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1 AS GEOCIÊNCIAS AO SERVIÇO DO ENSINO E DA INVESTIGAÇÃO EM ANGOLA. QUE LUGAR PARA A GEOGRAFIA? Isaac Simão Santo 1 O presente estudo, de carácter introdutório, deriva de uma actual preocupação sobre o futuro que se reserva à Geografia, dado o facto de, cada vez mais, se estar a registar uma ligeira diminuição não só na capacidade de oferta de vagas nas instituições escolares do ensino médio e superior, como também da fraca procura por candidatos em qualquer um dos níveis de escolaridade apontados. Palavras-chave: Geografia, Geociências, Plano Curricular. INTRODUÇÃO O texto que se apresenta tem como objectivo discutir a importância da Geografia, enquanto disciplina e ciência que requer aplicação e a sua valorização. É ai, em nosso entender, que está marcada a "condenação" desta cadeira nos Planos Curriculares em favor de outras que, no essencial, são uma forma mínima de olhar para o espaço geográfico, objecto de estudo da Geografia. Longe de se pretender esmiuçar o carácter histórico da Geografia, é fundamental recuperar o que a ideia de que, antes da sua (re)definição como ciência, a Geografia carecia de sistematização. No entanto, as várias discussões que se foram mantendo entre académicos, políticos e não só, trouxeram à lume a necessidade de aceitação e de implementação de uma disciplina escolar cujo objectivo era preparar o cidadão para a defesa da pátria. GEOGRAFIA. CIÊNCIA E ENSINO Ora, o seu carácter científico, apesar de apelado e reservado e alguns países, tem vindo a ser negligenciado por outros, que mais não fazem se não dar ênfase ao aspecto formativo (formar professores de Geografia) e não ao aspecto criativo, como tal. 1 Licenciado em Geografia (ISCED de Benguela, Angola), especialista em Geociências (ISPTundavala, Angola) e Mestre em Ambiente e Ordenamento (Universidade de Coimbra)

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AS GEOCIÊNCIAS AO SERVIÇO DO ENSINO E DA INVESTIGAÇÃO EM

ANGOLA. QUE LUGAR PARA A GEOGRAFIA?

Isaac Simão Santo1

O presente estudo, de carácter introdutório, deriva de uma actual preocupação sobre o

futuro que se reserva à Geografia, dado o facto de, cada vez mais, se estar a registar uma

ligeira diminuição não só na capacidade de oferta de vagas nas instituições escolares do

ensino médio e superior, como também da fraca procura por candidatos em qualquer um

dos níveis de escolaridade apontados.

Palavras-chave: Geografia, Geociências, Plano Curricular.

INTRODUÇÃO

O texto que se apresenta tem como objectivo discutir a importância da Geografia,

enquanto disciplina e ciência que requer aplicação e a sua valorização. É ai, em nosso

entender, que está marcada a "condenação" desta cadeira nos Planos Curriculares em

favor de outras que, no essencial, são uma forma mínima de olhar para o espaço

geográfico, objecto de estudo da Geografia. Longe de se pretender esmiuçar o carácter

histórico da Geografia, é fundamental recuperar o que a ideia de que, antes da sua

(re)definição como ciência, a Geografia carecia de sistematização.

No entanto, as várias discussões que se foram mantendo entre académicos, políticos e

não só, trouxeram à lume a necessidade de aceitação e de implementação de uma

disciplina escolar cujo objectivo era preparar o cidadão para a defesa da pátria.

GEOGRAFIA. CIÊNCIA E ENSINO

Ora, o seu carácter científico, apesar de apelado e reservado e alguns países, tem vindo a

ser negligenciado por outros, que mais não fazem se não dar ênfase ao aspecto

formativo (formar professores de Geografia) e não ao aspecto criativo, como tal.

1 Licenciado em Geografia (ISCED de Benguela, Angola), especialista em Geociências (ISPTundavala,

Angola) e Mestre em Ambiente e Ordenamento (Universidade de Coimbra)

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Uma das raízes do problema reside no facto de, em alguns países subdesenvolvidos, não

ser dar o devido valor à prática investigativa, seguindo-se um pacote deixado algures

por alguns países mais desenvolvidos. Resulta, em nosso entender, da importação de

curriculas, que pouco ou nada se adequam a realidade angolana. Cabe a quem estudo

Geografia o único e cada vez mais aplaudido papel de transmitir e não de ensinar

dialogando. Não se coloca aqui o facto de ensinar, pois tal deve pressupor a vontade de

quem o faça e nem de quem tem a missão de aprender, a qual se deve motivar e ser

motivado. O que se aponta vai no sentido dado por Vesentini (2008, p. 31) segundo o

qual

(...) a escola contribui para a reprodução do capital: habitua os alunos à

disciplina necessária ao trabalho na indústria moderna(...), a respeitar a

hierarquia (...), segurando contingentes humanos ou jogando-os no mercado de

trabalho, de acordo com as necessidades do momento.

Ora, para o caso de Países em Vias de Desenvolvimento (PVD), como é o caso de

Angola, ainda se assiste a absorção de quadros formados em escolas onde a Geografia é

curso. No entanto, a prioridade a cadeiras prática, como se a Geografia não fosse vão

dando espaço a uma decadência desta área do saber. Com efeito e, tal como apontram

alguns especialistas brasileiros, a crise da Geografia é a crise da escola. E quando a

escola está em crise, a sociedade está condenada.

Assim, o sucesso do curso de Geografia passa pela sua operacionalização, isto é, o

torná-la mais crítica perante os problemas actuais, os quais carecem de resolução e não

o pensar na Geografia do antigamente, aquela Geografia que o professor aprendeu na

sua formação, cuja actualização não é nem por si feita, nem tão pouico por quem deve

fazê-la, enquanto órgão com tal competência. A praticidade da Geografia não deve ser

dita, ensinada, mas sim vivida pelos próprios alunos e professores, de modo a se

garantir o gosto pela disciplina e o aumento do número de investigadores. Deste passo

resultarão ganhos para a ciência geográfica. O interesse é não ensinar factos mas, como

trata Vesentini (2008, p. 37), "levantar questões, ou seja, negar o discurso competente".

Persegue-se uma Geografia mais próxima das pessoas e dos seus problemas,

especialmente para Angola, um país que viveu largos anos de conflito armado e que

precisa desta ciência para o alcance de um desenvolvimento harmonioso. Como se pode

perceber o ensino do litoral angolano a um estudante do interior se o que se fala de nada

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lhe serve? Pior ainda, o professor em causa não está preocupado em melhorar a

capacidade de raciocínio do estudante através do recurso à novas fontes de

conhecimento como por exemplo o Google Hearth2?

Outro dado a ressaltar é a incapacidade de alguns gestores que, mais do que dar valor ao

que se ensina, dão protagonismo ao "se se aprendeu!", que é provado não pelo saber em

si, mas pelas muitas notas (positivas) que são publicadas. E como fica o que o estudante

devia saber para poder aplicar? Surge um novo professor de Geografia que, por falta de

bases, mutila os estudantes e afecta a sua paixão por este curso nos níveis médio ou

superior.

Conforme Vesentini (2008, p. 37)

o conhecimento a ser alcançado no ensino, perspectiva de uma geografia

crítica, não se localiza no professor ou na ciência a ser 'ensinada' ou

vulgarizada e, sim, no real, no meio onde o aluno e professor estão situados e é

fruto da práxis coletiva3 dos grupos sociais.

Sob este ponto de vista, Vesentini (2008, p. 115) advoga que "O ideal, em nosso ponto

de vista, seria o próprio professor elaborar seus textos a partir do conhecimento da

realidade de seus alunos e procurar fazer com que estes sejam co-autores do saber". Um

conceito a ensinar em países que têm vindo a apostar no seu

crescimento/desenvolvimento é o de não se construir em valas, considerando os riscos

que os seres humanos correm em época chuvosa (vede Fig. 1).

Outro grande problema, em nosso entender, resulta da falta de bibliografia,

inclusivamente ao nível do ensino superior. De acordo com Carvalho (2012) são estas

algumas das lacunas ao nível do Ensino Superior em Angola e que podem explicar a

abordagem sobre condenação social que se tem vindo que se pode dar à Geografia

quando se discute sobre a sua utilidade:

Quase total ausência de investigação científica, havendo casos individuais que

demonstram que se chega mesmo a ignorar quem pretenda promover a investigação

[cf. Silva 2012]; Despreocupação com a publicação dos poucos estudos que são

feitos nas instituições de ensino superior;

Ausência de aposta na edição de livros e de revistas científicas, havendo a registar

muito poucas excepções a esta regra [vide Silva 2012: 203];

2 Para sermos modestos.

3 Conforme a fonte

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Deficiente aposta em bibliotecas e laboratórios, havendo mesmo a assinalar a criação

de faculdades sem haver a preocupação com a criação destas infra-estruturas e sem a

aquisição de meios de trabalho indispensáveis a docentes e estudantes;

Deficiente aposta na formação e actualização dos docentes

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão, podemos considerar que a Geografia tem um longo caminho a percorrer

e para atletas devem ser chamados todos os estudantes e instituições afins. O Estado

sempre apostar em quadros apostados na formação de qualidade a todos os níveis,

definindo ou, ao menos, acompanhando e assessorando as finalidades de formação

profissional, social e política, cultural e humanística que são devidas à escola.

Formar professores de Geografia é importante. No entanto, mais importante do que o

Diploma é a certeza de que os que são formados estão em condições de olhar para o

espaço geográfico como o seu campo de acção, sobre o qual deve incidir a sua reflexão

e seja capaz de levar os estudantes a ter uma visão crítica relativamente àquilo que os

circunda. Se se aposta na medicina preventiva, em nossa opinião também se devia

reflectir sobre uma Geografia do bom senso, em que, mais do que se ensinar, se leve o

estudante a pensar no espaço geográfico como a sua fonte de vida e de inspiração. Com

vocação, empenho e um motivação passarão a engrossar o corpo de investigadores em

Geografia à bem de uma carreira (geográfica) negligenciada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Paulo de – Avaliação do ensino superior em Angola. (2012), p. 51-54.

[Consult. 12.09.2014]. Disponível na internet: http://ras.revues.org./422

COSTA, F. Rodrigues da e ROCHA, M. Mendes - Geografia: Conceitos e paradigmas

- apontamentos preliminares. [Consult. 12 09. 2014]. Disponível na internet:

http://www.nemo.uem.br/artigos/geografia_conceitos_e_paradigmas_fabio_costa_marci

o_rocha.pdf

Decreto n.º 90/09 (10-03-07). [Consult. 12 09. 2014]. Disponível na internet:

http://isced.ed.ao/assets/120/Normas%20Gerais%20Reguladoras%20do%20Ensino%20

Superior.pdf

VESENTINE, José W. - O ensino da Geografia e luta de classes. In PARA ONDE VAI

O ENSINO DA GEOGRAFIA? São Paulo: Editora Contexto. 2008. ISBN 85-85134-32-

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______- Geografia crítica e ensino. In PARA ONDE VAI O ENSINO DA GEOGRAFIA?

São Paulo: Editora Contexto. 2008. ISBN 85-85134-32-1.

Ilustração 1 - Destruição de residências no Lobito devido às chuvas de Março/2015

Fonte: Fotografia do autor