Transcript

I N S T I T U T O C A M I L L O F I L H OMONOGRAFIA FINAL DO CURSO DE DIREITO

1

O INSTITUTO DA REELEIÇÃO PARA CHEFES DO PODER

EXECUTIVO MUNICIPAL EM FACE AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

YASMIN USHARA DE CARVALHO MOURA BARBOSA

TERESINA

2013

2

YASMIN USHARA DE CARVALHO MOURA BARBOSA

O INSTITUTO DA REELEIÇÃO PARA CHEFES DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL

EM FACE AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Monografia Final apresentada à Coordenadoria do Curso de Direito do Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Prof. Camillo Filho, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Clarissa Fonseca Maia

TERESINA2013

3

YASMIN USHARA DE CARVALHO MOURA BARBOSA

O INSTITUTO DA REELEIÇÃO PARA CHEFES DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL EM FACE AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Monografia Final apresentada à Coordenadoria do Curso de Direito do Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Prof. Camillo Filho, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovado em ____/_____/_______

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________

Orientador

___________________________________________________________________________

1º Examinador

___________________________________________________________________________

2º Examinador

4

RESUMO

BARBOSA, Yasmin Ushara de Carvalho Moura. O instituto da reeleição para chefes do poder executivo municipal em face ao princípio da isonomia. 2013. 51 FOLHAS. Monografia (Graduação em Direito) – Coordenadoria do Curso de Direito do Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Professor Camillo Filho, Teresina, 2013.

Em um Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil, uma eleição, seja para qual for a esfera do poder, é determinante para o futuro do governo e do país. Uma eleição viciada, que não representa a real vontade do eleitorado, em um pleito em que os candidatos não possuem as mesmas condições ou a mesma estrutura para disputar de forma legítima e igual a eleição, pode ser bastante nociva à administração pública e à própria democracia. A Emenda Constitucional 16/97, mudou o cenário político e transformou mandatos em campanhas eleitorais extensas. Diante desse quadro, detentores de mandatos e candidatos à reeleição possuem uma enorme vantagem frente àqueles candidatos que não possuem a estrutura e a força de um governo. Na esfera municipal, esse fato é mais aparente e, por isso, mais facilmente demonstrado. O candidato à reeleição notadamente confunde-se com o gestor, parando a administração do município durante a campanha eleitoral e utilizando de cargos, programas sociais, e toda a estrutura que o governo lhe fornece em prol da sua reeleição.

Palavras-Chave: Instituto da reeleição, Princípio da Isonomia, Isonomia entre os candidatos, Disputa eleitoral. Poder Executivo Municipal.

5

ABSTRACT

In a democratic state, as is the case of Brazil, an election, be it for whatever the sphere of power, is crucial to the future of the government and the country. An election addict that does not represent the true will of the electorate in an election where candidates do not have the same conditions and the same structure to compete in a legitimate and equal election, can be quite harmful to the government and to democracy itself. Constitutional Amendment 16/97, the political landscape has changed and transformed mandates extensive campaigns. Given this framework, mandate holders and incumbents have a huge advantage over those candidates who do not have the structure and strength of a government. At the municipal level, this fact is more apparent and therefore more easily demonstrated. The incumbent notably confused with the manager, stopping the administration of the municipality during the election campaign and using positions, social programs, and the entire structure that the government gives for the sake of his reelection.

Keywords: Instituct of reelection, Principle of Equality, Equality between candidates, electoral dispute, Municipal Executive.

6

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................07

2 PRINCÍPIO DA ISONOMIA ............................................................................................09

2.1 OS PRINCÍPIOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO...........................09

2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO ELEITORAL.....................................13

2.2.1 PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA..................................................................................13

2.2.2 PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA PARTIDÁRIA........................................................14

2.2.3 PRINCÍPIO REPUBLICANO........................................................................................16

2.2.4 PRINCÍPIO DO PLURALISMO PARTIDÁRIO..........................................................16

2.2.5 PRINCÍPIO DA ISONOMIA.........................................................................................18

2.2.5.1 PRINCÍPIO DA ISONOMIA E SUAS IMPLICAÇÕES NO INSTITUTO DA

REELEIÇÃO............................................................................................................................19

3 O INSTITUTO DA REELEIÇÃO......................................................................................22

3.1 CONCEITO........................................................................................................................22

3.2 A REELEIÇÃO NO MODELO NORTE-AMERICANO................................................24

3.3 A EMENDA CONSTITUCIONAL 16/1997.....................................................................26

3.3.1 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA EMENDA 16/1997.........................................26

3.3.2 ASPECTOS POLÍTICOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL 16/1997....................31

3.4 O INSTITUTO DA REELEIÇÃO SEGUNDO ALÉXIS DE TOCQUEVILLE.............33

3.5 O INSTITUTO DA REELEIÇÃO NA ATUALIDADE...................................................35

4 O INSTITUTO DA REELEIÇÃO PARA CHEFES DO PODER EXECUTIVO

MUNICIPAL EM FACE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA......37

4.1 CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHA

ELEITORAL............................................................................................................................37

4.2 ANÁLISE SOBRE AS CASSAÇÕES DOS PREFEITOS REELEITOS EM 2008 NO

ESTADO DO PIAUÍ...............................................................................................................40

4.2.1 ANGICAL DO PIAUÍ....................................................................................................41

4.2.2 SÃO PEDRO DO PIAUÍ................................................................................................42

4.2.3 NOSSA SENHORA DOS REMÉDIOS – PI.................................................................43

4.2.4 JOSÉ DE FREITAS – PI.................................................................................................44

4.2.5 FRONTEIRAS – PI.........................................................................................................45

5 CONCLUSÃO......................................................................................................................47

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................49

7

1 INTRODUÇÃO

O termo “democracia” possui um sentido que vai muito além da etimologia da

palavra, poder do povo. Apresenta uma difícil definição por abranger inúmeros princípios,

direitos e aspectos políticos que devem ser profundamente analisados para que se consiga

entender o real sentido de “poder do povo”.

Além disso, é uma ideia bastante mutável. A concepção de democracia à época do

seu surgimento, na Grécia Antiga, em que a palavra era usada de modo insultuoso até mesmo

pelos filósofos Aristóteles e Platão, que eram contrários à participação do povo no governo, é

muito diferente da sua concepção na atualidade.

Em razão das mudanças na sociedade e no seu modo de pensar, assim como os

demais ramos do Direito, o Direito Eleitoral também precisa ser constantemente alterado para

que possa se amoldar à realidade social do momento, abranger todos os casos jurídicos

possíveis, e também, para que alcance o ideal de democracia atual, pois só há democracia,

realmente, se houver um processo eleitoral que siga estritamente a lei.

Dessa forma, devido as referidas mudanças ao longo dos anos, o Direito e as

normas devem acompanhá-las, de forma que sejam sempre atuais e consigam regulá-la a

contento. E foi a fim de se atingir a democracia plena, de tentar melhorar o sistema eleitoral

nacional, proporcionando, segundo seus propositores, maior correspondência entre a vontade

do eleitor ao votar e o resultado final das urnas, é que, no Brasil, desde o governo de Fernando

Henrique Cardoso, tem se buscado fazer uma reforma política.

A primeira mudança decorrente dessa reforma foi a implementação do instituto da

reeleição para chefes do Poder Executivo, com a aprovação da Emenda Constitucional 16 de

1997. Desde então, houve oito disputas eleitorais para cargos de chefes do Poder Executivo e

passou a se discutir, a partir da observação desses pleitos, se esta alteração na Constituição

Federal foi realmente benéfica para a democracia do país, ou se fere o princípio da paridade –

igualdade entre os candidatos.

Primeiramente, deve ser analisada a ausência de norma que disponha sobre a

desincompatibilização de um candidato que quer reeleger-se para o mesmo cargo,

consecutivamente. Para candidatos que, segundo as leis atuais, incidem em incompatibilidade,

a ausência de desincompatibilização gera inelegibilidade, pois eles são impossibilitados de

obter seu registro de candidatura. O grande problema é que a lei prevê que até mesmo

dirigentes de uma organização associativa precisam desincompatibilizar-se para serem

8

candidatos, para que a ocupação do cargo não os favoreça no pleito, e para um candidato a

reeleição não é feita a mesma exigência.

A permissão da reeleição e a desnecessidade de desincompatibilização acarretam

uma contenda eleitoral absolutamente desequilibrada, e a desigualdade existente entre um

candidato que tem o poder da máquina administrativa e outros que não o possuem

inegavelmente influencia no resultado de uma eleição.

Ademais, o princípio da ireelegibilidade, como é denominada a ausência de

previsão legal para o ocupante de cargo do Poder Executivo concorrer consecutivamente para

esse mesmo cargo, é cláusula pétrea no ordenamento jurídico brasileiro, visto que está

presente na parte da Constituição destinada a direitos e garantias fundamentais e, portanto,

conforme o artigo 60, §4º, IV, da Constituição Federal, não poderia ser objeto de deliberação,

senão por nova Constituinte.

Portanto, é fundamental que se faça um estudo detalhado desse instituto que foi

introduzido no processo eleitoral de modo casuístico, por questões políticas, sem a

observância das regras que dispunham sobre alteração da Constituição Federal, e ainda que

representa uma contradição da própria lei eleitoral e uma afronta ao ideal de democracia atual.

Além das questões jurídicas técnicas, há também questões sociais que chamam

atenção para o presente tema. Com o movimento de protestos populares por todo o país,

iniciados em junho de 2013, os brasileiros mostraram-se insatisfeitos com o poder público em

diversas áreas, como educação, saúde, transporte público, e corrupção, e clamaram por

mudanças em todos os setores, bem como no Sistema Eleitoral, falando-se novamente em

uma real reforma política, tornando o estudo desse tema ainda mais propício ao momento.

Assim, o presente trabalho busca realizar uma verdadeira reflexão acerca do

instituto da reeleição e do modo que ele influencia a democracia. Para tanto, o leitor verá

alguns princípios essenciais ao estudo, como o princípio republicano e o próprio princípio da

isonomia; o instituto da reeleição, abrangendo o modelo norte-americano, que baseou o

brasileiro, a emenda constitucional 16/97, que instituiu a emenda da reeleição, e seus aspectos

constitucionais e políticos, o pensamento do filósofo Aléxis de Tocqueville a esse respeito e o

instituto na atualidade; e, por fim, a reeleição para chefes do poder executivo municipal em

face ao principio constitucional da isonomia, analisando a lei 9504/97, que estabelece as

condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral, e alguns acórdãos de cassação

dos prefeitos reeleitos em 2008, relevantes ao estudo.

9

2 O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

A melhor compreensão do presente tema requer um estudo mais aprofundado

acerca dos princípios no ordenamento jurídico brasileiro, em especial, os princípios

constitucionais que fundamentam o Estado de Direito e, dentre eles, o princípio da isonomia,

sua conceituação, importância, aplicação nas mais diversas áreas do Direito, e de modo mais

acurado no Direito Eleitoral e na disputa eleitoral por cargos do Poder Executivo. Passa-se,

então, à análise desse instituto.

2.1 OS PRINCÍPIOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O princeps é aquilo que se coloca em primeiro lugar, o primeiro posto. O

princípio, etimologicamente então, é o começo, o início. Porém, seu real conceito é muito

mais complexo do que sua compreensão etimológica, por se tratar se um termo multifacetário

e polissêmico. É preciso que se faça, inicialmente, uma breve explanação sobre os seus

sentidos na história.

Os princípios, como conhecemos hoje, tem sua primeira ideia, a metafísica,

instaurada por Aristóteles que incumbiu à filosofia importar os primeiros princípios das

ciências, e estavam associados apenas a uma razão intuitiva formada pela indução.

Em um segundo momento, expandem-se na lógica jurídica, na própria ciência do

direito, e designam um conjunto de regras resultantes de uma elaboração pensada, refletida,

organizadas sistematicamente, bem como os postulados fundantes deste edifício racional.

Por fim, em uma última vertente, os princípios normativos não descrevem um

objeto ou forma de conhecimento, nem tampouco um sistema de regras criados pela razão

humana, mas sim uma norma jurídica que determina um dever-ser.

Os juristas utilizam o termo “princípio” em três diferentes noções, sendo as duas

primeiras de conotação prescritiva e a última de conotação descritiva. Primeiramente, eles

seriam “supernormas”, isto é, regras que expressam valores e, em razão disso, são pontos de

referência para as demais normas que surgem a partir deles. Em um segundo momento, são

bases que se impõem para o estabelecimento de normas específicas. Por fim, são vistos

também como generalizações, obtidas por indução a partir das normas já vigentes. 1

1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito Constitucional do Trabalho - Estudos em Homenagem ao prof. Amauri Mascaro do Nascimento. Ed. Ltr, 1991, Vol. I, pp. 73-74.

10

É fundamental, assim, o estudo do melhor da doutrina para que se chegue a uma

conceituação clara dos princípios, em especial dos princípios constitucionais, e se estabeleça a

sua primazia no sistema jurídico nacional. Como salientou Paulo Bonavides, "sem aprofundar

a investigação acerca da função dos princípios nos ordenamentos jurídicos não é possível

compreender a natureza, a essência e os rumos do constitucionalismo contemporâneo".2

Afirmam J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, eminentes constitucionalistas, que

os princípios são “núcleos de condensações, nos quais confluem bens e valores

constitucionais” 3

O importante constitucionalista italiano Vezio Crisafulli elaborou, em 1952, a

seguinte conceituação:

princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõe, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais) das quais determinam, e portanto, resumem potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.4

Segundo Miguel Reale, em seu livro Lições preliminares de Direito, os princípios

gerais do Direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam

a compreensão do ordenamento jurídico em sua aplicação e integração, ou mesmo para a

elaboração de novas normas. 5

Os princípios possuem extrema relevância no seio social. Afirmam-se como

basilares em nosso ordenamento.

Dentre eles, são percebidos alguns princípios exclusivos do direito eleitoral.

Entretanto, para efeitos didáticos abordaremos os aspectos imanentes aos princípios em geral.

Afinal, a sua inclusão, seja ela de forma explícita ou implícita, constituem e completam o

2 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 7ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 2313 DA SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Positivo. Editora Revista dos Tribunais, 1990, p.82.4 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.230.5 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

11

ordenamento jurídico, sejam eles constitucionais ou não. Inserem-se no sistema normativo

com o fito de regulamentar os casos abstratos e suprir suas lacunas.

De acordo com Gomes:

a palavra princípio não é unívoca, tendo acumulado diversos sentidos ao longo da história. Em geral, refere-se à causa primeira, à razão, à essência ou ao motivo substancial de um fenômeno; significa, ainda, os axiomas, os cânones, as regras inspiradoras ou reitoras que presidem e alicerçam um dado conhecimento. 6

Acrescenta ainda que são “indiscutíveis suas vantagens operacionais para o

sistema jurídico. É que assim ocorrendo, torna-se mais visível, facilitando sua aplicação pelo

operador do Direito”. 7

Para Miguel Reale, citado por Gomes, os princípios têm duas significações, uma

moral e outra lógica. 8

A primeira refere-se às virtudes ou às qualidades apresentadas por uma pessoa. Quando se diz que alguém tem princípios, quer-se dizer que é virtuoso, possui boa formação ética, é honesto, diligente e probo; nele se pode confiar. Já sob o enfoque lógico, os princípios são identificados como verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. 9

Conforme Barros, os princípios gerais do Direito distinguem-se dos princípios

constitucionais pela sua incidência em generalidade absoluta. “Seu fato gerador é a convicção

social da época, que vai influir na elaboração da Constituição. Esses princípios entram para

preencher a vaguidade das normas, e não como um Direito supraconstitucional.”

Ainda que influenciadores da vida social, os princípios não são algo engessado.

Mais ainda, não são predeterminados, não obedecem a uma forma rígida, tal com o direito

6 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. P. 34.7 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. P. 34.8 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. P. 34.9 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. P. 23.

12

positivado. Vilhena, citado por Barros, distingue norma de princípio, revelando que “embora

contenham um preceito e até um comando, separa-os a inexistência de forma no princípio e

sua assistematicidade, como diversamente ocorre com a norma, que se reveste de forma e, em

geral, incrusta-se em um sistema.” 10

Inclusive, aponta ainda a seguinte distinção:

mais aclara entre ambas é a que considera princípios como conceitos ou normas fundamentais e abstratos, tenham sido ou não objeto de formulação concreta e à regra, como a locução concisa e sentenciosa que serve de expressão a um princípio jurídico. Além disso, a palavra princípio tem uma significação originariamente filosófica; a voz regra tem um sentido predominantemente técnico. 11

Entretanto, acrescenta:

princípios podem ser infringidos, o que na verdade ocorre com frequência. Mas, certamente, tal infringência, é muito mais grave que a transgressão de uma regra positivada, pois a desatenção a um princípio implica ofensa não apenas a específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos, aos fundamentos em que a norma ou o próprio ordenamento encontram-se assentados.12

Demonstrada a importância dos princípios em geral, passa-se à análise dos

princípios do direito eleitoral mais especificadamente.

2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO ELEITORAL

10 BARROS, Francisco Dirceu. Direito Eleitoral: teoria, jurisprudência e mais de 1.000 questões comentadas. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. P. 173.

11 BARROS, Francisco Dirceu. Direito Eleitoral: teoria, jurisprudência e mais de 1.000 questões comentadas. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. P. 176.

12 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. P. 34.

13

Pode-se citar como princípios basilares do Direito Eleitoral a Democracia,

democracia partidária, Estado Democrático de Direito, poder soberano, republicano,

federativo, sufrágio universal, legitimidade, moralidade, probidade, igualdade ou isonomia.

Entretanto, a pesquisa abarcará os seguintes: Democracia, democracia partidária, pluralismo

político e isonomia.

2.2.1 O PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA

O princípio da Democracia, como aponta o renomado José J. Gomes (2012) é

atualmente considerado como ‘um dos mais preciosos valores da humanidade’. O fundamento

normativo para a afirmação “é que o artigo XXI da Declaração Universal dos Direitos do

Homem, de 1948, e o artigo 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de

1966, elevaram-na ao status de direitos humanos.” 13

Embora seja um princípio de vasta aplicação e importância, percebe-se que há

Estados que a forjam. Escamoteiam regimes totalitários com a máscara de vertente

democrática. Gomes assevera que a imprecisão do conceito de democracia dá margem à

formação “de diferentes concepções de democracia, exemplo da liberal, cristã, marxista,

social, neoliberal, representativa.” 14

Antes de tudo, para a efetivação da democracia é preciso uma sociedade

esclarecida e ativa. Do contrário, Gomes afirma:

segundo ensina Ferreira Filho, longe de prosperar em qualquer solo, a experiência de um autêntico regime democrático exige a presença de alguns pressupostos. Há mister haver um certo grau de desenvolvimento social, de sorte que o povo tenha atingido nível razoável de independência e amadurecimento, para que as principais decisões possam ser tomadas com liberdade de consciência. 15

13 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. P. 35-40.

14 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. P. 35-40.

15 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. P. 35-40.

14

Segundo Gomes, a Democracia só é possível com a participação popular.

Estudioso do assunto, indica uma subdivisão da mesma em 3 (três) grupos: democracia direta,

indireta e semidireta. A direta configura-se como o modelo clássico, na qual o povo participa

diretamente das decisões governamentais. A indireta ou representativa consolida a

transferência do exercício do poder a outro cidadão. Por último, a semidireta ou mista, que

fora adotada pela Federação Republicana do Brasil. Semelhantemente o modelo de

democracia representativa, escolhe-se um representante para a tomada das decisões político-

administrativas e a gestão da coisa pública.

Desse modo, fica evidente que a Democracia é um princípio indelével no seio

social. Finalmente, não se cogita falar em Estado Democrático de Direito sem os mecanismos

garantidores do exercício da Democracia, independentemente se direta, indireta ou semidireta. 16

Porém, resta claro que não há real democracia sem liberdade de consciência de

quem a exerce, do povo. Esse deve seguir sua vontade, sem influências de qualquer modo,

desde o princípio, da escolha do seu candidato às cobranças de seus direitos no curso dos

mandatos. Mas então, as desigualdades existentes entre o candidato comum e o candidato à

reeleição não influencia na hora do voto? Como se pode chegar a uma real democracia nesse

sistema que permite a reeleição?

2.2.2 PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA PARTIDÁRIA

A Constituição Federal preceitua que: “todo poder emana do povo, que o exerce

por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” 17. Tal

preceito constitucional informa que se está diante de uma Democracia Representativa. Como

tal, necessária é a atuação do povo na condução do Estado.

Porém, hodiernamente é impossível que os cidadãos exerçam diretamente a

democracia. Imagine-se num Estado em que bilhões de pessoas tenham que se reunir para

produção legislativa, por exemplo. Por isso, a representação ocorre por meio dos partidos

políticos.

16 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. P. 35-40.

17 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.

15

Nesse cotejo, “O esquema partidário é assegurado pelo artigo 14, § 3º, V da Lei

Maior18, que erigiu a filiação partidária como condição de elegibilidade. Assim, os partidos

políticos detêm o monopólio das candidaturas, de sorte que, para ser votado, o cidadão deve

filiar-se. Inexistem no Brasil as candidaturas avulsas.” 19

Nesse sentido, convém explanar acerca conceito de partido político. Para defini-

lo, Daniela Wochnicki faz uso da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95, art. 1º):

Partido Político é pessoa jurídica de direito privado. Destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal (Lei 9.096/95, art. 1º). 20

De acordo com Paulo Bonavides:

Partido Político é uma organização de pessoas que, inspirados por ideias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder, normalmente pelo emprego de meio legais, e nele consertar-se para a realização dos fins propugnados.21

A importância das agremiações políticas é tamanha que o TSE e o STF afirmam

que o mandato eletivo a elas pertence. Por corolário, “se o mandatário se desliga da

agremiação pela qual foi eleito, perde igualmente o mandato, salvo se houver justa causa.” 22

18 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.

19 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. P. 40.

20 WOCHNICKI, Daniela. Direito Eleitoral para iniciantes.  Disponível em: <http://www.pensandodireito.net/Downloads/Apostilas/Direito%20Eleitoral%20para%20Iniciantes.pdf>. Acesso em: 05.out.2013.

21 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 7. ed. 1986. P. 429.

22 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. P. 39.

16

Diante do exposto, fica claro que os partidos políticos têm suma importância para

efetivação da democracia. Sem uma agremiação partidária, não há candidato, não há voto, não

há mandato, não há democracia.

2.2.3 PRINCÍPIO REPUBLICANO

Representa a forma de governo adotada. Ensina José Jairo Gomes que as formas

de governo significam o modo de atribuição do poder político-estatal. Continua, ao afirmar os

fundamentos da república, entre eles a eletividade, a temporalidade no exercício do mandato e

a alternância de pessoas no comando do Estado. Citando Ruy Barbosa, indica que não é o fato

de coexistirem três poderes independentes e harmônicos que consolida o princípio

republicano. Faz parte da forma republicana a periodicidade das eleições.

Assim, por força do princípio republicano, de tempos em tempos devem os mandatos ser revogados coma realização de novas eleições. Nesse sentido, reza o artigo 83 da Constituição Federal que o mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá início em primeiro de janeiro do ano seguinte ao de sua eleição. No mesmo sentido, o mandato de Governador (CF, art 28), de Prefeito (CF, art 29, I), de Deputado Estadual (CF, art 27, §1º), de Vereador (CF, art 29, I), de Deputado Federal (CF, art 44, parágrafo único) e de Senador, cujo mandato é de oito anos (CF, art 46, §1º). 23

Destarte, o a efetividade do princípio republicano é garantido pela eleição

periódica popular.

2.2.4 PRINCÍPIO DO PLURALISMO PARTIDÁRIO

Atualmente, o Brasil possui muitos partidos políticos, porém não há uma forte

ideologia por trás deles. Há muito mais interesses políticos de comando e de se chegar ao

poder, seja ele legislativo, ou executivo.

Kneip afirma que “a ideologia deve surgir como substrato concreto da construção

partidária, como justificativa da própria existência do partido político”. 24

23 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. P. 33.

24 KNEIPP, Bruno Burgarelli Albergaria. A pluralidade de partidos políticos. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 6.

17

Os partidos políticos, na verdade, deveriam ser vistos como um meio, como uma

forma de ligação entre o povo e o poder, ou até mesmo como uma forma do povo chegar ao

poder, portanto, um importante aliado da democracia.

O artigo 1º, V, da Constituição Federal de 1988 25, determina que o pluralismo

político é um fundamento da República Federativa do Brasil, e o seu artigo 17 26 estabelece o

pluralismo partidário, ambos essenciais à consolidação da democracia.

Porém, não se deve confundir essas duas ideias. Os grupos de poderes não estão

necessariamente ligados aos partidos políticos nacionais, pois há outras formas utilizadas por

esses grupos de interesses para exprimirem suas intenções e controlarem determinada parcela

de poder.

O pluripartidarismo foi a forma que o legislador encontrou de dar aplicabilidade

ao pluralismo político, essencial à manutenção da democracia, visto que protege a

participação do povo no governo. Contudo, é necessária a presença da ideologia para que haja

efetividade na sua instituição.

Kneip aduz ainda que “O pluralismo não deve servir como subterfúgio da

desordem e da inexistência de um mínimo de ação política. Inclusive, se assim o for,

certamente é a negativa do que realmente deveria ser. O que se pretende é a intensa

participação na formulação da vontade estatal.” 27

O pluralismo, assim, é inerente ao ideal que construiu a Constituição, qual seja, a

formação de uma sociedade livre, justa, e solidária, pois evita que um só setor concentre o

poder de decisão e determine sozinho os rumos da Nação. Ademais torna os partidos

interdependentes, visto que, ao tempo em que fiscalizam uns aos outros, também necessitam

uns dos outros para atingirem seus interesses. 28

25 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]V - o pluralismo político.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.26 “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana [...]” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.27 KNEIPP, Bruno Burgarelli Albergaria. A pluralidade de partidos políticos. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 25.28 “MORELLI, Daniel Nobre; MORELLI, Daniel Nobre. Notas sobre Pluralismo Político e Estado Democrático de Direito. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 06 de dez. de 2007.Disponivel em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/4629/Notas_sobre_Pluralismo_Politico_e_Estado_Democratico_de_Direito >. Acesso em: 13 de fev. de 2014.

18

2.2.5 O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

A igualdade é direito fundamental assegurado no texto constitucional, no art. 5º:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”29

Porém, a isonomia, assim como os demais direitos fundamentais, não constitui um

direito absoluto, visto que a mesma Constituição que assegura a igualdade estabelece algumas

normas que visam impor limites e vedações a essa total isonomia. Por isso é que se diz que

todos devem ser tratados de maneira igual na medida de suas igualdades, e de modo desigual

na medida de suas desigualdades.

No âmbito do direito eleitoral, esse princípio tem extrema importância e abrange

diversas situações. Vale ressaltar, por exemplo, a questão das cotas de gênero estabelecidas

pela lei das eleições.

O mesmo art. 5º, da Constituição Federal, no inciso I, estabelece que “homens e

mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.” 30

Ocorre que, na seara eleitoral, o art. 10, §3º, da Lei 9.504/97 dispõe que “ Do

número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação

preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para

candidaturas de cada sexo.” 31

A referida regra foi criada visando, assim, tentar garantir a maior participação

feminina na política, visto que, na sua grande maioria, os cargos políticos são ocupados por

homens.

Afirma Marcus Vinícius Furtado Coelho:

29 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.

30 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.

31 BRASIL. Lei 9.504 de 1997. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.

19

O regime democrático permite que quaisquer cidadãos no gozo de seus direitos políticos, que preencham as condições de elegibilidade e que não estejam limitados por alguma causa de inelegibilidade, disputem, em igualdade de condições, os cargos eletivos que os conduzirão ao mandato parlamentar ou executivo. Essa disputa, porém, deve ser pautada pela igualdade de oportunidades e pela lisura dos meios empregados nas campanhas sem privilégios em favor de determinada candidatura. 32

Assim, é possível notar que esse princípio busca garantir a lisura do pleito

eleitoral, com igualdade de participação e de condições dos candidatos, sejam quais forem

essas condições. Portanto, como instituir em um ordenamento que busca a igualdade o

instituto da reeleição, que faz competir um candidato detentor de mandato e da estrutura

administrativo e outro candidato sem as mesmas condições?

2.2.5.1 O PRINCÍPIO DA ISONOMIA E SUAS IMPLICAÇÕES NO INSTITUTO DA

REELEIÇÃO

A Constituição Federal estabelece uma igualdade eleitoral que abrange a

propaganda eleitoral, a neutralidade dos poderes públicos e a proibição de abuso de poder,

tendo em vista que a democracia é baseada essencialmente na igualdade política.

Diante disso, questiona-se como manter a igualdade entre um candidato detentor

de um mandato eletivo, que busca a reeleição, e um candidato que não possui mandato

eletivo.

A adoção da reeleição configura um rompimento na lógica do tratamento

igualitário, ao menos formalmente, dos candidatos ao pleito. A desigualdade se estabelece

simplesmente a partir da dupla condição de candidato e chefe da Administração. 33

Não há como, no subconsciente do eleitor, desvincular a imagem do

administrador da imagem do candidato, até mesmo porque tratam-se da mesma figura

32 COELHO, Marcus Vinícius Furtado. Direito Eleitoral e Processo Eleitoral: Direito Penal Eleitoral e Direito Político. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. P. 84-85.

33 SANSEVERINO, Francisco de Assis Vieira. O “uso da máquina pública” nas campanhas eleitorais: condutas vedadas aos agentes públicos. Op. cit., p. 55.

20

humana. Assim, também não há como não personificar as ações do gestor quanto chefe de

poder e carregá-las consigo às urnas, e é inegável o poder que possui a estrutura

administrativa, seja pelos cargos, pelos programas sociais, ou demais obras.

Ademais, como afirma Eneida Desiree Salgado, “com a alteração apenas de um

parágrafo da Constituição, sem a alteração dos demais dispositivos do artigo 14, o sistema

constitucional restou incoerente e iníquo.” 34

A autora acrescenta ainda, em sua tese, as palavras de Celso Antônio Bandeira de

Mello ao analisar, a partir do princípio da isonomia na disputa eleitoral, das regras

constitucionais sobre a reeleição, e afirma:

Permitir que o candidato à reeleição se mantenha do cargo seria ‘inculcar imbecilidade à norma jurídica’, ‘o mais rematado absurdo, a mais completa inconsistência, a mais radical estultice, a mais cabal incongruência da Lei Magna’. Sublinha que a interpretação que permite a permanência no cargo faz a emenda inconstitucional, pois ofende as cláusulas pétreas, a igualdade como o primeiro dos direitos e garantias individuais. E afasta o argumento da impossibilidade de aplicação da regra do parágrafo 6º defendendo que os parágrafos 5º, 6º e 9º do artigo 14 da Constituição são ‘declarações expressas [que] conduzem implicitamente à inelegibilidade do presidente que não se desincompatibilize seis meses antes do pleito’, e que a não restrição do direito dos chefes do Poder Executivo de permanecerem no cargo leva à restrição do direito ‘de todo e qualquer cidadão concorrer em igualdade de condições com estas autoridades’, em um choque do interesse privado com o interesse público da lisura das eleições.35

Vislumbra-se assim, uma certa fragilidade no sistema constitucional brasileiro ao

admitir que uma norma que confronta um importante princípio, que é o da igualdade, aliado

direto da democracia, adentre no ordenamento, causando ainda incoerência no mesmo.

Além desses aspectos, também será visto mais detalhadamente adiante que, muito

embora, os legisladores tenham criado vedações aos candidatos à reeleição, por meio da lei

9.504/97, a fim de igualar os candidatos, o que a lei fez foi apenas amenizar a situação e levar

o problema à Justiça Eleitoral.

34 SALGADO, Eneida Desiree. Princípios Constitucionais estruturantes do Direito Eleitoral. Curitiba. 2010. P 250.

35 SALGADO, Eneida Desiree. Princípios Constitucionais estruturantes do Direito Eleitoral. Curitiba. 2010. P 251.

21

3 O INSTITUTO DA REELEIÇÃO

A partir do estudo dos principais aspectos acerca dos princípios e, em especial do

princípio da isonomia, foco principal da presente pesquisa, passa-se agora a uma análise

esmiuçada sobre o instituto da reeleição. É de fundamental importância que se compreenda de

que maneira tal instituto foi introduzido no Brasil, como é visto no mundo, principalmente

nos países republicanos, e qual o pensamento político sobre ele.

3.1 CONCEITO

22

No Estado Democrático de Direito, a ideia de democracia é intimamente ligada ao

termo “eleição” e ao processo eleitoral, visto que a eleição, a escolha dos governantes do país,

estados e municípios reflete a vontade do povo, a participação deste no poder e nos rumos da

sociedade, por meio do voto.

Voto, do latim, votu, é oferenda, promessa feita aos deuses. O voto é o exercício

do sufrágio, e é por meio desse último que são escolhidos aqueles que irão votar. Isto é,

enquanto o sufrágio é um processo de seleção dos eleitores, o voto é o exercício do sufrágio

pelo eleitorado. É, portanto, através do sufrágio que o nacional torna-se cidadão e começa a

exercer o direito de votar. 36

Não se deve, também, confundir sufrágio e eleição. O primeiro aponta o direito de

participação política, sendo uma criação abstrata do direito, e o último indica um fato social

correspondendo justamente a esse direito.

No Brasil, o sufrágio era restrito apenas aos homens até o século XIX. A partir do

século XX, mais precisamente no novo Código Eleitoral de 1932, durante o governo de

Getúlio Vargas, as mulheres passaram a ter os mesmos direitos e o voto passou a ser exercido

por todos sem distinção de raça, sexo, cor, ou qualquer outra. Entretanto, há um requisito

quanto à idade, somente podem votar os que possuem idade superior a 16 anos, considerados

intelectualmente maduros.

Ademais, a Constituição Federal de 1988 assegura que a soberania popular é

exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto. E em seguida, nos parágrafos

primeiro e segundo, determina quem está obrigado a votar, quais sejam, os maiores de 18

anos; determina, ainda, para quem o voto é facultativo, os maiores de 16 anos e menores de

18, os maiores de 70 anos e os analfabetos; e quem não pode votar, os estrangeiros e militares

conscritos, durante o período militar obrigatório. 37

36 LENZA, Pedro; CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua; CERQUEIRA, Camila Albuquerque. Direito eleitoral – col. esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.111.

37 “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular. § 1º - O alistamento eleitoral e o voto são: I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II - facultativos para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. § 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.

23

Atendidos, portanto, tais requisitos constitucionais, o indivíduo brasileiro passa a

ser cidadão e, mediante o sufrágio poderá votar e participar da eleição.

Conceitua-se eleição como:

todo processo pelo qual um grupo designa um ou mais de um de seus integrantes para ocupar um cargo por meio de votação. Na democracia representativa, é o processo que consiste na escolha de determinados indivíduos para exercerem o poder soberano, concedido pelo povo através do voto, devendo estes, assim, exercerem o papel de representantes da nação. 38

Eleição é, assim, um processo de escolha popular, em que os legitimados a

escolher, os que possuem direitos políticos ativos, votam nos legitimados a serem escolhidos,

os candidatos, detentores dos direitos políticos passivos, seguindo as regras positivadas na

constituição e nas leis infraconstitucionais, para que esses últimos os representem

temporariamente em determinados cargos públicos.

A partir da conceituação de todos esses institutos, pode-se então discutir o

conceito de reeleição.

No Brasil, com exceção dos senadores, que são eleitos para ocupar o cargo por um

período de oito anos, todos os demais mandatos eletivos duram por quatro anos. Os detentores

dos mandatos tomam posse, via de regra, no primeiro dia do ano e saem do cargo no último

dia do terceiro ano seguinte.

A reeleição é, assim, a possibilidade do detentor do mandato eletivo renovar seu

mandato pelo mesmo período de tempo e para o mesmo cargo, consecutivamente, desde que

submetido a uma nova votação com outros candidatos. É a possibilidade de ser novamente

escolhido para continuar por mais um mandato, consecutivo, no poder do mesmo cargo que já

ocupa.

Destaca-se, porém, que se trata de mandatos consecutivos. Não há que se falar em

reeleição quando da volta de um político para o mesmo cargo que já havia ocupado

anteriormente de modo não consecutivo.

Restando claro seu conceito, passa-se então a discutir como tal instituto surgiu e

chegou ao Estado brasileiro.

38 BRASIL. ELEIÇÃO. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%A3o>. Acessado em 03.out.2013.

24

3.2 A REELEIÇÃO NO MODELO NORTE-AMERICANO

A reeleição é instituto característico da forma de governo republicana e possui

fundamental relevância nos países que seguem o sistema de governo presidencialista.

Entretanto, nem todas as nações republicanas instituíram o aludido instituto nos seus

processos eleitorais.

Todos esses institutos, tanto o republicanismo e o federalismo, adotados no Brasil

na Constituição de 1891, bem como o presidencialismo, são frutos da influência norte-

americana, como será visto adiante.

Após a Independência, o Brasil ficou por volta de 70 anos vivendo em uma

Monarquia. Houve, no entanto, grandes transformações, como a abolição da escravatura em

1888, de modo que a população não se encontrava mais satisfeita com relação ao regime

monárquico. Desse modo, aparece a República e com ela discussões na Assembleia

Constituinte sobre Federação. A partir de então, há uma transição da influência inglesa e

francesa para a norte-americana na Constituição do Brasil. Adota-se o sistema

presidencialista, e com ele a concretização do Legislativo bicameral, mas dessa vez tendo

extinguido o mandato vitalício dos Senadores. 39

Esta forte influência do constitucionalismo norte-americano pode ser facilmente

comprovada quando da análise da atual Constituição do Brasil, especialmente nos artigos

referentes às atribuições de cada poder. Comparando-as com a primeira Constituição dos

Estados Unidos, de 1787, veremos que pouco foi alterado. No artigo 84 da Constituição

Federal encontramos às atribuições do Presidente da República; dentre elas: o poder de

nomear e exonerar Ministros de Estado; vetar projetos de lei, total ou parcialmente; conceder

indulto e comutar penas; exercer o comando supremo das Forças Armadas. São, todas,

atividades que constavam como competências do Presidente Norte-Americano desde 1787. 40

Além de todos os institutos “emprestados” pelos Estados Unidos já mencionados,

foi também pela influência norte-americana que o Brasil adotou o instituto da reeleição. Os

primeiros a instituir a reeleição no seu processo eleitoral foram os norte-americanos. Após se

39 MALUF, Sahid; MALUF NETO, Miguel Alfredo. Teoria geral do estado. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p.322.

40 HAMILTON, Alexander. O Poder Executivo. In: HAMILTON, Alexander; Jay, John; MADISON, James. O federalista. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1984, p. 553-566.

25

tornarem independentes da Inglaterra, em 1776, surgiu a dúvida acerca de qual regime

político o país iria adotar. Estava claro que a Monarquia e o Parlamentarismo britânico não

lhes serviam.

Após meses de intensos debates, e baseados nos princípios do Liberalismo,

decidiram por adotar o regime republicano democrático, que, entre outras características,

permitia o presidente ser reeleito indefinidamente.

Contudo, no século XX, com a morte do então presidente F. D. Roosevelt, no

curso do seu quarto mandato consecutivo, houve uma crise política, abrindo espaço para a

oposição então modificar a Constituição norte-americana. Assim, foi aprovada uma emenda

constitucional que permitia uma única reeleição, proibindo ao presidente reeleito a

possibilidade de retornar ao poder, mesmo que anos depois. Com essa alteração

constitucional, a democracia norte-americana vetou o personalismo advindo com o poder

político individual, diminuiu o uso da máquina pública em benefício do presidente e atenuou a

corrupção eleitoral. 41

Dessa forma, quando da elaboração da Constituição brasileira de 1988, ainda

embebidos pelos sentimentos de patriotismo e ideal de democracia, advindos dos movimentos

“Diretas já”, os constituintes decidiram pela irreelegibilidade, e não aderiram ao modelo

americano.

Porém, a partir de então, alguns critérios constitucionais sofreram mudanças,

especialmente quanto aos requisitos de elegibilidade, bem como quanto ao mandato

presidencial e às organizações partidárias. E do mesmo modo dos EUA, os legisladores

resolveram por alterar a constituição e foi criada a Emenda Constitucional 16/1997, a emenda

da reeleição, que prevê a possibilidade dos chefes do Poder Executivo serem eleitos

novamente para ocupar o mesmo cargo que já ocupam, de forma consecutiva, por uma única

vez.

Contudo, não se atentaram para as diferenças culturais, sociais e políticas entre

Brasil e Estados Unidos da América, advindas desde a colonização de ambas as nações.

Tampouco, atentaram-se para como introduzir a reeleição no sistema eleitoral brasileiro, sem

ferir a constituição e as demais normas eleitorais, como se verá adiante.

3.3 A EMENDA CONSTITUCIONAL 16/199741 BRASIL. REELEIÇÃO E PERSONALISMO. LÚCIO FLÁVIO. Disponível em: <http://www.wscom.com.br/blog/lucioflavio/post/post/Reelei%C3%A7%C3%A3o+e+Personalismo-145>. Acesso em: 03.out.2013.

26

Esclarecido, portanto, do ponto de vista histórico, como surgiu o instituto da

reeleição no ordenamento jurídico brasileiro, decorre-se então ao estudo técnico e político

acerca da constitucionalidade da Emenda 16/1997.

3.3.1 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA EMENDA 16/1997

O texto original da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 14, §5º42, previa a

impossibilidade de reeleição para chefes do Poder Executivo. Tal vedação visava manter a

tradição de todas as cartas magnas do país, já que esse instituto jamais havia sido previsto nas

constituições promulgadas, desde a Constituição Republicana de 1891, e conservar os

princípios fundamentais republicano, federativo e democrático.

Porém, a situação política no país, em 1997, qual seja o sucesso do Plano Real e a

alta popularidade do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, fizeram

com que coligados do Presidente propusessem a introdução do instituto da reeleição no

sistema eleitoral brasileiro, nos moldes do sistema norte-americano, como já fora explanado.

Dessa forma, a Emenda Constitucional nº 16/97 rompeu com a tradição constitucional

brasileira e inseriu a possibilidade de reeleição para chefes do Poder Executivo.

Portanto, ocorre que o princípio da ireelegibilidade, que vedava esta possibilidade,

estava presente no Título II da Constituição Federal, espaço dedicado a direitos e garantias

individuais, sendo, portanto, cláusula pétrea e impossível de ser removida do texto

constitucional por emenda. Verifica-se, assim, que o referido instituto foi introduzido no

ordenamento jurídico brasileiro sem observar sequer as normas de alteração da Constituição,

restando cada vez mais claro que o que lhe deu causa foram propósitos políticos e

administrativos até então injustificados.

Ademais, a mencionada emenda ainda causou grande incoerência nas normas

constitucionais. Senão vejamos. O próprio legislador constituinte previu que um candidato

que está no poder da administração pública possui benefícios em relação a outro que não

possui os mesmos recursos, por isso determinou no artigo 14, §6º, da Constituição Federal

que:

42 “Art. 14. § 5º São inelegíveis para os mesmos cargos, no período subsequente, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito.16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.

27

para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

Desse modo, para concorrer a outro cargo que ainda não exerça, o chefe do Poder

Executivo precisa renunciar ao cargo que exerce até seis meses antes da data da eleição. Não

se trata se desincompatibilização, mas sim de renúncia. Além disso, é exigida a

desincompatibilização de várias figuras da administração pública, de professores, de líderes

de associações, entre outros, sob pena de inelegibilidade. Então, não há sentido em não se

exigir sequer a desincompatibilização de um candidato que está no poder e deseja reeleger-se,

como será visto mais afundo no próximo capítulo.

Foi esse o pensamento que deu ensejo à Ação Declaratória de

Inconstitucionalidade 1805-243 por parte do Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido

dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PC do B), e do Partido Liberal (PL).

Apesar da evidente fragilidade da emenda, com claro cunho político, o Supremo Tribunal

Federal entendeu, em 26 de março de 1998, por votação majoritária, que a alteração no artigo

14, §5º, da Constituição Federal não fora inconstitucional, porém, alguns Ministros, como o

Ministro Marco Aurélio, entenderam que o legislador silenciou quanto à necessidade de

desincompatibilização, contudo não cabe ao intérprete da norma preencher o silêncio

eloquente do constituinte.

Assim, também deve ser estudada a fundo essa Ação Declaratória de

Inconstitucionalidade, tanto pelos fundamentos de quem a propôs, como pelo entendimento

do Supremo Tribunal Federal de não considerar a emenda 16/97 inconstitucional.

A ADI 1805-2 visava, sobretudo determinar a interpretação conforme a

Constituição Federal ao §5º do art. 14 da Constituição Federal, nos termos propostos pelo art.

1º da Emenda Constitucional nº 16, bem como à Lei nº 9504/97, que estabelece normas para

as eleições; e declarar a inconstitucionalidade, com suspensão imediata da eficácia, do §2º do

art. 73 e art. 76, da Lei 9504/97 e das Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral nº 19952,

19953, 19954, 19955, todas de 1997.

43 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Brasília. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 1805-2. Relator: Ministro Néri da Silveira. Brasília, 28 de março de 1998. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347277>. Acesso em: 03.out.2013.

28

O texto do art. 14, §5º diz que “O Presidente da República, os Governadores de

Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso

dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.” 44

O art. 73, I, §2º, e art. 76, da lei 9504/97 estabelecem que:

São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária; [...]

§ 2º A vedação do inciso I do caput não se aplica ao uso, em campanha, de transporte oficial pelo Presidente da República, obedecido o disposto no art. 76, nem ao uso, em campanha, pelos candidatos a reeleição de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Prefeito e Vice-Prefeito, de suas residências oficiais para realização de contatos, encontros e reuniões pertinentes à própria campanha, desde que não tenham caráter de ato público.

Art. 76. O ressarcimento das despesas com o uso de transporte oficial pelo Presidente da República e sua comitiva em campanha eleitoral será de responsabilidade do partido político ou coligação a que esteja vinculado. 45

Inicialmente, a Corte entendeu que não há que se falar em controle de constitucionalidade para as Resoluções, visto que cuida-se, aí, de exercício de competência materialmente administrativa, não sendo passível de deliberação por parte do STF.

Vislumbra-se, assim, que a referida ação questionava a constitucionalidade da Emenda Constitucional 16/97 tanto em razão do próprio texto original da Constituição Federal, anterior a emenda, como pelos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e, especialmente, da isonomia.

Em primeiro lugar, com relação ao debate principiológico, abordou-se como proceder diante de um conflito entre dois princípios. Para esclarecer tal conflito, foram utilizadas as palavras de Geraldo Ataliba:

44 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito.16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.45 BRASIL. Lei 9.504 de 1997. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito.16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.

29

Alguns princípios constitucionais foram postos tradicionalmente pelos nossos sucessivos legisladores constituintes como fundamentais a todo sistema, e por isso, em posição de eminência relativamente a outros (...) Daí a razão pela qual muitos doutrinadores – com certa dose de exagero – afirmarem que essa disposição é supraconstitucional, o que tecnicamente não pode ser aceito, mas politicamente vale como sugestão para a importância e significação desse princípio no contexto sistemático. 46

Sustentou, portanto, o eminente Ministro Néri da Silveira que a Constituição de

um dado país é um todo sistêmico, orgânico, onde as interconexões e interseções das normas

são estabelecidas pelos ditames principiológicos. Dessa forma, tanto a doutrina como a

jurisprudência europeia, especialmente a alemã, sinalizaram para os critérios a serem adotados

quando uma norma constitucional afronta princípios fundamentais de uma nação. Estas irão

sempre prevalecer e daí a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de norma

constitucional.

Foi por essa razão, pela afronta aos princípios da razoabilidade e

proporcionalidade, entre outros, que a inicial, na análise do art. 14, da Constituição Federal, e

de seus parágrafos, vislumbrou um todo sistêmico e organizado. Todavia, enquanto o §5º, no

texto original, vedava a reeleição para ocupantes de cargos do Poder Executivo, o §6º

estabelecia condições de elegibilidade para que os detentores desses cargos

pudessem concorrer a outros. A solução encontrada foi a renúncia dos cargos

anteriormente ocupados, até seis meses antes do pleito, para que pudessem concorrer a outros.

Desse modo, um Governador que pretendesse ser candidato a Deputado Federal

teria que renunciar ao cargo de Governador no mínimo seis meses antes do pleito a que

concorreria a Deputado.

Questiona-se, assim, acerca do fundamento utilizado para que se chegassem a essa

solução, do bem jurídico que essa ideia visava tutelar. É possível observar, então, que o

legislador buscou preservar o interesse coletivo, ter um processo eleitoral legítimo, idôneo,

isonômico, moral, e probo da coisa pública.

Posteriormente, foi criada a emenda da reeleição. Fazendo o mesmo

questionamento, não é possível observar desde logo que o legislador visava proteger os

mesmos bens jurídicos. Ao contrário, a referida emenda deu personificação ao poder,

46 ATALIBA, Geraldo. Eficácia dos Princípios Constitucionais – República - Periodicidade e Alternância – Reeleição das Mesas do Legislativol. Revista de Direito Público. São Paulo: RT, 1980, nº 55-56, p. 166-168.

30

continuísmo, e desigualdade no pleito eleitoral. Por qual motivo foi instituída, então, senão

por motivos políticos e histórico-sociais, como veremos adiante?

Ademais, como justificar que, para concorrer a cargo diverso do que ocupe, o

candidato precise renunciar a esse cargo e, para concorrer ao mesmo cargo, ele pode continuar

no poder? Por que cônjuges, parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau necessitam

da renúncia de seus companheiros ou parentes em até seis meses antes do pleito, para serem

candidatos, e para os próprios candidatos a reeleição não se exige o mesmo? Seria isso

razoável e proporcional?

Nessa seara, segue as palavras do eminente Ministro Marco Aurélio:

Isso contraria, pelo menos, o que tenho como noção de bom senso, na interpretação do sistema constitucional como um todo. Não consigo imaginar a vigência simultânea dos parágrafos 6º e 7º, com a óptica até aqui prevalecente, quanto ao §5º do artigo 14. Por que, por exemplo, ‘são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção,’ se o próprio titular, para concorrer não a cargo diverso – aí, temos explicitada a necessidade de renúncia -, mas para concorrer ao mesmo cargo, pode neste permanecer e atravessar as eleições, com respaldo até psicológico a conduzir, portanto, a um desequilíbrio na disputa decorrente do exercício do cargo? 47

Observa-se, desse modo, a grande incoerência gerada no texto constitucional com

a instituição da reeleição no país. Como foi visto, juridicamente sem fundamentos. Passemos,

portanto, à analise dos fatores políticos que possam justificar tal adoção no sistema eleitoral

brasileiro.

3.3.2 ASPECTOS POLÍTICOS DA EMENDA 16/1997

Desde a sua instituição no país, a reeleição tem sido vista como uma forma de

perpetuação no poder de determinado grupo político ou liderança. Os legisladores a época

motivaram a implantação desse instituto no Brasil sob o argumento de que um único mandato,

quatro anos, é muito pouco para que os chefes do Executivo consigam realizar um grande

47 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Brasília. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 1805-2. Relator: Ministro Néri da Silveira. Brasília, 28 de março de 1998. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347277>. Acesso em: 05.out.2013.

31

projeto em seu governo. Mas, na verdade, há muitos mais fatos políticos por trás da aprovação

da Emenda nº 16/97.

Como se sabe, a Emenda Constitucional 16, ou emenda da reeleição, é datada de

04 de junho de 1997, pouco mais de um ano antes da eleição de 1998. O então Presidente da

República, Fernando Henrique Cardoso, estava auferindo enorme prestígio social e político

em razão do sucesso do Plano Real e da tão sonhada estabilidade econômica do país, após

tantos anos de inflação e mudanças de moedas. Foi, então, que, aproveitando-se desse

prestígio, e utilizando o argumento de que precisava de mais um mandato para dar

continuidade à estabilização econômica, que Fernando Henrique reelegeu-se a presidência. 48

Estudos realizados pelo jornalista Palmério Dória, desde 1993, sobre a vida do ex-

presidente Fernando Henrique Cardoso, trouxeram novamente a tona, entre outras histórias,

um dos maiores escândalos políticos que o país já viu, a compra de votos no Congresso a

favor da emenda da reeleição, esquema revelado pela “Folha” em 1997.

Segundo reportagem da “Folha” de 13/05/1997, “o deputado Ronivon Santiago

(PFL-AC) vendeu o seu voto a favor da emenda da reeleição por R$ 200 mil, segundo relatou

a um amigo. A conversa foi gravada e a “Folha” teve acesso à fita. Ronivon afirma que

recebeu R$ 100 mil em dinheiro. O restante, outros R$ 100 mil, seriam pagos por sem uma

empreiteira - a CM, que tinha pagamentos para receber do governo do Acre. Os compradores

do voto de Ronivon, segundo ele próprio, foram dois governadores: Orleir Cameli (partido),

do Acre, e Amazonino Mendes (PFL), do Amazonas.” 49

O detentor das gravações em que os deputados admitem a venda dos votos não

quis ter sua identidade revelada, e por isso, foi tratado pelo jornal como “Senhor X”. Somente

dezesseis anos após a reportagem, com o estudo realizado por Palmério Dória, o “Senhor X”

assumiu a autoria da gravação. Tratava-se do empresário e ex-deputado Narciso Mendes, 67

anos, que afirmou ter aceitado realizar as gravações e entregar ao repórter Fernando

Rodrigues, quem elaborou a série de reportagens da “Folha”, porque era contra a emenda da

reeleição que muito favoreceria FHC.

48 BRASIL. REELEIÇÃO E PERSONALISMO. LÚCIO FLÁVIO. Disponível em: <http://www.wscom.com.br/blog/lucioflavio/post/post/Reelei%C3%A7%C3%A3o+e+Personalismo-145>. Acesso em: 05.out.2013.

49 BRASIL. FOLHA ONLINE. CÍRCULO FOLHA. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/pre_mer_voto_1.htm>. Acesso em: 05.out.2013.

32

Além dos já mencionados, outros três deputados foram citados explicitamente nas

gravações feitas por Narciso Mendes, e as conversas davam a entender que dezenas de

deputados teriam cooperado no esquema. Na época, os fatos afetaram o governo, mas nunca

foram devidamente investigados. Uma tentativa de instauração de CPI foi silenciada, o então

Procurador-Geral, Geraldo Brindeiro, não pediu abertura de inquérito, e tudo foi esquecido.

Em entrevista também à “Folha”, dez anos depois, o ex-presidente FHC declarou:

“O Senado votou [a reeleição] em junho [de 1997] e 80% aprovou. Que compra de voto? (...)

Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB:

não foi. Por mim, muito menos." 50

Ainda cabe ressaltar nessa seara o voto do Ministro Marco Aurélio quando da

ADI 1805-2 supracitada. Nessa oportunidade ele fez a ressalva das razões históricas e

políticas para que o legislador aprovasse a Emenda 16/97 da forma como foi, e, nesse caso,

não seria papel do judiciário, em sede de controle de constitucionalidade, alterar a decisão do

legislativo. Manteve, então, a mesma linha de raciocínio que o fez proferir seu voto a favor da

liminar por não admitir “sob o mesmo teto constitucional a permanência e a necessidade de

afastamento se se pretende concorrer a cargo diverso.” 51

Dessa forma, não há como se precisar ao certo se realmente houve compra de

votos a favor da emenda ou não, visto que não houve inquérito ou processo concludente a

respeito. Porém, a partir do depoimento do próprio Presidente, é bastante provável que tenha

ocorrido, especialmente por se tratar de uma matéria que tanto mudou o processo eleitoral do

país e por muitos serem favorecidos com essa mudança.

O certo é que esses fatos, muito embora já esquecidos, deixam espaço para uma

análise de se realmente a Emenda 16/97 foi elaborada pensada no país, no sistema eleitoral, e

na democracia, ou foi instituída por motivos casuísticos e políticos, somente para dar

continuidade a um governo.

E assim, é forçoso concluir que, mesmo que houvesse grande necessidade jurídica

ou eleitoral para a instituição da reeleição no Brasil, sem tais aspectos políticos, se não 50 BRASIL. FOLHA DE SÃO PAULO. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/08/1334864-livro-contra-fhc-revela-fonte-que-provou-compra-de-votos-pela-emenda-da-reeleicao.shtml>. Acesso em: 05.out.2013.

51 BRASIL. O STF COMO INSTITUIÇÃO CONTRA-MAJORITÁRIA. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/333_Mariana%20Ferreira%20Cardoso.pdf>. Acesso em: 08.out.2013.

33

favorecesse aos governantes e à conjuntura política da época, ela, possivelmente, não seria

aprovada. E é em razão desse favorecimento político e legal que, embora muito se discuta em

retirar esse instituto do ordenamento jurídico brasileiro, como se verá adiante, nunca houve

efetividade.

3.4 O INSTITUTO DA REELEIÇÃO SEGUNDO ALÉXIS DE TOCQUEVILLE

O filósofo francês, Aléxis de Tocqueville, em 1831 embarcou para os Estados

Unidos a fim de estudar o sistema penitenciário do país. Ocorre que, seu estudo acabou por

mudar de rumo e decorrente dele e de outras reflexões, o pensador publicou o livro “A

democracia na América”.

Na obra, Tocqueville faz uma profunda avaliação acerca do processo reeletivo que

ainda afigura-se extremamente atual.

O pensador prevê a possibilidade de crises, corrupção e uso da estrutura e dos

bens públicos em favor de uma reeleição e diz:

A intriga e a corrupção são os vícios naturais dos governos eleitos. Mas quando o chefe de Estado pode ser reeleito, esses vícios estendem-se indefinidamente e comprometem a própria existência do país. Quando um simples candidato quer vencer pela intriga, suas manobras só podem exercer-se em espaço restrito. Quando, ao contrário, o chefe de Estado entra também na disputa, usa em seu próprio proveito a força do governo. No primeiro caso, é um homem com seus parcos meios; no segundo, é o próprio Estado, com seus imensos recursos, que intriga e corrompe. 52

Ainda acrescenta: "Não reelegível, o presidente não seria independente do povo,

pois não cessaria de ser responsável diante dele; mas os favores do povo não lhe seriam tão

necessários a ponto que devesse inclinar-se diante de todas as suas vontades”. 53

52 TOCQUEVILLE, Aléxis de. A Democracia na América. Tradução de J. G. Albuquerque. São Paulo: Abril, 1985, p. 211.

53 TOCQUEVILLE, Aléxis de. A Democracia na América. Tradução de J. G. Albuquerque. São Paulo: Abril, 1985, p. 211.

34

Por conseguinte, o autor indica que o instituto da reeleição é nocivo à

administração do Poder Executivo:

É impossível considerar a marcha normal dos negócios de Estado sem perceber que o desejo de ser reeleito domina os pensamentos do presidente, que toda a política de sua administração tende para esse ponto; que as suas menores providência são subordinadas àquele objetivo; sobre tudo, que à medida que se aproxima o momento da crise, o interesse individual substitui-se no seu espírito ao interesse geral. Por isso, o princípio da reeleição torna a influência corruptora dos governos eletivos mais extensa e mais perigosa. Tende a degradar a moral política do povo e a substituir o patriotismo pela habilidade. 54

Com base nas citações acima transcritas, é possível observar que, segundo

Tocquevile, um simples candidato pode utilizar de meios ilegais e fraudulentos para chegar ao

poder. Quando é dada a oportunidade para o detentor de um cargo ser reeleito, este, além de

poder utilizar esses mesmos meios de um candidato comum, ainda possui todo o poder e a

estrutura de um Estado a seu favor. Ou seja, se o candidato que já possui um mandato quiser

se utilizar de manobras ilegais para garantir sua reeleição, ele terá ainda mais facilidades, pois

possui toda a força da administração pública do seu lado.

3.5 O INSTITUTO DA REELEIÇÃO NA ATUALIDADE

Desde antes da instituição da emenda 16/97 muito se discute no país sobre a

realização de uma reforma política. A emenda da reeleição foi, inclusive, como já foi dito

anteriormente, justificada como uma tentativa de iniciar uma reforma. Porém, como já fora

explanado, havia muitos mais motivos políticos do que razões jurídicas necessárias à

implantação da reeleição no ordenamento brasileiro.

Em razão disso e de todas as discussões acerca de reforma política, desde a

instituição da reeleição, fala-se em abolir o referido instituto do sistema eleitoral do país, ou

pelo menos, sanar a incoerência gerada por ele no texto constitucional, como já foi visto.

A tentativa mais palpável até então foi a PEC 44/2000, ou, como ficou conhecida,

“a emenda Nabor Júnior”, em razão do nome do Senador que a projetou. O projeto de emenda

visava dar continuidade ao instituto da reeleição, preservando os princípios da eficiência, e

não solução de continuidade do serviço público, mas com a restrição do candidato permanecer 54 TOCQUEVILLE, Aléxis de. A Democracia na América. Tradução de J. G. Albuquerque. São Paulo: Abril, 1985, p. 211.

35

no cargo. Isto é, o gestor, candidato à reeleição deveria se desincompatibilizar, por meio da

renúncia ao cargo, evitando a quebra do princípio da igualdade de concorrência no pleito

eleitoral, diante do perigo do “uso da máquina” e da estrutura do poder.

Ocorre que, no dia 20.06.2000, a PEC 44/2000 foi rejeitada por falta de quorum

constitucional. Na votação, havia apenas 68, dos 81 senadores, sendo que 34 votaram a favor

da PEC, 33 votaram contra e houve uma abstenção. Permaneceu, portanto, a reeleição sem

previsão de desincompatibilização. 55

No início de setembro deste ano, um grupo formado por dezesseis deputados

federais, encarregados de elaborar uma proposta de reforma política aprovou duas grandes

mudanças no sistema eleitoral: o fim da reeleição para cargos do poder Executivo e a

coincidência de todas as eleições a partir de 2018. Na votação que tratou sobre o fim da

reeleição para chefes do poder Executivo, houve 8 votos a favor, um contra e duas abstenções. 56

É claro que as matérias precisam ainda ser submetidas aos plenários da Câmara e

do Senado para que passem a valer, mas já é possível observar o desejo dos legisladores em

derrubar a emenda 16/97.

55 LENZA, Pedro; CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua; CERQUEIRA, Camila Albuquerque. Direito eleitoral – col. esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.547.

56 BRASIL. G1 POLÍTICA. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/09/deputados-aprovam-coincidencia-de-mandatos-e-fim-da-reeleicao.html>. Acesso em: 08.out.2013.

36

4 O INSTITUTO DA REELEIÇÃO PARA CHEFES DO PODER EXECUTIVO

MUNICIPAL EM FACE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA

Neste momento do trabalho, cumpre-se analisar, especificamente, o instituto da

reeleição para chefes do poder Executivo em face ao princípio constitucional da isonomia.

Porém, é preciso, antes de mais nada, abordar algumas questões administrativas e eleitorais,

como o abuso de poder, improbidade, e as condutas vedadas aos agentes públicos em

campanha eleitoral, para que se observe como há grande desigualdade entre um candidato

detentor de mandato e outro candidato que não está no poder.

4.1 CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHA

ELEITORAL

A emenda constitucional 16/97 foi promulgada em junho de 1997 e, em setembro,

do mesmo ano, a Lei 9.504/97 já regulava o processo eleitoral, prevendo, inclusive, a

reeleição.

37

O artigo 73 da referida lei trouxe diversas condutas vedadas aos agentes públicos

em campanha, esse rol foi visto como um anteparo à reeleição, uma forma de proteger a

administração pública e o pleito eleitoral do candidato à reeleição.

Agentes públicos são quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem

remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de

investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da

administração pública direta, indireta ou fundacional; logo alcança mandatários, como

Prefeitos, Governadores, ou outras funções, como assessores, servidores públicos, entre

outros.

O interesse direto são os detentores de mandato eletivo, tendo em vista as

possíveis condutas que possam afetar a igualdade de oportunidade entre os candidatos durante

a disputa eleitoral.

Todo o texto da lei 9.504/97 foi elaborado com a preocupação de que se tenha um

tratamento isonômico durante a disputa eleitoral, evitando o desequilíbrio entre os candidatos.

38

Porém, como já foi citado, é o artigo 7357 da referida lei que arrola as condutas vedadas aos

agentes públicos em campanha. 58

Não cabe, e não seria razoável, uma análise acurada de cada um dos incisos deste

artigo, visto que são muitas condutas e teorias acerca de cada uma. O que cabe demonstrar da

leitura do artigo é que houve a preocupação do legislador em tentar manter a igualdade entre

os candidatos no pleito eleitoral, sem, todavia prejudicar a administração pública.

A esse respeito, afirmou o Ministro Caputo Bastos: “A intervenção da Justiça

Eleitoral há de se fazer com o devido cuidado no que concerne ao tema das condutas vedadas, 57 “São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária; II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram; III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado; IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público; V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados: a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança; b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República; c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo; d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários; VI - nos três meses que antecedem o pleito: a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública; b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral; c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo; VII - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.

39

a fim de não se impor, sem prudencial critério, severas restrições ao administrador público no

exercício de suas funções.” (Acórdão n. 24.989/2005) 59

Nas palavras do o ex Procurador-Geral Eleitoral, Dr. Roberto Gurgel:

a finalidade do artigo 73 a 77 da Lei n. 9.504/97 não foi a de criar cenário de ‘castidade política’, como também não é o caso de transformar a disputa eleitoral numa grande confraternização entre adversários, ou imaginar que o pleito eleitoral possa transformar-se em um grande ‘chá das cinco’, como afirma com sua grande sensibilidade, o não menos eminente Ministro Peçanha Martins. A finalidade do art. 73 e seguintes é impedir o abuso de poder político, para se preservar o equilíbrio e a igualdade entre os candidatos nos pleitos eleitorais. 60

Nota-se, por exemplo, que ao proibir o uso promocional em favor de candidato,

partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social

custeados pelo Poder Púbico, o legislador buscou proibir o desvio de finalidade dos

programas governamentais, como bolsa escola, entrega de ambulâncias, verbas para

associações comunitárias.

Nesse caso, os programas não podem ser interrompidos e, por óbvio, a lei não

ordena que os sejam. Porém, a legislação determina que não podem ser utilizados para

favorecer determinado candidato ou coligação.

Ocorre que, é inevitável a confusão gerada entre a pessoa do gestor e a pessoa do

candidato. Não há como desvincular, na psicologia do eleitorado, o promotor dessas ações

VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.”

58 LENZA, Pedro; CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua; CERQUEIRA, Camila Albuquerque. Direito eleitoral – col. esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.549.

59 LENZA, Pedro; CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua; CERQUEIRA, Camila Albuquerque. Direito eleitoral – col. esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.562.

60 LENZA, Pedro; CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua; CERQUEIRA, Camila Albuquerque. Direito eleitoral – col. esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.556.

40

sociais, da figura do candidato. E é esta a grande questão da desigualdade durante a campanha

eleitoral entre os candidatos, principalmente, em pequenos municípios.

Esse fato encontra-se provado neste e nos últimos dois governos presidenciais, em

que a grande massa do país associou o Programa Bolsa Família aos governos de Lula e Dilma,

dando a eles os mais altos índices de popularidades de presidentes já vistos, dando ao Lula sua

reeleição e à eleição da Presidente Dilma. 61

Vislumbra-se, assim, que, mesmo com a tentativa do legislador em proibir

determinadas atitudes dos gestores para que o seu mandato e suas ações não interfiram no

resultado do pleito, não há como desvincular a figura do administrador e do candidato na

mente do eleitorado. E tanto sabem disso, que os gestores se empenham no seu primeiro

mandato para conseguirem sua reeleição.

4.2 ANÁLISE SOBRE AS CASSAÇÕES DOS PREFEITOS REELEITOS EM 2008 NO

ESTADO DO PIAUÍ

Em pesquisa autoral realizada, no ano de 2012, em parceria com o Professor

Carlos Yuri Araújo de Moraes62, foi elaborada uma análise a respeito das cassações dos

prefeitos eleitos em 2008 no estado do Piauí, estado esse que obteve o maior número de

prefeitos cassados nas eleições do referido ano. A pesquisa deteve-se à leitura e ao acurado

estudo dos acórdãos, proferidos pelos TER-PI, de todos os prefeitos, eleitos em 2008, que

foram cassados posteriormente pela Corte Eleitoral do estado.

Convém, para melhor explanação do presente trabalho, abordar algumas

conclusões advindas dessa pesquisa, tratando tão somente das cassações dos prefeitos

piauienses que tentavam a reeleição que mais se enquadram no objeto desse estudo.

61 BRASIL. ANÁLISE INTRODUTÓRIA DOS DETERMINANTES DA ELEIÇÃO DE DILMA. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&ved=0CEUQFjAE&url=http%3A%2F%2Fojs.c3sl.ufpr.br%2Fojs%2Findex.php%2Fret%2Farticle%2Fdownload%2F26620%2F17734&ei=iYRmUsK1JcP_kAesj4DABA&usg=AFQjCNE5rkAvYd230RZjFwsvTYWCcKm9dg&bvm=bv.55123115,d.eW0&cad=rjt>. Acesso em: 10.out.2013.

62 Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí (2001), exerce atividades de pesquisa junto a grupo da Universidade Federal do Piauí, mestrando em Direito pela Unisinos, Advogado e professor.

41

Para tanto, é necessário discorrer, de modo sintético, como se deu a cassação de

cada gestor, em cada município. Fazendo, no entanto, um corte na quantidade de casos

analisados, em razão do volume do presente trabalho e do nível do interesse que cada caso

possui a este estudo.

Passemos, então, à análise resumida dos fatos, acórdãos e votos proferidos pelo

TRE-PI.

4.2.1 ANGICAL DO PIAUÍ - PI

Ana Márcia Leal da Costa Sousa (prefeita) e Alberto Ribeiro Soares (vice-

prefeito), da coligação ‘Fazendo o futuro de Angical’ PTB / PRB / PP / PDT / PT / PMDB /

PR / PPS / PV foi cassada em AIME por abuso de poder político e econômico, art. 22 da lei

64/90.

A AIME foi ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral sob o fundamento de que

nos últimos três meses anteriores às eleições de 2008, a prefeita, com o conhecimento do vice-

prefeito, promoveu várias contratações irregulares no município, empregando eleitores com o

fim de obter votos e exonerando os contratados que não fossem seus eleitores.

Os Impugnados alegaram que as contratações ocorreram antes dos três meses que

antecediam o pleito e foram realizadas em consonância com a lei para substituir professores

que se afastaram em virtude do gozo de licenças ou aposentadoria. Aduziram ainda que os

contratados tinham ciência que seria uma contratação temporária, pois haveria um concurso

para o cargo em 2009.

A Juíza eleitoral de primeira instância julgou improcedente a ação em razão da

ausência de provas.

Nos depoimentos e provas materiais há indícios de contratações de professores,

sem que houvesse nenhum processo seletivo, para ocupar as vagas em aberto de outros que

pediram licença prêmio, licença em vencimento e aposentadoria. Porém, as contratações se

deram, em geral, no dia 02.06.2008, data limite para a contratação na forma da lei, e, antes

mesmo dos professores requererem seus afastamentos. Há ainda, contratações para outros

cargos, por apenas três meses, com um salário mensal de 60 (sessenta) reais. De forma que

vários eleitores pudessem ser agraciados com o emprego. Há que se observar ainda que há um

número muito superior de contratações no ano de 2008, do que nos anos anteriores do

mandato.

42

O abuso de poder foi considerado potencialmente grave pela contratação de

professores para substituição de outros, que sequer haviam requerido sua licença ou

aposentadoria ainda, e pela contratação de outros cargos pelo tempo de três meses com

salários de 60 reais, com fins eleitoreiros. 63

4.2.2 SÃO PEDRO DO PIAUÍ - PI

Higino Barbosa Filho (Prefeito) e Mariano (Vice-Prefeito), da coligação: “Juntos

Continuando a Reconstrução” PP / PMDB / PT, foram cassados em AIME, em razão de

Abuso de poder político e econômico (artigo 22 da lei 64/90), captação ilícita de sufrágio

(artigo 1º, inciso I, alínea J da lei 64/90) e conduta vedada a agente público (Art. 73, V, da lei

9.504/97).

Matias Araújo da Silva, ajuizou a AIME sob fundamento de que na véspera do

pleito eleitoral, o Prefeito eleito e cabos eleitorais doaram quantia em espécie em troca do

voto de diversos eleitores da municipalidade. Aduziu, ainda, que o Prefeito, nos três meses

anteriores à eleição, período considerado vedado, contratou servidores para "capina e remoção

de entulhos em rua, retirada e limpeza de resíduos sépticos de fossas de colégio, serviço de

pedreiro, manutenção de poços, etc. no intuito de angariar voto.

Os Impugnados, em sua defesa, alegaram que não houve distribuição de dinheiro

e que, em nenhum momento, o Prefeito autorizou ou participou de atos relativos à compra de

votos. Sobre as contratações supostamente irregulares, afirmaram que estas se deram em

virtude do afastamento justificado de cinco professores. Além disso, aduziram ainda que os

contratados não possuíam domicílio em São Pedro, descaracterizando a finalidade eleitoreira.

O Juiz Eleitoral proferiu decisão julgando improcedentes os pedidos insertos na

AIME, por entender que embora as contratações tenham sido reconhecidamente realizadas,

não é possível precisar se o fato foi determinante no resultado da eleição.

Por meio de depoimentos testemunhais e documentos apresentados pelo

Recorrente constatou-se a efetiva realização de contratações irregulares, bem como a compra

de votos por parte dos Impugnados, o que veio por desequilibrar ilicitamente a disputa.

As contratações, por serem efetivadas no período que antecedia o pleito, e em sua

maioria não essenciais, caracterizaram a utilização da máquina administrativa em prol do

63 BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. AIME 139-PI. Relator: Dr. Luiz Gonzaga Soares Filho. Teresina, 26 de agosto de 2010. Disponível em: <http://tre-pi.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16812588/acao-de-impugnacao-de-mandado-eletivo-aime-139-pi>. Acesso em: 20.out.2013.

43

candidato, configuram abuso de poder político e econômico, potencialmente lesivos ao pleito.

A captação ilícita de sufrágio foi constatada através dos depoimentos das testemunhas que

confirmaram a compra de votos. 64

4.2.3 NOSSA SENHORA DOS REMÉDIOS - PI

Raimundo Paulo Silva (prefeito) e Perpétua Fortes Rodrigues Sampaio Neta (vice-

prefeita), da coligação ‘A vitória da força do povo’ PR/PC do B/PTB/PP/PMDB/DEM/PT,

foram cassados por meio de AIME, devido a abuso de poder político e econômico e captação

de sufrágio. Art. 22 da LC 64/90 c/c art. 41-A da lei 9504/97.

A AIME foi ajuizada por Francisco Pessoa de Brito e José Francisco Carvalho

Costa, ressaltando que o Sr. Raimundo Paulo Silva substituiu o ex-prefeito, Ronaldo César

Lages Castelo Branco, que teve sua candidatura indeferida pelo TRE na véspera da eleição,

beneficiando-se do abuso de poder praticado pelo ex-prefeito. Alegou que houve a liberação

de passagens em transporte alternativo e a doação de materiais de construção em troca de

votos, a agressão e ameaça, inclusive de funcionários da Prefeitura, e o condicionamento do

pagamento de salários destes funcionários ao voto no ex-prefeito.

A defesa negou os fatos e aduziu que a dona da empresa de transporte alternativo

é adversária política do ex-prefeito e agiu de má-fé, colocando as datas das viagens no

período de julho a setembro de 2008, enquanto as passagens foram liberadas em 2007 para

pessoas necessitadas ou que prestavam serviço ao município. Além disso, afirmou que as

autorizações de passagens e compra de materiais de construção não eram de grafia do ex-

prefeito e suscitaram perícia em documentos, fotografias, CDs e DVDs.

A Juíza Eleitoral de primeira instância proferiu decisão, julgando a AIME

parcialmente procedente. O Procurador Regional Eleitoral opinou pela manutenção da decisão

que julgou procedente a AIME.

As testemunhas de defesa confirmaram a doação de passagens de transporte

alternativo, mas disseram que se tratava de um programa de assistência da Prefeitura.

Para o TRE, não foi possível dissociar os fatos alegados dos candidatos

recorrentes, pois resta claro que ele foi beneficiado com as atitudes do ex-prefeito. Foi

64 BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. AIME 12-PI. Relator: Dr. Ricardo Gentil Eulálio Dantas. Teresina, 03 de novembro de 2009. Disponível em: <http://tre-pi.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23157919/acao-de-impugnacao-de-mandado-eletivo-aime-4089-pi-trepi>. Acesso em: 20.out.2013.

44

constatado o oferecimento de passagens em transporte alternativo e materiais de construção

em troca de voto e agressão e ameaça, a fim de coagir eleitores. 65

4.2.4 JOSÉ DE FREITAS - PI

Robert de Almendra Freitas (prefeito) e Carlos Estevam Sales de Oliveira (vice-

prefeito), da coligação: PSL/PR/PTB/PSDB/PMN/DEM/PSB, foram cassados por meio da

AIME, por Captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico. Art. 41-A da lei

9.504/97 e art. 22 da LC 64/90.

A AIME foi ajuizada pela Coligação ‘A vitória que vem do povo’, formada pelos

partidos PTN/PC do B/PP/PDT/PRB/PPS/PT sob o fundamento de que houve por parte do

impugnado abuso de poder político e econômico, práticas de condutas vedadas a agentes

públicos e captação ilícita de sufrágio. Consubstanciam tais alegações afirmando que houve a

distribuição de bens e dinheiro por parte do filho do candidato a prefeito (Bob) e do vereador

Professor José Luis; que houve oferecimento de vantagens a eleitores; distribuição de

camisetas; perfuração de poço; distribuição de água a eleitores do Bairro Deus me deu;

implementação de sistema de abastecimento de água na Comunidade Tinguis em 03 de

setembro de 2008; contratação de funcionários em período vedado; distribuição de telhas;

abuso de poder econômico na prestação de contas da campanha; utilização de carros alugadas

pela Prefeitura a campanha; pagamento das despesas do comitê eleitoral com recursos da

Prefeitura; realização de despesas antes da abertura de conta corrente; incompatibilidade entre

o que o candidato declarou possuir e o valor dos recursos próprios empregados na campanha;

Os impugnados, em sua defesa, sucintamente negam o fato de haver captação

ilícita de sufrágio, abuso de poder político e econômico e alegam que, mesmo que fossem

verdadeiros tais fatos, não houve potencialidade lesiva ao pleito, pois só há o depoimento

testemunhal de 2 eleitores denunciando a compra de votos.

A Juíza Eleitoral reconheceu que houve a prática de abuso de poder econômico e

político e a captação ilícita de sufrágio pelo filho do candidato a prefeito, mediante a

distribuição de dinheiro aos eleitores, e pelo próprio prefeito, através de perfuração de poços,

implantação de sistema de abastecimento de água nas comunidades Tinguis e São Raimundo,

distribuição de telhas, pelo menos, ao eleitor Osvaldo Rodrigues Ferreira e contratação de

65 BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. AIME 17-PI. Relator: Dr. Ricardo Gentil Eulálio Dantas. Teresina, 13 de outubro de 2009. Disponível em: <http://tre-pi.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23550390/acao-de-impugnacao-de-mandado-eletivo-aime-17-pi-trepi>. Acesso em: 20.out.2013.

45

servidores em período vedado. Observou ainda que tais condutas tiveram grande

potencialidade no resultado da eleição. Porém, não acolheu a alegação de distribuição de

camisetas a eleitores devido a ausência de provas. Deste modo, julgou procedente a AIME,

cassando os candidatos Robert Freitas e Carlos Estevam.

O Procurador Regional Eleitoral opinou pela manutenção da sentença que

destituiu os mandatos.

O TRE considerou que houve distribuição de bens e dinheiro por parte do filho do

candidato a prefeito (Bob) e do vereador Professor José Luis, distribuição de água a eleitores

de alguns bairros, implementação de sistema de abastecimento de água Comunidade Tinguis

em 03 de setembro de 2008, construção de escola publica e realização de obras. 66

4.2.5 FRONTEIRAS – PI

Osmar Sousa (prefeito) e Norberto Ângelo Pereira Neto (vice-prefeito), da

coligação: PDT/PTB/DEM/PC do B, foram cassados por meio de RCED, por Captação Ilícita

de sufrágio e abuso de poder político e econômico. Art. 41-A da lei 9.504/97 e art. 22 da LC

64/90.

O RCED foi ajuizado por Eudes Agripino Ribeiro e Alexander Lucena Sampaio,

sob a alegação de que o Sr. Osmar Sousa, candidato a reeleição, utilizando-se do cargo de

prefeito e, por meio de servidores da prefeitura, distribuiu, nas dependências internas da

Prefeitura, dinheiro aos eleitores em troca de voto. Afirmam que no dia 22.08.08, o MPE e a

PM local presenciaram um grande número de pessoas em frente a Prefeitura, dispostas em 2

filas, umas recebendo o salário e outras dinheiro em troca de votos. Nessa situação foram

apreendidas as folhas de pagamento dos funcionários e a quantia de R$ 15.230,00. Noticiam

ainda que foi realizada uma operação policial na casa do Prefeito, em que foram encontrados

vários documentos com sua grafia que comprovam a captação ilícita de votos, o abuso de

poder econômico e político e o transporte irregular de eleitores no dia da eleição. Desses

documentos se desprendeu que eleitores receberam passagens no valor de R$ 24.570,00,

remédios no valor de R$ 4.000,00, exames e viagens no valor de R$ 4.009,00, e aparelhos

celulares no valor de R$ 2.700,00.

66 BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. AIME 25-PI. Relator: Dr. Marcelo Oliveira. Teresina, 09 de novembro de 2010. Disponível em: <http://tre-pi.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23173985/acao-de-impugnacao-de-mandado-eletivo-aime-25-pi-trepi>. Acesso em: 20.out.2013.

46

Em sua defesa, os candidatos recorridos alegam que não houve distribuição de

dinheiro na Prefeitura em troca de votos, mas sim pagamento aos munícipes que participam

do programa de auxílio financeiro a carentes, programa este que é continuado desde 2003.

Sustentam ainda a inexistência dos documentos referidos, supostamente encontrados na casa

do Prefeito e, mesmo que existam, não são de autoria do recorrido, nem se referem a compra

de votos.

O MPE opinou pelo conhecimento e provimento do recurso, pugnando pela

destituição dos mandatos dos recorridos e a realização de novas eleições.

O TRE, após os depoimentos das testemunhas ouvidas na fase de inquérito,

considerou que restou configurado o oferecimento de dinheiro a eleitores em troca de votos e,

tendo em vista a vultuosa quantia em dinheiro envolvida, pertencente a Prefeitura, constata-se

também o abuso de poder político e econômico. Porém não considerou comprovado o

transporte irregular de eleitores em troca de voto, por ausência de provas. 67

5 CONCLUSÃO

67 BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. RCED 25-PI. Relator: Dr. Gonzaga Viana Filho. Teresina, 30 de setembro de 2010. Disponível em: <http://tre-pi.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23172414/recurso-contra-expedicao-de-diploma-rced-25-pi-trepi>. Acesso em: 20.out.2013.

47

Conforme exposto nesse breve ensaio, muito embora o legislador tenha tido a

preocupação de, logo após a entrada em vigência da emenda 16/97, editar a lei 9.504/97, para

proibir certas condutas dos agentes públicos em campanha eleitoral, a fim de diminuir as

desigualdades existentes entre um candidato detentor de mandato eletivo e outro não detentor,

tal atitude não foi muito eficaz, pois então se criou outro problema, a questão do ativismo do

judiciário no âmbito eleitoral.

Com a permissão da reeleição e a lei 9.504/97 arrolando condutas vedadas aos

agentes públicos em campanha eleitoral, os juízes eleitorais, Tribunais Regionais Eleitorais e

o próprio Tribunal Superior Eleitoral passaram a atuar de modo mais decisivo nas eleições,

pois, como foi explanado no capítulo 4, verificadas as condutas vedadas, o abuso de poder,

seja econômico ou político, e a captação ilícita de sufrágio, os juízes e tribunais cassam os

mandatos de prefeitos que buscam a reeleição.

Resta, portanto, a dúvida sobre a qualidade da atual democracia, visto que o voto

consciente de muitos eleitores passa a ser deixado de lado em virtude da Justiça Eleitoral

considerar ilegítimo um mandato em razão de alguns votos viciados.

Ademais, foi demonstrado que a reeleição não foi instituída no país com o fim de

privilegiar um bom governante, nem tampouco, para dar continuidade a um projeto de

governo. Até mesmo porque, como afirma Tocqueville, o primeiro mandato é planejado para

que o governante consiga o segundo; o mandato é todo trabalhado e organizado para que o

chefe do poder executivo possa ser reeleito, não há um plano de governo visando o futuro, a

longo prazo, mas imediatista, pensado na reeleição, sendo isso altamente nocivo à

administração pública e ao desenvolvimento do país, estados e municípios.

O instituto da reeleição foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro em razão

de uma conjuntura política e histórica, restando, inclusive, dúvidas a respeito do modo pelo

qual se deu a aprovação da emenda constitucional 16/97, falando-se em um escândalo até

então não comprovado de compra de votos de deputados por parte do governo federal da

época.

O que é inegável, todavia, é que a inserção do instituto da reeleição foi prejudicial

à democracia, como já foi dito acima, à administração pública em todas as suas esferas e ao

pleito eleitoral, foco do presente trabalho.

Na esfera municipal, aqui em estudo, e com base na análise acurada de todos os

acórdãos de cassação dos prefeitos piauienses eleitos em 2008, exemplificados no capítulo 4,

verifica-se que os gestores não conseguem desvincular as suas ações de administrador das

48

suas ações de candidatos, pois as duas figuras confundem-se até mesmo na cabeça do eleitor,

sendo, assim prejudicial ao governo.

A administração do município praticamente para, pois se exige do gestor que não

se contrate servidores, que não se realize obras, que não faça sequer um abastecimento de

água em uma pequena comunidade, como nos casos citados dos municípios de José de Freitas

e São Pedro do Piauí, por três meses até a data da eleição. E então como proceder diante de

casos emergenciais, de falta de professor, por exemplo? Além do que, ainda que não

houvessem essas exigências legais, é sabido que uma campanha eleitoral requer bastante

tempo do candidato e de seus correligionários em razão de todos os compromissos, tempo

esse que deveria ser integralmente dedicado ao governo, para o bem da gestão e para que não

faltasse nada à população.

Por fim, é nocivo ao pleito eleitoral, pois gestor e candidato se confundem. O

eleitor de um pequeno município, sem muita instrução, não consegue distinguir as duas

figuras. Sabendo disso, o candidato à reeleição utiliza de cargos, programas sociais, e toda a

estrutura que um governo fornece para conseguir ser reeleito. Evidentemente, uma enorme

vantagem frente a candidatos que não possuem a mesma estrutura.

Por todo o exposto, é notória a nocividade desse instituto à administração pública,

ao sistema eleitoral e à democracia, sendo, portanto, necessário que os legisladores analisem a

proposta de reforma eleitoral, citada no capítulo dois, que está em andamento com a visão do

presente trabalho, e não mais com a visão política de favorecimento, retirando, assim, esse

instituto do ordenamento jurídico brasileiro, visto que, embora tenham tentado amenizar a

desigualdade entre os candidatos, com a lei 9.504/97, como foi visto, não há como diminuir

por inteiro, ferindo ainda o pleito eleitoral e levando o problema à Justiça Eleitoral.

REFERÊNCIAS

49

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito Constitucional do Trabalho - Estudos em Homenagem ao prof. Amauri Mascaro do Nascimento. Ed. Ltr, 1991, Vol. I.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 7ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997.

DA SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Positivo. Editora Revista dos Tribunais, 1990.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012.

BARROS, Francisco Dirceu. Direito Eleitoral: teoria, jurisprudência e mais de 1.000 questões comentadas. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

WOCHNICKI, Daniela. Direito Eleitoral para iniciantes.  Disponível em: <http://www.pensandodireito.net/Downloads/Apostilas/Direito%20Eleitoral%20para%20Iniciantes.pdf>. Acesso em: 05.out.2013.

KNEIPP, Bruno Burgarelli Albergaria. A pluralidade de partidos políticos. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

SALGADO, Eneida Desiree. Princípios Constitucionais estruturantes do Direito Eleitoral. Curitiba. 2010.

MORELLI, Daniel Nobre; MORELLI, Daniel Nobre. Notas sobre Pluralismo Político e Estado Democrático de Direito. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 06 de dez. de 2007.Disponivel em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/4629/Notas_sobre_Pluralismo_Politico_e_Estado_Democratico_de_Direito >. Acesso em: 13 de fev. de 2014.

BRASIL. Lei 9.504 de 1997. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.

COELHO, Marcus Vinícius Furtado. Direito Eleitoral e Processo Eleitoral: Direito Penal Eleitoral e Direito Político. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. P. 84-85.

LENZA, Pedro; CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua; CERQUEIRA, Camila Albuquerque. Direito eleitoral – col. esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In.: Vade Mecum: acadêmico de direito. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.

BRASIL. ELEIÇÃO. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%A3o>. Acessado em 03.out.2013.

MALUF, Sahid; MALUF NETO, Miguel Alfredo. Teoria geral do estado. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 1993.

50

HAMILTON, Alexander. O Poder Executivo. In: HAMILTON, Alexander; Jay, John; MADISON, James. O federalista. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1984, p. 553-566.

BRASIL. REELEIÇÃO E PERSONALISMO. LÚCIO FLÁVIO. Disponível em: <http://www.wscom.com.br/blog/lucioflavio/post/post/Reelei%C3%A7%C3%A3o+e+Personalismo-145>. Acesso em: 03.out.2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Brasília. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 1805-2. Relator: Ministro Néri da Silveira. Brasília, 28 de março de 1998. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347277>. Acesso em: 03.out.2013.

ATALIBA, Geraldo. Eficácia dos Princípios Constitucionais – República - Periodicidade e Alternância – Reeleição das Mesas do Legislativol. Revista de Direito Público. São Paulo: RT, 1980, nº 55-56.

BRASIL. FOLHA ONLINE. CÍRCULO FOLHA. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/pre_mer_voto_1.htm>. Acesso em: 05.out.2013.

BRASIL. FOLHA DE SÃO PAULO. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/08/1334864-livro-contra-fhc-revela-fonte-que-provou-compra-de-votos-pela-emenda-da-reeleicao.shtml>. Acesso em: 05.out.2013.

BRASIL. O STF COMO INSTITUIÇÃO CONTRA-MAJORITÁRIA. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/333_Mariana%20Ferreira%20Cardoso.pdf>. Acesso em: 08.out.2013.

BRASIL. G1 POLÍTICA. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/09/deputados-aprovam-coincidencia-de-mandatos-e-fim-da-reeleicao.html>. Acesso em: 08.out.2013.

BRASIL. ANÁLISE INTRODUTÓRIA DOS DETERMINANTES DA ELEIÇÃO DE DILMA. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&ved=0CEUQFjAE&url=http%3A%2F%2Fojs.c3sl.ufpr.br%2Fojs%2Findex.php%2Fret%2Farticle%2Fdownload%2F26620%2F17734&ei=iYRmUsK1JcP_kAesj4DABA&usg=AFQjCNE5rkAvYd230RZjFwsvTYWCcKm9dg&bvm=bv.55123115,d.eW0&cad=rjt>. Acesso em: 10.out.2013.

TOCQUEVILLE, Aléxis de. A Democracia na América. Tradução de J. G. Albuquerque. São Paulo: Abril, 1985.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. AIME 139-PI. Relator: Dr. Luiz Gonzaga Soares Filho. Teresina, 26 de agosto de 2010. Disponível em: <http://tre-pi.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16812588/acao-de-impugnacao-de-mandado-eletivo-aime-139-pi>. Acesso em: 20.out.2013.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. AIME 12-PI. Relator: Dr. Ricardo Gentil Eulálio Dantas. Teresina, 03 de novembro de 2009. Disponível em: <http://tre-pi.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23157919/acao-de-impugnacao-de-mandado-eletivo-aime-4089-pi-trepi>. Acesso em: 20.out.2013.

51

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. AIME 25-PI. Relator: Dr. Marcelo Oliveira. Teresina, 09 de novembro de 2010. Disponível em: <http://tre-pi.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23173985/acao-de-impugnacao-de-mandado-eletivo-aime-25-pi-trepi>. Acesso em: 20.out.2013.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. RCED 25-PI. Relator: Dr. Gonzaga Viana Filho. Teresina, 30 de setembro de 2010. Disponível em: <http://tre-pi.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23172414/recurso-contra-expedicao-de-diploma-rced-25-pi-trepi>. Acesso em: 20.out.2013.