espinhal, que serão discutidos no Cap. 54. (3) Outros originamos feixes espinocerebelares, que discutiremos no Cap. 56, ao falarmossobre as funções do cerebelo.

A via coluna dorsal-lemnisco medial. Note. na Fig. 47.3, que asfibras que entram na coluna dorsal caminham sem interrupção até obulbo, onde fazem sinapses nos núcleos da coluna dorsal (os núcleosgrâcilccuneiforme). Com origem nesses núcleos, os neurônios de segundaordem decussam imediatamente para o lado oposto e se dirigem atéo tálamo por meio de vias bilaterais denominadas lemniscos mediais.Em seu caminho ao longo do tronco cerebral, o lemnisco medial recebefibras provenientes do núcleo sensorial principal do nervo irigêmeo edas porções superiores de seus núcleos descendentes. Essas fibras servem,na região da cabeça, para as mesmas funções sensoriais que as fibrasda coluna dorsal servem no resto do corpo.

No tálamo, as fibras provenientes das colunas dorsais terminamno núcleo ventral póstero-lateral, enquanto as originadas nos núcleostrigeminais terminam no núcleo ventralpóstero-medial. O conjunto dessesdois núcleos com os núcleos talâmicos posteriores, onde terminam algu-mas fibras do sistema ântero-lateral, corresponde ao que denominamoscomplexo ventrobasul. Partindo do complexo ventrobasal, as, fibras nervo-sas de terceira ordem se dirigem, principalmente, para o giro pós-central

Fig. 47.4 Projeção do sistema coluna dorsal-lemnisco medial desde otálamo até o córtex somestésico. (Modificado de Brodal: Neurológica!Anatomy in Relation to Clinical Medicine. New York, Oxford UniversityPress, 1969.)

Fig. 47..3 As vias das colunas dorsal e espinocervical para a transmissãode tipos críticos de impulsos táteis. (Modificado de Ranson and Clark:Anatomy of theNervousSystem. Philadelphia, W.B. SaundersCo., 1959.)

do córtex cerebral, como mostrado na Fig. 47.4, que é denominadoárea sensorial somática l. Além disso, menor número de fibras se projetapara a porção lateral inferior de cada lobo parietal, a área denominadaárea sensorial somática II.

Orientação espacial das fibras nervosas no sistemacoluna dorsal-lemnisco medial

Um dos fatos que chama a atenção no sistema coluna dorsal-lemnisco medial é a manutenção, ao longo de toda a via, deuma orientação espacial bem clara das fibras nervosas prove-nientes de áreas corporais específicas. Por exemplo: as fibrasprovenientes das regiões mais inferiores do corpo se posicionamnas áreas mais centrais das colunas dorsais, enquanto as queentram na medula espinhal em níveis segmentares mais altosformam camadas laterais sucessivas.

Essa orientação espacial definida é ainda mantida ao níveldo tálamo, com as regiões corporais mais caudais estando repre-sentadas nas porções mais laterais do complexo ventrobasal, coma cabeça e face representadas nas porções mais mediais do com-plexo. Entretanto, devido ao cruzamento dos lemniscos mediais,ao nível do bulbo, o lado esquerdo do corpo é representadono lado direito do tálamo, e vice-versa com relação a represen-tação do lado esquerdo.

O CÓRTEX SENSORIAL SOMÁTICO

Antes de discutirmos o papel do córtex cerebral na sensaçãosomática, é necessário que seja dada orientação acerca das váriasáreas corticais. A Fig. 47.5 é um mapa do córtex cerebral humano,mostrando que ele é dividido em cerca de 50 áreas distintas,divisão essa feita em função de diferenças estruturais histológicas,denominadas áreas de Brodmann. O mapa é importante, umavez que veio a ser utilizado por praticamente todos os neurofisio-logistas e neurologistas para se referirem às diferentes áreas fun-cionais do córtex humano.

Note, na figura, a grande fissura central (também chamada"sulco central") que se estende verticalmente pelo cérebro. Emgeral, os sinais sensoriais correspondentes a todas as modalidades

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Fig. 47..5 Áreas estruturalmente distintas, denominadas "áreas de Brod-mann". do córtex cerebral humano. (De Everett: Functional Neuroa-naiomy, 5.' ed. Philadelphia, Lea & Febiger, 1965. Modificado de Brod-mann.)

de sensação terminam no córtex cerebral posterior à fissura cen-tral. Mais importante que isso, o córtex sensorial somático sesitua imediatamente atrás da fissura central, localizado principal-mente nas áreas 1, 2, 3, 5, 7 e 40 de Brodmann, correspondendoao lobo parietal do córtex. Além disso, os sinais visuais terminamno lobo occipital e os sinais auditivos, no lobo temporal.

A área cortical anterior à fissura central está envolvida como controle motor do corpo e com alguns aspectos do pensamentoanalítico.

As fibras nervosas aferentes, provenientes dos núcleos queconstituem o complexo ventrobasal do tálamo, projetam-se dire-tamente sobre duas áreas corticais separadas e distintas, denomi-nadas área sensorial somática /(área S-I) e área sensorial somáticaII (área S-II), conforme ilustrado na Fig. 47.6. Entretanto, aimportância da área sensorial somática I para as funções sensoriaisdo corpo é tão maior que a da área sensorial somática II que,na linguagem popular, o termo "córtex sensorial somático" éusado, na maior parte das vezes, para se referir à área S-I.

Projeção corporal na área sensorial somática I. A áreasensorial somática I se situa no giro pós-central do córtexcerebral humano (nas áreas 3, 1 e 2 de Brodmann). Nessa área,há orientação espacial bem nítida para a recepção de sinaisneurais provenientes das diferentes áreas corporais. A Fig. 47.7ilustra uma secção transversa através do cérebro, ao níveldogiropós-central, mostrando as representações das diferentespartes corporais nas

Fig. 47.6 As duas áreas corticais somestésicas, áreas sensoriaissomáticas Ie II.

Fig. 47..7 Representação das diferentes regiões do corpo na área senso-riossomática I do córtex. (Extraído de Penfield e Rasmussen: CerebralCórtex of Man: A Clinicai Study of Localizaiion of Function. New York,Macmillan Co., 1968.)

várias regiões da área sensorial somática I. Note, entretanto,que cada lado do córtex recebe informação sensorial provenienteexclusivamente do lado oposto do corpo (com exceção de peque-na quantidade de informação sensorial proveniente da face ipsila-teral).

Algumas áreas corporais são representadas por grandes áreasno córtex somático — os lábios têm a maior representação,seguidos da face e do dedo polegar —, enquanto todo otronco e toda a parte inferior do corpo estão representados poráreas relativamente pequenas. Os tamanhos dessas áreas sãodireta-mente proporcionais ao número de receptores sensoriaisespecializados, existentes em cada região corporal periféricacorrespondente. Por exemplo, nos lábios e no polegar, hágrande número de terminações nervosas especializadas,enquanto na pele do tronco o número dessas terminações epequeno.

Notem também que a cabeça está representada na porçãomais lateral da área sensorial somática I, enquanto as regiõescorporais mais inferiores estão representadas mais medialmente.

Área sensorial somática II. A segunda área cortical sobre a qualas fibras somáticas talâmicas se projetam — a área sensorial somáticaII -— é muito menor e se situa em local posterior e inferior à extremidadelateral da área sensorial somática I, como mostrado na Fig. 47.6. Nessaárea, o grau de localização das diferentes partes do corpo c muito pobre,se for comparada com a área sensorial somática I. A face está repre-sentada anteriormente, os membros superiores, em posição centra!, eos membros inferiores, posteriormente.

Conhece-se tão pouco sobre o funcionamento da área sensória; so-mática II que fica difícil uma discussão inteligente acerca dela. E sabidoque chegam a essa área sinais provenientes de ambos os lados do corpo,da área sensorial somática I e, também, de outras áreas cerebraissensoriais, tais como sinais auditivos e visuais. Em animais maisprimitivos, a ablação dessa área torna mais difícil o aprendizado dediscriminação entre diferentes formas de objetos.

As camadas do córtex sensorial somático e suas funções

O córtex cerebral contém seis camadas neuronais separadas,começando com a camada I, perto da superfície, e se estendendo

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Fig. 47.8 Estrutura do córtex cerebral, ilustrando: I, camada molecular;II, camada granular externa; III, camada de células piramidais; IV, cama-da granular interna; V, camada das grandes células piramidais; e VI,camada das células fusiformes ou polimórficas. (De Ranson e Clark[segundo Brodmannl: Anatomy of lhe Nervous System. Philadelphia,W.B. SaundersCo., 1959.)

progressivamente até à camada VI, a mais profunda de todas(conforme ilustrado na Fig. 47.8). Como seria de se esperar,os neurônios de cada camada executam funções diferentes dasrealizadas nas outras camadas. Algumas dessas funções são asseguintes:

1. Os sinais sensoriais aferentes excitam, em primeiro lugar,principalmente os neurônios da camada IV. Em seguida, os sinaisse espalham tanto para a camada localizada na superfície cortical,como para as camadas mais profundas.

2. As camadas I e II recebem sinais difusos e não-específicosprovenientes de centros cerebrais inferiores, que são capazesde facilitar, de uma só vez, uma grande área cortical; esse sistemaserá discutido no Cap. 57. Essas aferências provavelmente contro-lam o nível de excitabilidade geral da região estimulada.

3. Os neurônios das camadas II e III enviam axônios paraoutras áreas corticais intimamente relacionadas.

4. Os neurônios das camadas V e VI enviam axônios parapartes mais distantes do sistema nervoso. Os da camada V têm,geralmente, maior diâmetro e se projetam para áreas mais distan-tes. Muitos deles, por exemplo, vão diretamente até o troncocerebral ou a medula espinhal, levando sinais de controle sobreessas áreas. Grande número de axônios se estende da área VIaté ao tálamo, levando sinais de feedback do córtex cerebralpara a região talâmica.

Representação das diferentes modalidades sensoriais nocórtex sensorial somático - as colunas verticais de neurônios

Os neurônios do córtex sensorial somático estão funcional-mente distribuídos em colunas ao longo de todas as seis camadascorticais, cada coluna tendo diâmetro entre 0,3 e 0,5 mm e conten-

do provavelmente 10.000 corpos celulares neuronais. Cada colunaserve a uma modalidade sensorial específica, algumas colunasrespondendo a receptores de estiramento localizados em tornodas articulações, outros, a receptores pilosos táteis, outros ainda,a discretos pontos de pressão localizados na pele, e assim pordiante. Além disso, as colunas para as diferentes modalidadesestão entremeadas entre si. Na camada IV, que correspondeao primeiro ponto de entrada de sinais, as colunas de neurôniosfuncionam de modo quase inteiramente distinto umas das outras.Em outros níveis, entretanto, as colunas interagem permitindoa análise inicial do significado dos sinais sensoriais.

Na porção mais anterior do giro pós-central, localizada naregião mais profunda da fissura central - área 3a de Brodmann -um número desproporcionalmente grande de colunas verticaisresponde a receptores de músculos, de tendões ou de estiramentoarticular. Muitos dos sinais provenientes desses receptores seencaminham diretamente para o córtex motor, localizado imedia-tamente anterior à fissura central, e ajudam a controlar a funçãomuscular. A medida que nos dirigimos para regiões mais poste-riores do córtex sensorial somático I, mais e mais colunas verticaisrespondem aos receptores cutâneos de adaptação lenta e, nasregiões ainda mais posteriores, um número maior de colunasé sensível à pressão profunda.

Na porção mais posterior da área sensorial somática I, cercade 6% das colunas verticais só respondem quando o estímulose move sobre a pele em determinada direção. Isso correspondea um nível ainda mais elevado de interpretação de sinaissensoriais, e o processo torna-se ainda mais complexo na regiãocortical parietal localizada ainda mais posteriormente, chamadaárea somática associativa, como discutiremos adiante.

Funções da área sensorial somática I

As propriedades funcionais das diferentes áreas do córtexsensorial somático foram determinadas a partir de excisões seleti-vas de diferentes regiões. A ablação extensa da área sensorialsomática I causa a perda dos seguintes tipos de julgamentosensorial:

1. O indivíduo é incapaz de localizar precisamente as diver-sas sensações nas diferentes partes do corpo. No entanto, elepode fazer uma localização grosseira, tal como perceber umasensação em determinada mão, o que indica que o tálamo ououtras partes do córtex cerebral, que normalmente não são consi-deradas como estando relacionadas com as sensações somáticas,são capazes de fornecer algum grau de localização.

2. É incapaz de julgar pequenos graus de variação de pressãocontra seu corpo.

3. E incapaz de julgar com precisão os pesos dos objetos.4. É incapaz de reconhecer a forma dos objetos. Isso é

denominado astereognosia.5. É incapaz de julgar a textura dos materiais, pois esse

tipo de julgamento depende de sensações altamente críticas cau-sadas pelo movimento da pele sobre a superfície do materiala ser reconhecido.

Note, no que foi apresentado, que nada foi dito sobre perdados sentidos de dor e temperatura. Entretanto, na ausência daárea sensorial somática I, a apreciação dessas modalidadessensoriais pode estar alterada tanto sob o aspecto qualitativocomo em intensidade. Porém, mais importante que isso, assensações de dor e temperatura que ocorrem são de localizaçãoimprecisa, indicando que, provavelmente, a localização da dor eda temperatura dependem, principalmente, da estimulaçãosimultânea por estímulos táteis que utilizam o mapa topográficocorporal na área sensorial somática I, com o objetivo delocalizar a origem.

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ÁREAS SOMÁTICAS ASSOCIATIVAS

No córtex cerebral, as áreas 5 e 7 de Brodmann, que estãolocalizadas no córtex parietal atrás da área sensória! somáticaI e acima da área sensorial somática II, desempenham papéisimportantes para que a informação sensorial que entra nas áreassensoriais somáticas seja decifrada. Por isso, essas áreas são cha-madas áreas somáticas associativas.

A estimulação elétrica na área somática associativa podefazer com que, ocasionalmente, a pessoa experimente sensaçãosomática complexa, tendo, inclusive, a "percepção" de um objetocomo, por exemplo, uma faca ou uma bola. Por isso, parececlaro que a área somática associativa combina a informação pro-veniente de múltiplos pontos da área sensorial somática, paraque seu entendimento possa ser decifrado. Essa idéia é reforçadapelo arranjo anatômico dos feixes neuronais que entram na áreasomática associativa, uma vez que chegam a ela sinais prove-nientes: (1) da área sensorial somática, (2) dos núcleos ventro-basais do tálamo, (3) de outras áreas do tálamo, (4) do córtexvisual, e (5) do córtex auditivo.

Efeito da remoção da área somática associativa - amorfos-síntese. Quando a área somática associativa é removida, a pessoaperde a capacidade de reconhecer objetos e formas complexaspelo mecanismo de palpação. Da mesma maneira, ela perdegrande parte do sentido de forma de seu próprio corpo. É espe-cialmente interessante o fato de a pessoa ignorar o lado do corpooposto ao da lesão, isto é, ela esquece que aquele lado existe.Por isso, comumente ela esquece de usar o lado do corpo opostoà lesão para executar funções motoras. Da mesma forma, aosentir os objetos, a pessoa apenas percebe um lado dos mesmos,esquecendo que o outro lado existe. Essa deficiência complexada sensibilidade é chamada amorfossíntese.

CARACTERÍSTICAS GERAIS DA TRANSMISSÃOEDA ANÁLISE DOS SINAIS NO SISTEMA COLUNADORSAL-LEMNISCO MEDIAL

O circuito neuronal básico e o "campo" de descarga corticalno sistema coluna dorsal-lemnisco medial. A parte inferior daFig. 47.9 ilustra a organização básica do circuito neuronal davia da coluna dorsal, mostrando que, em cada estágio sináptico,ocorre o fenômeno de divergência. No entanto, a parte superiorda figura mostra que estímulo único não provoca, ao nível corti-cal, resposta com a mesma intensidade em iodos os neurônioscom os quais o receptor se conecta. Em vez disso, os neurôniosque respondem com maior freqüência são os localizados na partecentral do campo cortical correspondente a cada receptor res-pectivo. Dessa maneira, um estímulo fraco só provoca o disparodos neurônios mais centrais. Um estímulo mais forte faz comque maior número de neurônios disparem, porém os neurônioslocalizados na região mais central do campo disparam com fre-quência consideravelmente mais alta que os localizados na peri-feria.

Discriminação entre dois pontos. Um método frequentemen-te usado para testar a sensibilidade tátil é determinar a chamada"capacidade de discriminação entre dois pontos" que a pessoapossui. Nesse teste, duas agulhas rombas são encostadas na pele,e a pessoa informa se os dois pontos estimulados são percebidoscomo se fossem apenas um só estímulo. Quando o estímulo éfeito sobre as pontas dos dedos, a pessoa é capaz de ainda distin-guir os dois pontos separados quando a distância entre as pontasdas agulhas se situa entre 1 e 2 mm. Entretanto, se o estímuloé feito sobre o dorso, a capacidade de discriminar os dois pontossó acontece quando a distância mínima entre as agulhas estáentre 30 e 70 mm. Essa diferença se deve à diferença entrea densidade de receptores táteis existentes nas duas regiões.

Fig. 47..9 Transmissão do estímulo puntiforme para o córtex.

A Fig. 47.10 ilustra o mecanismo pelo qual a via da colunadorsal, bem como todas as outras vias sensoriais, transmite ainformação de discriminação entre dois pontos. A figura mostradois pontos adjacentes na pele, que são fortemente estimulados,bem como a área do córtex sensória! somático (muito ampliada)que é excitada pelos sinais provenientes dos dois pontos estimu-lados. A curva contínua em negro mostra o padrão espacial deexcitação cortical quando os dois pontos da pele são estimulados

Fig. 47.10 Transmissão de impulsos para o córtex provenientes de doisestímulos puntiformes adjacentes. A curva em linha cheia representao padrão de estimulação cortical sem inibição "adjacente", e as duascurvas coloridas representam o padrão com inibição "adjacente".

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simultaneamente. Note que a zona de excitação resultante temdois picos distintos. São esses dois picos, separados por um valede menor excitação, que permitem ao córtex sensorial detectardois pontos estimulatórios, em lugar de apenas um só ponto.No entanto, a capacidade do sistema sensória! para distinguirentre dois pontos é muito influenciada por outro mecanismo,a inibição lateral, como será explicado na seção seguinte.

Efeito da inibição lateral sobre o grau de contraste do padrãoespacial percebido. Foi mostrado no Cap. 46 que, quando excita-das, praticamente todas as vias sensoriais geram, ao mesmo tem-po, sinais inibitórios laterais. Esses sinais se distribuem na vizi-nhança do sinal excitatório e inibem os neurônios adjacentes.Consideremos, como exemplo, um neurônio excitado no núcleoda coluna dorsal. Além do sinal central excitatório, fibras colate-rais curtas transmitem sinais inibitórios para os neurônios circun-vizinhos. Em alguns deles, a inibição se deve a interneurôniosadicionais que, por seu lado, secretam transmissores inibitórios.Em outros, a inibição se faz diretamente sobre terminais pré-si-nápticos que agem sobre os neurônios vizinhos, causando inibiçãopelo mecanismo da inibição pré-sináptica.

A importância da inibição lateral reside no fato de que elabloqueia a difusão lateral dos sinais excitatórios e, por isso, au-menta o grau de contraste do padrão sensorial percebido nocórtex cerebral.

No caso do sistema coluna dorsal-lemnisco medial, os sinaisinibitórios laterais ocorrem a cada nível sináptico como, porexemplo, nos núcleos da coluna dorsal, nos núcleos ventrobasaisdo tálamo e no próprio córtex cerebral. A inibição lateral ajudaa bloquear a dispersão lateral da excitação em cada um dessesníveis e, como resultado, o pico de excitação sobressai enquantoa estimulação circunvizinha, difusa, é bloqueada. Esse efeitoé ilustrado pelas duas curvas coloridas na Fig. 47.10, que mostrama separação completa dos dois picos quando a intensidade deinibição lateral, também chamada inibição circundante, é muitogrande. Obviamente, esse mecanismo acentua o contraste entreas áreas do pico de estimulação e a circundante, causando grandeaumento do contraste ou afilamento do padrão espacial percebido.

Transmissão das sensações rapidamente mutáveis e repeti-tivas. O sistema coluna dorsal tem imensa importância para oaporte de informações ao sensório sobre condições periféricasque se alteram rapidamente. Esse sistema é capaz de respondercom fidelidade a estímulos com freqüência de até 400 ciclos porsegundo, podendo "detectar" modificações que ocorram comfreqüências de até 700 ciclos por segundo.

Sensações vibratórias. Os sinais vibratórios são rapidamenterepetitivos e podem ser detectados, como vibração, até a frequên-cia de 700 ciclos por segundo. Os sinais vibratórios de maiorfrequência são originados nos corpúsculos de Pacini, mas os demenor freqüência (abaixo de cerca de 100 por segundo) tambémpodem ser originados nos corpúsculos de Meissner. Esses sinaissó são transmitidos por via da coluna dorsal. Por essa razão,a aplicação de estímulo vibratório, por meio de diapasão, a dife-rentes partes periféricas do corpo representa instrumento impor-tante usado pelos neurologistas para testar a integridade funcionaldas colunas dorsais.

INTERPRETAÇÃO PSÍQUICA DA INTENSIDADE DOSESTÍMULOS SENSORIAIS

O objetivo último da maior parte da estimulação sensorial é o deinformar à mente sobre o estado do corpo e do que o circunda. Porconseguinte, é importante que se discuta, resumidamente, alguns dosprincípios relacionados à transmissão da intensidade dos estímulossensoriais até os níveis mais altos do sistema nervoso.

A primeira pergunta que deve ser feita é: como é possível, parao sistema sensorial, transmitir experiências sensoriais com intensidadesque variam tanto? Por exemplo, o sistema auditivo pode detectar o

menor murmúrio possível, mas também é capaz de discernir o significadode som explosivo ocorrido a cerca de 1 metro, embora as intensidadessonoras dessas duas experiências possam variar por mais de 10 bilhõesde vezes; os olhos podem detectar imagens visuais com intensidadesluminosas que variam por meio milhão de vezes; e a pele pode detectardiferenças de pressão da ordem de 10.000 a 100.000 vezes.

Como explicação parcial desses efeitos, a Fig. 46.4, no capítuloanterior, mostra a relação entre o potencial do receptor, gerado emcorpúsculo de Pacini, e a intensidade do estímulo sensorial. Com baixaintensidade do estímulo, alterações muito pequenas dessa intensidaderesultam em grandes variações desse potencial, enquanto com altas inten-sidades do estímulo, os aumentos adicionais do potencial do receptorsão muito pequenos. Dessa forma, o corpúsculo de Pacini é capaz demedir, com precisão, alterações extremamente diminutas da intensidadedo estímulo, quando essa intensidade for baixa, ao passo que, com altaintensidade do estímulo, qualquer variação dessa intensidade, para sercapaz de produzir aumento equivalente do potencial do receptor, deveráser bem maior.

O mecanismo da transdução para a detecção do som pela cócleado ouvido exemplifica outro mecanismo para separação de gradaçõesda intensidade do estímulo. Quando o som faz vibrar, especificamente,determinado ponto da membrana basilar, essa vibração, quando fraca,só estimula as células ciliadas na região de amplitude máxima de vibração.Mas, à medida que a intensidade da vibração aumenta, essas célulasciliadas não apenas são mais intensamente estimuladas, mas outras célulasciliadas adjacentes, nos dois lados delas, também são estimuladas. Dessaforma, os sinais transmitidos por número progressivamente maior defibras nervosas representam outro mecanismo para a transmissão daintensidade do estímulo ao sistema nervoso central. Esse mecanismo,somado ao efeito direto da intensidade do estímulo sobre a freqüênciade disparo de cada fibra, bem como outros diversos mecanismos, tornapossível, à maioria dos sistemas sensoriais, operar de formarazoavelmente fidedigna em níveis de intensidade de estimulação quechegam a variar por mais de centenas de milhares até por bilhões devezes.

Importância da capacidade de recepção sensorial dentro de grandefaixa de intensidade de estímulo. Os sistemas sensoriais só são capazesde operar sem grandes margens de erro graças à capacidade de respon-derem a estímulos dentro de urna faixa de intensidade bastante grande.Isso pode ser demonstrado pelas tentativas que muitas pessoas fazemde ajustar, em sua máquina fotográfica, a exposição à luz sem auxílio defotômetro. Levada pelo julgamento intuitivo da intensidade luminosa, apessoa quase sempre superexpõe o filme em dias muito claros, ou osubexpõe em situações de baixa luminosidade. Ainda que os olhosdas pessoas sejam capazes de discriminar objetos detalhadamente tantosob forte luz solar como na penumbra, a câmara não pode fazer isso,pois é muito crítica a faixa de intensidade de luz necessária para aexposição adequada do filme.

JULGAMENTO DA INTENSIDADE DO ESTÍMULO

Os psicofisiologistas desenvolveram vários métodos para testar ojulgamento individual da intensidade do estímulo sensorial, mas apenasraramente os resultados obtidos pelos diferentes métodos são concor-dantes, ainda que o princípio básica, de que a intensidade discriminativadiminui à medida que aumenta a intensidade sensorial, seja aplicávela praticamente todas as modalidades sensoriais. Duas formulações desseprincípio são amplamente discutidas no campo da psicofisiotogia da inter-pretação sensorial: o princípio de Weber-Fechner e o principio da po-tência.

O princípio de Weber-Fechner — detecção da "proporção" da inten-sidade do estímulo. Em meados do século passado, Weber, primeiro,e Fechner, depois, propuseram o princípio segundo o qual as gradaçõesde força do estimulo são discriminadas aproximadamente em proporçãoao logaritmo da força do estímulo. Isto é: um teste típico desse princípiopoderia mostrar, se uma pessoa estiver segurando um peso de 30 g,que a variação mínima de peso que ela conseguirá detectar será de1 g. Se o peso for 300 g, a variação mínima detectável será 10 g. Assim,a proporção da variação da força do estímulo necessária para que essavariação seja detectada permanece essencialmente constante, em tornode 1 para 30, que é o que quer dizer o princípio logarítmico. Esseprincípio pode ser expresso matematicamente da seguinte maneira:

Força interpretada do sinal = log (Estímulo) + Constante

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Mais recentemente, tornou-se evidente que o princípio de Weber-Fech-ner só é quantitativamente preciso para experiências sensoriais visuais,auditivas e cutâneas de maior intensidade, e se aplica muito pouco àmaioria dos outros tipos de informações sensoriais.

Apesar disso, é bom se ter sempre em mente o princípio de Weber-Fechner, pois ele enfatiza que quanto maior a intensidade sensória! debase, maior terá que ser a força do estímulo, necessária para que opsique perceba a modificação.

A lei da potência. Outra abordagem utilizadas pelos psicofisiologistascom a finalidade de encontrar boa correlação entre a intensidade doestímulo e sua percepção é a seguinte fórmula, conhecida como lei dapotência:

Força interpretada do sinal * K (Estímulo - k)y

Nesta fórmula, o expoente yeas constantes K e k são diferentes paracada tipo de sensação.

Quando essa relação da lei da potência é expressa em um gráficousando coordenadas logarítmicas duplas, como ilustrado na Fig. 47.11,obtém-se uma relação linear entre a força interpretada do estímulo ea força real de estímulo dentro de grande faixa de intensidades paraquase todos os tipos de percepção sensorial. No entanto, como ilustradona figura, não se observa correlação satisfatória para forças de estímulomuito baixas ou muito altas.

OS SENTIDOS DE POSIÇÃO

Os sentidos de posição são também chamados frequente-mente de sentidos proprioceptivos. Eles podem ser divididos emdois subtipos: (1) o sentido de posição estática que quer dizera orientação consciente de diferentes partes do corpo no quese refere às outras, e (2) o sentido de progressão do movimentotambém denominado anestesia ou propriocepção dinâmica.

Os receptores sensoriais de posição. O conhecimento da posi-ção, tanto a estática como a dinâmica, depende do conhecimentodo grau de angulação de todas as articulações em todos os planos,bem como do conhecimento da velocidade com que essas situa-ções se modificam. Por isso, vários receptores de diferentes tiposauxiliam a determinar a angulação articular, e são usados deforma conjunta no sentido de posição. Além disso, tanto os recep-tores táteis de pele como os receptores profundos, localizadosna vizinhança das articulações, são também utilizados. No casodos dedos, onde existe grande quantidade de receptores na pele,

Fig. 47.11 Demonstração gráfica da relação da "lei da potência"' entrea verdadeira força do estímulo e a força interpretada pela mente. Observeque a lei da potência não é válida para estímulos com força muito fraca,como também não se aplica a estímulos com força muito grande.

cerca da metade das informações sobre o reconhecimento daposição é dada por esses receptores. Por outro lado, os receptoresprofundos são os mais importantes para a maioria das articulaçõescorporais.

Para a determinação da angulação articular dentro das faixasmédias de movimento, parece que os receptores mais importantessão os fusos musculares. Eles também são extremamente impor-tantes no auxílio do controle do movimento muscular, conformeveremos no Cap. 54. Quando está ocorrendo modificação doângulo de uma articulação, alguns músculos estão sendo alonga-dos enquanto outros estão sendo encurtados e a informação dealongamento proveniente dos fusos entra no sistema computa-cional da medula espinhal e de outros centros mais superioresdo sistema da coluna dorsal, para que as complexas inter-relaçõesdas angulações articulares possam ser decifradas.

Nas angulações articulares extremas, o alongamento dos liga-mentos e tecidos profundos em torno das articulações funcionacomo importante fator adicional na determinação da posição.Alguns tipos de terminações utilizadas para isso são os corpús-culos de Pacini, as terminações de Ruffini e receptores seme-lhantes aos receptores tendinosos de Golgi, encontrados nos ten-dões musculares.

Os corpúsculos de Pacini e os fusos musculares são especial-mente adaptados para detectar modificações de progressão rápi-da. Por isso, é muito provável que esses receptores sejam osprincipais responsáveis pela detecção da velocidade de movi-mento.

Processamento da informação do sentido de posição no siste-ma coluna dorsal-lemnisco medial. Apesar da usual fidelidade dosistema coluna dorsal-lemnisco medial na transmissão de sinaisprovenientes da periferia em direção ao córtex sensorial, parecehaver algum processamento dos sinais do sentido da posiçãoantes que eles cheguem ao córtex cerebral. Os receptores articu-lares individuais, por exemplo, são estimulados com intensidademáxima quando os graus de rotação das articulações atingemvalores específicos para cada um deles. Quando o grau de rotaçãoé maior ou menor que o de estimulação máxima, observa-seefetiva diminuição da intensidade do estímulo. Entretanto, osinal de posicionamento estático para a rotação articular é muitodiferente ao nível do tálamo, como pode ser observado na Fig.47.12. Essa figura mostra que os neurônios talâmicos que respon-dem à rotação articular são de dois tipos: (1) os que sofremestimulação máxima quando a articulação atinge a maior rotaçãopossível e (2) os que sofrem estimulação máxima quando a articu-

Fig. 47.12 Respostas típicas de cinco neurônios diferentes no campodo receptor da articulação do joelho, campo esse no complexo ventro-basal quando a articulação é movimentada em todo seu alcance de movi-mento. (As curvas foram construídas a partir de dados de Mountcastleet ai.: J. Neurophysiol., 26.807, 1963.)

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lação está sujeita à rotação mínima. Em cada caso, à medidaque ocorre alteração do grau de rotação, a freqüência de estimu-lação do neurônio diminui ou aumenta, dependendo da direçãoem que a articulação está sendo movida. Além disso, a intensi-dade de excitação neuronal varia para ângulos entre 40 e 60°,em contraste com os 20 a 30° registrados para os receptoresarticulares individuais. Dessa maneira, os sinais provenientes dosreceptores articulares individuais já foram integrados no domínioespacial no instante em que atingem os neurônios talâmicos,ilustrando algum grau de processamento de sinais tanto na medulacomo no tálamo.

TRANSMISSÃO NO SISTEMA ÂNTERO-LATERAL

Ao contrário do sistema da coluna dorsal, o sistema ântero-lateral transmite sinais sensoriais que não requerem fonte gera-dora com localização precisa, bem como discriminação fina dogradiente de intensidade. Esses sinais incluem dor, calor, frio,tato grosseiro, prurido e cócegas e sensações sexuais. No capítuloseguinte, as sensações de dor e temperatura serão discutidas;no momento, nos restringiremos à transmissão das sensaçõestáteis de menor acuidade.

ANATOMIA DA VIA ÂNTERO-LATERAL

As fibras ântero-laterais se originam principalmente nas lâminas1, IV, V e VI das pontas dorsais da medula (veja Fig. 47.2), ondeterminam muitas das fibras nervosas sensoriais da raiz dorsal, após entra-rem na medula espinhal. Desses pontos, como ilustrado na Fig. 47.13,as fibras cruzam a comissura anterior da medula para as colunas brancaslaterais e anteriores do lado oposto, onde elas se dirigem para cima,em direção ao cérebro. Essas fibras ascendem de maneira difusa pelascolunas ântero-laterais. No entanto, estudos anatômicos sugerem a dife-renciação parcial dessas vias em um componente anterior, denominadofeixe espinotalâmico anterior, e um componente lateral, denominadofeixe espinotalâmico lateral. A via ântero-lateral também é constituídapela via espinorreticular (que se dirige para a substância reticular dotronco cerebral) e o feixe espinotectal (para o tectum do mesencéfalo).Essas diferenciações são, no entanto, difíceis de serem feitas utilizando-setécnicas de registros elétricos.

A via ântero-lateral termina superiormente em duas áreas principais:(1) os núcleos reticulares do tronco cerebral e (2) o tálamo, em doiscomplexos nucleares diferentes chamados complexo ventrobasale núcleosintraiarrimares. De modo geral, os sinais táteis são transmitidos principal-mente em direção ao complexo ventrobasal, terminando nos núcleosventrais posteriores lateral e medial, da mesma maneira que o sistemada coluna dorsal, o que também parece ser verdadeiro para a sensibilidadetérmica. Desses núcleos, os sinais são transmitidos para o córtex somatos-sensorial, juntamente com os sinais provenientes das colunas dorsais.Por outro lado, apenas parte dos sinais dolorosos se projetam sobreesse complexo. Em vez disso, a maioria dessas fibras entra nos núcleosreticulares do tronco cerebral e, a partir daí, se dirigem para os núcleostalâmicos intralaminares, como será discutido mais detalhadamente nocapítulo seguinte.

Características da transmissão na via ântero-lateral. A trans-missão na via ântero-lateral obedece, de modo geral, aos mesmosprincípios que o sistema coluna dorsal-lemnisco medial, excetopelas seguintes diferenças: (1) as velocidades de transmissão sãoda ordem de 1/3 a 1/2 das registradas no sistema da coluna dorsal-lemnisco medial, e variam entre 8 e 40 m/s; (2) o grau de locali-zação do sinal é baixo, especialmente para as vias da sensibilidadedolorosa; (3) as gradações de intensidade são muito menos acura-das, com a maior parte das sensações podendo ser diferenciadadentro de 10 a 20 gradações de força, enquanto no sistema colunadorsal pode-se reconhecer até 100 gradações; e (4) esse sistema

Fig. 47.13 As divisões anterior e lateral da via ântero-lateral.

tem baixa capacidade de transmitir sinais repetitivos de alta fre-quência.

É, então, evidente que o sistema ântero-lateral é um sistemade transmissão do tipo mais grosseiro que o sistema coluna dorsal-lemnisco medial. Mesmo assim, alguns tipos de modalidadessensoriais só são transmitidos por esse sistema, e não pelosistema coluna dorsal-lemnisco medial. São as sensaçõesalgésicas, térmicas, de prurido e de cócegas, além do tato epressão grosseiros.

ALGUNS ASPECTOS ESPECIAIS DA FUNÇÃOSENSORIAL SOMÁTICA

Função do tálamo na sensação somática

Quando o córtex somatossensorial de uma pessoa é destruído, elaperde a maior parte das sensibilidades táteis críticas, porém há retomoparcial da sensibilidade tátil grosseira. Por isso, acredita-se que o tálamo(bem como outros centros inferiores) tem pequena capacidade de discri-minar a sensação tátil, apesar de essa estrutura funcionar principalmentecomo local de passagem para esse tipo de informação dirigida ao córtex.

Por outro lado, a perda do córtex sensorial tem pequeno efeitosobre a percepção da sensação dolorosa e efeito apenas moderado sobrea percepção da temperatura. Por isso, há muitas razões para se acreditarque o tronco cerebral, o tálamo e outras regiões basais associadas doencéfalo tenham, talvez, um papel dominante na discriminação dessassensibilidades. É interessante notar que esses tipos de sensibilidade apare-ceram muito precocemente no desenvolvimento filogenético do mundoanimal, enquanto as sensibilidades táteis críticas tiveram aparecimentomais tardio.

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Controle cortiça da sensibilidade sensória — sinais"corticofugos"

Além dos sinais somatossensoriais transmitidos da periferia parao cérebro, sinais "corticofugos" provenientes do córtex cerebral sãotransmitidos de volta às "estações de passagem" de sinais localizadasno tálamo, bulbo e medula espinhal. Esses sinais controlam a sensibi-lidade das vias de entrada sensorial. Os sinais corticofugos são inibitórios,de modo que, quando a intensidade de entrada se torna muito grande,esses sinais diminuem, automaticamente, a transmissão nas vias de passa-gem. Obviamente, isso leva a duas coisas: primeiro, eles diminuem adifusão lateral dos sinais sensoriais em direção aos neurônios adjacentese, por isso, aumentam o contraste do padrão de sinalização; segundo,eles mantêm o sistema sensorial operando dentro de uma faixa de sensibi-lidade que não seja tão baixa que os sinais se tornem ineficazes, nemtão alta que o sistema fique acima de sua capacidade de diferenciaros padrões sensoriais.

Como veremos nos capítulos subseqüentes, o sistema somatossen-sorial não é o único a utilizar o controle sensorial corticofugo. O princípiodesse tipo de controle sensorial também é utilizado por todos os outrossistemas sensoriais.

Campos segmentares da sensação - os dermátomos

Cada nervo espinhal inerva um "campo segmentar" da pele denomi-nado dermátomos. Os diferentes dermátomos são ilustrados na Fig. 47.14.No entanto, eles são ilustrados como se existissem bordas nítidas entreos dermátomos adjacentes, o que não é verdade, uma vez que há grandesuperposição dos segmentos, uns sobre os outros.

A figura mostra que a região anal do corpo pertence ao dermátomodo segmento medular mais distai. No embrião, essa é a região da caudae é a parte mais distai do corpo. As pernas se desenvolvem a partirdas regiões lombar e sacral superior, e não dos segmentos sacrais maisdistais, o que é evidente no mapa dos dermátomos. Quando há alteraçõesde sensibilidade periférica, a localização do nível em que ocorreu a

Fig. 47.14 Os dermátomos. (Modificado de Grinker andSahs: Neuro-logy. Springfield, III., Charles C Thomas, 1966.)

lesão da medula espinhal pode ser feita utilizando-se um mapa de dermá-tomos, tal como o ilustrado na Fig. 47.14.

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CAPÍTULO 48

Sensações Somáticas: II. Dor, Cefaléiae Sensações Térmicas

A maior parte das doenças corporais causa dor. Além disso,a capacidade do médico em diagnosticar as diferentes doençasdepende do conhecimento que ele tenha acerca das diferentesqualidades de dor. Por essas razões, este capítulo está voltadoprincipalmente para a dor e para as bases fisiológicas de algunsfenômenos clínicos associados.

A finalidade da dor. A dor é um mecanismo de proteçãocorporal. Ela ocorre sempre que quaisquer tecidos estejam sendolesados e provoca reação do indivíduo no sentido de removero estímulo doloroso. Mesmo atividades simples tais como se as-sentar sobre o ísquio por longo período de tempo podem causardestruição tecidual, devido à perda do fluxo sanguíneo para apele, no local em que ela fica comprimida pelo peso corporal.Quando a pele está dolorida devido à isquemia, a pessoa desviaseu peso daquela região para outra, de forma inconsciente. Entre-tanto, pessoas que tenham perdido o sentido da dor, tais comoas que sofreram lesão da medula espinhal, são incapazes de perce-bê-la e não executam o movimento necessário, o que leva rapida-mente à ulceração nas áreas de pressão.

OS DOIS TIPOS DE DOR E SUAS QUALIDADES - DORRÁPIDA E DOR LENTA

A dor foi classificada em dois principais tipos: dor rápidae dor lenta, A dor rápida ocorre dentro de um tempo da ordemde 0,1 segundo após a aplicação do estímulo doloroso, enquantoa dor lenta só começa após 1 ou mais segundos depois da aplicaçãodo estímulo, aumentando, então, lentamente por muitos segun-dos ou, às vezes, minutos. Durante este capítulo veremos queas vias de condução para esses dois tipos de dor são diferentes,cada um com qualidades específicas.

A dor rápida também é descrita por vários nomes alterna-tivos: dor em pontada, dor em agulhada, dor aguda, dor elétrica,e outros. Esse tipo de dor é sentido quando uma agulha é espetadana pele, ou quando a pele é cortada por uma lâmina, ou, ainda,quando a pele c submetida a um choque elétrico. Esse tipo dedor (rápida, em pontada) não é sentido na maior parte dos tecidoscorporais profundos.

A dor lenta também ê conhecida por muitos outros nomes,tais como: dor em queimação, dor continuada, dor latejante, dornauseante e dor crônica. Esse tipo de dor está comumente asso-

ciado à destruição tecidual. Ela pode tornar-se cruciante e levara um sofrimento prolongado e insuportável. Esse tipo de dorpode ocorrer tanto na pele como em qualquer tecido ou órgãoprofundo.

Adiante, mostraremos que a dor do tipo rápida é transmitidapelas fibras dolorosas do tipo AS, enquanto a dor do tipo lentoprovém da estimulação das fibras mais primitivas, do tipo C.

OS RECEPTORES DA DOR E SUA ESTIMULAÇÃO

Todos os receptores de dor são terminações nervosas livres.Os receptores da dor, na pele e nos outros tecidos, são termina-ções nervosas livres. Eles estão amplamente distribuídos nas ca-madas superficiais da pele e também de certos tecidos internos,tais como periósteo, paredes arteriais, superfícies articulares e nafoice e tentório da calota craniana. A maior parte dos outrostecidos profundos tem inervação pobre de terminações sensíveisà dor; entretanto, uma lesão tecidual difusa e ampla pode, porsomação, causar um tipo de dor contínua, crônica e lenta nessasáreas.

Três tipos diferentes de estímulos excitam os receptores dedor - mecânicos, térmicos e químicos. A maior parte das fibrasdolorosas pode ser excitada por tipos múltiplos de estímulos.Entretanto, algumas fibras são mais propensas a responder aoalongamento mecânico excessivo, outras aos extremos de frioou calor e, outras, a substâncias químicas específicas que cheguemaos tecidos. A essas estruturas denominamos, respectivamente,nociceptores mecânicos, térmicos e químicos. Geralmente, a dorrápida é evocada pelos nociceptores mecânicos e térmicos, en-quanto a dor lenta pode resultar dos três tipos de nociceptores.

Os nociceptores químicos podem ser excitados por váriassubstâncias químicas, tais como bradicinina, serotonina, íonspotássio, ácidos, acetileolina e enzimas proteolíticas. Outras subs-tâncias, como, por exemplo, as prostaglandinas, apesar de nãoexcitarem diretamente os nociceptores, aumentam sua sensibi-lidade. As substâncias químicas têm grande importância no apare-cimento da dor do tipo lenta, incomoda, que acontece acompa-nhando a lesão tecidual.

Natureza não-adaptativa dos receptores de dor. Ao contrárioda maior parte dos outros receptores sensoriais do organismo,a adaptação dos receptores de dor, quando ocorre, é mínima.

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Na verdade, sob determinadas condições, a excitação das fibrassensíveis à dor se torna progressivamente maior à medida queo estímulo doloroso continua. Esse aumento da sensibilidadedos receptores de dor é chamado de hiperalgesia.

E fácil entender a importância do fato desses receptoresnão se adaptarem, uma vez que isso possibilita que a pessoapermaneça sempre alerta ao estímulo lesivo, que provoca a dordurante todo o tempo em que ele persiste.

INTENSIDADE DA LESÃO TECIDUAL COMOCAUSA DE DOR

Conforme está ilustrado na Fig. 48.1, a média das pessoascomeça a perceber dor quando a pele aquece a valores acimade 45"C. Esta é também a temperatura em que o tecido começaa ser lesado pelo calor. Na verdade, os tecidos são eventualmentedestruídos por completo se a temperatura permanece indefini-damente acima desse valor. Por isso, torna-se bastante claroque a dor provocada pelo aquecimento está intimamente relacio-nada com a capacidade que tem o calor de causar lesão tecidual.

Além disso, também há uma correlação muito íntima entrea intensidade da dor e a intensidade do dano do tecido. Essacorrelação se deve a outras causas, tais como: infecção bacteriana,isquemia, contusão tecidual, e outros agentes.

Importância especial dos estímulos dolorosos durante a lesãotecidual. A injeção sob a pele de extratos de tecidos lesadoscausa dor intensa. Nesses extratos são encontrados todas as subs-tâncias químicas referidas antes corrlo sendo capazes de excitaros nociceptores químicos. Entretanto, a substância que pareceser a mais dolorosa de todas é a bradicinina. Por isso, muitospesquisadores sugeriram ser essa substância o único agente res-ponsável, na maior parte das vezes, por causar a dor característicada lesão tecidual. A intensidade da dor também está relacionadaà concentração extracelular de íons potássio e, além disso, aexcitação dolorosa pode ser também causada pela ação de enzi-mas proteolíticas, que atuam diretamente sobre as terminaçõesnervosas aumentando a permeabilidade iônica de suas membra-nas.

A liberação de várias substâncias químicas, capazes de causardor, não apenas estimula os nociceptores químicos como, tam-bém, causa grande diminuição do limiar de estimulação dos noci-

Fig. 48.1 Curva de distribuição, obtida a partir de um grandenúmero de indivíduos, da temperatura cutânea mínima quecausa dor. (Modificado de Hardy: /. Chronic Dis., 4:22, 1956.)

ceptores mecânicos e térmicos. Um exemplo desse efeito, ampla-mente conhecido, é a dor extrema causada por um suave estímulomecânico ou térmico após lesão tecidual provocada por queima-dura de sol.

Isquemia tecidual como causa de dor. Um tecido se tornamuito dolorido quando ocorre o bloqueio do fluxo sanguíneoque o irriga e a dor aparece tanto mais rapidamente quantomaior for a intensidade do metabolismo do tecido. Se, por exem-plo, um manguito de pressão for colocado em volta do membrosuperior e inflado até que cesse o fluxo de sangue arterial, arealização de exercício com os músculos do braço causará o apare-cimento de dor muscular intensa dentro de 15 a 20 segundos.Se não houver exercício muscular, a dor só aparecerá após 3a 4 minutos.

Uma das causas sugeridas para o aparecimento da dor naisquemia é o acúmulo de grandes quantidades de ácido láticonos tecidos, produzido em conseqüência do metabolismo anaeró-bico (metabolismo sem oxigênio), que ocorre durante a isquemia.No entanto, também é possível que outros agentes químicos,tais como bradicinina, enzimas proteolíticas e outras substâncias— formadas ou liberadas pelo tecido devido à lesão celular —,sejam os principais responsáveis, em lugar do ácido lático, pelaestimulação das terminações nervosas sensíveis à dor.

Espasmo muscular como causa de dor. O espasmo muscularé uma causa muito comum para o aparecimento da dor e c abase para muitas síndromes clínicas dolorosas. Parte dessa dorresulta, provavelmente, do efeito direto do espasmo muscularestimulando os mecanorreceptores sensíveis à dor. No entanto,é possível que a dor também seja resultante do efeito indiretodo espasmo muscular por meio da isquemia provocada pela com-pressão dos vasos sanguíneos. Além disso, o espasmo causa,ao mesmo tempo, aumento da atividade metabólica do tecidomuscular, o que leva a maior isquemia relativa, criando condiçõesideais para a liberação de substâncias químicas que provocamdor.

AS DUAS VIAS DE TRANSMISSÃO DOS SINAISDOLOROSOS PARA O SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Apesar de todas as terminações sensíveis à dor serem termi-nações nervosas livres, essas terminações utilizam duas vias distin-tas para transmitirem os sinais dolorosos para o sistema nervoso.Essas duas vias correspondem aos dois diferentes tipos de dor:uma via para a dor rápida em pontada, e uma via para a dor lenta-crônica.

As fibras periféricas de dor — fibras "rápidas" e "lentas".Os sinais de dor rápida são transmitidos nos nervos periféricosem direção à medula espinhal por fibras de pequeno diâmetrotipo AS, com velocidades entre 6 e 30 m/s. Por outro lado. ?.dor do tipo lenta é transmitida por fibras do tipo C, com veloci-dades entre 0,5 e 2 m/s. Quando se promove compressão mode-rada do feixe nervoso, causando bloqueio das fibras do tipo AÔsem bloquear as fibras do tipo C, a dor rápida em pontada desapa-rece. Por outro lado, baixas concentrações de anestésicos locais,que bloqueiam as fibras do tipo C sem bloquear as fibras dotipo AS, causam o desaparecimento da dor tipo lenta-crônica.

Devido a esse duplo sistema de inervação para a dor, umestímulo doloroso brusco causa uma sensação dolorosa "dupla":uma dor rápida em pontada acompanhada, depois de 1 segundoou mais, de dor lenta, em queimação. A dor rápida alerta apessoa muito rapidamente para a existência de uma influênciapotencialmente lesiva e, por isso, desempenha um papel impor-tante em provocar reação imediata da pessoa para se afastar

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do estímulo. Por outro lado, a sensação de queimação, lenta,tende a se tornar mais e mais dolorosa por maior período detempo. Essa sensação leva, eventualmente, a um sofrimento into-lerável, com sensação de dor longa e continuada.

Após penetrar na medula espinhal, provenientes da raiz espi-nhal dorsal, as fibras da dor trafegam para cima e para baixo,por um a três segmentos no feixe de Lissauer, que se localizaimediatamente posterior à ponta dorsal da substância cinzentada medula espinhal, terminando, então, sobre neurônios locali-zados nas pontas dorsais. Entretanto, temos novamente nesselocal a presença de dois sistemas para o processamento dossinais dolorosos que se dirigem para o cérebro, como ilustradonas Figs. 48.2 e 48.3.

Fig. 48..2 Transmissão de sinais de dor tanto "aguda-fina" como "lenta-crônica" para a e pela medula espinhal em seu trajeto até o troncocerebral.

Fig. 48..3 Transmissão de sinais de dor para o tálamo e córtex pelasvias da "dor aguda" e da "dor ardente".

As duas vias da sensação de dor na medula espinhal etronco cerebral — os feixes neoespinotatâmico epaleoespinotalâmico

Após entrarem na medula espinhal, os sinais dolorosos sãoenviados para o cérebro por meio de duas vias diferentes: ofeixe neoespinotalâmico e o feixe paleoespinotaiámico.

O feixe neoespinotalâmico para a dor rápida. As fibras "rápi-das" de dor, do tipo A6, transmitem principalmente os sinaisdolorosos mecânicos e térmicos. Elas terminam, principalmente,na lâmina I das pontas dorsais (lâmina marginal), onde excitamos neurônios de segunda ordem do feixe neoespinotalâmico. Es-ses neurônios originam longas fibras que cruzam imediatamentepara o lado oposto da medula, pela comissura anterior, e sedirigem para o cérebro pelas colunas antero-laterais.

Terminação do feixe neoespinotalâmico no tronco cerebral etálamo. Algumas fibras do feixe neoespinotalâmico terminamna substância reticular do tronco cerebral, mas a maior partedelas se encaminha diretamente para o tálamo, terminando nocomplexo ventrobasal, juntamente com o feixe coluna dorsal-lem-nisco medial, discutido no capítulo anterior. Algumas fibras tam-bém terminam no grupo nuclear posterior do tálamo. A partirdessas áreas, os sinais são transmitidos para outras áreas basaisdo cérebro e para o córtex sensorial somático.

Capacidade do sistema nervoso para a localização corporal dador rápida. A dor do tipo rápida pode ser localizada nasdiferentes regiões corporais de forma muito mais precisa do quea dor do tipo lenta. Entretanto, se não houver excitação simul-tânea de receptores táteis, a dor do tipo rápida, provenienteapenas da estimulação de receptores de dor, sua localização émuito imprecisa, comumente da ordem de 10 cm em torno daregião estimulada. Se os receptores táteis são simultaneamenteestimulados, há aumento acentuado da precisão da localização.

O feixe paleoespinotaiámico para a transmissão da dor lenta.A via paleoespinotalâmica é um sistema muito mais antigo etransmite os sinais dolorosos conduzidos, principalmente pelasfibras periféricas de dor lenta do tipo C, apesar de, ocasional-mente, também transmitir sinais provenientes de fibras do tipoA5. Nessa via, as fibras nervosas periféricas terminam, em suaquase totalidade, nas lâminas II e III das pontas dorsais da medulaque, juntas, são chamadas de substância gelatinosa, conformeilustrado pela fibra da raiz dorsal mais lateral da Fig. 48.2. Naspróprias pontas dorsais, a maior parte dos sinais passa atravésde um ou mais neurônios internunciais de fibras curtas antesde chegar, em sua maioria, à lâmina V. Os neurônios localizadosna lâmina V das pontas dorsais da medula originam axônioslongos que se juntam, em sua maior parte, às fibras da via dedor rápida, passando para o lado oposto da medula pela comissuraanterior e se dirigindo para o cérebro pela mesma via ântero-lateral. Algumas fibras, no entanto, não cruzam a medula e seencaminham ipsilateralmente em direção ao cérebro.

Substância P, o provável neurotransmissor das terminaçõesnervosas do tipo C. O neurotransmissor liberado pelas fibrasnervosas do tipo C, ao nível das pontas dorsais da medula espi-nhal, é, provavelmente, a substância P. A substância P é umneuropeptídeo e, como todos os outros neuropeptídios, tantosua produção como sua destruição ocorrem lentamente ao níveldas junções. Por isso, acredita-se que, após o início do estímulodoloroso, há aumento de sua concentração nas junções por váriossegundos e, talvez, por tempo até muito maior. E provável queessa substância persista por muitos segundos, ou até minutos,após o término da dor. Isso poderia explicar o aumento progres-sivo da intensidade da dor lenta com o passar do tempo, bemcomo também explicaria, ao menos parcialmente, a persistênciadesse tipo de dor após a remoção do estímulo doloroso.

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Término das fibras de dor lenta-crônica no tronco cerebrale tálamo. A via da dor lenta-crônica termina de modo bastantedifuso no tronco cerebral, como ilustrado pela grande área emrosa na Fig. 48.3 e apenas 1/10 a 1/40 dessas fibras passam direta-mente para o tálamo. No tronco cerebral, as fibras terminam,principalmente, em uma de três áreas distintas: (1) os núcleosreticulares do bulbo, ponte e mesencéfalo; (2) a área rectal domesencéfalo, abaixo dos colículos superior e inferior; e (3) naárea cinzenta periaquedutal, circundando o aqueduto de Sylvius.Essas regiões basais do encéfalo parecem ter grande importânciana apreciação da dor do tipo crônica, uma vez que animais comsecção do tronco cerebral acima do mesencéfalo mostram sinaisevidentes de sofrimento quando qualquer lugar de seu corpoé traumatizado.

A partir da área reticular do tronco cerebral, inúmeros neu-rônios de axônios curtos enviam os sinais dolorosos para os nú-cleos intralaminares do tálamo e também para o hipotálamo eoutras regiões basais do cérebro.

Capacidade do sistema nervoso para a localização da dortransmitida pela via de dor lenta-crônica. A localização da dortransmitida pela via paleoespinotalâmica é muito imprecisa. Naverdade, os estudos eletrofisiológicos sugerem que a localizaçãose refere apenas a áreas corporais mais amplas, tais como ummembro, mas não a áreas mais especificadas, como, por exemplo,uma região detalhada sobre um determinado membro. Isso sedeve às conexões difusas e multissinápticas que ocorrem à medidaque o sinal é transmitido em direção ao cérebro. Isso tambémexplica por que os pacientes têm comumente grande dificuldadede localizar a origem de algumas dores crônicas.

Função da formação reticular, tálamo e córtex cerebral naapreciação da dor. A remoção completa das áreas sensoriais so-máticas do córtex cerebral não destrói a capacidade de percebera dor. Por isso, é provável que os impulsos dolorosos que entramna formação reticular, tálamo e outros centros encefálicos inferio-res, são capazes de causar a percepção consciente da dor. Noentanto, isso não quer dizer que o córtex cerebral não tenhaqualquer participação na apreciação habitual da dor. Ao contráriodisso, a estimulação de áreas sensoriais somáticas corticais fazemcom que a pessoa perceba dor moderada em, aproximadamente,3% dos diferentes pontos estimulados. As experiências sugeremque o córtex desempenha um papel importante na interpretaçãoda qualidade da dor, apesar da percepção da dor serprovavelmente uma função de centros inferiores.

Capacidade especial dos sinais dolorosos em alertar o sistemanervoso. A estimulação elétrica das áreas onde terminam as fibrasque conduzem os sinais de dor do tipo lenta-de sofrimento -áreas reticulares do tronco cerebral e, também, os núcleos intrala-minares do tálamo - tem um efeito de alerta muito forte sobre océrebro. Na verdade, essas duas áreas fazem parte do principalsistema cerebral de vigília, que será discutido no Cap. 59. Issoexplica por que uma pessoa se mantém em alerta máximo quandotem uma dor muito forte e também explica por que é quaseimpossível dormir quando se esta sentindo dor.

Interrupção cirúrgica das vias dolorosas. Quando uma pessoa sofredores muito fortes e intratáveis (na maior parte das vezes resultantesde câncer de progressão rápida), é muitas vezes necessário aliviar o pacientedestruindo a via de condução desses sinais em um do vários pontosdistintos dessa via. Se a dor é na região corporal inferior, habitualmentese promove o alívio, por algumas semanas ou meses, por meio de cordo-tomia na região torácica superior. Isso é conseguido pela secção da quasetotalidade do quadrante ântero-lateral da medula espinhal no lado opostoao da dor, o que levará à interrupção da via sensorial ântero-lateral.

Infelizmente, o alívio da dor pela cordotomia nem sempre tem suces-so, por duas razões. primeiro, muitas das fibras nervosas da parte superiordo corpo não cruzam para o lado oposto da medula espinhal antes deatingir o cérebro, o que faz com que essas fibras permaneçam intactas.

Segundo, freqüentemente, as dores voltam, meses mais tarde, causadas,em parte, pela provável ativação de outras vias dolorosas e, também,pela estimulação de fibras remanescentes devido ao tecido fibroso prove-niente da cordotomia. Essa dor relutante é, muitas vezes, mais difícilde controlar que a dor original.

Outro procedimento cirúrgico para aliviar a dor é a lesão dos núcleosintralaminares do tálamo, o que causa alívio da dor do tipo crônica,deixando intacta a capacidade de apreciação da dor do tipo "aguda",um mecanismo de proteção da maior importância.

O SISTEMA DE CONTROLE DE DOR ("ANALGESIA")NO ENCÉFALO E NA MEDULA ESPINHAL

É muito variável o grau com que cada pessoa reage a dor.Isso resulta, em parte, da capacidade que possui o próprio cérebrode controlar o grau de entrada dos sinais dolorosos no sistemanervoso, pela ativação do sistema de controle da dor, chamadosistema da analgesia.

O sistema da analgesia é ilustrado na Fig. 48 - 4. Ele consisteem três componentes principais (mais outros componentes aces-sórios): (1) a área periaquedutal cinzenta do mesencéfalo e partesuperior da ponte, circundando o aqueduto de Sylvius. Osneurônios dessa área enviam seus sinais até (2) o núcleo magnoda rafe, um pequeno núcleo na linha média, localizado na parteinferior da ponte e na parte superior do bulbo, que recebe sinaisprovenientes dos neurônios localizados na área cinzenta periaque-dutal. Desse núcleo, os sinais são transmitidos em direção àmedula, pelas colunas dorsolaterais, para o (3) complexo para ainibição da dor localizado nas pontas dorsais da medula espinhal.Nesse ponto os sinais de analgesia são capazes de bloquear ossinais dolorosos antes que eles cheguem ao encéfalo.

A estimulação elétrica, tanto da área cinzenta periaquedutalcomo do núcleo magno da rafe, é capaz de suprimir quase comple-

Fig. 48.4 O sistema de analgesia do tronco cerebral emedula espinhal mostrando a inibição dos sinais de dorrecebidos ao nível medular.

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lamente boa parte dos sinais dolorosos de alta intensidade quechegam ao sistema nervoso central pelas raízes espinhais dorsais.Da mesma forma, a estimulação de outras áreas, localizadasem níveis cerebrais mais elevados, que, por seu lado, estimulama substância cinzenta periaquedutal, tais como os núcleosperiven-triculares do hipotálamo, situados junto ao terceiro ventrículo,e o feixe prosencefálico medial, também localizado no hipotálamo,é capaz de levar à supressão dos sinais dolorosos, apesar denão o fazer com a mesma eficácia.

Várias substâncias transmissoras estão envolvidas no sistemada analgesia, especialmente a encefalina e a serotonina. Grandeparte das fibras nervosas provenientes, tanto dos núcleos periven-triculares como da área cinzenta periaquedutal, secretam encefa-lina por seus terminais. Dessa maneira, a maior parte das termina-ções das fibras no núcleo magno da rafe liberam encefalina,como mostrado na Fig. 48.4. As fibras que se originam nessesnúcleos e terminam nas pontas dorsais da medula espinhal secre-tam serotonina por suas terminações. A serotonina liberada atua.por sua vez, sobre grupos de interneurônioss localizados namedula que, ao que parece, liberam encefalina. A encefalinaparece causar inibição pré-sináptica nas junções medulares dasfibras de dor tipo C e Á5. O mecanismo dessa ação estáprovavelmente ligado ao bloqueio dos canais de cálcio nasmembranas das terminações nervosas. O bloqueio desses canaisprovoca diminuição na entrada de íons cálcio nos terminais, coma conseqüente diminuição da quantidade de transmissor liberadona sinapse. Além disso, o bloqueio deve perdurar por longoperíodo de tempo, uma vez que, após a ativação do sistema daanalgesia, o efeito analgésico comumente persiste por muitosminutos, ou mesmo horas.

Assim, o sistema da analgesia é capaz de bloquear os sinaisdolorosos em seus pontos de entrada na medula espinhal. Essesistema também é capaz de bloquear muitos dos reflexos medu-lares locais, em resposta a sinais dolorosos, especialmente osreflexos de retirada, que serão descritos no Cap. 54.

É provável que esse sistema da analgesia também possainibir a transmissão dos sinais dolorosos em outros pontos davia de dor, especialmente no tronco cerebral e nos núcleos intrala-minares do tálamo.

O sistema opióide cerebral - as endorfinas eencefalinas

Há mais de 20 anos foi descoberto que a injeção dequantidades extremamente pequenas de morfina tanto no núcleoperiventricular, em torno do terceiro ventrículo do diencéfalo,como na área cinzenta periaquedutal do tronco cerebral, eracapaz de provocar alto nível de analgesia. Estudos subseqüentesmostraram que a morfina também atua sobre muitos outrospontos do sistema da analgesia, inclusive nas pontas dorsais damedula espinhal. Uma vez que a maior parte das substâncias quealteram a excitabilidade dos neurônios o fazem por sua interaçãocom receptores sinápticos, supõe-se que os "receptores demorfina" do sistema da analgesia sejam, na realidade,receptores para algum neurotransmissor morfinomiméticosecretado naturalmente no encéfalo, o que levou aodesenvolvimento de intensas pesquisas no sentido de descobriro opióide natural do cérebro. Várias dessas substâncias opiáceasjá foram detectadas em diferentes pontos do sistema nervoso;entretanto, todas são produtos provenientes da quebra de trêsgrandes moléculas protéicas: proo-piomelanocorlina,proencefalina e prodinorfina. Além disso, varias áreas cerebraispossuem receptores opiáceos, especialmente as áreas do sistemada analgesia. De todas as substâncias opiáceas encontradas, asmais importantes são fiendorfina, metencefalina, leucencefalina edinorfina.

As duas encefalinas são encontradas nas áreas do sistema

da analgesia descritas antes e a /3-endorfina está presente tantono hipotálamo como na glândula hipófise. Apesar de ser encon-trada em quantidades muito pequenas, no sistema nervoso, adinorfina é importante pois é um opiáceo extremamente potente,com um efeito analgésico cerca de 200 vezes maior que o damorfina, quando injetada diretamente no sistema da analgesia.Assim, apesar do sistema opiáceo cerebral não ser aindacompletamente entendido em todos os seus detalhes, a ativaçãodo sistema da analgesia, seja pela chegada de sinais nervososà área cinzenta periaquedutal ou pela ação de substâncias morfi-nomiméticas, é capaz de suprimir, total ou quase totalmente,grande número de sinais dolorosos que chegam ao sistema nervo-so pelos nervos periféricos.

Inibição da transmissão dos sinais dolorosos peio sinaissensoriais táteis

Outro marco importante do estudo para o controle da dor foi adescoberta de que a estimulação das grandes fibras sensoriais prove-nientes de receptores sensoriais táteis deprime a transmissão dos sinaisdolorosos, tanto provenientes da mesma área corporal como os quese originam de áreas muitas vezes correspondentes a vários segmentosde distância. Esse efeito é provavelmente resultante de um tipo de inibi-ção lateral local. Isso explica por que manobras simples, tais como africção da pele perto de áreas doloridas, bem como o uso de linimentos,são bastante eficazes para aliviar a dor. Esse mecanismo, junto coma excitação psicogênica simultânea do sistema central da analgesia, fun-ciona, provavelmente, como a principal base para o alívio da dor pelaacupuntura.

Tratamento da dor pela estimulação elétrica

Recentemente, têm sido adotados vários procedimentos clínicos parasupressão da dor, utilizando-se a estimulação elétrica das fibras nervosas,Os eletródios de estimulação são colocados sobre áreas selecionadasda pele ou. ocasionalmente, foram implantados sobre a medula espinha!para estimular as colunas sensoriais.

Em alguns pacientes, os eletródios foram colocados estereotaxi-camente nos núcleos intralaminares do tálamo ou nas áreas diencefálicaspenventriculares ou periaquedutais. Com esse procedimento, o pacientepode .controlar pessoalmente o grau de estimulação e, em alguns casos,tem sido relatado grande alívio da dor. Além disso, o alívio da dorperdura por tempo muito longo (chegando a durar até 24 horas) apusapenas poucos minutos de estimulação.

DOR REFERIDA

Muitas vezes, uma pessoa sente dor em uma parte do corpoconsideravelmente afastada dos tecidos que estão realmente pro-vocando dor. Essa dor é chamada dor referida. Comumente,a dor se inicia em um dos órgãos viscerais e é referida à áreasobre a superfície corporal. Ocasionalmente, a dor pode estarreferida a outra área corporal profunda que, no entanto, nãocoincide exatamente à víscera que a está provocando. O conheci-mento desses diferentes tipos de dor referida é extremamenteimportante no diagnóstico clínico, pois muitas doenças visceraisnão causam outros sinais clínicos exceto a dor referida.

Mecanismo da dor referida. A Fig. 48.5 ilustra o mecanismomais provável para o surgimento da dor referida. A figura mostraque ramificações das fibras viscerais de dor fazem junções sinápticas, na medula espinhal, com neurônios de segunda ordem,que também recebem sinais de fibras de dor provenientes ipele. Dessa maneira, quando uma fibra de dor localizada navíscera é estimulada, o sinal é conduzido para o sistema nervoscentral pelos mesmos neurônios que conduzem sinais dolorososprovenientes da pele, o que faz com que a pessoa tenha a sensaçãode que os sinais tenham, na realidade, se originado na própriapele, em lugar da víscera.

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Fíg. 48..5 Mecanismo da dor referida e da hiperalgesia referida.

DOR VISCERAL

Na prática clínica, a dor proveniente das diferentes vísceras do abdo-me e do tórax é um dos poucos critérios que pode ser usado para odiagnóstico de processos inflamatórios, doenças e outros tipos de lesõesviscerais. Geralmente, as vísceras só possuem nociceptores, não sendoencontrados quaisquer outros tipos de receptores sensoriais. Além disso,a dor visceral difere da dor proveniente da superfície em muitos aspectosimportantes. Uma das diferenças mais importantes entre a dor de super-fície e a visceral é o fato de que as lesões viscerais muito localizadasraramente causam dores muito fortes. Um cirurgião pode, por exemplo,seccionar o intestino, dividindo-o em dois, com o paciente acordado,sem provocar dor significativa. Por outro lado, estímulos que causemestimulação difusa das terminações nervosas da víscera são capazes deprovocar dor extremamente severa. Como exemplo podemos citar umprocesso isquêmico causado pela oclusão do suprimento sanguíneo degrande área do intestino, o qual levará à estimulação simultânea degrande número de fibras, distribuídas na víscera de modo difuso, resul-tando em dor extremamente forte.

CAUSAS DA VERDADEIRA DOR VISCERAL

Qualquer estímulo que excite as terminações nervosas de dor emáreas difusas da víscera causam dor visceral. Tais estímulos incluemisquemia do tecido visceral, lesões químicas da superfície da víscera,espasmos do músculo liso de uma víscera oca ou estiramento dos liga-mentos.

Toda dor visceral verdadeira que se origina nas cavidades torácicae abdominal é essencialmente transmitida por fibras nervosas sensoriaisque passam pelos nervos simpáticos. São fibras de pequeno diâmetro,do tipo C, e por isso somente podem transmitir a dor do tipo crônica emqueimação de sofrimento.

Isquemia. A isquemia provoca a dor visceral exatamente pelo mesmomecanismo envolvido com a dor causada em outros tecidos e se deve,possivelmente, à produção de metabólitos acídicosou de produtos prove-nientes da degeneração tecidual, tais como bradicinina, enzimas proteo-líticas ou outras substâncias capazes de estimular as terminações nervosasde dor.

Estímulos químicos. Ocasionalmente, as substâncias produzidas pe-las lesões vazam do tubo gastrintestinal para a cavidade perítoneal. Issoacontece camumente, por exemplo, na ruptura de úlceras gástricas ouduodenais, situações em que se verifica o vazamento do suco gástricoproteolítico, causando digestão difusa do peritônio visceral e estímulode extensas áreas de fibras nociceptoras, provocando, habitualmente,dor extremamente forte.

Espasmo de víscera oca. O espasmo do intestino, da bexiga, dodueto biliar, do ureter, ou de qualquer outra víscera oca pode causardor, possivelmente devido à estimulação mecânica das terminações dedor ou à diminuição do fluxo sanguíneo para o músculo, combinado

com o aumento das necessidades metabólicas do músculo, levando àisquemia relativa, o que causa dor muito intensa.

Habitualmente, a dor causada por víscera espástica acontece sobforma de cólicas, uma dor que aparece de forma rítmica, a intervalosde alguns minutos, aumentando progressivamente até sua intensidademáxima, com subseqüente diminuição. A ritmicidade resulta da contra-ção rítmica do músculo liso, e toda vez que uma onda peristáltica passe,por exemplo, ao longo de um intestino hiperexcitado ocorrerá cólica.A dor do tipo cólica acontece freqüentemente em casos de gastrenterite,constipação, menstruação, parto, doenças da bexiga, obstrução ureteral,e outros. -

Hiperdistensão de vísceras ocas. O enchimento excessivo de umavíscera oca lambem provoca dor, provavelmente devido ao estiramentoexcessivo dos tecidos. No entanto, a hiperdistensão também pode provo-car o fechamento dos vasos que circundam a víscera, ou que penetramem sua parede, levando a dor isquêmica.

Vísceras insensíveis

Algumas vísceras são quase inteiramente insensíveis a qualquer tipode dor. Nesse grupo estão incluídos o parênquima hepático e os alvéolospulmonares. Entretanto, os dutos biliares são sensíveis à dor e a cápsulahepática é extremamente sensível, tanto ao trauma direto como ao estira-mento. Nos pulmões, apesar da insensibilidade dos alvéolos, os brônquiose a pleura parietal são extremamente sensíveis à dor.

DOR PARIETAL CAUSADA POR LESÃO VISCERAL

Além da dor visceral verdadeira, sensações dolorosas também sãotransmitidas a partir das vísceras por fibras nervosas não viscerais queinervam o peritônio parietal, a pleura ou o pericárdio.

Quando uma doença acomete uma víscera, ela se difunde, comfreqüência, para a superfície parietal da cavidade visceral. Da mesmamaneira que a pele, essa estrutura é suprida por extensa inervação prove-niente dos nervos espinhais, em lugar dos nervos simpáticos, motivopelo qual a dor proveniente da superfície parietal, que envolve a víscera,é uma dor muito aguda. Tomemos um exemplo para enfatizar a diferençaentre esse tipo de dor e a dor visceral verdadeira. Uma incisão cortanteatravés do peritônio parietal é muito dolorosa. No entanto, se o mesmotipo de corte for feito no peritônio visceral, ou no próprio intestino,a dor, se houver, será pequena.

LOCALIZAÇÃO DA DOR VISCERAL - AS VIAS DETRANSMISSÃO "VISCERAL" E "PARIETAL"

Comumente i difícil localizar a dor proveniente de diferentes vísce-ras por várias razões. Primeiro, o cérebro não tem conhecimento, porsi mesmo, da existência dos diferentes órgãos e, como resultado, qualquerdor, originada internamente, só pode ser localizada genericamente. Se-gundo, as sensações provenientes, do abdome c tórax são transmitidasem direção ao sistema nervoso central por duas vias separadas - a viavisceral verdadeira e a via parietal. A dor visceral verdadeira é transmitidapelas fibras sensoriais do sistema nervoso autonômico (tanto osimpático como o parassimpático) e as sensações são referidas a regiõesda superfície corporal, muitas vezes afastados do órgão onde a dor temorigem. Por outro lado, as sensações parietais são conduzidas diretamentepara os nervos espinhais locais provenientes do peritônio parietal, pleuraou pericárdio, e as sensações são habitualmente localizadas diretamentesobre a área dolorida.

Localização da dor referida transmitida pelas vias viscerais. Quandoa dor visceral é referida à superfície corporal, a pessoa geralmente alocaliza no segmento do dermátomo em que o órgão visceral teve origemno embrião. O coração, por exemplo, tem origem no pescoço e tóraxsuperior do embrião de modo que as fibras da dor visceral cardíacaentram na medula espinhal pelos segmentos situados entre C-3 e T-5.Por isso, conforme ilustrado na Fig. 48.6, a dor proveniente do coraçãoé referida ao lado do pescoço, sobre os ombros, sobre os músculospeitorais, em direção ao braço e à área subesternal do tórax. Na maiorparte das vezes, a dor se localiza mais no lado esquerdo do que nodireito, pois o lado esquerdo do coração é envolvido muito mais frequen-temente em doenças coronarianas do que o lado direito.

O estômago se origina aproximadamente entre o sétimo e o nono

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Fig. 48.6 Áreas superficiais da dor referida de diferentes órgãos.

segmento torácico do embrião, motivo pelo qual a dor gástrica é referidaao epigástrio anterior, acima do umbigo, que é a área da superfíciecorporal inervada pelos segmentos entre T-5 e T-9. A Fig. 48.6 tambémmostra muitas áreas de superfície para onde é referida a dor visceraloriginada em outros órgãos, representando, aproximadamente, as áreasembrionárias em que cada órgão respectivo se originou.

A via parietal para a transmissão das dores abdominal e torácica.Freqüentemente, a dor visceral é localizada ao mesmo tempo em duasáreas da superfície corporal, devido à dupla transmissão do sinal dolorosopela via visceral referida e pela via parietal direta. conforme ilustraa Fig- 48.7. que mostra como exemplo a dupla transmissão do sinaldoloroso que se origina em apêndice inflamado. Os impulsos que seoriginam no apêndice são conduzidos pelas fibras simpáticas de dor visce-ral em direção à cadeia simpática c. a partir daí, até a medula espinhalao nível de T-10 ou T-ll. Essa dor é contínua, em cólica, e referidaà região periumbilical. Por outro lado. também ocorrem freqüentementeimpulsos dolorosos provenientes do peritônio parietal, devido ao contatodireto do apêndice inflamado ou ã aderência do apêndice à parede abdo-

Fig. 48.7 Transmissão visceral e parietal de dor a partir doapêndice

minai. Esses impulsos são responsáveis pelo aparecimento de dor dotipo aguda localizada diretamente sobre o peritônio irritado, no qua-drante inferior direito do abdome.

ALGUMAS ANORMALIDADES CLÍNICAS DA DORE OUTRAS SENSAÇÕES SOMÁTICAS

HIPERALGESIA

Ocasionalmente, a via da dor fica excessivamente excitável, levandoa hiperalgesia que significa hipersensibilidade a dor. As principais causasda hiperalgesia são: (1) sensibilidade excessiva dos próprios nociceptores,denominada hiperalgesia primária e (2) facilitação da transmissão scnso-rial, chamada de hiperalgesia secundária.

Um exemplo de hiperalgesia primária é a extrema sensibilidadecutânea causada pela queimadura de sol, provavelmente resultante dasensibilização das terminações de dor pela liberação local de produtosteciduais, em razão da queimadura - possivelmente, histamina, prosta-glandina e outros mais. A hiperalgesia secundária é freqüentementecausada por lesões da medula espinhal ou do tálamo, muitas das quaisserão discutidas em seções subseqüentes.

A SÍNDROME TALÂMICA

Quando ocorre trombose do ramo posterolateral da artéria cerebralposterior, o suprimento sanguíneo da região posteroventral do tálamofica prejudicado, com a conseqüente degeneração dos núcleos dessaárea talâmica, enquanto os núcleos talâmicos medial e anteriorpermanecem intactos. Esse processo patológico faz com que o pacienteapresente uma série de anormalidades, tais como: (1) perda de todas assensações do lado oposto do corpo, devido a destruição dos núcleosde conexão, (2) ataxia (incapacidade de controlar a precisão dos movi-mentos), causada pela perda dos sinais de posição e somestésicos quefazem conexões no tálamo antes de chegarem ao córtex cerebral; (3)após algumas semanas ou meses, há recuperação parcial da percepçãosensorial do lado oposto do corpo, mas o limiar para a percepção émais elevado. As sensações, quando ocorrem, têm localização muitoimprecisa e são habitualmente muito dolorosas, às vezes lancinantes,independente do tipo de estímulo aplicado sobre o corpo, (4) a pessoaé capaz de perceber muitas sensações afetivas extremamente desagra-dáveis ou, mais raramente, extremamente prazerosas; e as desagradáveissão sempre acompanhadas de acentuadas manifestações emocionais.

Como os núcleos mediais do tálamo não são destruídos pela trom-bose dessa artéria, admite-se que eles fiquem facilitados, levando a au-mento da sensibilidade à dor, transmitida pelo sistema reticular, bemcomo às percepções afetivas.

HERPES ZOSTER (COBREIRO)

Ocasionalmente, os gânglios da raiz dorsal são infectados por vírusherpes, o que causa dor intensa na área inervada pelas fibras correspon-dentes ao gânglio infectado. Isso leva a dor tipo segmentar que envolvea metade do corpo. A doença é denominada herpes zoster ou "cobreiro"devido à erupção descrita a seguir. O aparecimento da dor está provavel-mente ligado à excitação dos neurônios dos gânglios da raiz dorsal,causada pela infecção virai. Além de causar dor, há também transportedo vírus ao longo do axoplasma até as terminações axônicas cutâneas.O vírus provoca uma erupção na pele que, em poucos dias, originavesículas, que desaparecem alguns dias depois. Todas estas manifestaçõesocorrem no dermátomo correspondente à raiz dorsal infectada.

TIQUE DOLOROSO

Algumas pessoas sentem dores lancinantes em um lado da facena área de distribuição sensorial correspondente à inervação do quintoou do nono par craniano. Esse fenômeno é chamado tique doloroso (ouneuralgia do irigêmeo ou neuralgia do glossofaringeo). A dor é percebidacomo um súbito choque elétrico e pode aparecer durante poucossegundos ou se manifestar de forma quase contínua. Muitas vezes, elaaparece a partir da estimulação de áreas extremamente sensíveis locali-zadas na face. na boca ou na garganta — chamadas "áreas desencadea-doras" —, quase sempre por estimulação mecânica, em lugar de estímulos

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dolorosos. Por exemplo: Quando o paciente engole o boloalimentar o toque do alimento sobre a amígdala desencadeia dorlancinante, extremamente forte, na porção mandibular do quintonervo. Habitualmente, a dor do tique doloroso pode serbloqueada pela secção do nervo periférico da áreahipersensível. A porção sensorial do quinto nervo éhabitualmente seccionada imediatamente após sua entrada nocrânio, onde as raízes sensorial e motora podem ser separadas.Com esse procedimento, a parte motora, necessária aosmovimentos da mandíbula, fica preservada, apesar da destruiçãodos elementos sensoriais, provocando anestesia da face no ladooperado, o que é desagradável. Ocasionalmente, esseprocedimento não dá resultado, indicando que a lesão causadorada dor se situa no núcleo sensorial do tronco cerebral, e não nosnervos periféricos.

Fig.48.8 Corte transversal da medula espinhal mostrando osprincipais feixes acedentes do lado direito e os principais feixesdescendentes à esquerda.

A SÍNDROME DE BROWN-SÉQUARD

Quando ocorre transecção total da medula espinhal, hábloqueio de todas as sensações e funções motoras das regiõesdistais ao segmento onde houve a lesão. Se a transecção ocorrerem apenas um dos lados da medula e atingir toda a metademedular, instalar-se-á a chamada síndrome de Brown-Séquard,cujos sinais e sintomas podem ser previstos a partir doconhecimento dos feixes de fibras nervosas da medula, ilustradosna Fig. 48.8. Do lado onde ocorreu à secção medular háperda de todas as funções motoras e de algumas modalidadesde sensação nos segmentos situados abaixo do nível da secção;outras modalidades tensoriais são perdidas no lado oposto aoda lesão. As sensações de dor, calor e frio são perdidas nolado oposto ao da lesão em todos os dermátomoscorrespondentes aos segmentos, a partir de dois a trêssegmentos abaixo daquele em que ocorreu a secção. Do lado dalesão, há perda de todas as sensações transmitidas pelas colunasdorsal e dorsolateral - sensações anestésicas e de posição,sensações de vibração, de localização discreta e dediscriminação entre dois pontos, bem como as sensações detato "fino", permanecendo, no entanto, a sensação de "tatogrosseiro", de localização imprecisa, pois essa informação étransmitida pelo feixe espinotalâmico ventral do lado oposto.

CEFALÉIA

As cefaléias são, na verdade, dores que se originam nasregiões profundas da cabeça, mas que estão referidas a regiõescefálicas superficiais. Muitas cefaléias resultam de estímulosdolorosos que se originam dentro do crânio; no entanto, algumassão resultantes de estímulos originados do lado de fora docrânio, como, por exemplo, as resultantes de doresprovenientes dos seios nasais.

Cefaléia de origem Intracraniana.

Áreas sensíveis á dor de cabeça craniana.O próprio cérebro é quase totalmente visível a dor. Mesmasessão ou a estimulação elétrica das áreas sensoriais do córtexapenas ocasionalmente são capazes de causar dor, em vezdisso, causam parestesias do tipo formigamento nas áreas docorpo representadas pelas porções do córtex sensorialestimulado. Portanto, é provável que grande parte o mesmo amaioria das dores da cefaléia não seja causada por lesãodentro do próprio cérebro.

Por outro lado, o repuxamento dos seios venenosos em tornodo cérebro, a lesão do tentório ou estiramento da dura na basedo cérebro, todos podem causar dor intensa, que éreconhecida como cefaléia. Também, qualquer tipo deestímulo de traumatismo, compreensão o estiramento dosvasos são sangüíneos das meninges ou, em menor extensão,do cérebro pode causar se cefaléia. uma estrutura sensível é aárea meníngea média, e os neurocirurgiões têm o cuidado deanestesiar e especificamente essa artéria quando e afetouoperações cerebrais sob anestesia local. Por outro lado, adistensão dos seios venosos, lesão do tentório, ou oestiramento da dura mater na base do cérebro podemprovocar dor intensa, que é reconhecida como cefaléia. Alémdisso, quase todos os estímulos traumáticos, de esmagamento oude estiramento dos vasos sanguíneos da dura mater podemprovocar cefaléia. Uma estrutura muito sensível é a artériameníngea média, motivo pelo qual os neurocirurgiões são muitocuidadosos em anestesiar especificamente essa artéria durante aexecução de neurocirurgia sob anestesia local.

Áreas da cabeça para onde se irradia a cefaléiaintracraniana. A estimulação dos receptores de dor localizadosna superfície superior do tentório, ou na calota intracranianaacima do tentório, inicia impulsos no quinto nervo craniano e,por isso, causa cefaléia que se irradia para a hemifronte dacabeça, na área suprida pelo quinto nervo, como ilustrado na Fig.48.9. Por outro lado, impulsos dolorosos que se originam abaixodo tentório entram no sistema nervoso central principalmente pormeio do segundo nervo cervical, que também supre o escalpoatrás da orelha. Por isso, estímulos dolorosos subtentoriaiscausam a ''cefaléia occipital", irradiada para a parte posterior dacabeça como ilustrada na Fig. 48.9.

Tipos de cefaléia intracraniana.

Cefaléia da meningite. Uma das cefaléias mais intensas é aprovocada pela meningite, patologia em que ocorre inflamaçãode todas as meninges, incluindo áreas sensíveis da dura mater eáreas sensíveis em torno dos seios venosos.

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Cefaléia causada pela baixa pressão do líquidocefalorraquidiano. A remoção de apenas 20 ml de liquor écapaz de provocar cefaléia intracraniana intensa, principalmentese a pessoa permanece de pé. A retirada dessa quantidade delíquido elimina a flutuação do cérebro, devida ao líquidocefalorraquidiano. Por isso, o peso do cérebro provoca oestiramento e deformação das diversas superfícies durais,levando à dor que causa a cefaléia.

Cefaléia da enxaqueca. A cefaléia da enxaqueca é um tipoespecial de cefaléia que se supõe seja resultante de fenômenosvasculares anormais, apesar de seu mecanismo ser aindadesconhecido.As enxaquecas habitualmente começam com várias sensaçõesprodrômicas, tais como náuseas, perda da visão em parte docampo visual, aura visual, ou outros tipos de alucinaçõessensoriais. Comumente, os sintomas prodrômicos se iniciam 30 a60 minutos antes do aparecimento da cefaléia. Por esse motivo,qualquer teoria que explique a cefaléia da enxaqueca terá queexplicar também esses sintomas prodrômicos. artéria temporal —seja o agente causal da dor das cefaléias do tipo enxaqueca. No entanto,é possível que esse tipo de cefaléia seja causado, pelo menos em parte,pelos efeitos posteriores difusos provocados pela isquemia cerebral.

Cefaléia alcoólica. Como várias pessoas já tiveram a oportunidadede experimentar, é comum o aparecimento de cefaléia após consumoexcessivo d

Fig 48.9 Áreas de cefaléia resultantes de causas diferentes.

O mais provável é que essa cefaléia se deva ao efeito tóxico do álcoolsobre as meninges, provocando dor intracraniana.

Cefaléia causada pela constipação. A constipação provoca cefaléiaem muitas pessoas. Esse tipo de cefaléia resulta, provavelmente, daabsorção de produtos tóxicos no cólon ou das alterações do sistemacirculatório causadas pela perda de líquido para o lúmen intestinal. Estasuposição se fundamenta no fato desse tipo de cefaléia ocorrer em pessoasportadoras de secção de medula espinhal, o que demonstra que a mesmanão é causada por impulsos nervosos provenientes do cólon.

TIPOS EXTRACRANIANOS DE CEFALÉIA

Cefaléia resultante do espasmo muscular. A tensão emocionacausa, habitualmente, o espasmo de muitos músculos da cabeça,incluindo, principalmente, os músculos com inserção no escalpo e osmúsculos do pescoço que tem pontos de inserção no occipital.Admite-se que essa seja uma das causas mais comuns de cefaléia.Esse tipo de dor parece ser irradiado para as áreas adjacentes da cabeça,causando cefaléia do mesmo tipo da provocada por lesõesintracranianas.

Cefaléia causada pela irritação de estruturas nasais e nasaisacessórias. As membranas mucosas do nariz c de todos os seiosnasais não são muito sensíveis a dor. Entretanto, processos infecciososou irritativos em amplas áreas das estruturas nasais causam comumentecefaléia que se irradia para trás dos olhos ou, no caso de infecção doseio frontal, para as superfícies frontais da cabeça e do escalpo, comoilustrado na Fig. 48.9. As dores provenientes dos seios inferiores -tais como os seios maxilares - podem ser sentidas na face.

Cefaléia causada por distúrbios oculares. A dificuldade de umaperfeita focalização ocular pode provocar contração excessiva dosmúsculos ciliares, com o objetivo de se obter visão nítida. Apesar deserem músculos extremamente pequenos, a contração tônica dosmúsculos ciliares pode provocar cefaléia retroorbital. Outra possívelcausa de cefaléia é o espasmo reflexo de vários músculos faciais eextraoculares, que ocorre durante as tentativas contínuas demanutenção de focalização ocular.

Outro tipo de cefaléia de origem ocular ocorre pela exposição exces-siva dos olhos à irradiação por raios luminosos, especialmente à luzultravioleta. O olhar direto para o sol ou para a descarga de um arcovoltaico por apenas poucos segundos pode resultar em cefaléia que duraentre 24 e 48 horas. Às vezes, a cefaléia resulta de irritação "actínica"das conjuntivas e a dor é irradiada para a superfície da cabeça ou paraa região retroorbital. Entretanto, a cefaléia pode ser causada pela focali-zação de uma luz intensa, tanto a solar como a de um arco voltaico,sobre a retina, com a conseqüente queimadura retiniana.

Os receptores de frio e calor ficam localizados imediatamentesob a pele em pontos distintos mas separados, cada um tendodiâmetro estimulatório da ordem de 1 mm. Na maior parte dasregiões corporais, há entre três e dez vezes mais receptores defrio que de calor, e a densidade de pontos, nas diferentes regiõesvaria de 15 a 25 pontos de frio, por centímetro quadrado noslábios, e 3 a 5 pontos de frio por centímetro quadrado nos dedos,até menos de 1 ponto de frio por centímetro quadrado em algumasáreas superficiais do tronco. O mesmo acontece com os receptoresde calor, mantendo-se sempre a relação numérica entre eles eos receptores de frio.

Testes psicológicos indicam, com bastante certeza, aexistência de terminações específicas para o calor, apesar delasainda não terem sido identificadas histologicamente. Admite-seque elas sejam terminações nervosas livres, pois os sinais decalor são transmitidos principalmente pelas fibras nervosastipo C, com velocidade que variam entre 0,4 e 2 m/s.

Por outro lado, um receptor específico para frio já foi definiti-vamente identificado. É uma fibra nervosa mielínica especia-lizada, de pequeno diâmetro (do tipo A ), que se ramifica porvárias vezes, e cujas extremidades projetam-se para o interiordas superfícies mais profundas das células epidernais basais. Ossinais provenientes desses receptores são transmitidos pelas fibrasnervosas tipo AS, com velocidade da ordem de 20 m/s. Entre-tanto, algumas sensações de frio são transmitidas por fibras nervo-sas tipo C, sugerindo que algumas terminações nervosas livrestambém podem funcionar como receptores de frio.

Estimulação dos receptores térmicos - sensações de frio,frescor, indiferente, morno e quente. A Fig. 48.10 ilustra os efeitosde diferentes temperaturas sobre as respostas de quatro fibrasnervosas diferentes: (1) uma fibra de dor, estimulada pelo frio;(2) uma fibra de frio; (3) uma fibra de calor, e (4) uma fibrade dor, estimulada pelo calor. Note, especialmente, que essasfibras respondem de modo diverso aos diferentes níveis de tempe-ratura. Por exemplo, na área muito fria, apenas as fibras dedor são estimuladas (se a pele fica ainda mais fria, tendendoa se congelar ou se congelando, nem mesmo essas fibras sãoestimuladas). À medida que a temperatura aumenta para 10°a 15°C, os impulsos dolorosos cessam, mas os receptores de friocomeçam a ser estimulados. Acima de 30°C, os receptores de

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calor começam a ser estimulados e os receptores de frio paramde responder a temperaturas em torno de 43°C. Finalmente, emtorno de 45ºC, as fibras de dor começam a ser estimuladas pelocalor.Pelos dados da Fig. 48.10, pode-se entender que as pessoas sãocapazes de determinar os diferentes graus de sensações térmi caspelas intensidades relativas de estimulação dos diferentes tiposde receptores. Os dados dessa figura também permitem entenderpor que tanto o frio como o calor extremos dão a sensação dedor e, mais que isso, permitem entender por que essassensações, quando muito intensas, originam quase a mesmaqualidade de sensação - isto é, tanto as sensações de frio conge-lante como as de calor queimante são similares: ambas são muitodolorosas.

Fig. 48.10 Freqüência de descarga de (1) uma fibra de frio-dor,(2) uma fibra de frio, (3) uma fibra de calor, e (4) uma fibra decalor-dor. (As respostas dessas fibras foram extraídas de dadosoriginais coletados em experimentos distintos por Zotterman,Hensel e Kenshalo.)

Efeitos estimulatórios da elevação e da queda de temperatura- adaptação dos receptores térmicos. Quando um receptor de frioé subitamente submetido a queda brusca da temperatura, há,inicialmente, forte estimulação que diminui rapidamente nosprimeiros segundos e, a seguir, essa diminuição ocorre de formaprogressivamente mais lenta durante os próximos 30 minutosou mais. Em outras palavras, o receptor se "adapta" de formasignificativa, mas essa adaptação não é de 100%.

E, então, evidente que os sentidos térmicos respondem demodo acentuado a modificações de temperatura, além de tambémserem capazes de responder a níveis mantidos de temperatura.Isso quer dizer que o indivíduo sente muito mais frio quandoa temperatura da pele está caindo ativamente do que quandoa temperatura permanece no mesmo nível. Se, ao contrário,a temperatura é elevada ativamente, a pessoa sente muito maiscalor do que sentiria à mesma temperatura final, se ela fossemantida constante.

A resposta a modificações de temperatura explica o extremograu de calor sentido ao se entrar pela primeira vez em umaducha de água quente, bem como o grande frio sentido ao sesair de uma sala aquecida para o ambiente externo em um diafrio.

SENSAÇÕES TÉRMICAS

RECEPTORES TÉRMICOS E SUA EXCITAÇÃO

O ser humano é capaz de perceber diferentes gradaçõesde frio e calor, indo progressivamente da sensação de frio conge-lante - frio - frescor - indiferente - morno - quente - queimante.

Gradações térmicas são discriminadas por pelo menos trêstipos diferentes de receptores sensoriais: os receptores de frio,os receptores de calor e os receptores de dor. Osreceptores de dor só são estimulados por graus extremos decalor e frio e, por isso, são responsáveis, juntamente com osreceptores de frio e calor, pelas sensações de "frio congelante"e de "calor queimante'".

Os receptores de frio e calor ficam localizados imediatamentesob a pele em pontos distintos mas separados, cada um tendodiâmetro estimulatório da ordem de 1 mm. Na maior parte dasregiões corporais, há entre três e dez vezes mais receptores defrio que de calor, e a densidade de pontos, nas diferentes regiõesvaria de 15 a 25 pontos de frio, por centímetro quadrado noslábios, e 3 a 5 pontos de frio por centímetro quadrado nos dedos,até menos de 1 ponto de frio por centímetro quadrado em algumasáreas superficiais do tronco. O mesmo acontece com os receptoresde calor, mantendo-se sempre a relação numérica entre eles eos receptores de frio.

Testes psicológicos indicam, com bastante certeza, a existên-cia de terminações específicas para o calor, apesar delas aindanão terem sido identificadas histologicamente. Admite-se queelas sejam terminações nervosas livres, pois os sinais de calorsão transmitidos principalmente pelas fibras nervosas tipo C,com velocidade que variam entre 0,4 e 2 m/s.

Por outro lado, um receptor específico para frio já foi definiti-vamente identificado. É uma fibra nervosa mielínica especia-lizada, de pequeno diâmetro (do tipo A ), que se ramifica porvárias vezes, e cujas extremidades projetam-se para o interiordas superfícies mais profundas das células epidermais basais. Ossinais provenientes desses receptores são transmitidos pelas fibrasnervosas tipo AS, com velocidade da ordem de 20 m/s. Entre-tanto, algumas sensações de frio são transmitidas por fibras nervo-sas tipo C, sugerindo que algumas terminações nervosas livrestambém podem funcionar como receptores de frio.

Estimulação dos receptores térmicos - sensações de frio,frescor, indiferente, morno e quente. A Fig. 48.10 ilustra os efeitosde diferentes temperaturas sobre as respostas de quatro fibrasnervosas diferentes: (1) uma fibra de dor, estimulada pelo frio;(2) uma fibra de frio; (3) uma fibra de calor, e (4) uma fibrade dor, estimulada pelo calor. Note, especialmente, que essasfibras respondem de modo diverso aos diferentes níveis de tempe-ratura. Por exemplo, na área muito fria, apenas as fibras dedor são estimuladas (se a pele fica ainda mais fria, tendendoa se congelar ou se congelando, nem mesmo essas fibras sãoestimuladas). À medida que a temperatura aumenta para 10°a 15°C, os impulsos dolorosos cessam, mas os receptores de friocomeçam a ser estimulados. Acima de 30°C, os receptores decalor começam a ser estimulados e os receptores de frio paramde responder a temperaturas em torno de 43°C. Finalmente, emtorno de 45ºC, as fibras de dor começam a ser estimuladas pelocalor.Pelos dados da Fig. 48.10, pode-se entender que as pessoas sãocapazes de determinar os diferentes graus de sensações térmicaspelas intensidades relativas de estimulação dos diferentes tiposde receptores. Os dados dessa figura também permitementender por que tanto o frio como o calor extremos dão asensação de dor e, mais que isso, permitem entender por queessas sensações, quando muito intensas, originam quase a mesmaqualidade de sensação - isto é, tanto as sensações de frio conge-lante como as de calor queimante são similares: ambas são muitodolorosas.

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Efeitos estimulatórios da elevação e da queda de temperatura- adaptação dos receptores térmicos. Quando um receptor de frioé subitamente submetido a queda brusca da temperatura, há,inicialmente, forte estimulação que diminui rapidamente nosprimeiros segundos e, a seguir, essa diminuição ocorre de formaprogressivamente mais lenta durante os próximos 30 minutosou mais. Em outras palavras, o receptor se "adapta" de formasignificativa, mas essa adaptação não é de 100%.

E, então, evidente que os sentidos térmicos respondem demodo acentuado a modificações de temperatura, além de tambémserem capazes de responder a níveis mantidos de temperatura.Isso quer dizer que o indivíduo sente muito mais frio quandoa temperatura da pele está caindo ativamente do que quandoa temperatura permanece no mesmo nível. Se, ao contrário,a temperatura é elevada ativamente, a pessoa sente muito maiscalor do que sentiria à mesma temperatura final, se ela fossemantida constante.

A resposta a modificações de temperatura explica o extremograu de calor sentido ao se entrar pela primeira vez em umaducha de água quente, bem como o grande frio sentido ao sesair de uma sala aquecida para o ambiente externo em um diafrio.

Mecanismo de estimulação dos receptores térmicos

Acredita-se que os receptores de frio e calor são estimuladospor modificações de seus ritmos metabólicos, alterações essasque acontecem pelo fato de que as velocidades das reações quími-cas intracelulares aumentam por mais de duas vezes para cada10°C de variação. Em outras palavras, a detecção térmica resulta,provavelmente, de alterações químicas nas terminações nervosaspela ação da temperatura, e não pelos efeitos físicos diretos docalor ou do frio sobre as terminações nervosas.

Somação espacial das sensações térmicas. Pelo fato de serpequeno o número de terminações de frio e de calor nas váriasáreas da superfície corporal, é muito difícil julgar as gradaçõesde temperatura quando são estimuladas pequenas áreas corpo-rais. No entanto, a estimulação de grandes áreas corporais fazcom que haja somação dos sinais térmicos provenientes de todaa área. Pode-se, por exemplo, detectar variações rápidas de tem-peratura de intensidade tão pequena como 0,0lºC, se essa varia-ção afeta toda a superfície corporal simultaneamente. Por outrolado, modificações de temperatura 100 vezes maiores do queessa podem não ser detectadas quando o tamanho da superfícieda pele afetada corresponde a uma área da ordem de apenas1 cm2.

TRANSMISSÃO DOS SINAIS TÉRMICOS NOSISTEMA NERVOSO

Geralmente, os sinais térmicos são transmitidos por viasquase paralelas às dos sinais de dor, mas não as mesmas. Apósentrar na medula espinhal, os sinais passam por alguns segmentos,tanto em direção rostral como caudal, no feixe de Lissauer e,então, terminam nas lâminas I, II e TIT das pontas dorsais —as mesmas onde terminam as fibras de dor. Após pequeno núme-ro de junções, e conseqüente processamento por um ou maisneurônios na medula, os sinais entram nas longas fibras de infor-mação da sensação térmica que cruzam para o feixe sensorialântero-lateral do lado oposto e terminam: (1) nas áreas reticularesdo tronco cerebral e (2) no complexo ventrobasal do tálamo.Alguns sinais térmicos são enviados, a partir do complexo ventro-basal do tálamo, para o córtex sensorial somático. Estudos feitoscom microeletródios mostraram que, ocasionalmente, um neurô-nio localizado na área S-I responde diretamente a estímulos,tanto de frio como de calor, aplicados sobre áreas específicasda pele. Além disso, é sabido que a remoção do giro pós-centralno ser humano reduz a capacidade de distinção de gradaçõesde temperatura.

REFERÊNCIAS

Veja as referências do Cap. 47.

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UNIDADE X

O SISTEMA NERVOSO: B. OS SENTIDOS ESPECIAIS

Ø O Olho: I. Óptica da VisãoØ O Olho: II. Funções Receptora e Neural da RetinaØ O Olho: III. Neurofisiologia Central da VisãoØ O Sentido da AudiçãoØ Os Sentidos Químicos - Paladar e Olfato

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CAPÍTULO 49

O Olho: I. Óptica da Visão

PRINCÍPIOS FÍSICOS DA ÓPTICA

Para que possa entender o sistema óptico do olho, o leitordeve estar inteiramente familiarizado com os princípios físicosbásicos da óptica, incluindo a física da refração, o conhecimentoda focalização, profundidade de foco e outros conhecimentosadicionais sobre o assunto. Por esse motivo, primeiramente, seráapresentada uma breve revisão sobre esses princípios físicos e.a seguir, será discutida a óptica do olho.

REFRAÇÃO DA LUZ

O índice de refração de uma substância transparente. Os raios lumi-nosos se propagam através do ar com velocidade de aproximadamente300.000 km/s, porém a velocidade é muito menor quando a luz se propagacm meios transparentes sólidos ou líquidos. O índice de refração deuma substância transparente é a proporção entre as velocidades de propa-gação da luz no ar e na substância. Obviamente, o índice de refraçãodo ar é 1,00.

Se a luz se propaga através de um tipo particular de vidro, comvelocidade de 200.000 km/s, o índice de refração desse vidro será de300.000 dividido por 200.000, ou 1,50.

Refração dos raios luminosos em uma interface entre dois meios comíndices de refração diferentes. Quando um feixe dirigido de raiosluminosos que se propaga através de um meio transparente incide sobreuma interface perpendicular à sua direção de propagação, as ondas pene-tram no segundo meio de refração sem se desviarem de seu curso, confor-me é mostrado na Fig. 49.1. O único efeito verificado é a diminuiçãoda velocidade de propagação e do comprimento de onda da luz. Poroutro lado, como mostrado na parte inferior da figura, se a luz incidesobre uma interface angulada, ocorre o desvio do feixe de ondas lumi-nosas quando houver diferença entre os índices de refração dos doismeios. Nesse caso particular, as ondas luminosas estão se propagandono ar, que tem índice de refração 1,00, e penetrando em um blocode vidro com índice de refração 1,50. Quando o feixe luminoso incidesobre a interface angulada, a parte inferior do feixe entra no vidro antesda parte superior. A frente de onda da parte superior do feixe continuaa se propagar com velocidade de 300.000 km/s, enquanto a porção dofeixe que já entrou no vidro se propaga com velocidade de 200.000km/s. Isso faz com que a parte superior da frente de onda se movimenteà frente da porção inferior, de maneira que a frente de onda deixede ser vertical, tornando-se angulada para a direita. Uma vez que adireção em que a luz se propaga é sempre perpendicular ao plano da frentede onda, a direção de propagação do feixe luminoso se desvia parabaixo.

O desvio dos raios luminosos em uma interface angulada é conhecidocomo refração. Observe que o grau de refração aumenta em funçãode: (1) a proporção entre os dois índices de refração dos dois meiostransparentes, e (2) o grau de angulação entre a interface e a frentede onda incidente.

APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA REFLEXÃO ÀS LENTES

As lentes convexas - focalização dos raios luminosos. A Fig. 49.2mostra raios luminosos paralelos entrando em uma lente convexa. Osraios luminosos que passam pelo centro da lente incidem de forma exata-mente perpendicular sobre a superfície dessa lente e, por isso, passamatravés da lente sem sofrer qualquer refração. No entanto, à medidaque se afastam do centro para as bordas laterais, a incidência dos raiossobre a interface da lente fica progressivamente mais angulada e, emfunção disso, os raios luminosos sofrem desvio cada vez maior em direçãoao centro da lente. Metade do desvio ocorre quando os raios peneiramna lente e a outra metade se verifica na saída dos raios pelo lado opostoao da incidência. (Nesse momento, o leitor deve parar para analisarpor que os raios ainda continuam a convergir para o centro após emer-girem da lente.)

Finalmente, se a lente é preparada exatamente com a curvaturaadequada, todos os raios paralelos que atravessam a lente em qualquerponto de sua superfície serão desviados de maneira a convergirem paraum só ponto, denominado ponto focal.

As lentes côncavas. A Fig. 49.3 mostra o efeito de uma lente côncavasobre raios luminosos paralelos. Os raios luminosos que passam exata-mente pelo centro da lente incidem sobre uma interface absolutamenteperpendicular ao feixe e, por isso, não sofrem qualquer refração. Naperiferia da lente, os raios atingem a superfície antes dos que incidemsobre o centro, levando a efeito oposto ao verificado com as lentesconvexas, isso faz com que, no feixe luminoso emergente no lado opostoda lente, ocorra divergência dos raios luminosos periféricos em relaçãoaos que passam através do centro da lente.

Dessa maneira, as lentes côncavas divergem os raios luminosos,enquanto as lentes convexas os convergem.

Lentes cilíndricas — comparação com as lentes esféricas. A Fig.49.4 ilustra tanto uma lente convexa esférica como uma lente convexacilíndrica. Observe que a lente cilíndrica desvia os raios luminosos deambos os lados da lente, mas não há desvio dos raios incidentes nassuas porções superior e inferior. Por isso, os raios luminosos paralelossão desviados para uma linha focai Por outro lado, os raios que atraves-sam uma lente esférica convexa são refratados em toda a periferia dalente em direção ao eixo central da mesma, convergindo para o pontofocal.

A lente cilíndrica é bem demonstrada por um tubo de ensaio cheiode água. Se deixarmos incidir um feixe de luz solar sobre esse tubode ensaio e aproximarmos progressivamente uma folha de papel do ladooposto do tubo, verificaremos que, a certa distância, os raios luminososconvergem para uma linha focal. A lente convexa esférica pode serdemonstrada por qualquer lente de aumento. Se incidirmos sobre essalente um feixe de luz solar e aproximarmos progressivamente uma folhade papel do lado oposto, observaremos que, a uma distância adequada,os raios luminosos irão convergir para um ponto focal comum.

As mesmas diferenças observadas entre as lentes cilíndricas e esfé-ricas convexas são verificadas entre as lentes cilíndricas e esféricas cônca-vas. A única diferença reside no fato de que, nestas últimas, há diver-gência do feixe luminoso que emerge do lado oposto da lente.

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Fig. 49.1 Frentes de onda penetrando (parte superior) a superfície deum vidro perpendicular aos raios de luz e (parte inferior) uma superfíciede vidro que forma com os raios um ângulo agudo. Esta figura mostraque a distância entre as ondas é menor, após penetrar no vidro, emcerca de dois terços do que era no ar. Mostra também que os raiossão refratados quando incidem numa superfície de vidro angulada.

Combinação de duas lentes cilíndricas para que se igualem a umalente esférica. A Fig. 49.5 mostra duas lentes cilíndricas convexas posicio-nadas em ângulo reto entre si. As lentes cilíndricas verticais causama convergência dos raios luminosos que a atravessam nas suas partesperiféricas laterais, enquanto a lente horizontal converge os raios lumi-nosos que a atravessam nas bordas superior e inferior. Assim, todosos raios luminosos convergem para um só ponto focal. Em outras pala-vras, duas lentes cilíndricas, posicionadas em ângulo reto entre si, executama, mesma função desempenhada por uma lente esférica com o mesmopoder de refração.

DISTÂNCIA FOCAL DE UMA LENTE

Em uma lente convexa, a distância na qual os raios luminosos para-lelos convergem para um ponto comum é denominada distância focalda lente, conforme ilustrado pelo diagrama da parte superior da Fig.49.6.

No diagrama do meio dessa figura, os raios do feixe luminoso inci-dente não são paralelos porque a fonte luminosa incidente é puntiformee não está situada muito longe da lente. Como os raios provenientesda fonte luminosa puntiforme são divergentes, o ponto de focalizaçãodos raios que atravessam a lente não tem a mesma distância que éobservada quando o feixe incidente é constituído por raios paralelos.Em outras palavras, quando um feixe de raios luminosos divergentesatravessa uma lente convexa, a distância do foco do outro lado da lenteé maior que a verificada para feixes incidentes de raios paralelos.

No diagrama inferior da Fig. 49.6 é ilustrada a incidência de raiosluminosos divergentes, provenientes de uma fonte puntiforme localizadaà mesma distância da fonte ilustrada antes, sobre uma lente convexade curvatura muito maior que a das lentes ilustradas nos diagramas

Fig. 49.3 Desvio de raios luminosos, em cada superfície de uma lenteesférica côncava, mostrando que os raios paralelos tornam-se divergen-tes.

anteriores da mesma figura. Nesse diagrama, a distância entre a lentee o ponto para o qual convergem os raios que a atravessam é igualà distância do foco do primeiro diagrama, onde a lente é menos convexa,mas os raios que entram são paralelos. Isso ilustra que tanto raios para-lelos como raios divergentes podem ser focalizados à mesma distânciaatrás da lente, desde que ela altere sua convexidade.

A relação entre a distância focal da lente, a distância da fonte punti-forme de luz e a distância do foco é expressa pela seguinte fórmula:

Fig. 49.2 Desvio dos raios de luz em cada superfície de uma lente esféricaconvexa, mostrando que os raios incidentes paralelos são focalizadosnum ponto.

Fig. 49.4 Parte superior: foco puntiforme de raios luminosos paralelospassando por uma lente convexa. Parte inferior: linha focal de raiosparalelos passando por uma lente cilíndrica convexa.

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Fig. 49.5 Duas lentes cilíndricas convexas, colocadas em ângulo reto,mostrando que uma delas converge os raios de luz num plano e a outranum segundo plano perpendicular ao primeiro. As duas lentes combi-nadas dão o mesmo foco puntiforme que seria obtido com uma lenteesférica convexa.

Fig. 49.6 As duas lentes da parte superior da ilustração têm o mesmopoder de refração, mas os raios que incidem sobre a primeira são parale-los, enquanto os que incidem sobre a segunda são divergentes; demons-tra-se o efeito dos raios paralelos e divergentes sobre a distância focal.A terceira lente (a inferior) tem poder de refração maior do que asoutras; pode-se ver que, quanto mais forte a lente, menor a distânciafocal.

em que fé a distância focal da lente, a é a distância entre a fontede luz e a lente, e fé é à distância entre o foco e a lente.

FORMAÇÃO DE IMAGEM POR UMA LENTE CONVEXA

O esquema superior da Fig. 49.7 ilustra uma lente convexa comduas fontes luminosas puntiformes à esquerda. Pelo fato de os raiosluminosos atravessarem o centro da lente convexa sem sofrerem qualquerrefração, os raios provenientes de cada fonte luminosa puntiforme serãofocalizados no lado oposto da lente no ponto de interseção com a linhado raio que passa pelo centro da lente.

Qualquer objeto que esteja situado à frente da lente é, na verdade,um mosaico de fontes luminosas puntiformes. Alguns desses pontos sãomuito brilhantes, outros muito fracos, cada um deles podendo ter coresdiferentes. Cada um dos pontos luminosos sobre o objeto tem um pontofocal distinto no lado oposto da lente, em linha com seu centro. Alémdisso, todos os pontos focais depois da lente estarão situados sobre um

plano comum localizado a certa distância após a lente. Se for colocadanessa distância uma folha de papel branco, nela será projetada a imagemdo objeto, conforme ilustrado na parte inferior da Fig. 49.7. No entanto,essa imagem é invertida, em relação ao objeto original, tanto nos eixossuperior-inferior como latero-lateral. Esse é o método pelo qual a lentede uma câmara focaliza a imagem sobre o filme fotográfico.

MEDIDA DO PODER DE REFRAÇÃO DE UMA LENTE- A DIOPTRIA

Quanto mais uma lente desvia os raios luminosos, maior é o seu"poder de refração". Esse poder de refração é medido em termos dedioptrias. O poder de refração de uma lente convexa é igual a 1 metrodividido pela sua distância focal. Assim, uma lente esférica que convergeraios luminosos paralelos para um ponto focal situado 1 m após a lentetem poder de refração de +1 dioptria, como ilustrado na Fig. 49.8.

Fig. 49.7 A, Duas fontes luminosas puntiformesfocalizadas em dois pontos separados no lado opostoda lente. B, Formação de uma imagem por uma lenteconvexa esférica.

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Fig. 49.9 O olho como uma câmara fotográfica. Os números são osíndices de refração

Fig. 49.8 Efeito do poder de refração da lente sobre a distância foca.

Se a lente é capaz de desviar os raios luminosos paralelos com forçaduas vezes maior que a de uma lente com poder dióptrico de +1 dioptria,dizemos que o poder dióptrico dessa lente é de +2 dioptrias, e os raiosluminosos paralelos convergem para um ponto focal situado 0,5 m apósa lente. Uma lente capaz de convergir raios luminosos paralelos paraum ponto focal de apenas 10 cm (0,10 m) após a lente, terá poderde refração de +10 dioptrias.

O poder de refração de uma lente côncava não pode ser determinadoconsiderando-se a distância focal após a lente, uma vez que os raiosluminosos divergem, em lugar de se focalizarem em determinado ponto.Entretanto, se a lente côncava é capaz de causar divergência dos raiosluminosos igual à convergência causada por uma lente convexa compoder de refração de 1 dioptria, dizemos que essa lente côncava temforça dióptrica de -1. Da mesma forma, se uma lente côncava divergeos raios luminosos com a mesma intensidade que uma lente de +10dioptrias é capaz de convergir, dizemos que seu poder dióptrico é de -10 díoptrias.

Observe que as lentes côncavas "neutralizam" o poder de refraçãodas lentes convexas. Assim, se colocarmos uma lente côncava de 1 diop-tria imediatamente à frente de uma lente convexa de 1 dioptria, teremoscomo resultado um sistema de lentes com poder de refração zero.

O poder de refração de lentes cilíndricas é medido da mesma maneiraque o das lentes esféricas. Se uma lente cilíndrica focaliza raios luminososparalelos sobre uma linha de foco situada 1 m após a lente, ela tempoder dióptrico de +1 dioptria. Se, por outro lado, uma tente cilíndricado tipo côncavo diverge os raios luminosos com a mesma intensidadede convergência que possui a lente cilíndrica de +1 dioptria, ela tempoder dióptríco de -1 dioptria. Entretanto, além do poder dióptricoda lente cilíndrica, deve-se também considerar seu eixo.

ÓPTICA DO OLHO

O OLHO COMO UMA CÂMARA

O olho, ilustrado na Fig. 49.9, é opticamente equivalentea uma câmara fotográfica comum, uma vez que ele possui umsistema de lentes, um sistema de abertura variável (a pupila)e a retina (que corresponde ao filme fotográfico). O sistemade lentes do olho é composto por quatro interfaces capazes derefratar a luz: (1) a interface entre o ar e a superfície anteriorda córnea; (2) a interface entre a superfície posterior da córneae o humor aquoso; (3) a interface entre o humor aquoso e asuperfície anterior da lente do cristalino do olho; e (4) a interfaceentre a superfície posterior do cristalino e o humor vítreo. Oíndice de refração do ar é 1,00; o da córnea, 1,38; o do humoraquoso, 1,33; o do cristalino (em média), 1,40; e o do humorvítreo, 1,34.

O olho reduzido. Se todas as superfícies de refração do olhofossem, em seu conjunto, adicionadas algebricamente e, então,consideradas como sendo uma só lente, a óptica do olho normal

poderia ser simplificada e representada esquematicamente comoum "olho reduzido", o que é bastante útil para cálculos simplifi-cados. No olho reduzido, o sistema de lentes pode ser repre-sentado por uma superfície de refração única, com seu pontocentral localizado a 17 mm da retina e com poder dióptrico totalde aproximadamente 59 dioptrias, quando o cristalino está aco-modado para a visão à distância.

A maior parte do poder de refração do olho se deve nãoao cristalino, mas à superfície anterior da córnea. A principalrazão para esse fato é a diferença marcante entre o índice derefração da córnea e o do ar.

Por outro lado, o poder de refração total da lente do crista-lino do olho é de apenas 20 dioptrias, cerca de 1/3 do poderde refração total do sistema de lentes do olho. Isto se deveao fato de ambas as superfícies do cristalino estarem em contatocom líquidos (humor aquoso e humor vítreo). Se o cristalinofosse removido do olho e suas duas superfícies fossem colocadasem contato com o ar, seu poder dióptrico seria seis vezes maior.Isso se deve ao fato de que as diferenças entre os índices derefração dos líquidos que estão em contato com o cristalino eo índice de refração do próprio cristalino são pequenas, o queleva à diminuição significativa da refração da luz nas interfacesdo cristalino. No entanto, a importância do cristalino se deveà capacidade de aumentar sua curvatura de modo significativo,com a finalidade de promover a "acomodação", que será discu-tida adiante neste capítulo.

Formação da imagem sobre a retina. O sistema delentes do olho pode focalizar uma imagem sobre a retinaexatamente da mesma maneira que uma lente de vidro é capazde focalizar uma imagem sobre uma folha de papel. Essa imagemé invertida em relação ao objeto. Entretanto, a mentepercebe o objeto na posição correta, apesar da orientaçãoinvertida na retina, porque o cérebro é treinado para consideraruma imagem invertida como sendo a normal.

O MECANISMO DA ACOMODAÇÃO

O poder de refração do cristalino do olho pode ser aumen-tado voluntariamente, nas crianças mais jovens, de 20 dióptriaspara até aproximadamente 34 dióptrias, o que representa uma"acomodação" total de 14 díoptrias. Para que isso aconteça,o formato do cristalino deve ser modificado a partir de umaforma ligeiramente convexa para um formato com alta convexi-dade. O mecanismo para que isso aconteça é o seguinte:

Na pessoa jovem o cristalino é composto de uma cápsulaaltamente elástica preenchida por fibras viscosas de material pro-téico, mas transparentes. Quando ele está em estado de relaxa-mento, sem haver tensão sobre sua cápsula, assume um formatoquase esférico, devido totalmente à elasticidade da cápsula. Noentanto, como ilustrado na Fig. 49.10, cerca de 70 ligamentos

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Fig. 49.10 Mecanismo de acomodação.

(denominados zônulas) se inserem radialmente em torno do cris-talino, puxando suas bordas em direção às extremidades anterio-res da retina. Esses ligamentos são mantidos constantementetensionados pelo estiramento elástico de suas inserções no corpociliar, na borda anterior da coróide. A tensão sobre os ligamentosfaz com que o cristalino permaneça relativamente achatado quan-do o olho se encontra em condições normais de repouso. Noslocais de inserção dos ligamentos no corpo ciliar está o músculociliar, constituído por dois grupos de fibras musculares lisas: asfibras meridionais e as fibras circulares. As fibras meridionais seestendem em direção à junção corneoescleral e, quando secontraem, as inserções periféricas dos ligamentos do cristalinosão puxadas para diante, provocando liberação parcial da tensãosobre o cristalino. As fibras circulares estão dispostas circular-mente em volta de todo o globo ocular e, quando se contraem,atuam como um esfíncter, diminuindo o diâmetro do círculodas inserções dos ligamentos, que passam a exercer menos tensãosobre a cápsula do cristalino.

Dessa maneira, a contração de ambos os grupos de fibrasmusculares lisas do músculo ciliar diminui a tensão dos ligamentossobre a cápsula do cristalino, fazendo com que ela assuma umformato mais esférico, como o de um balão, devido à elasticidadecapsular natural. Por isso, quando o músculo ciliar está completa-mente relaxado, o poder dióptrico do cristalino é o menor possí-vel. Por outro lado, a contração máxima do músculo ciliar fazcom que o cristalino passe a funcionar com seu poder dióptricomáximo.

Controle autonômico da acomodação. O músculo ciliar é qua-se inteiramente controlado pelo sistema nervoso parassimpático.A estimulação dos nervos parassimpáticos contrai o músculo ci-liar, o que provoca o relaxamento dos ligamentos da lente, comconseqüente aumento de seu poder de refração. O aumento dopoder de refração possibilita a focalização de objetos localizadosmais perto do observador do que quando o olho está com menorpoder de refração. Em vista disso, à medida que um objetodistante se move em direção ao olho, o número de impulsosparassimpáticos sobre o músculo ciliar fica progressivamentemaior, de modo a permitir que o objeto seja mantido em foco.(A estimulação simpática tem efeito muito pequeno sobre o mús-culo ciliar, causando seu relaxamento. Assim, o papel desempe-nhado pelo simpático no mecanismo de acomodação normal pare-ce ser praticamente nulo. O mecanismo neurológico dessainteração é discutido no Cap. 51.)

Presbiopia. Com o envelhecimento o cristalino se torna

maior, mais espesso e menos elástico, provavelmente devido,em parte, à desnaturação progressiva de suas proteínas. Issoleva à diminuição progressiva da capacidade do cristalino demodificar seu formato. Como conseqüência, seu poder de acomo-dação decresce de um valor de aproximadamente 14 dioptriasna criança jovem para menos de 2 dióptrias entre 45 e 50 anosde idade, chegando a zero em torno dos 70 anos de idade, situaçãoem que o cristalino é totalmente incapaz de qualquer acomo-dação, condição essa conhecida pelo nome de "presbiopia".

Uma vez que a pessoa tenha chegado ao estado de presbio-pia, cada olho fica focalizado de forma permanente para determi-nada distância, a qual depende das características físicas de cadaolho individualmente. Obviamente, o olho não consegue se aco-modar nem para a visão para perto, nem para a visão a distância,motivo pelo qual a pessoa mais idosa, para ver com nitidez tantode longe como de perto, necessita utilizar lentes bifocais, como segmento superior focalizado para visão a distância e o segmentoinferior focalizado para visão para perto.

A ABERTURA PUPILAR

A maior função da íris é aumentar a quantidade de luzque penetra no olho, em situações de baixa iluminação, e diminuí-las, em situações de grande intensidade luminosa. Os reflexosde controle desse mecanismo são considerados durante a discus-são da neurologia do olho, no Cap. 51. A quantidade de luzque penetra no olho através da pupila é proporcional à áreada pupila ou ao quadrado do diâmetro pupilar. O diâmetro dapupila do olho humano pode variar dentro de grande faixa devalores, indo de valores muito pequenos (1,5 mm) até muitograndes (8,0 mm), o que faz com que a quantidade de luz quepenetra no olho possa variar por até aproximadamente 30 vezes,devido às modificações da abertura pupilar.

Profundidade de foco do sistema de lentes do olho. A Fig.49.11 ilustra dois globos oculares exatamente iguais, à exceçãodas suas aberturas pupilares. No olho superior, a abertura pupilaré pequena e, no inferior, a abertura é grande. À frente de cadaum desses dois olhos há duas fontes puntiformes de luz e a luzproveniente de cada uma das fontes atravessa a abertura pupilare é focalizada sobre a retina. Como conseqüência, a retina vêos dois pontos de luz perfeitamente em foco. Entretanto, comoc evidenciado no diagrama, no momento em que se move aretina para frente ou para trás, para uma posição fora de foco,não se observa grande alteração no tamanho do ponto de luzno olho superior. No entanto, as dimensões dos pontos no olhoinferior aumentam de forma significativa e se transformam em

Fig. 49.11 Efeito de uma abertura pupilar pequena e de umagrande sobre a profundidade de foco.

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"círculo embaçado". Em outras palavras, o sistema de lentesdo diagrama superior tem profundidade de foco muito maiorque o do diagrama inferior. Quando um sistema de lentes temgrande profundidade de foco, a retina pode ser consideravel-mente deslocada do plano focal sem alterar a nitidez da imagemfocalizada. Por outro lado, quando o sistema tem profundidadede foco pequena, a imagem se torna extremamente empacadaquando a retina é ligeiramente deslocada do plano de foco.

A maior profundidade possível de foco é verificada quandoa abertura pupilar é extremamente pequena. Isso se deve aofato de que, nessa situação, todos os raios luminosos passamobrigatoriamente perto do centro da lente e, como foi explicadoantes, os raios mais centrais estão sempre em foco.

ERROS DE REFRAÇÃO

Emetropia. Conforme é mostrado na Fig. 49.12, o olho é consideradonormal, ou "emétrope", se os raios paralelos, provenientes de objetoslocalizados a grande distância, estão perfeitamente focalizados sobre aretina quando a músculo ciliar está completamente relaxado. Isso querdizer que o olho emétrope é capaz de ver com nitidez todos os objetoslocalizados a distância, com os músculos ciliares relaxados, mas, parafocalizar objetos localizados próximos a ele, há necessidade que seumúsculo ciliar se contraia, promovendo os graus adequados de acomo-dação.

Hipermetropia (ou hiperopia). A hipermetropia, também conhecidacomo "visão para longe", é devida habitualmente a globo ocular muitocurto ou a sistema de lentes muito fraco, quando o músculo ciliar estácompletamente relaxado. Nessa condição, como mostrado no painel mé-dio da Fig. 49.12, os raios luminosos paralelos não são desviados comintensidade suficiente para que sejam focalizados sobre a retina. Parasuprimir essa anormalidade, o músculo ciliar tem que se contrair paraaumentar o poder dióptrico do cristalino. Por esse motivo, a pessoahipermétrope é capaz de focalizar sobre a retina objetos a distânciausando esse mecanismo de acomodação. Se, para objetos localizadosa distância, for necessária apenas uma pequena força muscular paraa acomodação, os objetos mais próximos podem ser focalizados, bastan-do, para isso, que utilize a reserva de força do músculo ciliar que aindanão foi utilizada.

Com o avanço da idade, quando o cristalino se torna presbiópico,a pessoa hipermetrope fica habitualmente incapaz de acomodar sua lente

Fig. 49.12 Raios paralelos de luz são focalizados na retina, no casode emetropia; atrás da retina, na hipermetropia; e na frente da retina,na miopia.

para focalizar os objetos a longa distância e, muito menos, para focalizaros objetos situados à curta distância.

Miopia. Na miopia, ou “visão para perto” quando o músculo ciliarestá completamente relaxado, os raios luminosos provenientes de objetoslocalizados a grandes distâncias são focalizados à frente da retina, comomostrado no painel inferior da Fig. 49.12. Essa anormalidade se deve,habitualmente, a um globo ocular muito longo, mas também pode serocasionalmente resultante de um poder de refração muito grande porparte do sistema de lentes do olho.

Não existe mecanismo pelo qual o olho possa diminuir o poderde refração de seu sistema de lentes, quando o músculo ciliar está total-mente relaxado. Por esse motivo, não há como a pessoa míope possaconseguir focalizar nitidamente a imagem de objetos situados a grandesdistâncias sobre a retina. No entanto, à medida que o objeto se aproximado olho. chega a um ponto em que a distância é suficiente para permitirque a imagem seja focalizada na retina. A partir daí, quando o objetofica ainda mais próximo do olho, a pessoa passa, então, a utilizar osmecanismos de acomodação para manter a imagem focalizada com niti-dez. Por isso, a pessoa míope tem um "ponto distante" limitado e definidopara a visão nítida.

Correção da miopia e da hipermetropia pelo uso de tentes. Como jáfoi discutido antes, os raios luminosos que passam através de uma lentecôncava são divergentes. Por isso, se as superfícies de refração do olhotêm poder de refração muito grande, como na miopia, parte desse poderde refração pode ser neutralizada colocando-se à frente do olho umalente esférica côncava, que provocará divergência dos raios luminosos.

Por outro lado, a pessoa hipermetrope - isto é, quem tenha umsistema de lentes muito fraco - pode ter corrigida sua anormalidade devisão pela colocação de uma lente convexa à frente do olho, que daráao sistema um poder de refração adicional. Essas correções estãoilustradas na Fig. 49.13.

Habitualmente, a determinação da força de uma lente côncava ouconvexa necessária para que a pessoa possa ver com nitidez é feita apartir de "tentativas e erros" -isto é, inicialmente é feita uma tentativacom uma lente de determinado poder e, a partir daí, são utilizadas lentesmais fortes ou mais fracas, até que se chegue àquela com a qual sealcança a melhor acuidade visual.

Astigmatismo

Astigmatismo é um erro de refração do sistema de lentes comumentecausado por formato oblongo da córnea ou, raramente, por formatooblongo do cristalino. Um exemplo de cristalino astigmático seria umalente cuja superfície tivesse o formato semelhante ao da parede lateralde um ovo deitado, sobre a qual a luz incidiria. O grau de curvaturada lente no eixo maior é menor que o grau de curvatura no eixo menor.

Pelo fato de, em uma lente astigmática, (córnea e cristalino), acurvatura ser menor em um plano que no outro, os raios luminososque incidem sobre as porções periféricas da lente em um plano nãosão desviados com a mesma intensidade que os que incidem no outro

Fig. 49.13 Correção da miopia com lente côncava e da hipermetropiacom lente convexa

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plano. Isso é ilustrado na Fig. 49.14, que mostra os raios luminososemanando de uma fonte puntiforme e passando através de uma lenteastigmática. Os raios luminosos no plano vertical, indicado pelo planoBD, sofrem grande refração pela lente astigmática, pois sua curvaturaé maior no plano vertical que no horizontal- No entanto, os raios lumi-nosos no plano horizontal, indicado pelo plano AC, não sofrem o mesmodesvio que o dos raios do plano vertical. É óbvio, então, que os raiosluminosos que passam através de uma lente astigmática não convergempara um ponto focal comum, porque os raios que passam por determinadoplano têm seu foco em um ponto diferente do correspondente aos raiosque passam pelo outro plano.

O astigmatismo jamais pode ser compensado pelo poder de acomo-dação dos olhos porque, durante a acomodação, a modificação da curva-tura do cristalino acontece em ambos os planos. Por isso, quando aacomodação corrige o erro de refração em um dos planos não o fazno outro. Como a correção tem que ser feita em graus diferentes nosdois planos, jamais ela será conseguida sem o auxílio de óculos. Assim,a visão jamais terá localização nítida.

Correção do astigmatismo com lente cilíndrica. Consideremos umolho astigmático como tendo um sistema de lentes constituído por duaslentes cilíndricas com diferentes poderes dióptricos, posicionadas emângulo reto entre si. Para corrigir o astigmatismo, o procedimentohabitual é, de início, encontrar, por "tentativa e erro", uma lenteesférica que corrija a focalização em um dos dois planos da lenteastigmática. Em seguida, utiliza-se uma lente cilíndrica adicionalpara corrigir o erro no outro plano. Para que o resultado sejaalcançado, é necessário que sejam determinados, na lente cilíndrica,tanto seu poder dióptrico como também seu eixo.

Há vários métodos para a determinação do eixo do componentecilíndrico anormal no sistema de lentes do olho. Um deles se baseiana utilização de barras paralelas pretas do tipo mostrado na Fig. 49.15.Algumas dessas barras são verticais, outras são horizontais e as restantesestão dispostas em ângulos variados com relação aos eixos vertical ehorizontal. Após a colocação de várias lentes esféricas em frente aoolho astigmático, pelo método de tentativas e erros, será encontradaa lente que permite a focalização nítida de um desses grupamentos debarras sobre a retina, mas não corrigirá a falta de foco do grupo debarras dispostas em ângulo reto às que foram focalizadas. A partir dosprincípios físicos de óptica anteriormente discutidos neste capítulo, pode-mos demonstrar que o eixo do componente cilíndrico do sistema ópticoque está fora de foco é paralelo às barras que estão embaçadas. Apósa determinação desse eixo, o examinador tenta lentes cilíndricas positivasou negativas progressivamente mais fortes ou mais fracas, com seuseixos colocados paralelamente às barras fora de foco, até que todo oconjunto de barras seja visto com nitidez. Quando isso é conseguido,o examinador orienta o técnico para a confecção de uma lente especialtanto com a correção esférica como com a correção cilíndrica no eixoadequado.

Kig. 49.14 Astigmatismo, mostrando que os raios de luz focalizam-sea uma determinada distância focal, num dos planos focais, e em outradistância focal no plano em ângulo reto com o anterior.

tuada que não há óculos que consigam corrigir a visão de forma satisfa-tória. No entanto, a correção pode ser alcançada pela utilização de lentede contato, que neutralizará o erro de refração da córnea, uma vezque a refração mais significativa se dará na superfície anterior da lente,em substituição à da córnea defeituosa.

A lente de contato tem ainda muitas outras vantagens, incluindo:(1) a lente acompanha o movimento dos olhos, permitindo um campovisual nítido mais amplo do que o conseguido com o uso de óculoscomuns e, (2) a lente de contato tem pouco efeito sobre o tamanhodo objeto que a pessoa vê através dela, enquanto, por outro lado, aslentes colocadas vários centímetros à frente do olho não apenas corrigemo foco como também alteram a dimensão da imagem na retina.

Cataratas

Cataratas são uma anormalidade visual bastante comum, que ocorreem pessoas mais idosas e se caracteriza pela opacificação de uma oumais áreas do cristalino. No estágio inicial da catarata, há desnaturaçãodas proteínas das fibras do cristalino. Posteriormente, há coagulaçãodas proteínas desnaturadas, formando áreas opacas no lugar das fibrasprotéicas normais, transparentes.

Quando a catarata impede a passagem de luz de modo acentuado,levando à perda visual significativa, pode-se fazer a correção pela remo-

Correção das anormalidades ópticas pelo uso de lentes decontato

Atualmente, passaram a ser confeccionadas lentes de contato, tantode vidro como de plástico, que se adaptam à superfície anterior dacórnea com bastante conforto. Essas lentes são mantidas em sua posiçãopor uma fina camada de lágrimas que preenche o espaço entre elase a superfície anterior do olho.

Uma característica especial da lente de contato é a anulação quasetotal que ela causa à refração que normalmente existe na superfícieanterior da córnea. Isso se deve ao fato de que a lágrima, que ficaentre a lente e a superfície anterior da córnea, tem índice de refraçãoquase igual ao da córnea, o que diminui, de modo significativo, o papeldesempenhado pela superfície anterior da córnea no sistema óptico doolho. Em vez disso, a estrutura que passa a ter o papel mais importantena refração dos raios luminosos que incidem sobre o olho passa a sera superfície anterior da lente de contato, enquanto a superfície posteriortem menor importância. Por esse motivo, a refração dessa lente passaa substituir a refração usual da córnea. Isso é especialmente importantepara as pessoas nas quais os erros de refração ocular são causados porformatos anormais da córnea, tais como as que têm córnea anormalmenteabaulada - condição denominada ceratocone. Sem a lente de contato, oabaulamento anormal da córnea causa anormalidade visual tão acen- Fig. 49.15 Quadro composto de barras paralelas pretas para

determinação do eixo (meridiano) do astigmatismo.

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ção cirúrgica do cristalino. No entanto, esse procedimento faz com queo olho perca grande parte do seu poder de refração, o que terá deser compensado pela utilização de lente convexa muito potente ã frentedo olho. Outra alternativa é a implantação de cristalino artificial, compoder de refração de aproximadamente +20 dioptrias, no lugar do crista-lino removido.

ACUIDADE VISUAL

Teoricamente, a focalização sobre a retina da luz provenientede uma fonte puntiforme localizada a grande distância corres-ponderá a uma imagem infinitamente pequena. No entanto, comoo sistema de lentes do olho não é perfeito, esse ponto na retinaterá, habitualmente, um diâmetro total da ordem de 11 µm,mesmo com a resolução máxima do sistema óptico. Entretanto,ele será muito mais brilhante no ponto central e a luminosidadeirá diminuindo progressivamente em direção à periferia, comoilustrado pela imagem de dois pontos mostrada na Fig. 49.16.

Na fóvea retiniana, a parte central da retina onde a visãoé mais acurada, o diâmetro médio dos cones é de aproxima-damente 1,5µm, que corresponde a 1/7 do diâmetro do pontode luz. Entretanto, como o ponto de luz tem alto brilho nocentro e baixa luminosidade na periferia, a pessoa é capaz dedistinguir dois pontos separados, se seus centros se situam, naretina, a distância mínima da ordem de 2 /lm, distância ligeira-mente maior que a largura dos cones foveais, discriminação essaque é também ilustrada na Fig. 49.16.

Para o olho humano, a acuidade visual normal para a discri-minação entre dois pontos de luz é da ordem de 45 segundosde arco. Isto é, quando os raios luminosos provenientes de duasfontes puntiformes de luz, separadas uma da outra, incidem sobreo olho com ângulo de, no mínimo, 45 segundos de arco entreeles, o observador os reconhece como dois pontos, em vez deapenas um. Isto quer dizer que uma pessoa com acuidade visualnormal é suficientemente capaz de distinguir, como entidadesdistintas, dois pontos luminosos situados a 10 m de distânciaquando estiverem separados, entre si, por uma distância de 1,5a 2,0 mm.

A fóvea tem diâmetro menor que 0,5 mm (menos de 500µm), o que quer dizer que a acuidade visual máxima é observadaem apenas 3 graus do campo visual. Fora da área da fóvea,a acuidade visual é reduzida entre cinco e dez vezes, e se tornaprogressivamente menor à medida que se aproxima da periferiada retina. Isto se deve à conexão progressivamente maior doscones e bastonetes com a mesma fibra do nervo óptico à medidaque, na região não-foveal, passa-se do centro para a periferiada retina, como será discutido no Cap. 51.

Método clínico para determinar a acuidade visual. Habitual-

Fig. 49.16 Acuidade visual máxima para duas fontes luminosaspuntiformes.

mente, o cartão para testar os olhos é colocado à distância de6 m (20 pés) da pessoa que está sendo testada. Se a pessoapode ver as letras que tenham um tamanho igual ao que eladeveria ser capaz de ver à distância de 6 m (20 pés), diz-seque ela tem visão 20/20, isto é, uma visão normal. Se ela somenteconseguir ver letras de tamanhos iguais aos que deveria ser capazde ver a 60 m (200 pés) de distância, diz-se que ela tem visão20/200. Em outras palavras, o método clínico usado para expres-sar à acuidade visual utiliza uma fração matemática que expressaa proporção entre duas distâncias, que é também a proporçãoentre a acuidade visual de uma pessoa normal e a da pessoatestada.

DETERMINAÇÃO DA DISTÂNCIA ENTRE UMOBJETO E O OLHO - PERCEPÇÃO DEPROFUNDIDADE

Comumente, o aparelho visual utiliza três meios principaispara perceber a distância. Esse fenômeno é conhecido comopercepção de profundidade. Esses meios são: (1) o tamanho daimagem de objetos conhecidos, sobre a retina; (2) o fenômenode movimentação da paralaxe e, (3) o fenômeno da estereopsia.

Determinação da distância pelas dimensões da imagem reti-niana de objetos conhecidos. Se sabemos que uma pessoa à nossafrente tem altura de 1,80 m, é possível determinarmos quãolonge ele está pelas dimensões de sua imagem sobre nossa retina.Não há pensamento consciente sobre o tamanho, mas o cérebroaprendeu a calcular automaticamente a distância dos objetospelo tamanho da imagem, desde que o tamanho dos mesmosseja conhecido.

Determinação da distância pela movimentação da paralaxe.A movimentação da paralaxe é outro importante meio pelo qualos olhos determinam a distância dos objetos. Se uma pessoaolha a distância com os olhos completamente parados não hámovimentação da paralaxe, mas, quando ela move a cabeça paraum lado e para o outro, a imagem dos objetos próximos a elase move rapidamente ao longo da retina, enquanto a imagemdo objeto mais distante permanece quase estacionária. Por exem-plo, se o objeto está situado a uma distância de 2,5 cm à frentedos olhos, a movimentação lateral da cabeça por 2,5 cm farácom que a imagem percorra praticamente toda a extensão dasretinas, enquanto a imagem de um objeto situado a 60 m dedistância dos olhos praticamente não se move. Assim, por essemecanismo de movimentação da paralaxe, podemos determinaras distâncias relativas entre os diferentes objetos, mesmo quandousamos apenas um olho.

Determinação da distância pela estereopsia — visão binocu-lar. Outro método de percepção da paralaxe é o da visão binocu-lar. Pelo fato dos olhos estarem lateralmente afastados um dooutro por distância pouco maior que 5,0 cm, as imagens dasduas retinas diferem entre si — isto é, um objeto situado 2,5cm à frente da ponta do nariz forma uma imagem na retinatemporal de cada olho, enquanto um objeto situado 6 m à frentedo nariz tem sua imagem formada na região mais central dasretinas. Esse tipo de paralaxe é ilustrado na Fig. 49.17, ondesão mostradas as imagens de um ponto preto e um quadradosobre as retinas. Observe a reversão da posição das imagens,devido às diferentes distâncias de cada um dos objetos em relaçãoaos olhos. Esse tipo de paralaxe está sempre presente quandoos dois olhos estão sendo usados e é principalmente essa paralaxebinocular (ou estereopsia) que faz com que a pessoa com doisolhos tenha capacidade muito maior do que as que têm apenasum olho para julgar distâncias relativas, quando os objetos estãopróximos ao observador. No entanto, para objetos situados adistâncias maiores que 60 metros, a estereopsia é virtualmenteinútil.

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Fig. 49.17 Percepção de distância (1) pelo tamanho da imagem na retinae (2) como resultado da estereopsia.

INSTRUMENTOS ÓPTICOS

O OFTALMOSCÓPIO

O oftalmoscópio é um instrumento pelo qual se pode olhar o interiordo olho de uma pessoa e ver a retina com bastante nitidez. Apesardo oftalmoscópio aparentar ser um instrumento bastante complicado,seus princípios são simples. Os componentes básicos de um oftalmoscópioestão ilustrados na Fig. 49.18 e seu mecanismo de funcionamento éexplicado a seguir. Os raios luminosos divergentes, provenientes de umafonte puntiforme de luz intensa, chegam à retina de um olhoemetrópico paralelos entre si, após passarem pelo sistema de lentes doolho, porque a retina está localizada no plano focal do cristalino. Quandoesses raios são refletidos e penetram no olho emétrope de outra pessoa,eles são focalizados na retina desta segunda pessoa porque sua retinaestá no mesmo plano focal. Por isso, qualquer ponto de luz sobre aretina do olho que está sendo observado converge para um ponto focalsobre a retina do olho que está observando. Da mesma maneira,quando um ponto de luz brilhante se movimenta entre dois pontosdiferentes na retina que está sendo observada, o ponto focal da retinado observador terá o mesmo movimento. Assim, se a retina de umapessoa for capaz de emitir luz, sua imagem estará focalizada sobre aretina do observador, uma vez que os dois olhos estão um de frentepara o outro. Obviamente, estes princípios se aplicam apenas paraolhos perfeitamente emétropes. Para construir um oftalmoscópio énecessário apenas se elaborar uma maneira de iluminar a retina a serexaminada. Então, a luz refletida dessa retina pode ser vista peloobservador, bastando, para tanto, que os dois olhos estejampróximos um do outro. Para iluminar a retina do olho observadoutiliza-se um espelho angulado ou um segmento de prisma colocado àfrente do olho a ser examinado, de tal modo que a luz proveniente dafonte seja refletida para o interior do olho observado. Com isso, a retina éiluminada através da pupila e o observador consegue ver o interior do olhoa ser examinado, olhando sobre a borda do espelho ou prisma, ouatravés de um prisma especialmente desenhado de forma a possibilitara entrada da luz na pupila sem qualquer angulação.

Fig. 49..18 O sistema óptico do oftalmoscópio

Antes já foi feito o alerta de que estes princípios se aplicam apenaspara pessoas perfeitamente emétropes. Se o poder de refração de umolho é anormal, sua correção é necessária, de forma a permitir queo observador tenha uma visão nítida da retina observada. Por isso, ooftalmoscópio usual tem uma série de lentes montadas sobre uma torretae, por rotação desta última, é possível a seleção de uma lente de poderdióptrico adequado para a correção do poder dióptrico anormal de umou dos dois olhos. Em adultos jovens normais, a aproximação dos olhosleva a um processo de acomodação reflexa, que causa aumento de aproxi-madamente + 2 dioptrias no sistema de lentes de cada olho. A correçãoé feita movendo-se a torreta e selecionando-se uma lente de aproxima-damente -4 dioptrias.

O SISTEMA DE LÍQUIDOS DO OLHO - O LÍQUIDOINTRA-OCULAR

O interior do olho é preenchido pelo líquido intra-ocular, que originapressão intra-ocular suficiente para manter o globo ocular distendido.A Fig. 49.19 ilustra que este líquido pode ser dividido em duas frações:o humor aquoso, que fica à frente e ao lado do cristalino, e o humorvítreo, situado entre o cristalino e a retina, O humor aquoso flui livre-mente, enquanto o humor vítreo, às vezes também denominado corpovítreo, é uma massa gelatinosa mantida unida graças a uma fina redefibrilar constituída primariamente por grandes moléculas de proteogli-canos. As substâncias são capazes de se difundirem lentamente no humorvítreo, mas o fluxo do líquido é muito pequeno.

O humor aquoso é. continuamente formado e reabsorvido e o equilí-brio entre sua formação e sua reabsorção regula o volume total e apressão do líquido intra-ocular.

FORMAÇÃO DO HUMOR AQUOSO PELO CORPO CILIAR

O humor aquoso é produzido no olho com velocidade média de2 a 3 microlitros por minuto. Essencialmente, toda a produção é secretadapelos processos ciliares, que são folículos que se projetam a partir docorpo ciliar para o interior do espaço localizado atrás da íris, onde osligamentos do cristalino também se inserem no globo ocular. A Fig.49.20 mostra uma secção transversa desses processos ciliares, e suasrelações com as câmaras líquidas do olho podem ser vistas na Fig. 49.19.Devido à sua arquitetura folicular, a área total da superfície dos processosfoliculares é de aproximadamente 6 cm2 em cada olho — uma áreabastante grande, considerando a pequena dimensão do corpo ciliar. Assuperfícies desses processos são cobertas por células epiteliais e, imediata-mente abaixo delas, há uma área intensamente vascularizada.

O humor aquoso é quase totalmente produzido como secreção ativado epitélio, que cobre os processos ciliares. A secreção se inicia como transporte ativo de íons sódio para os espaços entre as células epiteliais.

Nervo óptico Fig. 49.19 Formação e fluxo do fluido intra-ocular.

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Fíg. 49.20 Anatomia dos processos ciliares.

Os íons sódio, por sua vez, carreiam íons cloreto ebicarbonato para que possa ser mantida a eletroneutralidade domeio. Todos esses íons juntos provocam migração osmótica deágua das células subepiteliais para os espaços intercelulares doepitélio, e a solução resultante escorre sobre as superfícies dosprocessos ciliares. Além disso, muitos nutrientes sãotransportados através do epitélio por transporte ativo ou pordifusão facilitada, estando aí incluídos aminoácidos, ácidoascórbico e, provavelmente, também glicose.

EFLUXO OCULAR DE HUMOR AQUOSO

Após sua formação pelos processos ciliares, o humor aquosoflui, como mostrado na Fig. 49.19, entre os ligamentos docristalino e, a seguir, através da pupila e, finalmente, penetra nacâmara anterior do olho. Nesse local, o líquido flui emdireção ao ângulo entre a córnea e a íris e, então, através deuma rede de trabéculas, ele entra no canal de Schlemm, o qualdeságua nas veias extra-oculares. A Fig. 49.21 ilustra asestruturas anatômicas do ângulo iridocorneal, mostrando que osespaços entre as trabéculas se estendem por toda a extensão dacâmara anterior até ao canal de Schlemm. O canal deSchlemm é uma veia de parede muito fina, que se estendecircunferencialmente em volta de todo o olho. Sua membranaendotelial é tão porosa que mesmo grandes moléculasprotéicas, bem como pequenas partículas com dimensões até adas hemácias, são capazes de atravessar da câmara anteriorpara o interior do canal de Schlemm. Apesar do canal deSchlemm ser um vaso sanguíneo venoso, o fluxo de humoraquoso para seu interior

é normalmente tão grande que ele contém apenas humoraquoso, em lugar de sangue. Da mesma forma, as pequenasveias que deixam o canal de Schlemm em direção às veiasoculares de maior diâmetro contêm geralmente apenas humoraquoso, motivo pelo qual são denominadas veias aquosas.

PRESSÃO INTRA-OCULAR

A média da pressão intra-ocular normal é deaproximadamente 15 mm Hg, dentro de uma faixa situadaentre 12 e 20 mm Hg.

Tonnmetria. Por ser impraticável introduzir uma agulhano olho do paciente para medir a pressão intra-ocular, esta émedida clinicamente por meio de um tonômetro, cujo princípiode funcionamento é ilustrado na Fíg. 49.22. A córnea do olho éanestesiada com um anestésico local e a placa da base dotonômetro é colocada sobre a córnea. Em seguida, aplica-sepequena pressão sobre o êmbolo central, fazendo com que aparte da córnea situada sob o êmbolo seja deslocada para ointerior. A quantidade do deslocamento é registrada naescala do tonômetro e, pela calibração prévia, temos o resultadoem termos de pressão intra-ocular.

Regulação da pressão intra-ocular. No olho normal, a pressãointra-ocular se mantém em valores bastante constantes,variando dentro de ±2 mm Hg. O nível dessa pressão cprincipalmente determinado pela resistência ao efluxo de humoraquoso da câmara anterior para o canal de Schlemm. Essaresistência se deve à rede de trabéculas que o líquido precisapercorrer para ir dos ângulos laterais da câmara anterior atéa parede do canal de Schlemm. Essas trabéculas têm aberturas daordem de apenas 2 a 3 µm. A velocidade de fluxo do líquido seeleva significativamente com o aumento da pressão e, no olhonormal - com pressão intra-ocular da ordem de aproximadamente15 mm Hg - a velocidade média deste fluxo é da ordem de 2,5µl/min , exatamente igual ao volume produzido pelo corpociliar, motivo pelo qual a pressão intra-ocular normalpermanece em aproximadamente 15 mm Hg.

Limpeza dos espaços trabeculares e do fluido intra-ocular.Quando ocorre grande quantidade de debridamento do humoraquoso, como acontece após hemorragia intra-ocular ou duranteinfecção intra-ocular, esses debrid a mentos se acumulam nosespaços trabeculares que vão até o canal de Schlemm, impedindoa reabsorção adequada dos líquidos provenientes da câmaraanterior e provocando, algumas vezes, o glauco-ma, que seráexplicado adiante. No entanto, na superfície das placastrabeculares há grande número de células fagocitárias. Alémdisso, na parte externa do canal de Schlemm, há uma camada degel intersticial que contém grande número de célulasreticuloendoteliais com capacidade extremamente elevada parafagocitar os debridamentos, bem como de provocar a degradarãodos mesmos em substâncias de baixo peso molecular, que podemser mais facilmente absorvidas. Dessa forma, esse sistemafagocítico mantém limpos os espaços trabeculares.

A limpeza do humor aquoso também é feita pelas célulasepiteliais que revestem a íris e outras superfícies oculareslocalizadas atrás dela. Estas células são capazes de fagocitarproteínas e outras pequenas partí-

Fig. 49.21 Anatomia do ângulo iridocorneal, mostrandoo sistema para efluxo do humor aquoso em direção às veias conjuntivas. Fig. 49.22 Princípios do tonômetro.

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cuias presentes no humor aquoso, ajudando, dessa forma, a mantero líquido perfeitamente límpido.

Glaucoma. O glaucoma é uma das causas mais comuns de cegueira.É uma doença ocular em que a pressão intra-ocular se torna patologi-camente elevada, atingindo valores de até 60 a 70 mm Hg. Aumentosda pressão intra-ocular para valores entre 20 e 30 mm Hg, se mantidospor longo período de tempo, já são capazes de provocar a perda davisão, e pressões extremamente elevadas podem causar cegueira dentrode dias ou, mesmo, horas. Pelo aumento da pressão intra-ocular. hácompressão dos axônios do nervo óptico no ponto em que eles deixamo globo ocular, no disco óptico. Admite-se que essa compressão bloqueiao fluxo axônico do citoplasma dos corpos celulares das células ganglio-nares retinianas até as terminações das fibras que chegam ao cérebro,com a conseqüente perda da nutrição adequada e eventual morte dosneurônios envolvidos. É possível que a compressão da artéria retiniana,que também entra no globo ocular na altura do disco óptico, seja umfator adicional para lesar os neurônios, devido à redução de nutriçãopara a retina.

A maior parte dos casos de glaucoma se deve ao aumento da resis-tência ao fluxo do humor aquoso através dos espaços trabeculares aose dirigir para o canal de Shlemm, ao nível da junção iridocorneal.Na inflamação intra-ocular aguda, por exemplo, os glóbulos brancose os debridamentos teciduais podem bloquear esses espaços e provocaraumento agudo da pressão intra-ocular. Em situações crônicas,especialmente na idade avançada, a oclusão fibrosa dos espaçostrabeculares parece ser a hipótese mais provável.

Algumas vezes, o glaucoma pode ser tratado pela aplicação, nosolhos, de gotas de uma substância que seja capaz de se difundir parao interior do globo ocular e provocar redução da secreção ou aumentoda absorção do humor aquoso. Entretanto, quando a terapia medica-mentosa não surte o efeito desejado, a pressão intra-ocular pode, muitasvezes, ser efetivamente reduzida por procedimentos cirúrgicos, promo-vendo a abertura dos espaços trabeculares ou a abertura de canais diretosentre o humor aquoso e o espaço subconjuntival extra-ocular.

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CAPÍTULO 50

O Olho: II. Funções Receptora e Neural da Retina

A retina é a parte fotossensível do olho. Nela estão contidosos cones, que são responsáveis pela visão a cores, e os bastonetes,que são, principalmente responsáveis pela visão no escuro. Quan-do os cones e bastonetes são excitados, os sinais são transmitidosatravés de neurônios sucessivos, localizados na própria retina,chegando, finalmente, às fibras do nervo óptico e ao córtex cere-bral. O objetivo deste capítulo é explicar especificamente osmecanismos pelos quais os bastonetes e os cones detectam tantoa luz branca como a colorida, convertendo a imagem visual emimpulsos nervosos.

ANATOMIA E FUNÇÃO DOS ELEMENTOSESTRUTURAIS DA RETINA

As camadas da retina. A Fig, 50.1 mostra os componentes funcionaisda retina dispostos em camadas, de fora para dentro do globo ocular:(1) camada pigmentar, (2) camada de cones e bastonetes se projetandopara o interior do pigmento, (3) membrana limitante externa, (4) camadanuclear externa, contendo os corpos celulares dos bastonetes e cones,(5) camada plexiforme externa, (6) camada nuclear interna, (7) camadaplexiforme interna, (8) camada ganglionar, (9) camada de fibras do nervoóptico, e (10) membrana limitante interna.

Após atravessar o sistema de lentes do olho e o humor vítreo,a luz penetra na retina pela sua superfície interna, isto é, ela passaatravés das células ganglionares, as duas camadas plexiformes, as cama-das nucleares e as membranas para, finalmente, atingir a camada dehastonetes e cones, localizada em toda a extensão do lado mais externoda retina (veja a Fig. 50.1). A espessura total da retina tem algumascentenas de micrômetros e a luz, ao percorrer essa distância em ummeio heterogêneo como a retina, faz com que a acuidade visual se tornemuito diminuída. No entanto, na parte mais central da retina há aumentosignificativo da acuidade .visual, pois, como será discutido adiante, ascamadas mais internas são deslocadas lateralmente.

A região fóvea da retina e sua importância na acuidade visual. Naparte central da retina, há uma pequena área, denominada mácula, cujaárea total é menor do que 1 mm2, que é especialmente capaz de umavisão mais detalhada e precisa (veja a Fig. 50.2). A parte central damácula é denominada fóvea. Essa área tem diâmetro de apenas 0.4mm e só possui cones. Os cones localizados nessa região têm estruturaespecial que ajuda na detecção de detalhes da imagem visual, como,por exemplo, o formato delgado de seu corpo, ao conirário dos conesde maior diâmetro localizados na retina mais periférica. Além disso,os vasos sanguíneos, as células ganglionares, a camada nuclear internae as camadas plexiformes são deslocadas para o lado, em vez de ficaremà frente dos cones, o que permite que a luz chegue até eles com ummínimo de interferência.

Os bastonetes e cones. A Fig. 50.3 é uma representação diagramáticade um fotorreceptor (bastonete ou cone), apesar dos cones serem diferen-ciados por possuírem a extremidade superior (segmento externo) cônica,como mostrado na Fig. 50.4. Geralmente, os bastonetes são mais finose mais longos que os cones, mas isso não ocorre sempre. Nas áreasperiféricas da retina, os bastonetes têm diâmetro entre 2 e 5 µm, enquantoo diâmetro dos cones está entre 5 e 8 µm. Na parte central da retina,na fóvea, o diâmetro dos cones é da ordem de apenas 1,5 µm.

À direita da Fig. 50.3 estão marcados os quatro principais segmentosfuncionais, tanto dos cones como dos bastonetes: (1) o segmento externo,(2) o segmento interno, (3) o núcleo, e (4) o corpo sinóptico. A substânciaquímica fotossensível se encontra no segmento externo. Essa substância,no caso dos bastonetes, é a rodopsina. Nos cones, é uma das váriassubstâncias fotos sensíveis à "cor"; elas funcionam praticamente da mes-

Fig. 50.1 Disposição dos neurônios da retina. Modificado de Polyak:The Retina. Copyright 1941 by The University of Chicago.

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Hg. 50.2 Fotomicrografia da mácula e. no seu centro, a fóvea. Observe que as camadas internas da retina são deslocadas para o lado, paradiminuir a interferência na transmissão da luz. (De Bloom e Fawcett: A Textbook of Histology. 11. ed. Philadelphia, W.B. Saunders Company,1986; cortesia de H. Mizoguchi.)

ma maneira que a rodopsina, no entanto sua sensibilidade espectralé diferente.

Observe, tanto na Fig. 50.3 como na Fig. 50.4, o grande númerode discos existentes nos cones e bastonetes, Nos cones, cada um dessesdiscos corresponde a uma invaginação da membrana celular, o que tam-bém se verifica na base dos bastonetes. Entretanto, na ponta dos basto-netes, os discos se separam da membrana e formam sacos achatados,localizados totalmente no interior da célula. Cada fotorreceptor possuicerca de 1.000 discos.

Tanto a rodopsina como as substâncias fotoquímicas cromatossen-síveis são proteínas conjugadas, elas estão incorporadas às membranasdos discos sob forma de proteínas transmembrana. As concentraçõesdesses pigmentos fotossensíveis nos discos são tão altas que eles consti-tuem aproximadamente 40% da massa total do segmento externo.

Fig. 50.3 Desenho esquemático das partes funcionais dos bastonetese cones.

O segmento interno contém o citoplasma celular e as organelascitoplasmáticas. É de particular importância à presença de mitocôndrias,pois, como veremos adiante, elas desempenham no segmento internoum importante papel no fornecimento de energia para a função dosreceptores.

O corpo sináptico é a região dos fotorreceptor es que se conectacom as células neuronais subseqüentes, as células horizontais e bipolares,que representam o estágio seguinte da cadeia visual.

A camada pigmentar da retina. A presença do pigmento negro mela-nina na camada pigmentar evita a reflexão da luz nas paredes do globoocular, o que é extremamente importante para a visão nítida. Esse pig-mento desempenha no olho a mesma função desempenhada pela colora-ção negra das paredes internas de uma câmara. Com sua ausência, osraios luminosos refletiriam em todas as direções no interior do globoocular, provocando a iluminação difusa da retina em lugar do contrasteentre os pontos luminosos e escuros, necessário para a formação deimagens precisas.

A importância da presença de melanina na camada pigmentar ena cordide é bem ilustrada pelas alterações visuais presentes nos albinos,pessoas que, hereditariamente, não apresentam esse pigmento em todasas áreas corporais. Quando um albino entra em uma área intensamenteiluminada, a luz que incide sobre a retina é refletida em todas as direçõespelas superfícies brancas não-pigmentadas, de forma que um só focoisolado de luz que incide sobre a retina, o qual normalmente excitariaapenas poucos bastonetes e cones, excita a maioria dos receptores. Porisso, a acuidade visual dos albinos, mesmo com a melhor correção óptica,é raramente melhor que valores entre 20/100 e 20/200.

A camada pigmentar também estoca grandes quantidades de wrn-mina A, que atravessa em ambas as direções as membranas dos segmentosexternos dos fotorreceptores, que se encontram imersos nas camadaspigmentares. Como veremos adiante, a vitamina A é importante precur-sor dos pigmentos fotossensitivos, e esse intercâmbio através da mem-brana é da maior importância para o ajuste da sensibilidade luminosados receptores.

O suprimento sanguíneo da retina — o sistema arterial e a coróide.O suprimento sanguíneo nutritivo para as camadas mais internas daretina provém da artéria central da retina, que penetra no globo ocularjunto com o nervo óptico e, então, se divide para suprir toda a superfícieinterna retiniana. Dessa forma, a retina tem, em grande extensão, seupróprio suprimento sanguíneo, independente das outras estruturas doolho.

Por outro lado, a superfície externa da retina se adere à coróide,que é um tecido altamente vascularizado, situado entre a retina e aesclera. As camadas mais externas da retina, incluindo os segmentosexternos dos bastonetes e cones, têm sua nutrição dependente da difusãoatravés das paredes dos vasos coróides. Cabe aqui chamar a atençãopara sua alta dependência ao aporte, via vasos coróides, de oxigênio.

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Fig. 50.4 Estruturas membranosas dos segmentos externos deum bastonete (esquerda) e de um cone (direita). (Cortesiado Dr. Richard Young.)

Descolamento de retina. Ocasionalmente, a retina neural se descolado epitélio pigmentar. Algumas vezes, a causa desse descolamento éa lesão do globo ocular, permitindo uma coleção de líquido ou de sangueentre a retina e o epitélio pigmentar, mas, muitas vezes, ele tambémpode ser causado pela contratura das finas fibras colágenas que existemno humor vítreo, as quais tracionam a retina, com tensões heterogéneas,em direção ao interior do globo ocular.

Felizmente, a retina descolada pode resistira degeneração por algunsdias. Isso se deve, em parte, à difusão no espaço onde ocorreu o desloca-mento e, também, ao suprimento sanguíneo independente da retina atra-vés da artéria retiniana. Isso possibilita a recuperação funcional da retinapela intervenção cirúrgica imediata, restabelecendo as inter-relações nor-mais entre a retina e o epitélio pigmentar. Se, entretanto, a intervençãonão for feita urgentemente, a retina é destruída e não há recuperação,mesmo após a reparação cirúrgica.

FOTOQUÍMICA DA VISÃO

Tanto os cones como os bastonetes contêm substâncias quí-micas que se decompõem peta exposição à luz e, no processo,excitam as fibras nervosas que deixam o olho. Nos bastonetes,a substância é chamada rodopsina, e nos cones as substânciastêm composições químicas apenas ligeiramente diferentes dacomposição da rodopsina.

Nesta seção discutiremos principalmente a fotoquímica darodopsina, mas podemos aplicar quase exatamente os mesmosprincípios à fotoquímica dos cones.

O CICLO VISUAL RODOPSINA - RETINAL EEXCITAÇÃO DOS BASTONETES

Rodopsina e sua decomposição pela energia luminosa. Osegmento externo dos bastonetes que se projetam para ointerior da camada pigmentar da retina contém o pigmentofotossensível chamado rodopsina, ou púrpura visual, naconcentração de apro-

ximadamente 40%. Essa substância é uma combinação da pro-teína escotopsina e o pigmento carotenóide retina! (também cha-mado "retineno"). Além disso, o retinal é um tipo particularchamado ll-cis retinal, e esta forma cisto retinal é importanteporque apenas ela é capaz de se ligar à escotopsina para sintetizara rodopsina.

Quando a energia luminosa é absorvida pela rodopsina, den-tro de trilionésimos de segundo tem início a decomposição darodopsina, como mostrado na parte superior da Fig. 50.5. Issoé causado pela fotoativação de elétrons na porção retinal darodopsina, o que leva à modificação instantânea (da ordem detrilionésimos de segundo) da forma do retinal para uma forma queainda possui a mesma estrutura química da forma cis, mas temestrutura física diferente - passa a ter estrutura molecular reta emlugar de molécula curva. Devido à nova orientação moleculartridimensional, os sítios ativos do retina todo-trans não mais seencaixam nos sítios reativos da proteína escotopsina, fazendo comque o retinal se separe da escotopsina. O produto imediato é abatorrodopsina, que é a combinação parcialmente separada do e aescotopsina. A batorro-dopsina é um composto extremamenteinstável e, em nanosse-gundos, transforma-se em lumirrodopsinaque, por sua vez, em microssegundos, se transforma emmeiarrodopsina 1. A metarro-dopsina I se transforma emmeiarrodopsina U em cerca de 1 ms. Este composto é um poucomais estável e, após alguns segundos, origina os dois produtoscompletamente separados: escotopsina. A metarrodopsina II,também chamada rodopsina ativada, é o composto que excita asmodificações elétricas nos bastonetes, dando início ao processo detransmissão da imagem visual, em direção ao sistema nervosocentral, como veremos adiante.

Ressíntese da rodopsina. O primeiro estágio na ressínteseda rodopsina é a reconversão retinal como mostrado na Fig.50.5. No escuro, esse processo é catalisado pela enzima retinalisomerase. Uma vez formado, retinal se recombina

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Fig. 50.5 O ciclo visual da rodopsina na retina, mostrando a decom-posição da rodopsina durante a exposição à luz e sua lenta recomposiçãosubseqüente, pelos processos químicos do bastonete.

automaticamente com a escotopsina, para ressintetizar arodopsina, que permanece estável até que sua decomposiçãoseja novamente desencadeada pela absorção de energialuminosa.

Papel da vitamina A na formação da rodopsina. Observena Fig. 50.5, que existe uma segunda via química. Isso se dá pelaconversão inicial do todo-trans retinal em lodo-trans reti-nol, queé uma forma de vitamina A.

Fig. 50.6 Bases teóricas da geração de um potencial receptorhiperpola-rizante causada pela decomposição da rodopsina.

A vitamina A está presente tanto no citoplasma dos basto-netes como na camada pigmentar da retina, motivo pelo qualela está sempre disponível para formar mais retinal, quando ne-cessário. Por outro lado, quando há excesso de retinal na retina,esse excesso é convertido em vitamina A, reduzindo-se, destaforma, a quantidade de pigmento fotossensível na retina. Vere-mos adiante que essa interconversão entre retinal e vitaminaA é especialmente importante na adaptação lenta da retina àsdiferentes intensidades luminosas.

Cegueira noturna. A cegueira noturna ocorre quando hádeficiência acentuada de vitamina A, pela simples razão de quenão existe estoque disponível de vitamina A para formarquantidades adequadas de retinal. Por esse motivo, há reduçãodas quantidades de rodopsina formadas nos bastonetes, bemcomo nas quantidades de pigmentos cromatofotossensíveis noscones. Essa condição é chamada cegueira noturna porque aquantidade de luz disponível à noite é muito pequena parapermitir a visão adequada. No entanto, à luz do dia ainda seobserva excitação dos cones, apesar da redução de suassubstâncias fotoquímicas.

Geralmente, a cegueira noturna somente aparece após váriosmeses de dieta deficiente em vitamina A. Isso se deve ao fatodessa vitamina existir em grande estoque no fígado, o que atorna facilmente disponível para os olhos. A cegueira noturna,uma vez instalada, pode, por vezes, ser completamente curadaem menos de 1 hora pela injeção venosa de vitamina A.

Excitação dos bastonetes quando a rodopsina éativada

O potencial receptor dos bastonetes é hiperpolarizante emlugar de ser despolarizante. O potencial receptor dos bastonetesé diferente dos potenciais receptores de quase todos os outrosreceptores sensoriais. Isto é, a excitação do bastonete causa au-mento da negatividade do potencial de membrana, o que é umestado de hiperpolarização, em vez da diminuição da negatividadedo potencial de membrana observada pela excitação de quasetodos os outros receptores sensoriais, um processo que é denomi-nado "despolarização".

Mas, como a ativação da rodopsina provoca a hiperpola-rização? Isso se deve ao fato de que, quando a rodopsina sedecompõe, ocorre diminuição da condutância da membrana dosegmento externo do bastonete aos íons sódio, o que causa ahiperpolarização de toda a membrana do bastonete, da seguintemaneira:

A Fig. 50.6 ilustra o movimento de íons sódio em um circuitoelétrico completo através dos segmentos interno e externo dobastonete. No segmento interno do bastonete há bombeamentocontínuo de íons sódio do lado de dentro para o lado de fora,criando um potencial negativo intracelular. Entretanto, quandonão há incidência de luz sobre o receptor, a membrana do segmen-to externo é muito permeável ao sódio, permitindo o contínuo"vazamento" de íons sódio para o interior do bastonete, neutrali-zando boa parte da negatividade intracelular do fotorreceptor.Assim, quando não há excitação do bastonete, observa-se quea membrana do receptor é, normalmente, pouco eletronegativaem seu interior - cerca de -40 mV.

Quando ocorre a exposição à luz, com a conseqüente decom-posição da rodopsina no segmento externo do receptor, há dimi-nuição da condutância da membrana do segmento externo aoinfluxo de íons sódio, apesar de, no segmento interno, continuaro bombeamento desse íon para o meio extracelular. Com isso,o efluxo de sódio torna-e maior que o influxo e, em conseqüênciadesse desequilíbrio, a perda de íons positivos do lado de dentrodos receptores leva a aumento da eletronegatividade intracelular- hiperpolarização -, aumento esse diretamente proporcional

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à intensidade de energia luminosa que incide sobre o bastonete.Em situações de intensidade luminosa máxima, o potencial demembrana do bastonete se aproxima de -70 a -80 mV, umvalor próximo ao potencial de equilíbrio do íon potássio atravésda membrana.

Duração do potencial receptor e relação logarítmica entre opotencial receptor e a intensidade de luz. Quando um pulso lumi-noso de curta duração incide sobre a retina, a hiperpolarizaçãotransitória dos bastonetes - isto é, o potencial receptor - atinge seuvalor máximo em aproximadamente 0,3 s e tem duração totalacima de um segundo. Nos cones, essas alterações são apro-ximadamente quatro vezes mais rápidas que nos bastonetes. Porisso, uma imagem visual projetada sobre a retina por um tempode apenas um milionésimo de segundo é capaz de provocar sensa-ção visual por período de tempo às vezes superior a 1 segundo.

Outra característica do potencial receptor é o fato de eleser aproximadamente proporcional ao logaritmo da intensidadede luz. Isso é de extrema importância, pois permite ao olhodiscriminar intensidades luminosas dentro de uma faixa milharesde vezes maior que a que seria possível em outras circunstâncias.

Mecanismo pelo qual a decomposição da rodopsina diminuí acondutância da membrana ao sódio - a excitação em "cascata".Sob condições ideais, um só fóton de luz - a menor unidadequântica possível de energia luminosa - é capaz de provocarum potencial receptor mensurável, da ordem de 1 mV, e apenas30 fótons de luz serão capazes de causar a metade da saturaçãode um bastonete. Como uma quantidade tão pequena de energialuminosa é capaz de provocar excitação tão grande? A respostaé que os fotorreceptores têm uma cascata de reações químicasextremamente sensível, que amplifica os efeitos estimulatóriosem cerca de 1 milhão de vezes, como apresentado a seguir:

1. O fóton ativa uma porção levando à formação dametarrodopsina II, que é a forma ativa da rodopsina, como jáfoi discutido e ilustrado na Fig.50.5.

2. A rodopsina ativada funciona como enzima para ativarvárias moléculas de transducina, uma proteína presente em formainativa, tanto na membrana dos discos como na membrana dobastonete.

3. A transducina ativada ativa várias moléculas de fosfo-diesterase.

4. A fosfodiesterase ativada é uma enzima que, por seu turno, hidrolisa grande quantidade de moléculas de monofosfatode guanosina cíclico (GMPc), destruindo-as. Antes de ser destruído o GMPc estava ligado à proteína do canal de sódio, formando a estrutura de suporte que mantém o canal aberto, permitindoque, no escuro, os íons sódio continuem fluindo rapidamentepara o meio intracelular. Pela incidência da luz, a hidrólise doGMPc pela fosfodiesterase faz com que a estrutura de suporteseja removida, levando ao fechamento dos canais de sódio. Paracada molécula de rodopsina ativada há o fechamento de centenasde canais e, como o fluxo de íons sódio através desses canaisé extremamente rápido, o fechamento dos canais leva ao bloqueiodo fluxo de milhões de íons sódio antes que os canais reabramnovamente, o que leva à excitação do bastonete, como já discutimos antes.

5. Dentro de fração de segundo, outra enzima, a rodopsinaquinase, sempre presente no bastonete, inativa a rodopsina ativada e a cascata de reações volta ao estado normal com a reaberturados canais de sódio.

Dessa maneira, os bastonetes desenvolveram uma impor-tante reação em cascata que amplifica o efeito de um só fótonde luz de causar o movimento de milhões de íons sódio, o queexplica a extrema sensibilidade dos bastonetes no escuro.

Os cones são cerca de 300 vezes menos sensíveis que osbastonetes, mas, mesmo assim, eles permitem a visão cromática

em qualquer luminosidade maior que a observada em condiçõesde intensa penumbra.

FOTOQUÍMICA DA VISÃO CROMÁTICAPELOS CONES

Foi apontado no começo desta discussão, que as substânciasfotossensíveis dos cones têm quase exatamente a mesma compo-sição química da rodopsina dos bastonetes. A única diferençaé que a porção protéica, as opsinas — que nos cones são denomi-nadas fotopsinas — são diferentes da escotopsina dos bastonetes.A porção retina] é exatamente a mesma tanto nos cones comonos bastonetes. Por isso, os pigmentos cromatossensíveis doscones são combinações de retina! e fotopsinas.

Quando a visão cromática for discutida, neste capítulo, ficaráevidente que, nos diferentes cones, estão presentes três tiposdistintos de substâncias fotossensíveis, o que os torna seletiva-mente sensíveis às cores azul, verde e vermelha. Essas substânciassão chamadas, respectivamente, pigmento sensível ao azul, pig-mento sensível ao verde e pigmento sensível ao vermelho, e ascaracterísticas de absorção dos pigmentos presentes nos três tiposde cones são também diferentes, como picos de absorbância loca-lizados em três diferentes comprimentos de onda, que são, respec-tivamente, 445, 535 e 570 nanômetros. Esses comprimentos deonda correspondem, também, ao pico de sensibilidade luminosade cada tipo de cone, o que começa a explicar a maneira pelaqual a retina diferencia as cores. As curvas aproximadas de absor-ção para esses três tipos de pigmentos são mostradas na Fig.50.7. A figura também mostra a curva de absorção para a rodop-sina dos bastonetes, cujo pico se situa em 505 nm.

REGULAÇÃO AUTOMÁTICA DASENSIBILIDADE RETINIANA - ADAPTAÇÃO AOESCURO E AO CLARO

Relação entre a sensibilidade e a concentração de pigmento.A sensibilidade dos bastonetes é aproximadamente proporcionalao antilogaritmo da concentração de rodopsina, e se admite queessa relação também seja válida para os cones. Por isso, a sensibi-lidade dos bastonetes e cones pode ser profundamente alterada

Fig. 50.7 Absorção de luz pelos respectivos pigmentos dos três conesreceptores de cores da retina humana. (Dados de curvas registradaspor Marks, Dohelle e MacNichol, Jr.: Science, 143.11SI, 1964, e porBrown e Wald: Science, 144:45,1964. Copyright 1964 by AmericanAssociation for the Advancement of Science.)

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por pequenas modificações nas concentrações dos pigmentosfotossensíveis.

Adaptação ao escuro e ao claro. Se uma pessoa permaneceem um ambiente de intensa luminosidade por longo períodode tempo, grande proporção dos pigmentos fotossensíveis é redu-zida a retinal e opsinas, e isso acontece tanto nos bastonetescomo nos cones. Além disso, tanto nos bastonetes como noscones, boa parte do retinal é transformada em vitamina A. Emfunção destes dois efeitos, as concentrações das substâncias fotos-sensíveis são consideravelmente reduzidas, diminuindo aindamais a sensibilidade retiniana à luz, o que é chamado de adaptaçãoao claro.

Por outro lado, se a pessoa permanece por longo tempono escuro, o retinal e as opsinas, tanto dos bastonetes comodos cones, são novamente convertidos nos pigmentos fotossen-síveis. Da mesma forma, a vitamina A é reconvertida em retinal,o que faz com que mais pigmentos fotossensíveis sejam formados,e o limite final dessa produção é determinado pela quantidadede opsinas nos bastonestes e cones. Isto é denominado adaptaçãoao escuro.

A Fig. 50.8 ilustra o curso da adaptação ao escuro quandouma pessoa é exposta a escuridão total após permanecer váriashoras exposta a intensa luminosidade. Observe que, imediata-mente após entrar no ambiente escuro, a sensibilidade da retinaé muito baixa mas, dentro de 1 minuto, a sensibilidade aumentacerca de 10 vezes - isto é, a retina é capaz de responder auma luz com 1/10 da intensidade anteriormente necessária. Após10 minutos no escuro, a sensibilidade aumentou cerca de 6.000vezes e, ao final de 40 minutos, o aumento da sensibilidadefoi em torno de 25.000 vezes.

A curva resultante da Fig. 50.8 é chamada de curva de adap-tação ao escuro. Deve-se observar o ponto de inflexão existentenessa curva. A primeira parte da curva se deve à adaptaçãodos cones, uma vez que, no fenômeno da visão, as reações quími-cas ocorrem quatro vezes mais rapidamente nos cones que nosbastonetes. Por outro lado, em nenhum momento os cones atin-gem o mesmo nível de sensibilidade dos bastonetes, motivo peloqual, apesar da rápida adaptação dos cones - eles completamsua adaptação em poucos minutos - os bastonetes continuam ase adaptar mais lentamente (a adaptação continua por váriosminutos ou até horas), mas aumentam tremendamente sua sensi-bilidade. Além disso, outro fator que aumenta a sensibilidadedos bastonetes é a convergência de grande número de bastonetes,que pode chegar a centenas, sobre uma só célula ganglionar

Hg. 50.8 Adaptação ao escuro ilustrando a relação entre a adaptaçãodos cones e a dos bastonetes.

na retina, levando à somação dos sinais, com o conseqüenteaumento da sensibilidade, como será discutido adiante neste capí-tulo.

Outros mecanismos de adaptação ao claro e ao escuro. Alémda adaptação causada pelas alterações nas concentrações de rodopsinae dos pigmentos cromatossensíveis, o olho tem dois outros mecanismospara adaptação ao claro e ao escuro. O primeiro deles é a modificaçãono diâmetro pupilar, já discutida no capítulo anterior. Esse mecanismoé capaz de provocar adaptação de aproximadamente 30 vezes, devidaa alterações na quantidade de luz que atravessa a abertura pupilar.

Outro mecanismo é a adaptação neural. que envolve os neurôniosnos estágios sucessivos da cadeia visual dentro da própria retina, istoé, logo apôs o aumento da intensidade da luz incidente, os sinais transmi-tidos pelas células bipolares, células horizontais, células amácrinas ecélulas ganglionares são muito intensos. No entanto, as intensidadesdesses sinais diminuem rapidamente. Apesar desse tipo de adaptaçãoser de pequena magnitude, em contraste com a adaptação de milharesde vezes gerada pelo sistema fotoquímico, a adaptação neural ocorreem fração de segundo, ao contrário dos vários minutos necessários paraque haja completa adaptação pelo sistema fotoquímico.

Valor da adaptação ao claro e ao escuro no processo visual.Entre os limites de adaptação máxima ao claro e ao escuro,o olho é capaz de modificar sua sensibilidade à luz entre 500.000e 1.000.000 de vezes, ajustando automaticamente sua sensibi-lidade às alterações de iluminação.

Uma vez que o registro de imagens na retina necessita dadetecção tanto dos pontos claros como dos pontos escuros dessaimagem, é essencial que a sensibilidade da retina esteja sempreajustada de forma que os receptores respondam a áreas maisclaras, mas não respondam a áreas mais escuras. Um exemplode ajuste inadequado da retina se verifica quando a pessoa saide uma sala de cinema diretamente para a luz solar, situaçãoem que mesmo os pontos escuros das imagens lhe parecem extre-mamente claros e, em conseqüência, toda a imagem visual setorna esbranquiçada, com pouco contraste entre suas partes com-ponentes. Obviamente, nessa situação, a visibilidade é ruim, epermanecerá assim até que a retina tenha se adaptado suficiente-mente, para que as áreas mais escuras da imagem deixem deestimular excessivamente os receptores.

Em situações inversas, quando a pessoa se desloca de am-biente intensamente iluminado para um local escuro, a sensibi-lidade da retina é comumente tão baixa que mesmo os pontosluminosos na imagem não conseguem excitar a retina. Entretanto,após a adaptação ao escuro, os pontos luminosos começam aser detectados. Como exemplo de adaptações extremas ao claroe ao escuro, temos o funcionamento da visão tanto sob luz solarcomo sob luz das estrelas, apesar de a luz solar ter intensidadeaproximadamente 10 bilhões de vezes maior que a da luz dasestrelas.

VISÃO CROMÁTICA

Nas seções precedentes, vimos que os diferentes cones sãosensíveis a diferentes cores de luz. Esta seção é uma discussãodos mecanismos pelos quais a retina detecta as diferentes grada-ções da cor no espectro visual.

O MECANISMO TRICROMÁTICO PARA ADETECÇÃO DAS CORES

Todas as teorias da visão cromática se baseiam na observaçãoconhecida de que o olho humano é capaz de detectar quasetodas as gradações de cores, quando luzes monocromáticas ver-melha, verde e azul são apropriadamente misturadas em diferen-tes combinações.

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Sensibilidades espectrais dos três tipos de cones. Com basenos testes de visão cromática, as sensibilidades espectrais dostrês diferentes tipos de cones do ser humano são essencialmenteas mesmas obtidas para as curvas de absorção dos três tiposde pigmentos encontrados nos respectivos cones. Essas curvasforam ilustradas na Fig. 50.7 e também são mostradas na Fig.50.9. Essas curvas podem explicar a maioria dos fenômenos liga-dos à visão cromática, mas não todos.

Interpretação da cor no sistema nervoso. Olhando a Fig.50.9, vemos que a luz monocromática laranja, com comprimentode onda de 580 nm, estimula os cones vermelhos até um valorde estímulo de aproximadamente 99 (99% do pico de estimulaçãopara um comprimento de onda ótimo), enquanto estimula oscones verdes a um valor de aproximadamente 42, e não estimulaos cones azuis (valor de estimulação = 0). Assim, as proporçõesde estimulação dos três tipos de cones nessa situação são 99:42:0.O sistema nervoso interpreta esta relação de proporcionalidadescomo uma sensação de cor laranja. Por outro lado, uma luzmonocromática azul, com comprimento de onda de 450 nm, esti-mula os cones vermelhos a um valor de estimulação 0, os conesverdes a valor também 0 e os cones azuis, a um valor de 97.Esta relação de proporcionalidades - 0:0:97 - é interpretada pelosistema nervoso como a cor azul. Da mesma forma, propor-cionalidades de 83:83:0 são interpretadas como amarelo, e31:67:36, como verde.

Percepção da luz branca. A estimulação aproximadamenteigual de todos os cones, vermelho, verde e azul, dá a sensaçãovisual de branco. Não há comprimento de onda luminosa quecorresponda ao branco. Ao contrário, o branco é uma combi-nação de todos os comprimentos de onda do espectro. Alémdisso, a sensação de branco pode ser obtida estimulando-se aretina com uma combinação adequada de apenas três cores esco-lhidas, que estimulem igualmente os três tipos respectivos decones.

Incapacidade das alterações da cor da luz de iluminação de modificaras cores percebidas em uma cena visual - o fenômeno da constânciadas cores. Quando Edwin Land escava desenvolvendo a câmara Polaroida cores, ele observou que, modificando a cor da luz que iluminava umcenário, alterava a coloração de uma fotografia tomada pela câmara,mas a coloração do cenário era aproximadamente igual à observadapelo olho humano sob as mesmas condições de alteração de iluminação.Esse fenômeno é chamado constância de cor e, até o momento, nãoé com pie ta mente explicado. Supõe-se que ele seja devido ao seguinte:

Inicialmente, o cérebro computa, a partir de todas as cores do cená-

Fig. 50.9 Demonstração do grau de estimulação dos diferentes conessensíveis a cores por luz monocromática de quatro cores separadas: azul,verde, amarelo e laranja.

rio, a tonalidade geral da cor da visão total do cenário. Essa computaçãoé auxiliada quando algumas áreas da cena são percebidas como brancas.Não se sabe exatamente como, mas o cérebro utiliza a informação domatiz da coloração geral da cena e se ajusta matematicamente paraa cor modificada da luz de iluminação. Encontram-se espalhados emtodo o córtex cerebral visual primário, blocos celulares em forma depinos, denominados simplesmente "bolhas" que apontam uma constânciade cor quando a luz da iluminação muda seu comprimento de onda.Por isso, acredita-se que o sistema computacional responsável por essefenômeno de constância da coloração se situe em algum lugar na vizi-nhança dessas bolhas.

Esse fenômeno é da maior importância para a alimentação animalpois possibilita que o alimento nutritivo seja diferenciado de uma plantavenenosa tanto sob a luz solar brilhante como ao nascer do sol, sobluz rósea.

CEGUEIRA PARA CORES

Cegueira para as cores vermelho-verde. Na ausência de um só tipode cone, a pessoa torna-se incapaz de distinguir umas cores de outras.Como podemos ver, por exemplo, na Fig. 50.9, as cores verde, amarelo,laranja e vermelho - que correspondem aos comprimentos de ondaentre 525 e 675 nm - são normalmente distinguidas uma da outra apenaspelos cones vermelhos e verdes. A ausência de um desses cones impedeque esse mecanismo possa ser utilizado para a distinção entre essasquatro cores, e a pessoa é especialmente incapaz de distinguir entreo vermelho e o verde e, por isso, se diz que ela tem cegueira paraas cores vermelho-verde.

A pessoa que não possui os cones vermelhos é chamada de protanó-pica. Seu espectro visual é notadamente encurtado na faixa dos maiorescomprimentos de onda, devido à ausência dos cones vermelhos. A pessoaque não possui os cones verdes é denominada deuteranópica. Seu espectrovisual tem faixa perfeitamente normal, uma vez que os cones verdesoperam na faixa correspondente ã parte medial do espectro.

A cegueira para as cores vermelho-verde é uma doença genéticaque ocorre com freqüência muito maior no sexo masculino, mas é trans-mitida pela mãe, isto é, o código genético para os respectivos conesse localiza nos cromossomas X femininos. Por este motivo, a cegueirapara cores é muito mais rara em mulheres, pois pelo menos um dosseus cromossomas X tem, quase sempre, os genes normais para todosos cones. O homem, entretanto, tem apenas um cromossoma X, o quetorna muito mais provável o aparecimento dessa doença no sexomasculino.

Uma vez que, no sexo masculino, o cromossoma X é sempre herdadoda mãe, a cegueira para cores é transmitida da mãe para o filho e amãe é denominada transmissora de cegueiru para cores. Isso ocorre em8% de todas as mulheres.

Deficiência para o azul. A ausência de cones azuis é muito raramas, algumas vezes, eles existem em menor quantidade. Essa situaçãotambém é herdada geneticamente e origina o fenômeno denominadodeficiência para o azul.

Pranchas para os testes de cores. Um método rápido para determinara cegueira para cores se baseia no uso de pranchas, tais como as ilustradasna Fig. 50.10. Essas pranchas são formadas por confusão de pontosde várias cores diferentes. Na prancha superior, a pessoa normal lê"74", enquanto a pessoa com cegueira vermelho-verde lê "21". Naprancha inferior a pessoa normal lê "42", enquanto o cego para overmelho, pratanópico. lê "2" e o cego para o verde, deuteranópico, lè"4".

Se formos estudar essas pranchas enquanto, ao mesmo tempo, obser-vamos as curvas de sensibilidade espectral dos diferentes cones na Fig.50.9, podemos facilmente entender por que c dada ênfase excessivaaos pontos de determinada cor pelas pessoas cegas para cores, quandocomparadas a pessoas normais.

A FUNÇÃO NEURAL DA RETINA CIRCUITONEURAL DA RETINA

A primeira figura deste capítulo, a Fig. 50.1, já mostrou atremenda complexidade da organização neural da retina. Para que issoseja simplificado, a Fig. 50.11 mostra as conexões essen-

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Fig. 50.10 Duas pranchas Ishihara. Superior: nesta prancha, a pessoanormal lê "74", enquanto a pessoa cega para as cores vermelho-verdelê "21". Inferior, nesta prancha, a pessoa cega para o vermelho (protanó-pica) lê "2", enquanto a pessoa cega para o verde (deuteranópica) lê"4". A pessoa normal lê "42". (De Ishihara: Tests for Colour-Biindness.Tokyo, Kanehara and Co.)

ciais básicas da retina. Os diferentes tipos de células neuronaissão:

1. Os fotorreceptores: os bastonetes e os cones.2. As células horizontais que, na camada plexiforme exter-

Fig. 50.11 Organização neural da retina, área periférica àesquerda, área da fóvea à direita.

na, transmitem, horizontalmente os sinais provenientes dos basto-netes e dos cones em direção ao dendritos das células bipolares.

3. As células bipolares, que transmitem os sinais provenien-tes dos bastonetes, dos cones e das células horizontais para acamada plexiforme interna, onde formam sinapses tanto comcélulas amácrinas como com células ganglionares.

4. As células amácrinas, que transmitem sinais tanto na dire-ção vertical como na horizontal. Na direção vertical, transmitemos sinais provenientes das células bipolares para as células ganglio-nares. Na direção horizontal, dentro da camada plexiforme interna, transmitem sinais entre os axônios das células bipolares, entreos dendritos das células ganglionares e/ou entre outras célulasamácrinas.

5. As células ganglionares, que transmitem os sinais de saídada retina em direção ao cérebro, pelo nervo óptico.

Há, ainda, na retina, um sexto tipo de célula neuronal, queé a célula interplexiforme. Essas células transmitem sinais emdireção retrógrada da camada plexiforme interna para a camadaplexiforme externa. Esses sinais são todos do tipo inibitório,e parecem controlar a dispersão lateral dos sinais visuais pelascélulas horizontais, na camada plexiforme externa. Seu papelé, possivelmente, o de controlar o grau de contraste da imagemvisual.

As vias visuais diretas provenientes dos receptores para ascélulas ganglionares. Da mesma forma que em muitos outrosde nossos sistemas sensoriais, a retina possui uma visão de tipomuito antiga, baseada na visão pelos bastonetes, e uma visãode tipo novo, a visão cromática, pelos cones. Os neurônios eas fibras nervosas que conduzem os sinais visuais da visão doscones têm diâmetros consideravelmente maiores que os transmis-sores dos sinais da visão dos bastonetes, e os sinais são conduzidoscom velocidade 2 a 4 vezes maior. Os circuitos dos dois sistemastambém apresentam algumas diferenças entre si, como discuti-remos a seguir.

Na extremidade direita da Fig. 50.11 está ilustrada a viavisual para a porção foveal da retina, representando o sistemafilogeneticamente mais novo e mais rápido. Essa via direta possuitrês neurônios: (1) cones, (2) células bipolares, e (3) célulasganglionares. Temos, ainda, as células horizontais que, na cama-da plexiforme externa, transmitem lateralmente sinais inibitórios.

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e as células amácrinas, que transmitem sinais lateralmente, pelacamada plexiforme interna.

Na Fig. 50.11, à esquerda, estão ilustradas as conexões neu-rais da retina periférica, onde existem tanto bastonctes comocones. Três células bipolares são mostradas. A célula do meiosó faz conexões com bastonetes, representando o sistema visualantigo. Nesse caso, a saída da célula bipolar só está conectadaa células amácrinas, as quais, por sua vez, se conectam a célulasganglionares. Então, para a visão pura dos bastonetes, há quatroneurônios na via visual direta: (1) bastonetes, (2) células bipola-res, (3) células amácrinas, e (4) células ganglionares. Tambémnessa via as células horizontais e amácrinas são responsáveispelas conexões laterais.

As outras duas células bipolares ilustradas na Fig. 50.11fazem conexões tanto com bastonetes como com cones. As saídasdestas células podem se dirigir diretamente para as células gan-glionares, como também podem contactar-se com células amá-crinas.

Neurotransmissores liberados pelos neurônios da retina. Atéo momento, ainda não foram claramente identificados todos osneurotransmissores responsáveis pela transmissão sináptica naretina. No entanto, acredita-se que, em suas conexões com ascélulas bipolares e horizontais, tanto os bastonetes como os conesliberam glutamuto, um transmissor excitatório. Por outro lado,estudos histológicos e farmacológicos mostraram a existência devários tipos de células amácrinas, as quais secretam pelo menos,cinco tipos diferentes de substâncias transmissoras: ácido gama-uminobutírico (GABA), gíicina, dopamina, acetileolina e indola-mina, todas as quais funcionam normalmente como transmissoresinibitórios. Os transmissores das células bipolares, horizontaise interplexiformes ainda são desconhecidos.

A transmissão da maior parte dos sinais na retina ocorrepor condução eletrotônica, em vez de o ser por potenciais deação. Os únicos neurônios retinianos que sempre transmitemos sinais visuais por meio de potenciais de ação são as célulasganglionares, que os enviam em direção ao cérebro. No entanto,foram ocasionalmente registrados potenciais de ação em célulasamácrinas, apesar desses potenciais de ação terem tido sua impor-tância questionada. Afora isso, todos os neurônios retinianosconduzem seus sinais por condução eletrotônica, que pode serexplicada como se segue.

A condução eletrotônica corresponde ao fluxo direto de cor-rente elétrica, e não a potenciais de ação, no citoplasma neuronal,que vai do ponto de excitação até as sinapses de saída. Na verda-

de, mesmo nos bastonetes e cones, a condução dos sinais geradosnos segmentos externos para os corpos sinápticos é do tipo eletro-tônica; isto é, quando há hiperpolarização do segmento externoem resposta à luz, aproximadamente o mesmo grau dehiperpolarização é conduzido até o corpo sináptico por umfluxo direto de corrente, não se verificando qualquer potencialde ação. Em seguida, quando o transmissor de um cone oubastonete estimula uma célula bipolar ou horizontal, outra vez osinal é conduzido da entrada para a saída por um fluxo local decorrente elétrica, e não por um potencial de ação. A conduçãoeletrotônica também é o meio de condução do sinal damaioria (se não de todas) das células amácrinas.

A importância da condução eletrotônica está no fato deque ela permite uma condução graduada, ou proporcional à forçado sinal. Assim, para os bastonetes e cones, o sinal hiperpola-rizante de saída está diretamente relacionado à intensidade deiluminação; o sinal não é tudo-ou-nada, como seria o caso deuma condução por potencial de ação.

Inibição lateral para melhorar o contraste visual -função das células horizontais

As células horizontais, ilustradas na Fig. 50.11, conectam-selateralmente com os corpos sinápticos dos bastonetes e cones,e também com os dentritos das células bipolares. As saídas dascélulas horizontais são sempre inibitórias; por isso, essa conexãolateral resulta no mesmo fenômeno da inibição lateral, que éda maior importância em todos os outros sistemas sensoriais.Ela permite a transmissão de alta fidelidade dos padrões visuaispara o sistema nervoso central. Esse fenômeno é ilustrado naFig. 50.12, que mostra um pequeno ponto luminoso focalizadosobre a retina. A via visual proveniente da área de incidêncialuminosa mais central é excitada, enquanto a área ao redor,chamada "circundante", é inibida. Em outras palavras, em vezde o sinal excitatório se espalhar difusamente na retina, devidoà arborização dendrítica e das ramificações axônicas nas camadasplexiformes, verifica-se o bloqueio dessa dispersão pela trans-missão dos sinais por meio das células horizontais, levando àinibição na área circundante. Esse é um mecanismo essencialque possibilita alta acuidade visual na transmissão das bordasde contraste da imagem visual. É provável que algumas célulasamácrinas também promovam inibição lateral adicional ao nívelda camada plexiforme interna da retina, melhorando ainda maiso contraste visual.

Fig. 50.12 Excitação e inibição de uma área retiniana causada por umfeixe luminoso puntiforme.

Excitação de algumas células bipolares e inibição de outras- a despolarização e a hiperpolarização das célulasbipolares

Sinais excitatórios e inibitórios são gerados por dois tiposdiferentes de células bipolares: as células bipolares despolari-zantes e as células bipolares hiperpolarizantes; isto é, quandoos cones e bastonetes são excitados, algumas células bipolaresdespolarizam e outras hiperpolarizam.

Há duas explicações possíveis para essa diferença da respostados dois tipos diferentes de células bipolares. Uma explicaçãoé que as duas células bipolares são de tipos completamente dife-rentes, uma delas respondendo ao glutamato, liberado nas sinap-ses, com despolarização, enquanto a outra responde a esse trans-missor com hiperpolarização. A outra possibilidade é que umadas células bipolares receba diretamente a excitação provenientedos bastonetes e cones, enquanto a outra recebe o sinal de formaindireta, por meio de célula horizontal. Como a célula horizontalé uma célula inibitória isso reverteria a resposta elétrica da célulabipolar.

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Independentemente do mecanismo pelo qual os dois tiposde células bipolares respondem, a importância desse fenômenoestá no fato de ele permitir que metade das células bipolarestransmita sinais positivos enquanto a outra metade transmitesinais negativos. Posteriormente, veremos que tanto os sinaispositivos quanto os negativos são utilizados na transmissão dainformação visual até ao cérebro.

Essa relação recíproca entre células bipolares despolarizan-tes e hiperpolarizantes também é importante por originar umsegundo mecanismo de inibição lateral, em adição ao mecanismodas células horizontais. Uma vez que as células despolarizantese hiperpolarizantes têm proximidade muito grande, passa a ocor-rer um processo de extrema eficiência para a separação de bordasde contraste da imagem visual, mesmo quando a borda se localizaexatamente entre dois fotorreceptores adjacentes.

As células amácrinas e suas funções

Cerca de 30 tipos diferentes de células amácrinas já foramidentificados por métodos histológicos ou histoquímicos. Desses,apenas cerca de meia dúzia de tipos celulares amácrinos forambem caracterizados, e todos são diferentes entre si. É provávelque outras células amácrinas tenham várias outras funções adicio-nais ainda não determinadas.

Um tipo de célula amácrina é parte da via direta para avisão escotópica, isto é, os sinais são transmitidos dos bastonetespara as células bipolares, para as células amácrinas e para ascélulas ganglionares.

Outro tipo de célula amácrina responde com muita intensi-dade à chegada do sinal, mas a resposta cessa rapidamente. Ou-tras células respondem com muita intensidade quando o sinaldesaparece, mas também param de responder rapidamente. Exis-tem ainda outras células que respondem tanto quando a luz éligada como quando ela é desligada, sinalizando, simplesmente,uma modificação da iluminação, não importando que seja paramais ou para menos.

Há ainda outro tipo de célula amácrina que responde aomovimento de um ponto ao longo da retina ao se deslocar emuma direção específica, motivo pelo qual elas são denominadascélulas com sensibilidade direcional.

Consensualmente, as células amácrinas podem ser conside-radas tipos de interneurônios que auxiliam a análise inicial dossinais visuais, antes que eles deixem a retina.

AS CÉLULAS GANGLIONARES

Conectividade das células ganglionares com os cones na fóveae com os cones e bastonetes na retina periférica. Cada retinacontém 100.000.000 de bastonestes e 3.000.000 de cones, enquantoo número de células ganglionares é de apenas 1.600.000. Assim,para cada fibra do nervo óptico convergem, em média, 60 basto-netes e 2 cones.

Há, entretanto, outras diferenças importantes entre a retinacentral e a retina periférica. Quando mais próximo da fóvea,menor é o número de bastonetes e cones que convergem parauma fibra óptica, e os cones e bastonetes se tornam mais finos.Esses dois efeitos causam aumento progressivo da acuidade vi-sual, à medida que se aproxima a retina central. Na região maiscentral, correspondente à fóvea, só há cones de pequeno diâme-tro, em torno de 35.000, e não existem bastonetes. Além disso,o número de fibras ópticas, correspondentes a essa região, quesaem da retina, é quase igual ao número de cones, como ilustradona Fig. 50.11, à direita. Esta é a principal explicação para oalto grau de acuidade visual na retina central, em relação à baixa

acuidade verificada na retina periférica.Outra diferença entre as porções periférica e central da retina

é a sensibilidade maior da retina periférica a luzes de baixa intensi-dade. Isso se deve, em parte, ao fato de que os bastonetes sãocerca de 300 vezes mais sensíveis à luz do que os cones, masesse efeito é amplificado pelo fato de. nas regiões mais periféricasda retina, mais de 200 bastonetes convergirem para uma mesmafibra do nervo óptico, de modo que os sinais provenientes dosbastonetes se somam, causando a estimulação mais intensa dascélulas ganglionares periféricas.

Três tipos diferentes de células ganglionares retinianas eseus respectivos campos

Há três grupos distintos de células ganglionares, denomi-nadas células W, X e Y. Cada uma delas serve para uma funçãodiferente.

Transmissão da visão dos bastonetes pelas células W. Ascélulas W constituem 40% de todas as células ganglionares. Sãocélulas pequenas, com diâmetro menor que 10 µm, e suas fibrastransmitem os sinais com baixa velocidade, cerca de apenas 8m/s. A maior parte da excitação dessas células ganglionares pro-vém dos bastonetes, transmitida por meio de pequenas célulasbipolares e amácrinas. Seu campo receptor na retina é bastanteamplo, porque seus dendritos se distribuem largamente na cama-da plexiforme interna, recebendo sinais de áreas bastante exten-sas.

A partir de dados histológicos, e também pelos resultadosde experimentos fisiológicos, é sugerido que as células W sejamespecialmente sensíveis para a detecção de movimentos direcio-nais no campo da visão. Essas células também são provavelmentemuito importantes para a visão em condições de baixa lumino-sidade.

Transmissão da imagem visual e das cores pelas células X.Essas células são as mais numerosas das células ganglionares,representando 55% do total. São células de diâmetro médio,entre 10 e 15 fim, e suas fibras no nervo óptico transmitemos sinais com velocidade de aproximadamente 14 m/s.

Como seus dendritos não se espalham por grandes extensõesda camada plexiforme interna, os campos receptores das célulasX são pequenos e, em conseqüência, os sinais representam locali-zações discretas na retina. Por esse motivo, a imagem visualé transmitida principalmente por meio dessas células. Como todacélula X só recebe sinais originados em pelo menos um cone,esse tipo celular também é, provavelmente, responsável pelatransmissão da visão a cores.

Função das células Y na transmissão das modificações instan-tâneas da imagem visual. As células Y são as maiores de todasas células ganglionares, podendo ter diâmetro de até 35 µm,e a velocidade de condução de suas fibras pode superar os 50m/s. Entretanto, elas correspondem ao menor grupo de célulasganglionares, representando apenas 5% do total. São célulasque possuem extensa arborização dendrítica, motivo peio qualrecebem sinais de áreas retinianas extensas.

As células ganglionares Y, como muitas células amácrinas,respondem a modificações rápidas da imagem visual, tanto movi-mentos rápidos como rápidas alterações da intensidade luminosa,enviando descarga de sinais durando apenas uma fração de segun-do, após o que os sinais desaparecem. Por isso, esse tipo celular,sem sombra de dúvida, alerta o sistema nervoso central, quaseinstantaneamente, quando ocorre um evento visual anormal emqualquer lugar do campo visual. Entretanto, essas células nãoespecificam a localização precisa do evento, mas fornecem dadosapropriados para a movimentação dos olhos em direção ao pontode excitação.

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EXCITAÇÃO DAS CÉLULAS GANGLIONARES

Potenciais de ação espontâneos, contínuos, nas células gan-glionares. É das células ganglionares que as longas fibras donervo óptico se originam para chegar ao cérebro. Devido a distân-cia a ser percorrida pelo sinal, o sistema de condução eletrotônicanão é apropriado e, graças a isso, as células ganglionares trans-mitem seus sinais por meio de potenciais de ação. Além disso,essas células, mesmo quando não são estimuladas, transmitemimpulsos contínuos a freqüência que variam entre 5 e 40 porsegundo, com as fibras de maior diâmetro disparando geralmentecom maior freqüência. Os sinais visuais se superpõem a essafreqüência básica de disparo da célula ganglionar.

Transmissão das modificações da intensidade luminosa - aresposta liga-desliga. Muitas células ganglionares são especial-mente excitadas por modificações da intensidade luminosa. Issoestá ilustrado nos registros de impulsos nervosos da Fig. 50.13.O traçado superior dessa figura mostra a intensa excitação dacélula durante uma fração de segundo quando a luz é ligada;em seguida, a excitação diminui, mesmo com a luz permanecendoligada. O traçado inferior é o registro de uma célula ganglionarlocalizada na área escura, lateral ao ponto iluminado. Essa célulaé intensamente inibida quando a luz é ligada, em virtude dainibição lateral. Quando a luz é desligada, observam-se os efeitosopostos, motivo pelo qual os registros e respostas são denomi-nados "liga-desliga". As direções opostas dessas respostas à luzse devem, respectivamente, a despolarização e à hiperpolarizaçãodas células bipolares, e a natureza transitória das respostas éprovavelmente gerada pelas células amácrinas, muitas das quaisrespondem, elas mesmas, de forma transitória.

A capacidade do olho de detectar modificações da intensi-dade de luz é igualmente desenvolvida tanto na retina centralcomo na periférica. Um pequeno mosquito, por exemplo, é ime-diatamente detectado quando voa através do campo visual perifé-rico. Por outro lado, esse mesmo mosquito não será detectadose não se movimentar, isto é, a excitação provocada está abaixodo limiar de detecção visual.

Transmissão dos sinais que indicam contrastes nacena visual - o papel da inibição lateral

A maioria das células ganglionares não responde ao nívelverdadeiro de iluminação da cena. Em vez disso, elas respondemprincipalmente às bordas de contraste na cena. Uma vez queesta parece ser a principal maneira pela qual a forma da cenaé transmitida para o cérebro, vamos explicar como esse processoacontece.

Quando luz homogênea é aplicada sobre toda a retina, istoé, quando todos os fotorreceptores são igualmente estimuladospela luz incidente, o tipo de célula ganglionar que responde acontraste não é estimulada nem inibida. Isso se deve ao fatode que os sinais transmitidos diretamente dos receptores pelascélulas bipolares despolarizantes são excitatórios, enquanto ossinais transmitidos lateralmente, pelas células horizontais e célulasbipolares hiperpolarizantes, são inibitórios. Assim, os sinais exci-tatórios diretos de uma via são completamente neutralizados pe-los sinais inibitórios das vias laterais. Um desses circuitos é ilustra-do na Fig. 50.14, que mostra três fotorreceptores. O receptorcentral excita uma célula bipolar despolarizante, no entanto osdois receptores ao lado são conectados à mesma célula bipolarpor meio de células horizontais inibitórias, o que causará a neutra-lização do sinal excitatório direto, se esses receptores forem tam-bém estimulados pela luz.

Vamos agora analisar o que acontece quando há uma bordade contraste na cena visual. Fazendo de novo referência à Fig.50.14, consideremos que o fotorreceptor central é estimulado

por um ponto luminoso brilhante, enquanto um dos fotorre-ceptores laterais está no escuro. O ponto de luz excitará a viadireta pela célula bipolar e, pelo fato de um dos receptores lateraisestar no escuro, haverá a inibição de uma das células horizontais,a qual, perdendo seu efeito inibitório sobre a célula bipolar,permitirá que ela seja ainda mais excitada. Desta maneira, qual-quer que seja o lugar sobre o qual a luz incida, os sinais excita-tórios e inibitórios que chegam à célula bipolar se neutralizam,mas, onde houver contraste, os sinais que caminham pelas viasdireta e lateral têm efeito potencializador, uns sobre os outros.Desta forma, o mecanismo da inibição lateral funciona no olhoda mesma maneira que na maioria dos outros sistemas sensoriais,isto é, levando à detecção e amplificação do contraste.

Fig. 50.13 Respostas de células ganglionares à luz em: (1) área excitadapor um ponto luminoso, e (2) área imediatamente adjacente ao pontoexcitado; as células ganglionares nesta última área são inibidas pelomecanismo de inibição lateral. (Modificado de Granit: Receptors andSensory Perception: A Discussion of Aims, Means, and Results of Elec-trophysiological Research Into the Process of Reception. New Haven.Conn., Yale University Press, 1955.)

Fig. 50.14 Disposição típica de basionetes, das células horizontais (H),de uma célula bipolar (B) c de uma célula ganglionar (G) na retina,mostrando excitação nas sinapses entre os bastonetes e as células horizon-tais, mas inibição entre as células horizontais e as bipolares.

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Transmissão de sinais coloridos pelas célulasganglionares

Uma célula ganglionar pode ser estimulada por grande nú-mero de cones, ou por pequeno número deles. Quando todosos três tipos de cones - vermelho, azul e verde - estimulam amesma célula ganglionar, o sinal transmitido por essa célula éo mesmo para qualquer cor do espectro, motivo pelo qualele não desempenha qualquer papel na detecção das diferentescores. Em outras palavras, ele é um sinal "branco".

Por outro lado, algumas células ganglionares só são estimu-ladas por cones sensíveis a determinada cor, mas são inibidaspor outro tipo de cone. Isso ocorre freqüentemente, por exemplo,para cones vermelhos e verdes, os vermelhos causando excitaçãoe os verdes causando inibição, ou vice-versa. O mesmo tipo deefeito recíproco também acontece entre os cones azuis de umlado e uma combinação de cones vermelhos e verdes, de outro,gerando uma inter-relação de excitação e inibição recíproca entreas cores azul e amarela.

O mecanismo desse efeito de oposição das cores é o seguinte:um cone para determinado tipo de cor excita uma célula ganglio-nar pela via direta, por meio de célula bipolar despolarizante,enquanto o cone para outro tipo de cor inibe a célula ganglionarpela via indireta, por meio de célula horizontal ou de célulabipolar hiperpolarizante.

A importância desse mecanismo de contraste de cores estáno fato de a diferenciação de cores já começar a acontecer aonível da própria retina. Assim, cada célula ganglionar sensívela contraste de cores é excitada por uma cor, mas é inibida pelacor "oponente". Por isso, o processo de análise da cor já seinicia na retina, não sendo uma função inteiramente cerebral.

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CAPÍTULO 51

O Olho: III. Neurofisiologia Central da Visão

AS VIAS VISUAIS

A Fig. 51.1 ilustra as principais vias visuais que saem dasduas retinas em direção ao córtex visual. Apôs deixarem as reti-nas, os impulsos nervosos seguem em direção centrípeta pelosnervos ópticos. No quiusma óptico, todas as fibras das metadesnasais das retinas cruzam para o lado oposto, onde se juntamàs fibras das retinas temporais contralaterais para formar os feixesópticos. As fibras de cada feixe óptico fazem sinapse no núcleogeniculado lateral dorsal. Desse núcleo saem as fibras geniculo-calcarinas que, pela radiação óptica ou feixe geniculocalcarino,se dirigem ao córtex visual primário situado na área calcarinado lobo occipital.

As fibras visuais também se dirigem a áreas pré-corticaismais antigas do cérebro. Algumas fibras originadas dos feixesópticos se dirigem: (1) para o núcleo supraquiasmático do hipotá-lamo, presumivelmente relacionadas com o controle dos ritmoscicardianos; (2) para os núcleos pré-tectais, relacionadas com al-guns movimentos reflexos para focalização dos olhos sobre obje-tos de importância e, também, com a ativação do reflexo pupilar;(3) para o colículo superior, relacionadas com o controle dosmovimentos direcionais rápidos dos dois olhos (movimentos con-jugados); e (4) para o núcleo geniculado lateral ventral e, daí,para as regiões basais cerebrais vizinhas, presumivelmente rela-cionadas com o auxílio do controle de algumas funções compor-tamentais.

Assim, as vias visuais podem ser divididas, grosso modo,em um sistema amigo para o mesencéfalo e áreas prosencefálicasbasais, e um sistema novo que transmite os sinais diretamenteao córtex visual. No homem, o sistema novo é responsável pelapercepção de praticamente todos os aspectos das formas visuais,cores e outros tipos de percepção visual consciente. Por outrolado, em muitos animais inferiores, mesmo a forma visual é detec-tada pelo sistema antigo, com o colículo superior desempenhandoo mesmo papel executado pelo córtex visual em mamíferos.

Função do núcleo geniculado lateral dorsal

Todas as fibras visuais do sistema visual novo terminamno núcleo geniculado lateral dorsal, localizado na extremidadedorsal do tálamo e, freqüentemente, também chamado de corpogeniculado lateral. O núcleo geniculado lateral executa duas fun-ções principais. Primeiro, ele funciona como estação de conexão,que liga a informação visual proveniente do feixe óptico ao córtexvisual, por meio do feixe geniculocalcarino. Essa função de cone-xão é muito precisa, e o é de tal maneira que ocorre transmissão

exata, ponto por ponto, com altíssimo grau de fidelidade espacialao longo de toda a via, desde a retina até o córtex visual.

Devemos chamar a atenção para o fato de que metade dasfibras de cada feixe óptico, após passar pelo quiasma óptico,provém de um olho, enquanto a outra metade provém do outroolho, representando pontos correspondentes sobre as duas reti-nas. No entanto, no corpo geniculado lateral, os sinais prove-nientes dos dois olhos são mantidos à parte uns dos outros. Essenúcleo é composto de seis camadas nucleares. As camadas II,III e V (na direção ventrodorsal) recebem sinais provenientesda metade temporal da retina ipsilateral, enquanto as camadasI, IV e VI recebem sinais da retina nasal contrai ater ai. As áreasretinianas respectivas dos dois olhos fazem conexões com neurô-nios de idêntica representação nas camadas pareadas, e trans-missão paralela similar é preservada, ao longo de toda a via,até o córtex visual.

A segunda função principal, do núcleo geniculado lateraldorsal é funcionar como um "portão" para a transmissão desinais até ao córtex visual, isto é, controlar a quantidade desinais que chegam ao córtex. O núcleo recebe sinais de controleprovenientes de duas fontes principais: (1) fibras corticofugas

Fig. 51..1 As principais vias visuais dos olhos ao córtex. (Modificadode Polyak: The Retina. Copyright 1941 by University of Chicago.)

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que vêm, em direção retrógrada, do córtex visual para o núcleogeniculado lateral e, (2) áreas reticulares do mesencéfalo. Essasduas aferências são inibitórias e, quando estimuladas, podemliteralmente "desligar" a transmissão através de áreas selecio-nadas do núcleo geniculado lateral dorsal, motivo pelo qual seadmite que ambos os circuitos acima mencionados ajudam acontrolar a informação visual que é permitida chegar ao córtex.O núcleo geniculado lateral dorsal também é dividido de outramaneira: (1) as camadas I e II são denominadas camadasmagnocelulares porque contêm neurônios de grande diâmetro.Eles recebem impulsos provenientes quase inteiramente das gran-des células ganglionares retinianas do tipo Y. Esse sistema magno-celular origina uma via de condução muito rápida para o córtexvisual. Por outro lado, ele é um sistema "cego para cores", sótransmitindo informações em preto e branco, e a fidelidade detransmissão ponto por ponto é baixa, pois as células ganglionarestipo Y são em número pequeno e possuem dendritos intensa-mente arborizados na retina. (2) As camadas III, IV, V e VIsão denominadas camadas parvoceluiares, porque contêm grandenúmero de neurônios de pequeno e médio diâmetros. Eles rece-bem impulsos provenientes quase inteiramente das células retinia-nas ganglionares do tipo X que transmitem cores e informaçõesespaciais, ponto por ponto, altamente precisas. Por outro lado,a velocidade de condução dos sinais é mais baixa.

ORGANIZAÇÃO E FUNÇÃO DO CÓRTEXVISUAL

As Figs. 51.2 e 51.3 mostram que o córtex visual está locali-zado primariamente nos lobos occipitais. Da mesma forma queas representações corticais dos outros sistemas sensoriais, o córtexvisual é dividido em um córtex visual primário e áreas visuaissecundárias.

Córtex visual primário. O córtex visual primário (Fig. 51.3)se localiza na área da fissura calcarina e se estende até o pólo

Fig. 51.2 Transmissão dos sinais visuais do córtex visual primário paraas áreas visuais secundárias. Observe que os sinais representando formae posição tridimensional têm via de transmissão localizada em situaçãomais superior, dirigindo-se para as porções mais superiores do lobo occi-pital e do lobo parietal posterior. Ao contrário, os sinais correspondentesà visão mais detalhada e á cor são transmitidos principalmente paraa porção antero-ventrai do globo occipital e para a porção ventral dolobo temporal posterior.

Fig. 51.3 O córtex visual.

occipital, na parte medial de cada córtex occipital. Essa áreaé o ponto final de chegada dos sinais visuais mais diretos prove-nientes dos olhos. Sinais provenientes da área macular da retinaterminam nas vizinhanças do pólo occipital, enquanto os sinaisprovenientes da retina mais periférica terminam em círculos con-cêntricos, em posição anterior ao pólo, e ao longo da fissuracalcarina. A parte superior da retina é representada superior-mente e a parte inferior é representada inferiormente. Observe,na figura, a área especialmente extensa que representa a mácula.É para essa região que a fóvea transmite seus sinais. A fóveaé responsável pelo mais alto grau de acuidade visual e, tomandopor base a área retiniana. a fóvea tem várias centenas de vezesmais representação no córtex visual primário do que as porçõesperiféricas da retina.

O córtex visual primário é co-extensivo com a área cortiça!17 de Brodmann (veja o diagrama das áreas de Brodmann naFig. 47.5, no Cap. 47). Ele também é freqüentemente chamadode área visual l ou, simplesmente, V-l. Outro nome tambémdado ao córtex visual primário é córtex estriado, porque essaárea tem aparência macroscopicamente estriada.

Áreas visuais secundárias. As áreas visuais secundárias, tam-bém chamadas áreas visuais de associação, localizam-se em posi-ções anterior, superior e inferior ao córtex visual primário. Sinaissecundários são transmitidos para essas áreas para uma análiseadicional para o entendimento dos sinais visuais. Como exemplotemos a área 18 de Brodmann, localizada em todos os ladosdo córtex visual primário, que é a área de associação para ondese dirigem, em seguida, praticamente todos os sinais que passampelo córtex visual primário. Por esse motivo, a área 18 de Brod-mann é denominada área visual II ou, simplesmente, V-2. Asoutras áreas visuais secundárias mais distantes têm designaçõesespecíficas V-3, V-4, e assim por diante. A importância de todasessas áreas reside no fato de que os vários aspectos da imagemvisual são progressivamente dissecados e analisados em cada umadelas separadamente.

A estrutura lamelar do córtex visual primário

Como todas as outras partes do córtex cerebral, o córtexvisual primário tem seis camadas distintas, como ilustrado naFig. 51.4. Da mesma forma que para outros sistemas sensoriais,as fibras geniculocalcarinas também terminam na camada IV,mas essa camada também está organizada em várias subdivisões.Os sinais conduzidos com alta velocidade provenientes das célulasganglionares retinianas do tipo Y terminam na camada 4ca e,deste ponto, os sinais são enviados no sentido vertical, tantoem direção à superfície cortiça! como em direção às camadascorticais mais profundas, onde fazem novas conexões sinápticas.

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Fig. 51.4 As seis camadas do córtex visual primário. As conexões àesquerda representam a transmissão, com alta velocidade, das alteraçõesdos sinais visuais em preto e branco. As vias à direita transmitem sinaisque representam detalhes muito acurados e, também, cor. Observe,especialmente, as pequenas áreas do córtex visual denominadas "bolhasde cores", necessárias para a detecção da cor.

Os sinais visuais que se originam nas células ganglionaresretinianas do tipo X, e que são conduzidos pelas fibras de diâme-tro médio do nervo óptico, também terminam na camada IV,mas em pontos diferentes dos sinais provenientes das célulasY. Eles terminam nas camadas I Va e IVc , as regiões, respectiva-mente, mais superficiais e mais profundas da camada IV. Daí,esses sinais são também transmitidos verticalmente pelo córtex,tanto em direção à superfície como para as camadas mais profun-das. Essas vias das células ganglionares do tipo X são as respon-sáveis pela transmissão dos sinais visuais ponto a ponto maisprecisos e também pela visão a cores.

As colunas neuronais verticais no córtex visual. O córtexvisual é organizado, estruturalmente em milhões de colunas verti-cais de células neuronais, cada coluna tendo diâmetro de 30a 50 um. Essa organização colunar vertical é observada em todoo restante do córtex cerebral, e cada coluna representa umaunidade funcional. No córtex visual, o número de neurôniosexistentes em cada coluna vertical é da ordem de 1.000.

Os sinais visuais aferentes que chegam à área IV são aíprocessados e, em seguida, enviados ao longo da unidade colunarvertical, tanto em direção à superfície como em direção às regiõescorticais mais profundas. Admite-se que esse processamento sejaresponsável pela decifração dos segmentos da informação visual,que chegam separadamente ao córtex, ao longo de toda a viavisual. Os sinais que são enviados em direção à superfície cortical- para as camadas I, II e III - excitam neurônios que podem,

eventualmente, transmitir sinais de ordem superior lateralmentepor curtas distâncias no córtex. Por outro lado, os sinais enviadosem direção às camadas mais profundas — camadas V e VI —excitam neurônios que transmitem sinais para distâncias muitomaiores.

As "bolhas de cores" no córtex visual. Entre as colunasvisuais primárias encontram-se dispersas áreas colunares especiaisdenominadas bolhas de cores. Essas estruturas recebem sinaislaterais das colunas visuais adjacentes e respondem especifica-mente a sinais de cores, motivo pelo qual presume-se que essasbolhas são as áreas primárias para a decifração da cor. Algumasbolhas de cores também são encontradas em certas áreas visuaissecundárias, que provavelmente desempenham funções de nívelmais elevado na decifração das cores.

Interação de sinais visuais provenientes dos dois olhos. Lem-bre-se de que os sinais visuais referentes a um mesmo objeto,provenientes dos dois olhos, fazem conexão em camadas neuro-nais distintas no núcleo geniculado lateral e permanecem separa-dos quando chegam à camada IV do córtex visual primário. Acamada IV é uma estrutura em que as colunas celulares estãodispostas horizontalmente em fitas intercaladas do tipo zebra,cada fita com largura da ordem de 0,5 mm, e os sinais prove-nientes de cada olho entram nas colunas de todas as fitas, sealternando com os sinais provenientes do outro olho. A separaçãoentre os sinais provenientes de cada olho se desfaz à medidaque eles se distribuem verticalmente para as camadas mais super-ficiais e mais profundas do córtex, devido à sua dispersão lateral.Simultaneamente, o córtex decifra se as respectivas áreas dasimagens visuais estão "em fase", isto é, se os pontos correspon-dentes às duas retinas se superpõem. Essa informação decifradaé usada para controlar o movimento dos olhos, de modo a permitira fusão das imagens (coloca-as "em fase"). A informação tambémpermite à pessoa distinguir a distância dos objetos pelo meca-nismo da estereopsia.

As duas vias principais para análise da informação visual -a via rápida para "posição" e "movimento"; a via para avisão acurada de cores

A Fig. 51.2 mostra que, após deixar o córtex visual primário,a informação visual é analisada em duas vias principais no córtexvisual secundário.

1. Análise da posição tridimensional, forma grosseira e movimento dos objetos. Uma das vias analíticas, ilustrada na Fig.51.2 pelas setas negras largas, analisa as posições tridimensionaisdos objetos visuais nas coordenadas de espaço em torno do corpo.A partir dessa informação, essa via também analisa a formageral da cena, bem como a movimentação no cenário. Em outraspalavras, essa via diz "onde" está o objeto a cada instante ese ele está se movendo. Após deixarem o córtex visual primário(área 17 de Brodmann), os pontos seguintes de conexão sinápticapara os sinais dessa via se localizam na área visual 2 (área 18de Brodmann). A partir daí, eles fluem para a área temporalmédia posterior e, então, se dirigem para cima, em direção aocórtex occipitoparietal. Na borda anterior desta última área, ossinais se superpõem com sinais provenientes das áreas de associa-ção somática posterior, que analisam a forma e os aspectos tridi-mensionais dos sinais sensoriais somáticos. Os sinais transmitidospor essa via de posição-forma-movimento provém, principalmente,das fibras de grande diâmetro do nervo óptico que se originamdas células ganglionares tipo Y, transmitindo sinais com rapidez,mas apenas sinais em preto e branco.

2. Análise do detalhe visual e da cor. As setas vermelhasda Fig. 51.2 ilustram a principal via para análise do detalhe visual.Os sinais se dirigem do córtex visual primário (área 17 de Brodmann) para a área visual 2 (área 18 de Brodmann) e, em seguida,

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para as regiões ventral e medial dos córtices occipital e temporal.Partes distintas dessa via estão especificamente ligadas ao pro-cesso de análise das cores. Por isso, essa via está relacionadaa fatos visuais específicos, tais como, reconhecimento de letras,leituras, determinação da textura de superfícies, determinaçãodetalhada das cores dos objetos e, a partir de todas essas informa-ções, na decifração do "que" é o objeto e qual o seu significado.

PADRÕES NEURONAIS DE ESTIMULAÇÃO DURANTEA ANÁLISE DA IMAGEM VISUAL

Análise do contraste na imagem visual. Se a pessoa olhapara uma parede branca, apenas uns poucos neurônios serãoestimulados no córtex visual primário, não importando que ailuminação da parede seja intensa ou fraca. Por isso, uma questãodeve ser respondida: O que é detectado pelo córtex visual? Pararesponder a isso, coloquemos sobre a parede uma grande cruz"sólida", conforme ilustrado à esquerda na Fig. 51.5. À direitaé ilustrado o padrão espacial da grande maioria dos neurôniosexcitados no córtex visual. Observe que as áreas de excitaçãomáxima ocorrem ao longo das bordas nítidas do padrão visual.Assim, o sinal visual no córtex primário está relacionado princi-palmente com os contrastes na cena visual, em vez das áreas"lisas". No capítulo anterior, vimos que isso também é verdadepara a maior parte das células ganglionares retinianas, uma vezque igual estimulação dos receptores retinianos adjacentes provo-ca inibição mútua entre eles. Entretanto, em qualquer bordana cena visual onde ocorra mudança de escuro para claro oude claro para escuro, não ocorre inibição mútua, e a intensidadede estimulação é proporcional ao gradiente de contraste, isto é,quanto maior a nitidez do contraste e quanto maior a diferençade intensidade entre as áreas claras e escuras, maior o grau deestimulação.

Detecção da orientação de Unhas e bordas — as células "sim-ples". O córtex visual não detecta apenas a existência de linhase bordas nas diferentes áreas da imagem retiniana, mas, também,a orientação de cada linha ou borda, isto é, se ela é vertical,horizontal ou está posicionada com algum grau de inclinação.Admite-se que isso seja resultado das organizações lineares decélulas mutuamente inibitórias que excitam neurônios de segundaordem quando a inibição mútua deixa de existir ao longo deuma linha de células, isto é, onde há uma borda de contraste.Assim, para cada orientação de uma linha, há o estímulo deuma célula neuronal específica, e uma linha orientada em direçãodiferente excita uma célula diferente. Essas células neuronaissão denominadas células simples. Elas são encontradas, principal-mente, na camada IV do córtex visual primário.

Fig. 51.5 Padrão de excitação do córtex visual em resposta à imagemretiniana de uma cruz escura.

Detecção da orientação de uma linha quando ela é deslocadalateral ou verticalmente no campo visual — as células "comple-xas”. À medida que os sinais progridem para outras áreas, apóspassarem pela área IV, alguns neurônios respondem a linhasainda orientadas na mesma direção, mas sem posição específica,isto é, a linha pode ser deslocada lateral ou verticalmente, pordistâncias moderadas, no campo visual, que o neurônio conti-nuará a ser estimulado como se a linha tivesse a mesma direção.Essas células são denominadas células complexas.

Detecção de linhas com comprimentos e ângulos específicosou outras formas. Muitos neurônios nas camadas mais superficiaisdas colunas visuais primárias, bem como alguns neurônios nasáreas visuais secundárias, só são estimulados por linhas ou bordasque tenham comprimentos específicos, formas anguladas especí-ficas ou por imagens tendo outras características. Esses neurôniosdetectam informações de ordem ainda mais superior, captadasda cena visual, motivo pelo qual essas células são denominadascélulas hipercomplexas.

Dessa maneira, à medida que se vai mais adiante na viaanalítica do córtex visual, são decifradas mais características dacena visual.

Detecção da cor

A cor é detectada da mesma maneira que as linhas: pelocontraste de cores. Os contrastes de cores existem tanto entrecones adjacentes como entre cones situados à distância. Por exem-plo: uma área vermelha é sempre contrastada contra uma áreaverde, ou uma área azul contra uma vermelha, ou uma áreaverde contra uma amarela. Todas essas cores podem tambémser contrastadas contra uma área branca dentro da cena visual.Na verdade, é esse contraste com o branco que se admite ser0 principal responsável pelo fenômeno denominado constânciade cor, que foi discutido no capítulo anterior, isto é, quandoa cor da luz de iluminação se modifica, a cor do "branco" mudacom a luz e a computação cerebral adequada permite que overmelho seja interpretado como vermelho, apesar da luz deiluminação ter, na verdade, alterado a cor do espectro que penetranos olhos.

O mecanismo da análise do contraste de cor depende dofato de cores contrastantes, chamadas cores oponentes, excitaremmutuamente algumas células neuronais. Presume-se que os deta-lhes iniciais do contraste de cor são detectados por células simples,enquanto os contrastes mais complexos são detectados por célulascomplexas e hipercomplexas.

Análise seriada da imagem visual versus análise paralela

Da discussão precedente fica claro que a imagem visual édecifrada e analisada tanto por vias seriadas como por vias parale-las. A seqüência de células simples para células complexas ecélulas hipercomplexas é uma análise seriada, com mais e maisdetalhes sendo progressivamente decifrados. A transmissão dediferentes tipos de informação visual para diferentes localizaçõescerebrais representa um processamento paralelo. A interpretaçãocompleta de uma cena visual se deve à combinação desses doistipos de análise. Entretanto, níveis mais altos de análise aindaestão acima do conhecimento fisiológico atual.

Efeito da remoção do córtex visual primário

A remoção do córtex visual primário no ser Humano provocaa perda da visão consciente. Os estudos psicológicos demonstram,entretanto, que tais pessoas ainda podem reagir subconscien-

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temente a modificações de intensidade luminosa, a movimentose, até mesmo, a alguns padrões visuais grosseiros. Essas reaçõesincluem rotação dos olhos, rotação da cabeça, fuga etc. Acredi-ta-se que esse tipo de visão seja devido às vias neuronais quese dirigem dos feixes ópticos para os colículos superiores e paraoutras partes do sistema visual antigo.

OS CAMPOS VISUAIS; PERIMETRIA

Campo visual é a área que um olho consegue enxergar em determi-nado instante. A área vista pelo lado nasal é chamada campo visualnasal e a área vista pelo lado temporal é chamada campo visual temporal.

Para se diagnosticar a cegueira em áreas específicas da retina, faz-seo mapeamento do campo visual para cada olho pelo método conhecidocomo perimetria. Isso é feito mandando-se o indivíduo olhar com umolho diretamente para um ponto central de luz, colocado em frenteao olho. A seguir, um pequeno foco de luz ou um pequeno objetoé movido para frente c para trás em todas as áreas do campo visuale a pessoa indica quando está, ou não, vendo o pequeno ponto deluz ou o objeto móvel. A partir desses dados, o campo visual é demarcado,como ilustrado na Fig. 51.6.

Em todos os mapas de perimetria se verifica um ponto cego causadopela ausência de cones e bastonetes na retina, sobre o disco óptico.Esse ponto se localiza a aproximadamente 15º lateral ao ponto centralde visão, como ilustrado na figura.

Anormalidades dos campos visuais. Ocasionalmente, são encontra-dos pontos cegos em outras áreas da retina, além da correspondenteao disco óptico. Tais pontos cegos são denominados escotomas e são,freqüentemente, resultantes de reações alérgicas na retina ou de condi-ções tóxicas tais como intoxicações por chumbo (saturnismo) ou usoexcessivo de tabaco.

Outra condição que pode ser diagnosticada pela perimetria é a reti-nite pigmentar. Nessa doença, há degeneração retiniana e um depósitoexcessivo de melanina nas áreas degeneradas. A retinite pigmentar geral-mente causa, de início, cegueira no campo de visão periférica, que,depois, progride para as áreas mais centrais da retina.

Efeito de lesões da via óptica sobre os campos visuais. A destruiçãototal de um nervo óptico causa, obviamente, cegueira do respectivo olho.A destruição do quiasma óptico, conforme mostrado pela linha longitu-dinal que atravessa o quiasma na Fig. 51.1, impede a passagem dosimpulsos provenientes das metades nasais das duas retinas para os feixesópticos do lado oposto, o que resulta na cegueira das duas metadesnasais, causando uma cegueira temporal bilateral. Isso se deve ao fato dea imagem do campo visual estar invertida sobre a retina. Essa condição échamada hemianopsia bitemporal. Essas lesões resultam freqüente-

mente da compressão do quiasma óptico causada por tumores da adeno-hipófise.

A interrupção de um dos feixes ópticos, que ê mostrada por outralinha na Fig. 51.1, desnerva a metade correspondente da retina do mesmolado da lesão. Como resultado, nenhum dos olhos é capaz de ver objetossituados do lado oposto ao lesado. Essa condição é denominada hemia-nopsia homônima. A hemianopsia homônima também pode ser causadapela destruição unilateral da radiação óptica ou do córtex visual. Umacausa comum de destruição do córtex visual é a trombose da artériacerebral posterior que leva a infarto do córtex occipital, com exceçãoda região correspondente à área foveal, o que faz com que habitualmentea visão central seja preservada.

Uma lesão do feixe óptico pode ser diferenciada de uma lesão dofeixe geniculocalcarino ou do córtex cerebral pela determinação da manu-tenção da transmissão de impulsos para os núcleos pré-tectais, ondese inicia a resposta pupilar reflexa a luz.

MOVIMENTOS OCULARES E SEU CONTROLE

Para a utilização do sistema visual em sua plenitude, o sistemade controle cerebral para mover os olhos em direção ao objeto a serobservado é quase tão importante como o sistema de interpretação dossinais provenientes dos olhos.

Controle muscular dos movimentos oculares. Os movimentos ocula-res são controlados por três pares de músculos distintos mostrados naFig. 51.7: (1) os retos medial e lateral; (2) os retos superior e inferior; e(3) os oblíquos superior e inferior. Os retos medial e lateral se contraemreciprocamente para mover os olhos lateralmente. Os retos superiore inferior se contraem reciprocamente para mover os olhos paracima e para baixo. Finalmente, os músculos oblíquos têm comoprincipal função promover a rotação dos globos oculares no sentidode manter os campos visuais na posição vertical.

Vias neurais para controle dos movimentos oculares. A Fig. 51.7também mostra os núcleos dos terceiro, quarto e sexto nervos cranianose suas inervações aos músculos oculares. Também são mostradas asinterconexões entre esses três núcleos por meio do fascículo longitudinalmedial. Tanto por meio desse fascículo como por meio de outras viasintimamente associadas, cada um dos três grupos musculares de cadaolho é reciprocamente inervado, de tal modo que, quando um músculodo par se relaxa, o outro se contrai.

A Fig. 51.8 ilustra o controle cortical do aparelho oculomotor, mos-trando a difusão dos sinais provenientes das áreas visuais occipitais emdireção às áreas pré-tectais e do colículo superior, localizadas no troncocerebral, pelos feixes occipitotectal e occipitocolicular. Além dessas vias,o trato frontotectal proveniente do córtex frontal passa para a área pré-tectal. Partindo tanto da área pré-tectal como da área do colículo supe-rior, os sinais de controle oculomotor se dirigem para os núcleos dosnervos oculomotores. O sistema oculomotor também recebe intensossinais provenientes dos núcleos vestibulares, transmitidos por meio dofascículo longitudinal medial.

Fig. 51.6 Um quadro de perimetria mostrando o campo visual parao olho esquerdo.

Fig. 51.7 Os músculos extra-oculares e sua inervação.

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Fig. 51.8 Vias nervosas para controle dosmovimentos conjugados dos olhos.

MOVIMENTOS DE FIXAÇÃO DOS OLHOS

Talvez os movimentos mais importantes dos olhos sejam os quefazem com que eles se "fixem" sobre determinada área do campo visual.

Os movimentos de fixação são controlados por dois mecanismosneuronais distintos. O primeiro desses mecanismos, denominado meca-nismo de fixação voluntária, permite que a pessoa mova voluntariamenteseus olhos a fim de encontrar o objeto sobre o qual ela deseja fixara visão. O segundo mecanismo, denominado mecanismo de fixação invo-luntária, é um mecanismo involuntário que mantém os olhos firmementefixados sobre um objeto, uma vez que ele tenha sido encontrado.

Os movimentos de fixação voluntária são controlados por um peque-no campo cortical localizado bilateralmente nas áreas corticais pré-mo-toras dos lobos frontais, como ilustrado na Fig. 51.8. A disfunção oudestruição bilateral dessas áreas causa dificuldade, ou quase total impossi-bilidade, da capacidade da pessoa de "desprender" os olhos de um pontode fixação e, então, movê-los para outro ponto. Para que essas pessoaspossam executar tais movimentos, geralmente é necessário que elas fe-chem os olhos ou os cubram com as mãos durante um pequeno períodode tempo, o que permitirá o movimento dos olhos.

Por outro lado, o mecanismo de fixação involuntária que faz comque os olhos se "prendam" ao objeto de atenção, uma vez que eletenha sido encontrado, é controlado por áreas visuais secundárias docórtex occipital — principalmente a área 19 de Brodmann. situada emposição anterior às áreas visuais V-l e V-2 (áreas 17 e 18 de Brodmann).Quando essa área é destruída bilateralmente o animal tem dificuldadede manter os olhos dirigidos para determinado ponto de fixação, ouse torna completamente incapaz de fazê-lo.

Resumindo, os campos visuais posteriores "prendem", automatica-mente, os olhos sobre determinado ponto do campo visual, evitando,assim, o movimento da imagem ao longo da retina. Para desprenderesta fixação visual é necessário que impulsos voluntários sejam transmi-tidos a partir das áreas "voluntárias", localizadas nas regiões frontais.

Mecanismo da fixação involuntária - papel do colículo superior. Otipo de fixação involuntária discutido na seção anterior resulta de ummecanismo de feedback negativo que impede que a imagem do objeto

de atenção saia da região foveal da retina. Normalmente, os olhos têmtrês tipos de movimentos contínuos, mas quase imperceptíveis: (I) tremorcontínuo com freqüência de 30 a 80 ciclos por segundo, causado pelascontrações sucessivas das unidades motoras dos músculos oculares; (2)lenta deriva dos globos oculares em uma ou outra direção; e (3) movi-mentos oscilatórios súbitos controlados pelo mecanismo de fixação invo-luntária. Quando há fixação de um ponto de luz sobre a região fovealda retina, os movimentos tremulantes fazem com que o ponto luminusose mova rapidamente sobre os cones e os movimentos de deriva fazemcom que ele se desvie lentamente de uns cones para outros. Entretanto,cada vez que o ponto luminoso é desviado até a borda da fóvea, háreação reflexa súbita, produzindo movimento oscilante que move o pontoluminoso de volta para a região central. Esses movimentos de derivae oscilação são ilustrados na Fig. 51.9, que representa, nas linhas traceja-das, a deriva lenta ao longo da retina e, nas linhas contínuas, a oscilaçãoque evita que a imagem saía da região foveal.

Essa capacidade de fixação involuntária é quase totalmente perdidaquando os colículos superiores são destruídos Após terem sido origina-dos nas áreas de fixação visual do córtex occipital, os sinais para fixaçãose dirigem para os colículos superiores, de onde se dirigem, provavel-mente, para as áreas reticulares em torno dos núcleos oculomotores e,por fim, seguem para os núcleos motores.

Movimentos sacádicos dos olhos - um mecanismo de pontos suces-sivos de fixação. Quando a cena visual está em movimento contínuoà frente dos olhos, tais como quando a pessoa se encontra em um carroem movimento ou girando o próprio corpo, os olhos se fixam sobreum ponto de maior intensidade luminosa, um ao outro, dentro docampo visual, saltando de um ponto para outro com freqüência de 2a 3 saltos por segundo. Esses saltos são chamados sacádicos e os movi-mentos são denominados movimentos optocinéticos. Os movimentos sa-cádicos ocorrem tão rapidamente que não mais que 10% do tempo sãogastos no movimento dos olhos, enquanto 90% do tempo são utilizadosnos pontos fixados. Além disso, o cérebro suprime a imagem duranteo movimento sacádico, o que faz com que o indivíduo não tenha cons-ciência da movimentação entre um ponto e outro.Movimento sacádicos durante a leitura. Durante o processo de leitura,

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Fig. 51..9 Movimentos de uma mancha de luz na fóvea, mostrando as"oscilações" súbitas que movem a mancha de volta ao centro sempreque ela desvia para a borda da fóvea. (As linhas interrompidas repre-sentam os movimentos lentos de desvio e as linhas sólidas, os movimentososcilantes bruscos.) (Modificado de Whitteridge: Handbook of Physio-logy, Vol. 2, Sec. 1 Baltimore, Williams & Wilkins Company, 1960.)

a pessoa executa, cm cada linha, vários movimentos sacádicos dosolhos. Nesse caso, a cena visual não se move à frente dos olhos, masos olhos são treinados a percorrer o cenário visual para extrair a informa-ção importante. Movimentos sacádicos semelhantes ocorrem quando apessoa observa uma pintura; entretanto, estes movimentos acontecemem uma direção, depois em outra, partindo de um ponto de alta lumino-sidade da pintura para outro, e mais outro, e assim por diante.

Fixação de objetos móveis - movimentos de perseguição. Osolhos também são capazes de se manterem fixados sobre objetos que semovem, o que é chamado movimenta de perseguição. Um mecanismocortical altamente desenvolvido detecta o curso do movimento doobjeto e, em seguida, elabora, gradativamente, um curso semelhantepara o movimento dos olhos. Se o objeto executa, por exemplo, ummovimento em forma de onda, movimentando-se para cima e para baixocom freqüência de várias vezes por segundo, é possível que,inicialmente, os olhos sejam totalmente incapazes de se fixarem sobreele. Entretanto, após cerca de 1 segundo, os olhos começam a semovimentar assumindo. grosseiramente, um padrão de movimentoaproximadamente igual ao do objeto. À medida que o tempo vaipassando, os olhos passam a apresentar movimentos progressivamentemais finos e precisos e, por fim, passam a acompanhar o curso domovimento de modo quase exato. Isso representa alto grau decapacidade computacional automática do córtex cerebral, executada deforma totalmente inconsciente.

Os colículos superiores são os principais responsáveis pelarotação dos olhos e da cabeça em direção a uma perturbação nocampo visual

Mesmo a destruição do córtex visual, uma perturbação súbita emuma área lateral do campo visual causará a rotação imediata dos olhosnessa direção. Essa resposta não será observada se houver, também,destruição dos colículos superiores. Para que essa função seja executada, osvários pontos da retina, apesar da menor precisão, estão topologi-camenterepresentados nos colículos superiores, da mesma maneira que no córtexvisual primário. Mesmo assim, a direção principal de um pulso luminosono campo retiniano periférico é mapeado pelo colículo e, em seguida, sãotransmitidos sinais secundários para os núcleos oculomo-tores, o quelevará à rotação dos olhos.

As fibras de nervo óptico, responsáveis por esses movimentos rápi-dos dos olhos, são ramificações de fibras condutoras de grande veloci-dade, do tipo Y, que se originam na retina e fornecem um ramo quese dirige ao córtex cerebral e outro que caminha em direção aos colículossuperiores. (Os colículos superiores e outras regiões do tronco cerebraltambém são intensamente supridos por sinais visuais, transmitidos porfibras nervosas ópticas do tipo W, que representam as vias visuais maisantigas, mas as funções desses sinais ainda não estão bem esclarecidas.)

Além de causar a rotação dos olhos em direção ao ponto em quehouve a perturbação visual, os sinais que se originam nos colículos supe-riores se dirigem a outros níveis do tronco cerebral, por meio do fascículolongitudinal medial, causando a rotação da cabeça e, eventualmentede todo o corpo em direção ao ponto de perturbação visual. Quandoos colículos superiores estão intactos, esses movimentos de rotação conju-gada dos olhos, da cabeça e do corpo também ocorrem quando surgemno ambiente outros tipos de perturbações, e não apenas as visuais (porexemplo, um som forte, ou uma pancada na lateral do corpo). Essesdados sugerem que os colículos superiores desempenham um papel globalna orientação dos olhos, da cabeça e do corpo em relação a perturbaçõesexternas, sejam elas visuais, auditivas ou somáticas.

FUSÃO DAS IMAGENS VISUAIS PROVENIENTES DOSDOIS OLHOS

Para o melhor entendimento das percepções visuais, as imagensvisuais provenientes dos dois olhos normalmente se "fundem" uma coma outra nos "pontos correspondentes'' às duas retinas.

O córtex visual desempenha um papel muito importante na fusão.Como já foi apontado neste capítulo, os pontos correspondentes dasduas retinas transmitem sinais visuais para camadas neuronais distintasdo corpo geniculado lateral e, daí, os sinais são transmitidos para faixasparalelas de neurônios no córtex visual.

Entre as faixas de neurônios corticais existem interações, o que levaa padrões de interferência de excitação em algumas das células neuronaislocais quando as duas imagens visuais não estão precisamente "em fase"— isto é, quando não estão precisamente fundidas. Essa excitaçãopossivelmente fornece o sinal que é transmitido para o aparelhooculomotor, causando a convergência ou divergência ou rotação dosolhos, de modo que a fusão possa ser restabelecida. Uma vez que ospontos correspondentes da retina fiquem precisamente "em fase" entre si,há diminuição acentuada, ou até desaparecimento, da excitação dascélulas específicas no córtex visual.

Os mecanismos neurais da estereopsia para o julgamento dasdistâncias dos objetos visuais

No Cap. 49, foi mostrado que pelo fato dos dois olhos estaremseparados por uma distância acima de 5 cm, as imagens das duas retinasnão são exatamente as mesmas, isto é, o olho direito vê um poucomais do lado direito do objeto e o olho esquerdo um pouco mais dolado esquerdo, diferença essa que é maior quanto mais perto estivero objeto. Por esse motivo, mesmo quando houver uma fusão dos doisolhos é impossível que todos os pontos correspondentes das duas imagensvisuais se mantenham absolutamente em fase ao mesmo tempo. Alémdisso, quanto mais perto estiver o objeto, menor o número de pontosque estarão em fase.

O grau de pontos "fora de fase" gera o mecanismo da estereopsia,mecanismo muito importante no julgamento da distância dos objetosvisuais situados a distâncias de até 100 metros do observador.

O mecanismo celular neuronal da estereopsia se baseia no fato deque, ao chegarem ao córtex visual, algumas das fibras das vias neuraisprovenientes da retina se desviam 1 a 2 graus para cada lado da viacentral. Por isso, algumas vias ópticas provenientes dos dois olhos ficarãoexatamente em fase para objetos localizados a 2 m de distância, enquantooutro grupo de vias estará em fase somente quando os objetos estiverema 75 m de distância do observador. Assim, a distância é determinadapelos tipos de vias que interagem entre si. Esse fenômeno é chamadopercepção de profundidade, que é outro nome dado à estereopsia.

Estrabismo

O estrabismo, cujos portadores são também chamados de vesgos,significa a ausência de fusão dos olhos em uma ou mais das coordenadasdescritas acima. Na Fig. 51.10 estão ilustrados os três tipos básicos deestrabismo: estrabismo horizontal, estrabismo vertical e estrabismo detorção. Na prática, é bastante comum uma combinação de dois ou mesmodos três tipos de estrabismo.

O estrabismo é geralmente provocado por "ajustamento" anormaldo mecanismo de fusão do sistema visual. Isto é, durante os esforçosiniciais da criança para a fixação dos dois olhos sobre o mesmo objeto,um dos olhos consegue fixar-se de modo satisfatório, enquanto que ooutro não. Pode também ocorrer que ambos os olhos consigam se fixar

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Fig. 51.10 Os três tipos básicos de estrabismo.

de modo satisfatório mas nunca simultaneamente. Rapidamente, os pa-drões de movimentos conjugados dos olhos se tornam "ajustados' deforma anormal, de modo que nunca ocorre a fusão dos olhos.

Freqüentemente, alguma anormalidade ocular contribui para a falhada fixação simultânea dos dois olhos sobre o mesmo ponto. Na criançahiperópica, por exemplo, grande quantidade de impulsos tem de sertransmitida aos músculos ciliares para se obter uma focalização ocular,e alguns desses impulsos acabam chegando aos núcleos oculomotores,causando, simultaneamente, a convergência ocular, como será discutidoadiante. Como conseqüência o mecanismo de fusão da criança será "ajus-tado" para uma situação de convergência contínua dos olhos.

Supressão da imagem visual proveniente de um olho reprimido.Em alguns pacientes com estrabismo, os olhos se alternam em suafixação sobre o objeto observado. Entretanto, em outros pacientes,apenas um olho é usado todo o tempo, enquanto o outro se tornareprimido e nunca é usado para a visão. No olho reprimido se verificadesenvolvimento muito restrito da visão, permanecendo geralmenteem torno de 20/400 ou menos. Ocorrendo cegueira do olho dominante, arecuperação da visão no olho reprimido depende da idade, sendomaior na criança e muito menor no adulto. Isso demonstra que aacuidade visual é altamente dependente do próprio desenvolvimento dasconexões sinápticas centrais, a partir das informações provenientes dosolhos, e, nas faixas do córtex visual onde chegam às informaçõesprovenientes do olho reprimido, verifica-se diminuição significativa donúmero de conexões neuronais.

CONTROLE AUTONÔMICO DA ACOMODAÇÃO E DAABERTURA PUPILAR

Os nervos autonômicos dos olhos. Os olhos são inervados tanto porfibras parassimpáticas como por fibras simpáticas, conforme ilustra aFig. 51.11. As fibras pré-ganglionares parassimpáticas chegam ao núcleode Edinger-Westphal (o núcleo visceral do terceiro par craniano) e daíseguem pelo terceiro nervo para o gânglio ciliar, situado imediatamenteatrás do olho. Nesse ponto, as fibras pré-ganglionares fazem sinapsecom os neurônios pós-ganglionares parassimpáticos, que, pelos nervosciliares, enviam fibras que penetram no globo ocular. Esses nervos exci-tam os músculos ciliares e o esfíncter da íris.

A inervação ocular simpática se origina nas células da ponta interme-diolateral o primeiro segmento torácico da medula espinhal. Desse local,as fibras simpáticas entram na cadeia simpática e se dirigem para cima,em direção aos gânglios cervicais superiores, onde fazem sinapse comos neurônios pós-ganglionares. As fibras desses neurônios se espalhamao longo da carótica, e das artérias sucessivamente menores, até chega-rem ao olho. Essas fibras inervam as fibras radiais da íris, assim comovárias estruturas extra-oculares em torno do olho, como discutiremosrapidamente quando falarmos sobre a síndrome de Horner. Essas fibrastambém enviam parca inervação para os músculos ciliares.

CONTROLE DA ACOMODAÇÃO (FOCALIZAÇÃO DOSOLHOS)

O mecanismo de acomodação - isto é, o mecanismo que focaliza osistema de lentes dos olhos - é essencial para um alto grau de acuidadevisual. A acomodação resulta da contração ou do relaxamento do músculociliar. A contração aumenta o poder de refração do sistema de lentes,enquanto o relaxamento o diminui, como discutido no Cap. 49. A questãoa ser levantada agora é: como a pessoa ajusta a acomodação para manteros olhos em foco durante todo o tempo?

Fig. 51.11 Inervação autônoma do olho, mostrando também o arco re-flexo do reflexo à luz. (Modificado de Ranson e Clark: Anatomy ofthe Nervous System. Philadelphia, W.B. Saunders Company, 1959.)

A acomodação do cristalino é regulada por um sistema de feedbacknegativo que ajusta automaticamente a potência focal do cristalino parao maior grau de acuidade visual. Quando os olhos são fixados sobreum objeto localizado a grande distância e, então, se fixam subitamentesobre um objeto localizado a pequena distância, os cristalinos se acomo-dam para a acuidade visual máxima em menos de 1 segundo. No momen-to, ainda não se conhece com precisão o mecanismo responsável pelafocalização rápida e acurada do olho, mas alguns dados já são conhecidos.

Primeiro, quando os olhos mudam bruscamente a distância do pontode fixação, o cristalino sempre muda seu poder dióptrico na direçãoadequada, para alcançar um novo estado de focalização. Em outraspalavras, na tentativa de encontrar o foco, o cristalino jamais cometeo erro de mudar seu poder dióptrico na direção errada.

Segundo, vários tipos de sinais podem auxiliar o cristalino a alterarseu poder dióptrico na direção adequada, tais como: (1) A aberraçãocromática é um fenômeno que parece ter importância. Os raios luminososvermelhos tendem a ser focalizados um pouco posteriormente em relaçãoaos raios azuis. Os olhos parecem ser capazes de detectar qual dessesdois tipos de raios está melhor focalizado, e essa informação é levadaao mecanismo de acomodação de modo a aumentar ou diminuir o poderde refração do cristalino. (2) Quando os olhos se fixam sobre um objetopróximo, também há convergência, e o mecanismo geral ligado à conver-gência causa sinal simultâneo, para aumentar o poder dióptrico do crista-lino. (3) Como a área foveal tem um rebaixamento em relação ao restanteda superfície da retina, a nitidez do foco no fundo da fóvea é diferente danitidez do foco nas bordas. Sugere-se que essa também seja uma dasinformações indicativas para a necessidade de alterações do poderdióptrico do cristalino. (4) Foi verificado que o grau de acomodaçãodo cristalino tem uma pequena oscilação durante todo o tempo, comfreqüência de até duas vezes por segundo. Foi sugerido que a imagemvisual fique mais nítida quando a oscilação do poder de refração docristalino acontece na direção apropriada, e piora quando a oscilaçãoocorre na direção errada, o que forneceria ao sistema informação muitorápida sobre o tipo de alteração de poder dióptrico da lente que serianecessário para a focalização adequada.

Presume-se que as áreas corticais que controlam a acomodação estãobem próximas das que controlam os movimentos de fixação dos olhos,com a integração final ocorrendo nas áreas 18 e 19 de Brodmann ea transmissão dos sinais motores para os músculos ciliares sendo condu-zida por meio da área pré-tectal e o núcleo de Edinger-Westphal.

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CONTROLE DO DIÂMETRO PUPILAR

A estimulação dos nervos parassimpáticos excita o músculo doesfincteriano pupilar, causando diminuição da abertura pupilar, o que échamado de miose. Por outro lado, a estimulação dos nervossimpáticos excita as fibras radiais da íris, causando dilatação pupilar, oque é chamado de midríase.

Os reflexos pupilares à luz. Quando a luz penetra nos olhos, a pupilase contrai, uma reação denominada reflexo pupilar à luz. A via neuronalpara esse reflexo é ilustrada-na Fig. 51.11. Quando a luz incide sobrea retina, os impulsos resultantes seguem, pelos nervos e feixes ópticos,em direção aos núcleos pré-tectais. Desses núcleos, os impulsos sãoenviados ao núcleo de Edinger-Westphal e, finalmente, voltam pelosnervos parassimpáticos, para promover a contração do esfíncter da íris.O reflexo é inibido no escuro, resultando em dilatação pupilar.

A função do reflexo à luz é auxiliar o olho a se adaptar, de formaextremamente rápida, às modificações das condições de iluminação, co-mo explicado no capítulo anterior. O diâmetro pupilar é capaz de variarentre os valores de 1,5 e 8T0 mm. Por isso, a faixa de adaptação ãluz que pode ser conseguida pelo reflexo pupilar é da ordem de 30para 1.

Reflexos pupilares nas doenças do sistema nervoso central.Algumas doenças do sistema nervoso central bloqueiam a transmissãodos sinais visuais das retinas até o núcleo de Edinger-Westphal. Taisbloqueios ocorrem freqüentemente como resultado de sífilis do sistemanervoso, alcoolismo, encefalite etc. Geralmente, o bloqueio acontece naregião pré-tectal do tronco cerebral, mas também pode resultar dadestruição de fibras aferentes de pequeno diâmetro nos nervos ópticos.

As fibras nervosas do final da cadeia reflexa, que chegam ao núcleode Edinger-Westphal por meio da área pré-tectal, são do tipo inibitório,Por isso, devido à perda de seu efeito inibitório, o núcleo se tornacronicamente ativo, fazendo com que as pupilas permaneçam parcial-mente contraídas e não respondam à luz.

As pupilas ainda podem apresentar uma pequena resposta se onúcleo de Edinger-Westphal é estimulado por alguma outra via. Quando,por exemplo, os olhos se fixam sobre um objeto próximo, os sinaisque causam a acomodação do cristalino e também os responsáveis pelaconvergência dos olhos podem provocar pequena contração pupilar si-multânea, o que é chamado reflexo de acomodação. A pupila de pequenodiâmetro, que não responde a luz, mas continua respondendo à acomo-dação (a. pupila de Argyll-Robertson) é um importante sinal diagnósticode doença do sistema nervoso central muito comumente, a sífilis.

Síndrome de Horner. Ocasionalmente, pode haver interrupção dosnervos simpáticos que se dirigem para o olho e essa interrupçãofreqüentemente acontece ao nível da cadeia simpática cervical,resultando na síndrome de Horner, que consiste nos seguintes sinais esintomas: primeiro, devido à interrupção da inervação do músculodilatador da pupila, ela se torna permanentemente contraída, comdiâmetro menor que o da pupila do olho contralateral. Pois amanutenção da abertura das pálpebras enquanto a pessoa se mantémacordada se deve, parcialmente, à contração de um músculo liso situadono interior da pálpebra e inervado pelo simpático. Por esse motivo,a destruição do simpático impede a manutenção da abertura da pálpebrasuperior. Terceiro, vasodilatação dos vasos sanguíneos da face e cabeçado mesmo lado da lesão. Quarto, ausência de sudorese na face e nacabeça do mesmo lado da lesão.

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CAPÍTULO 52

O Sentido da Audição

O objetivo deste capítulo é descrever e explicar o mecanismopelo qual o ouvido capta as ondas sonoras, discrimina suasfreqüências e, finalmente, transmite a informação auditivapara o sistema nervoso central, onde seu significado édecifrado.

A MEMBRANA TIMPÂNICA E O SISTEMAOSSICULAR

CONDUÇÃO DO SOM DA MEMBRANATIMPÂNICA PARA A CÓCLEA

A Fig. 52.1 ilustra a membrana timpânica (comumente deno-minada tímpano) e o sistema ossicular, que conduz o som atravésdo ouvido médio. A membrana timpânica tem forma cônica,com sua concavidade voltada para baixo e para fora, em direçãoao meato auditivo. Colado à parte central da membrana timpâ-nica está o cabo do martelo. Em sua outra extremidade, o marteloestá fortemente ligado à bigorna, por meio de ligamentos, demodo que qualquer movimentação do martelo é acompanhadapor movimentação da bigorna. A extremidade oposta da bigornase articula com a haste do estribo, cuja base está acoplada àjanela oval do labirinto membranoso, por onde as ondas sonoraspenetram no ouvido interno, a cóclea.

Os ossículos do ouvido médio estão suspensos por ligamentosde tal forma que o martelo e a bigorna, juntos, funcionam comoalavanca simples, cujo fulcro se localiza aproximadamente nasbordas da membrana timpânica. A grande cabeça do martelo,situada no lado oposto ao fulcro do cabo, equilibra quase exata-mente a outra extremidade da alavanca.

A articulação da bigorna com o estribo faz com que a basedo estribo, em contato com a janela oval, empurre o líquido

Fig. 52.1 A membrana timpânica, o sistema ossicular do ouvido médioe o ouvido interno.

coclear todas as vezes que o cabo do martelo se move paradentro e, obviamente, puxe o líquido coclear todas as vezes queo martelo se mover para fora.

O cabo do martelo é continuamente puxado para dentropelo músculo tensor do tímpano, o que mantém a membranatimpânica sempre tensionada. Isso permite que as vibrações sono-ras, atuando sobre qualquer porção da membrana, sejam transmi-tidas ao martelo, o que não aconteceria se a membrana estivessefrouxa.

Equilibração de impedâncias promovida pelo sistema ossicu-lar. Em cada vibração sonora a amplitude do movimento dabase do estribo é apenas 3/4 da amplitude do movimento dobraço do martelo. Assim sendo, o sistema ossicular de alavancanão amplifica o curso do movimento do estribo, como se supunhaantes. Na verdade, em vez disso, o sistema diminui a amplitude,mas aumenta a força do movimento por cerca de 1,3 vez. Entre-tanto, a área da superfície da membrana timpânica é, aproxima-damente, 55 mm:, enquanto a área da superfície do estribo éda ordem de 3,2 mm2. Por esse motivo, quando a onda sonoraé transmitida desde a membrana timpânica até a janela oval,a pressão que ela exerce sobre a janela oval é cerca de 22 vezesa pressão exercida sobre a membrana timpânica. Como o líquidotem inércia muito maior que o ar, é fácil entender que, paracausar a vibração do líquido, é necessário que a pressão sejamuito maior. Assim sendo, a membrana timpânica e o sistemaossicular promovem a equilibração das impedâncias entre as on-das sonoras no ar e as vibrações sonoras no líquido coclear.Na verdade, essa equilibração das impedâncias é da ordem de50 a 75% perfeito, para freqüências sonoras entre 300 e 3.000ciclos por segundo, o que possibilita a utilização da maior parteda energia das ondas sonoras incidentes.

Na ausência do sistema ossicular e do tímpano, as ondassonoras podem caminhar diretamente através do ar do ouvidomédio e chegar à cóclea pela janela oval. Essa situação, no entan-to, causa perda de 15 a 20 decibéis na sensibilidade auditiva— o equivalente à diminuição do nível médio de voz para umsussurro.

Atenuação do som pela contração dos músculos estapédio etensor do tímpano. Quando o sistema ossicular transmite sonsde alta intensidade para o sistema nervoso central, há uma reaçãoreflexa, após latência de aproximadamente 40 a 80 milissegundos,que leva à contração dos músculos estapédio e tensor do tímpano.O músculo tensor do tímpano puxa o cabo do martelo para dentroe o músculo estapédio empurra o estribo para fora. A atuaçãodessas duas forças opostas causa o desenvolvimento de um altograu de rigidez em todo o sistema ossicular, reduzindo acentua-damente a condução ossicular para sons de baixa freqüência,

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principalmente freqüências abaixo de 1.000 ciclos por segundo.Esse reflexo de atenuação pode reduzir a intensidade datransmissão sonora em até 30 a 40 decibéis, que é aproxima-damente a mesma diferença entre a voz alta e um murmúrio.Esse mecanismo tem provavelmente duas funções:

1. Proteger a cóclea de vibrações lesivas, causadas por sonsexcessivamente altos.

2. Mascarar os sons de baixa freqüência em ambientes ruídosos, isso comumente elimina grande parte do ruído de fundoe permite à pessoa concentrar sua atenção sobre os sons acimade 1.000 ciclos por segundo, faixa onde é transmitida a maiorparte das informações pertinentes da comunicação verbal.

Outra função dos músculos tensor do tímpano e estapédioé a diminuição da sensibilidade auditiva da pessoa à sua própriavoz. Esse efeito é ativado por sinais colaterais transmitidos paraesses músculos ao mesmo tempo que o cérebro ativa o mecanismoda voz.

TRANSMISSÃO ÓSSEA DO SOM

Pelo fato do ouvido interno, a cóclea, estar dentro de umacavidade óssea do osso temporal, chamada labirinto ósseo, podemchegar à cóclea todas as vibrações da caixa craniana. Assim,sob condições apropriadas, um diapasão ou um vibrador eletrô-nico, colocado sobre qualquer protuberância óssea do crânio,especialmente sobre o mastóide, faz com que a pessoa ouça osom. Infelizmente, quando os sons são transmitidos pelo ar, aenergia dessas ondas é transferida para os ossos com eficiênciamuito baixa, de modo que, mesmo sons muito altos não podemser ouvidos através dos ossos, a menos que um aparelho eletrome-cânico especial para transmissão sonora seja aplicado diretamenteao osso.

A CÓCLEA

ANATOMIA FUNCIONAL DA CÓCLEA

A cóclea é um sistema de tubos em espiral, mostrados naFig. 52.1 e, em secção transversa, nas Figs. 52.2 e 52.3. Elaconsiste em três tubos distintos enrolados lado a lado: a rampavestibular, a rampa média e a rampa timpânica. A rampa vesti-bular e a rampa média são separadas entre si pela membranade Reissner (também chamada membrana vestibular); a rampatimpânica e a rampa média são separadas um da outra pela mem-

Fig. 52.2 A cóclea. (De Goss, C. M. [ed.J: Gray's Anatomy of lhe Hu-man Body. Philadelphia, Lea & Febiger.)

brana basilar (ver a Fig. 52.3). Sobre a membrana basilar selocaliza a estrutura, o órgão de Corti, que contém várias célulasmecanossensíveis, as células aliadas, que são os órgãos terminaisreceptores, geradores dos impulsos nervosos em resposta ás vibra-ções sonoras.

A Fig. 52.4 mostra diagramaticamente a condução sonorana cóclea desenrolada. Observe que a membrana de Reissnernão é representada nessa figura. Essa membrana é tão fina etem tanta mobilidade que não exerce qualquer impedimento àpassagem do som da rampa vestibular para a rampa média, oque faz com que esses compartimentos sejam considerados comoum compartimento único, no que diz respeito à condução sonora.A importância da membrana de Reissner se deve à manutençãode líquido especial na rampa média, necessário para que as célulasciliadas receptoras para o som funcionem normalmente, comoserá discutido adiante neste capítulo.

As vibrações sonoras penetram na rampa vestibular pelajanela oval, devido às oscilações da base do estribo. A basedo estribo cobre essa janela e está conectada às suas bordaspor meio de ligamentos anulares bastante elásticos, o que possi-bilita fácil movimentação para fora e para dentro causada pelasvibrações sonoras. O movimento para dentro faz com que olíquido se movimente para o interior das rampas vestibular emédia, enquanto o movimento para fora faz com que o líquidose desloque de volta.

A membrana basilar e a ressonância no interior da cóclea.A membrana basilar é uma membrana fibrosa, que separa arampa média da rampa timpânica. Ela contém 20.000 a 30.000fibras basilares que se projetam do centro ósseo da cóclea, omodiolo, para a parede externa. Essas fibras são estruturas elásti-cas, rígidas, de formato semelhante a uma palheta de instrumentode sopro. Suas extremidades basais estão fixadas na estruturaóssea central da cóclea (o modiolo); suas extremidades distaissão livres e encaixadas na frouxa membrana basilar. Como asFibras são rígidas e livres em uma extremidade, elas são capazesde vibrar como as palhetas de uma gaita.

Os comprimentos das fibras basilares aumentam progressi-vamente, a partir da base, cm direção ao ápice, indo do compri-mento aproximado de 0,04 mm nas proximidades das janelasoval e redonda, até 0,5 mm. no topo da cóclea, um aumentode aproximadamente 12 vezes.

Por outro lado, o diâmetro das fibras diminui da base atéo helicotrema, de maneira que a rigidez total diminui por maisde 100 vezes. Como resultado disso, as fibras próximas à janelaoval, por apresentarem rigidez elevada, irão vibrar com asfreqüências altas, enquanto as fibras localizadas próximo aotopo da cóclea, por serem mais longas e menos rígidas, vibrarãocom as baixas freqüências.

Por esses motivos, a ressonância para as freqüências altasocorre na base da cóclea, perto da janela oval, que c o localpor onde entram as ondas sonoras. Por outro lado, para sonsde baixa freqüência, a ressonância acontece nas proximidadesdo ápice. Isso se deve, principalmente, à menor rigidez das fibrasbasilares mas também é causada pelo aumento da "carga" quea quantidade extra de líquido exerce sobre a membrana basilarnas proximidades do ápice.

TRANSMISSÃO DAS ONDAS SONORAS NACÓCLEA - A “ONDA VIAJANTE”

Se a base do estribo se move instantaneamente para dentro,a janela redonda tem que, também instantaneamente, se abaular,pois a cóclea tem todos os seus lados limitados por paredes ósseas.Assim sendo, o efeito inicial é o de provocar abaulamento damembrana basilar em direção à janela redonda, na região coclearbasal. Entretanto, a tensão elástica gerada nas fibras basilares

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Fig. 52.3 Seção através da có-clea. (Desenhado por SylviaColard Keene. De Fawcett: ATextbook of Histology. 11 thed. Philadelphia, W. B. Saun-ders Company, 1986.)

à medida que elas são desviadas em direção à janela redondainicia uma onda que "viaja" ao longo da membrana basilar emdireção ao helicotrema, como ilustrado na Fig. 52.5. A Fig. 52.5Amostra o movimento de uma onda de alta freqüência, ao passarpela membrana basilar; a Fig. 52.5B mostra o de uma ondade freqüência média; e a Fig. 52.5C, o de uma onda de freqüênciamuito baixa. O movimento da onda ao longo da membrana basilaré comparável ao movimento de uma onda de pressão ao longodas paredes arteriais, já discutido no Cap. 15, ou também podeser comparado ao movimento de uma onda que progride sobrea superfície de um lago.

Fig. 52.4 Movimento do líquido na cóclea após o impulso para frentedo estribo;

Padrões de vibração da membrana basilar para diferentesfreqüências sonoras. Observe, na Fig. 52.5, os diferentes padrõesde transmissão para as ondas sonoras de diferentes freqüências.Cada onda se inicia relativamente fraca, mas torna-se forte quan-do atinge a região da membrana basilar cuja freqüência própriade ressonância é igual à freqüência da respectiva onda sonora.Nesse ponto, a membrana basilar pode vibrar com tal facilidade

que a energia da onda é completamente dissipada e, como conse-quência, a onda "morre" nesse local, não conseguindo caminharao longo do restante da membrana basilar. Então, uma ondade alta freqüência viaja ao longo da membrana basilar por umadistância muito curta, antes que atinja seu ponto de ressonânciae morra; uma onda com freqüência média caminha por umadistância que corresponde à metade da extensão coclear, desapa-recendo nesse local e, finalmente, uma onda sonora de freqüênciamuito baixa viajará ao longo de toda a extensão da membranabasilar.Uma outra característica da onda viajante é que, na porçãoinicial da membrana basilar, ela caminha rapidamente, dimi-nuindo progressivamente sua velocidade ã medida que vai percor-rendo a extensão coclear. Isso se deve ao alto coeficiente deelasticidade das fibras basilares próximas ao estribo, que diminuiprogressivamente à medida que a distância aumenta. Essa trans-missão inicialmente rápida da onda permite que sons de altafreqüência progridam por distância suficiente, ao longo da cóclea,para se distribuir separadamente uns dos outros sobre a mem-brana basilar. Sem isso, todas as ondas sonoras de alta freqüênciaestariam misturadas dentro do primeiro milímetro da membranabasilar, impedindo que as freqüências fossem discriminadas entresi.

Padrão de amplitude de vibração da membrana basilar. Ascurvas tracejadas da Fig. 52.5A mostram a posição de uma ondasonora quando o estribo está nas seguintes posições: (a) total-mente posicionado para dentro da cóclea; (b) movimentou-sede dentro para o ponto neutro; (c) totalmente posicionado parafora; e (d) movimentou-se de fora para o ponto neutro. A áreasombreada em torno destas diferentes ondas mostra a extensãoda vibração da membrana basilar durante um ciclo vibratóriocompleto. Este é o padrão de amplitude de vibração da membranabasilar para essa onda sonora específica.

A Fig. 52.6 mostra os padrões de amplitudes de vibraçãopara diferentes freqüências, mostrando que a amplitude máximapara 8.000 ciclos ocorre próximo à base da cóclea enquanto que,para freqüências menores que 200 ciclos, a amplitude máximase dá no topo da membrana basilar, perto do helicotrema, ondea rampa vestibular se comunica com a rampa timpânica.

O principal método pelo qual as freqüências sonoras sãodiscriminadas uma das outras, especialmente as acima de 200ciclos por segundo, é baseado no "local" de estimulação máximadas fibras nervosas do órgão de Corti, localizadas sobre a mem-brana basilar, como será explicado na seção seguinte.

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Fig. 52..5 Ondas em deslocamento ao longo da membranabasilar para sons em freqüência alta, média e baixa.

Fig 52.6. Padrão da amplitude da vibrilação da membranabasilar para um som de freqüência média B, Padrões deamplitude de sons de todas as freqüências entre 200 e 8.000por segundo, mostrando os pontos de amplitude máxima sobrea membrana basilar das diferentes freqüências.

FUNÇÃO DO ÓRGÃO DE CORTI

O órgão de Corti, ilustrado nas Figs. 52.2, 52.3 e 52.7, éo órgão receptor que gera os impulsos nervosos, em respostaà vibração da membrana basilar. Observe que o órgão de Cortiestá localizado sobre as fibras basilares e a membrana basilar.

Fig. 52.7 O órgão de Corti mostrando particularmente as células dliadas ea membrana tectorial contra os cílios que se projetam.

Os verdadeiros receptores sensoriais do órgão de Corti são doistipos de células ciliadas: uma camada única de células ciliadasinternas contendo aproximadamente 3.500 células com diâmetroem torno de 12 j*m, e três a quatro camadas de células ciliadasexternas contendo cerca de 15.000 células com diâmetro de apenas8 fim. As superfícies basais e laterais das células ciliares fazemsinapse com uma rede de terminações nervosas cocleares, quese dirigem para o gânglio espiral de Corti, localizado no modíolo(o centro) coclear. Do gânglio espiral saem os axônios que vãoconstituir o nervo coclear o qual se dirige para o sistema nervosocentral na região bulbar superior. A relação entre o órgão deCorti, o gânglio espiral e o nervo coclear é mostrada na Fig.52.2.

Excitação das células ciliadas. Observe na Fig. 52.7 que pe-quenos cílios, ou estereocilios, projetam-se das células ciliadaspara cima e tocam ou penetram na cobertura gelatinosa da super-fície da membrana tectorial, que se localiza na rampa média porcima dos estereocilios. Essas células ciliadas são semelhantes àscélulas ciliadas encontradas na mácula e nas cristas ampularesdo aparelho vestibular, que serão discutidas no Cap. 55. A curva-tura dos cílios em uma direção causa despolarização das célulasciliadas; se a curvatura ocorrer na direção oposta, há hiperpola-rização. Isso leva à excitação das fibras nervosas, dando inícioà cadeia de sinais centrípetos.

A Fig. 52.8 ilustra o mecanismo pelo qual a vibração damembrana basilar excita as terminações ciliares. As extremidadessuperiores das células ciliadas estão firmemente fixadas em umaestrutura rígida constituída por placa achatada, chamada lâminareticular, a qual é sustentada por uma estrutura triangular denomi-nada pilares de Corti que, por sua vez, estão firmemente acopla-dos às fibras basilares. Assim, as fibras basilares, os pilares deCorti e a lâmina reticular se movem em conjunto, como se fossemuma estrutura rígida.

Quando a fibra basilar se move para cima, ela empurraa lâmina reticular para cima e para dentro e, quando a fibrabasilar se move para fora, a lâmina reticular se desloca parabaixo e para fora. A movimentação para dentro e para forafaz com que os cílios raspem contra a membrana tectorial ou,no caso das células ciliadas internas, cujos cílios não tocam neces-sariamente a membrana tectorial, causem a movimentação dolíquido em uma ou outra direção, provocando o entortamentode seus cílios. Dessa maneira, qualquer que seja a vibração damembrana basilar, há excitação das células ciliares.

Potenciais receptores das células ciliadas e excitação das fibrasnervosas auditivas. Os estereocilios são estruturas rígidas porquecada um deles tem, internamente, uma rígida armação estruturalprotéica, como já foi explicado para todos os cílios no Cap.2. Cada célula ciliada possui cerca de 100 estereocilios sobre

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Fig. 52.8 Estimulação das células ciliadas pelo movimento de um ladopara outro dos cílios na membrana tectória

sua borda apical. Quanto mais afastados do modíolo, maior éo comprimento dos cílios e o topo dos estereocílios mais curtossão ligados, por meio de um filamento fino, à haste dos cíliosmais longos. Assim, cada vez que os cílios são curvados na direçãodos cílios maiores, as pontas dos estereocílios menores são puxa-das para fora da superfície da célula ciliar. Isso provoca umatransdução mecânica que leva à abertura de 200 a 300 canaiscatiônicos, possibilitando o movimento de íons potássio positiva-mente carregados para dentro da ponta dos estereocílios, o quecausa a despolarização de toda a membrana da célula ciliar.

Então, quando as fibras basilares são curvadas em direçãoà rampa vestibular, as células ciliadas despolarizam; se foremcurvadas em direção contrária, as células ciliadas hiperpolarizam.Isso faz com que seja gerado, na célula ciliada, um potencialreceptor alternado. Esse potencial estimula as terminações nervo-sas cocleares que fazem sinapse com as bases das células ciliadase acredita-se que, nessas junções, a transmissão dos sinais sedá por meio da liberação de um transmissor de ação rápida,que se supõe seja o glutamato, apesar de ainda não se ter àcerteza de ser este o transmissor.

O potencial endococlear. Para que possamos explicar com mais pro-fundidade os potenciais elétricos gerados pelas células ciliares, é neces-sário que expliquemos um outro fenômeno elétrico, chamado potencialendococlear. A rampa média contém um líquido chamado endolinfa,enquanto as rampas vestibular e timpânica encerram em seu interiora perilinfa. As rampas vestibular e timpânica se comunicam diretamentecom o espaço subaracnóideo, que circunda todo o sistema nervoso cen-tral, de modo que a composição da perilinfa é quase idêntica à do líquidocefalorraquidiano. Por outro lado, a endolinfa é um líquido completa-mente diferente secretado pela estria vascular, uma área altamente vascu-larizada, situada sobre a parede externa da rampa média. Na endolinfa.a concentração de potássio é alta e a de sódio é baixa, exatamenteo inverso do que ocorre na perilinfa.

Durante todo o tempo, há uma diferença de potencial elétrico daordem de +80 mV entre a endolinfa e a perilinfa, com positividadeda rampa média em relação às rampas vestibular e timpânica. Esse poten-cial é chamado potencial endococlear e acredita-se que ele seja geradopelo transporte contínuo de íons potássio da perilinfa para a rampamédia, por meio da estria vascular.

Esse potencial é importante porque as pontas das células ciliaresse projetam através da lâmina reticular e são banhadas pela endolinfana rampa média, enquanto a perilinfa banha as superfícies basais dascélulas ciliadas. Assim, as células ciladas têm um potencial intracelularnegativo de aproximadamente -60 mV em relação a perilinfa, mas adiferença de potencial é da ordem de aproximadamente -140 mV emrelação ã endolinfa nas membranas de suas superfícies superiores, ondeos cílios se projetam para dentro da endolinfa. Admite-se que esse grandepotencial elétrico nas pontas dos estereocílios causa aumento acentuadoda sensibilidade celular, aumentando a capacidade das células ciliadasde responder a sons de intensidade mínima.

DETERMINAÇÃO DA FREQÜÊNCIA DOS SONS -OPRINCÍPIO DA ''POSIÇÃO"

A partir de discussões anteriores neste capítulo, já está claroque os sons de baixa freqüência causam ativação máxima damembrana basilar próximo ao ápice da cóclea, sons de altafreqüência provocam ativação máxima próximo à base e sons defreqüências intermediárias provocam ativação máxima a meiocaminho entre a base e o ápice da cóclea. Além disso, existeuma organização espacial ao longo de toda a via coclear desdea cóclea até ao córtex cerebral. Além desses dados, registrosdos sinais nos feixes auditivos no tronco cerebral, e nos camposreceptores auditivos do córtex cerebral, mostram que freqüênciassonoras específicas ativam neurônios correspondentes tambémespecíficos. Assim sendo, o principal método usado pelo sistemanervoso para detectar as diferentes freqüências é o de determinara posição onde ocorre a maior estimulação ao longo da membranabasilar. Esse é o chamado princípio da posição, para a determi-nação da freqüência (ou de "tonalidade" do som).

Voltando à Fig. 52.6, pode-se ver que a extremidade distaida membrana basilar, à altura do helicotrema, é estimulada portodas as freqüências sonoras abaixo de 200 ciclos por segundo.Portanto, é difícil entender, pelo princípio da posição, comose pode fazer a diferenciação entre freqüências muito baixas,na faixa entre 20 e 200 ciclos por segundo. Admite-se que essasbaixas freqüências sejam discriminadas principalmente peio cha-mado princípio da freqüência, isto é, sons de baixa freqüência(na faixa de 20 até 2.000 a 4.000 ciclos por segundo) são capazesde provocar salvas de impulsos na mesma freqüência baixa nosnervos cocleares, que as transmite para os núcleos cocleares.Acredita-se que a distinção entre as freqüências seja feita nosnúcleos cocleares. Essa suposição é reforçada pelo fato de quea destruição de toda a metade apical da cóclea, que destrói aporção da membrana basilar onde todos os sons de freqüênciasmais baixas são normalmente detectados, não elimina completa-mente a discriminação de sons de baixa freqüência.

DETERMINAÇÃO DA INTENSIDADE

O sistema auditivo determina a intensidade dos sons por,pelo menos, três maneiras diferentes: Primeira, à medida queo som se torna mais intenso, a amplitude de vibração da mem-brana basilar e das células ciliadas também aumenta, o que fazcom que as células ciliadas excitem as terminações nervosas commaior freqüência. Segunda, aumento da amplitude da vibraçãofaz com que maior numero de células ciliadas, situadas na regiãoressonante da membrana basilar, passe a responder, causandoa somação espacial dos impulsos, isto é, a transmissão ocorrepor meio de número maior de fibras nervosas. Terceira, certascélulas ciliadas só são estimuladas quando a vibração da mem-brana basilar atinge intensidade relativamente alta, e acredita-seque a estimulação dessas células alerte, de alguma maneira, osistema nervoso central de que o som está muito intenso.

Detecção das alterações de intensidade — a lei da potência.Como discutido no Cap. 46, uma pessoa interpreta as alteraçõesda intensidade de um estímulo sensória! em proporção a umafunção exponencial da intensidade real. No caso do som, a sensa-ção interpretada se altera, aproximadamente, em proporção àraiz cúbica da verdadeira intensidade sonora. O ouvido é capazde discriminar diferenças na intensidade do som desde o murmú-rio mais suave até ao ruído mais intenso possível, o que representaaumento da energia sonora de aproximadamente 1 trilhão devezes, ou aumento de 1 milhão de vezes na amplitude do movi-mento da membrana basilar. Mais ainda: o ouvido interpretaessa imensa diferença do nível sonoro como alteração de apenas10.000 vezes. Então, a escala de intensidade é muito "compri-

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Fig. 52.9 Relação do limiar de audição e do limiar da percepção somes-tésica para o nível de energia sonora a cada freqüência sonora. (Modi-ficado de Stevens e Davis: Hearing. New York, John Wiley & Sons)

mida" pelos mecanismos de percepção do sistema auditivo. Ob-viamente, isso possibilita que a pessoa seja capaz de interpretardiferenças de imensidades sonoras dentro de uma faixa extrema-mente ampla, muito maior do que a que seria possível se nãohouvesse essa compressão escalar.

A unidade decibel. Pelo fato de o ouvido poder captar gran-des alterações de intensidades sonoras, elas são habitualmenteexpressas em termos do logaritmo de seus valores reais. Umaumento de 10 vezes na energia sonora ou aumento de 10vezes da pressão sonora, porque a energia é proporcional aoquadrado da pressão é chamado 1 bel e 0,1 bel é chamado 1decibel. O decibel representa aumento real da energia sonora de1,26 vez.

Outra razão do uso do sistema decibel para expressar asalterações da intensidade sonora deve-se ao fato de que, na faixahabitual de intensidade sonora para a comunicação, os ouvidospodem distinguir com clareza aproximadamente 1 decibel de alte-ração na intensidade sonora.

Limiar para audição de sons de diferentes freqüências. A Fig. 52.9mostra os limiares de pressão em que os sons de freqüências diferentespodem ser percebidos pelo ouvido. Essa figura ilustra que um som de3.000 ciclos por segundo pode ser claramente ouvido mesmo quandosua intensidade é menor que 70 decibéis abaixo de 1 dina/cm2 de pressãosonora, que corresponde a 1/10.000.000 de microwatts por centímetroquadrado. Por outro lado, um som de 100 ciclos por segundo só poderáser detectado se sua intensidade for 10.000 vezes maior que a do exemploanterior.

Faixa da freqüência audível. Em uma pessoa jovem, antes que ocorrao envelhecimento do sistema auditivo, a faixa da freqüência audívelestá geralmente situada entre 20 e 20.000 ciclos por segundo. No entanto,voltando à Fig. 52.9, observamos que a faixa audível é muito dependenteda intensidade. Se a intensidade é de 60 decibéis abaixo de 1 dina/cnvde pressão sonora, a faixa se situa entre 500 e 5.000 ciclos por segundoe, para que seja alcançada toda a faixa entre 20 e 20.000 ciclos porsegundo, são necessários sons com alta intensidade. Na velhice, a faixada freqüência audível se estreita, ficando entre 50 e 8.000 ciclos porsegundo ou menos, o que será discutido adiante neste capítulo.

MECANISMOS AUDITIVOS CENTRAIS

A VIA AUDITIVA

As principais vias auditivas estão ilustradas na Fig. 52.10.Ela mostra que as fibras nervosas do gânglio espiral de Cortientram nos núcleos cocleares dorsal e ventral na região superiordo bulbo, onde todas as fibras fazem sinapse com neurônios

de segunda ordem. A grande maioria das fibras desses neurônioscruza através do corpo trapezóide, para o lado oposto do troncocerebral, e se dirige para o núcleo olivar superior. No entanto,algumas fibras não cruzam para o lado oposto, dirigindo-se parao núcleo olivar superior do mesmo lado. Do núcleo olivar supe-rior, a via auditiva se dirige para cima pelo lemnisco lateral.A maioria dessas fibras termina no núcleo do lemnisco lateral,mas parte delas passa diretamente, terminando no colículo infe-rior. O colículo inferior é o ponto de junção sináptica para pratica-mente todas as fibras da via auditiva. Do colículo inferior, avia se dirige para o núcleo geniculado medial, onde ocorre, nova-mente, junção sináptica de todas as fibras. Finalmente, pela radia-ção auditiva, a via segue do núcleo geniculado medial até ocórtex auditivo, localizado, em sua maior parte, no giro superiordo lobo temporal.

Vários pontos importantes devem ser apontados em relaçãoà via auditiva: Primeiro, sinais provenientes dos dois ouvidossão transmitidos por meio de vias bilaterais para os dois ladosdo cérebro, com ligeira predominância da via contralateral. Asduas vias se entrecruzam em, pelo menos, três diferentes níveisdo tronco cerebral: (1) no corpo trapezóide; (2) na comissurade Probst, entre os dois núcleos dos lemniscos laterais; e (3)na comissura que conecta os dois colículos inferiores.

Segundo, muitas fibras colaterais da via auditiva seguemdiretamente para o sistema reticular ativador do tronco cerebral.Esse sistema se projeta difusamente para cima (em direção aocórtex cerebral) e para baixo (em direção à medula espinhal),ativando todo o sistema nervoso central em resposta a sons degrande intensidade. Outros colaterais vão para o vermis cerebelar,que também é ativado no caso de ruído súbito.

Terceiro, é mantido alto grau de orientação espacial emtoda extensão da via auditiva, desde a cóclea até ao córtex.Na verdade, existem três representações espaciais diferentes nosnúcleos cocleares, duas representações no colículo inferior, umarepresentação precisa para freqüências sonoras discretas no cór-tex auditivo e, pelo menos, cinco representações de menor preci-são no córtex auditivo e áreas auditivas de associação.

Fig. 52.10 A via auditiva. Modificado de Crosby, Humphrey e Lauer:Correlative Anotomy ofthe Nervous System. New York, The MacmillanCo., 1982. Reimpresso com permissão.

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Freqüências de disparo nos diferentes níveis da via auditiva. Asfibrasnervosas auditivas, que se dirigem da cóclea para os núcleos cocleares,são capazes de disparar a freqüência de até pelo menos 1.000 por segundo,sendo a freqüência determinada principalmente pela intensidade sonora.Para freqüências sonoras de até 2.000 a 4.000 ciclos por segundo, osimpulsos dos nervos auditivos são sempre sincronizados com as ondassonoras, mas não ocorrem necessariamente a cada onda.

Nos feixes auditivos do tronco cerebral, geralmente os disparos nãoestão mais sincronizados com a freqüência dos sons, exceto parafreqüências sonoras menores que 200 ciclos por segundo e, acima docolículo superior, mesmo a sincronização para freqüências menores que200 ciclos por segundo é perdida. Estes dados demonstram que os sinaissonoros sofrem alterações ao longo de suas transmissões desde oouvido até os níveis cerebrais superiores e a informação proveniente dossinais sonoros já começa a ser dissecada em níveis cerebrais muitobaixos, como, por exemplo, os núcleos cocleares. Adiante discutiremosmais acerca desses aspectos, especialmente em relação à direção deonde provém o som.

Outra característica significativa da via auditiva consiste na manu-tenção dos disparos de baixa freqüência ao longo de toda a via auditiva,mesmo na ausência total de som. Quando a membrana basilar se moveem direção à rampa vestibular, há aumento dos impulsos nervosos aferen-les, e quando a membrana basilar se move em direção à escala timpânica,observa-se diminuição dos impulsos. Então, a presença desse sinal defundo permite que a informação seja transmitida qualquer que seja adireção do movimento da membrana basilar: uma informação positivaquando ela se move em uma direção e uma informação negativa quandoela se move na direção contrária. Se não fosse pelo sinal de fundo,apenas a informação positiva seria transmitida. Essa forma de transmissãoda informação, denominada "transmissão por onda carreadora", é utili-zada em muitas partes do cérebro, como discutiremos em vários capítulossubseqüentes.

FUNÇÃO DO CÓRTEX CEREBRAL NO PROCESSODE AUDIÇÃO

As áreas de projeção cortical da via auditiva estão ilustradasna Fig. 52.11, que mostra que o córtex auditivo se situa emsua maior parte sobre o plano supratemporal do giro temporalsuperior, mas também se entende sobre a borda lateral do lobotemporal, podendo, inclusive, chegar à área mais lateral do opér-culo parietal.

Duas áreas distintas são mostradas na Fig. 52.11: o córtexauditivo primário e o córtex auditivo de associação (também cha-mado córtex auditivo secundário). O córtex auditivo primárioé excitado diretamente pelas projeções provenientes do corpogeniculado medial, enquanto as áreas associativas são excitadasindiretamente por projeções provenientes do córtex auditivo pri-mário e de áreas talâmicas associativas, adjacentes ao corpo geni-culado medial.

Percepção da freqüência dos sons no córtex auditivo primário.No córtex auditivo primário e nas áreas auditivas de associaçãoforam encontrados pelo menos seis mapas tonotópicos. Em cadaum desses mapas, os sons de alta freqüência excitam os neurôniosde uma extremidade, enquanto os sons de baixa freqüência exci-tam os neurônios da extremidade oposta. Na maioria dos mapas,os sons de baixa freqüência estão situados anteriormente, enquan-to os sons de alta freqüência se localizam posteriormente; comoé mostrado na Fig. 52.11. A pergunta a ser feita é: Por queo córtex auditivo tem tantos mapas tonotópicos diferentes? Aresposta é que, presumivelmente, cada área analisa em separadoalgumas características específicas dos sons. Um dos grandes ma-pas do córtex auditivo primário, por exemplo, quase certamentediscrimina as próprias freqüências sonoras, dando à pessoa asensação psíquica das tonalidades sonoras. Outro desses mapasé provavelmente usado para detectar a direção de onde vemo som.

A faixa de freqüência para a qual cada neurônio no córtexauditivo responde é muito mais estreita que nos núcleos juncio-

Fig. 52.11 O córtex auditivo.

nais cocleares e do tronco cerebral. Voltando à Fig. 52.6B, pode-mos observar que a membrana basilar nas proximidades da baseda cóclea é estimulada por todas as freqüências sonoras, e amesma representação da faixa sonora é observada nos núcleoscocleares. No instante que a excitação chega ao córtex, os neurô-nios que respondem a sons o fazem apenas dentro de estreitafaixa de freqüência, em lugar da ampla faixa de freqüência aque respondem os neurônios dos núcleos inferiores. Portanto,existem, em algum ponto da via auditiva, mecanismos de proces-samento que "afilam" a resposta às freqüências sonoras. Admite-se que este afilamento deve-se, principalmente, ao fenômeno deinibição lateral, que foi discutido antes no Cap. 46, relacionadoaos mecanismos de transmissão da informação dos nervos. Poressa suposição, a estimulação coclear com determinadafreqüência gera inibição dos sinais provocados por freqüênciassonoras vizinhas à freqüência da estimulação. Essa inibição seriadevida às fibras colaterais que saem da via do sinal principalexercendo influência inibitória sobre vias adjacentes. Esseefeito também é importante em padrões de afilamento dasimagens somestésicas, visuais e de outros tipos de sensações.

Grande parte dos neurônios do córtex auditivo, principal-mente no córtex auditivo secundário, não responde a freqüênciassonoras específicas no ouvido. Acredita-se que esses neurônios"associam" diferentes freqüências sonoras entre si, ou associaminformações sonoras com informações provenientes de outrasáreas sensoriais do córtex. Mais ainda, a região parietal do córtexauditivo de associação se superpõe à área sensorial somáticaII, o que daria boa oportunidade de associação da informaçãoauditiva com a informação somatossensorial.

Discriminação dos "padrões" sonoros pelo córtex auditivo.A remoção bilateral completa do córtex auditivo não impedeque o gato ou o macaco detecte ou reaja grosseiramente aossons. No entanto, esse procedimento reduz acentuadamente, po-dendo inclusive abolir, sua capacidade de discriminar diferentestonalidades sonoras e, especialmente, padrões sonoros. Porexemplo: um animal que foi treinado a reconhecer uma seqüênciade tons, um após o outro dentro de um padrão particular, perdeessa capacidade quando o córtex auditivo é destruído, e, maisque isso, ele ê incapaz de reaprender este tipo de resposta. Por

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isso, o córtex auditivo é importante na discriminação do padrãotonal e do padrão de sons seqüenciais.

No ser humano, a destruição bilateral completa do córtexauditivo primário causa redução acentuada de sua sensibilidadeauditiva, o que ê muito diferente do que acontece em animaismais inferiores. No entanto, essa informação não é muito clara.Por outro lado, a destruição completa unilateral do córtex audi-tivo primário, no ser humano, tem muito pouco efeito na audiçãodevido aos vários cruzamentos de informações, ao longo da viaauditiva. No entanto, nesta última situação, há queda significativada capacidade de localizar a fonte sonora, porque são necessáriossinais comparativos em ambos os córtices para que a localizaçãopossa ocorrer.

No ser humano, as lesões que afetam as áreas auditivasde associação, deixando o córtex auditivo primário intacto, nãodiminuem a capacidade auditiva do indivíduo, a capacidade dediscriminar as tonalidades e a capacidade de interpretar, pelomenos, padrões sonoros simples. No entanto, a pessoa é incapazde interpretar o "significado" do som ouvido. Por exemplo, lesõesda parte posterior do giro temporal superior, que é chamadaárea de Wernicke e é também parte do córtex auditivo de associa-ção, tornam geralmente a pessoa incapaz de interpretar o signifi-cado da palavra, apesar de ouvi-la perfeitamente bem, podendo,inclusive, repeti-la. Essas funções das áreas auditivas secundáriase suas relações com as funções intelectuais gerais serão discutidasem detalhes no Cap. 57.

DISCRIMINAÇÃO DA DIREÇÃO DA FONTE SONORA

A pessoa discrimina a direção da fonte sonora por dois meca-nismos principais: (1) pela diferença de tempo entre a entradado som em cada um dos ouvidos, e (2) pela diferença entreas intensidades dos sons nos dois ouvidos. O primeiro mecanismofunciona melhor para as freqüências abaixo de 3.000 ciclos porsegundo e o segundo mecanismo funciona para as freqüênciasmais altas, pois, nessas freqüências, a cabeça funciona comobarreira sonora. O mecanismo da diferença de tempo discriminaa direção com muito mais precisão que o mecanismo ligado àintensidade, pois não depende de fatores estranhos, mas, apenas,do intervalo exato de tempo entre dois sinais acústicos. Se apessoa está olhando diretamente para o som, este chega aosdois ouvidos exatamente no mesmo instante, ao passo que, seo ouvido direito estiver mais perto do som que o ouvido esquerdo,os sinais sonoros do ouvido direito chegarão ao cérebro antesque os provenientes do ouvido esquerdo.

Mecanismos neurais para a detecção da direção do som. Adestruição bilateral do córtex cerebral auditivo, tanto no ser hu-mano como em mamíferos inferiores, causa a perda quase totalda capacidade de detectar a direção da fonte sonora. O meca-nismo para esse tipo de detecção se inicia nos núcleos olivaressuperiores, mas necessita da integridade de todas as vias quesaem desses núcleos para o córtex, para que os sinais possamser interpretados. Acredita-se que o mecanismo seja o seguinte:

Primeiro, o núcleo olivar superior é dividido em duas seções:(1) o núcleo olivar superior medial e (2) o núcleo olivar superiorlateral. O núcleo lateral está relacionado com a detecção da dire-ção de onde está vindo o som pela diferença entre as intensidadesdos sons que chegam aos dois ouvidos, provavelmente por simplescomparação entre as duas intensidades, e enviando o sinal apro-priado para o córtex auditivo para que a direção possa ser esti-mada.

Por outro lado, o núcleo olivar superior medial tem um meca-nismo muito específico para a detecção da diferença de tempoentre os sinais acústicos que entram nos dois ouvidos. Esses núcleocontém grande número de neurônios que possuem dois dendritosprincipais, um se projetando para a direita e o outro para a

esquerda. O sinal acústico do ouvido direito incide sobre o den-drito direito, enquanto o do ouvido esquerdo incide sobre odendrito esquerdo. A intensidade de excitação de cada um dessesneurônios é extremamente sensível à diferença de tempo entreos dois sinais acústicos que chegam dos dois ouvidos, isto é,os neurônios perto de uma borda do núcleo respondem comintensidade máxima a diferenças de tempo curtas, enquanto osneurônios da borda oposta respondem com intensidade máximaa diferenças de tempo longas. Os neurônios mais centrais respon-dem a diferenças de tempo intermediárias. Dessa maneira, desen-volve-se um padrão espacial de estimulação neuronal no núcleoolivar superior medial e, então, os sons que incidem sobre afrente da cabeça provocam estimulação máxima de um grupode neurônios olivares, enquanto os sons que incidem lateral-mente, em diferentes angulações, provocam estimulação máximade outros grupos neuronais, situados em locais opostos aos dosque responderam aos sons de incidência frontal. Essa orientaçãoespacial de sinais é, então, transmitida ao longo de toda a viaauditiva até o córtex auditivo, onde a direção do som é determi-nada pelo local do córtex em que há a estimulação máxima.Acredita-se que os sinais para a determinação da direção dosom são transmitidos por uma via diferente e que, no córtexcerebral, essa via termine em local diferente do local terminalcorrespondente à via de transmissão dos padrões sonoros tonais.Esse mecanismo para a detecção da direção do som mostra,novamente, como a informação contida nos sinais sensoriais édissecada à medida que ela atravessa os diferentes níveis de ativi-dade neuronal. Neste caso, a "qualidade" da direção do somé separada da "qualidade" de tons do som ao nível dos núcleosolivares superiores.

SINAIS CENTRÍFUGOS QUE SÃO ENVIADOS DO SISTEMANERVOSO CENTRAL PARA CENTROS AUDITIVOS MAISBAIXOS

Em cada nível do sistema nervoso têm sido demonstradas vias retró-gradas, que vão do córtex auditivo para a cóclea. A via final se dirige,principalmente, do núcleo olivar superior para as próprias células ciliaresno órgão de Corti.

Essas fibras retrógradas são inibitórias. Mais que isso: experiênciasdemonstraram que a estimulação direta de pontos discretos no núcleoolivar inibe áreas específicas do órgão de Corti, reduzindo suasensibilidade sonora em até 13 a 20 decibéis. Isso possibilita entendercomo uma pessoa consegue dirigir sua atenção para sons com qualidadesespecíficas, rejeitando, ao mesmo tempo, sons de outras qualidades. Issoé facilmente demonstrado pela capacidade que se tem de ouvir um sóinstrumento de orquestra sinfônica.

ANORMALIDADES AUDITIVAS TIPO SURDEZ

A surdez é geralmente dividida em dois tipos: (1) surdez causadapor lesões da cóclea ou do nervo auditivo, que é geralmente classificadacomo "surdez neural" e (2) surdez causada por lesões do mecanismopara transmissão dos sons até a cóclea, que é comumente chamada "sur-dez de condução". Obviamente, se houver destruição completa da cócleaou do nervo auditivo, a pessoa ficará permanentemente surda. No entan-to, se a cóclea e o nervo auditivo estiverem íntegros e o sistema ossiculartiver sido destruído ou anquilosado (isto é, "congelado” no lugar porfibrose ou calcificação), as ondas sonoras ainda poderão ser conduzidasaté a cóclea por condução óssea.

O audiômetro. O audiômetro é usado para a determinação da natu-reza dos distúrbios de audição. O aparelho consiste, simplesmente, emum fone de ouvido conectado a um oscilador eletrônico capaz de emitirtons puros na faixa de freqüências desde baixas até altas. O instrumentoé calibrado de tal maneira que o nível de intensidade sonora zero paracada freqüência é a menor intensidade que possa ser ouvida por umapessoa normal, baseado em estudos prévios de pessoas normais. Entre-

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Fig. 52.12 Audiograma do tipo de surdez nervosa da velhice.

tanto, um controle de volume calibrado pode aumentar ou diminuira intensidade de cada tom, acima ou abaixo do nível zero. Se a intensidadede um tom necessita ser aumentada para 30 decibéis, antes que o tompossa ser ouvido, diz-sc que a pessoa tem perda auditiva de 30 decibéispara aquele tom específico.

Para se fazer um teste de audição usando o audiômetro, testa-se,aproximadamente, 8 a 10 freqüências cobrindo-se o espectro auditivoe a perda de audição é determinada para cada uma dessas freqüências.Então, o chamado "audiograma" é um gráfico como mostrado nas Figs.52.12 e 52.13, retratando a perda de audição para cada uma dasfreqüências dentro do espectro de audição.

Além de ser equipado com um fone de ouvido para testar a conduçãoaérea pelo ouvido, o audiômetro vem equipado com um vibrador sonoropara testar a condução do som da mastóide até a cóclea.

O audiograma na surdez neural. Na surdez neural — estando incluído;neste termo a lesão da cóclea, do nervo auditivo ou dos circuitos prove-nientes do ouvido localizados no sistema nervoso central — a pessoatem diminuição ou perda total da capacidade auditiva, tanto nos testesde condução aérea como de condução óssea. A Fig. 52.12 ilustra umaudiograma, representando surdez neural parcial. Nessa figura, é mos-trada uma surdez principalmente para sons de alta freqüência, que pode-ria ter sido causada por lesão da base da cóclea. Esse tipo de surdezocorre comumente, em alguma extensão, em praticamente todas as pes-soas idosas.Como veremos em seguida, é também comum o aparecimento de outrostipos de surdez, tais como: (1) surdez para sons de baixa freqüência,causada pela exposição prolongada e excessiva a sons muito intensos(bandas de rock ou motores de aviões a jato), pois os sons de baixafreqüência são geralmente mais intensos e mais lesivos ao órgão deCorti, e (2) surdez a todas as freqüências, causada pela sensibilidadequímica do órgão de Corti principalmente a certos antibióticos, como,por exemplo, estreptomicina, canamicina e cloranfenicol.

Fig. 52.13 Audiograma de surdez resultante de esclerose do ouvido mé-dio

O audiograma na surdez de condução. Um tipo de surdezbastante freqüente é o causado pela fibrose do ouvido médio, que

ocorre após sucessivas infecções do ouvido médio, ou a fibrose verificadana doença hereditária chamada oloesclerose. Nesses casos, há dificuldadena transmissão das ondas sonoras da membrana timpânica até a janelaoval, por meio dos ossículos localizados no ouvido médio. A Fig. 52.13ilustra o audiograma de uma pessoa com esse tipo de "surdez de ouvidomédio''. Nesse caso, a condução óssea é essencialmente normal, mas háintensa diminuição da condução aérea para todas as freqüências, maisacentuadamente para as baixas freqüências. Nesse tipo de surdez, abase do estribo torna-se freqüentemente "anquilosada" pelo crescimentoósseo excessivo das bordas da janela oval. Nesse caso, a pessoa torna-setotalmente surda para a condução aérea, mas a recuperação auditiva équase completa pela retirada do estribo e substituição do mesmo porprótese de Teflon ou metal, que possibilitará a transmissão do som dabigorna para a janela oval.

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