UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Sociologia e Ciência Política Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política
Nação e nacionalismo no pensamento político de Max Weber
João Gabriel Vieira Bordin
Artigo realizado para a disciplina Teoria Social Clássica, nível mestrado, ministrada
pelo Prof. Ernesto Seidl, como requisito para a obtenção de conceito.
Este artigo é um esboço. Não citar.
1º Semestre de 2014
2
1. Introdução: Weber e a política
Pode-se dizer que Weber sempre foi um incompreendido em matéria de política.
Declarações suas a propósito da Primeira Guerra Mundial, “grande e maravilhosa”,
assim como o tom e estilo de muitos de seus discursos, deram margem para que fosse
acusado de imperialista e elitista democrático1. Um dos primeiros críticos da política
weberiana caracterizou-o como um “Maquiavel da idade do aço” (MAYER, 1985,
p.81). Certamente essas acusações se fundamentam sobre algo mais sólido do que meras
declarações polêmicas proferidas da tribuna. A defesa que fazia Weber do conceito
alemão de Estado-potência (Machtstaat2) em nome do que considerava interesses
nacionais – e a solução, no mínimo, xenofóbica que adereçava à “questão polonesa”
(BOATCA, 2013) –, bem como seu entendimento da democracia de massas,
necessariamente apoiada numa minoria, cujo problema central é a um só tempo a
garantia da liderança e o controle da burocracia – que ele buscou solucionar pela via da
democracia parlamentar e, posteriormente, plebiscitária ou presidencialista (SELL,
2010; 2011) –, são muito mais importantes para essa caracterização negativa.
Entretanto, o pensamento político de Weber certamente era muito mais complexo
do que esses rótulos fazem supor. Assim, embora entusiasmado com a guerra, ele não se
rendeu ao ufanismo otimista que tomou seus compatriotas e, desde sua trincheira
intelectual, fez severas invectivas contra as estratégias equivocadas do “diletante”
Kaiser e do Estado-Maior alemão, as quais lhe renderam acusações de agente
estrangeiro, antialemão e derrotista. Além disso, por mais que acreditasse na ideia de
que a Alemanha, devido às suas características e à sua posição na constelação moderna
de nações, tinha um papel de potência a assumir, o que o levava a defender determinas
políticas imperialistas, ficou horrorizado com as bravatas e a falta de senso diplomático
1 Como um nacionalista convicto, nos primeiros meses de confronto Weber esteve arrebatado “pelo espírito patriótico e pelo entusiasmo marcial” (DIGGINS, 1999, p.221). Veja-se também a definição de democracia que deu ao general Ludendorff, reduzindo-a ao sufrágio periódico de um líder ao qual o povo se submete incondicionalmente após eleito (SCHAPIRO, 1971, p.228) 2 “A ‘política de potência’ ou ‘política de poder’ – a Machtpolitik dos autores alemães – era deduzida da teoria das relações internacionais, enquanto doutrina da ação diplomática. Como essas relações escapam ao âmbito das leis, cada ator era responsável pelo seu destino, mantendo a liberdade de usar a espada em defesa dos próprios interesses. A Machtpolitik não implicava o imperialismo, a vontade de ampliar o espaço da soberania ou de sujeitar povos estrangeiros, mas o conceito soava nacionalista e se inspirava numa filosofia pessimista: empenhados numa competição permanente, ora pacífica, ora violenta, os Estados só conseguem sobreviver pela ‘vontade de potência’, só prosperam com a afirmação orgulhosa da sua independência” (ARON, 1985, pp.218-219).
3
dos líderes alemães, declarando-se, durante a guerra, contrário a qualquer anexação
europeia ou oriental ou a uma paz que equivalha à “bota alemã na garganta da Europa”.
O fato de que ele não fazia concessões, preservasse acima de tudo sua liberdade
de opinião e estivesse tão pronto a apoiar quanto a criticar todos os lados torna ingrata a
tarefa de compreender seu pensamento político. Reconhecidamente um intelectual
honesto e inflexível, Weber era também – e talvez por isto mesmo – uma personalidade
antinômica – “Um termo que muitos acadêmicos weberianos usam para esclarecer as
tensões na mente e no pensamento de Weber” (DIGGINS, 1999, p.12):
Durante toda a sua vida, Weber foi nacionalista e desejou que sua nação se qualificasse como uma Herrenvolk, mas ao mesmo tempo lutou pela liberdade individual e, com imparcialidade analítica, caracterizou as ideias do nacionalismo e racismo como ideologias justificantes, usadas pela classe dominante [...]. Teve grande estima pela conduta prática e objetiva dos líderes trabalhistas durante o colapso da Alemanha, mas apesar disso criticou com violência a pregação doutrinária que esses homens usavam para domesticar as massas [...]. Orgulhava-se de ser um oficial prussiano e apesar disso afirmava, em público, que o Kaiser, seu comandante-chefe, devia ser motivo de vergonha para todos os alemães. [...] Modelo de masculinidade consciente de si da Alemanha Imperial, não obstante apoiou a primeira mulher que foi dirigente sindical na Alemanha e fez discursos importantes para os membros do movimento de emancipação feminina em princípios do século XX. (GERTH; MILLS, 1982, pp.40-1)
Particularmente no que se relaciona com a questão do nacionalismo, embora
falasse em nome de interesses nacionais e valorizasse altamente a cultura alemã, tinha
recorrentes impulsos de deixar a Alemanha, considerada por ele uma “nação sem
esperanças” (idem, p.45). Mas muito mais importante do que isso era o fato de que
Weber se colocava tragicamente numa permanente “tensão entre nacionalismo e poder,
de um lado, e individualismo e liberdade, de outro” (DIGGINS, 1999, p.14). Num
mundo desencantado, não mais governado por valores absolutos, onde o Estado se
define por seus meios e cujos fins não podem ser validados racionalmente, como é
possível defender um valor iluminista como liberdade se o critério último de
arbitramento entre valores antagônicos é o conflito e a força? Preservar a liberdade do
indivíduo diante de uma burocratização que ameaça sufocar toda a vida social era uma
preocupação central no pensamento de Weber. Mas como se preocupar com liberdade
individual “e, ao mesmo tempo, fazer da raison d’etat o princípio determinante do
Estado-potência?” (MAYER, 1985, p.47). Esse dilema pode ser colocado também nos
seguintes termos: “a characteristic of Weber’s political standpoint was his commitment
to the values of strong leadership and political liberty at the same time” (BEETHAM,
1985, p.114).
4
Entretanto, creio que é um julgamento excessivamente severo e certamente
incorreto desqualificar essas antinomias como oportunismo político, como sugere
Meyer Schapiro (1971, p.235) em relação à postura de Weber para com os
socialdemocratas – ainda que reconhecendo o papel de sua origem de classe,
autoconsciente em Weber3, para a produção de tais antinomias: “una clase que no podía
ofrecerle otra perspectiva que la decadencia y la represión” (idem, p.240).4 Ao invés de
oportunista, mais correto seria defini-lo como um pragmático pessimista. Sua defesa
tardia da democracia contra o regime monárquico, por exemplo, não se justificava sobre
a base de um princípio moral ou ideológico, mas simplesmente de uma consideração
prática: cuidava a democratização “not so much as a means to giving more power to the
people, but rather as a means to providing more effective political direction of the state
aparat” (BEETHAM, 1985, p.96); do mesmo modo que suas investidas virulentas
contra o Kaiser e seus “dóceis burocratas”, especialmente no que toca à política de
guerra, estavam motivadas por considerações práticas (consequências negativas dessa
política, isto é, isolamento internacional e ocupação estrangeira) e não éticas ou
ideológicas (MOMMSEN, 1984, p.194).
Tendo absorvido a crítica marxista da “democracia burguesa”, Weber afastou-se do conservantismo, pangermanismo e monarquismo. Não o fez por ter aprendido a acreditar no valor intrínseco do Governo constitucional democrático como um “Governo do povo, para o povo e pelo povo”, mas porque acreditava ser a democracia constitucional a única solução para os problemas da Alemanha, internos e externos. (GERTH, MILLS, 1982, p.59)
Além de ser uma personalidade antinômica e complexa, na sua eterna busca por
uma classe capaz de assumir politicamente o que ele via como as tarefas da nação num
período de grande tensão externa e dificuldades internas, Weber fez muitos adversários
na arena política, embora fosse muito bem considerado e cortejado no meio acadêmico.
Era um intelectual solitário, cuja independência de pensamento rendeu-lhe críticos de
todos os lados, para não dizer inimigos:
As opiniões de Weber sobre a Alemanha não conseguiram larga audiência por oporem-se ao reacionarismo junker, ao marxismo que cultivava a doença infantil do esquerdismo (condenada por Lênin) de Kurt Eisner e ao marxismo
3 “Weber é um intelectual que tem consciência de sua existência como burguês” (TRAGTENBERG, 1985, p.165), “educado que fora nos seus ideais e sentimentos” (idem, p.119). Mas não apenas por isso: sabe-se que Weber adotava o ponto de vista da burguesia e do liberalismo não como uma fatalidade de nascimento, mas conscientemente como uma opção política, ainda que sua própria formulação desse ponto de vista fosse sem dúvida sui generis. “Weber was not only a liberal, but an explicitly class-conscious one” (BEETHAM, 1985, p.8). 4 “Objetivamente, a obra de Weber representa o último combate da burguesia progressista na Alemanha, a
auto-consciência de sua crise” (TRAGTENBERG, 1985, p.152). “Desta maneira, sua obra se articula na realidade alemã, da qual constitui o retrato sem retoque e sem concessão” (idem, p.158). “Assim se coloca
a posição de Weber, um burguês da Aufklaerung numa época de crise da razão” (ibdem, p.164).
5
edulcorado da socialdemocracia alemã. Indispôs contra si a intelectualidade ministerial prussiana, de um lado, sem falar dos pangermanistas da direita. [...] Assim, Weber era detestado pela intelectualidade conservadora [...] pelos antiliberais da alta e média burguesia, tolerado resignadamente por setores da média e pequena burguesia liberal [...]. É um franco atirador da cultura e um grande isolado, tendo tomado no decorrer da sua vida posições ideológicas contrárias aos interesses da burguesia tanto antiliberal como liberal, da classe junker antiliberal e contrários ainda ao socialismo. Era fatal o seu
isolamento. (TRAGTENBER, 1985, p.155)
Além de introdução ao debate, todo este excurso serve para alertar o leitor ou
leitora quanto aos perigos de desconsiderar ingenuamente as complexas antinomias do
pensamento weberiano, ou de, ainda pior, buscar soluções simples a fim de equacioná-
las. No que tange aos aspectos políticos de seu pensamento, a compreensão de tais
antinomias – se é que essa é uma tarefa de consecução plenamente possível – exige de
nós levarmos a sério o pressuposto metodológico weberiano da distinção entre ciência e
política como esferas distintas da ação humana (BEETHAM, 1985, p.30) – o que não
significa, por suposto, isolar teoria e prática, sociologia e política em Weber. “Na
essência do mundo weberiano há uma tensão irreconciliável entre os valores e a
ciência” (MAYER, 1985, p.85): enquanto a ciência só pode se pronunciar a respeito dos
meios, a política é a busca dos fins, cuja escolha só pode ser feita com base em valores e
cuja validade não pode ser demonstrada racionalmente.5 “Esse mesmo conflito de base
determina os fundamentos de sua sociologia política, ou seja, a ideia de que as formas
de Estado são puras técnicas” (idem).
Em razão disso, Weber dividia-se ambivalentemente entre essas duas vocações
que ele considerava irreconciliáveis:
Ao longo de sua vida, Weber foi alvo de dois impulsos conflitantes: para uma vida passiva e disciplinada de estudioso e para uma vocação prática e ativa de político. No âmbito intelectual, ele conseguiu estabelecer uma clara distinção entre ambas essas aspirações conflitantes, reconhecendo uma dicotomia absoluta entre a validação do conhecimento “factual” ou “científico”, de um lado, e os juízos “de valor” ou “normativos”, de outro. Assim, se a atividade do político poderia ser guiada ou modelada por conhecimento científico do tipo que se estabelece na história, economia e sociologia, esse conhecimento não poderia validar, em última instância, os objetivos pelos quais luta o líder político. Essa posição teve como resultado o distanciamento de Weber dos dois maiores movimentos políticos que competiam com os liberais na Alemanha: os nacionalistas conservadores da direita e os socialdemocratas da esquerda. Cada um deles, na visão de Weber, teria aderido a uma concepção “normativa” da história que eles teriam introduzido na política, reivindicando “validação” histórica para o seu direito de governar. (GIDDENS, 1998, pp.28-9)
5 Na bela síntese de Maurício Tragtenberg (1985, p.113): “A fé idealista em valores absolutos desapareceu. Para Weber a ciência não indica juízos de valor, nem indica deveres ou programa de ação; pode apenas indicar o custo de certas operações, os meios necessários para conseguir certos fins, mas não pode pronunciar-se a respeito dos fins”.
6
Se essa distinção entre ciência e política, radicada na distinção epistemológica de
matriz neokantiana entre fato e valor e no pressuposto da “irracionalidade ética do
mundo”, é ou não válida, não cabe aqui a pergunta.6 Contudo, “Essa posição
epistemológica teve, para o pensamento sociológico e político de Weber, consequências
que se estenderam para além da metodologia das ciências sociais” (idem, p.54),
consequências que temos que levar em consideração se quisermos apreender
corretamente o seu pensamento político.
Por fim, quanto às dificuldades que se interpõem a essa apreensão correta, note-se
que seus escritos políticos estão quase sempre articulados a momentos conjunturais
específicos (BEETHAM, 1985, p.22) – momentos não raro dramáticos, como é o caso
da derrota na guerra e a subsequente agitação revolucionária interna, em razão do que
Weber escreveu Parlamento e governo numa Alemanha reconstruída –, e esse caráter
contingencial certamente influencia as flutuações das suas posições, tanto mais porque,
conquanto contingenciais, Weber os via contra o pano de fundo de transformações
históricas amplas e de longo prazo, ou seja, os “lia em chave sociológica” (SELL, 2010,
p.138). Ao mesmo tempo, todavia, é possível identificar fios de continuidade através de
problemas norteadores gerais, estabelecidos conceitualmente em sua teoria sociológica,
os quais acompanharam Weber por toda a vida (GIDDENS, 1998). Em que pese tudo
isso, sua capacidade de predição política sempre foi reconhecida por seus críticos – um
“profeta desarmado” na expressão maquiaveliana de Tragtenberg (1985, p.132) –,
embora seja possível encontrar quem discorde (SCHAPIRO, 1971, p.234).
Dentro deste vasto universo de investigação que é o pensamento político – teórico
e empírico – de Weber, o presente estudo busca explorar uma questão em particular: o
caráter de sua concepção nacionalista e as possíveis transformações pelas quais ela
passou ao longo de sua obra. Para tanto, analisaremos dois textos, os quais, acreditamos,
são representativos das fases político-intelectuais pelas quais passou o sociólogo
alemão: O Estado nacional e a política econômica e Parlamento e governo numa
Alemanha reconstruída. Além desta introdução e das considerações finais, o artigo se
estrutura em mais duas seções: a primeira, teórica, resgata algumas das contribuições
que buscaram responder ao problema aqui em análise, e a segunda, empírico-exegética,
procede à análise dos textos arrolados acima.
6 “Today it is clear that this splendid undertaking [“His search for a value-free description of social reality”] could not fully succeed. Weber’s major sociological work was in no way free o value judgments. It is thoroughly imbued with a universal-historical perspective anchored in Max Weber’s liberal view-point” (MOMMSEN, 1984, pp.60-1).
7
2. Nacionalismo e imperialismo em Weber
É conhecida a importância geral que a nação – em especial, naturalmente, a nação
alemã –, possuía no modo como Weber via e pensava os problemas do mundo
contemporâneo. Embora se trate de um dos mais polêmicos aspectos de seu
pensamento, de modo geral é ponto pacífico seu comprometimento com a nação
enquanto um valor fundamental. O problema está em definir exatamente o que ele
entendia por nação, e em apreender, no jogo inconstante de suas posições políticas, o
projeto de nação que Weber defendia e com base em que critérios. A presente seção visa
resgatar sumariamente algumas tentativas avançadas neste sentido.
A importância da nação no pensamento político weberiano explica-se, em parte,
pelo contexto histórico e pela situação social na Alemanha de seu tempo – ao menos
deve ser vista contra esse pano de fundo. O curso da vida de Weber (1864-1920)
coincidiu perfeitamente com a primeira fase da tardia consolidação da Alemanha
enquanto Estado-nação moderno – e, de modo geral, com a segunda fase do
desenvolvimento dos movimentos nacionalistas, segundo Hobsbawm (1990) –, ou seja,
o II Império, que vai da unificação dos estados germânicos sob a hegemonia prussiana e
liderança de Bismarck, até a derrota na Primeira Guerra Mundial e a subsequente
proclamação da República de Weimar. Além disso, a Alemanha passava por um rápido
(e também tardio) processo de industrialização e expansão comercial, fenômeno que,
junto com outros fatores especificamente modernos (sintetizados na ideia de
“modernização”), Ernest Gellner (1981) considera condições básicas para o surgimento
da nação e das ideologias nacionais.7 As consequências dessas profundas
transformações sobre as classes e as relações sociais não poderiam senão despertar a
preocupação de Weber em relação aos ajustes político-institucionais que,
7 “a ‘questão nacional’, como os velhos marxistas a chamavam, está situada na intersecção da política, da tecnologia e da transformação social. As nações existem não apenas como funções de um tipo particular de Estado territorial ou da aspiração em assim se estabelecer [...], como também no contexto de um estágio particular de desenvolvimento econômico e tecnológico. [...] As nações e seus fenômenos associados devem, portanto, ser analisados em termos das condições econômicas, administrativas, técnicas, políticas e outras exigências” (HOBSBAWM, 1990, p.19). Além da crescente “nacionalização da economia” no sentido de “grandes conglomerados de empreendimentos concentrados, mantidos, protegidos e, até certo ponto, guiados pelos governos” (idem, p.160), “a democratização da política – ou seja, de um lado a extensão crescente do voto (masculino) e de outro a criação de um Estado moderno – colocava a questão da nação e dos sentimentos do cidadão em relação àquilo que ele considerava como sua ‘nação’, a sua ‘nacionalidade’ ou outro centro de lealdade, no topo da agenda política” (ibidem, p.105).
8
necessariamente, deveriam acompanhar os novos tempos. Daí sua insistência na busca
de uma classe capaz de cumprir a contento as “tarefas históricas” colocadas à nação.8
Esses temas aparecem já numa das primeiras intervenções públicas de Weber, sua
aula inaugural na Universidade de Freiburg em 1895. Como veremos na próxima seção,
o enquadramento teórico com que ele os analisa, de corte malthusiano e social-
darwinista, e as soluções que propõe para a “questão polonesa”, baseadas em “ideias
prussianas acerca do poder estatal”, e da “potência do Estado nacional como o mais
elevado parâmetro de valor político” (ALDENHOFF-HUBINGER, 2012, p.21), deram
margem a acusações de imperialista – além de comparações especulativas com a
política e a ideologia do futuro regime nazista. O ponto aqui é que essas acusações
supõem uma continuidade perfeita entre a posição defendida nessa fase prematura do
pensamento weberiano e suas posições mais maduras ou, ao menos, passam suas
inflexões, significativas, por alto.
Jacob Mayer (1985), o primeiro estudioso crítico do pensamento político de
Weber, via uma continuidade essencial entre seus primeiros escritos e sua fase madura.
Para ele (idem, pp.31-2), Weber era incapaz de “enxergar seus próprios preconceitos,
como provam sua crença na ideia do Estado-potência e sua russofobia”, preconceitos
que se tornavam “convicções políticas a priori”, e que o levaram a “jamais questionar o
Estado alemão enquanto tal”. Mais à frente, na mesma obra, ao enunciar o problema
weberiano da preservação da liberdade individual num mundo cada vez mais
racionalizado e burocratizado, Mayer (ibidem, p.47) se pergunta se “essa interpretação
da estrutura contemporânea (e suas tendências futuras) da sociedade moderna não
contradiz a concepção weberiana do Estado como potência?”, respondendo pela
negativa: “É evidente que o político do Machstaat refuta os achados descritivos do
sociólogo”. Embora reconhecendo que os objetivos militares de Weber durante a guerra
fossem mais sutis do que os que se poderia deduzir a partir da sua aula inaugural, o
ponto é que “Weber ainda acreditava firmemente na concepção do Estado como
potência, convicção que manteve até à morte. A Alemanha e o povo alemão eram sua
lei suprema” (ibidem, p.59). 8 Segundo Giddens (1998, p.31) essas transformações haviam sido feitas não sem problemas: atraso e autoritarismo constituíram certas peculiaridades da posição alemã que só poderiam ser resolvidas por um Estado forte. “Esse problema específico do desenvolvimento ‘político’ alemão era o mesmo do ‘legado’ de Bismarck, que teria levado a Alemanha a uma burocracia fortemente centralizada, sem que fosse complementada por uma ordem institucional capaz de gerar uma liderança política independente, como demandavam as ‘tarefas da nação’.” (idem, p.48). “Foi a existência de um Estado burocrático na Alemanha e a direção específica para a qual ele foi canalizado sob Bismarck que levara o país às mãos de políticos ‘sem vocação’.” (ibidem, p.50).
9
Essa tese básica reaparece em outros estudiosos (NORKUS, 2004). Num
instigante ensaio sobre Weber e Gellner, Perry Anderson (1996, p.115-7) afirma que
embora nacionalismo e liberalismo estivessem imbricados no pensamento weberiano,
todavia o primeiro é mais importante do que o segundo, “Pois seus compromissos
políticos mais profundos eram, por certo, nacionais”. E ele é ainda mais enfático do que
Mayer ao afirmar a continuidade inabalável dessa convicção:
Weber nunca retificou sua conferência inaugural em Freiburg, que anunciava no início de sua vida acadêmica que os “interesses de poder da nação são os interesses definitivos e decisivos” para o estudo da política econômica, “uma ciência a serviço da política” para a qual a “raison d’etat é a medida final do valor. Em frases famosas, ele declarou: “não é o caminho da paz e da felicidade humanas que devemos mostrar aos nossos descendentes, mas a luta interminável pela preservação e aperfeiçoamento de nossa raça” [...]. Crítico da inépcia diplomática do regime guilhermino, ele era um forte defensor da expansão naval e colonial alemã. Quando irrompeu a Primeira Guerra Mundial, ele saudou-a com júbilo: “Qualquer que seja o resultado, esta
guerra é grande e maravilhosa”. Ela levava ao “renascer interno da Alemanha”, pois o país tinha uma “responsabilidade diante da história” de tornar-se um grande poder, como uma nação de setenta milhões cujo “chamamento como um povo dominante” deveria “mudar a direção do desenvolvimento mundial”. [...] Somente o poder militar alemão poderia proteger as pequenas nações da Europa, e assumir o papel que cabia ao Segundo Reich na “modelação da cultura do planeta”. (ANDERSON, 1996, p.115-6)
Embora a crítica demolidora de Anderson contenha muitas ideias sugestivas9, seu
método levanta suspeitas: é equivocado e injusto isolar uma série de citações e
reagrupa-las arbitrariamente sem levar em consideração os contextos em que foram
ditas/escritas. Ademais, sempre quando se considera uma declaração pontual de um
autor, deve-se julgar seu valor à luz do seu pensamento como um todo e não tomá-la
simplesmente como autoevidente. Por exemplo, quando Anderson (idem, p.116) afirma
que Weber, conquanto “Crítico da inépcia diplomática do regime guilhermino”, “era um
forte defensor da expansão naval e colonial alemã”, ele simplesmente ignora que essa
era uma posição defendida por Weber durante seus anos de docência em Freiburg, na
década de 1890, mas que foi alterada por ele durante a guerra, passando a opor-se a
qualquer anexação territorial e a defender a diplomacia como meio de expandir a
influência alemã. Na medida em que Anderson não leva essas modificações em
9 Especialmente quando ele sugere que essas ideias de Weber são consequências do impacto de sua concepção de ciência – enquanto fator desencantador do mundo que leva ou ao pluralismo ético ou ao niilismo – sobre seu pensamento político (idem, p.115), e quando ele demonstra como a oscilação de Weber entre o Estado-potência como destino (junto com a guerra e o imperialismo) e o Estado como esfera onde a nação escolhe o deus ao qual vai servir, articula-se com os dois polos da perspectiva política weberiana: o nacionalismo e o liberalismo, respectivamente (ibidem, p.119).
10
consideração, Weber emerge de seu ensaio como um racista belicoso, fanático pela
crença num destino nacional místico, a guisa de um nazista avant la lettre.10
Those who regard Weber’s nationalism simply as an extension of the nationalism of this early period thus overlook two developments in his thinking. One of these was his critique of Germany’s prewar foreign policy, the “politics of national vanity”, which made its contribution to the outbreak of war. The other was his confrontation with the situation of national minorities in his Russian studies of 1905-6, and with the problem of how to preserve the cultural identity of smaller nations in face of the aggrandizement of a larger power. (BEETHAM, 1985, p.142-3).
Assim, caracterizando Weber naqueles termos usados por Anderson, torna-se
impossível identificar as diferenças entre ele e os pangermanistas ou os conservadores:
Although he emphatically distanced himself from the hollow phrases of the pan-Germans and the “Fatherland party”, he did not hesitate to use the strongest terms in attacking the allied powers or to describe the aims of German policy in rosy terms in order to strengthen the public’s resolve. He believed that not only great power status but the future of German trade and industry, and therefore the life of every individual, hinged upon a favorable conclusion to the war. Accordingly, he thought it a self-evident national duty to work toward this end. (MOMMSEN, 1984, p.xv)
Essas são palavras insuspeitas de um crítico notoriamente agudo do pensamento
político de Weber. Mommsen (idem, p.417) também recusa o epíteto dado a Weber por
Mayer (1985) de “Maquiavel da idade do aço”, o que significaria a adoção de uma
realpolitik estreita, preocupada apenas com o poder em si mesmo, sem consideração
pelos princípios e/ou fins:
We would therefore be in error if we viewed Weber as a Realpolitiker in the negative sense who tied political action exclusively to reason of state and narrow drive for success. His political theories were ultimately rooted in ethical and cultural value judgments. Weber certainly employed the concept of Realpolitik. He believed that constructive policy required power rather
10 A partir de Boatca (2013), segundo a qual Weber sustentou ao longo de toda a vida uma perspectiva nacionalista que o levou a defender políticas germanistas com base não em diferenças raciais e sim culturais, pode-se avançar a hipótese que Weber não era um racista de tipo biologista/social-darwinista, lugar-comum em sua época, mas aproxima-se do racismo cultural-diferencialista contemporâneo do tipo observado por Taguieff (1997, pp.60-65): “While Weber was an explicit and outspoken opponent of biological racism, his concern with ‘the power-political interests of the nation’ consistently led him to check for economic and cultural ‘threats’ to these national interests, such as immigrant workers and religious Others, and to treat them as culturally separate, unassimilable (and as such undesirable) social groups, thus using culturally racist arguments throughout. In the context of defining world power as ‘the power to determine the character of culture in the future’ during World War I, what Weber had described in his Freiburg lecture as the ‘standpoint of Germanism’ would be restated as ‘the standpoint of those cultural values that have been entrusted to a people’ and which is the duty of a Machtstaat to protect. Insofar as Weber considered other countries to be Machtstaaten, great military states with a cultural ‘responsibility before history’, this standpoint equally applied to them. Seeing, as he did, the problem of the color line as paramount everywhere, was in this context an acknowledgment of the parallel threats that Weber saw both Germany and the United States as facing – not a plea for the social emancipation of Blacks in the U.S., as formulated by W.E.B. Du Bois. Thus, it is precisely because the threat Weber perceived in both cases did not come from a biologically distinct race, but from a lowering of cultural standards, that he could dismiss as unfounded the ‘one-drop rule’ for determining race membership and condemn the anti-Black racism of the poor whites in the U.S. South, yet refer to black plantation workers as lesser humans in the same breath” (BOATCA, 2013, p.73-4).
11
than politics based on ideological principles. But he always avoided the superficial use of the concept of power that he observed in his contemporaries. (MOMMSEN, 1984, pp.42-3)
Segundo ainda Mommsen (ibidem, p.43), a questão, para Weber, é que, porquanto
a política implica tanto uma ética de convicção quanto de responsabilidade, o poder só
se justifica enquanto meio de fazer valer determinados valores, os quais jamais
poderiam ser universais senão resultantes do conflito inerente à vida social. É na
intersecção da "dichotomy between an ethic of responsibility and an ethic of
conscience” donde emerge a distinção entre Weber e Maquiavel (ibidem). Noutras
palavras, isso significa que o poder não pode ser um valor em si mesmo, mas um meio
para a consecução de determinados valores cujo uso deve ser feito responsavelmente,
atentando-se para as consequências. Essa dicotomia ética, que mais parece um dilema,
significa que se, por um lado, “The seeking and holding of power were only justified in
defense of ultimate values” (idem, p.45), por outro, não é “suficient to satisfy
momentary ethical ideals without attention to concrete results and consequences”
(ibidem, p.43).
There is no trace in Weber’s work of the aesthetic glorification of great power politics that we find repeatedly in Machiavelli’s writings. It was only because politics was “also a matter of belief”, for Weber, because the choice of goals that all political action should serve could only arise out of the belief in ultimate values, that he was forced to face the conflict between the political and ethical spheres of values. It was the conscientiously ethical component of his theory of political power that led him to take such an extreme stand on power politics. It is therefore no accident that in great moments of political decision the “politician of conviction” always won out over the sober Realpolitiker. The seeking and holding of power were only justified in defense of ultimate values. The duty to use power if necessary to implement these values was then inescapable. (ibidem, pp.45-6)
Esse “valor supremo” que, para Weber, deveria orientar a ação política e
determinar o uso do poder enquanto meio é a nação – mais especificamente uma “nação
poderosa”, uma vez que, no entendimento de Mommsen (ibidem, pp.51-2) o conceito de
poder funde-se, em Weber, com o conceito de nação –, e quanto a essa escolha Weber
permaneceu fiel a vida toda (ibidem, p.48). Não obstante, a questão central é porque este
seu nacionalismo enquanto valor se incarna numa política imperialista dura e enérgica,
até mesmo para os padrões da época. Essa resposta reside na concepção que fazia
Weber do capitalismo contemporâneo e seus desdobramentos históricos. À medida que
o capitalismo torna-se monopolista, os mercados mundiais vão sendo conquistados e a
burocratização destrói o espaço da iniciativa individual, as oportunidades econômicas e
sociais das nações tornar-se-ão cada vez mais restritas, não restando outra possibilidade
senão a luta nua e crua entre elas pela autopreservação. O imperialismo weberiano, que
12
Mommsen caracteriza como um “imperialismo liberal”, resulta, portanto, das
circunstâncias históricas, nacionais e globais, da Alemanha diante de prognósticos nada
otimistas para o futuro próximo (ibidem, p.66). Apoiado em premissas malthusianas e
social-darwinistas, Weber acreditava que o imperialismo era dever inevitável da nação
alemã diante da história, mesmo que, posteriormente, ele tenha refutado algumas dessas
premissas e reorientado sua perspectiva no sentido de um imperialismo culturalista
(ibidem, p.84).
Na fusão entre nação e poder, Mommsen (ibidem, p.53) dá ênfase no segundo
elemento, e é neste ponto onde encontramos a sua tese principal: Weber “was only able
to accept the national idea in association with a governamental system that pursues
power politics on a grand scale”. Ou seja, a nação é secundária: o que importa sobretudo
para Weber, na leitura de Mommsen, é o poder e, mais especificamente, o imperialismo.
national culture could be preserved only by imperialistic policies. Weber, with his extraordinary emphasis on the element of power in his concept of nation, was an exponent of Wilhelmine nationalism, a nationalism increasingly oriented to the elemental potency of the state’s political power. Weber championed the idea that the national state bore a heavy responsibility in its conduct at home and abroad, “to its descendants for the way which power and prestige were distributed among the nations.” To this extent, he partially subscribed to the imperialistic elements of the national idea. (ibidem)
Assim como Mommsen, Beetham (1985, pp.1-2) também acredita que o
nacionalismo de Weber se articula com as condições econômicas e sociais postas pelo
avanço da burocratização e da monopolização econômica.
Weber’s concern was to discover the conditions for the survival of liberal values in the tougher world of cartellised industry, organized labour movements, bureaucratic administration and intensified international competition that had emerged by the start of the twentieth century. (idem, p.2)
Argumenta ele (ibidem) que Weber realiza uma espécie de “revisionismo” na tradição
liberal à qual pertence conscientemente a fim de equacionar essas questões. Ou seja, sua
preocupação era encontrar os meios de preservar os valores liberais neste novo mundo
cada vez mais preso a uma “jaula de ferro”. Enquanto liberal, todavia, Weber
coerentemente recusa o programa internacionalista dos socialdemocratas. Seu quadro de
referência permanece sendo sempre a nação. Nesse sentido, o Parlamento, por exemplo,
só se justificaria, para Weber, à luz das tarefas históricas a confrontar a nação alemã
(ibidem, p.119).
Entretanto, Beetham (ibidem, p.14) se afasta de Mommsen (1984) ao afirmar que
o nacionalismo weberiano é muito mais sutil do que acredita este estudioso. Essa
13
sutiliza, segundo Beetham (ibidem, p.128), está no fato de que ele estava comprometido
com a nação enquanto princípio em si, e não como um meio que justificaria a política
imperialista de um Estado-potência, nem mesmo o Alemão: “therefore his specifically
German nationalism found its limits at the point where it threatened the needs of other
nations and their cultures” (ibidem). Em outras palavras, Beetham evita ancorar o
nacionalismo weberiano numa política necessariamente imperialista, como faz
Mommsen (1984). Para Weber, a questão seria menos a expansão do “espaço vital”, o
fortalecimento da posição da Alemanha face às demais potências ou a competição nos
mercados internacionais do que a promoção e preservação da Kultur, isto é, a cultura ou
identidade nacional alemã (BEETHAM, 1985, pp.130-1), o valor ao qual Weber estava
primariamente comprometido. Na base desse argumento reside a ideia de que nação e
Estado pertencem a esferas diferentes – a primeira à da cultura, e o segunda à do poder
–, e a relação entre elas dá-se de forma mediada pelas características próprias de cada
uma (idem, pp.128-9). Beetham (ibidem, pp.132-3) defende que, ao menos em teoria,
Weber estava comprometido antes de tudo com a nação enquanto Kultur e não com o
Estado enquanto Macht (potência).
Mais recentemente, Bellamy (1994) opõem-se ainda mais frontalmente à tese de
Mommsen (1984) ao afirmar que a defesa da nação e a política nacionalista em Weber
estão completamente subordinadas à sua perspectiva liberal e a necessidade de preservá-
la diante de um futuro nada promissor para o liberalismo. Bellamy (idem, p.499-500)
divide os escritos políticos weberianos em duas fases e aponta para rupturas e
continuidades entre elas. A ruptura dar-se-ia pelo progressivo abandono por parte do
sociólogo alemão do imperialismo, e a continuidade pela persistência na preocupação
com as tendências do desenvolvimento capitalista e pela reiteração do liberalismo
enquanto valor:
The first phase relates primarily to the period 1892-7, during which Weber advocated a policy of liberal imperialism. The second phase, starting roughly in 1905, follows on from the dashing of his hopes for the formation of a new party of bourgeois freedom on the basis of his imperialist proposals. A reappraisal of the economic, social and political consequences of national expansion, coupled with an appreciation of the need for national diversity and competition for the maintenance of liberal values, produced a more sophisticated and pluralist theory. As a result, Weber came to be much more critical of Germany’s official aims during the First World War than the traditional picture of him as a Machiavellian advocate of power politics would lead one to expect. [..] despite the changing emphasis of Weber’s theorization of nationalism between the 1890s and the First World War, a fundamental continuity ran through his writings. This unity followed from what Mommsen has termed his universal-historical standpoint.
14
Weber regarded western civilization to be undergoing a general process of rationalization and bureaucratization which was placing liberal values at risk. Individuality could only be preserved within a pluralist economic and political structure which counteracted those tendencies of the industrial world which moved us towards the dull uniformity of a totally bureaucratized society. Both within and between states this required the maintenance of competition between different groups and individuals for their various ideal and material interests. Rivalry between nation states formed the counterpart to the struggle between classes, entrepreneurs and political parties in the domestic sphere. The contest between world powers, he believed, not only prevented their internal stultification, it hindered the possibility of any one of them becoming hegemonic over the rest. Thus, a plurality of competing states ensured liberal pluralism was preserved within states.
Essa breve e limitadíssima análise de alguns estudiosos da obra política weberiana
não tem, por óbvio, a intenção de esgotar o assunto, expor inteiramente as várias teses
avançadas ou estabelecer suas convergências e divergências, muito menos de polemizar
com elas ou tomar partido por alguma. Intenta apenas abstrair alguns problemas teóricos
a partir das quais se pode passar à análise empírica dos escritos políticos de Weber.
Com base neles, podemos avançar três hipóteses: 1) aferrado à tradição liberal, a nação
é um valor supremo ao qual Weber manteve-se fiel a vida toda; 2) suas políticas
nacionalistas e/ou imperialistas são consequências desse ponto de vista, necessárias para
fortalecer a nação e preservar a liberdade e a cultura alemãs; e 3) a necessidade dessas
políticas decorre das características históricas do desenvolvimento do capitalismo e das
instituições modernas e de suas consequências econômicas e sociais.
Fica claro, a partir da bibliografia estudada, que há pouca discordância quanto à
concepção de nacionalismo e ao tipo de imperialismo proposto pelo Weber da primeira
fase, eventuais discordâncias dizendo respeito a aspectos secundários dessa concepção.
A polêmica maior gira em torno de sua continuidade/descontinuidade em relação às
suas posições tardias. Ainda que Weber nunca tenha desistido de seus ideais
nacionalistas, e mantivera-se sempre sob a perspectiva liberal, as diferenças entre ambas
as fases de sua produção intelectual são marcantes. Em que consistem exatamente essas
diferenças? Como explica-las? Questões mais específicas, por sua vez, dizem respeito à
definição weberiana de nação e como ela se relaciona com a esfera da política e do
Estado. Com base em dois importantes escritos políticos de Weber, representativos de
cada uma dessas fases, tentaremos testar empiricamente as teorias aqui estudadas a fim
de compreender os fios que ligam o Weber da primeira fase ao dá segunda tomando
como eixo norteador o tema do nacionalismo.
15
3. A nação enquanto valor supremo
Os dois escritos políticos escolhidos como objeto de análise são: O Estado
nacional e a política econômica e Parlamento e governo numa Alemanha reconstruída,
respectivamente representativos da primeira e da segunda fase da obra weberiana. A
escolha fez-se com base em dois critérios, um teórico e outro prático. Quanto ao
primeiro texto, uma transcrição de sua aula inaugural em Freiburg proferida em 1895,
sua relevância para o pensamento político de Weber é conhecida e geralmente admitida.
Segundo Mommsen (1984, p.36), nela “Weber came close to developing his political
program”, de modo que se deve julgá-la como “the most significant documentation that
we have of Max Weber’s political philosophy until the war years”. O segundo texto
constitui-se de uma série de artigos publicados por Weber no Frankfurter Zeitung
durante o verão de 1917 e reunidos num livro publicado no ano seguinte. Também neste
caso, seu lugar dentro do pensamento político weberiano dispensa comentários
adicionais.
No entanto, a despeito de sua importância, Parlamento e governo não era a nossa
escolha prioritária. Explica-se. Beetham (1985, p.21) divide em dois tipos os escritos
políticos de Weber que vão da guerra até o pós-guerra: até 1917, Weber trata
principalmente da questão da nação e da política externa, e os após essa data, diante da
derrota iminente, passa a se preocupar em orientar a reforma interna da Alemanha.
Obviamente, os textos de maior interesse para este estudo são os do primeiro tipo, mas a
impossibilidade de encontra-los, mesmo em língua inglesa, limitou-nos o escopo, de
modo que tivemos que nos contentar com o texto mais vulgarmente conhecido de
Parlamento e governo. Essa situação sugere uma relativa negligência em relação a esse
aspecto do pensamento weberiano e a necessidade de fomentar as pesquisas neste
campo entre a comunidade acadêmica brasileira. Seja como for, não acreditamos que
isso tenha fragilizado o nosso estudo de maneira significativa, dado que o universo
empírico analisado aqui já é por si bastante reduzido. Estudos futuros sem dúvida
exigirão a incorporação de outros textos. Feitas essas ressalvas, iniciemos com O
Estado nacional e a política econômica.
Já no início de sua exposição, Weber (2003, p.58) deixa claro que o objeto da sua
fala – a “questão polonesa” –, será tomado como um exemplo específico a fim de
ilustrar problemas mais gerais. Ele elenca de imediato quais são esses problemas: o
primeiro, diz respeito ao papel que as diferenças físicas e psíquicas de caráter racial
16
desempenham na luta econômica pela existência. O segundo problema, mais importante
visto retrospectivamente, trata do papel do Estado em relação à nação e à política
econômica. Como veremos, Weber incorpora ainda outros problemas, os quais
constituir-se-ão na sua problemática teórica ao longo dos próximos 25 anos de pesquisa
e atuação política.
O exemplo específico ao qual Weber se refere é a chamada “questão polonesa”,
expressão usada na época para se referir à entrada imigrantes poloneses pela fronteira
leste da Alemanha a fim de que trabalhassem nas grandes propriedades da aristocracia
agrária. À medida que, por seu turno, os camponeses germânicos deixavam a região
para trabalhar na nascente indústria do Vale do Reno, a região se “eslavizava”, o que,
para Weber, representava uma ameaça nacional, tanto em termos territoriais quanto
culturais. Muito influenciado pelas teorias social-darwinistas comuns na época e pela
economia malthusiana, Weber explica esse fenômeno como uma manifestação da luta
pela existência que as raças e nações travam entre si, luta esta entendida como um
mecanismo de seleção cujo resultado é a preservação da nação ou cultura mais adaptada
àquelas circunstâncias específicas (idem, p.67). A capacidade adaptativa está dada pelas
características raciais de cada nacionalidade (ibidem, p.60). No caso dos poloneses,
essas características eram o baixo nível material e espiritual, o que lhes permitia viver
com os cada vez mais baixos salários pagos aos camponeses proletarizados (ibidem,
p.62).
Weber (ibidem, pp.64-5), admite a possibilidade de que as diferenças entre
germânicos e eslavos venham a ser produzidas historicamente, mas toma-as como dadas
para fins de sua análise. O ponto, no entanto, para ele é que tais diferenças não
favorecem necessariamente a raça mais desenvolvida no processo de seleção econômica
ao qual estão submetidas (ibidem, p.64). No caso específico por ele estudado, as
transformações econômicas na empresa agrária – de tipo tradicional para capitalista –
propiciaram o tipo menos evoluído. Mesmo se ignorarmos os óbvios preconceitos
etnocêntricos e racistas do sociólogo, Weber parece supor que a pressão seletiva
produzida pela economia é uma força dada naturalmente e não resultado de relações
sociais e políticas governamentais concretas. Ele sugere que a seleção de tipos humanos
mais adaptados é uma lei histórica (ibidem) – Weber fala em “eterna luta” (ibidem,
p.69) –, ou seja, é uma força a moldar as sociedades desde sempre.
[...] nem sempre a seleção realizada num livre jogo de forças acaba beneficiando a nacionalidade mais desenvolvida ou melhor dotada economicamente. A história humana conhece a vitória de tipos humanos
17
evoluídos e a extinção de expressões mais elevadas da vida espiritual e moral, quando a comunidade que era sua portadora perdeu a capacidade adaptativa em relação às suas condições de vida, seja devido à sua organização social, seja pelas suas qualidades raciais. No nosso caso a nacionalidade situada mais abaixo em termos de desenvolvimento econômico é ajudada na sua vitória pela transformação das formas da empresa agrária e pela violenta crise da agricultura. (ibidem, p.65).
Diante desse quadro, Weber avança a questão do que deve ser feito para preservar
a nacionalidade alemã no leste do país (ibidem, p.66). Ou seja, a formulação da pergunta
já pressupõe que a solução deve ser tratada da "perspectiva do germanismo" (ibidem).
Weber propõe duas diligências políticas: fechamento da fronteira leste e compra
sistemática de terras pelo Estado a fim de fomentar a colonização alemã nessas terras.
Acontece que a implementação dessas diligências tem encontrado resistência por ir
contra os interesses de classe da aristocracia fundiária, a base social do Segundo Reich
(ibidem). Daí que Weber critique a política baseada em interesses de classe: em última
instância, a política deve estra sempre baseada nos interesses da nação e não de uma de
suas classes. É por isso também que ele vê com maus olhos a continuidade do domínio
político dos Junkers: uma vez que se trata de uma classe em decadência ela certamente
se valerá do poder político para preservar seus próprios interesses a expensas dos
interesses nacionais, como de fato Weber observa no caso da questão polonesa. Weber
pressupõe, portanto, que a política econômica nacional pode e deve ser distinguida da
política econômica de classe.
Neste ponto entra a sua crítica à ciência econômica da época, cuja concepção, para
Weber, era um dos fatores a entravar a solução da questão polonesa. Dado o quadro
pessimista pintado por ele, cujo corolário é o acirramento da luta entre classes e nações,
Weber condena a postura eudemonista dos economistas (ibidem, p.67), irrealista em sua
opinião. Além disso, metodologicamente, as doutrinas econômicas incorriam num
equívoco ao misturar juízos de valor – tais como justiça social – à análise dos problemas
técnico-econômicos da produção e distribuição de bens (ibidem, p.68). Por outro lado,
Weber não recusa todo juízo de valor no campo da ciência – ao menos da ciência
econômica –, mas deixa claro que existe somente um único juízo possível: a nação.
“Assim, a política econômica de um Estado alemão, assim como o critério de valor do
teórico econômico alemão, somente podem ser alemães” (ibidem).
Nesta fase inicial de seu desenvolvimento intelectual, Weber já entrevê o
problema epistemológico da distinção entre fato e valor, e da relação com os valores no
campo da ciência. Mas se encontra longe ainda da solução neokantiana encontrada em
18
meados da década de 1900. Ele não apenas admite a possibilidade e – com efeito – o
dever de que a ciência econômica sustente um juízo de valor, como também a subordina
à esfera da política:
Os processos de desenvolvimento econômico são também em última instância lutas de poder. São interesses de poder nacional sempre que postos em questão, e são os interesses últimos e decisivos que a política econômica de uma nação deve servir. A ciência da política econômica nacional é uma ciência política. Ela é uma serva da política, não da política momentânea dos grupos e classes dominantes no momento, mas dos perenes interesses de poder nacional. [...] E nesse Estado nacional o critério de valor definitivo que vale também para o ponto de vista da política econômica é para nós a “razão
de Estado”. [...] O que queremos exprimir, ao falarmos de razão de Estado, é a reivindicação de que o interesse de poder econômico e político da nossa nação e do seu portador, o Estado nacional alemão, seja a instância final e decisiva para as questões da política econômica alemã. (ibidem, p.69)
Perceba-se que o eixo em torno do qual gira toda a argumentação de Weber é a nação: o
Estado incarna os “interesses de poder nacional”, enquanto a política é a atividade que
defende e preserva esses interesses, e a economia política é a ciência que auxilia a
política na consecução dessa tarefa.
Weber passa então a criticar outros pressupostos presentes na ciência econômica
da época, sobretudo aquele que identifica na ascensão de determina classe, vitoriosa na
arena econômica, o sinal de superioridade evolutiva (ibidem, p.72). Em vista disso,
Weber afirma que nem sempre o poder econômico e a vocação para a direção política
da nação coincidem (ibidem). E como só a nação pode, para ele, oferecer um critério
último de valor político, a determinação do papel histórico de uma classe não leva em
consideração somente a dominância econômica mas, sobretudo, a maturidade política,
entendida como a capacidade de antepor os interesses nacionais aos seus próprios
interesses de classe:
Em todas as épocas, atingir o poder econômico foi o que permitiu a uma classe conceber-se como candidata ao poder político. É perigoso e incompatível a longo prazo com o interesse nacional que uma classe economicamente decadente mantenha em mãos a dominação política. Mais perigoso ainda, contudo, é quando classes para as quais se movimenta o poder econômico, e com isso a candidatura para a dominação política, ainda não estejam politicamente maduras para a condução do Estado. Ambos esses perigosos ameaçam atualmente a Alemanha [...]. (ibidem, p.73)
O perigo particular na Alemanha é que nela a situação é tal que tanto encontra-se
ao leme do Estado uma classe decadente, quanto inexiste uma classe com maturidade
política capaz de assumir o seu lugar. Aqui entra outro problema que irá constituir-se na
problemática weberiana ao longo de sua vida: a questão da herança legada por
Bismarck. Sob a sua liderança, a aristocracia junker cumprira a sua função histórica, isto
é, unificar a nação. Mas com o desenvolvimento da indústria, o centro de gravidade
19
política deslocou-se dos latifúndios do leste para as cidades do oeste. Como nada pode
reverter esse processo (o que, de resto, tampouco seria desejável), a pergunta que Weber
se coloca é se estaria a burguesia em condições de assumir a tarefa que lhe foi outorgada
pela história (ibidem, p.74). Weber responde negativamente, justamente por causa do
modo como se deu a unificação do país, cujo Estado não foi criado pela força da própria
burguesia. A herança política deixada por Bismarck foi acostumar a burguesia a viver à
sombra de um majestoso César e esperar passivamente pela sua graça (ibidem, p.75).
Restou à burguesia, acredita Weber (ibidem), o papel de epígonos políticos, sem
mencionar aquela parcela que submergiu nas preocupações mesquinhas do filisteu. Por
fim, quanto à classe trabalhadora, Weber (ibidem, p.76) entende que ela se encontra
numa situação parecida à da burguesia: embora economicamente madura, politicamente
lhe falta a “energia catilinária da ação”, tendo à sua frente uma direção que não passa de
uma “claque de jornalistas” e “lamentáveis artesãos políticos” (ibidem).
Weber, portanto, não vê necessariamente nocividade na participação política das
massas – embora dê a entender que somente uma elite surgida delas poderia
efetivamente governar. O ponto, para ele, é sempre a necessidade imperiosa de unificar
a nação e realizar a contento as tarefas históricas colocadas a ela (ibidem, p.77). Nesse
sentido, qualquer classe poderia fazê-lo, desde que cumpra com os requisitos definidos
por Weber – embora, é verdade, Weber, enquanto intelectual de origem burguesa, veja
nela a classe “portadora dos interesses de poder nacionais” (ibidem). Na base desse
raciocínio encontra-se a ideia de que não há um antagonismo absoluto de interesses
entre a burguesia e o proletariado, e de que, como já fizemos notar, as razões de Estado
e os interesses nacionais encontram-se acima dos conflitos de classe. Weber conclui sua
aula inaugural apelando para a tarefa mais imediata a ser cumprida: a educação política
das classes.
Resultada claro da nossa análise que a argumentação weberiana gira sempre em
torno da ideia de nação enquanto portadora da “germanidade”, isto é, das características
próprias que constituem o povo e a cultura alemã (seu modo de ser) em uma raça
específica, a qual Weber tem em alta conta. O Estado, a política, as classes, a ciência
econômica constituem, em relação a essa premissa central, as variáveis dependentes. Os
problemas que as relações entre elas apresentam são, por sua vez, vistos dentro de um
enquadramento teórico e histórico pessimista, onde a luta de todos contra todos,
especialmente entre os Estado-nações, tornar-se-á cada vez mais implacável. Daí que
Weber, comprometido com a preservação da “germanidade”, defenda políticas
20
xenofóbicas e imperialistas, sempre, segundo ele, no “interesse nacional”. Pode-se notar
também como Weber já formulava in nuce um conjunto de problemas que constituir-se-
ia na sua problemática sociológica e política para os próximos 25 anos: a relação da
ciência com os valores, a busca por uma liderança política e a questão da herança
bismarckiana. Em Parlamento e governo numa Alemanha reconstruída, ele inicia
retomando o último desses problemas, e é para esse texto que nos voltamos agora.
Em 1917, o problema da herança política bismarckiana ainda não perdeu a
atualidade para Weber (1997). Agora que a necessidade de uma democracia parlamentar
se fazia necessária, como condição para a reconstrução de uma nação derrotada na
guerra (idem, p.26), solucionar esse problema era talvez mais imperioso do que nunca.
Basicamente, o argumento de Weber permanece o mesmo: Bismarck “deixou atrás de si
uma nação sem nenhuma educação política [...]. Principalmente, [...] uma nação sem
nenhuma vontade política própria” (ibidem, p.38).11 O ponto, contudo, é a situação na
qual essa herança deixou as instituições políticas, notadamente o parlamento: incapaz de
exercer uma política positiva sobre o Estado (ibidem). Um parlamento “puramente
negativo” não pode fomentar a educação e a vontade políticas necessárias à liderança da
nação.
O nível do parlamento depende da condição de que este não simplesmente debata grandes questões, mas que as solucione decisivamente: em outras palavras, sua qualidade depende da seguinte alternativa: o que ocorre no parlamento tem realmente importância ou o parlamento não passa de um mal tolerado boi de presépio de uma burocracia dominante. (ibidem)
Assim, Weber introduz outro problema central na sua problemática sociológica,
mas que ainda não havia aparecido na aula inaugural de 1895: a burocracia, ou melhor,
o processo de burocratização, o qual, para ele, constituía-se num dos traços mais
fundamentais das modernas sociedades capitalistas, perpassando basicamente todas as
instituições políticas e econômicas, desde a empresa privada até o Estado e os partidos
políticos (ibidem, pp.39-41). No texto em exame, ao tratar da burocracia, Weber tem em
mente a seguinte pergunta: se o parlamento, impotente por causa da herança
bismarckiana, só está em condições de exercer uma “política negativa”, e uma vez que
não mais há um líder forte no executivo, quem governa efetivamente o Estado alemão?
Sua resposta é a burocracia – que, no caso da Alemanha, era especialmente
superdesenvolvida (ibidem, p.47). Todavia, isso acontece não porque ela teria
consciência política e vontade de poder, mas simplesmente porque:
11 Vale notar que Weber se refere à nação, como uma unidade, e não a determinadas classes ou partidos políticos, embora ele não deixe de considerar os interesses e as ações dos atores políticos em jogo.
21
Em um Estado moderno, o verdadeiro poder está necessária e inevitavelmente nas mãos da burocracia, e não se exerce por meio de discursos parlamentares nem por falas de monarcas, mas sim, mediante a condução da administração, na rotina do dia-a-dia. (ibidem, p.39)
Primeiro, portanto, Weber se encarrega de desfazer qualquer mal-entendido
quanto à sua natureza. A burocracia é uma “máquina animada” voltada para a
consecução de tarefas de forma eficiente, valendo-se para tanto de técnicas racionais de
organização e administração (ibidem, p.49). Ela é, portanto, um meio, uma técnica,
altamente útil. Trata-se de uma necessidade nos industrializados Estados de massas.
Nesse sentido, ela é uma condição ineliminável da modernidade: “o futuro pertence à
burocratização” (ibidem, p.47). O problema começa, no entendimento de Weber,
quando a burocracia se transforma – para continuarmos com a metáfora da máquina –
numa espécie de moto-contínuo sem finalidade ou cuja finalidade é dada eo ipso, e que
se estende por sobre todas as esferas da vida social, formando o “casulo da servidão” no
qual as pessoas terão que habitar um dia (ibidem, p.49). Desde o ocaso de Bismark, a
nação vinha sendo governa, segundo Weber (ibidem, p.51), por burocratas, cuja ética é
muito distinta da ética do político ou do empresário: enquanto o dever do funcionário é
sacrificar seus valores e opiniões pessoais a fim de respeitar o regulamento legal, o
dever do político é entrar na arena política e combater por suas próprias convicções
(ibidem, p.66); e ainda: “o estabelecimento de objetivos políticos não é um assunto
técnico, e, consequentemente, a política não é da alçada do funcionário público
profissional” (ibidem, p.68). Com base no que sabemos de Weber, é óbvio que tal
situação seria extremamente perniciosa para a nação – por mais que a racionalização da
economia e da política represente-lhe uma vantagem na competição com outras nações.
Weber (ibidem, pp.73-4) resume a situação político-institucional da Alemanha nos
seguintes termos:
[...] uma situação na qual: 1) governo e parlamento defrontam-se como órgãos divididos, sendo o último uma “mera” representação dos governados e, portanto, orientado para “a política negativa”; 2) os partidos são órgãos do tipo de associações, visto que os líderes políticos não podem encontrar sua vocação no parlamento e, consequentemente, não podem encontrar lugar nos partidos; 3) o Executivo está nas mãos de burocratas que não são líderes partidários, não estão em contato permanente com os partidos, prejudicam as questões pendentes, mas, em vez disso, estão à margem dos partidos [...].
Diante dessa constatação, Weber (ibidem, p.50) avança o problema de como
garantir a liderança política nesse mundo cada vez mais ameaçado pelo “casulo da
servidão”. Para ele, apenas duas instituições podem fazer frente ao domínio dos
funcionários: a monarquia e o parlamento. Embora admitindo que a monarquia
22
constitucional era a forma apropriada de governo para a Alemanha em função das
circunstâncias internacionais (ibidem, p.52), o monarca é incapaz, por si mesmo, de
cumprir essa tarefa porque não é um especialista nem um político treinado na rinha
partidária, e, sem um parlamento positivo, torna-se dependente do aparelho burocrático
(ibidem, p.53). Contudo, como está subentendido, nem todo parlamento é apropriado.
Weber distingue, assim, dois tipos: aquele que exerce uma política negativa e, por isso,
não participa efetivamente do governo – esse tipo representa o Estado que Weber
denomina “Estado de autoridades”, como na Alemanha; o segundo tipo contrapõe-se ao
primeiro: trata-se de um parlamento de política positiva, o que significa um verdadeiro
“Estado do povo” (ibidem, pp.55-6).
As coisas são diferentes quando o parlamento impõe que os chefes da administração sejam tirados de seu meio (sistema parlamentar propriamente dito) ou, então, que, para se manterem em seus cargos, precisam do voto expresso e declarado de confiança da maioria, ou, ao menos, que não sejam objeto do voto de desconfiança (seleção parlamentar dos líderes) e, por essa razão, devem prestar contas absolutas de seus atos à revisão do parlamento ou de suas comissões (responsabilidade parlamentar dos líderes) e deverão, ainda, conduzir a administração de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo parlamento (controle administrativo do parlamento). Então os líderes dos partidos dominantes têm uma participação positiva no governo, e o parlamento converte-se num fator de política positiva. (ibidem, p.55)
Isso porque somente assim – ou seja, somente participando efetivamente do governo e
exercendo controle sobre a burocracia – homens que têm “forte instinto de poder
político” e qualidade de liderança submeter-se-ão à acirrada luta partidária que se trava
no parlamento (ibidem, p.56). Ademais, somente um parlamento ativo pode se constituir
na escola política dos líderes e estadistas modernos (ibidem, p.62). Sobre essa questão –
a da liderança –, Weber acredita que, assim como os partidos de massas, que são
comandados por um núcleo pequeno, o parlamento só pode governar com base no
“princípio de números pequenos”, isto é, não governa o parlamento como tal, antes
funciona como um “séquito do líder ou dos poucos líderes que formam o governo”.
“Em Estados de massas, esse elemento cesarista é inextirpável” (ibidem).
Sobre quais bases repousam exatamente o poder dos funcionários? Em dois tipos
de conhecimento: técnico-especializado e segredo de ofício (ibidem, p.66). Como ao
parlamento é negado o acesso a eles, já que não possui poder algum sobre os
funcionários, ele foi condenado, segundo Weber (ibidem, p.67) ao diletantismo e à
ignorância. Daí a necessidade de reformas, como a criação do direito ao inquérito
parlamentar através de comissões (ibidem), e a supressão do artigo nono da constituição
(ibidem, p.57): a primeira medida representa um “chicote” sobre a atividade dos
23
funcionários, e a segunda permite a educação e a ascensão de líderes políticos. Para
tanto, Weber propõe uma democracia parlamentar como substituição à monarquia, bem
como uma reforma do parlamento no sentido de dar-lhe condições de exercer uma
política positiva.
Em Parlamento e governo Weber trata de outras questões – como a diferença
entre político profissional e político por vocação e suas relações com o parlamento –
(ibidem, p.77), as quais não temos, contudo, condições de analisar aqui, nem são
essenciais ao nosso objetivo. Devemos reter somente que, do libelo weberiano por uma
democracia parlamentar, fica claro que o que mais lhe preocupava era a prevalência de
interesses particulares – seja dos estratos burocráticos, dos grupos partidários ou das
classes econômicas – face aos interesses nacionais como um todo; ou seja, ao postular a
reforma político-institucional, Weber está tratando do “futuro da ordem política na
Alemanha” (ibidem, p.76), e não de uma forma de determinados grupos ou classes
galgarem o poder a fim de fazerem valer seus próprios programas políticos. A premissa
de que os interesses nacionais figuram acima de qualquer outro valor, acima mesmo de
princípios gerais, pode ser percebida quando Weber justifica a direito ao sigilo ou à
restrição da publicidade dentro das comissões parlamentares em relação a determinados
temas (tecnológicos e militares, por exemplo) e circunstâncias (e.g., de guerra) não com
base apenas em um argumento pragmático – a saber, o fato de que apenas uma minoria
pode governar num Estado de massas –, mas nacionalista (ibidem, p.72): trata-se, para
ele, de preservar da melhor maneira os interesses nacionais. A publicidade, por si
mesma, é inconveniente enquanto existirem Estados e indústrias rivais (ibidem, p,73), o
que sugere, também, como para Weber os problemas internos estão articulados com as
condições históricas e com as relações internacionais. Consequentemente, demonstra
como a sua perspectiva é anti-internacionalista, dado que seu ponto de referência é
sempre o da nação.
Do mesmo modo, o fato de que Weber não defende a democracia parlamentar por
princípio, mas por considerações práticas respaldadas por seu comprometimento com a
nação enquanto valor, pode ser demonstrada nos momentos em que ele deixa escapar
sua preferência pela monarquia parlamentar, muito útil, segundo ele, nos Estados de
massas (ibidem, p.84) – desde que, como Weber argumentara ostensivamente, se trate
de um parlamento positivo, efetivamente participando do governo e exercendo controle
sobre a burocracia. Daí que no prefácio a Parlamento e governo, Weber conceba o
parlamentarismo como uma “tarefa histórica da nação alemã”, cuja primordialidade
24
coloca-a “acima de qualquer controvérsia de natureza constitucional” (ibidem, p.23), o
que significa que “Os interesses vitais da nação colocam-se, é claro, acima da
democracia e do parlamento” (ibidem, p.26). Qual seria, para ele, essa tarefa?
Reconstruir a Alemanha, e, para tanto, o “sufrágio imparcial e o governo parlamentar
são o único meio para esse objetivo” (ibidem, p.25; grifo nosso). Em suma:
Estamos lidando aqui com simples questões de técnicas (constitucionais) para a formulação de políticas nacionais. Para um Estado de massas existe apenas um número limitado de alternativas. Para um político racional a forma de governo adequada, em qualquer época, é uma questão objetiva que depende das tarefas políticas da nação. (ibidem).
4. Considerações finais
A análise empírico-exegética de O Estado nacional e a política econômica e de
Parlamento e governo numa Alemanha reconstruída sustenta a conclusão de que o
valor supremo perfilhado por Weber é a nação, em relação ao qual todos os demais
valores se orientam, bem como os tipos político-institucionais, entendidos como meras
técnicas cujo critério último de utilidade decorre da nação. Embora um liberal
consciente e honesto, até mesmo seu liberalismo está subordinado ao que ele acreditava
constituir os “interesses nacionais” da Alemanha. De mais a mais, se por um lado é do
interesse da nação que os valores liberais sejam preservados e consolidados, por outro,
tais valores só poderiam existir sobre bases nacionais. Antes de liberal, portanto, e
muito antes de imperialista, Weber era um nacionalista convicto. No entanto, deve-se
sempre ter em mente que nacionalismo e liberalismo não são perspectivas antagônicas
que se possa separar em seu pensamento. Weber concebia-as como duas faces de uma
mesma moeda, ou seja, ambas se determinam mutuamente, uma só fazendo sentido em
relação à outra.
A análise sugere também que, para Weber, uma política imperialista não tem
valor intrínseco, seja ele positivo ou negativo, mas subordinado aos interesses nacionais
e às circunstâncias históricas e internacionais. Em Parlamento e governo não se
encontra o desbragado e intransigente imperialismo da aula inaugural, menos em razão
de escrúpulos ou princípios do que de uma apreciação sóbria das circunstâncias
nacionais e internacionais colocadas a uma Alemanha derrotada pela guerra, ainda que
ele continue a crer que a luta entre Estados-nações é um traço ineliminável do mundo
moderno. Portanto, se descontinuidades podem ser apreendidas em relação aos dois
textos em questão – notadamente a redefinição das prioridades de política externa e
25
interna, especialmente no que isso implica à sua postura imperialista –, o centro de
gravidade em torno do qual gira toda a problemática weberiana permanece sendo o
Estado-nação. Outrossim, se em Parlamento e governo não encontramos mais o
linguajar social-darwinista e malthusiano, a perspectiva histórica pessimista permanece
no horizonte teórico de Weber, amplificada ainda mais pelo problema da
burocratização.
Diante do exposto, nossa análise está inclinada a endossar teses como a de
Eliaeson (1991, p.319), para quem por toda a vida “Weber was a nationalist and [...] the
self-interest of the power-state was a most central concern to him”. Embora “There is
[…] no doubt that Weber is a dedicated liberal”, “Weber’s national liberalism is
adjusted to the particular German circumstances” (ibidem). A despeito das
ambivalências entre seu nacionalismo e seu liberalismo:
A more important reason for Weber’s desperation, however, is the tensions between liberal values and changing reality; after all it seems pretty clear that the national values are prior to other values in Weber’s personal (as well as cultural significant) value-hierarchy. (ibidem).
Além disso, essa centralidade da nação “is further indicated by his instrumental way of
looking at imperialism as a means to national unity and harmony between the great
powers in Europe” (ibidem).
De resto, além do limitadíssimo corpus bibliográfico trabalhado aqui, cumpre
ressalvar que, embora os escritos políticos analisados possam ser assumidos como
representativos das duas fases do pensamento político weberiano, as conclusões
deduzidas deles só podem ser provisoriamente avançadas e, portanto, devem ser
tomadas cum grano salis, já que a análise de outros textos políticos, menos
conhecimentos porém nem por isso menos significativos, podem apontar em outras
direções ou matizar a direção apontada aqui. Deve-se acautelar também diante do fato
de que a análise concentrou-se exclusivamente no pensamento político de Weber,
fazendo abstração de seu pensamento teórico, o que pode ter gerado uma distorção, ou
seja, deve-se considerar a possibilidade de que a análise de textos teóricos indique
conclusões diferentes. Estudos futuros deverão, portanto, incorporar, além de mais
estudos acerco do pensamento político weberiano, outros escritos políticos de Max
Weber, bem como estabelecer as relações entre eles e seu pensamento teórico.
26
5. Referências bibliográficas
ALDENHOFF-HUBINGER, Rita. Os cursos de Max Weber: economia política, política agrária e questão dos trabalhadores (1894-1900). In: Tempo Social, vol.24, no.1, 2012.
ANDERSON, Perry. Zona de compromisso. São Paulo: Editora da Unesp, 1996.
ARON, Raymond. Estudos políticos. Coleção pensamento politico, 18. Brasília: Editora da UNB, 1985.
BEETHAM, David. Max Weber and the theory of modern politics. Cambridge: Polity Press, 1985.
BELLAMY, Richard. Liberalism and nationalism in the thought of Max Weber. In: History of European Ideas, vol.14, n.4, pp.499-507, 1992.
BOATCA, Manuela. “From the standpoint of germanism”: a postcolonial critique of Weber’s theory of race and ethnicity. In: Political Power and Social Theory, vol.24, pp.55-80, 2013.
DIGGINS, John. Max Weber: a política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999.
ELIAESON, Sven. Between ratio and charisma: Max Weber's views on plebiscitary leadership democracy. In: Statsvetenskaplig Tidskrift, vol.94, n.4, 1991.
GELLNER, Ernest. Nacionalismo e democracia. Brasília: Editora da UNB, 1981.
GERTH, H.; MILLS, C. Introdução: o homem e sua obra. In: WEBER, Max. Ensaios
de sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1982.
GIDDENS, Anthony. Sociologia, política e teoria social: encontros com o pensamento social clássico e contemporâneo. São Paulo: Editora da Unesp, 1998.
HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
MAYER, Jacob. Max Weber e a política alemã. Brasília: Editora da UNB, 1985.
MOMMSEN, Wolfgang. Max Weber and German politics, 1890-1920. Chicago: University of Chicago Press, 1984.
NORKUS, Zenonas. Max Weber on nations and nationalism: political economy before political sociology. In: Canadian Journal of Sociology, vol.29, n.3, pp.389- , 2004.
SCHAPIRO, Meyer. Sobre la política de Max Weber. In: SAZBÓN, José. Presencia de
Max Weber: Talcott Parsons y outros. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1971.
27
SELL, Carlos. Democracia com liderança: Max Weber e o conceito de democracia plebiscitária. In: Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n.5, janeiro-julho de 2011.
________. Max Weber: democracia parlamentar ou plebiscitária? In: Revista de
Sociologia e Política, Curitiba, v.18, n.37, out. 2010.
TAGUIEFF, Pierre-André. O racismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.
TRAGTENBERG, Maurício. Burocracia e ideologia. São Paulo: Ática, 1985.
WEBER, Max. O Estado nacional e a política econômica. In: ________. Sociologia. São Paulo: Ática, 2003.
________. Parlamento e governo numa Alemanha reconstruída. In: ________. Os
economistas. São Paulo: Nova Cultura, 1997.