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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU - FURB
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
VIEGAS FERNANDES DA COSTA
TURISMO ARQUEOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
A possibilidade de aproveitamento do patrimônio arqueológico pré-colonial dos
municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba (SC) para a promoção do desenvolvimento
sustentável na região.
BLUMENAU
2016
2
VIEGAS FERNANDES DA COSTA
TURISMO ARQUEOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
A possibilidade de aproveitamento do patrimônio arqueológico pré-colonial dos
municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba (SC) para a promoção do desenvolvimento
sustentável na região.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós Graduação em Desenvolvimento
Regional – PPGDR do Centro de Ciências
Humanas e da Comunicação da
Universidade Regional de Blumenau –
FURB, como requisito parcial para a
obtenção de grau de Mestre em
Desenvolvimento Regional.
Prof. Dr. Clóvis Reis – Orientador
BLUMENAU
2016
3
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é resultado de uma pesquisa de dois anos à qual se somaram
diversas pessoas, sem cujo apoio não teríamos alcançado os resultados aqui
apresentados. Cumpre-me agora agradecer a estas pessoas.
Primeiramente, reconhecer e agradecer o apoio da minha esposa Fernanda Denise
Satler, primeira e principal incentivadora desta caminhada que partilhou comigo, seja na
troca de ideias, nas sugestões, nos questionamentos ou me acompanhando em campo,
auxiliando-me nos registros fotográficos e nas observações, seja na paciência que me
concedeu quando da minha ausência nas atividades do lar.
Aos meus pais, mãe Anneli Fernandes da Costa, pai Carlos Alberto Fernandes da
Costa, que nunca mediram esforços para a educação dos seus filhos e que sempre me
incentivaram a curiosidade, a persistência e a leitura de mundo.
Ao meu orientador, Professor Doutor Clóvis Reis, pela confiança, paciência,
orientações e por me conceder a liberdade de experimentar novos caminhos sempre
quando necessários.
Aos professores e colegas alunos do Programa de Pós Graduação em
Desenvolvimento Regional de Blumenau, pelos debates, leituras, questionamentos e
apoio concedido.
Ao Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IF-SC),
que me proporcionou estímulo e estrutura para que esta pesquisa fosse possível e,
principalmente, por me desafiar para um novo território.
Aos meus alunos do IF-SC Campus Garopaba, primeiros interlocutores e com os
quais tive a oportunidade de compartilhar resultados preliminares e testar hipóteses.
Agradecimentos especiais também aos professores João Henrique Quoos e Juliani
Brignol Walotek (IF-SC) pela troca de informações, parceria e pelos registros
fotográficos; ao Professor Doutor Luciano Félix Florit (FURB), membro da Banca de
Qualificação e de Defesa, pela amizade, apoio, leitura crítica e sugestões; à Professora
Doutora Marilda Rosa Galvão Checcucci da Silva (FURB), membro da Banca de
Qualificação, pela leitura crítica e sugestões; e ao Professor Carlos Marcelo Ardigó
(UNIVALI), membro da Banca de Defesa, pela leitura crítica e sugestões.
À Secretária do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional,
Kathleen Simone Hüskes, sempre disponível e atenta às questões de suporte que
necessitávamos no âmbito do PPGDR.
4
Registro também que diversas pessoas despenderam voluntariamente tempo e
conhecimentos para a realização desta pesquisa, fornecendo-me informações,
conduzindo-me a sítios, auxiliando-me nos registros fotográficos e me indicando
materiais. A estas pessoas reitero aqui meus agradecimentos, em especial a: Zeno
Moreira de Castilho Neto, Luiz Fernando Alves Bintencourt, Maria Aparecida Ferreira,
Paulo Sefton, Fernando Ambrósio e Agenor Garcia Felipe pelas entrevistas que me
concederam; aos grupos de condutores ambientais ACAIG, Vidamar, Taiá Terra e ao
Ismael Furtado do Garopaba Mountain Bike Tours que, por meio dos seus
representantes, prontamente responderam aos questionários enviados; Ronaldo Augusto
e Jean Pierre Vasconcellos por me apresentarem e conduzirem a diversos sítios
arqueológicos; e a todos que participaram desta pesquisa respondendo aos questionários
e partilhando das expectativas, das etapas do trabalho e das dúvidas.
5
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo estudar as possibilidades do turismo arqueológico
enquanto estratégia para a promoção do desenvolvimento sustentável da região
compreendida pelos municípios catarinenses de Garopaba, Imaruí e Imbituba. A partir
da constatação de que o modelo de desenvolvimento adotado por estes municípios não
promoveu o desenvolvimento sustentável, gerou concentração de renda, fomentou o
turismo de massas, promoveu a sazonalidade econômica, legou passivos ambientais e
contribuiu para destruição do patrimônio cultural, discute-se o turismo arqueológico
como alternativa complementar para o desenvolvimento sustentável e articulação da
região. A pesquisa foi desenvolvida nas seguintes etapas: discussão do conceito de
desenvolvimento sustentável a partir das suas dimensões segundo Sachs (2006) e sua
relação com o turismo e os processos de patrimonialização; caracterização do território,
apresentando seus aspectos históricos, identitários, socioeconômicos e suas diferentes
escalas de regionalização; estudo da percepção dos atores locais sobre o turismo
arqueológico através de entrevistas com lideranças locais e gestores municipais de
turismo, aplicação de questionário aos grupos de condutores ambientais com atuação na
região e aplicação de questionário a turistas que visitaram alguns dos municípios
estudados; valoração do patrimônio arqueológico da região por meio da adaptação de
metodologia de valoração aplicada por Dabezies (2011). A pesquisa mostra o estado
atual e a capacidade que os vestígios arqueológicos pré-coloniais remanescentes na
região possuem para atuar como atrativos turísticos, bem como a viabilidade do turismo
arqueológico na região.
Palavras Chave: Desenvolvimento Sustentável, Turismo Arqueológico, Garopaba,
Imaruí, Imbituba.
6
ABSTRACT
This research aims to study the possibilities of the archaeological tourism as a strategy
for the promotion of sustainable development of Garopaba, Imaruí and Imbituba, cities
of the Brazilian state of Santa Catarina. Since the model of development adopted in
these cities has not promoted sustainable development, generating concentration of
income, encouraging mass tourism, promoting an economic seasonality, bequeathing
environmental liabilities and contributing to the destruction of cultural heritage, it is
discussed the archaeological tourism as a complementary alternative for sustainable
development and region articulation. The research was developed in the following steps:
discussion of the concept of sustainable development from its dimensions according to
Sachs (2006) and its relationship with the tourism and the patrimonialization processes;
territory characterization, introducing historical, identity, and socioeconomic aspects in
its different regionalization scales; study of the perception of local actors about
archaeological tourism through interviews with local leaders and tour managers, survey
with local guiding professionals and with tourists who visited some of the studied cities;
valuation of the archaeological heritage of the region through the adaptation of the
valuation methodology applied by Dabezies (2011). The research shows the current
status of the regional remaining pre-colonial archaeological vestiges and its capacity to
act as tourist attractions, as well as the archaeological tourism viability in the region.
Keywords: Sustainable Development, Archaeological Tourism, Garopaba, Imaruí,
Imbituba.
7
LISTA DE SIGLAS
ACIG – Associação Comercial e Industrial de Garopaba,
AMUREL – Associação de Municípios da Região de Laguna.
AP – Antes do Presente.
APA – Área de Proteção Ambiental.
CNSA – Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos.
CONAPA – Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental.
EMBRATUR – Instituto Brasileiro de Turismo (Empresa Brasileira de Turismo – 1966
a 1991).
FURB – Fundação Universidade Regional de Blumenau.
GERCO – Gerenciamento Costeiro.
IBGE – Instituto Brasilero de Geografia e Estatística.
ICC – Indústria Carboquímica Catarinense.
ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
IF-SC – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina.
GRANFPOLIS – Associação de Municípios da Grande Faloruanópolis.
GRUPEP – Grupo de Pesquisa em Educação Patrimonial e Arqueologia.
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Reursos Naturais Renováveis.
ICOMOS - Internacional Council on Monuments and Sites.
IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano por Município.
IG – Indicação Geográfica.
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
MAE-USP – Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.
MARÉ – Movimento Açoriano de Res
gate.
MN-UFRJ – Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
NRM – Nível Relativo do Mar.
ONU – Organização das Nações Unidas.
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento.
PPGDR – Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional.
PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego.
RESEX – Reserva Extrativista.
8
SANTUR – Santa Catarina Turismo.
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
SGPA – Sistema de Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico.
SPHAN – Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura.
UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina.
UTM – Sistema Universal Transversa de Mercator.
WTC - World Championship Tour
ZPE – Zona de Processamento de Exportação.
9
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 12
1.1 Tema da Pesquisa ..................................................................................................... 12
1.2 Problematização........................................................................................................ 12
1.3 Pressupostos ............................................................................................................. 15
1.4 Questões da pesquisa ................................................................................................ 16
1.5 Objetivos ................................................................................................................... 17
1.5.1 Objetivo Geral ....................................................................................................... 17
1.5.2 Objetivos Específicos ............................................................................................ 17
1.6 Justificativa ............................................................................................................... 18
1.6.1 Relevância teórica.................................................................................................. 18
1.6.2 Relevância Prática ................................................................................................. 20
1.7 Organização do trabalho e metodologia ................................................................... 21
2 – TURISMO ARQUEOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ...... 27
2.1 Desenvolvimento, sustentabilidade e turismo. ......................................................... 27
2.2 O patrimônio arqueológico. ...................................................................................... 34
2.3 O turismo arqueológico. ........................................................................................... 41
3 – CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO .................................................... 51
3.1 Aspectos históricos dos municípios. ......................................................................... 52
3.1.1 Garopaba. ............................................................................................................... 52
3.1.2 Imaruí. ................................................................................................................... 55
3.1.3 Imbituba. ................................................................................................................ 57
3.2 Aspectos identitários ................................................................................................ 60
3.3 População, renda e perspectivas de desenvolvimento .............................................. 61
3.4 A ocupação pré-colonial da região ........................................................................... 64
3.5 As regionalizações dos municípios em questão ....................................................... 76
3.6 O turismo na região .................................................................................................. 81
3.7 Sítios e vestígios arqueológicos como atrativos turísticos ....................................... 88
3.8 Uma nova escala de representação social e a abertura de uma janela ...................... 91
4 – O TURISMO ARQUEOLÓGICO NA PERCEPÇÃO DOS ATORES LOCAIS .... 96
4.1 A percepção dos representantes da comunidade ...................................................... 96
4.1.1 Entrevistado: Zeno Moreira de Castilho Neto. ...................................................... 98
4.1.2 Entrevistado: Luiz Fernando Alves Bintencourt ................................................. 101
10
4.1.3 Entrevistada: Maria Aparecida Ferreira .............................................................. 104
4.1.4 Considerações gerais ........................................................................................... 108
4.2 A percepção dos grupos de Condutores Ambientais Locais .................................. 110
4.3 A perspectiva do Poder Público Municipal ............................................................ 115
4.3.1 Entrevistado: Paulo Sefton, Secretário de Turismo, Esporte e Cultura de Imbituba.
...................................................................................................................................... 115
4.3.2 Entrevistado: Fernando Ambrósio, Secretário de Turismo, Esporte e
Desenvolvimento de Garopaba. .................................................................................... 119
4.3.3 Entrevistado: Agenor Garcia Felipe, Secretário da Indústria, Comércio e Turismo
de Imaruí. ...................................................................................................................... 122
4.3.4 Considerações gerais ........................................................................................... 123
4.4 A percepção dos turistas ......................................................................................... 125
4.4.1 Discussão ............................................................................................................. 135
5 – VALORAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO ..................................... 138
5.1 Valoração do patrimônio arqueológico da região................................................... 138
5.2 Valoração Arqueológica ......................................................................................... 142
5.2.1 Quadros síntese dos sítios arqueológicos de Garopaba, Imaruí e Imbituba. ....... 144
5.2.2 Análise ................................................................................................................. 150
5.2.2.1 Aspectos gerais ................................................................................................. 150
5.2.2.2 Garopaba ........................................................................................................... 151
5.2.2.3 Imaruí ............................................................................................................... 151
5.2.2.4 Imbituba ............................................................................................................ 152
5.2.2.5 Discussão .......................................................................................................... 153
5.3 Valoração “la puesta en valor” reduzida ................................................................ 156
5.3.1 Ponta do Galeão (Garopaba) ............................................................................... 160
5.3.2 Oficina Lítica da Vigia (Garopaba) ..................................................................... 163
5.3.3 Capão de Garopaba (Garopaba) .......................................................................... 164
5.3.4 Praia do Siriú ....................................................................................................... 167
5.3.5 Rosa Sul (Imbituba) ............................................................................................. 168
5.3.6 Canto Norte da Praia da Vila (Imbituba) ............................................................. 170
5.3.7 Porto do Nato, Guaiúba (Imbituba) ..................................................................... 173
5.3.8 Barra da Lagoa de Ibiraquera .............................................................................. 175
5.4 Os resultados da valoração “la puesta en valor”: potencialidades e fragilidades dos
sítos arqueológicos valorados. ...................................................................................... 176
11
6 – VERIFICANDO PRESSUPOSTOS E RESPONDENDO QUESTÕES ............... 181
7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 192
8 - REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 196
8.1 Referências gerais ................................................................................................... 196
8.2 Documentos e relatórios técnicos ........................................................................... 203
8.3 Guias e prospectos turísticos .................................................................................. 203
8.4 Entrevistas .............................................................................................................. 204
APÊNDICES ................................................................................................................ 205
APÊNDICE A: Questionário destinado aos grupos de condutores ambientais ........... 206
APÊNDICE B: Questionário virtual aplicado com turistas que já visitaram alguns dos
municípios estudados. ................................................................................................... 208
APÊNDICE C: Ficha de valoração “la puesta en valor” reduzida. .............................. 210
12
1 – INTRODUÇÃO
1.1 Tema da Pesquisa
As possibilidades representadas pelo patrimônio arqueológico pré-colonial dos
municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba (SC) na promoção do turismo arqueológico
enquanto estratégia de desenvolvimento sustentável na região.
1.2 Problematização
O antropólogo Roberto Cardoso Oliveira (2000), ao discutir o fazer antropológico,
defende que o autor de uma pesquisa não deve se esconder sob o texto, dando o falso
caráter de impessoalidade. Cardoso, ao se referir à Antropologia, reconhece a polifonia
inerente ao seu campo de saber. Polifonia esta que compreendemos se estender ao
campo dos estudos do Desenvolvimento Regional.
A proposta de estudar a relação existente entre o patrimônio arqueológico, o
turismo e o desenvolvimento sustentável na região compreendida pelos municípios
catarinenses de Garopaba, Imaruí e Imbituba surgiu quando, em 2013, travei meus
primeiros contatos com estes municípios. Nascido no Vale do Itajaí, e imerso em suas
discussões, vi-me deslocado e desterritorializado trabalhando como professor de
História Local para o curso de Condutor Ambiental no Campus de Garopaba do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IF-SC). O
contato abrupto com esta nova realidade e as exigências profissionais que me foram
apresentadas, levaram-me a perceber as contradições existentes no desenvolvimento da
região e a necessidade de compreendê-la mais sistematicamente, de modo a tornar
assertiva minha prática enquanto professor e pesquisador voltado à formação
profissional e ao desenvolvimento dos arranjos produtivos locais. Daí a escolha pelo
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e pela questão do
patrimônio cultural enquanto dimensão do desenvolvimento sustentável.
Os três municípios que estudei, localizados no litoral centro sul de Santa Catarina,
a despeito das suas diferenças, possuem elementos em comum. Comecemos por aí. O
primeiro deles diz respeito aos modelos de desenvolvimento. Conforme veremos, estes
modelos implementados na região, apesar de distintos para cada município, resultaram
13
em índices de desenvolvimento humano inferiores aos da média catarinense, grandes
passivos ambientais e sociais e desterritorialização identitária. Garopaba optou pelo
turismo “sol e mar”, atividade sazonal que relega a maior parte da sua população a
atividades laborais informais. Sua característica de turismo de massa promove impactos
ambientais e sociais consideráveis, bem como pressiona a ocupação do solo e a
descaracterização cultural do território. Imbituba, por sua vez, apesar de investimentos
na atividade turística, especialmente na Praia do Rosa e na Lagoa do Ibiraquera,
observou seu modelo de desenvolvimento sendo imposto exogenamente a partir de um
discurso de modernidade inserido na região nas primeiras décadas do século XX, com
os investimentos do empresário Henrique Lage. De vila de pescadores, Imbituba
transformou-se em uma cidade portuária especializada em exportar minérios extraídos
mais ao sul do Estado. A opção deixou a cidade dependente das vicissitudes do mercado
internacional de minérios, especialmente do carvão mineral. Na década de 1970 este
modelo de desenvolvimento exógeno levou para a cidade um polo carboquímico hoje
falido e que legou à população passivos ambientais, desemprego, pobreza e problemas
de saúde pública. Atualmente o município aposta na ativação da Zona de Processamento
de Exportações (ZPE), que promete alavancar o desenvolvimento da região, e na
revitalização do porto. De qualquer modo, a aposta reproduz o modelo de
desenvolvimento exógeno, que já se comprovou insustentável. Por fim, Imaruí,
município localizado às margens de uma lagoa homônima, possui seu desenvolvimento
estruturado principalmente na economia primária (pesca artesanal e atividades
agropecuárias) e, diferente dos demais municípios estudados, apresenta redução
demográfica.
Considerando que os modelos de desenvolvimento implementados não são
capazes de garantir o desenvolvimento sustentável dos municípios, estes precisam
encontrar alternativas capazes de garantir a sustentabilidade. É neste sentido que esta
pesquisa propõe se situar. Garopaba, Imaruí e Imbituba estão localizados em uma região
sensível sob o aspecto ambiental, junto à faixa litorânea e abrigando um importante
complexo lagunar. Modelos de desenvolvimento que impliquem em presença massiva
de pessoas, indústrias e atividades extrativistas, reproduzindo experiências já
implementadas e falidas, contribuirão para que o equilíbrio socioambiental fique ainda
mais comprometido, aumentando os passivos já citados e promovendo desigualdade
social e concentração de renda. Daí a necessidade destes municípios pensarem um
modelo de desenvolvimento que seja endógeno e sustentável.
14
É desta percepção que pretendemos estudar as possibilidades do turismo
arqueológico enquanto estratégia para a promoção do desenvolvimento sustentável da
região compreendida pelos municípios catarinenses de Garopaba, Imaruí e Imbituba.
Este é o segundo elemento comum, e nos desafiou a pensar na possibilidade de
articulação regional a partir do aproveitamento dos vestígios arqueológicos existentes.
Entretanto, e aqui surgem os problemas que nos desafiam, desconhece-se o estado em
que se encontram estes sítios e se podem efetivamente representar atrativo turístico.
Também se torna imperativo conhecer quais são as reais possibilidades do turismo
arqueológico na promoção de um desenvolvimento sustentável, endógeno, e como os
agentes locais pensam este assunto.
Sabemos que a atividade turística, por si só, é incapaz de promover o
desenvolvimento sustentável da região. O que propomos com esta pesquisa é pensar o
turismo arqueológico enquanto complementar no planejamento de uma atividade
turística sustentável que contribua para a sustentabilidade, compreendida de forma
ampla, conforme discutiremos.
Neste contexto, a inserção do turismo arqueológico na região, considerando-o
enquanto fomentador de práticas de educação patrimonial, resultado de planos de gestão
e acompanhado, tanto em seu planejamento quanto na sua gestão e na interface com o
turista, por profissionais especializados, pode contribuir especialmente para práticas de
conhecimento dos sítios ainda existentes, para atividades de educação que permitam às
comunidades locais o empoderamento sobre estes espaços e uma relação de
reconhecimento destes vestígios enquanto constituidores da identidade local, e como
fonte alternativa e/ou complementar de trabalho e renda. Ou seja, anuncia-se aqui a
perspectiva do desenvolvimento territorial sustentável, na medida em que se abrem as
possibilidades para a investigação e construção das quatro dimensões básicas da noção
de território, desenvolvidas por Abramovay (2010), a saber: horizontes multisetoriais; a
superação da ideia de desenvolvimento como sendo estritamente crescimento
econômico; o estudo empírico dos atores e suas organizações para a compreensão das
situações apresentadas no âmbito da região; e a maneira como a sociedade utiliza seus
recursos (neste caso. o turismo no geral e o turismo arqueológico no específico).
As dimensões apresentadas por Abramovay (2010) ampliam as possibilidades de
investigação deste trabalho, que aqui se limita a identificar alguns elementos que
permitam observar Garopaba, Imaruí e Imbituba enquanto constituidores de uma região
articulada pelo seu patrimônio arqueológico e pelo horizonte do turismo arqueológico.
15
Restringimo-nos a um esboço de sujeitos e escalas, que autorizam a operação de
regionalização, mas que apontam, também, para a necessidade de um estudo com base
na dimensão territorial.
1.3 Pressupostos
A seguir são enunciados/apresentados os pressupostos desta pesquisa.
P1: O turismo arqueológico contribui para a promoção do desenvolvimento
sustentável.
O pressuposto se sustenta principalmente a partir das discussões sobre o
ecodesenvolvimento de Sachs (2006a), para o qual a sustentabilidade cultural é uma das
dimensões do desenvolvimento sustentável. Segundo autores como Brenner (2005),
Bastos (2007) e Barretto (2007, 2009), o turismo cultural, quando planejado e
comprometido com o desenvolvimento endógeno, pode contribuir para o fortalecimento
das identidades locais, para a preservação e ressignificação de práticas culturais e
fomentar trabalho e renda.
O turismo arqueológico, que integra a segmentação do turismo cultural (BRASIL,
2010), possui princípios próprios do ecodesenvolvimento, tais como a geração de renda
e trabalho, o empoderamento da população local sobre seu território e a interpretação
cultural (BASTOS, 2005), dentre outros. Guimarães (2012a) vai além, afirmando que a
busca da sustentabilidade pelo turismo arqueológico ocorre de forma ampla, envolvendo
aspectos ambientais, sociais, culturais e econômicos. Para Veloso e Cavalcanti (2007), o
turismo arqueológico é importante veículo de desenvolvimento socioeconômico.
Nascimento (2010) mostra que em diversos lugares do mundo o turismo arqueológico é
o principal promotor de emprego e renda. O turismo arqueológico sustentável também
contribui com a preservação do patrimônio cultural e gera interesse sobre ele
(BARRETO, 2007; NÓBREGA, 2015), e em regiões como Palmares (AL), Canudos
(BA) e São Paulo, onde foi implementado, contribuiu com o empoderamento das
populações locais e com a inclusão social (FUNARI, MANZATO e ALFONSO, 2013).
P2: O patrimônio arqueológico pré-colonial existente nos municípios de
Garopaba, Imaruí e Imbituba pode servir de suporte para o desenvolvimento do
turismo arqueológico na região.
16
Considerando o exposto no pressuposto anterior (P1), este segundo pressuposto se
sustenta na existência de diversos sítios arqueológicos pré-coloniais nos três municípios,
conforme demonstrado por Rohr (1984) e segundo os registros disponíveis no Cadastro
Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA/SGPA) desenvolvido pelo IPHAN. Levamos
em consideração o argumento de que o interesse pelo turismo arqueológico tem sido
incentivado no Brasil e crescido significativamente se comparado a outras segmentações
turísticas (MANZATO, 2013), bem como no estado de Santa Catarina (COMERLATO,
2005).
A relevância do turismo para a região (SPERB, SERVA e FIRMINO, 2013;
ALVIM, 2014), a destruição a que muitos sítios arqueológicos da região foram (e são)
submetidos (BASTOS, 2007) e a existência de diversos sítios remanescentes, permite-
nos supor a possibilidade do turismo arqueológico na região. Cabe citar aqui o estudo de
Guimarães (2012a) no município amazonense de Iranduba, no qual a autora mostrou
que mesmo sítios arqueológicos de baixa monumentalidade podem ter viabilidade
turística quando o turismo arqueológico acontece em complementariedade a outras
segmentações turísticas.
P3: O patrimônio arqueológico pode atuar como elemento articulador de
uma região.
Este pressuposto entende a região como resultado de uma operacionalização que
envolve diferentes atores e interesses, aproximando-a das operações de territorialização
(BRANDÃO, 2004; ABROMOVAY, 2010), e apresentando uma dimensão concreta e
outra abstrata (NÓBREGA e ARAÚJO, 2015). Enquanto dimensão concreta temos o
patrimônio arqueológico remanescente e o turismo como importante atividade
econômica e social da região; como dimensão abstrata temos o interesse pelo
desenvolvimento de segmentos turísticos que promovam a sustentabilidade.
1.4 Questões da pesquisa
A seguir são enunciados/apresentados as questões desta pesquisa.
Q1: Qual o estado do patrimônio arqueológico da região? Este apresenta
monumentalidade? Os sítios arqueológicos estão acessíveis ao público?
Q2: A comunidade local manifesta interesse e articulação em torno do patrimônio
arqueológico pré-colonial?
17
Q3: Há interesse, ou algum tipo de articulação, por parte do poder público, no
aproveitamento do patrimônio arqueológico pré-colonial enquanto atrativo turístico?
Q4: Os turistas que frequentam a região e os operadores locais do turismo
conhecem os vestígios arqueológicos e demonstram interesse pelo turismo
arqueológico?
Q5: É possível indicar o turismo arqueológico como estratégia para a promoção
do desenvolvimento sustentável na região compreendida pelos municípios de Garopaba,
Imaruí e Imbituba?
1.5 Objetivos
A seguir são enunciados/apresentados o objetivo geral e os objetivos específicos
desta pesquisa.
1.5.1 Objetivo Geral
Analisar as possibilidades do turismo arqueológico enquanto estratégia para a
promoção do desenvolvimento sustentável da região compreendida pelos municípios
catarinenses de Garopaba, Imaruí e Imbituba.
1.5.2 Objetivos Específicos
- Verificar as condições gerais do patrimônio arqueológico nos municípios de
Garopaba, Imaruí e Imbituba.
- Investigar a existência de manifestações da sociedade civil relacionadas ao
patrimônio arqueológico pré-colonial na região.
- Conhecer a perspectiva dos representantes do poder público a respeito do
patrimônio arqueológico pré-colonial da região e o nível de interesse para seu
aproveitamento turístico.
- Verificar o conhecimento que turistas e operadores locais do turismo possuem
sobre o patrimônio arqueológico pré-colonial da região e o interesse que manifestam
pelo turismo arqueológico.
- Refletir sobre as relações entre turismo arqueológico e desenvolvimento
sustentável.
18
1.6 Justificativa
A seguir são apresentadas as relevâncias prática e teórica e prática desta pesquisa.
1.6.1 Relevância teórica
O turismo é atualmente uma importante fonte de renda e trabalho no Brasil. Em
2009 a produção das atividades características do turismo representou 3,9% do total de
valores brutos produzidos na economia brasileira, e os rendimentos (salários e outras
remunerações) pagos por estas atividades representaram 3,5% do total de rendimentos
pagos no país naquele mesmo ano (IBGE, 2012).
Dentre os diversos segmentos turísticos, o turismo cultural é um dos que mais
cresce. Em 2006, conforme Veloso e Cavalcanti (2007), este segmento estava em
terceiro lugar nas preferências daqueles que viajavam pelo Brasil, ficando atrás do
ecoturismo e do turismo de aventura. Para os autores, o crescimento deste segmento
turístico:
(...) está associado ao crescente fenômeno da globalização que gera,
pelo lado das culturas receptoras, a necessidade de redescobrir e
fortalecer a identidade cultural como também de resignificar seu
patrimônio e, pelo lado dos visitantes, o surgimento renovado do
interesse pela cultura. (VELOSO e CAVALCANTI, 2007, p. 156)
Neste mesmo sentido concorrem Bastos (2005), quando afirma que a globalização
promoveu o “elogio das diferenças”, e Barretto, que constata que a demanda por lugares
históricos aumentou de forma inédita a partir da última década do século XX, explicada
pelo processo de internacionalização, “que provocou uma espécie de nostalgia, uma
necessidade de sentir uma ligação emocional com os lugares, com a história dessas
localidades e com o próprio passado” (BARRETTO, 2007, p. 109).
Apesar da importância econômica, e dos impactos que promove na realidade, seu
estudo acadêmico é relativamente recente e marginalizado. Segundo Barretto, “a
academia não se interessa pelo turismo porque o considera uma atividade marginal; e a
atividade continua marginal porque não tem os subsídios acadêmicos para um
planejamento adequado” (BARRETTO, 2007, p. 14).
O turismo arqueológico como segmento do turismo cultural, desenvolveu-se
originalmente no Brasil como forma de divulgar as pesquisas desenvolvidas pela
19
Arqueologia. Segundo o Ministério do Turismo, “o estudo e a prática do turismo
arqueológico podem ser consideradas atividades recentes no Brasil, bem como as
discussões sobre os conceitos básicos do segmento” (BRASIL, 2010, p. 23). Entretanto,
apesar de recente, “é expressiva a forma com que as iniciativas para a prática do
Turismo Arqueológico têm sido amplamente instigadas (..) [e que este] vem
experimentando um significativo crescimento em relação aos outros segmentos
turísticos”. (MANZATO, 2013, p. 39).
Portanto, por se tratar de atividade e campo de saber ainda recente no Brasil, e
considerando que a prática do turismo arqueológico ocorre em sítios sensíveis sob
diversos aspectos e, por isso, só podendo ser praticado mediante rigoroso planejamento,
torna-se fundamental que suas potencialidades, planejamento e experiências sejam
estudadas cientificamente, a fim de oferecer subsídios seguros para sua organização, de
modo que este tipo de turismo contribua para o desenvolvimento sustentável dos
territórios em que seja viável e para a preservação do próprio patrimônio arqueológico.
Também Guimarães (2012a) defende a necessidade de se estudar academicamente
o turismo arqueológico como maneira de problematizar visões, muitas vezes
preconceituosas, que atribuem a este tipo de turismo em específico (e ao turismo de
modo geral) um caráter exclusivamente predatório. Segundo esta autora,
Como para a arqueologia brasileira, no âmbito das discussões
acadêmicas, esse tema é relativamente novo, são frequentes as
opiniões preconceituosas em relação à atividade turística. Qualquer
discussão parece menosprezá-la, tanto enquanto atividade econômica
complexa, quanto como ciência (...). As opiniões simplistas chegam
mesmo a desprezar o potencial benéfico da atividade nos campos
social, cultural e econômico, bem como ignoram a formação
acadêmica do profissional da área. (GUIMARÃES, 2012a, p. 21-22).
Guimarães (2012a) lembra que ainda são poucos os estudos acadêmicos acerca do
turismo arqueológico no Brasil, apesar do interesse crescente sobre o tema; que o
Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), já na década de 1990,
apontava para a necessidade da gestão do patrimônio arqueológico requerer altos
padrões acadêmicos; e que sua abordagem deveria ser multidisciplinar. Para a autora, “a
gestão do patrimônio arqueológico não deve ser a expressão do desejo de um grupo
específico – arqueólogos, governantes, turismólogos – mas, sim, o resultado de um
interesse legítimo da sociedade” (GUIMARÃES, 2012a, p. 45). Esta é a mesma
perspectiva de Sampaio ao discutir o turismo de base comunitária (com o qual o turismo
arqueológico apresenta muitas convergências). Segundo ele o turismo deve ser tratado
20
“com um enfoque transdisciplinar, diferentemente do que normalmente se verifica nos
estudos teóricos, metodológicos e empíricos inseridos às ciências sociais aplicadas”
(SAMPAIO, 2005, p. 132). Da mesma forma Santana, ao estudar os aspectos
antropológicos do turismo, afirma que a atividade turística e seus atores devem ser
compreendidos por meio de “um esforço conjunto de antropólogos, sociólogos,
geógrafos, economistas e outros cientistas sociais e naturais, carecendo, desde seu
início, das amarras impostas pelas tradicionais barreiras disciplinares” (SANTANA,
2009, p. 22).
Este trabalho, ao discutir as possibilidades do turismo arqueológico enquanto
estratégia para a promoção do desenvolvimento sustentável, contribui com o debate
teórico acerca do turismo de modo geral, e do turismo arqueológico de modo específico,
oferecendo subsídios para seu planejamento e sua reflexão acadêmica.
1.6.2 Relevância Prática
Apesar da grande quantidade de sítios e vestígios arqueológicos pré-coloniais
registrados em Garopaba, Imaruí e Imbituba, não há políticas de turismo voltadas para o
desenvolvimento do turismo arqueológico no âmbito da região turística Encantos do
Sul. Sequer estes sítios e vestígios são mencionados na publicação “Bíblia do Turismo”,
publicação voltada aos profissionais de turismo com atuação em Santa Catarina. Nesta
publicação, os atrativos turísticos da região Encantos do Sul são assim descritos:
No litoral, cidades históricas e vilas de pescadores dividem a
paisagem com belas praias, algumas com enseadas protegidas onde as
baleias-francas buscam refúgio. No interior, estâncias hidrotermais e
cidades de origens italiana e alemã são os principais atrativos.
(BÍBLIA DO TURISMO, s.d., p. 38)
Constata-se também que as informações existentes junto ao Cadastro Nacional de
Sítios Arqueológicos do IPHAN, a respeito do estado e da abrangência dos sítios
arqueológicos da região, estão incompletas e desatualizadas, e que a pressão urbana e
econômica contribui para a destruição e perda dos vestígios ainda existentes. Conhecer
o estado e condições de acessibilidade dos sítios arqueológicos é fundamental para o
planejamento de atividades de turismo sustentável e para fornecer subsídios à pesquisa
arqueológica, às atividades de educação patrimonial e à preservação do patrimônio
arqueológico enquanto bem comum da comunidade.
21
Toda atividade turística sustentável exige planejamento e envolvimento da
comunidade, especialmente o turismo arqueológico, conforme defendem Manzato
(2013), Guimarães (2012), Alfonso (2009), Bastos (2005, 2007 e 2008), Veloso e
Cavalcanti (2007), Pardi (2007), Funari, Manzato e Alfonso (2013) e Bueno (2011).
Tanto o reconhecimento e envolvimento da comunidade, quanto o planejamento das
atividades turísticas, exigem conhecimento do patrimônio e sua apropriação e
interpretação por parte da comunidade.
A bibliografia que consultamos permite inferir que o desenvolvimento do turismo
arqueológico pode significar possibilidade de trabalho e renda na perspectiva de um
desenvolvimento territorial sustentável, e contribuir para a interpretação dos vestígios
arqueológicos, bem como com atividades de educação patrimonial que promovam
cidadania cultural e empoderamento da população local no território.
O debate em torno da proposição do turismo arqueológico em uma perspectiva
regional e de complementaridade de segmentos turísticos, fortalecendo agentes locais, a
partir do patrimônio arqueológico, pode ampliar as possibilidades para que Garopaba,
Imaruí e Imbituba pensem suas alternativas de desenvolvimento na perspectiva da
sustentabilidade, reduzindo a dependência da sazonalidade econômica promovida pelo
turismo “sol e mar” e subsidiando a comunidade local para que esta exercite a cidadania
cultural, combatendo atividades econômicas predatórias do patrimônio natural e cultural
e criando condições para seu empoderamento no território.
1.7 Organização do trabalho e metodologia
O presente trabalho está organizado em 5 capítulos, além desta Introdução e das
considerações finais. Nesta Introdução (1) apresentamos o tema da pesquisa, sua
problematização, seus pressupostos e questões, objetivos, a justificativa e a
metodologia.
No capítulo intitulado “Desenvolvimento Sustentável e Turismo Arqueológico”
(2) discutiremos os conceitos de desenvolvimento sustentável e suas características,
tendo como parâmetros teóricos Sachs (2006), Max-Neef (2012), Sampaio (2005),
Mielke e Gandara (2009), Brenner (2005) dentre outros, e sua relação com o turismo.
Procedemos também uma revisão bibliográfica das discussões sobre patrimônio
arqueológico e dos trabalhos que discutem o turismo arqueológico no Brasil.
22
Procuramos relacionar a discussão do turismo arqueológico às discussões da
ecossocioeconomia e do turismo de base local.
O capítulo intitulado “Caracterização da Área de Estudo” (3) está dividido em 8
partes. Na primeira parte apresentamos uma breve caracterização histórica de cada um
dos municípios (Garopaba, Imaruí e Imbituba). Através de uma pesquisa bibliográfica
em livros e artigos, apresentamos o processo de colonização destes municípios e os
investimentos econômicos durante o século XX que resultaram na conjuntura atual. Na
segunda parte situaremos brevemente a questão identitária a partir dos conceitos de
identidade de Glissant (1996) e Hall (2004), considerando que o debate acerca do
patrimônio arqueológico e do fomento do turismo arqueológico é perpassado pelo
conceito de identidade na medida em que dialogam com a perspectiva de cidadania
cultural (SANTOS, 2007). A terceira parte caracteriza aspectos populacionais,
socioeconômicos e as perspectivas de desenvolvimento dos municípios estudados.
Tomando como base os conceitos de desenvolvimento sustentável, efetuou-se uma
pesquisa exploratória que reuniu dados estatísticos, relatórios e análises sobre o
desenvolvimento da região. Os dados estatísticos tiveram como fonte o IBGE e foram
considerados: população total, população ocupada, IDHM e renda per capita mensal por
domicílio. Na quarta parte realizamos uma revisão bibliográfica a respeito da ocupação
pré-colonial na região. Partimos do macro (ocupação pré-colonial no Brasil) para o
micro (ocupação pré-colonial em cada um dos municípios). Nesta revisão bibliográfica
destacam-se os autores De Blasis, Gaspar, Rohr, Giannini, Comerlato e Prous. A quinta
parte apresenta as diferentes escalas de regionalização às quais pertencem os três
municípios. Iniciamos com uma revisão bibliográfica dos conceitos de região, tendo
como partida a discussão da Geografia, e aproximamos a operação de regionalização à
de territorialização, conforme entendimento de Brandão (2004) e Abramovay (2010).
Na sequência apresentamos as diferentes escalas regionais. A discussão regional se
justifica na medida em que a organização regional influencia o território em suas
políticas de desenvolvimento e nas articulações entre seus diferentes atores. Na sexta
parte discutimos a configuração do turismo nos três municípios. Utilizamos dados dos
estudos das demandas turísticas realizados pela Santur em 2010 e procedemos uma
revisão bibliográfica sobre o assunto. Na sétima parte procuramos identificar se há sítios
e vestígios arqueológicos apresentados como atrativos turísticos nos municípios em
questão. Procedemos o levantamento e análise das principais publicações de divulgação
turística editadas nos municípios estudados, verificamos se há menção ao patrimônio
23
arqueológico e de que forma este é apresentado ao público. A última parte resultou do
caráter dinâmico do território. No transcorrer da pesquisa e após a qualificação do
projeto da dissertação, o SEBRAE apresentou um projeto que propõe o fortalecimento
do ecoturismo de observação de baleias, articulando os municípios de Garopaba,
Imbituba e Laguna. Na pesquisa de campo observamos que a proposta do SEBRAE
impactou o discurso local sobre o turismo, de modo que entendemos oportuno discuti-lo
neste trabalho, compreendendo-o como uma “abertura de janela”, conforme conceito de
Kingdon descrito por Capella (2006).
Em “O turismo arqueológico na percepção dos atores locais” (4) partimos dos
questionamentos de partida para um debate que tenha como base o território
apresentados por Brandão (2004) e identificamos como atores locais: a) representantes
da comunidade; b) representantes do trade turístico (condutores ambientais); c)
representantes do poder público (Secretários Municipais de Turismo); d) turistas. Para a
categoria “a” adotamos como critérios para a seleção dos entrevistados o apego ao
território, conforme entendimento de Lee (2013), ser liderança comunitária e ter
envolvimento com o turismo e com o patrimônio arqueológico. A partir de conversas
com pessoas relacionadas a movimentos sociais, educadores e líderes comunitários,
selecionamos três entrevistados que atenderam aos critérios definidos, tratando-se,
portanto, de uma amostragem qualitativa. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas
utilizando técnicas da História Oral. As mesmas foram decupadas e os trechos de
relevância para os objetivos da pesquisa foram transliterados para o corpo do capítulo.
As entrevistas tiveram como objetivo investigar a ocorrência de manifestações da
comunidade relacionadas à defesa e/ou reconhecimento do patrimônio arqueológico
pré-colonial da região, a percepção do entrevistado a respeito do turismo na região e as
possibilidades de utilização do patrimônio arqueológico pré-colonial como atrativo
turístico. Para a categoria “b” aplicamos um questionário com questões fechadas de
múltipla escolha a respeito do patrimônio arqueológico e as possibilidades do turismo
arqueológico na região com os grupos de condutores ambientais com atuação na região.
Os condutores ambientais foram escolhidos em função das características da sua
atuação profissional e sua vinculação com o território. Na categoria “c” realizamos
entrevistas semiestruturadas com o propósito de conhecermos o contexto do turismo em
cada um dos municípios, as prioridades de investimento do poder público neste setor e
as dificuldades encontradas, se há interesse na segmentação turística e quais as
propostas para a promoção turística dos municípios na baixa temporada, bem como
24
compreendermos o nível de reconhecimento e de interesse que o poder público
manifesta em relação ao patrimônio arqueológico do seu município e seu
aproveitamento na economia. Para a categoria “d” aplicamos um questionário eletrônico
com questões fechadas a partir da plataforma Google Forms. A técnica aplicada foi a do
survey (levantamento). As questões inseridas no formulário buscaram identificar o
território de origem dos turistas, seu nível de contato e interesse em relação ao turismo
arqueológico (em geral e na região) e seu nível de contato e conhecimento em relação
ao patrimônio arqueológico da região. Em todo capítulo, para cada um dos grupos,
explicamos a metodologia utilizada, apresentamos os dados e procedemos a discussão.
No capítulo intitulado “Valoração do patrimônio arqueológico” (5) apresentamos
a valoração arqueológica e a valoração “la puesta em valor” dos sítios arqueológicos
selecionados. Na valoração do patrimônio arqueológico submetemos a metodologia de
seleção de sítios arqueológicos adaptada por Dabezies (2011) ao princípio teórico da
redução sociológica de Ramos (1965), em um procedimento que chamaremos de
redução metodológica. Para a valoração arqueológica analisamos as fichas dos sítios
arqueológicos pré-coloniais dos três municípios estudados disponíveis no Cadastro
Nacional de Sítios Arqueológicos do Sistema de Gerenciamento do Patrimônio
Arqueológico (CNSA/SGPA) realizado pelo IPHAN. A análise resultou na produção de
quadros sínteses destes sítios. Para a valoração “la puesta en valor” foram selecionados
sítios arqueológicos nos municípios de Garopaba e Imbituba tendo como base os
resultados da valoração arqueológica e as entrevistas e questionários realizados com os
representantes da comunidade local e grupos de condutores ambientais. Para esta etapa
da cadeia valorativa construímos uma ficha a partir de critérios apresentados no
capítulo. O preenchimento das fichas foi realizado durante pesquisa de campo que
realizamos aos sítios arqueológicos selecionados e a partir de observação superficial
destes. No capítulo apresentamos as diferentes etapas da cadeia valorativa, os critérios
metodológicos utilizados, os dados produzidos e a discussão dos resultados.
No Quadro 1 apresentamos uma síntese relacionando as questões da pesquisa,
objetivos espécíficos e procedimentos metodológicos correspondentes.
25
QUESTÕES OBJETIVOS PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS
Situação do patrimônio
arqueológico da região, se
apresenta
monumentalidade e se os
sítios arqueológicos estão
acessíveis ao público
Verificar as condições
gerais do patrimônio
arqueológico nos
municípios de Garopaba,
Imaruí e Imbituba.
- Valoração arqueológica
por meio de pesquisa
bibliográfica e consulta ao
CNSA/SGPA do IPHAN,
adaptando a metodologia
de seleção de sítios
arqueológicos utilizada por
Dabezies (2011).
- Valoração “la puesta en
valor” através da
observação de superfície
dos sítios arqueológicos
selecionados na valoração
arqueológica e de
entrevistas realizadas com
representantes da
comunidade local e grupos
de condutores ambientais.
- Registro fotográfico e
fichamento dos sítios
arqueológicos submetidos
à observação de superfície.
Se a comunidade local
manifesta interesse e
articulação em torno do
patrimônio arqueológico
pré-colonial.
Investigar a existência de
manifestações da sociedade
civil relacionadas ao
patrimônio arqueológico
pré-colonial na região.
- Entrevistas
semiestruturadas com
representantes da
comunidade.
- Aplicação de questionário
aos grupos de condutores
ambientais que atuam nos
municípios.
- Pesquisa exploratória em
publicações diversas
(físicas e virtuais).
Se há interesse ou algum
tipo de articulação, por
parte do poder público, no
aproveitamento do
patrimônio arqueológico
pré-colonial enquanto
atrativo turístico.
Conhecer a perspectiva dos
representantes do poder
público a respeito do
patrimônio arqueológico
pré-colonial da região e o
nível de interesse para seu
aproveitamento turístico.
- Entrevistas
semiestruturadas com os
gestores públicos do
turismo nos municípios
estudados.
Se os turistas que
frequentam a região e os
operadores locais do
turismo conhecem os
vestígios arqueológicos e
demonstram interesse pelo
turismo arqueológico.
Analisar o conhecimento
que turistas e operadores
locais do turismo possuem
sobre o patrimônio
arqueológico pré-colonial
da região e o interesse que
manifestam pelo turismo
arqueológico.
- Aplicação de questionário
por meio de plataforma
virtual a turistas que
visitaram algum dos
municípios estudados.
- Aplicação de questionário
aos grupos de condutores
ambientais que atuam nos
26
municípios.
- Levantamento e análise
de publicações de
divulgação turística dos
municípios.
Se é possível indicar o
turismo arqueológico como
estratégia para a promoção
do desenvolvimento
sustentável na região
compreendida pelos
municípios de Garopaba,
Imaruí e Imbituba.
Refletir sobre as relações
entre turismo arqueológico
e desenvolvimento
sustentável.
- Pesquisa bibliográfica.
- Análise de indicadores
sociais e econômicos.
Quadro 1: Quadro síntese relacionando as questões da pesquisa, objetivos
específicos e respectivos procedimentos metodológicos.
No capítulo intitulado “Verificando pressupostos e respondendo questões”
buscamos realizar a síntese das discussões realizadas no trabalho, verificando se os
pressupostos e questões de pesquisa aqui apresentados se confirmaram ou não.
Apresentamos ainda as Considerações Finais, Referências e Apêndices.
27
2 – TURISMO ARQUEOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
2.1 Desenvolvimento, sustentabilidade e turismo.
Em setembro de 2015 a Cúpula das Nações Unidas aprovou os Objetivos Globais
para o Desenvolvimento Sustentável, documento onde estão relacionados 17 objetivos e
169 metas, dentre as quais o turismo sustentável é citado três vezes como gerador de
empregos e promotor de cultura e produtos locais. O turismo sustentável integra o
objetivo 8, relacionado à promoção do crescimento econômico sustentado, inclusivo e
sustentável; o objetivo 12, que busca assegurar padrões de produção e de consumo
sustentáveis; e o objetivo 14, que pretende garantir a conservação e o uso sustentável
dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável (ONU, 2015).
Discutir a relação entre patrimônio arqueológico, turismo e desenvolvimento é
tarefa complexa, primeiramente porque não há consenso a respeito do conceito de
desenvolvimento, mesmo quando delimitado por categorias como a de “sustentável”,
por exemplo. Ortiz (2008), ao tratar do hiato existente entre os debates sobre
desenvolvimento e políticas culturais, alerta que o termo desenvolvimento pode
encobrir realidades que se excluem, e, portanto, a primeira questão a ser colocada diz
respeito a que tipo de desenvolvimento estamos nos referindo. Isto porque usualmente
compreende-se o desenvolvimento enquanto teleológico.
Esta percepção do desenvolvimento, cujo sentido comumente filia-se à noção de
progresso econômico, tecnológico e de valores políticos como o da democracia é,
segundo Ortiz, uma invenção ou conquista da modernidade (atrelada ao Ocidente), e
não se aplica às sociedades ocidentais antigas. Na antiguidade, as categorias eram
claramente definidas, como as de “civilizado” e “bárbaro”, de modo que o contato entre
elas implicava em choques, o que difere da concepção de desenvolvimento, que indica
movimento, apesar de considerar estados da sociedade como estágios. Ou seja, “o que
se encontra na etapa primeira é vista como incompleto em relação ao que se situa acima
dela” (ORTIZ, 2008, p. 125). Assim, argumenta que há múltiplas modernidades, já que
esta se configura de diferentes maneiras no espaço. A preocupação, então, passa a ser
propor uma reflexão que escape da perspectiva teleológica, que concebe a ideia de
desenvolvimento como algo que obedece a um sentido único e a modernidade como
uma categoria absoluta. Portanto, ao pensar a modernidade enquanto múltipla, Ortiz
28
defende que o desenvolvimento é inerente às sociedades modernas, das quais não
podemos escapar.
A partir da década de 1960, as grandes alterações ambientais promovidas pela
ação humana e os riscos de um conflito bélico generalizado alertaram para a
necessidade de se discutir o modelo de desenvolvimento hegemônico. Neste sentido,
durante a segunda metade do século XX é possível elencar três principais marcos
internacionais para esta discussão: a Conferência das Nações Unidas em Estocolmo
(1972), o Relatório Brundtland (1987) e a Cúpula da Terra no Rio de Janeiro (1992).
Nestes marcos a ideia de sustentabilidade começa a ser apresentada como alternativa de
desenvolvimento. No Relatório Brundtland, por exemplo, compreendeu-se por
desenvolvimento sustentável aquele que atende às necessidades da geração presente,
garantindo que as gerações futuras disponham dos recursos para atender as suas. Este
mesmo documento, segundo Cooper et. al. (2007), arrolou os princípios básicos da
sustentabilidade, dentre os quais está a proteção da herança cultural humana. Fazemos
este destaque por integrar o patrimônio arqueológico esta “herança cultural humana”,
na medida em que se configura como categoria do patrimônio cultural. Este mesmo
princípio já estava presente na Conferência Geral da UNESCO de 1972, na qual foi
adotada a primeira convenção referente ao patrimônio mundial, cultural e natural e se
passou a considerar os patrimônios da humanidade como bens comuns a todos os povos
do mundo (FUNARI e PELIGRINI, 2006).
Diante da possibilidade de esgotamento dos recursos naturais, se mantidos os
hábitos de consumo e o crescimento demográfico, Sachs propôs discutir as
possibilidades do ecodesenvolvimento, ou desenvolvimento socioeconômico equitativo,
também chamado de desenvolvimento sustentável. Nesta perspectiva, em 1991 escreveu
um artigo (2006a) que antecipou as discussões da Rio-92, com reflexões que remontam
à reunião de Founex de 1972. Escrito sob a tese da bomba demográfica, seu principal
objetivo foi contestar um modelo de desenvolvimento ancorado exclusivamente no
crescimento econômico, principalmente aquele defendido pela economia de mercado, e
propor um modelo preocupado com o desenvolvimento social e equitativo em níveis
globais, nos quais as economias desenvolvidas deveriam arcar com parte dos custos do
desenvolvimento dos países economicamente menos favorecidos, de modo que estes
pudessem efetivamente se desenvolver. Sachs chamou também atenção para a
necessidade de mudanças nos hábitos de consumo, já que, se os países
29
subdesenvolvidos adotassem o modelo consumista das nações economicamente
desenvolvidas, o resultado seria o esgotamento dos recursos naturais.
Sachs, no texto de 1991 (2006a), argumentou que os discursos ancorados no
crescimento econômico não promoveram, durante a década de 1980, equidade social,
pelo contrário, aprofundaram índices de pobreza e perpetuaram a dicotomia Norte – Sul.
Assim, insistiu na necessidade da dimensão ecológica como garantia para a
sobrevivência humana e, principalmente, que o desenvolvimento qualitativo deveria
liberar recursos dos países mais ricos para os mais pobres. Alertou para os riscos de se
superestimar o desenvolvimento tecnológico, de modo que as transição para o
ecodesenvolvimento deveria ser imediata. Sachs, apresentou também as cinco
dimensões do ecodesenvolvimento: sustentabilidade social, sustentabilidade econômica,
sustentabilidade ecológica, sustentabilidade espacial (equilíbrio rural – urbano) e
sustentabilidade cultural. (SACHS, 2006a).
Como forma de ação, Sachs defendeu que uma estratégia de desenvolvimento só
tem sucesso se contar com a participação dos grupos e comunidades locais. Sugeriu que
o conceito de economias de aglomeração fosse revisto e propôs uma alteração dos
modelos de concentração urbana através da promoção do campo. Ainda segundo o
autor, as estratégias de transição para este novo modelo de desenvolvimento devem
derivar de políticas públicas de planejamento capitaneadas pelo Estado, e que estas
transições precisam facultar mudanças nos modos de vida, nos padrões de consumo e
nas funções produtivas (SACHS, 2006a).
Em 1995, a pedido da UNESCO, Sachs escreveu o artigo (2006b) que serviu de
material preparatório para o encontro de cúpula dos Chefes de Estado, convocado pela
ONU e realizado em Copenhague naquele mesmo ano. Neste artigo, Sachs apontou
novamente para a necessidade de um desenvolvimento cujo foco principal não seja a
economia, mas o ecológico e o social, e criticou as teorias neoliberais, defendendo a
necessidade de se pactuar valores éticos universais capazes de assegurar a
sustentabilidade da vida, o uso da ciência e da tecnologia para garanti-la, e o papel do
Estado como regulador e fomentador de políticas relacionadas ao desenvolvimento.
Alertou ainda para a necessidade de se construir novos paradigmas de desenvolvimento
que tenham como centro o bem estar de todos, e este novo paradigma passaria pela
superação do economicismo. As bases para este novo paradigma de desenvolvimento,
segundo Sachs, são a prudência ecológica, a solidariedade para a equidade, a eficiência
econômica e “o social no comando, o ecológico enquanto restrição assumida e o
30
econômico recolocado em seu papel instrumental” (SACHS, 2006b, p. 266). Além
disso, o autor defendeu uma nova distribuição espacial que promovesse empregos no
campo, não apenas voltados para a agricultura.
As proposições de Sachs para o desenvolvimento sustentável sustentam uma série
de reflexões e propostas de desenvolvimento que têm, como fim último, o princípio da
sustentabilidade baseada no protagonismo dos sujeitos a partir de seus territórios locais.
Propostas estas que fundamentarão as perspectivas de um turismo sustentável. Dentre
estas, está a do Desenvolvimento à Escala Humana, apresentada por Max-Neef (2012).
Segundo este autor, o Desenvolvimento à Escala Humana,
(...) se concentra e sustenta na satisfação das necessidades humanas
fundamentais, na geração de níveis crescentes de autodependência e
na articulação orgânica dos seres humanos com a natureza e com a
tecnologia, na interação de processos globais com comportamentos
locais, do pessoal com o social, do planejamento com a autonomia e
da sociedade civil com o estado. (MAX-NEEF, 2012, p. 22).
Max-Neef advoga que “o desenvolvimento precisa fomentar a existência de
espaços locais, facilitar as micro-organizações e dar apoio à multiplicidade de matrizes
culturais que fazem parte da sociedade civil” (2012, p. 24). Portanto, um
Desenvolvimento à Escala Humana, que tem por objetivo satisfazer as necessidades
humanas, deve ter início com políticas que mobilizem a sociedade civil. “A questão
fundamental é fazer com que seja possível às pessoas, a partir dos seus espaços
pequenos e heterogêneos, estabelecer, sustentar e desenvolver seus próprios projetos”
(MAX-NEEF, 2012, p. 82).
A perspectiva socioeconômica, que é esta defendida por Max-Neef,
(...) pretende é transformar a sociedade civil numa terceira esfera de
poder que, conjuntamente com a primeira, o Estado, e a segunda
esfera, o mercado, possam através de novos modelos de ação humana
até mesmo repensar o círculo vicioso entre alienação e mais-valia,
desencadeando um efeito cascata de estratégias alternativas de
desenvolvimento nos níveis local, microrregional, estadual, nacional,
global. (SAMPAIO, 2005, p, 62).
A mobilização da sociedade civil a partir do seu território para pensar
possibilidades de desenvolvimento que sejam sustentáveis, é condição também para
assegurar a identidade da própria comunidade. Para Max-Neff,
(...) estamos vivendo num mundo dominado por um sistema
econômico em que comunidades, isto é, lugares onde gente nasceu,
morreu, viveu, sonhou, trabalhou, brigou, fez amor, deixa de ser
31
viável, e se colapsa em prol de supostas vantagens para a economia.
(MAX-NEEF, 2005, p. 13).
Portanto, a despeito do interesse que a globalização provoca pelo exótico ou pelo
“autêntico”, o modelo de desenvolvimento capitalista baseado na competitividade, no
individualismo e na produção em massa de produtos globais, pressiona também o fim
das comunidades tradicionais de vida comunitária.
Para Mielke e Gandara (2009), no contexto de um mundo globalizado que gerou
processos de flexibilização e descentralização, é possível perceber um movimento de
endogenização das perspectivas de desenvolvimento, no qual o território começou a ser
visto como agente de desenvolvimento. Neste debate, a atividade turística passa a ser
compreendida “não somente como ator coadjuvante, mas também como ferramenta de
fomento de geração de renda e emprego para as comunidades locais. Ou seja, tem sido
visto como instrumento estratégico de desenvolvimento econômico” (MIELKE e
GANDARA, 2009, p. 86).
A relação entre turismo e desenvolvimento econômico endógeno é compartilhada
por diversos autores, dentre estes Brenner (2005), que ao discutir o turismo cultural
chama a atenção para a contribuição desta segmentação turística no desenvolvimento
endógeno de uma comunidade, não apenas porque valora economicamente o patrimônio
cultural, seja ele material ou imaterial, mas porque se apresenta como promotor da
sustentabilidade no processo de desenvolvimento. Sustentabilidade relacionada não
apenas aos aspectos materiais (estruturais e infraestruturais), mas também aos
simbólicos, dentre os quais a valorização da memória histórica como importante
elemento constituidor de identidade. Ressalta-se também que um turismo que parte do
patrimônio cultural de determinado território “representa um método de
desenvolvimento turístico sustentável porque respeita o patrimônio de uma área e
habilita seus habitantes, gerando uma base verdadeira para o desenvolvimento”
(BRENNER, 2005, p. 367).
A perspectiva do desenvolvimento endógeno, que passou a assumir maior
importância nos países em desenvolvimento a partir da década de 1980, é também
conhecida como o desenvolvimento que se dá de baixo para cima e algumas das suas
características são: “desenvolvimento baseado no sistema de pequenas unidades”,
“enfoque territorial e empresarial”, “políticas específicas para cada território”,
“crescimento qualitativo”, “gestão local” e “propostas desde os âmbitos territoriais”
32
(MIELKE e GANDARA, 2009, p. 86). Estas características colocam a proposta em
diálogo com as perspectivas de desenvolvimento apresentadas por Sachs e Max-Neef.
O turismo, enquanto atividade econômica e fenômeno social, precisa ser
compreendido e planejado a partir das perspectivas de desenvolvimento. A mesma
compreensão deve ser adotada para o patrimônio cultural, dentre este, o arqueológico,
pois, segundo Bastos, constitui também recurso econômico e, assim, “as medidas que
levam a sua preservação e adequada utilização não só guardam relação com os planos
de desenvolvimento, mas fazem ou devem fazer parte deles” (BASTOS, 2007, p. 39).
É após a 2ª Guerra Mundial que se começa a atribuir ao turismo de massa a
capacidade de recuperar a economia dos países empobrecidos. Santana afirma que “pela
primeira vez na história da humanidade foram criadas as condições para que as pessoas
começassem a se deslocar massivamente, não motivadas pelas guerras, nem pelo
trabalho ou pela fé, mas por prazer” (SANTANA, 2009, p. 18). Esta grande
movimentação de pessoas para destinos não habituais aos seus, motivadas por interesses
de lazer e/ou descanso, associado à percepção de um turismo capaz de recuperar
economicamente os locais receptivos, levou a investimentos desordenados em
equipamentos turísticos e promoveu importantes impactos ambientais, sociais e
culturais, o que contribuiu para a construção de uma percepção negativa desta atividade
econômica.
Com o objetivo de discutir se o turismo estaria beneficiando as populações mais
necessitadas ou não, em 1976 o Banco Mundial e a UNESCO promoveram um
seminário em Washington sobre o tema. Segundo Barretto, foi neste seminário “que,
pela primeira vez, se discutiu que o sucesso do turismo depende de uma integração com
as políticas nacionais de desenvolvimento e distribuição das riquezas, e com a
infraestrutura existente” (BARRETO, 2007, p. 26).
Ao discutir os aspectos e possibilidades do turismo cultural, Barretto (2007) não
nega os efeitos negativos promovidos pelo turismo e cita os estudos de Mc Intosh e
Goeldner, que verificaram as seguintes consequências: introdução da prostituição,
drogas, jogo, insegurança, xenofobia, racismo, desenvolvimento de atitudes servis,
banalização do artesanato e marginalização da população nativa. Ainda assim, afirma a
autora:
Na atualidade já não parece caber a discussão – muito comum na
década de 1970 – de se o turismo é uma benção ou uma maldição. Do
ponto de vista econômico, sem dúvida foi uma benção para muitas
33
pessoas que viviam de forma miserável e que, com o advento do
turismo, puderam ter alguma oportunidade de trabalho, mesmo que
mal remuneradas. Do ponto de vista da cultura e da sociedade, sem
dúvida muitos aspectos mudaram, mudanças essas que podem ser
positivas ou negativas dependendo das circunstâncias e do contexto.
(BARRETTO, 2007, p. 44).
Neste mesmo sentido argumenta Alfonso (2009) ao tratar do “Projeto Circuito
Arqueológico do Sertão Alagoano”, que formatou quatro roteiros turísticos
(arqueológico, histórico, religioso e rural) nos municípios de Piranhas, Olho D’Água do
Casado e Delmiro Gouveia (AL). Para esta autora, o turismo é uma realidade dada, que
movimenta economia e pessoas e, quando planejado adequadamente, pode proporcionar
benefícios não só socioeconômicos, mas também no sentido de preservar o próprio
patrimônio local.
Para Sampaio (2005), o turismo é discutido como atividade principalmente
econômica, e daí o termo “indústria do turismo”, quando na realidade deve ser
compreendido como uma atividade econômico-socioambiental. Em consonância com
as dimensões do ecodesenvolvimento de Sachs e com a socioeconomia de Max-Neff,
Sampaio condena as práticas de planejamento turístico que não levam em consideração
as comunidades receptoras, privilegiando os grupos que se deslocam, como é o caso do
turismo sol e praia.
(...) tomando o turismo como uma atividade empresarial
predominantemente sazonal, restringindo-se aos meses de verão,
sujeitando as comunidades a conviver nas demais estações do ano com
o subtrabalho ou com o não-trabalho ou, ainda, com a
descaracterização da pesca. Os municípios de Bombinhas, Garopaba e
Imbituba, todos localizados em Santa Catarina, estão sujeitos a
enfrentar ou viver tais dramas. (SAMPAIO, 2005, p. 22-23).
Ao propor o turismo como atividade econômico-socioambiental, Sampaio
trabalha com a perspectiva do turismo de base comunitária. Esta perspectiva interessa
especialmente à pesquisa que desenvolvemos, na medida em que as características do
turismo arqueológico sustentável convergem em muitos aspectos com as do turismo de
base comunitária, sem, entretanto, configurarem um mesmo.
O turismo de base comunitária, ou local, tem como objetivo oferecer uma
alternativa ao turismo de massa, que é aquele que privatiza lucros e socializa, no longo
prazo, prejuízos (SAMPAIO, 2005). O foco do turismo de base comunitária recai no
fortalecimento da comunidade local, sujeito político do desenvolvimento local (sem se
restringir, entretanto, ao “localismo”), e no fortalecimento das redes associativas (ou
34
arranjos produtivos locais), integrando rotas e circuitos que promovam atividades
complementares, valorizem a cultura local e garantam a sobrevivência das atividades
tradicionais, considerando a sustentabilidade ambiental e a cooperação. Por ser
comunitário, rejeita a competitividade individualista e apresenta as bases de um tipo de
desenvolvimento que seja sustentável. “Ele se baseia na relação dialética entre turista e
comunidade receptora (e não na sobreposição da comunidade ao turista), ambos
considerados agentes da ação socioeconômica e ambiental” (SAMPAIO, 2005, p. 113).
Ou seja, para o autor, “a atividade turística pode ser vista além da sua dimensão
econômica (negócio do ócio), (...) podendo transformar-se em uma (...) alternativa para
um desenvolvimento mais sustentável, balizando nos princípios da socieconomia”
(SAMPAIO, 2005, p. 134).
É nesta perspectiva que se pretende pensar o turismo arqueológico. Ainda que
guardadas as diferenças para com o turismo de base comunitária, o turismo
arqueológico, como veremos, parte também da organização local, valora o patrimônio
cultural, contribui para a preservação do patrimônio e, quando pensado em
complementaridade e organizado em roteiros ou circuitos, pode participar de e
fortalecer os arranjos produtivos locais, empoderando populações e atividades
tradicionais e promovendo trabalho e renda.
2.2 O patrimônio arqueológico.
O patrimônio não é um fato dado. Seu reconhecimento social é resultado de um
processo de patrimonialização sobre o qual incidem interesses políticos, econômicos e
simbólicos que visam produzir memória e reconhecimento identitário. Em outras
palavras, o reconhecimento do patrimônio resulta das relações de poder que o
ressignificam.
Sabemos desde Halbwachs (1976) da importância da organização
social do espaço e dos lugares de memória para a construção e a
dinâmica de identidades individuais e sociais. (...) Assim estamos
lidando, ao examinarmos as políticas públicas de patrimônio, com
complexas questões que envolvem emoções, afetos, interesses os mais
variados, preferências, gostos e projetos heterogêneos e contraditórios.
(VELHO, 2006, p. 244-245).
Reconhecer, portanto, um bem cultural enquanto bem comum, ou seja, como
patrimônio cultural, é construir um lugar de memória a partir da organização social do
35
espaço, considerando os conflitos e diferentes interesses em disputa. Conforme
discutido por Funari e Peligrini (2006), é a partir da construção do Estado Nacional
Moderno que entra em cena a necessidade de se reconhecer determinados bens como
representativos de uma identidade nacional. Este reconhecimento resulta de um
processo de inclusão e consecutiva exclusão de bens, estabelecendo assim uma cultura –
e, consecutivamente, uma memória social – hegemônica. Este “bem comum” a ser
legado às futuras gerações como patrimônio é primeiramente resultado de um esforço
para se construir uma identidade nacional e, mais recentemente, como dispositivo de
resistência identitária também das minorias.
Na atualidade, a área do patrimônio engloba um conjunto significativo
de questões de ordem política, de relações de poder, de campos de
força e âmbitos do social. Anteriormente alheio a essa prática, hoje o
patrimônio toma em consideração questões relativas à propriedade
intelectual, ao meio ambiente, aos direitos culturais, aos direitos
difusos, ao direito autoral, ao impacto cultural causados pelos grandes
empreendimentos, além dos temas já tradicionais, como aqueles que
envolvem questões de urbanismo e uso do solo, expansões urbanas
sobre áreas históricas decadentes, questão habitacional em áreas
históricas urbanas e, principalmente, os limites que o tombamento
impõe à propriedade privada. (CHUVA, 2012, p. 152).
Deste modo, os vestígios do passado, para serem considerados patrimônio, ficam
sujeitos a um processo de “seleção consciente do que se deseja legar ao futuro, que
mostra que algo é valioso individualmente ou socialmente” (GUIMARÃES, 2012a, p.
6). Assim, por mais que se afirme que o patrimônio arqueológico é importante, a
questão que se apresenta é: importante para quem?
Se, por um lado, o Brasil herdou a tradição latina de patrimônio, que “considera a
propriedade privada sujeita a restrições, derivadas dos direitos dos outros ou da
coletividade em geral” (FUNARI e PELEGRINI, 2006, p. 17-18), por outro, seu
reconhecimento estatal e sua proteção por meio de políticas de salvaguarda são regidas
por interesses ideológicos, econômicos e identitários. Funari e Ferreira (2015) lembram
que o termo alemão para patrimônio (denkelmalplege) remete a sentidos diferente do
inglês (heritage – aquilo que se herda) e do latim (aquilo que se herda do pai).
Denkemalplege remete àquilo que deve ser cuidado, àquilo que faz pensar. Esta
diferença não é apenas semântica. Ao assumir o significado latino, o Estado brasileiro
assume seu paternalismo patriarcal sobre aquilo que deve ser preservado, considerando
o patrimônio não como algo socialmente construído e contestado, mas como algo que
36
possui um valor inerente e a-histórico. Funari e Ferreira (2015) propõem que o
patrimônio não seja visto como inspirador de admiração, mas inspirador de reflexão.
Velho (2006), ao discutir a preservação do patrimônio cultural enquanto ato
político, antes mesmo de técnico, mostra os conflitos presentes nos processos de
tombamento e preservação patrimoniais nos espaços urbanos, naquilo que chama de
negociação da realidade. No Brasil, até meados da década de 1980, a maioria dos bens
tombados como patrimônio histórico brasileiro estavam relacionados à tradição luso-
brasileira e diziam respeito a uma representação de Estado e de nação que privilegiava a
perpetuação desta tradição.
A patrimonialização como resultado das relações de poder ajuda a explicar, por
exemplo, a pequena quantidade de sítios arqueológicos efetivamente tombados no
Brasil, e o baixo investimento na pesquisa arqueológica.
Tombar um patrimônio, ou reconhecê-lo como bem comum, portanto, implica em
atuar sobre o campo simbólico e econômico. No simbólico, a construção e o
reconhecimento de identidades; no econômico, o conflito entre interesses públicos e
privados. A discussão é extensa e não é proposta deste trabalho aprofundá-la. Importa
ressaltar, entretanto, que no caso específico do patrimônio arqueológico pré-colonial
brasileiro, o problema é o mesmo.
O investimento em políticas de preservação do patrimônio cultural passou a ser
uma questão de Estado no Brasil a partir da década de 1930, com a discussão da
intelectualidade modernista pretendendo uma reformulação da cultura brasileira, a
chegada de Getúlio Vargas à presidência da República e o país se inserindo na lógica do
nacionalismo populista que caracterizou o Ocidente naquele momento. Em 1937,
através do Decreto Federal nº 25, é criado o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (SPHAN1) com o objetivo de proteger e fiscalizar os bens móveis e imóveis
considerados exemplares da história e com excepcional valor arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e artístico. As discussões sobre o patrimônio histórico no
SPHAN passaram a ser dominadas pelos arquitetos orientados pela “tese das três raças
formadoras da sociedade brasileira”, desenvolvida a partir da noção de civilização
material apresentada por Afonso Arinos de Melo Franco, “que percebia no branco
português a maior influência, em razão da maior perenidade dos materiais utilizados nos
1 Em 1990 o SPHAN passa a se chamar Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural e, em 1996, por meio
da Medida Provisória nº 752, adota a nomenclatura Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN).
37
processos construtivos, e na presença do negro africano e do índio autóctone influências
de menor envergadura” (CHUVA, 2012, p. 154).
A tradição luso-brasileira à qual se refere Velho (2006), carregando em suas bases
o catolicismo e influenciando no tipo de relação que estabelecemos com o patrimônio
arqueológico pré-colonial, e a noção de civilização material de Arinos explicam a
grande quantidade de bens imóveis representativos da colonização portuguesa tombados
como patrimônio nacional. A legislação de 1937, que definiu a proteção do patrimônio
histórico nacional, praticamente excluiu do seu escopo a contribuição das culturas pré-
coloniais na construção identitária nacional.
Na prática essa lei foi direcionada quase exclusivamente a sítios
históricos, igrejas, fortalezas e construções arquitetônicas vinculadas a
uma visão específica da história do Brasil, equiparada à História
colonial e à influência europeia na constituição da sociedade
brasileira. (BUENO, 2011, p. 58).
Funari, Manzato e Alfonso (2013) também discutem a relação entre patrimônio,
“turismo patrimonial” e a construção de uma identidade nacional monolítica,
especialmente nos períodos ditatoriais, a saber, 1937-1945 e 1964-1985. O próprio
SPHAN, surgido nos moldes do seu congênere na Itália fascista, atuou, segundo estes
autores, como um órgão centralizador do patrimônio nacional.
El patrimonio fue esencial en ambos lapsos para propagar la identidad
nacional como monolítica, con la intención de producir un pasado
homogéneo como modelo para un presente también homogéneo,
centrado en la ley y el orden, la armonía social y conformidad.
(FUNARI, MANZATO e ALFONSO, 2013, p. 40.)
O fim do Estado Novo em 1945 permitiu o surgimento de uma diversidade
ideológica que resultou em uma discussão um pouco mais ampliada a respeito do
patrimônio nacional. Neste contexto, os professores Paulo Duarte e Darcy Ribeiro
tentam incluir o patrimônio pré-colonial e as culturas indígenas no patrimônio cultural
brasileiro. Em 1961 foi publicada a Lei 3924, estabelecendo que todo monumento
arqueológico pré-histórico está submetido à guarda e proteção da União, sendo proibido
seu uso econômico, destruição ou mutilação antes de ser pesquisado. Entretanto,
segundo Bueno (2011), esta lei é criada antes da existência de um suficiente corpo
técnico-científico em condições de atendê-la, o que impulsionou o surgimento de cursos
e seminários de arqueologia, muitos deles ministrados por arqueólogos estrangeiros,
formando-se a partir daí a primeira geração de arqueólogos brasileiros, onde se incluem
38
João Alfredo Rohr e Walter Piazza, ambos responsáveis pelos primeiros registros de
sítios arqueológicos no litoral sul de Santa Catarina.
O golpe de 1964 e a instalação da ditadura militar impôs novamente uma
homogeneização do patrimônio nacional, bem como fortaleceu os destinos turísticos
relacionados ao patrimônio colonial. Um exemplo foi a EMBRATUR, criada em 1966
para conferir ao turismo brasileiro “uma cara nacionalista e conservadora” (FUNARI,
MANZATO e ALFONSO, 2013, p. 42). A Ditadura Militar, com seu discurso
desenvolvimentista, também reforçou a ideia de que o país precisava superar seu atraso
atávico, rejeitando o antigo para que o novo pudesse se impor. Este ideário, próprio do
positivismo que fundou a República, ao ser reforçado pelo regime militar, reforçou o
estereótipo de que as populações nativas atrapalhavam o progresso. Assim, superar esta
herança de indolência e atraso significava também superar o patrimônio que
representava este atraso, colocando-o a serviço da civilização e do progresso.
(...) há muitos fatores que inibem o engajamento ativo da gente
comum na proteção patrimonial. Em primeiro lugar, estereótipos do
passado continuam vivos no presente. Os índios, tradicionalmente,
eram considerados ferozes inimigos (...).
(...)
A gente comum sente-se alienada tanto em relação ao patrimônio
erudito quanto aos humildes vestígios arqueológicos, já que são
ensinados a desprezar índios, negros, mestiços, pobres, em outras
palavras, a si próprios e a seus antepassados. (FUNARI e FERREIRA,
2015, p. 139 e 141).
Especificamente no caso catarinense, se por um lado os jesuítas tiveram um papel
importante no registro e nas pesquisas dos vestígios das civilizações pré-coloniais,
principalmente na atuação do padre João Alfredo Rohr, que investigou uma grande
quantidade de sítios; por outro, contribuíram para que o reconhecimento destas
civilizações ficasse limitado ao aspecto da curiosidade histórica exposta em museus, e
não como elemento significativo de composição identitária contemporânea. Para
exemplificar este paradoxo, citamos o caso do “Santinho”.
Na Praia do Santinho, em Florianópolis, até o ano de 1946 os
pescadores locais faziam oferendas e rezavam, pedindo proteção e boa
pescaria, em frente a uma arte rupestre com o formato de um pequeno
santo, que era a figura de um antropomorfo com a cabeça constituída
por um círculo concêntrico. Tal “Santinho”, que deu nome à praia, foi
arrancado do lugar pelos padres que achavam que aquilo era um
sacrilégio e nunca mais foi encontrado. É um caso raro em que um
símbolo sagrado pré-histórico continua sendo sagrado até os dias de
hoje. (LUCAS, 1996, p.16)
39
Lucas relata ainda que, após a remoção do “Santinho”, que teria sido levado ao
Colégio Catarinense, ligado aos jesuítas, a comunidade local protestou, cercando a
escola e exigindo a devolução da imagem, em claro exemplo de como um vestígio
arqueológico pode ser reconhecido como patrimônio comum e elemento de identidade.
Percebe-se, assim, que o tratamento dispensado ao “Santinho” vai ao encontro do relato
de Velho sobre o terreiro Casa Branca, já que em ambos os casos encontramos a disputa
pelo simbólico mediada por uma sacralidade considerada espúria pela tradição
hegemônica. Tradição que é ideológica, e que influenciará discursos e práticas de
desvalorização do patrimônio arqueológico pré-colonial brasileiro, muitas vezes
considerado menor e sem valor, como no caso de Garopaba, onde, em 1975, a prefeitura
“mandou quebrar a marretadas os amoladores do Costão da Casqueira para aproveitar as
pedrinhas negras no calçamento da praça central” (LUCAS, 1996, p. 109).
Posturas como esta da prefeitura de Garopaba foram comuns durante toda a
ditadura militar, cujo discurso desenvolvimentista chancelou a destruição de sítios
arqueológicos, especialmente sambaquis, para a construção de estradas e obras de
engenharia diversas e outros usos. Bastos (2007) constatou que na década de 1980, dos
110 sambaquis do Sul de Santa Catarina registrados no IPHAN à época, apenas 20
estavam em bom estado, 60 parcialmente destruídos e 30 totalmente destruídos. O autor
destacou as principais causas da destruição.
1) A industrialização de conchas de sítios para a fabricação de cal,
corretivo de solo, ração para avicultura e, recentemente, a utilização
diversa na química fina; 2) Utilização dos vestígios arqueológicos
diretamente no solo para melhoramento das condições da lavoura,
jardins e praças; 3) Utilização dos vestígios arqueológicos para
aterros, misturas para argamassas e obras particulares; 4) Utilização
do material arqueológico como lastro para pavimentação de estradas,
vias, ruas, ruelas e logradouros públicos em geral; 5) Comercialização
dos sítios para as mais diversas finalidades; 6) Utilização da superfície
do sítio para moradia, processo de favelização, loteamentos
clandestinos, loteamentos legalizados sem avaliações ambientais e
arqueológicas, implantação de grandes condomínios e resorts à beira
mar; 7) Vandalismo, caçadores de tesouros, esportes radicais
(motocross e jeepcross em sítios) e intervenções de amadores; 8)
Tentativa de implantação de rodovia interpraias, não contemplando a
questão dos sítios arqueológicos nos estudos de impacto ambiental e
relatórios de impacto ambiental. (BASTOS, 2007, p. 19-20).
A abertura política da década de 1980 reposicionou o debate a respeito do
patrimônio cultural brasileiro, trazendo para a discussão novos atores e ampliando o
conceito de identidade nacional. É neste contexto que a discussão de Velho (2006),
40
relatando o processo de tombamento de um terreiro de candomblé em Salvador (Bahia),
se torna possível. O elogio das diferenças promovido pela globalização dá nova
perspectiva a culturas e patrimônios antes marginalizados. Segundo Funari, Manzato e
Alfonso (2013), com a abertura política no Brasil também passou a existir uma maior
diversidade de destinos turísticos, bem como a promoção da participação das
comunidades locais nas discussões a respeito do turismo e da própria arqueologia. Esta
perspectiva mais globalizada do patrimônio cultural brasileiro permite que se olhe para
o patrimônio arqueológico como um bem que “aporta nossas ligações com o passado
mais remoto, operando simbolicamente e psiquicamente nosso sentimento de
continuidade enquanto entes vivos na natureza” (BASTOS, 2005, p. 67).
Apesar da democratização e da modernização da legislação do patrimônio cultural
brasileiro, os longos períodos de autoritarismo no Brasil e suas influências nas
discussões sobre o patrimônio e sobre a própria arqueologia ainda se refletem nas
relações que a maior parte da população estabelece com os vestígios arqueológicos.
(...) ao invés de dizermos que os brasileiros não têm memória, o que
vemos é que os brasileiros, de um modo geral, não participam da
construção dessa memória. Por mais que ela seja veiculada,
transmitida e afirmada, ela não é interiorizada, não é vivenciada, o que
se reflete diretamente na relação que este público estabelece com o
Patrimônio, a qual passa muitas vezes pelo não reconhecimento ou
pela negação e até mesmo pela destruição. (BUENO, 2011, p. 66).
Como consequência, lembra Bueno (2011), de modo geral a arqueologia continua
sendo vista pela população brasileira como uma atividade exótica e, consecutivamente,
o patrimônio arqueológico como uma curiosidade. Isto quando preservado, já que sua
destruição é o principal “sintoma de uma sociedade que não contempla como de sua
propriedade os bens arqueológicos, e não os entende como bens de alcance social”
(BASTOS, 2007, p. 20).
Segundo Galdino (2012) o atual ordenamento jurídico brasileiro do patrimônio
arqueológico prevê sua proteção e conservação integrada, por meio de políticas de
proteção associadas a políticas culturais, de planejamento urbano, de educação e
ambientais. Seu estatus jurídico é de bem comum à sociedade, de recurso finito e,
fundamentado que é a partir do direito ambiental, o Estado tem o direito de garantir ao
povo a fruição deste patrimônio, disponibilizando o acesso da sociedade a ele mas, ao
mesmo tempo, considerando a irreversibilidade dos danos que lhe pode ser causados.
41
Deste modo a fruição do patrimônio arqueológico deve ter por princípio a educação
patrimonial.
(...) a proteção do patrimônio arqueológico, enquanto bem comum do
povo brasileiro, é prerrogativa do Estado (entendido como a ação
conjunta de todos os entes da federação), que deve exercer seu poder de
polícia, pertinente à fiscalização e à penalização ante ações lesivas.
Porém, o exercício exclusivo de procedimentos repreensivos, além de
diminuir a possibilidade de prevenção de impactos negativos, não
imprime terreno favorável à participação da sociedade na gestão de seu
patrimônio. Assim, apresenta-se a necessidade de fomentar, por parte
do poder público, a utilização adequada dos recursos culturais como
vetores de desenvolvimento (...). (GALDINO, 2012, p. 16).
Assim, a proteção do patrimônio arqueológico brasileiro não se limita no
conservacionismo, muito pelo contrário. Conforme aponta Galdino (2012), a legislação
impõe a proteção física e, ao mesmo tempo, o incentivo a sua fruição através da
pesquisa, da educação e da geração de renda.
2.3 O turismo arqueológico.
O turismo arqueológico ou arqueoturismo integra o segmento do turismo cultural,
conforme segmentação adotada pelo Ministério do Turismo (BRASIL, 2010)2. O
Ministério do Turismo define o turismo cultural como aquele que “compreende as
atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do
patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os
bens materiais e imateriais da cultura” (BRASIL, 2010, p. 15). A Organização Mundial
de Turismo define o turismo cultural como aquele que,
(...) inclui o conhecimento da cultura e dos ambientes culturais,
compreendendo a paisagem do lugar. Nesses atributos encaixam-se os
sítios arqueológicos, monumentos históricos e outras manifestações
artísticas do local, bem como os valores e formas de vida, o
patrimônio, as artes visuais e performáticas, as indústrias, os idiomas,
as atividades cotidianas, as tradições e as formas de recreação da
população local. (Apud. BARRETTO, 2007, p. 87).
Segundo Costa,
(...) o conceito de turismo cultural é ainda imprecisamente definido,
com o foco direcionado especialmente para o objeto de atenção da
2 Segundo a segmentação adotada pelo Ministério do Turismo (BRASIL, 2010), são tipos de turismo
cultural: cívico, religioso, místico e esotérico, étnico, cinematográfico, arqueológico, gastronômico,
ecoturismo e ferroviário.
42
visita, o que, embora seja uma de suas características mais
fundamentais, é somente uma parte do fenômeno. Um conceito mais
completo de turismo cultural deve ser construído considerando-se
também uma análise mais ampla das motivações de seus participantes,
das características de seu objeto e de seu público, da interatividade ou
vivência de experiências culturais e das possíveis inter-relações com a
preservação e a educação por meio do patrimônio cultural. (COSTA,
2009, p. 39).
Barretto (2007) discute o turismo cultural enquanto alternativa ao turismo de
massa, partindo da premissa de que os turistas que buscam este segmento turístico
constituem um público com características próprias.
O turismo cultural surge como uma alternativa por tratar-se de um
turismo de minorias, cujos protagonistas, que seriam turistas não
institucionalizados, experimentais, experienciais e existenciais, são
mais educados e respeitam o meio ambiente natural e cultural. O
turismo cultural, de acordo com essa premissa, teria menos efeitos
negativos nos núcleos receptores, e durante um tempo seu aumento
proporcional foi bem recebido. (BARRETTO, 2007, p. 84).
Por turismo arqueológico compreende-se o “deslocamento de pessoas a sítios
arqueológicos, escavações e cavernas com inscrições e pinturas rupestres com
acompanhamento obrigatório de guia especializado” (BENI (2008, p. 482). Para
Manzato, o turismo arqueológico consiste,
(...) no processo decorrente do deslocamento e da permanência de
visitantes a locais denominados sítios arqueológicos, onde são
encontrados os vestígios remanescentes de antigas sociedades, sejam
elas pré-históricas e/ou históricas passíveis de visitação terrestre ou
subaquática. (MANZATO, 2005, p. 35).
Em 1976 o Internacional Council on Monuments and Sites, reunido em Bruxelas,
publicou a Carta de Turismo Cultural. Neste documento o turismo cultural foi definido
como “aquela forma de turismo que tem como objetivo, entre outros fins, o
conhecimento de monumentos e sítios histórico-artísticos” (ICOMOS, 1976). Esta
Carta, à época, já alertava para uma influência significativa do turismo nos monumentos
e sítios histórico-artísticos. Se, por um lado, o turismo pode oferecer riscos à integridade
destes monumentos e sítios, por outro, quando acompanhado de políticas específicas,
concorre para a preservação do patrimônio cultural na medida em que signifique
benefícios sociais, culturais e econômicos à população implicada.
Ainda que a discussão aqui proposta não se pretenda do campo da Arqueologia, a
proposição de um turismo arqueológico convida a olhar para o debate travado no âmbito
do saber arqueológico, de modo a compreendermos como seus profissionais estão
43
compreendendo seu papel social, e de que modo a relação turismo – arqueologia pode
ser (ou/e é) recebida por estes. Neste sentido, recorremos a Bastos (2008) que, ao
analisar as atividades desenvolvidas pelos arqueólogos na Zona da Mata Mineira, tece
interessantes observações a respeito da relação entre a arqueologia e o desenvolvimento
regional. Bastos chama a atenção para a existência de uma “nova arqueologia
brasileira”, preocupada em “modificar realidades locais através da sua práxis educativa,
participativa e inclusiva” (2008, p. 9). A gênese desta nova arqueologia estaria nos
Estudos de Impacto Ambiental, e hoje se estende amplamente, convocada que é,
inclusive, pelos interesses de um mercado globalizado e pela exigência de trabalhos de
arqueologia preventiva. Vale ressalvar, entretanto, o fato do autor alertar para que a
arqueologia não se submeta às pressões do mercado, já que este transforma tudo em
mercadoria.
Ao refletir sobre o papel a ser desempenhado pela arqueologia brasileira no
desenvolvimento regional, Bastos apresenta seu entendimento de desenvolvimento
regional, que consiste no conjunto das “ações e atividades que geram oportunidades de
engajamento sociais, econômicos e culturais realizadas no âmbito do território
envolvente e que dele tirem proveito de forma direta e/ou indireta” (BASTOS, 2008, p.
7). No referido artigo o autor fala a partir da perspectiva da arqueologia e da prática
profissional do arqueólogo, tendo como campo de observação os trabalhos
desenvolvidos na Zona da Mata Mineira. Neste contexto, constatou que a aproximação
do trabalho do arqueólogo com os municípios (o autor não especificou o nível de
aproximação) valorizou o poder local e fortaleceu ações decididas conjuntamente. Isto
porque “os atores sociais têm mecanismos muito mais eficazes de controle e pressão por
se encontrarem no município” (BASTOS, 2008, p. 9).
Os atores locais, segundo Bastos, possuem um sentimento de pertencimento, de
ser e estar em um lugar, onde estabelecem suas relações sociais. Daí a necessidade de se
desenvolver um trabalho “interpessoal, interinstitucional, interdisciplinar, interétnico e
transversal que possibilite o exercício pleno dos direitos culturais” (2008, p.10),
avançando para aquilo que Santos (2007) compreende como cidadania cultural. Este
trabalho deve ser anterior ao próprio uso turístico do patrimônio arqueológico, na
medida em que este só “será instrumento de desenvolvimento turístico após ter sido
instrumento de Educação Patrimonial e inclusão social” (BASTOS, 2005, p. 65), de
modo a garantir a dimensão da sustentabilidade. É sob a ótica da cidadania cultural que
44
a relação entre o patrimônio arqueológico e o turismo arqueológico concorre para uma
perspectiva de desenvolvimento regional que ultrapassa a lógica trabalho e renda.
Neste sentido, Bastos (2008) chama a atenção para a necessidade da arqueologia
trabalhar junto às comunidades locais (contribuindo, inclusive, com a formação de
agentes locais) e, em especial, aos grupos vulneráveis (resultantes dos efeitos da
exclusão social e econômica), fazendo com que a arqueologia contribua para a inclusão
social destas comunidades e grupos. Bastos (2008) acredita, portanto, em uma
arqueologia que não seja autoritária e que ouça a comunidade, defendendo a
participação ativa desta nas diferentes etapas do trabalho arqueológico, a saber: no
diagnóstico, na prospecção, na escavação (resgate), na educação patrimonial e nas
atividades de laboratório e gabinete. Entende o patrimônio arqueológico enquanto
patrimônio cultural de uso comum e de alcance social, e acredita que as mudanças de
paradigma que este campo do saber percebeu no Brasil ajudam a explicar o interesse de
outras atividades econômicas, dentre estas, o turismo, pelo patrimônio arqueológico. É
neste sentido que afirma:
(...) com a grande visibilidade adquirida pela arqueologia no Brasil em
função das mudanças operadas nos paradigmas da difusão,
comunicação e do ensino da disciplina em outros moldes em algumas
instituições mais vanguardistas, sua demanda passou a fazer parte da
agenda de outras atividades econômicas e sociais, assim como
compareceu de maneira efetiva na atividade turística. (...) Cada vez
mais, o Turismo Pós-Moderno recorre aos objetos representativos
desses elos afetivos (...), porque os viajantes contemporâneos
demandam por relações mais próximas ao cotidiano dos locais
visitados. (BASTOS, 2008, p. 15).
Guimarães (2012a) explica que houve uma expansão da arqueologia brasileira a
partir de 2002, devido à Portaria IPHAN nº 230, que determinou a elaboração de
programas de educação patrimonial junto às comunidades de áreas afetadas por
pesquisas arqueológicas. Segundo a autora, é quando no Brasil o turismo arqueológico
começa a ser considerado como uma alternativa para a proteção dos sítios arqueológicos
e para a promoção de trabalho e renda para as populações locais. Entretanto, a falta de
monumentalidade dos sítios arqueológicos brasileiros é muitas vezes percebida como
uma dificuldade para o desenvolvimento do turismo arqueológico. Esta categoria
(monumentalidade) é importante para se pensar o planejamento do turismo
arqueológico. Identificá-la pode representar um aspecto facilitador quando se pensa a
promoção do “atrativo”. Sua ausência, entretanto, segundo Guimarães (2012a), não o
45
inviabiliza, conforme procurou demonstrar em sua tese de doutorado, onde propôs o
aproveitamento do patrimônio arqueológico do município de Iranduba (AM): “mesmo
que se considere que o patrimônio arqueológico brasileiro não seja, devido à falta de
monumentalidade, atrativo aos turistas, ainda assim seria viável a sua exploração
turística, com a criação de complexos arqueoturísticos” (GUIMARÃES, 2012a, p. 35).
Isto porque a autora percebe as possibilidades do turismo arqueológico como
complementar, integrando roteiros, participando de muitos segmentos, o que torna os
destinos mais conhecidos e as possibilidades de atrativos mais diversas.
Funari, Manzato e Alfonso (2013) argumentam que o turismo contribui para
reposicionar a própria arqueologia, na medida em que propõe aos arqueólogos desafios
reais que necessitam de respostas. Dentre estes desafios propostos à arqueologia, está o
respeito às interpretações que as comunidades locais fazem do patrimônio arqueológico.
El turismo patrimonial há contribuido a reposicionar la arqueología
como disciplina, si no para todos los arqueólogos, al menos para
muchos de ellos. El surgimiento de nuevas y creativas comprensiones
de la arqueología fue impulsado por contextos e interacciones del
turismo patrimonial en los cuales los arqueólogos se vieron desafiados
por situaciones reales. (FUNARI, MANZATO e ALFONSO, 2013, p.
43-44).
Considerando os possíveis efeitos negativos do turismo na conservação dos bens
culturais, o documento do ICOMOS (1976) chama a atenção para a necessidade de um
trabalho de educação cultural com as populações envolvidas, como forma de se
assegurar a preservação do patrimônio e a formação de profissionais qualificados que
promovam o controle e a interação dos turistas com o patrimônio visitado. Guimarães
(2012a) lembra que “de todas as situações em que o patrimônio arqueológico encontra-
se em risco, as relacionadas ao turismo são as em que há maiores chances de
posicionamento da comunidade em benefício do mesmo” (GUIMARÃES, 2012a, p.
21).
Pardi (2007) alerta para os riscos da visitação informal para a conservação de
sítios arqueológicos. Depredação, coleta de materiais que servirão de souvenir ou
destinados ao comércio ilegal de artefatos arqueológicos, ocupação predatória de áreas
que abrigam vestígios de presença pré-colonial pelo mercado imobiliário ou pelo
próprio trade turístico por meio de pousadas, hotéis e pela abertura de trilhas destinadas
ao trânsito de turistas sobre locais sensíveis são os principais riscos da citada visitação
informal e/ou da negligência do poder público no sentido de reconhecer e adotar
46
políticas públicas de preservação e uso sustentável destes locais. Quando planejado, o
turismo arqueológico “pode atuar como um instrumento capaz de proteger, promover e
potencializar o patrimônio arqueológico” (NÓBREGA, 2015, p. 95).
Em função da fragilidade apresentada nesses espaços, é primordial,
contudo, a realização de ações de planejamento e de infraestrutura que
possibilitem o desenvolvimento do turismo, sem que haja prejuízos ao
patrimônio arqueológico utilizado como atrativo turístico. Para tanto,
é indispensável à realização de estudos, pesquisas, trabalhos de
monitoramento, organização de roteiros de visitação, ações de
interpretação do patrimônio e envolvimento da comunidade local. O
planejamento e a estruturação de sítios arqueológicos são práticas
indispensáveis para o desenvolvimento do Turismo Arqueológico no
País, visto que, sem essas premissas, os impactos negativos do turismo
podem causar danos irreversíveis para o patrimônio arqueológico
brasileiro. (BRASIL, 2010, p. 24).
Guimarães (2012b), ao estudar o potencial do turismo arqueológico em Laguna
(SC), também ressalta a importância do planejamento deste segmento turístico e o
envolvimento da comunidade no seu desenvolvimento a fim de garantir a minimização
dos impactos negativos nos vestígios arqueológicos.
Este segmento deve envolver um planejamento minucioso para que a
integridade do patrimônio não seja ameaçada, visto tratar-se de um
bem cultural frágil. As políticas deverão ser criadas focando a
preservação, não no sentido de inviabilizar o acesso ao público, mas
utilizá-las de maneira que os impactos negativos sejam minimizados e
possibilite a sua visita. O desenvolvimento do turismo arqueológico
deve ser difundido junto a comunidade, incrementado à atividade de
educação patrimonial e programas de divulgação nos meios de
comunicação. (GUIMARÃES, 2012b, p. 135.)
O turismo arqueológico, constituindo-se enquanto atividade de público controlado
sob os aspectos quantitativos e comportamentais, não condiz com o turismo de massa,
aproximando-se assim do ecoturismo ou turismo verde. Segundo Beni, o ecoturismo.
pressupõe sempre uma utilização controlada da área com
planejamento de uso sustentável de seus recursos naturais e culturais,
por meio de estudos de impacto ambiental, estimativas da capacidade
de carga e suporte do local, monitoramento e avaliação constantes,
com plano de manejo e sistema de gestão responsável. (BENI, 2008,
p. 470).
Desta forma, o turismo arqueológico dialoga com o ecoturismo e se apresenta,
inclusive, enquanto extensão deste último, partindo-se de uma compreensão ampliada
da ecologia, na qual os vestígios arqueológicos são elementos ecológicos importantes
47
porque atuam como elementos constituidores de um discurso identitário que garantirá o
reconhecimento de si das comunidades próximas aos sítios.
É nesta mesma lógica que Barretto (2009), ao discutir o planejamento do turismo
cultural/étnico, afirma que “no ato de planejar turismo étnico, devem partir do princípio
inerente aos direitos humanos, de que, em primeiro lugar, quem precisa decidir sobre
uma economia baseada no turismo ou não são os membros da comunidade.” (p. 191).
Brenner (2005) também argumenta neste sentido, afirmando que “todos os esforços para
promover o turismo cultural sustentável devem basear-se absolutamente em uma
cooperação ativa com as culturas locais” (p. 370). E Veloso e Cavalcanti (2007), ao
discutirem especificamente o turismo arqueológico, escrevem que este:
(...) apresenta-se hoje como um importante veículo de
desenvolvimento socioeconômico em diversas localidades além de ser
um potencial campo de pesquisas para o conhecimento das populações
humanas do passado. Constata-se também que esse pode ser
aproveitado como fonte de cidadania cultural. (VELOSO e
CAVALCANTI, 2007, p. 166)
Segundo Mielke e Gandara (2009), são premissas para o desenvolvimento
endógeno:
Em primeiro lugar, o envolvimento dos atores locais, que têm
importância fundamental como protagonistas dos processos. E, em
segundo lugar, e não menos importante, as questões organizativas,
sociais e políticas dos mesmos, sejam institucionais, públicas ou
privadas. (MIELKE e GANDARA, 2009, p. 91-92)
Assim, para além de representar alternativa de renda às populações locais dos
sítios arqueológicos, o envolvimento destas no turismo cultural/arqueológico deve
representar, em primeiro lugar, um processo educativo que a fará olhar para o
patrimônio arqueológico de modo a valorá-lo simbolicamente. Esta perspectiva remete
às reflexões de Sachs (2006a) Max-Neef (2012) e Sampaio (2005), que defendem como
condição para que uma estratégia de desenvolvimento sustentável possa ter sucesso, a
participação dos grupos e comunidades locais enquanto sujeitos do seu próprio
desenvolvimento. Manzato (2013) lembra que, quando explorado exclusivamente em
sua perspectiva econômica, o turismo em sítios arqueológicos acaba promovendo
desequilíbrios.
Conforme Guimarães (2012a, p. 54), “para o turismo arqueológico, a busca pela
sustentabilidade deve ser no sentido mais amplo do termo, em todos os seus eixos:
ambiental, social, econômico e cultural”.
48
Bastos também elencou aqueles que seriam, na sua visão, os princípios básicos
para o desenvolvimento de turismo arqueológico sustentável, a saber:
Reinterpretação do patrimônio cultural arqueológico no cotidiano,
geração de ocupação e renda e demarcação dos espaços turísticos;
apropriação do espaço e do lugar pela população local; análise do
patrimônio arqueológico e estudo do espaço cultural: tombamento,
restauro, reconstrução, reutilização e resignificação; interpretação do
patrimônio arqueológico ambiental na sustentabilidade do diferencial
turístico. (BASTOS, 2005, p. 68).
É, portanto, a valoração simbólica dos sítios arqueológicos, somada ao trabalho de
educação patrimonial e à valoração proveniente de sua potencialidade econômica
alternativa enquanto atrativo turístico e aos produtos daí decorrentes, que potencializará
as possibilidades de preservação dos sítios como lugares de identidade e de renda.
Assim, entendemos que um projeto que proponha o investimento turístico tendo como
atrativo também os vestígios arqueológicos de Garopaba, Imaruí e Imbituba, deve
prever uma relação dialógica entre poder público (gestor local do turismo), ente federal
(IPHAN) e iniciativa privada não apenas com a população dos referidos municípios,
mas principalmente com as populações locais, garantidoras da proteção dos sítios e dos
valores simbólico/identitários a estes relacionados.
Segundo Manzato e Rejowski (2007), os primeiros registros de visitas a sítios
arqueológicos iniciaram na Grécia e no Egito e atualmente o turismo arqueológico se
desenvolve em diferentes países. “Em alguns lugares do mundo como Cuzco (Peru),
Cairo (Egito) e Roma (Itália), o turismo cultural arqueológico é uma das principais
atividades econômicas, pois possibilita a geração de emprego, renda e receitas”
(NASCIMENTO, 2010, p. 98).
No Brasil, ainda segundo Manzato e Rejowski (2007), destacam-se o Boqueirão
da Pedra Furada (PI), São Miguel das Missões (RS), Arraial de Canudos (BA) e sítios
no Estado de São Paulo. Em São Paulo as autoras identificaram 660 sítios arqueológicos
registrados pelo IPHAN, dos quais 20 recebiam turistas nos anos de 2004 e 2005.
Nascimento (2010) alerta, entretanto, que a falta de planejamento do turismo
arqueológico no Brasil está colocando em risco a integridade do patrimônio
arqueológico brasileiro. Cita exemplos no estado do Pará, onde “muitos sítios
arqueológicos recebem a visita de turistas, mesmo não havendo infraestrutura de apoio
para sua proteção, como é o caso da Serra das Andorinhas (...)” (NASCIMENTO,
2010, p. 92-93).
49
Guimarães (2009a) relativiza as críticas que frequentemente relacionam a prática
do turismo arqueológico à destruição do patrimônio arqueológico. A autora alega que
estas críticas se sustentam sobre bases teóricas frágeis e que atos de vandalização são
geralmente observados onde o acesso de pessoas não é monitorado e que muitas vezes o
vandalismo é praticado por moradores locais. Sustenta ainda que as experiências de
turismo arqueológico no Brasil ainda são tão escassas e em escalas tão pequenas que
não há base para as críticas, sendo estas muitas vezes motivadas pelo preconceito da
arqueologia em relação à atividade turística.
Manzato e Rejowski (2007) sustentam que a expansão e consolidação do turismo
arqueológico está relacionado aos benefícios que pode gerar, tais como: enriquecimento
da visão de mundo, ter valor econômico, facilita a identidade das pessoas através do seu
passado e melhora a qualidade de vida.
A condição de suposta precariedade em que se encontra o patrimônio
arqueológico da região que estudamos constitui motivo para o desenvolvimento do
turismo. Segundo Barreto (2007, p. 126), “o turismo não somente vem contribuindo
para a conservação do patrimônio, mas também, em alguns casos, tem ocasionado o
interesse por ele, provocando a sua valorização e sua descoberta”. A autora vai além, e
ao citar um trabalho de Peter Odermatt3 que trata do patrimônio na Sardenha, afirma
que “foi graças ao interesse dos turistas que os trabalhos de escavação começaram,
recuperando-se as ruínas pré-históricas da civilização nuraghe” (BARRETO, 2007, p.
127).
Funari, Manzato e Alfonso (2013), ao estudarem o turismo arqueológico no
Quilombo dos Palmares (AL), em Canudos (BA) e no estado de São Paulo, constataram
que este contribuiu para o empoderamento das populações locais e que no Brasil, apesar
de todos os problemas que ainda apresenta, esta segmentação turística possui
potencialidade para a inclusão social. Cabe lembrar que em experiências como a de
Canudos, foi desenvolvido um trabalho de arqueologia pública e, nos entornos da área,
promovido o turismo comunitário, onde a comunidade foi envolvida no planejamento e
na gestão do turismo arqueológico.
O IPHAN classifica os sítios arqueológicos em três categorias: pré-coloniais, de
contato e históricos. Em Santa Catarina há 1471 sítios arqueológicos cadastrados pelo
IPHAN.
3 Trata-se do artigo “A case of neglect? The politics of (re)presentation: A sardinian case”, publicado em
1996.
50
Comerlato (2005) afirma que o interesse pelo turismo arqueológico em Santa
Catarina tem crescido nos últimos anos, citando como exemplos o Morro do Avencal
em Urubici, o Morro das Aranhas no Costão do Santinho em Florianópolis e a trilha
ecológica do empreendimento da Ilha de Porto Belo. Em Jaguaruna o sambaqui da
Lagoa de Garopaba do Sul está estruturado para receber turistas e a Unisul realiza
visitas guiadas com grupos de estudantes no local (SANTA CATARINA, 2013). Em
Laguna, Guimarães (2012b) verificou a possibilidade do turismo arqueológico devido à
grande quantidade de sítios existentes no município, apresentando como necessidade
para o desenvolvimento desta segmentação turística maior envolvimento do IPHAN
(aproximando a comunidade dos sítios arqueológicos e promovendo ações práticas para
a preservação deste patrimônio) e a implementação de políticas públicas que protejam
os sítios arqueológicos e planejem a atividade turística de forma sustentável.
51
3 – CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
A área do nosso estudo compreende os municípios de Garopaba, Imaruí e
Imbituba. Estes três municípios estão localizados no litoral centro-sul de Santa Catarina.
(Figura 1). Juntos, reúnem uma população de 75162 habitantes (IBGE, 2015).
Figura 1: Localização da região estudada.
Cartografia: João Henrique Quoos/IFSC
Neste capítulo realizaremos uma breve caracterização histórica de cada um dos
municípios que compõem nossa área de estudo, situando-os identitariamente a partir
dos conceitos de identidade de Glissant (1996) e Hall (2004). Também abordaremos os
aspectos populacionais, socioeconômicos e as perspectivas de desenvolvimento da
região. Apresentaremos ainda uma revisão bibliográfica da ocupação pré-colonial na
região e discutiremos as diferentes escalas de regionalização às quais pertencem os três
municípios. Por fim, estudaremos a configuração do turismo na região, incluindo o
52
projeto de fortalecimento do ecoturismo de observação de baleias proposto
recentemente pelo SEBRAE.
3.1 Aspectos históricos dos municípios.
3.1.1 Garopaba.
Garopaba surge no projeto de colonização do litoral catarinense em 1793, com a
fundação de uma armação baleeira. As armações baleeiras constituíram-se como o
principal empreendimento manufatureiro do período colonial no litoral catarinense e,
segundo Elis (1969), a pesca da baleia “foi atividade que mais articulou
economicamente a faixa litorânea e agregou um grande número de escravos, que
representavam um investimento de capital para as armações” (Apud. RAIMUNDO,
2013, p. 3). As armações baleeiras, com suas estruturas complexas compostas por
trapiche, tanques, engenho de frigir, fornalhas, senzalas e casa grande (BITENCOURT,
2005; RAIMUNDO, 2013), processavam os cetáceos, de cuja gordura era extraído o
óleo utilizado na iluminação e das barbatanas confeccionavam-se espartilhos. A carne
possuía pouco valor e era vendida ou distribuída à população mais pobre. A borra
(resíduos ou mucilagem acumulada no fundo dos tanques) era utilizada como
componente de argamassa na construção civil. (BITENCOURT, 2005).
Nas armações baleeiras o uso do trabalho escravo de origem africana era intenso,
principalmente nas atividades em terra (RAIMUNDO, 2013). Durante o século XIX os
escravos e seus descendentes representavam parcela significativa da população da
freguesia de Garopaba, conforme dados publicados por Besen (1996). Ainda hoje a
presença de afrodescendentes é bastante significativa no município, resultando inclusive
no reconhecimento de dois quilombos (Aldeia e Morro do Fortunato).
É a partir da Armação Baleeira que se intensifica a ocupação humana de
Garopaba, especialmente pelo elemento açoriano, que se dedicará às atividades
pesqueiras e agrícolas, e pelo elemento italiano a partir do início do século XX. A
cultura de base açoriana que se estabelece na região, dedica-se à pesca e à agricultura e
constrói uma rede de atividades comunitárias que fortalecem o sentimento de identidade
local, algumas delas ainda subsistindo, como a prática da farinhada, a festa do Divino
Espírito Santo e a pesca da tainha.
53
Em 1890 ocorre o desmembramento de Garopaba de São José e sua elevação a
município, perdendo esta condição em 1923, quando passa a pertencer a Imbituba,
sendo anexado em 1930 ao município de Palhoça na condição de distrito. Segundo
Valentim (2007), a anulação da emancipação de Garopaba ocorreu por decisão do
governador Hercílio Luz, que suprimiu municípios deficitários e onerosos para o
governo estadual, o mesmo ocorrendo com Imbituba em 1930. Em 1961 o distrito de
Garopaba é novamente emancipado.
Na década de 1960 o governador Ivo Silveira contratou o fotógrafo Manfredo
Hubner para fotografar a construção da sede da colônia de pescadores. Hubner era um
militar gaúcho e retornou outras vezes à cidade, trazendo consigo amigos jornalistas que
começaram a escrever reportagens sobre a cidade para jornais do Rio Grande do Sul.
Segundo Alvim (2014), Garopaba começou a ser divulgada, especialmente no Rio
Grande do Sul, como um lugar onde era possível escapar da vigilância e da repressão
comum aos anos 70. Ainda segundo ela, produtos culturais como a canção “Deu pra ti”,
gravada por Kleiton e Kledir em 1981, e o filme “Deu pra ti anos 70”, dirigido por Giba
Assis Brasil e Nelson Nadotti também em 1981, divulgavam Garopaba como um lugar
especial e místico, “um lugar de liberdade para uma geração reprimida de uma grande
cidade” (ALVIM, 2014, p. 221), neste caso, Porto Alegre. É esta imagem que começa a
atrair para a cidade uma grande quantidade de turistas jovens, adeptos da contracultura e
da prática do surfe.
Exaltava-se da cidade seu ritmo sossegado, bucólico, a natureza
exuberante, o estilo de vida antigo, a sabedoria dos homens do mar e o
equilíbrio na relação homem/natureza. (...) Garopaba aparecia com
certa frequência como sugestão de lugar de veraneio e, ao que parece,
a pouca infraestrutura da cidade no início daquela década não era vista
como um empecilho. O rústico, neste caso, é visto como positivo.
(ALVIM, 2014, p. 222-223).
No final da década de 1970 tem início a explosão demográfica de Garopaba. O
movimento migratório, provindo principalmente do Rio Grande do Sul, dobrou a
população local entre 1977 e 2014, alterando profundamente a paisagem. De pequena
cidade dedicada à pesca artesanal, à agricultura e ao extrativismo da madeira,
transformou-se em importante balneário e polo de atração populacional. Sua malha
urbana se expandiu horizontalmente, avançando sobre áreas até então ocupadas por
pastagens e florestas, e seu centro histórico, antiga armação baleeira em torno da qual se
54
espraiou a antiga vila de pescadores com seu casario de arquitetura de base açoriana e
ruas estreitas, é hoje alvo do processo de gentrificação.
Para além das transformações da paisagem urbana, estão as alterações da
paisagem cultural. Saberes e fazeres tradicionais foram perdendo espaço. Práticas
comunitárias como a farinhada e a pesca artesanal da tainha, importantes elementos
identitários, tornam-se cada vez menos comuns no cotidiano garopabense. A forte
imigração alterou radicalmente a dinâmica do sistema cultural local.
Conforme apontado por Laraia (1986), a mudança cultural pode ser operada por
dinâmicas internas e externas. No caso de Garopaba, as dinâmicas externas,
representadas pela explosão demográfica resultante não de um crescimento vegetativo,
mas do movimento migratório, promoveram uma rápida e intensa reconfiguração da
paisagem cultural local a partir da década de 1980, especialmente após a pavimentação
da rodovia SC – 434, que liga a cidade à rodovia BR-101. Esta reconfiguração da
paisagem cultural resultou em uma ruptura entre o cotidiano e as referências simbólicas
dos moradores antigos para com as populações recentes, muito mais numerosas,
provocando a desterritorialização da cultura tradicional e a alteração da base econômica
do município. Fenômeno que se intensifica nas décadas seguintes.
[Garopaba] tuvo un alarmante crecimiento de su población urbana del
193% desde el año 1991 hasta el 2010, lo que indica una estrecha
relación con el fuerte movimiento inmigratorio hacia este litoral (...).
Por otro lado, investigaciones anteriores demuestran que el
crecimiento urbano también supuso un detrimiento de la actividad
rural regional, la cual cambió la dirección de sus esfuerzas hacia
actividades relacionadas con el turismo de masas. (SPERB, SERVA e
FIRMINO, 2013, p. 49).
Este “alarmante crescimento populacional” implica, portanto, em mudanças na
base econômica da cidade e na própria distribuição das propriedades, que deixam de
pertencer aos seus moradores tradicionais.
A rápida valorização imobiliária traz uma grande circulação
econômica e no curto espaço de tempo. Entre a chegada da energia
elétrica em 1966 e o asfalto em 1986, 60% de Garopaba já não
pertencia aos seus moradores. (SOLLER e
CASTROGIONANNI, 2014, p. 201).
Naquilo que tange ao patrimônio cultural de Garopaba, a intensa e recente
alteração da paisagem humana local e o processo de gentrificação podem significar a
destruição de importantes marcos paisagísticos e simbólicos, bem como a eliminação de
55
saberes, fazeres e sensibilidades tradicionais. Isto ocorre não tanto pela irrupção dos
recentes elementos culturais exógenos, mas principalmente pela ausência de uma
política municipal que garanta a preservação do patrimônio cultural local, bem como a
inexistência de equipamentos públicos culturais.
3.1.2 Imaruí.
Imaruí não possui faixa litorânea e se localiza às margens da lagoa homônima, a
maior da região dos lagos. Seu povoamento iniciou no século XVIII, a partir do
deslocamento de moradores de Laguna para a região através da Lagoa de Imaruí. Em
1833 a povoação é elevada à freguesia de São João do Imaruí. Segundo Costa (2006),
em 1840 a população de Imaruí (2495 habitantes) correspondia a 18,40% da população
de Laguna. Havia também um número significativo de escravos (345). “Esse distrito
comunicava-se com o porto de Laguna através da lagoa comercializando produtos
oriundos da produção agrícola e de animais na região” (COSTA, 2006, p. 17). Sua
elevação à categoria de município ocorre em 1890.
Segundo Costa (2006), em 1839, durante a Revolução Farroupilha e com a
proclamação da República Juliana em Laguna, Imaruí passou a ser requisitada para
fornecer víveres ao Governo Farrapo. Considerando o bloqueio portuário e o
desabastecimento de Laguna, as exigências de fornecimento em relação a Imaruí eram
cada vez maiores, o que gerou a revolta da população local e o apoio destas às tropas
imperiais. Em resposta, as forças farrapas invadiram e saquearam a freguesia lideradas
por Giuseppe Garibaldi, no episódio que entrou para a historiografia como “o massacre
de Imaruí”. Em suas memórias relatadas a Alexandre Dumas, Garibaldi relata este
episódio.
Auguro a toda criatura fiel à sua condição humana, como a mim
mesmo, que ela jamais receba uma ordem de teor igual àquela que me
fora expedida: ordem que, firme e afirmativa, não me abria qualquer
caminho para contorná-la. Ainda que existam longos e prolixos relatos
sobre situações dessa mesma natureza, considero impossível que o
mais terrificante deles chegue a aproximar-se da realidade. Que Deus,
do alto de Sua compaixão, possa perdoar-me! Jamais um outro dia
desta vida gravou em minha alma uma tão amarga recordação...
Ninguém poderá imaginar o desgaste a que me submeti a fim de
impedir a violência contra as pessoas e para que a destruição – a
pilhagem estando liberada – ficasse circunscrita às coisas inanimadas.
Não obstante, creio ter superado as minhas próprias expectativas de
êxito. Relativamente aos bens, porém, foi-me impossível evitar a
56
desordem. (GARIBALDI em depoimento a DUMAS, Apud. COSTA,
2006, p. 123-124).
A colonização de Imaruí é de base açoriana e ainda mantém características desta
cultura “presente nas brincadeiras da Ratoeira, Ternos de Reis, Pau de Fitas, Quadrilhas
e Boi de Mamão. No Interior, encontram-se contadores de “causos” que refletem a
religiosidade através das crenças e mitos como o do lobisomem, o da mula-sem-cabeça
e o do boitatá” (VIEIRA, 2008, p. 225). No centro histórico há diversas edificações que
exibem a arquitetura açoriana. A cidade mantém ainda a tradição da renda de bilro,
contando com um grupo de rendeiras que reúne 15 mulheres e que comercializa seu
artesanato em feiras e festas da região (EVARISTO, 2015). Sua economia está baseada
na pesca e na agricultura, influência do processo de povoamento.
No interior do município está localizada a aldeia Guarani-Mbya Tekoá Marangatu,
que possui 77 hectares. “Os membros dessa tribo são indígenas da tribo Guarani vindos
do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Argentina e Florianópolis.
Esse povo mora em Imaruí (...) desde o final de 1999” (SOUZA, 2010, p.23)
desenvolvem a agricultura e o artesanato, este último comercializado pelos próprios
indígenas na região.
Segundo Vieira (2008), as características ambientais de Imaruí, que conta com
cachoeiras, lagoa, ilhas, matas nativas e trilhas pouco exploradas, podem fomentar o
ecoturismo e o turismo de esportes aquáticos. Vieira (2008) informa ainda que o
município está procurando desenvolver o turismo rural.
Atualmente a cidade investe no turismo religioso. A festa o Senhor Bom Jesus dos
Passos, realizada anualmente, é o principal evento da cidade e reúne fiéis e peregrinos
de diversas regiões brasileiras. Segundo informações de Agenor Garcia Felipe (2016),
Secretário da Indústria, Comércio e Turismo, a última edição da festa reuniu
aproximadamente 60 mil visitantes em dois dias. Imaruí é também a terra natal de
Albertina Berkenbrock, menina assassinada em 1931 após resistir a uma tentativa de
estupro e beatificada pelo Vaticano em 2007 (EVARISTO, 2015). A beatificação de
Albertina Berkenbrock atrai ao santuário, construído em sua homenagem na localidade
de São Luiz, uma grande quantidade de romeiros. Entretanto, devido à má condição das
estradas que ligam a região central de Imaruí a São Luiz, o acesso dos visitantes
acontece preferencialmente pelo município vizinho de São Martinho, fazendo com que a
economia de Imaruí pouco se beneficie deste turismo religioso.
57
3.1.3 Imbituba.
Imbituba tem origem na vila açoriana de Vila Nova de Santana, fundada em 1720,
com a chegada dos primeiros imigrantes provenientes do arquipélago dos Açores. Em
1811, Vila Nova de Santana é elevada à freguesia de Laguna e, em 1911, distrito de
Laguna. Após variar sua denominação entre Vila Nova, Imbituba e Henrique Lage, o
distrito é desmembrado de Laguna e elevado à condição de município em 1958 sob o
nome de Henrique Lage e, em 1959, passando a se chamar Imbituba.
Assim como em Garopaba, Imbituba também assume importância econômica a
partir da instalação de uma armação baleeira em 1796, a quarta mais antiga do Brasil e a
última a sair de operação4. A pluralidade étnico-cultural de Imbituba torna-se mais
complexa a partir da década de 1910, quando passa a fazer parte do império industrial
de Henrique Lage e desenvolve as atividades ferroviárias e portuárias (MARTINS, s.d.),
fato que atrai mão de obra externa.
Desde 1884, com a inauguração da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, que
passou a ligar as minas de Lauro Müller à região portuária, o porto de Imbituba serviu
como escoadouro do carvão mineral tanto para o mercado brasileiro quanto para o
exterior. Antes da concessão a Lage, o porto estava sendo administrado pelo capital
inglês, que explorava também a mineração. A baixa qualidade do carvão catarinense,
entretanto, incentivou os ingleses a abandonar a mineração no sul catarinense e,
consecutivamente, relegou o porto de Imbituba ao abandono. (GOULARTI FILHO,
2013). Esta situação de abandono perdurou até a I Guerra Mundial, momento em que o
a necessidade de recursos energéticos reativa a mineração em Santa Catarina.
Em 1919 o industrial Henrique Lage obteve a concessão para exploração do porto
de Imbituba. Além de ampliar e equipar o porto, Henrique Lage promoveu uma série de
investimentos que criaram infraestrutura para seus negócios em Imbituba e introduziu
na região um projeto de modernização urbana da região central. Como era também
proprietário de uma Companhia de Navegação Costeira, transformou Imbituba em
escala dos seus navios com destino a Porto Alegre e ao Uruguai. O desembarque de
passageiros resultou na construção do primeiro hotel, em 1920. Entre 1920 e 1941, ano
da morte de Henrique Lage, foram construídos com seu capital a indústria Cerâmica
Imbituba, a Companhia Docas de Imbituba, a Granja Henrique Lage, a usina
4 A armação baleeira encerrou suas atividades em Imbituba em 1973.
58
termelétrica para fornecimento de energia elétrica ao porto e aos seus negócios e o
traçado do núcleo urbano de Imbituba, entre outras obras.
Atualmente Imbituba referencia Henrique Lage como seu fundador,
homenageando a si e aos seus colaboradores diretos com nomes de logradouros e
edifícios públicos e tornando sua memória figura constante nos meios de comunicação e
nos discursos políticos. É importante ressaltar que o projeto implementado por Lage na
cidade, tendo como centro a atividade portuária, não dialogou com a cultura de base
açoriana das primeiras vilas (Vila Nova e Vila do Mirim), tratando-se assim de uma
proposta de desenvolvimento exógena. O desenvolvimento econômico de Imbituba
passou a depender do porto que exportava o carvão que era explorado no sul do estado.
Esta dependência da cidade em relação ao porto, que por sua vez dependia do
carvão, fez com que a economia de Imbituba oscilasse de acordo as políticas de
incentivo à indústria carvoeira, como no caso da política de Getúlio Vargas, que em
1931 estabeleceu uma cota de obrigatoriedade de consumo do carvão brasileiro de 10%,
em 1937 elevada para 20% (GOULARTI FILHO, 2013). No final da década de 1980,
com a abertura da economia brasileira à concorrência internacional promovida no
governo de Fernando Collor de Mello, a exportação carvoeira declina e chega a zero em
1990.
Com o objetivo de aproveitar os rejeitos do carvão, em 1969, foi fundada em
Imbituba a Indústria Carboquímica Catarinense (ICC), uma estatal pertencente ao
Grupo Petrofértil, que produzia insumos para indústria de fertilizantes a partir do
enxofre extraído da pirita carbonosa (rejeito do carvão), derivando o ácido sulfúrico
somado ao ácido fosfórico. A construção da ICC, inaugurada em 1979, fazia parte dos
objetivos do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Para descarregar a rocha
fosfática, matéria-prima para a produção do ácido fosfórico, e para escoar toda a
produção de ácido sulfúrico e fosfórico, o porto de Imbituba foi ampliado. A indústria
operou apenas entre 1979 e 1992, sendo definitivamente extinta em 1994, e não
promoveu o desenvolvimento social que prometeu para a cidade. Os postos de trabalho
que abriu para a população local eram de baixo valor agregado e seu fechamento legou
significativos passivos ambientais e sociais.
(...) logo no início de seu funcionamento, a maioria da mão de obra
utilizada na indústria vinha de cidades vizinhas, como técnicos,
engenheiros, equipe mecânica entre outros, já que a cidade local não
possuía “mão de obra qualificada”, o que gerou certa frustração entre
os moradores. Os que conseguiram se estabelecer como funcionários
59
entraram através de concursos, recebendo o treinamento
teórico/prático durante os três primeiros meses de trabalho, ou em
serviços que não exigissem conhecimentos técnicos. Vale ressaltar que
não houve nenhum incentivo para que fossem capacitados
trabalhadores da cidade antes do inicio das operações da ICC. (...).
(SOUZA, 2007, p. 102).
(...) a cidade foi marcada pela “maldição da fumaça vermelha”,
denominada assim, pois logo no início de seus trabalhos não podia
contar também com a chaminé, principal responsável pela filtragem
dos gases. A cidade acordava todos os dias coberta por uma fuligem
grossa de pó vermelho, consequência da primeira etapa do
beneficiamento da pirita carbonosa, gerando como resíduo o óxido de
ferro, que principalmente em dias de vento nordeste, espalhava-se por
toda a região central. (SOUZA, 2007, p. 104).
Ainda hoje é possível ver as montanhas de óxido de ferro dispostas em área
próxima ao porto e o espólio da ICC em péssimo estado de conservação. Atualmente
indústrias estão beneficiando parte do resíduo para a produção de gesso. Importante
ressaltar, novamente, que a ICC foi imposta a partir do Estado para o município a partir
de um plano de desenvolvimento nacional, visando o aproveitamento do porto. Após o
fechamento da ICC, o governo brasileiro cria na cidade uma Zona de Processamento de
Exportação (ZPE), que até o momento não se efetivou.
A cidade de Imbituba sempre teve uma estreita relação com o porto e
apostava na expectativa de investimentos externos. Primeiro foi a
tentativa de construção da Siderúrgica Santa Catarina S.A. (Sidesc),
que se transformou em ICC. A ICC encerrou suas atividades em 1994
e deixou um grande passivo ambiental de mais de 4.300.000 t. de
gesso e 1.400.000 t. de óxido de ferro. Em seguida foi o projeto
Sidersul, que, entre 1979 e 1982, consumiu mais de US$
24.000.000,00 do governo estadual e nada foi realizado. A mais
recente espera foi a Zona de Processamento de Exportação (ZPE),
criada em 1995 com o objetivo de atrair indústrias e integrá-las ao
porto. No entanto, na reforma administrativa de 2005 do governo
estadual, a ZPE foi extinta. (GOULARTI FILHO, 2013, p. 93).
Atualmente o porto vem passando por reestruturações que diversificaram suas
operações, operando navios graneleiros e cargueiros, reativando sua importância
econômica para Imbituba.
(...) la principal actividad económica de esto municipio gira em torno
de su puerto, que actualmente es el segundo mas grande del estado y
representa una fuente importante de empleo. También depende de la
industria, del comercio y del turismo, este último en crecimiento.
(SPERB, SERVA e FIRMINO, 2013, p. 47).
60
Assim como observado em Garopaba, as alterações da paisagem e o crescimento
populacional em Imbituba acarretam na atrofia das atividades econômicas tradicionais e
impactam na identidade local. Um exemplo é a pesca tradicional na Lagoa de
Ibiraquera. Segundo Sperb, Serva e Firmino (2013), em 1992, 800 famílias viviam da
pesca tradicional nesta lagoa, número que caiu para 30 em 2003.
3.2 Aspectos identitários.
Garopaba, Imaruí e Imbituba possuem, assim, identidades crioulas, conforme
definição de Glissant (1996), que compreende a “identidade como fator e como
resultado de uma crioulização, ou seja, da identidade como rizoma, da identidade não
mais como raiz única, mas como raiz indo ao encontro de outras raízes”. É do contato e
dos conflitos entre as muitas culturas pré-coloniais, destas com os elementos europeu e
africano e da consolidação destes elementos às condições locais e seus diálogos pós-
coloniais que se organiza a identidade regional contemporânea de Garopaba, Imaruí e
Imbituba. O problema apresentado por Glissant (1996) em sua concepção de identidade
é o de “como ser a si mesmo sem fechar-se ao outro, e como abrir-se ao outro sem
perder-se a si mesmo”. Hall (2004) compreenderá a identidade como o “ponto de
encontro” das práticas de construção de sujeitos sociais e dos processos de subjetivação.
Concordando com Hall, para quem toda identidade é sempre uma representação sobre si
mesmo, a posição que assumimos na sociedade e para nós mesmos a partir da relação
estabelecida com o “outro”, consideramos fundamental o reconhecimento das
identidades de base. Dentre estas, incluem-se as dos povos já extintos que legaram seus
vestígios materiais e imateriais e de suas manifestações contemporâneas e resistentes, a
fim de que a população local possa se reconhecer em suas diferenças sem, entretanto,
negar-se ao outro.
Desta forma, como estratégia de reconhecimento de si, torna-se importante o
conhecimento e a preservação dos vestígios materiais e imateriais das diferentes
culturas responsáveis pela crioulização da população de Garopaba, Imbituba e Imaruí, e
este conhecimento passa também pelos sítios arqueológicos, cuja narrativa possível a
partir dos vestígios materiais permite um conhecimento das diferentes formas de
ocupação regional e das respostas e soluções de adaptação do ser humano às condições
locais segundo suas necessidades de sobrevivência (DE BLASIS e GASPAR,
61
2008/2009). Neste sentido, pensamos aqui o turismo arqueológico na região como
estratégia de renda e trabalho, mas também de preservação destes vestígios materiais.
3.3 População, renda e perspectivas de desenvolvimento.
Ao defendermos a possibilidade de pensarmos o turismo arqueológico também
enquanto estratégia de renda para os municípios de Garopaba, Imbituba e Imaruí, isto
não significa obviamente conceber esta modalidade de turismo como solução para os
problemas de trabalho e renda de uma população. Por este motivo o uso do termo
“estratégia de renda”, que nos parece mais adequando e indica uma ideia de
complementaridade.
Bastos (2005), Pardi (2007), Guimarães (2012a), entre outros, lembram que o
turismo em sítios arqueológicos não pode ser concebido apenas sob o aspecto
economicista. Entretanto, são inegáveis as potencialidades do turismo como promotor
de trabalho e renda, em complementaridade às demais atividades econômicas da região,
conforme discutidos por Alfonso (2009) e Guimarães (2012a).
Ao observarmos os dados publicados pelo Censo de 2010 do IBGE e as
estimativas para 2015 referentes aos aspectos populacionais dos três municípios aqui
discutidos, é possível perceber duas dimensões importantes: a primeira diz respeito à
dinâmica de crescimento populacional, e a segunda à quantidade de pessoas ocupadas
(Quadro 2).
Município Habitantes População Ocupada
(2015) 1991 2010 20155
Garopaba 9918 18138 21061 5682
Imaruí 15431 11672 10933 1433
Imbituba 30942 40170 43168 10172
Quadro 2: Aspectos populacionais
Fonte: IBGE, 20166.
Em termos absolutos, houve crescimento populacional em Garopaba e Imbituba
no período compreendido entre 1991 e 2010, e decréscimo populacional em Imaruí. Em
Garopaba a população praticamente dobrou no período de 19 anos, passando de 9918
5 Estimativa.
6 Fonte: <www.ibge.gov.br>. Acesso em 18/02/2016.
62
habitantes para 18138 habitantes e estimando 21061 habitantes em 2015. No mesmo
período, em Imbituba, o número de habitantes cresceu praticamente 1/3. A observação
do crescimento populacional é importante na medida em que pode significar uma
pressão sobre o patrimônio arqueológico remanescente, especialmente pelo mercado
imobiliário e pelo desenvolvimento das atividades extrativistas, como no caso das
Dunas da Ribanceira, em Imbituba, exploradas por uma mineradora que atua na
extração de areia e expõe à destruição possíveis sítios arqueológicos7, conforme
denúncia da historiadora Elizabeth Kieling8.
A outra dimensão importante diz respeito à população ocupada. O número de
habitantes com ocupação formal nos três municípios é baixa, representando, no caso de
Imaruí, algo em torno de apenas 10% do total da população residente no município. A
sazonalidade do turismo de verão (Garopaba e Imbituba) e o período de defeso nas
atividades pesqueiras são algumas das características econômicas dos municípios que
podem explicar a grande quantidade de habitantes sem ocupação ou atuando na
informalidade.
Ao observarmos alguns indicadores econômicos locais (Quadro 3), como o Índice
de Desenvolvimento Humano por Município (IDHM), é possível constatar que os três
municípios apresentam IDHM abaixo da média catarinense. O mesmo ocorre quando
comparadas as medianas da renda per capita por domicílio de cada um dos municípios
com a mediana do estado de Santa Catarina.
7 O relatório de vistoria do IPHAN – Escritório Técnico de Laguna, nº 03/2014, realizado a partir de
vistoria nas Dunas da Ribanceira em 28/01/2014, inclui ventre suas considerações técnicas a seguinte
conclusão: “Trata-se de uma área de dunas móveis, sendo que a constante movimentação destes grandes
bancos de arenosos demonstram o dinamismo de tal ambiente. Fato este, juntamente com os resultados
positivos obtidos na vistoria, ressaltam as características geomorfológicas da área, sendo que artefatos
arqueológicos aparecem todos os dias e todos os dias são novamente recobertos pela areia. (...) Em razão
dos vestígios encontrados no caminhamento, pode-se afirmar que a área vistoriada possui altíssima
probabilidade de ter sido antigamente ocupada por grupos humanos. A geomorfologia do terreno – áreas
elevadas, proximidade ao mar e às lagoas (fontes de água), remete às características de ocupação de
Grupos Guarani”. Em 24/09/2015 participamos de diligência conjunta IPHAN – IF-SC nas dunas da
Ribanceira, onde encontramos vestígios de cerâmica Guarani. 8 Há um movimento no município de Imbituba que combate a destruição das Dunas da Ribanceira
chamado SOS Dunas da Ribanceira. O grupo mantém intensa atividade e está publicando uma série de
documentos a respeito do tema nas redes sociais. Dentre estes documentos encontramos no Youtube o
depoimento da historiadora Elizabeth Kieling, gravado em vídeo sob o título “SOS Dunas da Ribanceira:
Elizabeth Kieling (1ª Parte) Vestígios Arqueológicos nas Dunas da Ribanceira”, e publicado em 14 de
outubro de 2013 no canal de Eduardo Rosa. No depoimento, a historiadora apresenta uma série de
artefatos líticos e cerâmicos colhidos em superfície nas dunas da Ribanceira. A historiadora atenta para o
fato de que além do impacto ambiental e paisagístico, a remoção das dunas pela atividade da mineração
destrói possíveis sítios arqueológicos não estudados. O vídeo está disponível no endereço eletrônico
https://www.youtube.com/watch?v=gH1IrqamJKE , acessado em 08 de junho de 2014.
63
Município IDHM (2010)
Renda per capita mensal por domicílio
– R$ (mediana)
Área rural Área urbana
Garopaba 0,753 510,00 610,00
Imaruí 0,667 433,33 510,00
Imbituba 0,765 - 593,33
Santa Catarina 0,774 510,00 722,23
Quadro 3: Aspectos socioeconômicos
Fonte: IBGE, 20169.
O desenvolvimento de baixo para cima (MIELKE e GANDARA, 2009) observa
as demandas locais. Se considerarmos os três municípios pesquisados neste trabalho,
cabe perguntarmos a respeito das suas demandas locais naquilo que diz respeito ao
desenvolvimento econômico e sustentável. Em Garopaba, a dependência econômica ao
turismo sol e mar em uma região subtropical, com invernos relativamente extensos e
rigorosos. Esta dependência acarreta, por exemplo, na sazonalidade laboral e em curtos
períodos daquilo que se convencionou chamar de “alta temporada” (dezembro a março),
quando a cidade experimenta um turismo de massa, com todas as implicações positivas
e negativas que este tipo de turismo representa. Há, portanto, uma demanda por
atividades que signifiquem estabilidade de renda sem, contudo, descaracterizar de modo
predatório a paisagem local.
Em Imbituba, a demanda por atividades que signifiquem crescimento econômico
não podem vir dissociadas da perspectiva do desenvolvimento sustentável. O município
é um exemplo clássico de cidade que, historicamente, buscou promover seu
desenvolvimento a partir das perspectivas externas e de um discurso de modernidade,
ou seja, naquilo que Mielke e Gandara compreendem como sendo um modelo de
desenvolvimento de cima para baixo e que tem como características: “desenvolvimento
baseado na concentração de grandes indústrias em grandes cidades”, “enfoque setorial
nacional”, “crescimento quantitativo”, “subvenções diretas ao investimento”,
“mobilidade de capital e trabalho” e “propostas desde os âmbitos estatais” (2009, p. 86).
Este modelo de desenvolvimento, ao qual se filiou Imbituba, gerou enormes passivos
sociais, ambientais e econômicos, conforme demonstraram Souza (2007), Goularti Filho
(2010 e 2013) e Mombelli (2013). Modelo este atualmente questionado por
representantes comunitários, como no caso da comunidade tradicional dos Areais da
Ribanceira, discutido por Mombelli (2013), e na proposição de alternativas de
desenvolvimento endógenas, como o turismo de esportes aquáticos na Praia do Rosa, os
9 Fonte: <www.ibge.gov.br>. Acesso em 18/02/2016.
64
debates da Agenda 21 na comunidade da Lagoa da Ibiraquera e da implantação de uma
Reserva Extrativista de Pesca Artesanal na mesma lagoa, onde se discute as
possibilidades do turismo comunitário de base local a partir de uma perspectiva
socioeconômica, conforme descrito por Sampaio (2005).
No município de Imaruí, a demanda passa pela necessidade de se reverter o êxodo
populacional. Neste sentido, o município apresenta um problema oposto ao de
Garopaba. Se nesta constata-se verdadeira explosão demográfica que mais que dobrou a
população nas últimas três décadas, em Imaruí ocorre uma atrofia demográfica,
promovida principalmente pela emigração. Daí a necessidade de um debate a respeito
do patrimônio cultural da cidade, interferindo positivamente para o desenvolvimento da
cidadania cultural e o consecutivo fortalecimento da identidade local como estratégia de
fortalecimento do sujeito ao território.
Os dados aqui apresentados demonstram fragilidades sociais e econômicas na
região, principalmente relacionadas à questão do trabalho e da renda.
3.4 A ocupação pré-colonial da região.
Não há consenso entre os arqueólogos a respeito da presença humana no
continente americano e, por consequência, no Brasil. A profissionalização tardia da
Arqueologia no Brasil, a submersão e destruição de grande parte dos vestígios
arqueológicos e a primazia do discurso arqueológico produzido a partir da Europa e dos
Estados Unidos (representado especialmente pelo reconhecimento da Cultura Clóvis
como a mais antiga das Américas, interpretação que prevaleceu soberana até a década
de 1970), dificultaram a datação e a construção de teorias que atestassem a antiguidade
da ocupação humana em território brasileiro reconhecidas pela comunidade científica
internacional.
No território que nos propusemos estudar tampouco há precisão quanto à chegada
das primeiras culturas humanas. Em Garopaba é comum ouvirmos de condutores
ambientais e aficionados pelos vestígios arqueológicos de que a presença humana
remota há pelo menos 8 mil anos10
, e uma placa não oficial afixada junto ao Sambaqui
10
Luiz Fernando Alves Bintencourt, em entrevista concedida ao autor em 21/12/2015, defende a
necessidade de estudos que auxiliem na compreensão dos vestígios arqueológicos existentes em Garopaba
e Imbituba, e fala de uma ocupação humana de pelo menos 8 mil anos: “Então a existência destes povos
aqui já prova que é um lugar especial. E nós também fazemos parte desta história toda há pelo menos 8
mil anos.”
65
popularmente conhecido como “Morro do Índio”11
, na Praia da Ferrugem, atribuía a este
a datação de “+ de 7000 anos”. Existe um senso comum que entende que quanto mais
antigo, maior o valor de um vestígio, e esta ideia tem impactos na construção e
divulgação dos atrativos do turismo arqueológico.
Segundo Prous (1997), o debate a respeito da ocupação humana da América é
antigo. Desde os estudos de Hrdlicka, que no início do século XX estimou em 6 mil
anos A.P. a presença humana em solo americano, e as análises radiocarbônicas das
pedras lascadas da Cultura Clóvis encontradas nos Estados Unidos na metade do século
passado, que atribuíram aos artefatos a datação de 11 mil anos, permaneceu uma espécie
de acordo, principalmente entre a arqueologia estadunidense, de que o ser humano teria
emigrado da Ásia para a América pela Beríngia e que sua presença remontaria aos
11.500 anos. Segundo Prous, “as dificuldades para se verificar uma presença humana no
Pleistoceno (...) são de ordem climática, metodológica e até psicológica” (PROUS,
1997, p. 10).
Prous (1997) não nega a probabilidade de que a presença humana em continente
americano seja mais antiga. Reconhece que 11.500 anos é a datação mínima, mas
argumenta que as movimentações do solo promovidas pela glaciação, e as intensas
chuvas que caracterizaram a transição do pleistoceno para o holoceno na região tropical,
destruíram ou submergiram os vestígios desta presença. Sob o aspecto arqueológico,
propõe que os primeiros imigrantes constituíram grupos esparsos, o que gera grandes
dificuldades para que se encontrem sítios pleistocênicos, assim como provavelmente a
matéria-prima dos utensílios fabricados e/ou utilizados por estes grupo era orgânica e
por este motivo dificilmente se preserva nas regiões quentes e em solos muito ácidos. Já
artefatos de pedra, que são os comumente encontrados em sítios pleistocênicos, podem
ser confundidos como ferramentas produzidas por e/ou de uso humano, mesmo quando
resultantes do intemperismo, de acidentes ou da intervenção de animais não humanos.
São estes os “ecofatos” (PROUS, 1997, p. 12), nos quais se incluem ainda matérias
orgânicas mineralizadas resultante de processos ambientais e muitas vezes confundidos
com fogueiras produzidas pela ação humana e a disposição de rochas organizadas
involuntariamente pelo próprio arqueólogo. Finalmente, como aspecto psicológico,
Prous afirma que a publicação de estudos afirmando a antiguidade da presença humana
11
No CNSA/IPHAN o sítio é denominado de “Capão de Garopaba”. Também segundo Bintencourt na
entrevista citada na nota anterior, foi a própria comunidade do Capão (Garopaba) que afixou a placa no
“Morro do Índio”.
66
na América do Sul carentes de rigor científico, criou desconfiança em grande parte da
comunidade arqueológica estadunidense em relação às pesquisas arqueológicas sul-
americanas. Esta desconfiança não é compartilhada pela comunidade arqueológica
europeia. Entretanto, a arqueologia na Europa conta com datações muito mais antigas.
Este fato, associado ao eurocentrismo, faz com que os arqueólogos europeus participem
pouco dos debates e das pesquisas relacionados aos sítios arqueológicos da América do
Sul.
Com o objetivo de problematizar as descobertas arqueológicas brasileiras, e
apresentar uma perspectiva crítica às datações pré-Clóvis em território brasileiro, Prous
apresenta uma série de contra-argumentos aos estudos publicados até aquele momento.
O primeiro é o de M. Beltrão, que a partir de seixos de quartzo encontrados em Itaboraí
(RJ) e de fósseis descobertos em Central (BA) apresentou a hipótese de presença
humana pré-sapiens no Brasil, com datações superiores aos 100 mil anos AP. Prous
afirma que todos os vestígios encontrados por Beltrão podem ter sido produzidos por
ação não antrópica. Aborda também o sítio Boqueira da Pedra Furada, em São
Raimundo Nonato (PI), originalmente escavando por Niéde Guidon, e onde está
localizada a mais completa experiência de turismo arqueológico brasileiro. Em Pedra
Furada foram encontrados seixos e carvão datados em 50 mil anos. Segundo Prous, os
seixos de rocha local apresentam um lascamento que carece de método, podendo ter
sido produzido pelas quedas decorrentes de enxurradas ou pela manipulação de
macacos. Cita inclusive as pesquisas realizadas por Parenti, que também escavou o sítio
e concluiu que os seixos podem ter sido produzidos pela ação da natureza. Do mesmo
modo, Prous questiona as fogueiras, argumentando que não há como comprovar que
foram produzidas por ação antrópica, assim como não há consenso em relação às
datações das pinturas rupestres. Entretanto, ao abordar estudos desenvolvidos em outras
regiões brasileiras, reconhece que há datações incontestáveis de 10 mil a 11 mil anos em
Lagoa Santa (MG) e de 10.120 anos em Santa Eliana (MT).
Apenas a partir do período situado entre 11.000 e 12.000 anos atrás, a
presença do homem está bem documentada no Brasil e
particularmente em sítios de Minas Gerais (Lapa do Boquete – perto
de Januária – e do Dragão – perto de Montalvânia, escavados pelo
autor) e num abrigo do estado do Amazonas (Lapa do Sol, escavado
por A. Roosevelt). Entre 9.000 e 10.000 anos, os achados
convincentes tornam-se mais numerosos em todo o Brasil nordestino
(Piauí, Pernambuco, Bahia), central (Goiás, Minas Gerais, Mato
Grosso) e meridional (Rio Grande do Sul), o que deve traduzir uma
67
densidade de população já razoavelmente grande. (PROUS, 1997, p.
17-18).
Niède Guidon (1997) contestou os argumentos apresentados por Prous (1997),
referentes aos estudos em Pedra Furada, e apresentou uma série de falhas na
metodologia de análise deste arqueólogo, dando a entender que as motivações para as
críticas contidas no artigo teriam motivação ideológica e não científica. Neste sentido
escreveu:
Tudo que vi e analisei levam-me a declarar, com segurança e
tranquilidade (com a certeza de que descobertas confirmarão nossos
resultados) que foi mesmo o homem que entre, 60.000 ou 50.000
anos, começou a frequentar a Pedra Furada, deixando ali os vestígios
de suas ferramentas. (GUIDON, 1997, p. 225).
O debate travado entre Prous e Guidon em torno do tempo da presença humana
em território brasileiro tornou-se emblemático para a arqueologia nacional,
principalmente por representar duas perspectivas completamente distintas: a de Prous,
conservadora; a de Guidon, extremamente ousada e contestada.
Na década de 1990, entretanto, Walter Neves apresentou uma nova possibilidade
de leitura da ocupação humana na América. Neves estudou o crânio de Luzia, o
esqueleto humano mais antigo encontrado em solo brasileiro, com datação de 11.000 a
11.500 anos, e defende um modelo de ocupação humana para a América que chamou de
“modelo de dois componentes biológicos principais” (NEVES e HUBBE, 2003).
Através deste modelo defende a tese de que a América teria sido colonizada a partir de
duas correntes migratórias principais, ambas passando pelo Estreito de Bering, sendo a
primeira composta por elementos de morfologia australiana e africana e a segunda por
elementos asiáticos. Considerando as datações existentes para sítios do litoral do Chile,
reconhecidas pela comunidade científica internacional, o primeiro processo migratório
teria acontecido há aproximadamente 14 mil anos e, diferentemente das teorias
tradicionais, não se deu por terra, mas pela navegação de cabotagem pela costa do
Pacífico, e a interiorização no sentido oeste – leste. (NEVES e HUBBE, 2003).
Apesar de defender a validade do seu modelo para a ocupação humana na
América, Neves não rejeita as interpretações de Guidon. Em entrevista afirmou, após
visitar a coleção de objetos líticos de Pedra Furada: “saí 99,9% convencido do fato de
que houve ali uma ocupação humana com mais de 30 mil anos. Mas tenho esse 0,1% de
dúvida, que é muito significativo” (NEVES, 2012, p. 31). Neves reconhece também a
necessidade de se rever todas as teorias existentes a respeito da presença humana no
68
continente americano se confirmadas as teorias de Guidón, inclusive a sua, mas que por
prudência científica e pela falta de estudos e maiores evidências, mantém sua “dúvida”
enquanto elemento significativo.
Não foram poucas as tentativas, nas últimas quatro décadas, de tentar
assegurar que o homem já estava no Novo Mundo desde idades muito
remotas, como 35, 150 ou até mesmo 300 mil anos (Modelo pré-
Clovis). E, para o constrangimento dos cientistas sul-americanos – que
tentavam, a duras penas, demonstrar que o homem já estava ao sul do
equador pelo menos contemporaneamente à cultura Clovis –, essa
pirotecnia de datas antigas foi convenientemente explorada pela
comunidade norte-americana para desqualificar toda e qualquer
informação que pudesse questionar a primazia temporal de Clovis.
(NEVES e HUBBE, 2003, p. 25).
Noelli (1999/2000) defende a possibilidade de ocupações humanas no Sul do
Brasil anteriores aos 12 mil anos, porém considera pequena a probabilidade de se
encontrar vestígios materiais de populações ainda não conhecidas. Indica que as
tradições12
que ocuparam a região Sul foram longevas, apresentando pequena
variabilidade em suas culturas materiais. Sustenta ainda que houve três levas de
ocupações humanas na região Sul. A primeira teria iniciado entre 13 e 12 mil anos AP,
pré-ceramista e correspondendo às tradições umbu e humaitá, que se mantiveram
estáveis sob os aspectos da vida material e mantendo as características de coletores-
caçadores. Teriam perdurado até 2500 anos AP, não sendo possível definir suas origens.
Já as duas levas posteriores correspondem aos povos ceramistas, especificamente os
Grupos Jê e Guarani, introdutores da agricultura e do pastoreio. Noelli alerta que as
pesquisas arqueológicas no Sul do Brasil seguiram até a década de 1990 um padrão
esquemático e cheio de lacunas que praticamente desconsiderou as populações
indígenas e as pesquisas desenvolvidas por outras ciências.
Ao invés de verificar as evidentes relações entre os povos indígenas e
os registros arqueológicos, os pesquisadores optaram por criar um
ambiente totalmente estanque e artificial, construindo a história e a
cultura dessas populações a partir de seus próprios pressupostos,
12
A categoria “Tradição” é resultado da influência da escola arqueológica estadunidense, o mesmo
acontecendo com a categoria “Fase” . “O uso de tais categorias, ainda um tanto ambíguas quanto ao tipo
de unidades socioculturais que designam, marcou definitivamente a arqueologia brasileira. Apesar de
muitos arqueólogos questionarem o seu uso, a maior parte dos resultados de pesquisas em nível regional
foi e continua sendo organizada em ‘fases’ e ‘tradições’ arqueológicas.” (BARRETO, 1999/2000, p. 45).
Segundo o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas, por Fase compreende-se “qualquer complexo
de cerâmica, lítico, padrões de habitação, relacionado no tempo e no espaço, em um ou mais sítios”; e por
Tradição um “grupo de elementos ou técnicas que se distribuem com persistência temporal”.
(PRONAPA, 1976, Apud ARAÚJO, 2007, p. 10).
69
invariavelmente ignorando fontes históricas e etnográficas. (NOELLI,
1999/2000, p. 223).
Especificamente em relação ao litoral centro-sul de Santa Catarina, o estudo
realizado por De Blasis et al. (2007), revisado por GIANNINI et al (2010), nos
sambaquis da região de Tubarão, Laguna e Jaguaruna a partir das datações de conchas,
carvão e ossos humanos, atesta a presença humana na região há pelo menos 7500 anos
AP.
Na fase 1, entre 7500 e 5500 anos AP, os sambaquis, ainda em
pequeno número, limitavam-se quase que exclusivamente às
encostas da serra, que então margeavam ampla baía semiaberta
ou em começo de fechamento pela barreira transgressiva. Esta
fase inicial de ocupação caracteriza-se pela presença de sítios de
composição conchífera. (GIANNINI, et al., 2010, p. 124).
Os sambaquis de Garopaba, Imbituba e Imaruí não foram objeto dos estudos
citados acima, entretanto, estão inseridos no contexto do complexo lagunar onde se
inserem também Laguna, Tubarão e Jaguaruna, território analisado por De Blasis et. al.
(2007) e Giannini et. al. (2010). Este território litorâneo passou por grandes alterações
climáticas e físicas, especialmente nos últimos 5 mil anos, quando houve a redução do
nível relativo do mar (NRM) e a expansão das florestas tropicais após o “optimum
climático” que, segundo De Blasis et. al. (2007), teria acontecido há 5 mil anos AP.
“Antes de 4000 anos AP o NRM esteve mais de 2 metros acima do atual e, com uma
tendência de rebaixamento gradual e paulatino, alcançou os 2 metros por volta de 3700
AP” (DE BLASIS, et. al., 2007, p. 43).
Considerada a proximidade geográfica dos sítios arqueológicos de Garopaba,
Imbituba e Imaruí com os sítios de Laguna, Tubarão e Jaguaruna, optamos por
compreendê-los a partir do contexto assinalado por De Blasis et. al. e Giannini et. al.
Ainda que não seja possível afirmar uma datação para este vestígios, é plausível
reconhecer que as populações pré-coloniais de Garopaba, Imbituba e Imaruí e seus
vestígios resultam de uma ocupação humana que remonta aos 7.500 anos AP.
A região de Garopaba, Imbituba e Imaruí é resultado de múltiplas ocupações
identitárias, desde os tempos pré-coloniais. Sociedades caçadoras-coletoras como os
diversos grupos sambaquieiros, e, mais recentemente (1500 anos A.P), povos ceramistas
Itararé e Carijó, habitaram em diferentes tempos a região, possivelmente estabelecendo
relações interculturais de intercâmbios e conflitos. Como resultado destas ocupações,
permanecem nesta região uma grande quantidade de vestígios arqueológicos, a saber:
70
sambaquis, inscrições rupestres (petroglifos)13
, supostos marcos astronômicos14
, sítios
ceramistas, oficinas líticas e nominações topográficas.
Prous (1992), ao tratar dos sítios rupestres da “tradição litorânea catarinense”,
encontrados em uma área litorânea específica que envolve a Ilha de Santa Catarina e
municípios adjacentes, estendendo-se ao Sul até Garopaba, afirma que estes sítios
possuem um caráter único. Segundo o arqueólogo, “esta tradição, muito bem
circunscrita, não pode ser comparada com nenhum outro conjunto rupestre conhecido
atualmente; trata-se certamente de uma criação local” (PROUS, 1992, p. 513). A
constatação de Prous reforça a importância dos estudos destas inscrições rupestres,
cujos autores e significados permanecem ainda indeterminados15
, bem como seu
potencial de atrativo para o turismo arqueológico na região. No caso específico de
Garopaba, as inscrições são encontradas na Ilha do Coral (incluída nos limites do
município de Paulo Lopes), situada em alto mar entre a Praia da Pinheira (ao Norte) e
Garopaba (ao Sul) que possui dois sítios. Em um deles existe um painel com 183 cm de
altura e 220 cm de comprimento com 55 sinalizações. No outro, explodido antes da
década de 1960, ainda restam 26 sinalizações localizadas na face da rocha antes da área
explodida e mais 3 na face após a área explodida (Lucas, 1996). Além da Ilha do Coral
há, na área continental de Garopaba, as inscrições da Pedra do Galeão, próxima à Praia
da Silveira, cujo local é acessível exclusivamente a pé e por trilha bastante acidentada. A
Pedra do Galeão apresenta inscrições rupestres já bastante danificadas pelo
intemperismo. Entretanto, o local constitui-se enquanto um conjunto arqueológico-
paisagístico sui generis na região, com uma morfologia particular e com vista para o
Oceano Atlântico. A respeito dos sítios com inscrições rupestres existentes no litoral
catarinense, afirma Comerlato:
13
“Em relação à técnica empregada na confecção. chamam-se PETROGLIFOS, quando gravadas na
rocha e PICTOGLIFOS quando desenhadas.” (ROHR, 1984, p. 86). 14
Conforme discutiremos no capítulo seguinte, a influência de Keler Lucas em Garopaba contribuiu para
que pessoas da comunidade reconheçam na paisagem local supostos marcos astronômicos. Não é objetivo
deste trabalho discutir a autenticidade destes “marcos”. Entretanto, entendemos que o reconhecimento de
marcos astronômicos na região necessita de maiores estudos antes de servir à interpretação cultural que
subsidie o turismo arqueológico. Respaldamo-nos, neste sentido, na crítica de Comerlato (2005) a
respeito do arqueoturismo de apelo místico promovido pela Prefeitura de Florianópolis no Parque
Arqueoastronômico da Barra da Lagoa. 15
Segundo Rohr, “Na Ilha de Santa Catarina e ilhas adjacentes, há grande número de petroglifos de
motivos geométricos e naturalísticos, possivelmente, de origem tupi-guarani (carijó).” (ROHR, 1984, p.
86). Entretanto, não há consenso entre os arqueólogos a respeito da autoria das inscrições rupestres.
Gaspar (2000), por exemplo, aventa a possibilidade, dada a proximidade dos sítios com inscrições
rupestres aos sambaquis, de que seus autores possam ser os sambaquieiros.
71
A maioria dos sítios do litoral central catarinense está em ilhas, na
costa rochosa (costões) que serve de suporte às gravuras isoladas ou
agrupadas em conjuntos gráficos, painéis e dispositivos parietais. Os
sítios estão em diques de diabásio, geralmente em falésia composta,
plataforma de abrasão, fenda ou pontal rochoso (...). A temática é a
geométrica, além de representações humanas esquemáticas. A técnica
de confecção predominante é o polimento. A importância deste
conjunto de sítios soma-se a sua excepcionalidade – são os únicos
sítios de representação rupestre até agora identificados em toda costa
brasileira. (COMERLATO, 2005, p. 150-151).
Comerlato (2005) defende a existência de um território rupestre entre Porto Belo e
Garopaba, no qual as inscrições rupestres constituiriam um “código visual de um grupo
cultural específico”. Argumenta também que as inscrições estão incorporadas à
paisagem e seus usos pelas populações pré-coloniais, de modo que esta paisagem
necessita estar protegida e preservada em conjunto com as inscrições e demais vestígios
arqueológicos.
(...) existe uma unidade geográfica gráfica e tipológica que permite
dizer que as representações rupestres estudadas fazem parte de um
mesmo sistema de representação, em que seus executores imprimiram
em cada local uma maneira particular de criar o seu espaço gráfico,
sem perder a regularidade inerente à aplicação de um código visual
comum às populações de pescadores pré-históricos que habitavam o
litoral central catarinense. (...) As gravuras rupestres estão
estreitamente relacionadas com a utilização da paisagem pelas
populações pretéritas. Além da conservação das gravuras, a
preservação dos ecossistemas que integram este patrimônio também
deve ser uma preocupação da arqueologia. (COMERLATO, 2005, p.
157 e 160).
Além destes sítios com inscrições rupestres, diversos sítios de Garopaba e
Imbituba apresentam vestígios de oficinas líticas, conhecidos pela população local como
“panelas dos índios”. As oficinas líticas constituíam um espaço de produção e polimento
de artefatos de pedra pelas populações pré-coloniais e podem ter sido utilizadas por
diferentes populações no transcorrer do tempo. Gaspar (2000) atribui as oficinas líticas
aos sambaquieiros e conjectura que, dada a grande quantidade de sambaquis e o número
reduzido de oficinas, estas possivelmente se restringiam a determinadas áreas.
Geralmente estão localizadas próximo à água já que esta, associada à areia, produzia o
atrito necessário para o polimento das peças.
As oficinas líticas de polimento são sítios localizados em afloramentos
rochosos e matacões, cujas evidências de ação humana são conjuntos
de sulcos (canaletas), depressões circulares (bacias) dentre outros
formatos, resultantes da fricção de rochas móveis durante o processo
72
de confecção dos artefatos líticos polidos. (COMERLATO, 2015, p.
185).
Os brunidores rupestres (amoladores e polidores) estão expostos à intensa
presença de turistas, principalmente veranistas, e ao intemperismo. Encontram-se
totalmente desprotegidos, sem qualquer tipo de sinalização e identificação, sujeitos à
depredação, saques e, por não serem reconhecidos pelos visitantes, atualmente não
agregam valor ao turismo regional (COMERLATO, 2015). No capítulo seguinte
apresentaremos a valoração arqueológica de algum destes sítios e discutiremos esta
questão.
O tipo de sítio arqueológico mais comum na região, entretanto, é o sambaqui16
.
Apesar de ser um dos tipos de sítios arqueológicos mais estudados no Brasil, ainda são
pouco compreendidos pela comunidade científica (DE BLASIS e GASPAR,
2008/2009). Alguns dos maiores sambaquis do continente americano localizam-se no
litoral sul catarinense, boa parte deles, entretanto, destruídos ou bastante danificados
pela atividade extrativista, construção civil ou pela ocupação urbana. Conhecidos pelas
populações locais como montanhas de conchas, concheiros ou cemitério de índios, os
sambaquis foram construídos por uma cultura particular, identificada como
sambaquieira pela arqueologia. Esta cultura possuía uma organização social complexa e
sua população encontrou a extinção por volta de 1000 anos AP. Não há informações a
respeito da origem dos sambaquieiros (GASPAR, 2000; DE BLASIS e GASPAR,
2008/2009) e seu desaparecimento por volta de 1000 anos AP ainda é pouco estudado
(DE BLASIS e GASPAR, 2008/2009). Segundo De Blasis et. al. (2007), os
sambaquieiros possivelmente não foram autóctones, dada a grande organização social
que possuíam nas ocupações mais antigas. Constituíram uma sociedade de economia
predominantemente pesqueira e possivelmente chegaram a desenvolver uma proto-
agricultura (GASPAR, 2000; DE BLASIS e GASPAR, 2008/2009; DE BLASIS et. al.,
2007).
As pesquisas no litoral sul catarinense mostram que a tradição
sambaquieira representa um padrão cultural persistente, de longa
duração, com grande estabilidade econômica e política, que conheceu
notável expansão demográfica e complexificação social a partir de
cerca de cinco mil ou seis mil anos atrás. (DE BLASIS e GASPAR,
2008/2009, p. 107).
16
Sambaqui deriva do tupi, tamba (conchas) e ki (amontoado): tambaki – sambaqui, amontoado de
conchas.
73
Segundo De Blasis et. al. (2007), os sambaquis tinha um significado simbólico
para seus construtores e uma função especialmente funerária, e não necessariamente
foram utilizados como acampamentos ou espaços de atividade cotidiana, conforme
tradicionalmente defendido. Gaspar (2000, p. 10) considera o sambaqui como
“resultado de ordenado trabalho social que tinha por objetivo, entre outras coisas,
construir um imponente marco paisagístico”, perspectiva também compartilhada por De
Blasis et. al. (2007) que relaciona os sambaquis à identidade social dos seus
construtores.
(...) os sambaquis representariam verdadeiras manchas territoriais
associados a grupos específicos (...) cuja expressividade demográfica
e/ou política seria suficiente para justificar a construção de um mesmo
conjunto de sambaquis por várias gerações. Neste sentido, a ideia de
visibilidade (...) pode adquirir um sentido adicional: do alto de um
sambaqui de maiores proporções seria possível controlar praticamente
todo o território a ele afeto, dominar as áreas de pesca (ou produção)
gerenciados exclusivamente (ou principalmente) pelo grupo por ele
representado. (DE BLASIS et. al., 2007, p. 53).
É importante ressaltar que as conclusões de De Blasis et. al. (2007) referem-se aos
sítios estudados na região de Laguna, conforme dito anteriormente, de modo que o
sambaqui enquanto estrutura predominantemente funerária não é exclusivo. Gaspar
(2000) comparou os resultados de estudos em diferentes sambaquis do Rio de Janeiro e
do sul de Santa Catarina concluindo que “no Rio de Janeiro há uma associação entre o
espaço de moradia e o local de sepultamento, enquanto em Santa Catarina parece ter
havido uma especialização de alguns sítios como o locus do ritual funerário” (GASPAR,
2000, p. 65). De Blasis et. al. (2007), considerando a grande diversidade de sambaquis,
também reconhecem a possibilidade de múltiplas funcionalidades para estas estruturas.
A respeito da hipótese de que os sambaquis serviam ainda ao controle e à
observação dos cardumes, em nossa pesquisa de campo constatamos que os pescadores
tradicionais da região do Capão (Garopaba) e da Barra da Lagoa de Ibiraquera
(Imbituba) utilizam os sambaquis também como pontos privilegiados de observação,
construindo sobre eles barracos de vigia.
Ou seja, um sambaqui resulta de uma atividade construtiva consciente do ser
humano, e não apenas como um amontoado de conchas. Sua construção representa o
trabalho de sucessivas gerações que habitaram seu entorno, e seu interior abriga
sepultamentos, instrumentos líticos diversos (dentre os quais os zoolitos, artefatos
esculpidos em pedra que apresentam, na maioria dos casos, zooformas), objetos
74
talhados em ossos, artesanato decorativo de uso corporal, além de vestígios diversos da
vida cotidiana de cada grupo sambaquieiro. Em muitos casos, os sambaquis apresentam,
em seus estratos superiores, vestígios da presença de culturas ceramistas mais recentes,
como a dos itararés e dos carijós (povos guaranis dizimados no contato com os
europeus). Há nos municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba sítios com vestígios das
culturas Itararé e Guarani.
O primeiro registro dos sambaquis localizados em Garopaba, Imaruí e Imbituba
foi realizado por Rohr (1984), padre jesuíta que durante a segunda metade do século XX
dedicou-se a identificar e escavar uma grande quantidade de sítios arqueológicos do
litoral catarinense. Em seu estudo identificou e descreveu 13 sambaquis no município
de Imaruí, 12 sambaquis e 2 sítios ceramistas guaranis em Imbituba e 1 sambaqui e dois
sítios ceramistas guaranis em Garopaba. Vários destes sítios identificados e descritos
por Rohr (1984) estavam localizados em propriedades particulares, e hoje se encontram
cobertos e/ou destruídos pela ocupação urbana ou por atividades agropecuárias.
Entretanto, é possível inferir a existência de vestígios arqueológicos em toda região,
indicando que a relação de sítios que Rohr (1984) apresentou, representa apenas uma
parte dos sítios efetivamente existentes nos três municípios aqui discutidos. A suspeita
se justifica na grande quantidade de relatos de moradores da região que alegam
encontrar sepultamentos, pontas de flecha (lascadas e polidas), fragmentos de cerâmica
pré-colonial e artefatos líticos diversos quando revolvem a terra com fins agrícolas ou
quando realizam trabalhos de terraplanagem ou escavação do solo para a construção de
edificações. Há também relatos informais que dão conta de acervos particulares de
artefatos pré-coloniais encontrados na região em posse de particulares. Em pesquisa
realizada por Bastos (2007) junto à população de Imbituba, 10% dos entrevistados
afirmaram que possuem ou já possuíram objetos de sambaquis ou de outros sítios
arqueológicos em suas casas. Se confirmadas as informações, estes artefatos poderiam,
após campanha de conscientização da população da importância destes materiais, ser
devolvidos ao patrimônio público, constituir acervo de museus ou centros de memória
locais, servindo estes como locais de pesquisa, de educação patrimonial e visitação
turística.
Segundo Guimarães (2012b), os sambaquis da região Sul são estudados desde o
final da década de 1990 por equipes de arqueólogos oriundos do MAE/USP, MN/UFRJ,
GRUPEP-Arqueologia/UNISUL, Universidade Federal de Tocantins e Universidade do
Arizona. Ainda assim, os registros efetuados por Rohr servem de base para o Cadastro
75
Nacional de Sítios Arqueológicos do Sistema de Gerenciamento do Patrimônio
Arqueológico (CNSA/SGPA) mantido pelo IPHAN. Em consulta realizada ao
CNSA/SGPA em outubro de 2015, verificou-se a existência de 07 sítios arqueológicos
registrados em Garopaba, 16 em Imaruí e 26 em Imbituba. No capítulo seguinte
apresentaremos e discutiremos os registros do CNSA/SGPA, que serviram de base à
valoração arqueológica que propomos.
Preliminarmente é possível dizer que parte dos sítios dos municípios de Garopaba,
Imbituba e Imaruí não está devidamente inventariada pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional e está sob o risco de desaparecimento mediante ações do
intemperismo, da gentrificação17
, da ação antrópica e das explorações extrativistas.
Segundo Lucas (1996), em 1975 a prefeitura de Garopaba teria destruído a marretadas
os amoladores do Costão da Casqueira, para aproveitar as pedras no calçamento da
praça central. Muitos foram também os sambaquis destruídos para atender às
necessidades da construção civil, aos interesses da especulação imobiliária e à expansão
agrícola. A respeito do histórico da vandalização dos sítios arqueológicos no litoral
catarinense, especialmente dos sambaquis, escreve Bastos:
(...) utilização de parte desses sítios como corretivo de solo, na
fabricação de cal, na pavimentação de estradas, além de fatores que
contribuiriam para o desaparecimento de muitos deles como o
crescimento demográfico, a especulação imobiliária, a expansão
agrícola e ainda a ação de caçadores de tesouros e vândalos em geral
foram fatores de destruição de muitos sítios. (BASTOS, 2007, p. 17).
O discurso desenvolvimentista, conforme apontado por Funari, Manzato e
Alfonso (2013), e a relação que a população estabelece com o patrimônio, que é incapaz
de reconhecer porque não participou da construção da memória nacional (BUENO,
2011), resultou (e continua resultando) na destruição dos sítios arqueológicos.
Destruição esta muitas vezes financiada pelo próprio Estado, conforme percebido no
relato de Lucas (1996) e até mesmo utilizando o material de sambaquis na
pavimentação de rodovias em Santa Catarina (BASTOS, 2007).
17
“O conceito de gentrificação é um neologismo que provém do vocábulo inglês gentrification, que
poderia significar enobrecimento ou refinamento, dado que gentry quer dizer aristocracia, ou ‘gente fina’.
Aparece traduzido também como ‘elitização’. Também se utiliza como sinônimo de ‘qualificação’, no
sentido de dar qualidade aos espaços.” (BARRETO, 2007, p. 131)
76
3.5 As regionalizações dos municípios em questão.
Garopaba, Imaruí e Imbituba integram diferentes regiões que agregam ou separam
estes três municípios segundo as necessidades para as quais a regionalização foi criada.
É sabido que a operação de regionalização é sempre atividade complexa, dadas as
dificuldades de consenso a respeito daquilo que se compreende por região e, conforme
os interesses manifestados “na prática territorial das classes dominantes” (CORRÊA,
1991, p. 47). Esta complexidade da operação de regionalização está manifestada,
inclusive, na própria falta de consenso a respeito do conceito de região na diacronia e
para os diferentes campos de saber.
Ao analisar a produção científica publicada nos Anais da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano (Anpur) entre 1987 e 2001, Dias e
Santos (2003) mostram a dificuldade de se estabelecer um conceito para região desde o
primeiro Congresso promovido pela entidade em 1986. Também identificam uma série
de sentidos para região, a saber: “região como referência à localização e à extensão de
um certo fenômeno”; entidades espaciais de escala média, localizadas entre o local e o
nacional; unidade administrativa na qual se exerce a hierarquia do Estado; região
enquanto resultado da divisão do espaço segundo variados critérios; e, já na década de
1990, região enquanto espaço identitário.
No âmbito da região enquanto objeto da Geografia, Gomes (1995) discute as
variações deste conceito e suas operacionalidades nos diferentes momentos da história
deste campo de saber. Aponta que as origens do termo remontam à antiga Roma,
quando designava áreas dotadas de administração local, porém subordinadas a um poder
central. Ou seja, a região enquanto espaço subordinado.
A Geografia, cuja organização como saber autônomo coincide com a constituição
dos Estados Nacionais, unidade articuladora de diferentes regiões, tem na região um dos
seus principais conceitos. Entretanto, mesmo com os rigores da ciência, a região
enquanto conceito atravessa variações e indeterminações. Primeiramente herda, na
Geografia, as influências da geologia, onde passa a estar relacionada à ideia de um
espaço natural que determina o desenvolvimento da sociedade. Na década de 1920,
Lucien Fébvre propõe a região enquanto espaço de articulação entre trabalho humano e
meio físico, dando origem à noção de região geográfica ou região paisagem. O método
que passa a ser utilizado pela Geografia para compreender uma região é o descritivo, e
começam a proliferar diversos estudos regionais. Conforme Gomes (1995), para
77
Hartshorne, entretanto, a região não se constitui como uma realidade evidente, passível
de descrição a priori, mas produzida pela própria Geografia.
Toda esta discussão que coloca o conceito de região no centro das discussões
geográficas corresponde ao período clássico desta ciência. Ou seja, a região é um
produto da Geografia. A superação do período clássico da Geografia desloca a região de
produto para meio. Regionalizar passa a ser dividir o espaço segundo diferentes
critérios. Surge assim um novo conjunto de regras chamadas de análise regional e dois
tipos de regiões: as homogêneas e as funcionais ou polarizadas. A ideia de região
funcional está relacionada às “múltiplas relações que circulam e dão forma a um espaço
que é internamente diferenciado” (Gomes, 1995, p. 64). Esta percepção de região
relaciona-se a uma valorização da cidade enquanto centro que organiza uma área de
influência (polarizadora). Já a Geografia crítica, de influência marxista, defende a tese
de que o fundamental no processo de produção do espaço é a divisão sócio-espacial do
trabalho, e é a partir desta divisão que a região deve ser compreendida e analisada. Por
fim, a partir da década de 1970, passa a ganhar força a tendência do humanismo na
Geografia, na qual “a região define um código social comum que tem uma base
territorial” (GOMES, 1995, p. 67). Território que, segundo Brandão (2004), também
não é um dado ou lugar pré-fixado, mas construído socialmente, ou seja, “uma produção
coletiva, dinâmica, multidimensional, com trajetória histórica em aberto” (BRANDÃO,
2004, p. 60).
O estudo de Gomes (1995) a respeito da trajetória do conceito de região no âmbito
da Geografia dá a clara compreensão de sua complexidade e operacionalidade.
Nóbrega e Araújo (2015) entendem a região como um parâmetro que possui uma
dimensão concreta e outra dimensão com alto grau de abstração “onde diferentes atores
criam laços econômicos, culturais e políticos a partir de relações geradas por fatores
internos e externos a este espaço, e que deve ter uma abordagem multidisciplinar”
(NÓBREGA e ARAÚJO, 2015, p. 96).
Entendemos que os elementos que definem uma região estão submetidos aos
interesses dos diferentes atores que a circunscrevem, na medida em que uma região
delimita ou posiciona processos de mudança, aproximando a operação de regionalização
às de territorialização, conforme abordado por Brandão (2004) e Abramovay (2010). É
neste sentido que procuramos investigar a possibilidade dos municípios de Garopaba,
Imaruí e Imbituba organizarem-se regionalmente a partir do patrimônio arqueológico
pré-colonial remanescente com vistas à promoção do turismo arqueológico.
78
Estes três municípios integram diferentes escalas de regionalização no Estado de
Santa Catarina, definidas segundo interesses diversos. No âmbito do Gerenciamento
Costeiro de Santa Catarina (GERCO), estes municípios estão incluídos no setor 4,
nominado de Litoral Centro Sul, que se estende do município de Paulo Lopes (Norte) ao
município de Jaguaruna (Sul). Este setor “apresenta uma paisagem formada por
planícies costeiras e elevações das Serras do Leste Catarinense. Neste trecho do litoral
está presente o maior complexo lagunar do Estado de Santa Catarina” (SHERER et. al.,
2006, p. 33). Ab’Sáber denominou a região de “Litoral de Laguna”, uma região de
praias, pequenas lagoas, campos de dunas subatuais de grande biodiversidade que
possui “grandes possibilidades para um ecoturismo interno, se bem gerenciado e
conduzido” (AB’SABER, 2006).
Considerando a Divisão Regional do IBGE, os três municípios pertencem à
mesorregião Sul Catarinense e à Microrregião do Vale do Tubarão.
Garopaba, Imaruí e Imbituba integram também diferentes associações municipais.
As associações de municípios são entidades de direito privado e sem fins lucrativos,
surgidas de uma iniciativa de associativismo municipal na década de 1960 estendida
para todo o território catarinense. Estas associações foram criadas para que os
municípios pudessem promover o desenvolvimento econômico por meio da construção
de uma identidade e de um arranjo supramunicipal que busca o fortalecimento político
da região, fazendo surgir uma nova escala de representação social e uma
microrregionalização polarizada (MARQUES e DIAS, 2003).
Este arranjo supramunicipal tem implicações nas relações entre os três municípios
que discutimos neste trabalho. Enquanto Garopaba está localizada no limite sul da
Grande Florianópolis (GRANFPOLIS), Imaruí e Imbituba integram a Associação de
Municípios da Região de Laguna (AMUREL). Esta organização microrregional
polarizada fortalece interlocutores e estabelece prioridades regionais que, em algumas
situações, acaba prejudicando as relações entre municípios próximos, porém
participantes de associações diferentes. É o caso de Garopaba e Imbituba. Apesar da
proximidade territorial entre as duas cidades ser tão visível ao ponto dos visitantes e até
mesmo moradores terem dúvidas quanto ao município a que pertencem algumas
localidades, como a Praia Vermelha, a Praia do Rosa e outros bairros limítrofes, são
comuns entre a população local expressões como “Garopaba e Imbituba estão de costas
uma para outra”. Este “estar de costas”, por exemplo. reflete-se nas dificuldades de
transporte público entre as duas cidades.
79
Sob o aspecto do turismo, Santa Catarina está dividida em 10 regiões turísticas. A
regionalização turística de Santa Catarina é resultado do programa de regionalização do
turismo proposto pelo Governo Federal em 2004 e incorporado pela Lei Federal
11771/2008, que tem entre seus princípios a regionalização turística do Brasil.
Atualmente o território brasileiro está dividido em 276 regiões turísticas. O Plano
Nacional de Turismo 2013-2016, ao avaliar a política de regionalização, percebeu a
necessidade de se desconstruir “uma estratégia de fortalecimento e posicionamento do
turismo a partir da organização das regiões com abordagem territorial e institucional
para o desenvolvimento e a integração do turismo no Brasil.” (BRASIL, 2013, p. 56).
Com a finalidade de regionalização do turismo, a partir de 2004, o
Brasil tem direcionado suas políticas públicas de desenvolvimento
turístico, através do Programa de Regionalização do Turismo –
Roteiros do Brasil, com um planejamento sistematizado e
participativo, a fim de coordenar o processo de desenvolvimento
turístico de forma regionalizada. Atualmente, o programa foi
incorporado na versão do PNT 2007/2010, como Macro-programa de
Regionalização do Turismo, cuja proposta é balizada pela
segmentação – da oferta e da demanda – como uma estratégia de
organização do turismo para fins de planejamento e gestão, tendo em
vista a concepção de produtos, roteiros e destinos que reflitam as
características de peculiaridade e especificidade de cada região.
(DREHER e SALINI, 2008, p. 8)
Os municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba integram uma mesma região
turística, denominada Encantos do Sul, que se estende de Paulo Lopes (Norte) a
Forquilhinha (Sul), abrangendo 30 municípios (Figura 2). No sítio oficial da Santur na
internet a Encantos do Sul é apresentada como uma região que possui diversidade
étnica, atrativos naturais e estâncias termais, com um discurso especialmente
direcionado para o segmento do ecoturismo. Entretanto, ao observarmos a descrição da
região realizada pela SANTUR (2016), como uma região onde “é possível encontrar um
pouco de tudo”, percebe-se a carência de uma identidade turística, o que supõe a
fragilidade do arranjo turístico regional instituído.
80
Figura 2: Região Turística Encantos do Sul
Fonte: <http://www.santacatarinaturismo.com.br/>
Na região turística catarinense conhecida como Encantos do Sul, você
vai encontrar um pouco de tudo. Quem gosta de visitar cidades
históricas vai se encantar com Laguna, a terra de Anita Garibaldi. Já
Imbituba, Garopaba e Jaguaruna são ótimos destinos para os adeptos
do ecoturismo e dos esportes de aventura, com algumas das mais belas
praias e lagoas do Sul do Brasil. Essa faixa litorânea também é o
principal berçário das baleias-francas no inverno, outra atração
ecoturística da região. No interior, os destaques vão das estâncias
termais de Tubarão e Gravatal aos municípios onde a cultura italiana e
alemã são predominantes, como é o caso de Urussanga, Nova Veneza,
Orleans, São Martinho, Santa Rosa de Lima, Forquilhinha e as duas
maiores cidades sul-catarinenses: Tubarão e Criciúma. (SANTUR,
201618
).
Como o litoral sul de Santa Catarina é berçário da baleia franca, a presença deste
mamífero justificou a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA), que também
propõe um ordenamento regional. A APA da Baleia Franca, instituída através de
Decreto assinado pela Presidência da República em 14 de setembro de 2000, abrange
uma área de 156 mil hectares do litoral centro-sul de Santa Catarina, com uma extensão
de 130 quilômetros e envolvendo 9 municípios (do sul de Florianópolis a Balneário
Rincão), dentre os quais estão incluídos Garopaba e Imbituba (o município de Imaruí
18
Disponível no endereço <http://turismo.sc.gov.br/destinos/encantos-do-sul/>. Acesso em 31/01/2016.
81
não integra a área da APA). Desta área, 80% é marinha e 20% costeira. Sua gestão está
sob responsabilidade do ICMBio, e conta com um Conselho Gestor (CONAPA) que
congrega os diferentes atores do território. O propósito principal da APA é a
preservação da Eubalaena australis, que utiliza esta faixa do litoral brasileiro para a sua
reprodução. Dentre o corpo de objetivos que buscam garantir a sustentabilidade do
território está o de ordenar o uso turístico e recreativo da região, a ser contemplado no
Plano de Manejo, cuja elaboração está na fase da caracterização e diagnóstico
(ICMBIO, 2015).
3.6 O turismo na região.
Conforme Alvim (2014), por influência dos ricos imigrantes ingleses e alemães,
desenvolveu-se no litoral brasileiro o discurso da vilegiatura marítima, relacionado ao
modo de vida urbano que passou a conferir “novos sentidos às paisagens marítimas e o
surgimento de novos comportamentos entre as elites de cidades litorâneas, na medida
em que estas se transformavam em espaços de lazer e entretenimento” (ALVIM, 2014,
p. 219). A vilegiatura marítima apresenta o litoral enquanto espaço de deleite.
Nas primeiras décadas do século XX, enquanto Garopaba subsistia como uma
pequena vila de pescadores e agricultores, Imbituba ingressava na modernidade e
começou a figurar como balneário de passagem para os passageiros da Companhia
Nacional de Navegação Costeira de Henrique Lage. Para efeito de comparação, o
primeiro hotel de Imbituba é inaugurado em 1920, enquanto Garopaba inaugura seu
primeiro hotel apenas em 1964. Imaruí, por sua vez, manteve-se interiorizado, com sua
população dedicando-se às atividades pesqueiras e agrícolas.
Em fins da década de 1960 obras estruturantes, como a construção da rodovia BR-
101 e a instalação de energia elétrica, impulsionaram a urbanização da região e
facilitaram o acesso de visitantes e turistas.
A finales de la década de los 60, comenzó un processo de
urbanización en la región impulsado por la construcción de la autovía
BR 101 y por la expansión de la distribución de electricidad. Desde
entonces, el turismo y el comercio pasaron cada vez más a ser
considerados como actividades relevantes en la dinámica
socioeconómica de la región. (SPERB, SERVA e FIRMINO, 2013,
p. 48).
82
É a partir da década de 1970 que Garopaba começa a se transformar e novas
perspectivas para o turismo se desenvolvem para a região, principalmente através dos
discursos que enaltecerão as praias da região como propícias ao surfe.
Ainda na década de 1970 a família Gerdau Johannpeter compra as
terras que dão acesso à praia Vermelha, uma das nove praias do
município19
. Os irmãos Gerdau (...) figuravam como os precursores do
surfe no Rio Grande do Sul. Também é nesta década que o jovem
médico Marco Aurélio Raymundo, recém formado em Porto Alegre,
instalou-se na cidade. Pouco tempo depois iniciava a confecção de
macacões para a prática do surfe. Perpassa, sob as duas histórias, uma
nova leitura que aos poucos foi se impondo: as praias da cidade como
propícias ao surfe. (ALVIM, 2014, p. 226).
Enquanto Garopaba se tornou nacionalmente conhecida como a cidade da
Mormaii, a fábrica do médico Raymundo que se transformou numa das maiores grifes
do surfe, Imbituba começou a se notabilizar como um dos principais destinos para a
prática do surfe no Brasil, tendo a Praia da Vila já sediado diversas etapas do World
Championship Tour (WTC), campeonato que reúne os melhores surfistas em atividade.
Atualmente o turismo tanto em Garopaba quanto em Imbituba está concentrado na
temporada de verão. Observando os prospectos e guias turísticos publicados e
distribuídos nestas cidades, percebe-se o investimento no turismo sol e mar e no turismo
de esportes aquáticos. Sperb, Serva e Firmino (2013) afirmam que o desenvolvimento
do turismo na região impulsionou a economia local e fez a atividade, antes paralela e
secundária, ser desejada pela maioria dos setores sociais. Os autores demonstram,
entretanto, que apesar do crescimento da renda na região nos últimos anos, a
desigualdade social é bastante alta. Apontam ainda que parte da renda produzida pela
economia tradicional (agricultura e pesca) não estava computada nas estatísticas
oficiais. Porém estes produtos serviam ao autoconsumo e para o escambo, algo que não
ocorre na transição para uma economia urbana e baseada no turismo. Também
argumentam que o crescimento da renda per capita deve considerar o afluxo de
imigrantes na região, não significando necessariamente que a renda gerada tenha sido
distribuída entre a população tradicional.
(...) las evidencias son de que la población tradicional está vendiendo
de forma gradual, a lo largo de las últimas décadas, sus inmuebles a
agentes económicos relacionados directamente o indirectamente al
turismo. Em ese sentido, principalmente en Garopaba, ese
19
A autora se refere à Praia Vermelho como pertencente a Garopaba. Na realidade esta praia está inserida
nos limites territoriais do município de Imbituba.
83
movimiento, que si por un lado trajo el crecimiento económico
municipal del turismo con el aumento de la renta, por otro parte
estaría ocurriendo en detrimento del principal patrimonio económico
de la población tradicional, de la renta no contabilizada. Esta perdida
de la renta no contabilizada estaríam ocurriendo sobre todo en función
de la pesca y la agricultura tradicionales abandonadas, sin tener en
cuenta la perdida de otros vínculos territoriales intangibles construidos
por siglos entre esa población y su medio. . (SPERB, SERVA e
FIRMINO, 2013, p. 52-53).
Em um estudo realizado por Sperb e Queiróz (2013) quanto à percepção dos
residentes em relação ao turismo em Garopaba, 50% dos residentes qualificaram como
negativos os efeitos da atividade turística na cidade. Esta percepção negativa da
atividade turística pode estar associada à falta de infraestrutura local para receber o
grande número de turistas no verão, os impactos ambientais promovidos pela atividade
e a especulação imobiliária.
Assim como na maioria dos lugares do mundo onde o turismo é uma
importante fonte de renda, esta atividade também causa problemas
ambientais em Santa Catarina. Os principais impactos sobre o meio
ambiente costeiro causados pelo turismo são resultado da especulação
imobiliária que induz construções de empreendimentos hoteleiros,
marinas, segundas residências, além da sobre-exploração de recursos
vivos marinhos nas épocas de maior fluxo de turistas, resultado do
aumento da demanda por frutos do mar nos restaurantes localizados
no litoral. (SHERER et. al., 2006, p. 44).
Os estudos da demanda turística realizados pela Santur mostram o número
significativo de turistas que visitam os municípios de Garopaba e Imbituba (não foram
encontrados estudos da demanda turística referentes ao município de Imaruí).
Utilizamos aqui os dados de 2010 (publicados em 2012), ano em que a Santur realizou
estudos da demanda turística em Garopaba e Imbituba20
, e optamos por utilizar como
mês de referência fevereiro.
No Quadro 4 é possível observar que o número de turistas nacionais é bastante
superior ao de turistas internacionais e que apenas em Garopaba o número total de
turistas ultrapassou o dobro da população total do município naquele mesmo ano
(Quadro 2). Imbituba apresenta um número de total de turistas significativamente menor
20
Há Estudo da Demanda Turística de 2014 realizado pela Santur referente ao município de Garopaba. A respeito de Imbituba há a Pesquisa Fecomércio de Turismo – Verão em Santa Catarina 2014, porém não encontramos dados deste município produzidos pela Santur referentes a 2014. Por se tratarem de duas pesquisas com metodologias diferentes, entendemos que para efeitos de comparação entre os municípios não seriam aplicáveis, de modo que optamos pelos Estudos da Demanda Turística realizados pela Santur em 2010 que contemplaram Garopaba e Imbituba. Quanto a Imaruí, não foram encontrados dados da demanda turística disponíveis.
84
se comparado ao município vizinho, entretanto, os turistas que visitaram a cidade em
fevereiro de 2010 representaram um aporte de ¼ da população total do município
naquele mesmo ano. O estudo da demanda turística de 2014 (SANTUR, 2014) aponta
um total de 21.415 turistas em Garopaba em fevereiro daquele ano. Embora observada
uma redução importante, o número corresponde ao total da população residente
estimada para 2015 (Quadro 2). Não encontramos os números do total de turistas em
Imbituba para os anos subsequentes a 2010. Considerando a ausência de séries
históricas do movimento estimado de turistas nos municípios de Garopaba e Imbituba,
não é possível avaliar a dinâmica do movimento de turistas nestas cidades, embora
autores como Sperb, Serva e Firmino (2013) afirmem sua expansão.
Garopaba Imaruí Imbituba
Turistas Nacionais 44.090 Sem dados 9.842
Turistas Internacionais 5836 Sem dados 572
Total 49.926 Sem dados 10.414
Quadro 4: Movimento estimado de turistas – Fevereiro de 2010
Fonte: Santur, Estudo da demanda turística 2010.
Quanto aos principais mercados emissores de turistas, os nacionais correspondem,
na média, a pouco mais de 90% do turistas que visitam a região, e os internacionais a
menos de 10% (este número oscila entre janeiro e fevereiro, e anualmente em função
das conjunturas econômicas nacional e no país de origem). No quadro 4 observamos
que o principal mercado emissor internacional é a Argentina, fornecendo para Imbituba
em fevereiro de 2010 pouco mais de 95% dos turistas internacionais.
Dentre os mercados nacionais, a Região Sul é o principal emissor de turistas para
os municípios de Garopaba e Imbituba. No período, os gaúchos representaram 72% do
total de turistas em Garopaba e 38% em Imbituba (Quadro 5). Os municípios de Santa
Catarina têm também uma participação importante no turismo da região, representando
quase metade dos turistas nacionais em Imbituba em fevereiro de 2010.
85
Garopaba Imaruí Imbituba
Nacionais
Rio Grande do Sul 72,06% Sem dados 38,64%
Santa Catarina 8,82% Sem dados 47,98%
Paraná 9,56% Sem dados 6,06%
São Paulo 6,62% Sem dados 4,04%
Rio de Janeiro - Sem dados 1,77%
Internacionais
Argentina 88,89% Sem dados 95,65%
Uruguai 11,11% Sem dados 4,35%
Quadro 5: Principais mercados emissores – Fevereiro de 2010
Fonte: Santur, Estudo da demanda turística 2010.
Quanto aos atrativos (Quadro 6), a maior parte dos turistas busca atrativos
naturais (66,50% em Garopaba e 71,69% em Imbituba). A grande prevalência da
preferência pelos atrativos naturais não surpreende, considerando a paisagem local, o
perfil dos turistas e o período em que o estudo foi realizado (alta temporada de verão). É
sabido que a maioria dos turistas buscam as praias da região, algumas delas renomadas
internacionalmente, como é o caso da Praia do Rosa, em Imbituba. Chama a atenção o
percentual significativo de turistas interessados nos atrativos históricos e culturais de
Garopaba e nas manifestações populares de ambos os municípios. Apesar destes
municípios possuírem um patrimônio cultural diversificado, conforme visto, a maior
parte deste patrimônio cultural (tanto o material quanto o imaterial) ainda não está
estruturada como atrativo turístico.
Atrativos Garopaba Imaruí Imbituba
Naturais 66,50% Sem dados 71,69%
Históricos e
culturais 19,21% Sem dados 3,26%
Manifestações
populares 12,81% Sem dados 19,14%
Tratamento de
saúde 1,48% Sem dados 4,68%
Entretenimento - Sem dados 0,81%
Compras - Sem dados 0,42%
Quadro 6: Principais atrativos turísticos segundo o interesse dos turistas –
Fevereiro de 2010
Fonte: Santur, Estudo da demanda turística 2010.
86
Conforme já dito, não encontramos dados da demanda turística referentes ao
município de Imaruí. É possível afirmar, entretanto, que a estrutura turística neste
município é precária. Em 2011, por exemplo, Imaruí possui apenas 13 empresas
relacionadas ao setor “alojamento e alimentação”, das quais nenhuma correspondia
especificamente a alojamento (SEBRAE, 2013). Em observação de campo que
desenvolvemos no município em outubro de 2015, constatamos a existência de apenas
um pequeno hotel e uma pousada na região central da cidade. A pequena quantidade de
vagas de hospedagem no município demonstram a baixa capacidade de Imaruí receber
turistas e promover a permanência destes na cidade.
Para compreender a imagem que cada cidade procura vender de si e o tipo de
turista que busca atrair, consultamos os portais de turismo dos municípios (disponíveis
nos sites das prefeituras) e o Guia Turístico Encantos do Sul (SANTA CATARINA,
2013), chancelado pela SANTUR. Nestas publicações observamos o discurso de
apresentação da cidade e a relação de atrativos.
Garopaba apresenta em seu portal de turismo21
uma relação com 15 atrativos, dos
quais a maioria são naturais, especialmente praias (9). Um dos atrativos se refere ao
turismo de observação de baleias, e como atrativos culturais constam a Igreja Matriz
São Joaquim (tombada como patrimônio histórico estadual) e a Gruta de Nossa Senhora
de Lourdes. O portal inclui entre os atrativos o sambaqui do Capão, porém não
apresenta informações adicionais. No texto de apresentação do Guia Turístico Encantos
do Sul as referências principais são a colonização açoriana, a vila de pescadores, a
chegada dos hippies e surfistas, as praias e, no inverno, a pesca da tainha e a observação
de baleias. Segundo o guia, Garopaba “é um dos melhores pontos de avistagem deste
mamífero” na área da APA da Baleia Franca. Como atrativos o Guia também ressalta as
praias, mas inclui, como atrativos culturais, o Centro Histórico, a Pesca da Tainha e a
Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes. Como atividades o Guia destaca a prática
do surfe, do sandboard, a observação de baleias, voo livre, mergulho e passeios de
barco, além das compras, vida noturna e gastronomia.
Imaruí apresenta em seu portal de turismo22
uma relação com 11 atrativos
diversificados, (cachoeiras, lagoa, trilhas ecológicas, ilhas e centro histórico) com
destaque para os atrativos religiosos (Gruta de Santa Albertina, Igreja Matriz São João
21
Disponível em <http://www.garopaba.sc.gov.br/turismo/item/Atrativos/>. Acesso em 02/01/2016. 22
Disponível em <http://www.imarui.sc.gov.br/turismo/>. Acesso em 02/01/2016.
87
Batista e os Monumentos a Jesus e S. J. Batista). No texto de apresentação referências à
colonização, à cultura açoriana e seu patrimônio imaterial, à história de Albertina
Berkenbrock e aos atrativos naturais e à prática de esportes ao ar livre e em contato com
a natureza. No texto de apresentação de Imaruí do Guia Turístico Encantos do Sul as
referências indicam uma paisagem rústica com ranchos e barcos de pesca, cachoeiras e
recantos inexplorados, além da religiosidade e da tradição açoriana. Como atrativos o
Guia indica a Lagoa de Imaruí (que oferece barcos para passeios às ilhas fluviais), as
cachoeiras, as festas de São João Batista e do Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos e a
Gruta de Santa Albertina.
Imbituba apresenta em seu portal de turismo23
uma relação com 11 roteiros, a
maioria (9) praias, além da Lagoa da Ibiraquera e do Porto da Vila. Não há referências
aos atrativos culturais, embora a cidade possua bens tombados como patrimônio
histórico municipal e estadual, um museu da baleia entre outros atrativos. No texto de
apresentação de Imbituba do Guia Turístico Encantos do Sul, as referências principais
estão relacionadas à beleza das praias e à prática do surfe, ao fato da cidade ter abrigado
a última armação baleeira a sair de funcionamento no Brasil e à presença do porto,
descrito como um dos principais portos brasileiros. Entre os atrativos o Guia destaca as
praias (especialmente a Praia do Rosa) e a Lagoa de Ibiraquera, a prática de surfe,
windsurfe, kitesurfe, cicloturismo e observação de baleias, a gastronomia, festas como o
réveillon e a Festa Nacional do Camarão e, através de imagens, a arquitetura religiosa e
o artesanato local.
A consulta aos portais de turismo dos municípios e ao Guia Turístico Encantos do
Sul mostrou a prevalência dos atrativos naturais nos três municípios e, especificamente
em Garopaba e Imbituba, o investimento turístico nas praias, buscando atrair o
veranista, e na observação de baleias. Atrativos culturais vinculados ao turismo
religioso também são destacados, bem como os esportes aquáticos e as trilhas, comuns
aos três municípios. Embora os três municípios possuam colonização de base açoriana,
apenas Imaruí destaca seu patrimônio imaterial. Já Garopaba e Imbituba apresentam a
pesca tradicional e suas referências (vila de pescadores, embarcações e barracões de
pesca) como elementos poéticos na paisagem sem, entretanto, explorar os saberes e
fazeres tradicionais (com exceção à pesca da tainha em Garopaba).
23
Disponível em <http://www.imbituba.sc.gov.br/rotas-turisticas>. Acesso em 02/01/2016.
88
3.7 Sítios e vestígios arqueológicos como atrativos turísticos
Ainda que não figurem como atrativos turísticos oficiais (exceto o Sambaqui do
Capão, que consta da lista de atrativos do portal de turismo da prefeitura de Garopaba),
investigamos se sítios e vestígios arqueológicos são indicados ou sugeridos aos turistas.
Como metodologia, consultamos os principais guias turísticos da região para verificar
se há referências ao patrimônio arqueológico e, em havendo, de que forma são
apresentados ao público. Considerando a inexistência de arquivos locais e coleções que
salvaguardem as publicações de promoção do turismo na região, selecionamos
publicações mais recentes (exceto um prospecto com data de publicação provável do
ano de 2006). Não foram localizados guias turísticos referentes ao município de Imaruí.
Assim, as publicações consultadas foram:
- 3ª edição do Guia Turístico Encantos do Sul, de 2013;
- prospecto intitulado “Garopaba: um passeio na pré-história”, de 2006 (?);
- mapa turístico da Praia do Rosa, de 2015;
- guia de Garopaba publicado pela Secretaria Municipal de Turismo e Esportes,
edições de 2015 e 2016;
- guia do Rosa e Ibiraquera, edições de 2015 e 2016.
Apesar da região turística Encantos do Sul possuir uma grande quantidade de
sítios arqueológicos cadastrados pelo IPHAN, o Guia Turístico Encantos do Sul
apresenta poucas referências a este patrimônio. Na relação dos principais atrativos da
região há um intitulado “Balneários, Sambaquis e Lagoas” (p. 13). Na descrição do
atrativo, entretanto, não encontramos qualquer referência ao sambaqui. Nas páginas
reservadas aos municípios de Garopaba (p. 32-37), Imaruí (p. 30-31) e Imbituba (p. 24-
29) não há referências ao patrimônio arqueológico pré-colonial. O guia cita coleções de
peças arqueológicas expostas em museus: “objetos e documentação do sambaqui (...)
encontram-se na seção Homem do Sambaqui” – Museu Cidade de Jaguaruna (p. 40);
“na seção de antropologia, encontram-se peças cerâmicas dos antigos povoamentos
tupis-guaranis e líticas, objetos de pedra dos primeiros ancestrais indígenas” - Museu
Universitário do Extremo Sul Catarinense (p. 44). A referência mais significativa ao
patrimônio arqueológico na região Encantos do Sul está na apresentação do município
de Jaguaruna (p. 38), onde consta a informação de que a faixa costeira daquele
89
município possui 30 sambaquis e 55 sítios arqueológicos, e no destaque ao Sambaqui da
Lagoa de Garopaba do Sul, no qual encontramos a única referência explícita ao turismo
arqueológico na região.
Um dos maiores sambaquis do mundo em extensão fica junto à Lagoa
de Garopaba do Sul. Tem 10 hectares e 30 m de altura. Pelas datas da
base e do topo, estima-se que o monte de conchas apelidado de
Garopabão levou 10 séculos para ser construído por grupos indígenas.
Dos 30 sambaquis na faixa litorânea da cidade, é o melhor para se
visitar. É cercado e sinalizado desde a margem da estrada que leva ao
Balneário Camacho. A fim de manter as características desses
monumentos pré-históricos, recomenda-se aos turistas usar as trilhas
já existentes e não coletar material. É possível agendar visitas com
arqueólogos do Grupo de Pesquisa em Educação Patrimonial e
Arqueologia [Grupep], da Universidade do Sul de Santa Catarina
[Unisul], que leva grupos de estudantes ao local. (SANTA
CATARINA, 2013, p. 39).
Em entrevistas que realizamos com lideranças locais (discutidas no Capítulo 4
deste trabalho) obtivemos a informação de que por volta do ano de 2006, em Garopaba,
um grupo de pessoas interessadas no estudo e na proteção do patrimônio arqueológico
do município exerceu influência junto à Secretaria Municipal de Turismo, no sentido de
promover algumas ações para divulgar os sítios e vestígios arqueológicos da cidade.
Uma destas ações foi a publicação de um prospecto intitulado “Garopaba: um passeio
na pré história”. Este prospecto foi amplamente distribuído ao público em geral e
sugeria a visita aos sítios desde que com o acompanhamento de guias de turismo
credenciados. Trata-se de um material visual com diversas fotos de oficinas líticas,
inscrições rupestres e formações rochosas em Garopaba e um breve texto falando da
existência de 50 sítios arqueológicos na cidade. A produção do prospecto ficou sob o
encargo de Keler Lucas e as informações não têm respaldo científico. O material não
apresenta informações de rotas, localização dos vestígios e oferta de serviços e contatos
para a contratação dos guias exigidos. Atualmente este prospecto não está mais
disponível para o público, entretanto consideramos a publicação importante porque
possivelmente se trata do primeiro material de divulgação turística do patrimônio
arqueológico de Garopaba. Cabe ressaltar também, conforme veremos no Capítulo 4,
que Keler Lucas exerce influência no discurso local que interpreta os vestígios
arqueológicos, vinculando-os a elementos arqueoastronômicos.
Uma publicação amplamente distribuída aos turistas que visitam a região é o
Mapa Turístico da Praia do Rosa, que envolve, além do Rosa, a Barra da Ibiraquera, a
Praia do Luz, a Praia do Ouvidor e a Praia Vermelha. A Praia do Rosa é um dos mais
90
conhecidos destinos turísticos na região, envolvendo a estrutura turística de Imbituba e
Garopaba. Na edição consultada (2015), dois sambaquis são indicados no mapa
(Sambaqui do Canto Norte do Rosa e Sambaqui da Barra de Ibiraquera). Não há
informações adicionais, apenas a indicação “Sambaqui” associado à sigla “IPHAN” e o
símbolo “Δ” indicando a localização do sítio.
Nas edições de 2015 e 2016 do “Guia do Rosa & Ibiraquera” não há menções aos
sítios arqueológicos da região.
O “Guia de Garopaba” é a mais completa e tradicional publicação de publicidade
turística do município de Garopaba. Distribuído em diversos pontos da região, possui
periodicidade anual. Apresenta a história da cidade, seu patrimônio material e imaterial,
o artesanato, os diferentes atrativos turísticos e seções para cada uma das praias.
Consultamos as edições de 2015 e 2016, e em ambas o sambaqui do Capão (Barra –
Ferrugem) figura como o principal atrativo da Praia da Ferrugem e Barra (edição de
2015), onde é denominado de “Sambaqui do Morro do Índio”, e da Praia da Barra
(edição de 2016) onde a referência “Sambaqui” aparece no título da seção. Na
conceituação e descrição do sambaqui na edição de 2015 observamos informações
confusas e incorretas, como por exemplo a afirmação de que o mesmo teria sido
construído pelos índios carijó. Na edição de 2016 a referência ao sambaqui ocupa uma
página inteira, com foto aérea do sítio arqueológico e texto explicativo que
reproduzimos:
Vestígios indígenas: os Tupis-Guaranis são os habitantes mais antigos
da região. E Garopaba tem um capítulo especial nesta parte da
história. Relatos contam que os açorianos ao se instalarem nestas
paragens perceberam que estes indivíduos eram organizados, bons
agricultores e exímios na caça e pesca. Bons artesãos, faziam cestos,
utensílios, redes de dormir. Seus hábitos de gastronomia foram
incorporados aos paladares de todos os brasileiros e até de
estrangeiros. Mandioca, aipim, farinha de mandioca, tapioca, beiju,
peixe na brasa, banana assada no fogo, panelas de barro, enfim, são
tantas as incorporações e legados que muitas vezes até nos
esquecemos de que muito do significado de seu idioma também foi
herdado por nós: nomes próprios como Garopaba, Imbituba, Imaruí,
Biguaçu são alguns exemplos. Suas marcas mais notadas são os
vestígios encontrados nos sítios arqueológicos de Garopaba – os
chamados sambaquis. Há cemitérios indígenas, pinturas em rochas,
vestígios de armas como pontas de lanças e flechas, pedras
amoladoras para a confecção de facas e sabres para a defesa e a
utilização na caça e pesca, estão entre os registros que podem ser
visitados pelos turistas. (GUIA DE GAROPABA, 2016, p. 48).
91
O texto publicado no guia, além de reproduzir equívocos da edição anterior, limita
a história pré-colonial de Garopaba aos povos guaranis, apresentando-os como os mais
antigos no território e atribuindo a estes a autoria da totalidade dos vestígios
arqueológicos encontrados no município. O texto também apresenta uma relação de
vestígios que “podem ser visitados pelos turistas”, o que não corresponde à realidade.
Objetos líticos sambaquieiros, por exemplo, não estão oficialmente expostos em
Garopaba, e encontrá-los nos sítios é ato casual. Sem um guia especializado, entretanto,
dificilmente um turista será capaz de identificar estes vestígios arqueológicos. Ressalte-
se ainda que em nenhuma das edições do guia encontramos orientações de acesso e
comportamento adequado nos sítios. Por outro lado, a edição de 2016 reconhece a
cultura guarani como constituidora da identidade local e cita alguns dos seus legados
culturais.
Reconhecemos que a amostragem de publicações de publicidade turística que
utilizamos é reduzida e limitada aos dois últimos anos, o que não nos permite
conclusões mais consistentes a respeito de como e em qual quantidade sítios e vestígios
arqueológicos pré-coloniais da região são apresentados aos turistas. Por outro lado,
considerando a circulação das publicações que consultamos junto ao seu público alvo e
o conteúdo observado, podemos afirmar preliminarmente que: a) sítios e vestígios
arqueológicos de Garopaba e Imbituba são citados esporadicamente como um atrativo
turístico secundário na região; b) em Garopaba já existe um discurso turístico que
incorpora os vestígios arqueológicos pré-coloniais como um possível atrativo; c) a
interpretação cultural dos vestígios arqueológicos incorporada pelo discurso turístico
carece de rigor científico; d) o conhecimento local a respeito do patrimônio
arqueológico pré-colonial é pequeno.
3.8 Uma nova escala de representação social e a abertura de uma janela.
Dada a dinamicidade de um território, durante a realização da nossa pesquisa uma
nova escala de representação social, conforme conceito de Marques e Dias (2003), é
proposta envolvendo os municípios de Garopaba e Imbituba. Trata-se do Projeto de
Fortalecimento do Ecoturismo de Observação de Baleias apresentado pelo SEBRAE e
para o qual foi organizado um comitê gestor que reúne diferentes atores territoriais. O
projeto propõe articular os municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna em uma
perspectiva de planejamento regionalizado do turismo e tem como principal objetivo
92
posicionar a região da APA da Baleia Franca, até o ano de 2017, como destino turístico
de excelência no segmento de ecoturismo, obtendo a primeira indicação geográfica de
turismo no Brasil24
. Entre seus princípios norteadores está o envolvimento dos atores
locais no desenvolvimento territorial, o que o coloca em diálogo com os propósitos da
APA da Baleia Franca, e com as possibilidades de uma nova perspectiva para o turismo
na região.
Interessa-nos observar o debate dos atores da região a respeito das possibilidades
de uma indicação geográfica de excelência em ecoturismo, tendo por substrato o
turismo de observação de baleias. As baleias são, na perspectiva da observação, um
patrimônio de passagem na paisagem. Por outro lado, a relação da região com os
cetáceos compõe a memória coletiva, ou seja, participa da identidade local,
primeiramente através do estabelecimento das armações baleeiras em Garopaba e
Imbituba a partir do final do século XVIII, com a caça e o beneficiamento das baleias e,
mais recentemente, com sua proteção legal e seu reconhecimento como potencial
turístico. Considerando que a identidade cultural é um dos principais ativos na
promoção de uma Indicação Geográfica que promova o desenvolvimento sustentável
(NEU e AREA, 2015, p. 75), a proposta de uma Indicação Geográfica de Ecoturismo na
região deve, portanto, não apenas perceber as baleias na paisagem a partir da sua
dimensão cultural, mas considerar esta dimensão cultural enquanto propulsora da
própria IG.
Esvaziar o turismo de observação de baleias do seu componente cultural-
identitário, é reduzi-lo àquilo que VELOSO (2006) chamou de fetiche do patrimônio,
ou seja, transformá-lo em mera commodity, desprovendo a presença das baleias do seu
conteúdo patrimonial, “coisificando” os cetáceos.
É a partir do início do século XXI que municípios como Garopaba e Imbituba
percebem no turismo de observação de baleias uma oportunidade econômica para a
região, especialmente entre os meses de julho e outubro, período no qual a Eubalaena
australis busca a região para a procriação. O desenvolvimento deste nicho econômico,
em sua relação com o patrimônio cultural, importa porque cria uma oportunidade de
trabalho e renda no período de baixa temporada e também uma nova perspectiva de
desenvolvimento para a região. Por outro lado, apesar de representar uma possibilidade
de desenvolvimento regional, somente a exploração econômica “não é garantidora de
24
Conforme apresentado pelo consultor Rafael Freytag ao Comitê Gestor do Projeto, em reunião
realizada na Secretaria de Desenvolvimento Regional de Laguna em julho de 2015.
93
desenvolvimento sustentável de uma comunidade e seu patrimônio cultural. Muito pelo
contrário, ela pode trazer consequências prejudiciais naquilo que tange à preservação do
patrimônio cultural” (NEU e AREA, 2015, p. 79).
Entre 2005 e 2012, foi o turismo embarcado de observação de baleias a principal
atividade turística fomentada na região. O turismo embarcado caracteriza-se pelo uso de
embarcações navais, que transportam o turista para próximo das baleias. A aproximação
das embarcações era facilitada devido ao comportamento dócil da Eubalaena australis.
De 2005 a 2012 o número de passageiros do turismo embarcado de observação de
baleias em Santa Catarina aumentou de 695 para 5184 e o número de passeios
embarcados passou de 82 para 23525
. Em maio de 2013 o turismo embarcado de
observação de baleias foi proibido pela Justiça, após pedido de suspensão da atividade,
apresentado pela organização não governamental Sea Sherpherd Brasil, sob o
argumento de que o descumprimento da legislação ambiental por parte dos operadores
do turismo embarcado e as falhas na fiscalização estariam colocando em risco a
integridade física dos cetáceos. A proibição judicial foi confirmada pelo Tribunal
Regional Federal em julho de 2013, e continua em vigor. Sua suspensão está vinculada
à apresentação, por parte do ICMBio, de um estudo de viabilidade ambiental e
licenciamento da atividade. Não há previsão, entretanto, para a conclusão e
apresentação deste estudo.
O projeto de Fortalecimento do Ecoturismo de Observação de Baleias apresentado
pelo SEBRAE surge neste contexto de disputa entre os diferentes atores locais em
relação à proibição do turismo de observação embarcado. A proposição do projeto
colocou o ecoturismo na agenda política da região e conforme Capella (2006), em sua
análise dos modelos teóricos de compreensão da formulação de políticas públicas, “a
agenda governamental (...) é definida como o conjunto de assuntos sobre os quais o
governo e pessoas ligadas a ele concentram sua atenção num determinado momento”, e
que esta mudança resulta da convergência entre três fluxos: problemas, soluções e
política. (CAPELLA, 2006, p. 26).
Partimos então do pressuposto de que a proposta apresentada pelo SEBRAE tem
origem no problema da proibição do turismo embarcado de observação, e que a solução
25
Segundo os dados publicados na reportagem “Proibição de turismo de observação de baleias passa por
mais uma etapa”, publicada pelo Diário Catarinense, em 02 de junho de 2014. Disponível em <
http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2014/06/proibicao-de-turismo-de-observacao-de-
baleias-passa-por-mais-uma-etapa-
4516397.html?fb_action_ids=10204035574831862&fb_action_types=og.recommends> . Acesso
realizado em 01/05/2015.
94
passaria na constituição de um comitê gestor que exerceria pressão sobre as Instituições
responsáveis pelos estudos e licenciamento ambiental e resultaria em políticas públicas
que organizariam e fomentariam o turismo embarcado de observação de baleias. O
pressuposto considera o momento da apresentação do projeto, a composição do Comitê
Gestor e a ausência do debate com a comunidade na construção inicial do projeto. Este
Comitê Gestor apresenta os desafios da prática da governança, discutidos por
Dallabrida, Marchesan, Rossetto e Filippim (2015), especialmente naquilo que diz
respeito ao aprofundamento democrático e à necessidade de empoderamento da
comunidade local. A grande quantidade de parceiros no Comitê Gestor, e a
subrepresentação da sociedade civil pode acarretar problemas de gestão e de controle,
conforme apontaram Kissler e Heidemann (2006) em suas análises das experiências de
governança pública desenvolvidas na Alemanha. Para os autores, nestes casos, a gestão
não é efetivamente participativa, e os representantes da sociedade ficam incapacitados
de influenciar nas decisões dos parceiros privados, bem como de acompanhar os
processos.
A despeito das fragilidades que o Comitê Gestor do Projeto de Fortalecimento do
Ecoturismo de Observação de Baleias apresenta em sua constituição para a
democratização do debate e o empoderamento da comunidade local, a proibição do
turismo embarcado de observação e apresentação do projeto formulado pelo SEBRAE
abriu aquilo que Kingdon (citado por Capella, 2006), chamou de oportunidade de
mudança, ou uma abertura de janela.
Uma característica da oportunidade de mudança – abertura das janelas
– no modelo de Kingdon é seu caráter transitório. Provocadas por
eventos programados ou não, as oportunidades de acesso de uma
questão à agenda não perduram por longos períodos de tempo. Da
mesma forma que as “janelas” se abrem, elas também se fecham.
(CAPELLA, 2006, p. 30).
Embora não previamente discutida com a comunidade local, os trabalhos visando
a criação de uma IG relacionada à prestação de serviços em ecoturismo, tendo como
produto principal a presença da Eubalaena australis na região, abre uma oportunidade
de mudança para: 1) discutir as perspectivas de desenvolvimento territorial sustentável;
2) incorporar o turismo de observação terrestre de baleias; 3) empoderar a população
local; 4) desenvolver outros segmentos turísticos que dialogam com o ecoturismo e a
observação de cetáceos, dentre estes, o turismo arqueológico.
95
Considerando os debates travados no contexto da APA da Baleia Franca,
principalmente naquilo que diz respeito ao planejamento de um turismo sustentável,
tendo a observação de cetáceos como seu principal atrativo, torna-se oportuno discutir o
potencial do patrimônio arqueológico existente para a promoção do turismo na região,
mesmo porque os vestígios arqueológicos resgatados pelas prospecções arqueológicas
na região indicam uma relação constante destes povos pré-coloniais com o mar e as
baleias, que desde tempos remotos frequentam o litoral sul catarinense. Nos sambaquis
foram encontrados diversos objetos de uso cotidiano e simbólico, construídos a partir de
ossos de baleias, bem como zoolitos com a forma de cetáceo. Assim, o ecoturismo de
observação de baleias, incorporando o turismo arqueológico, pode agregar este
elemento cultural, constituidor da identidade local, em seus roteiros terrestres.
A proibição do turismo embarcado de observação de baleias reforça também as
possibilidade de desenvolvimento do turismo de observação terrestre por meio de trilhas
e condução especializada de condutores ambientais. Nos próximos cspítulos
discutiremos a existência de vestígios e sítios arqueológicos nas trilhas utilizadas pelos
condutores ambientais e a influência do projeto proposto pelo SEBRAE no
planejamento turístico da região.
96
4 – O TURISMO ARQUEOLÓGICO NA PERCEPÇÃO DOS ATORES LOCAIS
4.1 A percepção dos representantes da comunidade
Sampaio (2005) alerta para as práticas de planejamento do turismo que não
consideram as comunidades, privilegiando os grupos que se deslocam. Segundo o autor,
um turismo que se pretenda sustentável necessita “resgatar a percepção (visão de
mundo) das comunidades domésticas, do que elas podem promover com seus próprios
recursos e potencialidades (endogeneidade)” (SAMPAIO, 2005, p. 26).
Ao estudar o turismo de base local em uma comunidade do interior de Taiwan,
Lee (2013) verificou que é condição para o desenvolvimento do turismo sustentável, a
participação dos moradores locais, e este apoio só é verificado quando o turismo
sustentável atende aos interesses da comunidade. Ou seja, a aceitação ou rejeição dos
moradores de uma comunidade para o desenvolvimento do turismo baseia-se na relação
custo – benefício (se a percepção dos custos for maior do que a percepção dos
benefícios, a comunidade será contra o desenvolvimento do turismo; se a percepção dos
benefícios for maior do que a percepção dos custos, a comunidade tenderá a ser
favorável ao desenvolvimento do turismo) e que o apego é importante para o
desenvolvimento do turismo de base comunitária. Por apego o autor compreende “a
participação do indivíduo e sua integração à vida comunitária, refletindo um vínculo
afetivo ou uma ligação emocional entre o indivíduo e uma comunidade específica”
(LEE, 2013, p. 3).
Bastos (2007) ao estudar a representação social dos sítios arqueológicos no litoral
sul catarinense (Laguna, Jaguaruna, Imbituba e Tubarão) defende que nos projetos de
levantamento arqueológico as ações devem envolver a comunidade local em todas as
suas etapas. Entendemos que o mesmo se aplica aos projetos que envolvem o turismo de
modo geral e o turismo arqueológico de modo específico. É nesta perspectiva que
ouvimos representantes da comunidade a respeito do reconhecimento e da representação
social dos sítios arqueológicos e das possibilidades do turismo arqueológico na região.
Estabelecer critérios de busca e seleção de representantes da comunidade local
para a realização das entrevistas significou um problema a ser superado na pesquisa. A
principal questão deste problema é o desconhecimento das questões do patrimônio
arqueológico apontado no trabalho de Bastos.
97
Pesquisas citadas pelo autor mostram que não existe uma
compreensão muito clara dos fatos arqueológicos por parte dos não
arqueólogos (MCMANNAMON, 2000, p. 12). Nesta perspectiva
encontra-se nossa pesquisa sobre as representações sociais, realizada
no litoral sul de Santa Catarina, que apontam para um
desconhecimento quase total das questões que envolvam o patrimônio
arqueológico (BASTOS, 2007, p. 113).
Partimos assim da premissa de que, de modo geral, a população desconhece o
patrimônio arqueológico local e suas possibilidades para o desenvolvimento na região.
Ainda que o trabalho de Bastos tenha alcançado apenas o município de Imbituba, dentre
aqueles que estudamos aqui, podemos trabalhar com o pressuposto de que esta realidade
se estende a Garopaba e Imaruí. Em pesquisa que realizamos junto aos professores da
rede pública de Garopaba, por exemplo, 41% dos professores afirmaram desconhecer os
vestígios arqueológicos pré-coloniais do município (COSTA, 2014). O percentual é
bastante significativo, principalmente se considerarmos tratarem-se de formadores de
opinião, multiplicadores de conhecimento que têm entre suas responsabilidades,
apresentar e problematizar o território em suas atividades docentes.
Considerando o exposto, adotamos como critérios para a seleção dos entrevistados
o apego ao território conforme entendido por Lee (2013), ser liderança comunitária
(representar a opinião de uma parcela da sociedade) e estar envolvido com o turismo e
com o patrimônio arqueológico da região. A partir de conversas com pessoas
relacionadas em movimentos sociais, educadores e líderes comunitários, selecionamos
três entrevistados que atendem aos critérios definidos, tratando-se, portanto, de uma
amostragem qualitativa. Certamente há outras lideranças locais, como pescadores
tradicionais, por exemplo, que podem ser ouvidos. Entretanto, limitamo-nos ao universo
especificado pela metodologia adotada.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas utilizando técnicas da História Oral.
As mesmas foram decupadas e os trechos de relevância para os objetivos da pesquisa
foram transliterados. As entrevistas pretenderam investigar a ocorrência de
manifestações da comunidade relacionadas à defesa e/ou reconhecimento do patrimônio
arqueológico pré-colonial da região, a percepção do entrevistado a respeito do turismo
na região e as possibilidades de utilização do patrimônio arqueológico pré-colonial
como atrativo turístico.
98
4.1.1 Entrevistado: Zeno Moreira de Castilho Neto.26
Zeno Moreira de Castilho Neto é natural do Rio de Janeiro (RJ), mas fixou
residência no município de Garopaba em 1998 e atualmente mora na Praia do Rosa,
bairro limítrofe entre Imbituba e Garopaba. Frequenta a região desde 1976, quando seu
avô construiu em Garopaba residência de verão. Estudou História na UNISUL de
Tubarão. Na mesma instituição de ensino se formou como condutor ambiental e desde
2001 guia passeios turísticos em trilhas da região, atendendo turistas e estudantes. Em
2006 colaborou com a Secretaria Municipal de Turismo de Garopaba, auxiliando em
projetos culturais e discutindo o patrimônio arqueológico da cidade. Foi coordenador
local da Pesquisa Mercadológica Estudo da Demanda Turística de Garopaba
desenvolvida pela SANTUR em 2006. Estuda o patrimônio arqueológico do município,
visitando sítios arqueológicos e intercambiando informações com pessoas interessadas
no assunto, dentre estas o pesquisador Keler Lucas, com o qual desenvolveu parcerias
de trabalho. Participa de diversas associações locais e atua como liderança no
Movimento Rosamor, que tem por objetivo organizar a sociedade civil para a
preservação da Praia do Rosa.
Baseado em sua experiência, afirma que há diferenças entre os turistas que
frequentam a região na alta e na baixa temporada, sendo que no verão “o público é mais
festa, mais praia, mais jovem”. Quando questionado a respeito da percepção da
população a respeito da atividade turística, se positiva ou negativa, responde:
Tem gente que percebe como positivo. O turismo é muito capilar na
sociedade. Agora, existem sim pessoas mais antigas que viram seus
filhos se perder em drogas ou em festas, que têm certa resistência ao
turismo, mais por experiências pessoais não agradáveis. (CASTILHO
NETO, depoimento ao autor, 2015).
O entrevistado também teceu considerações sobre a dificuldade de se explorar o
turismo arqueológico no município de Garopaba, e atribui à falta de conhecimento dos
gestores públicos e dos empresários do trade turístico sobre as potencialidades locais a
principal razão desta dificuldade.
A maior dificuldade que eu vejo é o não conhecimento. Os gestores
públicos não fazem ideia de que lugar é este. Os donos de pousada
também não. Os empresários locais também não. Quando falava de
26
A entrevista foi realizada em 21 de julho de 2015 na sua residência, localizada no bairro Praia do Rosa,
em Imbituba.
99
cabeças de pedra com nove metros de altura apontadas para o leste e
com uma pedra em cima apontando para onde o Sol nasce, ou de
observatório astronômico de pedra, por muitos anos passei por
mentiroso. Quando eu falava das inscrições, e elas têm esta
característica da luminobilidade, que ela aparece e desaparece
conforme a posição do Sol, as pessoas diziam que eu estava tomando
chá de cogumelo. Há meio que um complexo de vira-lata, quando a
gente tem um patrimônio arqueológico absurdo! Então acho que o
maior problema é este, o desconhecimento do local onde se está.
Segundo, de saber como trabalhar isso, como promover um
desenvolvimento sustentável sem virar desordenado? (CASTILHO
NETO, depoimento ao autor, 2015).
Segundo o entrevistado, os sítios arqueológicos no município de Garopaba estão
aflorados e sem nenhuma proteção. Seu interesse por eles ocorre desde a sua chegada ao
município como morador, tendo procedido a um levantamento bibliográfico sobre o
assunto, principalmente nos registros de Alfredo Rohr, que realizou diversas
prospecções e registros arqueológicos na região nas décadas de 1960 a 1980. Após o
levantamento bibliográfico, o entrevistado percorreu o município que, segundo ele,
possui 54 sítios arqueológicos, entre sambaquis, oficinas líticas, sítios com inscrições
rupestres, abrigos sob pedra e megalitos27
. Desta busca por sítios arqueológicos decorre
seu contato com o pesquisador Keler Lucas, que possui um trabalho de registro de sítios
arqueológicos em Santa Catarina e uma perspectiva arqueoastronômica e mística28
.
Keler Lucas foi contratado pela Associação Comercial e Industrial de Garopaba (ACIG)
em 2006 para fazer um levantamento dos sítios arqueológicos no município. Suas
teorias a respeito das inscrições rupestres e das formações rochosas locais,
relacionando-as a marcos astronômicos, têm aceitação por um grupo de cidadãos da
cidade organizados em um grupo amador de arqueologia, dos quais participa o
entrevistado. É de Keler Lucas também o projeto de um museu ao ar livre entre a Praia
da Vigia e a Ponta do Galeão29
.
27
O IPHAN registra apenas sete sítios arqueológicos no CNSA/SGPA, conforme consulta realizada no
site www.iphan.gov.br em 06/10/2015. 28
A interpretação mística dos vestígios arqueológicos pré-coloniais em território catarinense recebe
críticas da comunidade científica. Segundo Comerlato, “nesta corrente mística, encontramos as
publicações de Keler Lucas, que alia informações arqueológicas regionais com interpretações esotéricas,
bem como associa o contexto local com outras culturas (megalitismo europeu, hindus, maias etc.). Este
tipo de interpretação desvaloriza as gravuras rupestres como produto de uma cultura pré-histórica local e
contribui para reforçar uma visão preconceituosa de que as populações autóctones não seriam capazes da
realização de artefatos que exigissem habilidade técnica aprimorada” (2005, p. 162). 29
Segundo publicou Keler Lucas no seu site em 2011, “o projeto da Trilha e Museu ao Ar Livre da Pedra
do Galeão está pronto e aprovado pelo Prefeito Luís Nestor, que prometeu realizá-lo durante a sua gestão.
E recebeu o apoio institucional da APA da Baleia Franca que se referiu ao projeto nesses termos:
‘Entendemos que o Museu representará passo importante no processo de ordenamento do acesso e uso
dos bens culturais presentes no território da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, cumprindo,
100
Em 2006, em função da quebra financeira da Secretaria de Turismo,
ninguém queria pegar a secretaria. Aí a gente pegou. É quando
aparece o Keler de novo. Tínhamos começado a desenhar um projeto
que se chamava ‘Trilhando Garopaba’, que começava lá na Ponta do
Faísca e se juntava com a trilha da Vermelha. Então você passaria sete
dias em Garopaba, fazendo todas as trilhas. Todas elas aparelhadas,
com acessos. Mas a gente estava bem no começo da história, bem
crus. Aparece o Keler e propõe o que ele chama de ‘Museu da Pedra
do Galeão’. Respondemos que tudo bem, mas que não tínhamos
dinheiro. (...) A área começava nas oficinas líticas da Vigia e
terminava na Praia do Silveira. São 3108 metros de trilha, todas com
segurança, tudo isto está no pré-projeto do Keler. Tinha deques para
observação de baleias e para observar a paisagem, lugares ‘de se
estar’. Tinha cinco pesqueiros aparelhados para você pegar e fazer seu
peixe ali. Mas o grande atrativo do museu são 20 painéis, alguns com
luminobilidade, e a cabeça de pedra, que tem toda essa discussão se é
natural ou não. (CASTILHO NETO, depoimento ao autor, 2015).
Segundo o entrevistado, nesta sua estada em Garopaba, Lucas identificou diversos
marcos astronômicos no município. Ciente da falta de legitimidade científica e da
incredulidade das pessoas a respeito destas questões, o grupo do qual o entrevistado
fazia parte convidou o físico e astrônomo Germano Bruno Afonso, que trabalha com
etnoastronomia, para conhecer os vestígios encontrados por Keler Lucas. Segundo o
entrevistado, Afonso teria visto “em um dia em Garopaba cinco marcos astronômicos e
um observatório completo” (CASTILHO NETO, depoimento ao autor, 2015). Afonso
chegou a desenvolver trabalhos de Educação Patrimonial com os Guaranis em Garopaba
com foco na astronomia guarani após esta visita30
.
Ao ser questionado sobre o potencial representado pelo vestígios arqueológicos
enquanto atrativos para o turismo no município, o entrevistado afirma que a maioria dos
turistas que visitam a região não os conhecem, mas que existe este potencial, desde que
houvesse um planejamento e a resolução dos problemas de acessibilidade nos sítios.
Cita também a necessidade de se pensar numa forma de atrair os turistas que já buscam
atrativos arqueológicos na América do Sul, procurando estabelecer relações entre a
cultura pré-colonial do litoral centro-sul catarinense com culturas pré-colombianas da
Cordilheira dos Andes.
assim, papel destacado na promoção da cultura do povo brasileiro e daqueles que nos visitam,
obedecendo, ao mesmo tempo, princípios da sustentabilidade condizentes com sua inserção em um
espaço territorial especialmente protegido." (Publicado em
<http://kelerlucas.com.br/boletim_informativo.html> . Acessado em 29/01/2016). 30
O trabalho de Educação Patrimonial com os índios Guarani desenvolvido por Germano Bruno Afonso
em Garopaba está documentado no filme “Cuaracy Ra’Angaba – O Céu Tupi-Guarani” (2013), dirigido
por Lara de Campos Velho.
101
Não se pode datar quando as inscrições foram feitas, o que você pode
fazer é datar o resto orgânico que caiu nelas e dizer que são mais
antigas do que estes. Elas têm o quê? Quatro mil anos? Acho que se
isso fosse bem trabalhado, qualquer pessoa iria querer conhecer.
Ainda tem a paisagem, a cabeça de pedra, os marcos astronômicos. E
olha o nível de abstração que tinha que ter aquele povo para
desenvolver esses símbolos! São losangos, triângulos que se
encaixam. Não é só o antropomorfo infantil. É extremamente
elaborado e não entendo como os maiores especialistas não estão aqui
estudando isso. E mais, nós estamos na ponta de um caminho
chamado Peabiru. Na outra ponta está Machu Pichu, o maior destino
turístico da América do Sul. Vamos fazer uma campanha com as
inscrições, com a cabeça de pedra. Vamos investir só em uma cidade,
Machu Pichu! Se tiver 1% de retorno, a gente tem 100 mil pessoas,
que é o número do verão. Só que você não tem elas todas juntas,
deteriorando o lugar. (CASTILHO NETO, depoimento ao autor,
2015).
4.1.2 Entrevistado: Luiz Fernando Alves Bintencourt31
Luiz Fernando Alves Bintencourt é natural de Porto Alegre (RS), mas fixou
residência no município de Garopaba em 1992. Frequenta a cidade há 40 anos, que era
seu destino de férias. Trabalha como gráfico e editor local, tendo publicado livros de
autores da cidade. Tem forte atuação comunitária, principalmente nas questões
referentes à identidade cultural, às atividades tradicionais e ao turismo. Participa de
grupos que discutem a revitalização do Centro Histórico de Garopaba e a defesa da
história local, sendo um dos fundadores do Movimento Açoriano de Resgate (MARÉ) e
do Grupo Amador de Estudos da Arqueologia. Produziu a sinalização de interpretação
cultural existente no Centro Histórico de Garopaba. É autor dos livros “De Ygara-
Mpaba a Garopaba” (2003) e “Armações Baleeiras: da Costa Basca a Garopaba”
(2005). Escreve para diversos periódicos locais e publicou boletins abordando o
cotidiano da cidade.
O primeiro contato do entrevistado com os vestígios arqueológicos foi quando
começou a veranear em Garopaba e conheceu o filho de um pescador, que o apresentou
às oficinas líticas da Praia da Vigia.
Como turista achei aquilo legal, uma coisa que mostrava que já havia
vida bem antes do turismo. Porque para a grande maioria de nós, que
chegamos aqui para veranear e curtir Garopaba, parece que é como
qualquer outra cidade do litoral que está surgindo por causa do
31
A entrevista foi realizada em 21 de dezembro de 2015 nas dependências do Instituto Federal de Santa
Catarina, Campus Garopaba, localizado no Bairro Campo D’uma, em Garopaba.
102
turismo. E ali ficou uma marca de que já existiam pessoas aqui há
muitos anos. E aquilo me chamou muito a atenção. (BINTENCOURT,
depoimento ao autor, 2015).
Ao falar da relação entre os vestígios arqueológicos pré-coloniais existentes na
região e o turismo, defende a ideia de que primeiro há a necessidade de se conhecer
melhor estes vestígios, saber o que significam, o que expressam.
Eu gostaria de fazer uma colocação a respeito da importância do
registro que ficou nas artes rupestres nos costões da nossa região e em
alguns outros lugares também, principalmente no interior, que é sobre
o aspecto que fixou esses povos aqui. Entendo que esses povos tinham
uma relação muito forte com a natureza. Então a existência deles aqui
já prova que este é um lugar especial. E nós também fazemos parte
dessa história toda há pelo menos oito mil anos. A existência desses
registros, das oficinas líticas, de todo esse patrimônio, está muito
superficial em termos de entendimento do quanto significam, não
apenas como mero marco histórico desta presença. Mas, o porquê
dessas marcas? O que levou a todo esse processo? O que esses
registros querem nos dizer? Quais informações podemos tirar desse
material? Então penso que, dentro do contexto de usar como um
atrativo turístico, ele até pode agregar valor no contexto das belezas
naturais de toda região, mas eu penso no aspecto da pesquisa mesmo.
De ele ser motivador para um aprofundamento nos estudos para se
entender o significado disso. Porque podem estar aí algumas
informações bastante relevantes em relação a toda essa convivência.
Porque todos que vêm para cá, seja turistas ou moradores, a primeira
coisa que dizem é ‘morar na natureza’, ‘curtir a natureza’. Mas existe
algo que fez todos esses povos se fixar aqui. Eles andaram por muito
tempo até chegar aqui e se fixar. Por quê? E o que eles deixaram aí
registrado? O que significa tudo isso? Vejo que pesquisas sobre isto
poderiam ser uma grande oportunidade de trabalho, de
desenvolvimento do lugar, de usar ele realmente como um produto e
não só levar lá um grupo de turistas e ter lá uma plaquinha que diz
‘aqui jaz e blá, blá, blá’. E ‘deu, vamos para a próxima, aqui, uma
canoa...’ É só mais um, entendeu? Entendo da gente usar realmente
essa questão da pesquisa como um atrativo e fazer com que o pessoal
nos traga mais informações. Acho que a maioria das pessoas que
conhece, que convive com essas marcas, não sabe nada sobre isso.
(BINTENCOURT, depoimento ao autor, 2015).
Em sua fala o entrevistado manifesta aquilo que Barretto (2007) entende como o
processo de qualificação a partir dos atores locais, e expressa a preocupação com a
transformação do patrimônio arqueológico em um bem exclusivamente de consumo
turístico, esvaziado dos seus significados históricos e identitários.
Os processos de qualificação são lentos e seu sucesso está relacionado
com a participação de vários segmentos da sociedade civil que estão,
de alguma forma, envolvidos voluntária ou involuntariamente.
Quando isso não acontece, o deslocamento da população local traz
uma mudança no sentido dos lugares, que acabam reduzidos a
103
fachadas, despojados do seu significado. Mas a qualificação dos
espaços, se bem realizada, apoia-se na e ao mesmo tempo estimula a
memória coletiva, motor fundamental para desencadear um processo
de identificação dos cidadãos com sua história e sua crítica.
(BARRETTO, 2007, p. 134).
Ainda que no trecho acima Barretto se refira diretamente aos processos de
gentrificação, a reflexão do entrevistado remete à necessidade de que o patrimônio
arqueológico seja amplamente estudado como elemento de interpretação do território,
capaz de fornecer respostas para questões contemporâneas e ser parte constituinte da
identidade local. Não deve se tratar, portanto, de simples atrativo a ser fotografado e
descartado, mas que esteja dotado de significados e sentidos por meio da sua
incorporação à memória coletiva da comunidade em que se insere e ajuda a definir.
Como afirma Bastos, “falar em patrimônio cultural arqueológico como vetor de
desenvolvimento turístico nos remete a questões ligadas essencialmente à publicização,
socialização e inclusão destes bens na construção da cidadania” (BASTOS, 2005, p.
65). É o que propõe o entrevistado enquanto condição primeira para a transformação
dos vestígios arqueológicos da região em atrativo turístico.
Quanto à viabilidade de um turismo arqueológico, o entrevistado fala em nome do
Grupo Amador de Estudos da Arqueologia, do qual faz parte e ajudou a criar com o
objetivo de estudar e preservar os vestígios pré-coloniais da região.
No grupo a gente já percebeu que não é um atrativo que chama a
atenção de um grande público, mas de pessoas que realmente querem
algo diferente e não apenas ficar tomando caipirinha na beira da praia.
Ao se criar a relação entre a Academia e estes atrativos, por si só já
vai se criar um fluxo de alunos, pesquisadores e imprensa. O Grupo
entende que esta realmente é uma valorização de qualidade e não
tornar o patrimônio um fast-food, mas tornar ele um patrimônio
importante, de qualidade, para que tu tenhas um fluxo de turistas
focado nisto. De turistas que estão vindo aqui para isto. Estão viajando
para conhecer estes lugares. Criar situações de vivência nestes lugares,
e não simplesmente fotografar e ir embora, fazendo com que este
turismo agregue valor e não que seja apenas mais um produto turístico
onde daqui a pouco os turistas já estão pisando por cima porque já
querem ver outra coisa. (BINTENCOURT, depoimento ao autor,
2015).
Considerando que dentre os objetivos das entrevistas está o de investigar a
ocorrência de manifestações da comunidade relacionadas à defesa e/ou reconhecimento
do patrimônio arqueológico pré-colonial da região, questionamos o entrevistado a
respeito das diferentes interpretações que a comunidade local dá aos sítios
arqueológicos.
104
Conversando com os pescadores fiquei conhecendo as lendas, os
contos dos antigos, de que quando as primeiras famílias chegaram
aqui encontravam algumas sepulturas, alguns lugares sagrados que já
tinham algum tipo de decoração e o pessoal destruía tudo porque
tinham medo. O pessoal antigo, quando encontrava esses vestígios,
jogava no mar, destruíam o que eles podiam porque diziam que aquilo
ia atrair espíritos. Eles tinham medo de assombração, essas coisas.
Então procuraram apagar. Mas o que está registrado nas pedras,
gravado lá há milhares de anos, isso aí não foi destruído. (...) O
Morrinho do Índio e a Ilha de Santana de Fora são pontos sagrados.
Estes pontos sagrados têm sepulturas. Na década de 1970 houve um
saque na Santana de Fora. A turma ia lá para cavar e encontrar objetos
para vender. Isto não presenciei, mas ouvi falar. O turismo estava
começando na região e surgiu esta situação da ilha como um lugar
sagrado e muitos iam lá cavar porque sempre teve essa paranoia de
que vão achar ouro. A população via esses lugares como lugares de
índios. Até mantinham um respeito pelo medo, porque viam luzes,
vultos. Isso na Ferrugem e na Ilha de Santana de Fora. Mas depois os
moleques já não tinham mais essa preocupação. Queriam saber o que
era exatamente aquilo lá, e começaram a ir lá futricar e estragar. Isso
aconteceu muito na região, os saques, e agora nós temos a
preocupação de guardar o que temos e o que possivelmente ainda
venha a aparecer, porque creio que ainda tem muita coisa.
(BINTENCOURT, depoimento ao autor, 2015).
A destruição do patrimônio arqueológico pré-colonial por parte dos pescadores
tradicionais, motivado pelo medo, segundo relatado pelo entrevistado, explica-se na
tradição luso-brasileira fundada no cristianismo católico e discutida por Velho (2006) e
Funari e Ferreira (2015). Importante ressaltar o fenômeno dos saques particulares
ligados à lenda de um tesouro escondido, que nos foi relatada por muitos moradores da
região em conversas informais, e o fato da destruição perpassar gerações, os mais
antigos movidos pelo medo ou pela superstição, os mais jovens justamente pela
ausência deste medo e pela curiosidade.
4.1.3 Entrevistada: Maria Aparecida Ferreira32
Maria Aparecida Ferreira é natural de Imbituba e sempre residiu às margens da
Lagoa de Ibiraquera. É condutora ambiental formada pelo Instituto Federal de Santa
Catarina e guia turistas por trilhas da região. Tem importante envolvimento com os
movimentos comunitários. Foi conselheira da Área de Proteção (APA) da Baleia
Franca, participou ativamente do Fórum da Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera e do
32
A entrevista foi realizada em 13 de janeiro de 2016 na residência da filha da entrevistada, localizada no
Bairro Ibiraquera, em Imbituba.
105
grupo de trabalho que discute a instalação de um Reserva Extrativista (RESEX) de
Pesca Artesanal de Ibiraquera. Desde a infância mantém forte apego com a região, que
no seu caso inclui a Lagoa de Ibiraquera, a Praia do Rosa (ambas em Imbituba) e a Praia
da Ferrugem (Garopaba). Seu conhecimento formal a respeito dos vestígios
arqueológicos e sua discussão sobre os efeitos do turismo na região aprofundaram-se a
partir do seu envolvimento com a APA e com o Fórum da Agenda 21, instituídos em
2000. Relata que, quando criança, o mar era visto por ela e pelos demais moradores da
região como local de sobrevivência onde se pescava o alimento, e que na sua juventude,
com a chegada dos turistas à região, passou a servir também para o lazer, “foi aí que a
gente começou a usar a praia para tomar banho, para se bronzear, para passear, para
namorar” (FERREIRA, depoimento ao autor, 2016).
O primeiro contato da entrevistada com as oficinas líticas da Praia do Rosa ocorre
ainda na infância, quando frequentava as pedras para recolher mariscos. Em seu
depoimento, relata esta experiência, explica como ela e seus conhecidos interpretavam
as marcas nas pedras e sua preocupação com a perda da identidade cultural local.
Sobre as oficinas líticas, antes de nos envolvermos com a APA,
sabíamos pouco. Sabíamos da nossa forma, que aquelas eram marcas
dos nossos antepassados, dos índios. Mas não tinha este nome
reconhecido, oficina lítica. A gente não tinha relação com o IPHAN,
não tínhamos discutido em comunidade sobre a situação. Eram lugares
que a gente via como lendas, como sagrados, com certo respeito
porque ali havia tido vidas antepassadas às nossas e que ali deixaram
seus vestígios. Era nessas pedras que a gente ia tirar marisco, e víamos
que aquelas marcas não eram feitas pela natureza, mas sim por
pessoas. Eu era muito curiosa e perguntava para a minha mãe, para o
meu pai, e eles diziam: ‘isso era dos índios, era onde eles moravam,
eles afiavam suas facas aí’. (FERREIRA, depoimento ao autor, 2016).
O depoimento da entrevistada revela também de que modo a comunidade valorou
simbolicamente a oficina lítica existente na Praia do Rosa, transformando-a em uma
referência para a Reserva Extrativista cuja criação estava sendo discutida, e a
importância que estes vestígios passam a ter nas disputas territoriais, ao ponto de serem
vandalizadas porque passaram a representar um marco identitário.
Seu Anastácio já chamava a atenção para a perda cultural, para a perda
das espécies. Seu Anastácio é o patriarca, o mestre de pesca mais
antigo do Rosa Sul. Ele falava dos nossos sambaquianos. E com o
Fórum da Agenda 21 ficando forte, a APA veio junto com uma nova
gestão, que fazia com que a comunidade se envolvesse na gestão. Foi
um chão aberto para que a gente aprendesse várias coisas. Dentro do
Conselho da APA conhecemos o IPHAN. Vendo o pessoal do Farol
106
de Santa Marta lutar por uma RESEX de Pesca Artesanal, pensamos
em propor estudos para ver se a gente merecia outra unidade de
conservação além da APA para proteger a pesca artesanal e suas
culturas. E os estudos comprovaram que sim. Começamos a demarcar
a área que a gente queria para a RESEX, e depois de muito
estudarmos, concluímos que só queríamos a área marinha. A lâmina
de água pegava todos os corredores de costões, pegava toda a área de
Marinha e pegava aquelas oficinas líticas do Rosa. A luta da RESEX
foi muito forte no Rosa, principalmente no Rancho do Seu Anastácio,
onde aconteceu a primeira reunião sobre as RESEX, e o Seu
Anastácio começou a mostrar as oficinas líticas para todo mundo e a
dizer que ali era o marco. O GPS bateu exatamente na ‘Pedra da
Dedada’, como a gente chama uma pedra que tem as marcas de
afiadores bem fortes, e ela faz a imagem de uma mão. Seu Anastácio
dizia que era a mão de Deus que tinha passado por ali. Ele tem
também uma história romântica que conta que ali era a pedra onde ele
encontrava com as namoradas. Então ela era forte para a luta da
RESEX, e o GPS bateu que o limite da RESEX era ali. E teve
enfrentamento contra a nossa proposta. Especuladores imobiliários
ficaram sabendo que a RESEX iria dar uma autonomia de gestão para
nós. Uma gestão local. E virou uma briga ferrenha contra nós que
estávamos propondo a ideia. Começaram várias perseguições.
Começaram a dizer que era uma forma de tirar a terra das pessoas. E
as pessoas começaram a ter um enfrentamento muito grande contra a
gente. E tudo o que se referia à RESEX virou alvo de bandidagem, e
infelizmente a oficina lítica foi uma delas. Um dia a gente saiu de uma
reunião bem forte no Salão Paroquial de Ibiraquera. No outro dia pela
manhã fomos até a Pedra da Dedada e eles tinham cimentado toda a
marca da oficina lítica. Ela é uma das mais fortes aqui da região. Tem
muitas, mas aquela é muito forte e tem todo um significado. A gente
bateu foto e disse, ‘vamos denunciar em todos os órgãos’. E a gente
fez a denúncia no Ministério Público, IPHAN, Colônia de Pescadores,
APA, IBAMA, prefeituras. O IPHAN veio e verificou que o tempo
iria se encarregar de salvar a Pedra da Dedada. O Seu Anastácio já
dizia, ‘o tempo vai tirar, aquilo é um corpo estranho na pedra e ela vai
expulsar’. Isso deve ter sido em 2007 ou 2008. Em poucos meses saiu
tudo. Parece uma coisa milagrosa. Também foram colocadas placas,
que depois de um tempo foram arrancadas. Elas eram de metal. Teve
gente que disse que elas foram tiradas porque davam reflexo no mar e
prejudicavam a pesca. Mentira. A gente vê que foi uma afronta ao
grupo da RESEX, que se concentrava mais ali, no Rancho do Seu
Anastácio, porque eles sabiam o quanto a gente valorizava as oficinas
líticas. (...) Às vezes tenho medo, se sinalizar vai cuidar ou vai
deteriorar? Sabe? Tenho medo! Às vezes as coisas são mapeadas para
uma boa intenção e viram uma afronta para as pessoas que são contra
as nossas lutas. Talvez se a Pedra da Dedada nunca fosse valorizada
por nós, talvez não tivesse sofrido o que sofreu. (FERREIRA,
depoimento ao autor, 2016).
O ato de vandalismo da ‘“Pedra da Dedada” narrado pela entrevistada mostra
como um vestígio arqueológico pode ser significado por uma comunidade local e
integrar sua identidade enquanto marco simbólico e, ao mesmo tempo, relacionar-se às
disputas territoriais. Cobrir a oficina lítica com cimento, neste caso, significou atacar
107
um patrimônio reconhecido por um grupo e por ele valorado simbolicamente para
atingir as pessoas e uma causa política, justamente porque este sítio possui aquilo que
Dabezies (2011) entende como reconhecimento social. A disputa em torno da ‘Pedra da
Dedada’ mostra também a disputa inerente ao processo de patrimonialização, que
encara os vestígios arqueológicos “como socialmente construídos e contestados, em
termos culturais, antes que como portadores de significados inerentes e a-históricos,
inspiradores, pois, de reflexões, mais do que de admiração” (FUNARI e FERREIRA,
2015, p. 136).
A entrevistada também narra outros atos de vandalismo à oficina lítica do Rosa
Sul, como a remoção de pedras para compor um futuro museu na região.
É um lugar sagrado, natural, feito ali. Sou contra esses museus que
ficam pegando essas coisas e deixam lá, exposto para as pessoas olhar.
Se o lugar vai ser deteriorado, tudo bem, salva-se e se faz um lugar
para guardá-las. Mas se o lugar está lá, vivo, por que tirar as coisas de
lá para colocar dentro de um galpão? Eu não vejo muito sentido! A
gente começa a perder este patrimônio, porque vai sendo mexido, vai
sendo tirado do lugar. (FERREIRA, depoimento ao autor, 2016).
Bastos defende que o patrimônio arqueológico “deve ser sempre um bem de
alcance social, e sua apropriação e seu sentimento de ‘pertença’, todavia deverá ser
sempre o elemento mais importante no processo de preservação” (BASTOS, 2008, p.
11). O que a entrevistada critica nesta sua fala diz respeito a uma tradição autoritária da
arqueologia brasileira que vem se modificando desde a democratização política do país
(BUENO, 2011; FUNARI, MANZATO e ALFONSO, 2013) e que tinha por prática
retirar das comunidades os vestígios arqueológicos considerados significativos para
transferi-los a laboratórios e museus nos quais a própria comunidade se via
representada.
O reconhecimento por parte de uma parcela da comunidade local de que a oficina
lítica da Praia do Rosa representava um patrimônio comum a ser preservado e as
disputas em torno deste patrimônio, inscrevendo-o no contexto da constituição do
território da Reserva Extrativista, agregou aos vestígios arqueológicos ainda maior valor
simbólico, inclusive na atividade turística de base local desenvolvida pela entrevistada,
principalmente em sua atuação como condutora ambiental.
Como teve todo esse histórico de vandalismo, isso valorizou muito
aquele lugar. Então, nas minhas conduções, sempre passo lá, conto
toda a história. O Seu Anastácio contou a história dele do namoro
naquela pedra. As pessoas se emocionaram, as pessoas choraram, as
108
pessoas queriam ir lá alisar a pedra, ver de perto, tirar foto. Eu vejo o
quanto as pessoas ficam maravilhadas com aquilo. E muitos passam
por ali e não sabem de nada. Nem sabem que tem condutores
ambientais que conhecem aquela história. Na maioria das vezes as
pessoas vêm e vão deste lugar sem conhecer nada sobre ele. Então as
oficinas líticas agregam valor nas conduções, agregam valor ao nosso
turismo, o de Base Comunitária, o turismo sério, o turismo que não é
só mar, surf, sol e balada. Vai agregar outro tipo de turismo. Tem
vários lugares assim, além deste. O poço das mulheres que fica do
ladinho da Pedra da Dedada, uma piscina natural no meio do costão
onde o mar entra e represa a água. É chamado de poço das mulheres
porque ali elas tiravam marisco e tomavam banho. É lindo contar essa
história para as pessoas! Quando o SEBRAE esteve aqui e fizemos os
roteiros, eu conduzi pousadeiros que estão aqui há 21, 25 anos, e eles
não sabiam esta história, nem conheciam os sambaquis, as oficinas
líticas. Ficaram bobos quando contei! A ignorância é muito grande!
No Rosa, no Ouvidor, na Ferrugem, em todos os nossos costões tem
oficinas líticas. Falta mapear. Agora, no plano de manejo da APA está
se pensando em fazer isso. Inclusive, tem poucos estudos!
(FERREIRA, depoimento ao autor, 2016).
O depoimento da entrevistada remete a questões ouvidas nas entrevistas
anteriores, tais como a falta de estudos que possam promover a interpretação cultural
dos vestígios, o desconhecimentos dos moradores da região (inclusive dos próprios
operadores do trade turístico, como é o caso dos pousadeiros citados) e a vandalização
dos sítios arqueológicos. A partir da sua experiência pessoal como condutora ambiental,
a entrevistada compreende que o patrimônio agrega valor ao turismo de base local
quando inserido como atrativo nas trilhas e interpretado culturalmente para os turistas.
4.1.4 Considerações gerais
Os três entrevistados concordam que os vestígios arqueológicos existentes na
região podem servir como atrativos para um turismo mais qualificado na região, bem
como comungam da preocupação de que estes vestígios sejam respeitados e que sua
transformação em atrativos não esvazie o significado que possuem para o território.
Entretanto, os entrevistados divergem quanto à forma como estes atrativos devem ser
explorados e ao público a que poderiam ser apresentados. Bintencourt defende a
perspectiva de um turismo pedagógico, onde o público alvo seriam pesquisadores e
estudantes interessados em compreender a ocupação pré-colonial da região. Já Castilho
Neto defende um turismo arqueológico que incorpore Garopaba em roteiros que
envolvam os principais locais onde se desenvolve o arqueoturismo na América, como
Machu Pichu por exemplo. Sua defesa parte da tese de que os povos que produziram os
109
vestígios arqueológicos de Garopaba mantinham relações com antigas civilizações
americanas, como os Incas. Cabe ressaltar que esta tese, embora defendida por muitos
interessados em arqueologia, não é objeto das pesquisas acadêmicas que investigam a
ocupação pretérita do litoral centro-sul de Santa Catarina que consultamos. Bintencourt
também levanta esta tese em seu depoimento, porém na condição de possibilidade que
necessita ser melhor investigada. Por fim, Ferreira entende que os vestígios
arqueológicos são importantes atrativos para turistas que buscam conhecer melhor o
território, especialmente turistas interessados no turismo de base local, no ecoturismo e
no turismo cultural.
Há consenso entre os entrevistados a respeito do desconhecimento dos vestígios
arqueológicos por parcela importante da população local. Os entrevistados também
relatam casos de destruição de sítios arqueológicos, seja por razões de fé e de comércio
de artefatos arqueológicos, conforme apontado por Bintencourt, seja por razões
econômicas e ideológicas, conforme apontado por Ferreira. Do depoimento de Ferreira
é possível depreender que a Oficina Lítica da Praia do Rosa é apropriada como
elemento constituidor de identidade para um grupo de moradores da Praia do Rosa e da
Lagoa de Ibiraquera que defendem a instalação de uma reserva extrativista na região.
Esta apropriação enquanto elemento constituidor de identidade tornou a oficina lítica
alvo de vandalismo cujo objetivo era atingir as lideranças do movimento que propunha
a criação da reserva extrativista.
Os entrevistados manifestam dúvidas sobre a efetividade da sinalização dos sítios
arqueológicos para sua preservação. Temem que a sinalização dos sítios possa despertar
o interesse de pessoas que não compreendem sua importância história e cultural para o
território, contribuindo para sua vandalização. Informam situações nas quais esta
sinalização existia e as placas foram destruídas, em alguns casos por moradores locais,
conforme relato de Ferreira.
Cabe ressaltar que a existência de um movimento de arqueólogos amadores,
citado por Castilho Neto e Bintencourt, e as ações em torno da proteção e recuperação
da oficina lítica do Canto Sul da Praia da Rosa, são indicativos de que, ainda que pouco
conhecidos e reconhecidos pela população local, os vestígios arqueológicos pré-
coloniais de Garopaba e da Praia do Rosa vêm sendo reivindicados por grupos locais
como importantes marcos culturais do território, a respeito dos quais são necessários
maiores estudos e cuidados protetivos. Para Castilho Neto e Ferreira, inclusive, estes
vestígios podem servir como atrativos a um turismo qualificado na região.
110
4.2 A percepção dos grupos de Condutores Ambientais Locais
A profissão de Condutor Ambiental Local foi regulamentada em 2008, e o
registro dos profissionais ocorre em nível de município ou unidade de conservação
mediante formação específica. Sua função é conduzir visitantes em sítios naturais,
promovendo sua interpretação ambiental e cultural. Diferentemente de outros
profissionais do trade turístico, o condutor ambiental local geralmente possui forte
ligação com o território em que exerce sua atividade profissional.
O condutor é preferencialmente um integrante do entorno ou da
localidade onde atua, um “nativo”, apresentando conhecimentos
vivenciais do meio biológico e cultural do que interpreta, o que o
difere dos demais sujeitos do “mercado” turístico. Muitos condutores
ambientais são “mateiros”, extrativistas, pescadores ou ex-caçadores.
Ao ser um membro da comunidade e um retrato da cultura local, o
condutor em si também pode ser visto como um atrativo turístico,
promotor de um intercâmbio cultural. Programas de turismo de base
comunitária podem vislumbrar nos condutores locais perspectivas de
sua concretização – atualmente muito idealizada, mas ainda pouco
concebida. (RIBAS e HICKENBICK, 2012, p. 147).
Em Garopaba e Imbituba há condutores ambientais registrados e organizados em
coletivos e exercendo a profissão, a maior parte deles formados pelo Instituto Federal de
Santa Catarina (IF-SC). Dadas as características da sua atuação profissional e sua
vinculação com o território, aplicamos com os grupos identificados um questionário
com questões fechadas de múltipla escolha a respeito do patrimônio arqueológico e as
possibilidades do turismo arqueológico na região. Os questionários foram entregues a
um representante de cada grupo de condutores no transcorrer do segundo semestre de
2015.
111
Questões
Empresa / Grupo / Coletivo
ACAIG Vidamar Taiá Terra
Garopaba
Mountain
Bike Tours
Quantidade de profissionais
envolvidos 4 3 a 6 16 1
Municípios de atuação Garopaba e
Imbituba Garopaba
Garopaba e
Imbituba
Garopaba,
Imbituba e
Imaruí
Segmento turístico em que
atua
Atrativos
naturais e
culturais
Ecoturismo,
Turismo
Pedagógico
Turismo de
Base
Comunitária,
Ecoturismo
Cicloturismo
Ano de criação/fundação 2013 2003 2012 2014
Quadro 7: Identificação das empresas/grupos/coletivos de condutores
O primeiro conjunto de questões (Quadro 7) busca traçar um perfil dos grupos de
condutores. Foram identificados quatro grupos atuando profissionalmente na região:
ACAIG, Vidamar, Taiá Terra e Garopaba Moutain Bike Tours33
. Sua organização é
recente (exceto Vidamar) e juntos empregam entre 24 e 30 pessoas. Na segmentação
turística, identificam sua atuação no ecoturismo, turismo de base comunitária, turismo
pedagógico e cicloturismo. Caracterizam-se, portanto, como grupos que buscam atuar
na perspectiva do turismo comunitário.
(...) o turismo comunitário é pensado como projeto de
desenvolvimento territorial sistêmico (sustentável), a partir da própria
comunidade (...). Esse projeto promove, entre outras coisas (...) a
convivencialidade entre população originária, visitante e residentes
(...), incrustada em um arranjo socioprodutivo de base comunitária,
fomentando a relação social entre modos de vida distintos, na qual
congregam os conhecimentos formal e tradicional e que, na sua
essência, supera a mera relação de negócio (baseada na maximização
do ganho individual), resgatando e reconstruindo o interesse pelo
outro, pelo diferente, pela alteridade, pelo autêntico, enfim, pela
interconectividade entre os sistemas sociais e ecológicos (...).
(SAMPAIO, 2010, p. 72).
33
Garopaba Mountain Bike Tours é um Microempreendedor Individual (MEI) e não possui registro de
condutor ambiental. Entretanto, a empresa foi considerada nesta pesquisa no contexto dos grupos de
condução ambiental por se tratar de morador local que conduz visitantes por trilhas localizadas em sítios
naturais, aliando turismo de aventura com interpretação ambiental e cultural e atuando na perspectiva do
turismo de base local.
112
Questões
Empresa / Grupo / Coletivo
ACAIG Vidamar Taiá
Terra
Garopaba
Mountain
Bike Tours
Há sítios/vestígios pré-
coloniais nas trilhas utilizadas Sim Sim Sim Sim
Tipo de sítio/vestígio
identificado
Sambaqui,
oficina lítica,
cerâmica,
inscrições
rupestres
Vestígio de
aldeamento
indígena
Sambaqui,
oficina
lítica,
cerâmica,
inscrições
rupestres
Sambaqui,
oficina lítica,
inscrições
rupestres
Condições de acessibilidade Razoável Razoável Razoável Razoável
Quadro 8: Reconhecimento de sítios e vestígios arqueológicos pelas
empresas/grupos/coletivos de condutores
O segundo conjunto de questões (Quadro 8) diz respeito à identificação de sítios
e/ou vestígios arqueológicos pré-coloniais nas trilhas exploradas turisticamente pelos
grupos de condutores ambientais. Todos os grupos identificaram sítios/vestígios
arqueológicos nas trilhas utilizadas em condições razoáveis de acessibilidade.
Predominam os sítios/vestígios tipificados como sambaqui, oficina lítica, inscrição
rupestre e cerâmicos. O grupo Vidamar acusou a existência de vestígio de aldeamento
indígena no município de Garopaba. No Quadro 10 estão relacionados os sítios que
cada grupo indicou com maior potencial para o turismo arqueológico. Alguns dos sítios
arqueológicos indicados estão registrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos
(CNSA/SGPA), ainda que com nomes diferentes, outros não. A indicação dos grupos de
condutores será considerada na valoração do patrimônio arqueológico desenvolvida
neste trabalho.34
34
As oficinas líticas da Praia Vermelha e da Praia do Ouvidor, indicadas pelos grupos de condutores, não
apresentaram condições de acessibilidade ao pesquisador e por isso não foi possível analisá-las na
valoração do patrimônio arqueológico.
113
Questões
Empresa / Grupo / Coletivo
ACAIG Vidamar Taiá
Terra
Garopaba
Mountain
Bike Tours
Há potencial turístico nos
sítios/vestígios pré-coloniais
existentes
Sim Sim Sim Sim
O turismo arqueológico é
potencialmente interessante
para o perfil do público com
que trabalha
Não Sim Sim Sim
O turismo arqueológico é
potencialmente viável na
região
Sim Não Sim Sim
Quadro 9: Potencial do turismo arqueológico na região de atuação.
O terceiro conjunto de questões (Quadro 9) diz respeito ao potencial dos sítios
e/ou vestígios para o turismo arqueológico na percepção dos grupos de condutores
ambientais ouvidos. Todos os grupos reconhecem que há potencial turístico nos
sítios/vestígios arqueológicos pré-coloniais existentes. Vidamar, Taiá Terra e Garopaba
Mountain Bike entendem também que o turismo arqueológico é potencialmente
interessante para o perfil de público com que trabalham. ACAIG avalia que o turismo
arqueológico não é potencialmente interessante para seu público. Ainda assim, ACAIG
compartilha com Taiá Terra e Garopaba Mountain Bike da avaliação de que o turismo
arqueológico é potencialmente viável na região, diferentemente de Vidamar, que
justificou sua resposta na falta de interesse dos moradores locais em preservar e
reconhecer a importância dos vestígios arqueológicos para a economia.
Como principais dificuldades para o desenvolvimento do turismo arqueológico
nos municípios de atuação os grupos apontaram (Quadro 10) a dificuldade de acesso, o
estado de conservação das trilhas e dos vestígios e sua vandalização, a especulação
imobiliária, o descaso e a falta de planejamento público, ausência de divulgação e falta
de compreensão da comunidade em relação ao potencial do ecoturismo e do turismo
pedagógico.
114
Empresa/ Grupo/
Coletivo
Sítios que considera possuir
maior potencial turístico
Dificuldades para o
desenvolvimento do turismo
arqueológico no território
de atuação
ACAIG
- Ponta do Galeão
- Oficina lítica da Ferrugem
- Praia da Vigia
- Casqueiro do Costão de
Garopaba
- Acesso
- Conservação dos sítios
- Vandalismo
- Falta de planejamento
público
Vidamar - Trilha no Ambrósio
- Especulação imobiliária
- Falta de compreensão da
comunidade a respeito da
viabilidade do turismo
ecológico e pedagógico
Taiá Terra
- Sambaqui da Praia do Luz
- Oficina lítica na Praia do
Rosa
- Oficina lítica Praia
Vermelha
- Oficina lítica Praia do
Ouvidor
- Oficina lítica do Morro do
Índio (Ferrugem)
- Oficina lítica da Praia da
Vigia
- Inscrições rupestres na trilha
da Vigia ao Silveira
- Vestígios de Cerâmica nas
Dunas da Ribanceira
- Vestígios de Cerâmica nas
Dunas de Itapirubá
- Acesso
- Manutenção das trilhas
- Descaso do poder público
com os sítios
Garopaba Mountain
Bike Tours
- Oficina lítica da Ponta do
Ouvidor
- Oficina lítica do Morro da
Barra (Ferrugem)
- Oficina lítica da Praia da
Vigia
- Inscrições rupestres e
esfinge na Ponta do Galeão
- Divulgação e Marketing
Quadro 10: Sítios arqueológicos com potencial para o turismo arqueológico e
dificuldades atuais para sua aplicação
De modo geral, os grupos de condutores ambientais locais ouvidos nesta pesquisa
têm a percepção de que a região possui potencial para o turismo arqueológico,
considerando os sítios e vestígios arqueológicos existentes, seu estado de conservação e
acesso e o perfil dos visitantes atendidos. Por outro lado, apontam problemas na
115
conservação do patrimônio arqueológico, responsabilizam o poder público e denunciam
a vandalização deste patrimônio.
4.3 A perspectiva do Poder Público Municipal
Partindo da premissa de que a configuração de uma região tem base territorial
(GOMES, 1995) e que o território é resultado de uma construção social dinâmica,
coletiva, conflituosa, multidimensional e multiescalar (BRANDÃO, 2004), nesta
pesquisa entrevistamos, na condição de atores locais, representantes do poder público
dos três municípios pesquisados.
Optamos por entrevistar os secretários municipais de turismo, cientes de que a
discussão do turismo arqueológico envolve diferentes escalas, especialmente as três
esferas do Estado, dado o fato dos sítios arqueológicos constituírem patrimônio da
União.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com o propósito de conhecermos o
contexto do turismo em cada um dos municípios, as prioridades de investimento do
poder público neste setor e as dificuldades encontradas, se há interesse na segmentação
turística e quais as propostas para a promoção turística dos municípios na baixa
temporada, bem como compreendermos o nível de reconhecimento e de interesse que o
poder público manifesta em relação ao patrimônio arqueológico do seu município e seu
aproveitamento na economia.
4.3.1 Entrevistado: Paulo Sefton, Secretário de Turismo, Esporte e Cultura de
Imbituba.35
O município de Imbituba não possui uma secretaria específica para o turismo. A
pasta é compartilhada com as de esporte e de cultura. Seu Secretário é Paulo Sefton, que
ocupa o cargo desde fevereiro de 2015, após um período de dois meses em que a pasta
ficou sem titular. Sefton já ocupara o cargo de Secretário de Turismo em 1997,
momento em que foi criada a Semana Nacional da Baleia Franca, um evento que,
segundo o entrevistado, teve inspiração na Oktoberfest de Blumenau (SC) no sentido de
servir como um evento âncora para o turismo municipal.
35
A entrevista foi realizada em 09 de julho de 2015 no gabinete da Secretaria Municipal de Turismo,
Esporte e Cultura de Imbituba.
116
Ao ser questionado a respeito da representatividade do turismo na economia do
município, o entrevistado reconhece tratar-se de uma atividade importante mas que o
poder público não dispõe de números do setor para quantificar sua representatividade na
economia. A falta de dados ocorre, segundo Sefton, pela grande informalidade dos
estabelecimentos relacionados ao turismo em Imbituba, principalmente nos bairros da
Ibiraquera e Praia do Rosa.
Na entrevista assume protagonismo a presença do SEBRAE através do Projeto de
Fortalecimento do Turismo de Observação de Baleias. O projeto envolve os municípios
de Garopaba, Imbituba e Laguna e é gerido por um Comitê Gestor que busca construir
um modelo de governança envolvendo diferentes atores do território, dentre eles os
poderes públicos municipais. Ao ser questionado sobre a existência de roteiros que
atendam diferentes segmentos turísticos no município, Sefton remete-se ao trabalho que
está sendo desenvolvido pelo Comitê Gestor no projeto proposto pelo SEBRAE.
Nós temos um projeto do SEBRAE, de fortalecimento do turismo de
observação de baleias, com uma verba e estamos pensando em criar
estes roteiros. Mas sempre trabalhando a região, ou seja, no mínimo
envolver Garopaba, Imbituba e Laguna. Traçar um roteiro e trabalhar
outras alternativas além da observação de baleias é de suma
importância. E um ponto a ser tratado por nós aqui é a questão do
turismo embarcado, que está embargado. Então existe o anseio de
parte da sociedade de liberar, mas é um processo pesado porque foi
feita uma denúncia muito bem estruturada pela ONG Sea Sheperd.
Tenho a expectativa de que logo a gente consiga ordenar esse turismo
embargado. Independente disso, tem todo o aspecto do turismo de
observação terrestre, que é importante, porque tu não ficas só em um
turismo que é elitizado. O turismo de observação embarcado é caro e é
para turista europeu, americano, canadense, que é o perfil que a gente
viu ao longo dos anos em que este turismo aconteceu. Tem uma
proposta do pessoal do Rosa de fazer um turismo de observação com
bicicletas. Então tem que definir os roteiros. Com certeza, além do
turismo de observação de baleias, tem várias outras opções turísticas
em Imbituba, como a pesca da tainha, a cultura açoriana, o esporte.
Acho que esse turismo esportivo na baixa temporada pode alavancar
uma melhora do turismo na baixa temporada. (SEFTON, depoimento
ao autor, 2015).
O embargo ao turismo embarcado de observação de baleias mencionado por
Sefton foi o principal fator de mobilização do projeto apresentado pelo SEBRAE. Em
paralelo ao turismo embarcado, apresenta-se o turismo de observação terrestre citado
pelo entrevistado, que acontece em trilhas e possui uma proposta de base local. O
turismo de observação é apontado por ele como a principal alternativa turística para a
117
baixa temporada na região, juntamente com os eventos esportivos, especialmente
aqueles ligados às modalidades aquáticas (surf, kitesurfe, stand up paddle e windsurfe).
O projeto de fortalecimento do turismo de observação de baleias propôs também
uma nova escala na divisão regional – uma nova escala de representação social,
considerando o conceito de Marques e Dias (2003) – envolvendo Garopaba e Laguna
além de Imbituba, que passa a tratar estes municípios como preferenciais em seu
planejamento turístico a partir de uma perspectiva de desenvolvimento turístico
integrado.
Laguna é considerado um polo indutor. Acho que este turismo
integrado faz parte. Se a gente conseguisse manter um bom apelo para
que o turista ficasse dois ou três dias em Laguna, visitando o Farol de
Santa Marta, o Museu de Anita, os prédios históricos e vendo os
botos, que é o que mais chama a atenção! O boto e a baleia franca têm
a mesma importância. O convívio do boto com o pescador é de suma
importância para desenvolver esse turismo integrado. Em Imbituba a
gente tem a Praia do Rosa e da Praia da Vila com o cenário do surf e
da baleia. Garopaba tem toda outra característica, que é a vila dos
pescadores, aquela história romântica que ela tem, a igreja do Centro,
que precisa ser recuperada. Então acho que se o turista vem do sul,
chega por Laguna, fica dois ou três dias por lá e tiver um roteiro bem
estruturado por nós, aonde ele venha passar mais dois ou três dias em
Imbituba e daqui vá para Garopaba, onde passa mais dois ou três dias,
a gente consegue manter este turista por um tempo muito maior com
inúmeras opções, inclusive na baixa temporada. (SEFTON,
depoimento ao autor, 2015).
Depreende-se da fala de Sefton que a Prefeitura de Imbituba busca alternativas
que possam motivar o turismo na cidade durante a baixa temporada, sendo que estas
alternativas devem ser encontradas no âmbito da região que o projeto do SEBRAE
propõe. Quanto aos atrativos, o foco está nos recursos naturais e, especialmente, na
facilidade de avistamento de baleias em Imbituba.
Além dos atrativos já mencionados, desde 2014 há a publicização pela imprensa
do projeto de construção de um santuário e uma estátua de Madre Paulina com 46,5
metros de altura no alto do Morro do Mirim, em Imbituba. A construção do santuário e
da estátua apresentam para a cidade a perspectiva do turismo religioso. Apesar do
projeto contar com o apoio do poder público municipal, a fala do entrevistado mostra
não se tratar de uma prioridade no planejamento turístico da cidade e compreende que o
turismo religioso possui baixa capacidade de fixar o turista na cidade por um período
superior a um dia.
118
A gente sabe que o turismo religioso difere um pouco do turismo que,
por exemplo, está proposto pela Praia do Rosa ou por Garopaba ou
por Laguna. E o turista do turismo religioso é um turista rápido,
geralmente romeiros. Então eles passam pelo município. Mas não quer
dizer que não seja um segmento que precisa ser construído e
desenvolvido. Porém a gente já tem recursos naturais que podem ser
bem explorados, bem protegidos e bem estruturados suficientes para
desenvolver um turismo de qualidade. Então acho que a prioridade é
dar infraestrutura nas praias e nos pontos turísticos naturais.
(SEFTON, depoimento ao autor, 2015).
Durante a entrevista não houve menção espontânea do entrevistado à existência de
sítios ou vestígios arqueológicos que se enquadrassem como atrativos turísticos. No
âmbito do patrimônio cultural, as principais menções citavam o Museu da Baleia, recém
inaugurado, e o projeto de restauro do prédio da antiga usina termelétrica. Ao
questionarmos a respeito dos vestígios arqueológicos existentes no município, Sefton
demonstra conhecimento da existência dos sítios e informa sobre um projeto para o
ordenamento de uso do Sambaqui da Barra da Lagoa da Ibiraquera. Entretanto, não há
na fala do entrevistado indicativos do poder público municipal para um turismo
arqueológico na cidade.
Há muito tempo atrás encontrávamos placas do IPHAN espalhadas
por todo o município. Na frente da Ilha do Batuta, na Barra, tem um
sambaqui que está todo detonado. Tem um projeto bacana de
revitalização Barra – Luz feito por um arquiteto argentino que estou
submetendo à APA, para ver se conseguimos implementar. Lá sempre
teve uma placa do IPHAN, de madeira, e ficou lá uns quinze anos.
Depois nunca mais teve placa do IPHAN. É um sambaqui importante
e está sendo pisoteado. Não é crítica, mas na época da tainha os
pescadores constroem dois barracos para observação e eles ficam
rodeados de lixo, os caminhos estão fundos. No projeto há uma
escadaria e uma passarela com madeira tratada que passaria por um
único trecho e impediria buggys e motos de subirem o sambaqui.
Haveria uma área definida para estacionamento e banheiros químicos
durante a temporada, o disciplinamento de veículos e o cercamento
das dunas. A preocupação é preservar o sambaqui e tirar os carros da
praia. (SEFTON, depoimento ao autor, 2015).
Ainda que demonstre preocupação com a preservação do patrimônio arqueológico
existente na Barra da Lagoa da Ibiraquera, o relato do entrevistado mostra que o projeto
busca o ordenamento do uso da praia e percebe o sambaqui como um mirante. Não se
trata, assim, de uma proposta que valoriza e interpreta o patrimônio arqueológico
existente, embora possa contribuir para mitigar a destruição do sambaqui.
119
4.3.2 Entrevistado: Fernando Ambrósio, Secretário de Turismo, Esporte e
Desenvolvimento de Garopaba.36
O município de Garopaba não possui uma secretaria específica para o turismo. A
pasta é compartilhada com as de esporte e de desenvolvimento. Seu Secretário é
Fernando Ambrósio, que ocupa o cargo desde 2013.
Ambrósio percebe que o número de turistas em Garopaba vem aumentando a cada
ano e que boa parte deles é proveniente da região Sul do Brasil, principalmente do Rio
Grande do Sul. Acredita que esta tendência de crescimento se manterá em função das
facilidades que o brasileiro dispõe para viajar e da conclusão da ponte em Laguna
(Ponte Anita Garibaldi), que facilitou o acesso a Garopaba pela rodovia BR 101 – Sul.
Por outro lado o entrevistado avalia que a qualidade do turista que busca a cidade foi se
modificando, sem entretanto definir o que seria um bom turista e um mau turista.
Segundo ele, o turismo atualmente é a principal atividade econômica do município.
Acredito que hoje a economia da cidade é voltada totalmente para o
turismo, direta e indiretamente. O que falta em Garopaba é algumas
pessoas entenderem essa situação, que a economia é turismo, que a
gente tem que respirar e falar de turismo em Garopaba. Nas décadas
de 70, 80, Garopaba recebia os melhores turistas do Brasil, e ao longo
dos anos isso veio se perdendo. E a gente se pergunta por que isso foi
se perdendo. Surgiram outros destinos melhores que Garopaba? Que
série de coisas aconteceu para termos este norte? De que forma isso
aconteceu? Então estas questões têm que ser analisadas. O turismo é o
foco. (AMBRÓSIO, depoimento ao autor, 2015).
O entrevistado reconhece o problema da disparidade existente entre a alta
temporada e a baixa temporada, principalmente na sazonalidade da oferta de empregos.
Sugere que a prefeitura deveria destinar uma verba que pudesse ser dividida entre as
semanas da baixa temporada para ser aplicada na promoção de eventos com o objetivo
de atrair visitantes para a cidade durante todo o ano, e aposta no projeto do SEBRAE de
fortalecimento do turismo de observação de baleias para modificar esta realidade.
Acredita que a conjuntura atual do turismo em Garopaba é resultado da falta de
planejamento e argumenta que o atual Executivo municipal está procurando estabelecer
parcerias e projetos que modifiquem esta realidade, buscando promover um turismo de
base territorial a partir do fortalecimento dos aspectos culturais e ambientais e
formatando roteiros turísticos que possam ser disponibilizados no mercado. Identifica
36
A entrevista foi realizada em 23 de julho de 2015 no gabinete da Secretaria Municipal de Turismo,
Esporte e Desenvolvimento.
120
também a grande informalidade dos negócios relacionados ao turismo e dos roteiros
como um problema para consolidar os atrativos turísticos e divulgá-los nas agências.
No projeto do SEBRAE a gente vêm analisando várias formas de
mudar essa realidade. Este projeto do SEBRAE é focado no
ecoturismo, que é pouco explorado aqui na região, e temos um
potencial enorme. Não sei se o pessoal brincou de fazer turismo em
Garopaba. Tinha uma demanda, trabalhava-se em cima dela, abria-se
qualquer coisa. As pessoas abriram restaurantes, pousadas... viam um
negócio. Enxergando isso, a gente vêm fazendo um trabalho de base
com entidades que envolvem o turismo. Exemplos como o DTS,
desenvolvimento territorial sustentável, ao qual estamos ligados,
resgatando nossa cultura, dando a oportunidade das pessoas virem
para Garopaba e fazerem um turismo de experiência. Os roteiros já
estão formatados, falta embalar para colocar no mercado. Temos que
fazer estudos, como os de capacidade de carga. Os engenhos de
farinha que estamos tentando resgatar. Sabemos que não é só abrir as
portas e colocar o pessoal lá para dentro. Temos a APA, que vejo que
vem para somar, para contribuir. Estamos também com uma parceria
com o IF-SC para o inventário turístico. Nunca foi feito um inventário
turístico da cidade. São ações que estamos trabalhando nos últimos
três anos e vemos que está saindo do papel. Não é só divulgar a
cidade, a base tem que estar bem montada. (...) Na região existem
produtos atrativos e roteiros, mas é tudo muito informal. Não temos
um roteiro formatado que está no mercado para ser vendido. Essa
informalidade é a dificuldade que hoje a gente tem para colocar uma
agência especializada em trazer turistas para cá. (AMBRÓSIO,
depoimento ao autor, 2015).
Assim como no depoimento de Paulo Sefton, Secretário de Turismo, Esporte e
Cultura de Imbituba, também Fernando Ambrósio deposita muitas expectativas no
projeto de fortalecimento do turismo de observação de baleias, proposto pelo SEBRAE.
Para Ambrósio o projeto pode ativar o ecoturismo na região e promover um turismo que
integre a região, que em sua fala congrega os três municípios integrantes do Comitê
Gestor (Garopaba, Imbituba e Laguna).
A gente sabe que “baleia” é um produto com um nome muito forte.
Em nível de Brasil é algo que se enxerga com outros olhares e tem um
poder grande para a captação de recursos. O SEBRAE pensou no
projeto por ter uma visão de negócio e de potencial turístico muito
forte. Existe também a contrapartida dos municípios e do estado. O
projeto tem como ícone a baleia, mas a gente sabe que para o ícone ter
sucesso, depende de toda a base montada. E a gente está focando
realmente em ecoturismo. Porque uma trilha, um passeio de bike, os
esportes que envolvem a natureza, os botos e a pesca da tainha em
Laguna, sua questão cultural com as construções com óleo de baleia,
tudo isso vai nos impulsionar para chegar no ícone baleia. E para
acontecer a Indicação Geográfica, tu tens todo um contexto de
serviços que tem que estar bem focado e baseado na sustentabilidade.
O turismo embarcado é um braço do projeto, mas tem também o
121
turismo de observação por terra. (AMBRÓSIO, depoimento ao autor,
2015).
Ambrósio manifesta interesse no aproveitamento turístico dos vestígios
arqueológicos existentes no município, especialmente no trajeto de costa entre a Praia
da Vigia e a Praia do Silveira, para o qual possui o projeto do museu ao ar livre
proposto por Keler Lucas. Entretanto, alega que apesar de anualmente submeter o
projeto ao Governo Federal, este não contempla o projeto com recursos. Reconhece que
desconhece os caminhos junto ao IPHAN e demais órgãos da União para promover o
patrimônio arqueológico enquanto atrativo turístico, e que a falta de recursos é o
principal entrave para que o município consiga proteger e explorar turisticamente estes
vestígios.
Se fores olhar no Governo Federal, todos os anos cadastro projetos
voltados para o patrimônio arqueológico. A gente tem um potencial
gigante da Praia da Vigia à Praia do Silveira. Então temos o projeto de
um museu ao ar livre ali. Uma ideia que não é minha, é do Keler
Lucas. É um projeto caro. A ideia é fazer passarela com deque, com
locais para a observação da parte da arqueologia. Nós temos o projeto
para a captação dos recursos, com acessibilidade e tudo mais. A gente
vem pensando bastante nisso, mas sabemos da dificuldade de captação
dos recursos. É um projeto de aproximadamente 1,5 milhão. Acredito
que talvez o Governo Federal não enxergue isso da forma como
deveria para poder aplicar os recursos. O governo do estado também.
Já apresentei isso inúmeras vezes para ser algo que resgate toda uma
história, podendo se tornar um atrativo turístico, e o pessoal dá
preferência a outros produtos e esquece este. Não se dá a atenção
necessária para um produto tão valioso que a gente tem. A gente tem
um projeto de sinalização turística para Garopaba e estamos tomando
o cuidado de não colocar a sinalização direta para os sítios
arqueológicos, para o pessoal não ir lá e estragar. Porque a gente pode
estar sinalizando e o pessoal ir e destruir. Até chegar no ponto de
conseguirmos preservar realmente. Tenho dificuldade de encontrar a
porta. Talvez sejam entidades que estejam um pouco afastadas da
gente, e não conseguimos chegar nelas. (AMBRÓSIO, depoimento ao
autor, 2015).
A reclamação do entrevistado a respeito do tratamento dispensado pelo Governo
Federal e pelo Governo Estadual em relação ao projeto do museu ao ar livre, que propõe
explorar os vestígios arqueológicos da Praia da Vigia à do Silveira como atrativos
turísticos, expõe a as fragilidades de um processo de patrimonialização autoritário e
verticalizado que concentra os sítios arqueológicos na esfera federal. Para além da falta
de recursos, a falta de orientações de como o município pode lidar com o patrimônio
arqueológico existente em seu território se reflete, inclusive, no momento em que se
122
discute uma sinalização turística onde se evita sinalizar o sítio arqueológico mas, ao
mesmo tempo, indica sua existência.
4.3.3 Entrevistado: Agenor Garcia Felipe, Secretário da Indústria, Comércio e
Turismo de Imaruí.37
O município de Imaruí não possui uma secretaria específica para o turismo. A
pasta é compartilhada com as de indústria e de comércio. Seu secretário é Agenor
Garcia Felipe, que ocupa o cargo desde janeiro de 2015.
Felipe reconhece que apesar do potencial que possui, o turismo em Imaruí tem
pequena participação na economia do município e ainda há muito a se fazer para que a
atividade possa se consolidar. Segundo ele, a principal atividade econômica da cidade é
a pesqueira. Destaca também o cultivo do eucalipto, que direta e indiretamente ocupa
aproximadamente duas mil pessoas no plantio, na poda, nas serrarias e nas madeireiras.
Imaruí busca incentivar o turismo religioso a partir do Santuário da Beata
Albertina Berkenbrok e o turismo rural. Entretanto, segundo Felipe, o estado precário
das estradas, a possibilidade do município receber um presídio e a falta de infraestrutura
turística são os principais fatores que dificultam o crescimento desta atividade
econômica.
Nós achamos que a remoção do presídio de Florianópolis para Imaruí
não é viável para o turismo rural e religioso. Então fomos totalmente
contra. Por conta disso, temos a contrariedade do Governo do Estado,
sendo que os 50 quilômetros das rodovias estaduais que ligam Imaruí
a São Martinho e a Pescaria Brava são de estrada de chão e estão
precárias. Por conta de sermos contrários ao presídio, o Governo do
Estado negou todo o apoio para melhorar a estrada. Sem estrada fica
difícil de evoluir o turismo rural e o turismo religioso. (FELIPE,
depoimento ao autor, 2016).
O entrevistado avalia que Imaruí possui atrativos de qualidade para o turismo e
que a prefeitura municipal vem desenvolvendo um trabalho de divulgação da cidade e
capacitando a população para atuar no trade turístico, mas que necessita que a iniciativa
privada também perceba o potencial turístico local.
O turismo está caindo de maduro, mas o setor privado ainda não
descobriu o seu potencial. Nós estamos ajudando na questão de cursos
e divulgação. Se você for daqui até a terra do santuário, é um lugar
37
A entrevista foi realizada no dia 11 de janeiro de 2016 na sala de imprensa da Prefeitura Municipal de
Imaruí.
123
belíssimo, só falta investimento do setor privado e o apoio que
estamos lutando com o poder público. O primeiro acesso, de São
Martinho ao santuário de Albertina está asfaltado. Então quem vem de
Florianópolis não entra aqui. Este é um dos problemas que existe. Mas
aqui é uma região muito bonita. Se tivesse uma estrada adequada,
certamente melhoraria muito. Em Vargem do Cedro já descobriram o
turismo, e ele está indo muito bem. Aos pés da serra, por exemplo,
tem um restaurante que vende uma média de 300 almoços todos os
finais de semana. Aos poucos o turismo vai desenvolvendo, querendo
ou não querendo, vai crescer. E nós estamos dando o suporte de
acordo com nossas condições. Oferecemos cursos profissionalizantes
pelo PRONATEC, desde atendente, garçom, cozinheiro até artesanato.
Ajudamos com divulgação. Participamos de várias feiras, aonde
levamos os artesãos. Na festa de Passos a gente coloca tendas para
divulgar o que Imaruí faz, a farinha, a cachaça, o açúcar mascavo, a
renda de bilro e tantas outras coisas. Nós temos hoje como acolher
200 pessoas em pousadas. Temos cinco cachoeiras, quiosques.
Estamos nos preparando, mas ainda estamos engatinhando. Temos a
festa dos Passos, que reuniu 60 mil pessoas em dois dias de festa.
Acho que a única empresa de açúcar mascavo orgânico em toda
AMUREL é daqui. Pedro Raimundo38
é de Imaruí! (FELIPE,
depoimento ao autor, 2016).
O relato do entrevistado mostra que a atual infraestrutura turística de Imaruí é
escassa e que a discussão do turismo no âmbito do planejamento municipal ainda é
incipiente, sendo que atualmente, em função do acesso, os visitantes que buscam o
santuário da Beata Albertina Berkenbrok utilizam as vias do município vizinho de São
Martinho. O entrevistado ressaltou a grande quantidade de atrativos culturais e naturais
da cidade, destacando os alambiques, as cachoeiras e os produtos artesanais,
especialmente a renda de bilro.
A respeito dos sítios arqueológicos, Felipe conhece a existência de dois ou três,
cujo acesso também é precário e sobre os quais possui informações vagas. Informa que
há alguns anos o IPHAN visitou estes sítios e destes recolheu materiais.
4.3.4 Considerações gerais
O primeiro aspecto que chama a atenção nos depoimentos dos secretários
municipais é a falta de dados confiáveis a respeito do turismo em seus municípios,
38
Pedro Raimundo nasceu em Imaruí em 1906 e faleceu no Rio de Janeiro em 1973. Foi um compositor,
cantor, sanfoneiro e apresentador de programas de rádio. Segundo o Dicionário Cravo Albin da Música
Popular Brasileira, foi o primeiro artista do sul do Brasil a obter sucesso nacionalmente e foi um dos
maiores criadores de xote e músicas gaúchas alegres. Sempre se apresentava vestido com os trajes
tradicionais gauchescos, o que acabou influenciando Luiz Gonzaga a também adotar trajes tradicionais da
sua cultura nas apresentações musicais. (Fonte: Verbete Pedro Raimundo, Dicionário Cravo Albin da
Música Brasileira. Disponível em: <http://www.dicionariompb.com.br/pedro-raimundo> Acesso em
20/01/2016.).
124
condição fundamental para o planejamento da atividade turística, principalmente
quando esta se pretende sustentável. Também é possível observar que os projetos e
intenções para a promoção do turismo local dependem principalmente de ações
individuais, seja de empreendedores locais ou dos próprios secretários, do que de
políticas públicas.
Com exceção de Garopaba, que possui um projeto para o aproveitamento turístico
dos vestígios arqueológicos, Imbituba e Imaruí não consideram o turismo arqueológico
como possibilidade para o desenvolvimento do turismo sustentável na região. Cabe
ressaltar que no caso do município de Imaruí, o depoimento do secretário indica que,
apesar do reconhecimento da existência de atrativos naturais e religiosos, não há
significativos investimentos no planejamento turístico local por parte do poder público,
tampouco da iniciativa privada. Já Garopaba e Imbituba concentram suas expectativas
no projeto de desenvolvimento do ecoturismo de observação de baleias proposto pelo
SEBRAE, articulado estes municípios e Laguna, excluindo neste contexto a
possibilidade de Imaruí se articular com Garopaba e Imbituba em um projeto de
desenvolvimento turístico regional.
Nas falas dos secretários de Garopaba e Imbituba ganham destaque a necessidade
de se promover o turismo, principalmente na baixa temporada, e o interesse em investir
no desenvolvimento do ecoturismo, articulado com o turismo de esportes aquáticos, o
turismo cultural e o turismo de base local. Ambos os secretários declaram também o
interesse no desenvolvimento e implementação de roteiros turísticos, especialmente
aqueles que possibilitem a observação não embarcada de baleias. Entretanto, as falas
não indicaram a existência de um efetivo planejamento público que possa estimular o
ecoturismo e outras modalidades de turismo sustentável, destinando ao Comitê Gestor
do projeto do SEBRAE a responsabilidade por apresentar propostas para o
desenvolvimento de um turismo sustentável para a região. Nas falas também é possível
perceber que, apesar de embargado, existe a expectativa da liberação judicial do turismo
embarcado de observação de baleias, cujo público possui maior poder aquisitivo. Existe,
portanto, o risco de que, em liberado o turismo embarcado, o investimento no
desenvolvimento de roteiros terrestres, com maior capacidade de promoção do turismo
de base local, deixe de ser uma prioridade.
Por fim, as entrevistas mostram a dificuldade de diálogo entre o poder público
municipal e o IPHAN, e a incapacidade dos gestores municipais dos municípios
125
estudados em promover ações que garantam a proteção do patrimônio arqueológico
local.
4.4 A percepção dos turistas
Considerando que são pressupostos para a existência do turismo os produtos
turísticos, a infraestrutura turística e os próprios turistas (BARRETTO, 2009), a
proposição de um turismo arqueológico sustentável precisa verificar a percepção dos
turistas a respeito deste. Ao considerarmos que os elementos locais que definem uma
região estão relacionados aos interesses dos diferentes atores que a circunscrevem, na
medida em que uma região delimita ou posiciona processos de mudança, aproximando a
operação de regionalização às de territorialização (BRANDÃO, 2004; ABRAMOVAY,
2010), o turista exerce também uma função de ator local no sentido em que atua sobre o
território, pressionando políticas públicas, investimentos e estruturas. Neste sentido,
conhecer a percepção dos turistas a respeito do turismo arqueológico e seu nível de
interesse e de conhecimento sobre o patrimônio arqueológico remanescente na região
aqui pesquisada é importante para que possamos avaliar sua viabilidade para a
promoção do desenvolvimento sustentável.
Guimarães (2012a) realizou uma pesquisa com turistas por meio de questionários
eletrônicos onde constatou: a) que as respostas apresentaram noções vagas sobre
arqueologia; b) que as respostas daqueles que visitaram algum patrimônio arqueológico
no Brasil foram vagas e sem muitos detalhes, em oposição ao conteúdo das respostas
daqueles que visitaram patrimônio arqueológico no exterior; c) mostraram a necessidade
das pessoas de acessar informações sobre este tipo de patrimônio; d) que há interesse do
público em contribuir com a conservação do patrimônio; e) que há interesse nas viagens
que possuam elementos da arqueologia em seus roteiros, principalmente de forma
complementar. Em resumo, a conclusão da autora foi de que,
(...) o índice de aceitação dos respondentes tanto à visitação de ruínas
antigas interpretadas quanto à visitação de sítios arqueológicos
musealizados, demonstra que esses atrativos ajudariam a incrementar
os produtos turísticos de diversas regiões brasileiras (...).
(GUIMARÃES, 2012a, p. 94).
A pesquisa de Guimarães (2012a) ouviu um público que experimentou o turismo
arqueológico em diferentes escalas. Considerando que dentre os objetivos específicos
126
que apresentamos neste trabalho está o de verificar o conhecimento que turistas
possuem sobre o patrimônio arqueológico pré-colonial da região e o interesse que
manifestam pelo turismo arqueológico, entendemos apropriado aplicar um questionário
aos turistas que em algum momento escolheram Garopaba, Imaruí ou Imbituba como
destino turístico.
As questões inseridas no formulário buscam identificar o território de origem dos
turistas, seu nível de contato e interesse em relação ao turismo arqueológico (em geral e
na região) e seu nível de contato e conhecimento em relação ao patrimônio arqueológico
da região.
O principal problema identificado na aplicação dos questionários está no perfil
dos turistas que visitam a região. Desde a década de 1970 os estudos do turismo tratam
o turista com interesses específicos (não genéricos), o que significa dizer que para cada
segmentação turística há também um perfil de turistas. Barretto explicita a questão ao
discutir o perfil dos turistas que buscam o turismo cultural, tratando-se este “de um
turismo de minorias, cujos protagonistas, que seriam turistas não institucionalizados,
experimentais, experienciais e existenciais, são mais educados e respeitam o meio
ambiente natural e cultural” (BARRETTO, 2007, p. 84).
Garopaba e Imbituba concentram sua atividade turística na temporada de verão,
no período compreendido entre o Natal e o Carnaval, havendo também investimento
recente no turismo de observação de baleias39
. O turismo de massa é o perfil
predominante nestes municípios. Em Imaruí o turismo ainda não se apresenta como uma
atividade representativa na economia do município40
, havendo algum investimento
público no turismo religioso. O principal evento do calendário turístico da cidade é a
Festa do Senhor Bom Jesus dos Passos, realizada anualmente no mês de março e que
em 2015 tinha a estimativa de um público de 50 mil visitantes41
.
Constatado o perfil predominante do turismo na região (turismo de sol e mar em
Garopaba e Imbituba e turismo religioso em Imaruí) e aceitando que diferentes
39
Em 2015 o SEBRAE apresentou o Projeto de Fortalecimento do Turismo de Observação de Baleias
apresentado, no qual busca envolver o poder público dos municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna e
outros atores do território. O projeto tem como objetivo consolidar parte da Área de Proteçãoo Ambiental
da Baleia Franca como destino turestilo de excelência no segmento de ecoturismo por meio da obtenção
de uma Indicaçãoo Geográfica. A temporada de observação de baleias no litoral centro-sul de Santa
Catarina concentra-se de julho a outubro. 40
Conforme o Agenor Garcia Felipe, Secretário de Indústria, Comércio e Turismo da Prefeitura
Municipal de Imaruí, em entrevista conferida ao autor em 11/01/2016. 41
Segundo notícia publicada no endereço eletrônico http:<//www.engeplus.com.br/noticia/agenda-e-
eventos/2015/1030101-festa-do-senhor-bom-jesus-dos-passos-2015/ >. Acesso em 23/12/2015.
127
segmentações turísticas atraem diferentes públicos, evitou-se aplicar o questionário
durante a alta temporada porque esta possui grande probabilidade de atrair um público
predominante com interesses diferentes daquele que busca segmentações turísticas
relacionadas ao turismo arqueológico (turismo ecológico, turismo de experiência,
turismo rural, turismo cultural entre outras).
Em um primeiro momento, optamos por distribuir o questionário em pousadas e
hotéis da região que atendem durante a baixa temporada. Os gerentes dos
estabelecimentos foram informados dos objetivos da pesquisa e solicitados a
disponibilizar os questionários aos hóspedes. A opção mostrou-se inadequada. Dos 300
questionários distribuídos em 10 estabelecimentos dos municípios pesquisados,
obtivemos o retorno de apenas 5 questionários respondidos (quantidade insuficiente
para servir como amostragem). Em um hotel de Imbituba fomos informados pela
gerência que o proprietário ordenou a eliminação dos questionários sob o argumento de
que estes poderiam importunar os hóspedes. Os demais estabelecimentos retornaram os
questionários intactos, em outros a gerência alegou que, depois de disponibilizados nos
quartos, foram danificados pelos hóspedes.
Diante da dificuldade de adesão ao questionário disponibilizado nos meios de
hospedagem, a estratégia adotada foi a aplicação de um questionário eletrônico a partir
da plataforma virtual do Google Forms, divulgado através das redes sociais e
direcionado às pessoas que já visitaram na condição de turistas os municípios de
Garopaba, Imaruí ou Imbituba. A vantagem desta estratégia está na possibilidade de se
alcançar um público amplo, entretanto devemos considerar que a adesão deste público
pode sofrer influência da forma de divulgação, que utilizou redes sociais vinculadas ao
perfil do autor desta pesquisa. Também não foi adotado o uso de “login” de acesso para
o preenchimento das respostas. O uso de “login” impediria que uma mesma pessoa
respondesse o questionário mais de uma vez, fraudando o resultado, porém restringiria a
participação às pessoas com conta no Google. Optou-se por permitir a participação mais
ampla possível. Considerando o padrão de respostas, não foi identificada tentativa de
fraude.
O questionário permaneceu disponível de 05 de setembro de 2015 a 11 de
novembro de 2015, obtendo 234 respostas. Dos respondentes, 88% residem na Região
Sul, 11% nas demais regiões brasileiras e 1% em outro país da América Latina (Figura
3).
128
Figura 3: Região de residência dos respondentes
A título de comparação, o número de respondentes da região Sul aproxima-se das
estatísticas referentes aos principais mercados emissores de turistas nacionais para
Garopaba42
referentes aos meses de fevereiro e março de 2014, onde a Região Sul
respondeu por 84% e 87% respectivamente (SANTA CATARINA, 2014, p. 10).
Figura 4: Já assistiu alguma reportagem sobre turismo arqueológico?
42
Não foram encontrados dados referentes aos municípios de Imaruí e Imbituba.
88%
4% 3%
2% 2% 1%
Sul
Sudeste
Norte
Nordeste
Centro Oeste
América Latina
56%
44%
Sim
Não
129
As Figuras 4 e 5 indicam o percentual de respondentes que estabeleceram algum
tipo de contato com o turismo arqueológico. Ao serem questionados se já assistiram a
alguma reportagem sobre turismo arqueológico, 56% afirmaram já ter assistido e 44%
afirmaram não ter assistido (Figura 4). Curiosamente este é o mesmo percentual de
pessoas que já visitaram na condição de turista algum sítio arqueológico (56%) e de
pessoas que na condição de turistas nunca visitaram um sítio arqueológico (44%)
(Figura 5).
Figura 5: Já visitou sítios arqueológicos?
A coincidência dos percentuais nas respostas às duas perguntas pode indicar que a
primeira pergunta (assistiu a alguma reportagem?) pode ter sugestionado as respostas da
segunda pergunta (já visitou algum sítio arqueológico?). Importante destacar, entretanto,
o percentual significativo de respondentes que afirmam nunca ter assistido a reportagens
sobre turismo arqueológico (44%).
44% 56%
Sim
Não
130
Figura 6: Já ouviu falar de vestígios arqueológicos em Garopaba, Imaruí ou
Imbituba
O questionário procurou identificar também se os respondentes possuem alguma
informação a respeito da existência de vestígios arqueológicos em Garopaba, Imaruí ou
Imbituba, e se já visitaram sítios e/ou vestígios em algum destes três municípios. O
percentual daqueles que afirmaram já ter ouvido falar de vestígios arqueológicos em
algum dos municípios é bastante significativo (59%) em relação ao percentual daqueles
que não ouviram falar a respeito da existência destes vestígios (42%) (Figura 6).
Entretanto, apenas 25% dos respondentes afirmam ter visitado algum sítio ou vestígio
arqueológico na região, enquanto que 75% afirmaram que não visitaram estes vestígios
(Figura 7).
59% 42%
Sim
Não
131
Figura 7: Já visitou algum sítio ou vestígio arqueológico em Garopaba, Imaruí ou
Imbituba
Dentre os 25% de respondentes que afirmaram ter visitado algum sítio ou vestígio
arqueológico na região, 69% o fizeram em Garopaba, 30% em Imbituba e apenas 1%
em Imaruí (Figura 8).
Figura 8: Município no qual se situa o sítio ou vestígio arqueológico visitado
Questionou-se também como o respondente avalia seu conhecimento pessoal a
respeito dos vestígios arqueológicos ou povos antigos em algum dos três municípios
25%
75%
Sim
Não
69%
30%
1%
Garopaba
Imbituba
Imaruí
132
pesquisados. Foi utilizada a Escala de Likert com itens de 1 a 5, sendo que o item “1”
corresponde à resposta “nenhum conhecimento” e o item “5” à resposta “conhecendo
profundamente”. 48% avaliaram em “1” seu conhecimento a respeito do conteúdo da
pergunta, e 2% avaliaram em “5” este conhecimento (Figura 9).
Figura 9: Avaliação do conhecimento pessoal a respeito dos vestígios arqueológicos
ou povos antigos referentes à Garopaba, Imaruí ou Imbituba
As Figuras 10, 11 e 12 indicam o nível de interesse dos respondentes pela
arqueologia brasileira e por participar de roteiros turísticos com sítios ou vestígios
arqueológicos entre seus atrativos. Em todas as perguntas correspondentes a este nível
de interesse foi utilizada uma Escala de Likert para as respostas com itens de 1 a 5, onde
“1” corresponde à resposta “nenhum interesse” e “5” à resposta “totalmente
interessado”.
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
1 2 3 4 5
133
Figura 10: Nível de interesse por Arqueologia Brasileira
A Figura 10 expressa o nível de interesse dos respondentes por arqueologia
brasileira. Nos extremos “1” e “5”, 1,3% responderam não possuir nenhum interesse e
29% responderam estar totalmente interessados. O item Likert que obteve o maior
número de respostas foi o “3”, com 33,3%.
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
1 2 3 4 5
134
Figura 11: Nível de interesse em participar de roteiros turísticos que tenham sítios
ou vestígios arqueológicos entre seus atrativos
As Figuras 11 e 12 indicam o nível de interesse dos respondentes de participar de
roteiros turísticos que tenham vestígios arqueológicos entre seus atrativos, tanto em uma
escala geral quanto na escala regional. Em ambos os casos, o número de respondentes
que se manifestou como totalmente interessado é majoritário, porém ligeiramente menor
na escala regional. Enquanto que 40,7% dos respondentes indicaram estar totalmente
interessados em participar de roteiros turísticos que tenham sítios ou vestígios
arqueológicos entre seus vestígios (Figura 11), 36,4% manifestaram estar totalmente
interessados quando a pergunta se refere aos municípios de Garopaba, Imaruí ou
Imbituba (Figura 12). Em ambos os casos, os respondentes que indicaram “1” (nenhum
interesse) é baixo, 2,6% e 3,1% respectivamente.
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
45,00%
1 2 3 4 5
135
Figura 12: Nível de interesse em participar de roteiros turísticos nos municípios de
Garopaba, Imaruí ou Imbituba que tenham sítios ou vestígios arqueológicos entre
seus atrativos
4.4.1 Discussão
Ainda que o universo de respondentes possa ter sido limitado pela metodologia de
divulgação do questionário (publicação na rede social do autor, compartilhamentos
diretos a partir do perfil do autor, publicação em perfis sociais de grupos que discutem
turismo e promovem o turismo em Santa Catarina), o percentual de respondentes
residentes na região Sul (Figura 3) está próximo do percentual de turistas dos principais
mercados emissores de turistas nacionais para Garopaba em fevereiro e março de 2014,
utilizando como parâmetro o Estudo de Demanda Turística daquele ano (SANTA
CATARINA, 2014). Assim, é possível inferir que a pesquisa fornece indícios da
percepção de um conjunto de turistas residentes na região Sul, que já visitaram
Garopaba, Imaruí ou Imbituba, a respeito do turismo arqueológico, do conhecimento
dos vestígios pré-coloniais remanescentes nestes municípios por parte deste público e
do seu nível de interesse. O questionário não apurou o segmento turístico preferencial
do turista.
Observa-se que o interesse por Arqueologia Brasileira (Figura 10) apresenta uma
média de 3,675 em uma escala que varia de 1 (nenhum interesse) a 5 (totalmente
interessado). O interesse se apresenta, portanto, acima da média, de modo que é possível
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
1 2 3 4 5
136
concluir que há interesse dos respondentes pela Arqueologia Brasileira. A pesquisa
mostra, porém, que o percentual de respondentes que não assistiram reportagens sobre
turismo arqueológico (Figura 4) é significativo (44%), embora a maioria (56%) já tenha
assistido a alguma reportagem sobre o segmento. A falta de informações a respeito do
turismo arqueológico é uma variável que pode influenciar no interesse pelo turismo
arqueológico e na própria sustentabilidade do segmento.
Ainda que pouco conhecido e explorado no Brasil, o percentual de respondentes
que na condição de turista visitou algum sítio ou vestígio arqueológico (44%) (Figura 5)
é significativo, mas se reduz a 25% para os sítios e vestígios arqueológicos localizados
em Garopaba, Imaruí ou Imbituba (Figura7), ainda que 59% dos respondentes afirmem
já ter ouvido falar da existência destes vestígios na região (Figura 6). Os dados sugerem
que apesar de haver um interesse significativo pelo turismo arqueológico, este não se
efetiva no reconhecimento do patrimônio arqueológico dos municípios em questão
pelos respondentes43
. Os resultados ainda indicam que dentre os três municípios
pesquisados, Garopaba é o que recebeu o maior número de respondentes em seus sítios
e vestígios arqueológicos (69%), enquanto que em Imbituba o percentual é de 30% e em
Imaruí de apenas 1% (Figura 8). Estes percentuais podem estar relacionados à demanda
turística de cada um dos municípios, considerando que Garopaba é o que possui melhor
infrestrutura turística dentre os três. Os resultados da valoração arqueológica
(apresentados no capítulo seguinte) podem ajudar a interpretar estes dados, na medida
em que Garopaba concentra o maior número de sítios arqueológicos que apresentam
monumentalidade e acessibilidade. Outros fatores com potencial de interferência nas
respostas são a representação social dos sítios, sua interpretação, o perfil dos turistas em
cada município e o planejamento e estrutura turística em cada um dos municípios.
Importante ressaltar, neste sentido, que a pesquisa apontou um percentual importante
(48%) de respondentes que afirmam não possuir nenhum conhecimento a respeito dos
sítios e vestígios arqueológicos nos municípios pesquisados (Figura 9), sendo que a
média das respostas a respeito de como os respondentes avaliavam seu nível de
conhecimento pessoal sobre os sítios e vestígios arqueológicos de Garopaba, Imaruí e
43
Os dados remetem à pesquisa que desenvolvemos junto aos professores da rede pública municipal de
ensino de Garopaba (COSTA, 2014). Quando questionado se conhece os vestígios arqueológicos/pré-
históricos existentes em Garopaba 59% dos professores responderam sim. Ainda que o índice indique a
maioria dos professores, é alto o número que desconhece estes vestígios arqueológicos (41%),
principalmente se consideramos o fato de que alguns destes sítios estão localizados em áreas de fácil
acesso e em locais de grande circulação de pessoas e até junto a algumas praias.
137
Imbituba foi baixo, correspondendo a 1,763 em uma escala de 1 (nenhum
conhecimento) a 5 (conhecendo profundamente).
Considerando os resultados da pesquisa de Guimarães (2012a), que indicou o
conhecimento vago das pessoas a respeito do patrimônio arqueológico, e a experiência
da construção de roteiros turísticos envolvendo o patrimônio arqueológico no sertão
alagoano relatada por Alfonso (2009), o questionário buscou quantificar o interesse dos
turistas de participar de roteiros turísticos que possuam entre seus atrativos sítios e/ou
vestígios arqueológicos. Assim, o turismo arqueológico é apresentado pelo questionário
aos respondentes de modo complementar e inserido em roteiros com outros tipos de
atrativos.
Para a pergunta "como você avalia seu interesse em participar de roteiros
turísticos que tenham sítios ou vestígios arqueológicos entre seus atrativos?” (Figura 11)
a média das respostas foi de 3,987 em uma escala de 1 (nenhum interesse) a 5
(totalmente interessado), o que indica interesse significativamente acima da média. Para
a pergunta “como você avalia seu interesse em participar de roteiros turísticos nos
municípios de Garopaba, Imaruí ou Imbituba que tenham sítios ou vestígios
arqueológicos entre seus atrativos?” (Figura 12), a média das respostas foi de 3,929 em
uma escala de 1 (nenhum interesse) a 5 (totalmente interessado), o que indica interesse
significativamente acima da média. O fato das respostas indicarem interesse médio em
participar de roteiros que tenham sítios ou vestígios arqueológicos entre seus atrativos
nos municípios de Garopaba, Imaruí ou Imbituba um pouco abaixo da média de
interesse apresentado quando a pergunta não restringe a região, pode estar condicionado
ao interesse do respondente de retornar à região, considerando que o questionário foi
direcionado a pessoas que já visitaram algum destes municípios.
Em síntese, as respostas indicam um interesse médio alto por parte dos
respondentes de participar de roteiros turísticos que tenham entre seus atrativos sítios ou
vestígios arqueológicos, tanto na região específica quanto no âmbito geral, o que
permite supor a existência de um público interessado em participar de roteiros turísticos
que envolvam o turismo arqueológico nos municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba.
138
5 – VALORAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO
5.1 Valoração do patrimônio arqueológico da região
A relação entre patrimônio cultural e turismo é complexa. A partir da questão
“qual o patrimônio cultural que o turismo valora?”, Bertoncello (2010) discute esta
relação, problematizando os processos de patrimonialização a partir dos interesses
turísticos. Para este autor, a valoração turística do patrimônio pode se dar a partir das
condições intrínsecas deste patrimônio, como sua excepcionalidade ou características
estéticas, por exemplo, e/ou por condições extrínsecas, como sua valoração simbólica
(que confere àqueles patrimônios chancelados como nacionais ou de interesse da
humanidade maior interesse turístico), a expectativa dos turistas (moldada por
campanhas de marketing que orientam uma “ativação” ou “legitimação patrimonial”,
fazendo com que patrimônios socialmente importantes para um território sejam
desconsiderados pelo turismo) e os interesses econômicos dos agentes responsáveis pela
valoração do patrimônio, que o transforma em uma mercadoria. Assim, o turismo leva
ao questionamento do próprio caráter de “bem comum” que é atribuído ao patrimônio,
ou seja, “a valoração turística do patrimônio pode conduzir a processos diferenciados de
apropriação e à privatização do patrimônio, o que claramente contradiz seu caráter de
bem comum a toda sociedade” (BERTONCELLO, 2010, p. 40).
O problema fundamental é “pensar a valorização turística do patrimônio versus a
patrimonialização derivada do interesse turístico, ou da sociedade local como
beneficiária ou como objeto do turismo, com suas consequências na relação entre
exclusão e inclusão social” (BERTONCELLO, 2010, p. 47). Se a premissa é o
reconhecimento das possibilidades de um turismo arqueológico que contribua com a
promoção do desenvolvimento sustentável na região, o que se busca aqui é uma
metodologia de valoração dos sítios arqueológicos que parta da valorização turística do
patrimônio e não de uma patrimonialização derivada do interesse turístico.
Em outros termos, reconhecendo a complexidade do problema, a definição ou
escolha dos sítios a serem considerados como potenciais para aproveitamento turístico
implica em uma definição metodológica que considere as qualidades do sítio
arqueológico (características intrínsecas) e suas qualidades enquanto atrativo turístico
(características relacionais) sem inverter a lógica do processo de patrimonialização, o
que significa dizer que é a partir do patrimônio arqueológico reconhecido pelo órgão
139
científico competente (IPHAN) ou pela comunidade (reconhecimento social) que partirá
a valoração aqui proposta.
Neste sentido, aproximamo-nos da metodologia de seleção de sítios arqueológicos
aplicada por Dabezies (2011) no Departamento de Rocha, Uruguai, cujo trabalho teve
como objetivo elaborar produtos turísticos integrando a universidade e a cadeia
produtiva. Entretanto, para esta aproximação com a “cadeia valorativa” adaptada por
Dabezies, valemo-nos aqui dos princípios da “redução sociológica” desenvolvidos por
Ramos (1965), para aplicarmos aquilo que chamaremos de “redução metodológica”.
Para Ramos, a redução sociológica consiste em um método de análise dos fatos
sociais no qual se pratica a “transposição do conhecimento e de experiências de uma
perspectiva para outra” (1965, p. 54), onde “redução” consiste em uma espécie de
depuração, ou seja, de eliminação de tudo aquilo que possa ser desnecessário, ou não
aplicável, quando a realidade analisada difere daquela para a qual determinada teoria foi
criada. Ou seja, trata-se de uma atitude metódica que obedece a regras e depura objetos,
partindo do pressuposto de que a realidade social é dotada de sentido, e postulando uma
noção de mundo onde consciência e objetos estão relacionados. É, portanto,
perspectivista, na medida em que entende que o sentido dado a um objeto só é possível
dentro do seu contexto.
A metodologia adaptada por Dabezies (2011) teve por objetivo assessorar uma
empresa privada a desenvolver três roteiros, considerando os sítios arqueológicos que
melhor poderiam ser incorporados como produtos turísticos em uma região específica
de terras baixas e do litoral do Uruguai, na qual se distribui uma grande quantidade de
“cerritos indígenas” (túmulos pré-coloniais construídos com terra e de tamanhos
variados). Sua proposta metodológica baseia-se na “cadeia valorativa”, que considera as
seguintes etapas: valoração arqueológica, valoração patrimonial e a valoração “para la
puesta em valor”44
(DABEZIES, 2011, p. 308). Para cada etapa de valoração da cadeia
produtiva, o autor utilizou parâmetros de avaliação valorados numericamente. Em nossa
pesquisa, entretanto, não adotaremos a valoração numérica. Considerando que a
44
O conceito de “puesta en valor” é de difícil tradução. Segundo Guglielmino (2007), trata-se de um
galicismo que, no espanhol, estaria entre valorar, valorizar e reconhecer. No caso específico do
patrimônio arqueológico, significa sua interpretação e apresentação. Para este autor, “La puesta en
valor está vinculada con un proyecto, es decir, es una operación espacial para establecer un orden de ese
espacio y jerarquizar sus funciones en un “proyecto total” que constituya su adecuación y puesta al día. El
proyecto es, sin duda, un instrumento y una metodología de intervención del que se pueden desagregar
dos componentes esenciales: el cultural y su formalización.” (GUGLIELMINO, 2007, p. 3).
Considerando a dificuldade de encontrar uma expressão equivalente em português, optamos por manter
aqui a expressão utilizada por Dabezies.
140
“redução” implica na depuração quando da transposição de um princípio de análise de
uma realidade para outra e que nosso objeto e nossos objetivos inserem-se em contexto
diferente daquele abordado por Dabezies, torna-se necessária aqui uma redução
metodológica da metodologia adaptada pelo autor para o estudo que desenvolveu junto
aos cerritos indígenas no Uruguai. Na realidade que propomos estudar, os sítios estão
concentrados em uma área geográfica restrita, se comparada à área estudada por
Dabezis. Outra diferença significativa está no fato de não se pretender aqui apresentar
um produto final, com viabilidade turística e econômica segundo os interesses de uma
empresa, mas de indicar sítios arqueológicos com potencial turístico para o território
especificado. Daí a opção por não utilizarmos a valoração numérica (embora não
descartemos sua importância para a avaliação de um produto final, ainda que pesem os
questionamentos a respeito da confiabilidade científica desta valoração, discutidos pelo
próprio autor), bem como de relativizarmos e até mesmo abdicarmos de alguns
parâmetros de avaliação, conforme especificaremos na sequência.
A valoração arqueológica é realizada pelos arqueólogos, e consiste em tentar
compreender os objetos arqueológicos. Nos parâmetros de avaliação desta etapa estão a
documentação e a representatividade. Considerando esta etapa da cadeia valorativa,
optamos por utilizar o Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos do Sistema de
Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico (CNSA/SGPA), Ainda que pesem a
antiguidade da maior parte dos registros disponíveis no CNSA e o risco de estarem
desatualizados, bem como os relatos comuns na região que dão conta da existência de
vestígios arqueológicos em áreas não registradas pelo IPHAN, cabe-nos partir da
valoração arqueológica disponível.
A valoração patrimonial avalia a importância do objeto arqueológico sob o
aspecto patrimonial, considerando sua valoração arqueológica e incluindo novos atores,
como a administração pública, por exemplo. No caso brasileiro, desde a Lei 3924 de
1961, o patrimônio arqueológico passou a ser protegido juridicamente a partir do
momento da sua descoberta, princípio corroborado pela Constituição Federal de 1988,
que “cita o patrimônio arqueológico em três artigos: o define como bem da união (...);
componente do Patrimônio Cultural Brasileiro (...) e sob tutela comum de todos os entes
da federação” (GALDINO, 2012, p. 12). Portanto, a valoração patrimonial ocorre no
ato do reconhecimento do vestígio e/ou sítio arqueológico através de profissional
creditado e autorizado pelo IPHAN, integrado ao patrimônio nacional. Isto não
significa, entretanto, seu reconhecimento enquanto componente da identidade de um
141
território, correspondendo muito mais a um ato jurídico-formal (burocrático), do que
sua incorporação efetiva enquanto bem simbólico reivindicado socialmente.
Na metodologia adaptada por Dabezies são parâmetros de avaliação da etapa de
valoração patrimonial: fragilidade, estado de conservação, vulnerabilidade,
complementaridade paisagística, excepcionalidade, proteção por outras figuras. Assim,
considerando os registros do CNSA (valoração arqueológica) e os parâmetros de
avaliação da valoração patrimonial, torna-se possível uma seleção prévia dos sítios
arqueológicos a partir das fichas disponíveis para cada sítio no CNSA, observando o
estado de conservação, a tipificação e seu caráter de excepcionalidade (relevância).
A valoração “para la puesta en valor” seleciona os elementos mais eficientes para
tornar o patrimônio acessível a um público mais amplo. São parâmetros de avaliação
desta etapa: capacidade explicativa, perceptibilidade, capacidade de carga, conservação
do entorno, atrativo da zona, acessibilidade (neste parâmetro, Dabezies refere-se aos
caminhos e à dificuldade de acesso físico ao lugar), necessidades mínimas, serviços,
disponibilidade do uso do solo. Esta etapa fundamenta a construção de uma ficha para
os sítios selecionados na etapa anterior, a ser preenchida após observação de campo.
Dentre os parâmetros, não se aplica nesta pesquisa a capacidade de carga. Já a
perceptibilidade será aqui substituída por monumentalidade. O termo foi utilizado por
Guimarães (2012) e se refere ao atrativo turístico arqueológico em seu sentido
específico, ou ainda, àquilo que é possível de se ver/observar/usufruir e que remete ao
passado pré-colonial. Apesar de Guimarães entender que a ausência de
monumentalidade não seria um impeditivo para a transformação de um sítio em atrativo
turístico, consideramos que esta é um parâmetro importante da valoração para “la puesta
en valor” e para a constituição de um produto turístico. Neste sentido, valemo-nos dos
cinco componentes básicos para o desenvolvimento de um produto turístico, a saber:
“1º) atrativo; 2º) facilidades, instalações e serviços; 3º) acessos; 4º) imagens que os
turistas detêm do local a ser visitado; 5º) preço.” (NÓBREGA e ARAÚJO, 2015, p.
108). A valoração “para la puesta em valor” reduzida executada nesta pesquisa
considerou estes componentes, exceto o componente preço.
Ao “reduzirmos” a metodologia proposta por Dabezies, descartamos nesta
pesquisa a valoração numérica e, em depuração, a ficha correspondente ao sítio
arqueológico selecionado apresentará se determinado parâmetro é verificável ou não no
sítio, e quando verificável, constará uma breve descrição do parâmetro observado.
142
5.2 Valoração Arqueológica
O primeiro instrumento da cadeia valorativa apresentada por Dabezies (2011) é a
valoração arqueológica, delegada aos arqueólogos. É a valoração arqueológica o
instrumento que nos permitirá um reconhecimento prévio dos sítios arqueológicos
registrados nos municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba, bem como suas condições
gerais e disponibilidade.
Neste estudo valemo-nos do Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos do
Sistema de Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico (CNSA/SGPA), disponível no
sítio eletrônico do IPHAN45
. Cabe ao IPHAN registrar os sítios arqueológicos existentes
e incorporá-los ao patrimônio arqueológico nacional, bem como tutelá-los. As
informações disponíveis no CNSA são alimentadas por arqueólogos ligados ou não ao
IPHAN, e em muitos casos estão bastante desatualizadas e incompletas, o que dificulta
o reconhecimento, localização e conhecimento das condições atuais dos sítios
registrados. Dificuldades que encontramos também neste trabalho.
A consulta ao CNSA/SGPA se dá pelo nome do Município e correspondente
Unidade da Federação e os sítios estão divididos em três categorias: Histórico, Pré-
colonial e De Contato. Nossa pesquisa investigou exclusivamente os sítios pré-
coloniais, obtendo os seguintes resultados: Garopaba, 07 sítios (acesso realizado em
06/10/2015); Imaruí, 16 sítios (acesso realizado em 12/10/2015); Imbituba, 26 sítios
(acesso realizado em 05/10/2015). Os três municípios totalizam assim 49 sítios
cadastrados no CNSA/SGPA. O cadastro, entretanto, pode não corresponder à realidade
atual. Sítios arqueológicos citados no questionário que aplicamos aos Condutores
Ambientais e pelos atores locais que entrevistamos não constam do cadastro, assim
como muitos registros, conforme veremos, são bastante antigos e não sofreram
atualizações, o que pode significar que o sítio em questão já tenha sido destruído ou
ocupado. Entretanto, considerando a valoração arqueológica, o CNSA/SGPA é o
principal instrumento para que possamos ter uma visão geral dos sítios arqueológicos da
região quanto a sua situação, distribuição e tipificação, permitindo assim uma seleção
dos mesmos com vistas a um possível aproveitamento turístico.
Para cada sítio arqueológico cadastrado no CNSA/SGPA há uma ficha preenchida
pelo arqueólogo responsável pelo primeiro contato e atualizada em contatos
45
O endereço do sítio é http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/236/
143
subsequentes. Dentre os vários itens disponíveis nas fichas, selecionamos para análise
os seguintes:
a) nome do sítio: indica o nome do sítio junto ao IPHAN, o que não significa que
seja nominado da mesma forma pela comunidade local.
b) tipologia: indica o tipo de sítio, se sambaqui, oficina lítica, sítio ceramista,
aldeia, de habitação ou de arte rupestre. A tipologia indica previamente o tipo de
monumentalidade disponível no sítio.
c) relevância: no CNSA/SGPA os sítios estão cadastrados segundo três níveis de
relevância: baixa, média e alta. Ainda que a relevância, neste caso, refira-se ao interesse
científico e de salvaguarda do patrimônio arqueológico, serve também como balizador
na cadeia valorativa porque permite selecionar previamente aqueles que podem
representar algum interesse para o turismo arqueológico na região. Um sítio de baixa
relevância para o IPHAN, por exemplo, provavelmente não reunirá as condições
mínimas que permitirão seu reconhecimento turístico, seja porque está muito
descaracterizado, seja porque não dispõe de elementos que permitam seu
reconhecimento enquanto sítio arqueológico pelo turista.
d) propriedade: indica o regime de propriedade, se pública ou privada.
Propriedades privadas representam maior dificuldade de acesso do público ao sítio.
e) exposição: indica se o sítio está exposto a céu aberto, ou se subterrâneo ou
subaquático. A maior parte dos 49 sítios cadastrados no CNSA/SGPA aqui analisados
constam como “céu aberto”, o que pode representar maior risco a sua preservação haja
vista a exposição ao intemperismo.
f) estrutura: complementa a informação da tipologia. Indica se a estrutura
principal do sítio é uma oficina lítica, ou se funerária entre outras. A informação
importa à cadeia valorativa porque contribui para o reconhecimento da existência ou
não de monumentalidade e, quando existente, de que tipo.
g) vestígios: informa se foi identificado ou recolhido algum tipo de vestígio
arqueológico no sítio (lítico, cerâmico, entre outros). A existência de vestígios contribui
para a interpretação cultural do sítio.
h) uso atual da área: indica qual o uso atual da área em que o sítio está localizado.
Informa se a área está coberta por vegetação ou pastagens, por exemplo.
i) fatores antrópicos: indica se o sítio sofreu intervenção humana posterior a sua
ocupação original, de que tipo e qual o impacto desta intervenção. A informação
importa à cadeia valorativa porque permite excluir previamente aqueles sítios
144
arqueológicos já bastante impactados pela ação humana recente, ou até mesmo
completamente destruídos ou ocupados.
j) ano do registro: indica o ano em que o sítio foi registrado no CNSA/SGPA e os
anos dos registros subsequentes. Optamos por considerar neste trabalho o ano do
primeiro registro e o ano do registro mais recente (quando existente) já que é este último
que efetivamente importa à cadeia valorativa no sentido em que informa se as
informações estão atualizadas ou não.
As informações referentes aos itens acima relacionados foram compiladas a partir
das fichas correspondentes a cada sítio arqueológico e sintetizadas por município em
“Quadros síntese dos sítios arqueológicos”, que apresentaremos na sequência.
Considerando que optamos por não valorar numericamente cada item, conforme
já justificado, a análise dos resultados aconteceu a partir de uma avaliação qualitativa de
cada item em relação aos demais. Ou seja, a seleção dos sítios para a valoração “la
puesta em valor” reduzida aconteceu a partir do “cenário” apresentado pelo conjunto de
itens para cada sítio arqueológico cadastrado.
De modo geral, a pesquisa identificou três problemas principais que dificultam o
processo de reconhecimento e seleção dos sítios arqueológicos: antiguidade dos
registros, ausência de informações e ausência da indicação das coordenadas geográficas.
Verificou-se a existência de registros que remontam às décadas de 1970 e 1980 ou ainda
mais antigos, alguns deles produzidos por João Alfredo Rohr e não mais atualizados.
Também se constatou a existência de fichas praticamente desprovidas de informações e
sem qualquer conteúdo interpretativo. Por fim, a ausência de coordenadas geográficas
dificulta o acesso aos sítios arqueológicos, já que alguns deles receberam do IPHAN
uma denominação diferente daquela pela qual a população os nomina (isto quando ainda
reconhecidos pela população local).
5.2.1 Quadros síntese dos sítios arqueológicos de Garopaba, Imaruí e Imbituba.
145
SÍTIO Tipologia Relevância Propriedade Exposição Estrutura Vestígios Uso atual da área
Fatores Antrópicos Ano do registro
Capão de Garopaba
Sambaqui Média Privada Céu aberto
Nada consta
Nada consta Plantio Vandalismo/ escavação manual ou mecânica
1971
Praia da Gamboa I
Sítio cerâmico Alta Privada Céu aberto
Nada consta
Cerâmicos Plantio Nada consta 1965
Gamboa Sítio cerâmico Nada consta
Privada Céu aberto
Nada consta
Cerâmicos Plantio Nada consta 1965
Morro do Vigia Oficina Lítica Alta Pública Céu aberto
Nada consta
Nada consta Nada consta Nada consta 1997
Ponta do Galeão
Sítio de arte rupestre
Alta Pública Céu aberto
Nada consta
Gravuras Área de pesca Vandalismo/ Grafitti 2002
Oficina lítica da Vigia I
Oficina lítica Alta Pública Céu aberto
Oficina lítica
Bacias de polimento e afiadores em dique de diabásio
Praia de acesso público
Nada consta 2014
Oficina lítica da Vigia II
Oficina lítica Nada consta
Pública Céu aberto
Oficina lítica
Bacias de polimento Nada consta Nada consta 2014
Quadro 11: Síntese dos sítios arqueológicos registrados em Garopaba Fonte dos dados: CNSA/SGPA (Garopaba). Disponível no endereço eletrônico do IPHAN. Compilação dos dados realizada pelo autor em 06/10/2015.
146
SÍTIO Tipologia Relevância Propriedade Exposição Estrutura Vestígios Uso atual da área
Fatores Antrópicos Ano do registro
Samambaia I Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta
Nada consta Plantio Indústria clandestina de cal/ Compactação de estradas
1962
Siqueiro Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta
Nada consta Plantio Vandalismo/ Caieira/ Construção de estradas
1962/98
Samambaia II Sambaqui Nada consta
Nada consta
Céu aberto
Nada consta
Nada consta Pastagem/ Estrada
Pasto/ Estrada 1962
Figueira Grande Sambaqui Nada consta
Privada Céu aberto
Nada consta
Nada consta Plantio Nada consta 1962/98
Passeio Jerônimo Coelho
Sambaqui Média Privada Céu aberto
Nada consta
Lítico polido Plantio Caieira 1961/98
Forquilha do Rio D’Una
Sambaqui Nada consta
Pública Céu aberto
Nada consta
Nada consta Plantio Nada consta Nada consta
Ribeirão do Cangueri I
Sambaqui Média Privada Céu aberto
Nada consta
Nada consta Plantio Caieira/ Aproveitamento econômico
1972
Ribeirão do Cangueri II
Sambaqui Alta Privada Céu aberto
Nada consta
Nada consta Plantio Estrada 1972
Balsinha III Sambaqui Média Privada Céu aberto
Nada consta
Nada consta Plantio Parcialmente alagado por barragem
1982
Balsinha IV Sambaqui Média Privada Céu aberto
Nada consta
Nada consta Plantio Alagado por barragem 1982
Balsinha V Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta
Lítico lascado/ Cerâmico
Plantio Alagado por barragem 1982
Balsinha VI Sambaqui de ocupação Tupiguarani.
Baixa Privada Céu aberto
Nada consta
Cerâmico Plantio Alagado por barragem 1982
Balsinha VII Sambaqui de ocupação Tupiguarani
Baixa Privada Céu aberto
Nada consta
Lítico polido/ Cerâmico
Plantio/ Pastagem
Parcialmente alagado por barragem
1982
Itaguaçú Sambaqui Baixa Privada Céu Nada Nada consta Plantio Parcialmente alagado por 1972
147
aberto consta barragem
Tamborete I Sambaqui Alta Privada Céu aberto
Nada consta
Nada consta Plantio Nada consta 1972
Tamborete II Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta
Lítico polido Plantio Nada consta 1961
Quadro 12: Síntese dos sítios arqueológicos registrados em Imaruí
Fonte dos dados: CNSA/SGPA (Imaruí). Disponível no endereço eletrônico do IPHAN. Compilação dos dados realizada pelo autor em
12/10/2015.
148
SÍTIO Tipologia Relevância Propriedade Exposição Estrutura Vestígios Uso atual da área
Fatores Antrópicos Ano do registro
Ponta Rasa Sambaqui Média Privada Céu aberto
Nada consta Sobre concha Plantio Vandalização/ Aproveitamento econômico
1962/98
Laudelino Sambaqui Média Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Nada consta 1972/97
Campo da Vila
Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Cortado por rodovia 1962/98
Campo de aviação
Sambaqui Média Privada Céu aberto
Funerária Cerâmicos Plantio Abertura de fossa 1997
Porto da Vila Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Abertura de fossa 1981/98
Porto do Ouriques
Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Alagamento 1982
Passagem do Rio D’Una I
Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Compactação de estradas 1962
Passagem do Rio D’Una II
Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio / Atividade Urbana
Compactação de estradas 1982
Balsinha I Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Compactação de estradas 1972
Balsinha II Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Compactação de estradas 1982
Araçatuba Sambaqui Média Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Compactação de estradas 1979
Mirim I Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Caieira/ Compactação de estradas
1962
Mirim II Sambaqui Média Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Agricultura 1962
Itapirubá I Sítio em Dunas / Sambaqui
Alta Nada consta
Céu aberto
Nada consta Cerâmicos Plantio Loteamento 1962
Itapirubá II Sítio em Dunas / Alta Nada Céu Nada consta Nada consta Plantio Loteamento 1962
149
Sambaqui consta aberto
Roça Grande I
Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Rodovia BR 101 1972
Roça Grande II
Sambaqui Baixa Privada
Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio/ Atividade urbana
Residências/ Caieira/ Pavimentação de estradas
1972
Barra da Lagoa de Ibiraquera
Sambaqui Média Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Vandalismo 1981
Guaiúba Sambaqui Baixa Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Agricultura/ Residências 1972
Imbituba VII Sambaqui Baixa Nada consta
Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Pavimentação de ruas em Laguna
1972
Roça Grande III
Sambaqui Média Privada Nada consta
Nada consta Nada consta Plantio Construção de estádio de futebol
1990
Passagem do Rio da D’Una III
Sambaqui Alta Privada Céu aberto
Nada consta Nada consta Plantio Nada consta 1990
Aldeia da ZPE
Aldeia Tupi-Guarani
Alta Nada consta
Céu aberto
Funerário/ Manchas pretas
Lítico lascado/ lítico polido/ cerâmico/ sobre concha/ lítico bruto
Nada consta
Implantação da ZPE/ Distúrbios de superfície/ Escavações manuais e mecânicas
1998
Sambaqui de Araçatuba
Sambaqui Média Privada Céu aberto
Área de refugo/ De combustão
Lítico lascado/Lítico polido
Pasto Duplicação rodovia BR 101
Nada consta
SC NB 06 Habitação Tupi-Guarani
Média Privada Céu aberto
Concentração cerâmica
Cerâmico Pasto Agricultura 2012
SC IMB 01 Acampamento Tupi-Guarani
Média Privada Submerso Nada consta
Cerâmico Área devoluta
Agricultura 2014
Quadro 13: Síntese dos sítios arqueológicos registrados em Imbituba
Fonte dos dados: CNSA/SGPA (Imbituba). Disponível no endereço eletrônico do IPHAN. Compilação dos dados realizada pelo autor em
05/10/2015.
150
5.2.2 Análise
Dividiremos a análise dos quadros síntese dos sítios arqueológicos em duas partes.
Na primeira, a análise considerará os aspectos gerais referentes ao conjunto dos três
municípios; na segunda, as características específicas de cada município. Por fim,
discutiremos os resultados.
5.2.2.1 Aspectos gerais
Dos 49 sítios arqueológicos registrados, 40 estão tipificados como sambaquis.
Outras tipificações encontradas são: oficinas líticas, sítios cerâmicos,
acampamento/habitação tupi guarani e sítio de arte rupestre. A maior parte dos sítios
estão relacionados, portanto, à ocupação dos povos caçadores-coletores
(sambaquieiros), com uma participação de sítios relacionados à ocupação tupi-guarani.
Cabe lembrar, entretanto, que muitos sambaquis foram ocupados por volta dos 1500
anos A.P. pelas populações itararé (Jê) e tupi-guarani.
Quanto à relevância, 10 sítios constam como de alta relevância, 15 de média
relevância, 19 de baixa relevância e 05 sem avaliação de relevância (nada consta). O
regime de propriedade preponderante é a privada (39 sítios). Apenas 05 sítios estão
localizados em áreas públicas e outros 05 sítios não possuem informações quanto ao
regime de propriedade (nada consta). Quanto à exposição, 47 sítios são de céu aberto,
01 submerso e 01 sem informação (nada consta).
Nos itens estrutura e vestígios constata-se a maior incidência de “nada consta”,
indicando a carência de pesquisas e a fragilidade dos próprios registros. Cabe lembrar
que o turismo arqueológico só se torna sustentável quando praticado em sítios
devidamente registrados e interpretados, conforme os princípios básicos do turismo
arqueológico sustentável apresentados por Bastos (2005).
De modo geral, verificou-se que o uso atual do solo da maioria dos sítios é de
plantio (aqui incluída a cobertura vegetal sem uso econômico) e de pastagens. Também
é possível verificar ainda que a maioria dos sítios está bastante impactada pelos fatores
antrópicos, quando não totalmente destruídos. Vandalização, uso dos materiais de sítios
arqueológicos para compactação e construção de estradas e alagamento por barragens
são os fatores antrópicos que mais incidem sobre os sítios registrados.
151
Por fim, a análise do item “ano de registro” permite afirmar que a maior parte dos
registros estão desatualizados. Dos 49 sítios, apenas 05 possuem registros realizados no
século XXI (registros motivados por trabalhos de arqueologia preventiva em função das
obras de saneamento em Garopaba, por exemplo). Constata-se ainda que os registros de
21 sítios arqueológicos (o que corresponde à quase metade do total) remontam às
décadas de 1960 e 1970.
5.2.2.2 Garopaba
Dentre os três municípios analisados, Garopaba apresenta a maior variedade de
sítios quanto à tipificação (apesar de possuir o menor número de sítios registrados), cuja
distribuição está entre oficinas líticas, sítios cerâmicos, sambaqui e sítio com arte
rupestre, bem como de sítios localizados em áreas públicas. É também o município que,
proporcionalmente, possui o maior número de sítios avaliados como de alta relevância.
Quanto ao aspecto de uma possível monumentalidade, os vestígios registrados
apontam a existência de bacias de polimento, afiadores, gravuras rupestres e vestígios
de cerâmica. Nos registros não constam informações significativas a respeito do estado
atual dos sítios, havendo, entretanto, referência a ações de vandalismo em dois deles
(Capão de Garopaba e Ponta do Galeão).
Dos 7 sítios, três foram registrados no século XXI (Ponta do Galeão, 2002;
Oficina Lítica da Vigia I, 2014; Oficina Lítica da Vigia II, 2014). Entretanto, os
registros dos dois sítios cerâmicos localizados na Praia da Gamboa remontam ao ano de
1965 e não foram atualizados.
5.2.2.3 Imaruí
Imaruí possui 16 sítios arqueológicos, cuja totalidade é tipificada como sambaqui.
A maior parte deles está situada em áreas privadas (apenas o sítio Forquilha do Rio
D’Una consta como situado em área pública).
A quantidade de sítios avaliados como de baixa relevância é bastante significativa
(7 sítios). Há, entretanto, 4 sítios considerados de média relevância e 2 de alta
relevância, porém com registros muitos antigos (ambos de 1972). Não há informações
disponíveis para o item estrutura. Quanto aos vestígios, estes se resumem a objetos
líticos polidos e cerâmicos.
152
Observa-se ainda que os sítios em Imaruí se encontram bastante alterados ou até
mesmo destruídos quando registrados, e a probabilidade é a de agravamento deste
estado em decorrência das atividades agrícolas, de mineração e do próprio processo de
urbanização. De modo geral, os registros no município são bastante antigos, a maior
parte deles concentrando-se nas décadas de 1970 e 1980. A atualização mais recente
data de 1998 (Siqueiro, Figueira Grande e Passeio Jerônimo Coelho) e o registro mais
antigo sem atualização remonta ao ano de 1961 (Tamborete II). Conforme as
informações referentes ao item ação antrópica, 6 sítios estão parcial ou totalmente
alagados por barragens e 4 sofreram a ação de caieiras e indústrias de mineração.
O cenário apresentado no Quadro Síntese dos Sítios Arqueológicos de Imaruí
indica que, considerando os sítios registrados e o estado dos mesmos, é improvável a
possibilidade destes constituírem atrativo para o turismo arqueológico no município.
5.2.2.4 Imbituba
Imbituba concentra o maior parte dos sítios arqueológicos registrados, totalizando
26, todos eles situados em propriedades privadas, exceto 4 sítios sobre os quais nada
consta. A maior parte (23) está tipificada como sambaquis, e 3 estão relacionados à
cultura tupi-guarani, estes localizados em áreas de implantação de uma Zona de
Processamento de Exportação (ZPE). Quanto à relevância, 12 sítios foram avaliados
como de baixa relevância, 10 como de média relevância e 4 de alta relevância, dos quais
dois situados em área de dunas (Itapirubá I e Itapirubá II), um em área de ZPE (Aldeia
ZPE) e outro em área privada e coberta por vegetação (Passagem do Rio D’Una III). A
localização do sítio em área de dunas pode representar uma dificuldade para a
constituição do atrativo do turismo arqueológico, haja vista a mobilidade das mesmas.
Constatamos esta dificuldade em diligência que realizamos juntamente com o IPHAN
às Dunas da Ribanceira (Imbituba) com o objetivo de localizar vestígios arqueológicos
pré-coloniais e delimitar o polígono de novos sítios a serem registrados46
. A extensão da
área e a mobilidade das dunas torna imprevisível o encontro de vestígios arqueológicos,
46
A diligência aconteceu em 23 de setembro de 2015. Foi coordenada pelo IPHAN e contou com o apoio
do IF-SC Campus Garopaba e da Secretaria de Cultura (SECULT) do município de Imbituba. O autor
participou na condição de professor de História do IF-SC. O objetivo era identificar a existência de sítios
arqueológicos na área de dunas e, em caso positivo, delimitar o polígono dos mesmos. Na ocasião, foram
identificados e delimitados os polígonos de três possíveis sítios arqueológicos pré-coloniais e encontrados
dois fragmentos cerâmicos da cultura tupi-guarani.
153
hora expostos, hora cobertos pela areia. Cabe lembrar ainda a fragilidade do ecossistema
e dos próprios vestígios arqueológicos.
Quanto aos itens estrutura e vestígios, poucos sítios possuem o registro destes
itens. Há duas menções de estruturas funerárias e o registro de vestígios líticos polidos e
cerâmicos. A ausência de maiores informações dificulta o processo de seleção dos sítios
registrados em Imbituba para a valoração “la puesta en valor”.
Observa-se que os sítios arqueológicos registrados em Imbituba estão bastante
impactados pela ação antrópica. Uso para compactação de estradas, caieiras,
alagamento, construção de loteamentos e até o uso do material na construção de estádio
de futebol são algumas das ações antrópicas que incidem sobre estes sítios. A situação
pode estar agravada, dada a antiguidade dos registros. Apenas dois sítios possuem
registro recente (SC NB 06, 2012; SC IMB 01, 2014). Os demais possuem registros do
ano de 1962 (5 sítios) ao ano de 1998 (4 sítios).
5.2.2.5 Discussão
Considerando a metodologia adotada nesta pesquisa, a valoração arqueológica
deve permitir um reconhecimento prévio dos sítios arqueológicos registrados nos
municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba, bem como suas condições gerais e
disponibilidade. Para esta valoração, optou-se pela consulta e análise das informações
disponíveis no CNSA/SGPA publicado pelo IPHAN, conforme já justificado, porque
representa a valoração arqueológica oficial e mais acessível.
Ainda que pese a antiguidade e não atualização de muitos registros, a ausência de
informações e a existência de fichas incompletas, esta pesquisa comprova que o
CNSA/SGPA é um importante instrumento para a valoração arqueológica na seleção de
sítios com potencialidade turística a serem avaliados. Daí a necessidade de uma
atualização urgente deste cadastro, não apenas para o planejamento de um turismo
arqueológico, mas também para um melhor conhecimento do patrimônio arqueológico
existente e para subsidiar políticas de salvaguarda e de educação patrimonial referentes
a este patrimônio.
A compilação dos dados do CNSA/SGPA segundo os critérios já expostos e a
organização destes em quadros síntese permitiu a análise das informações com vistas à
construção de um cenário geral do estado dos sítios arqueológicos nos três municípios
154
em questão, bem como delimitar os sítios a serem considerados para uma valoração “la
puesta en valor” reduzida.
O cenário geral indica precariedade dos sítios arqueológicos registrados nos três
municípios naquilo que diz respeito ao estado de conservação (considerando-se
principalmente a ação antrópica e o uso atual da área). A ausência de informações
importantes e a antiguidade dos registros indica a fragilidade do trabalho interpretativo.
Se “o patrimônio cultural é um bem de uso comum do povo brasileiro, e deve ser
sempre um bem de alcance social” (BASTOS, 2008, p. 11), as informações a respeito
deste bem devem estar disponíveis a todos de forma segura e plena. No caso dos
municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba, a análise constatou a carência destas
informações e a fragilidade das interpretações existentes, o que representa uma
dificuldade para o desenvolvimento de um turismo arqueológico para a região que
apresente sustentabilidade.
A análise das informações permite considerar que os sítios registrados em
Garopaba são os que apresentam maior interesse para a valoração “la puesta en valor”
reduzida porque localizados em áreas públicas, possuírem registros mais recentes e
maiores indícios de monumentalidade. Os municípios de Imaruí e Imbituba, conforme
observado na análise, apresentam sítios fortemente impactados pela ação antrópica e
tipificados como sambaquis. No caso de Imbituba, alguns destes sítios estão situados
em dunas. Tanto Imaruí, quanto Imbituba possuem a maior parte dos seus sítios
localizados em áreas privadas. Estas características dificultam o aproveitamento destes
espaços para o desenvolvimento do turismo arqueológico.
Dadas as características dos sítios de Imaruí registrados no CNSA/SGPA,
considerando as informações disponíveis, estes serão desconsiderados para a valoração
“la puesta en valor” reduzida aqui adotada porque apresentam pouco ou nenhum indício
de monumentalidade, estarem fortemente impactados ou destruídos pela ação antrópica
e se situarem em áreas privadas. Considera-se ainda o fato de uma parcela significativa
destes sítios estarem avaliados como de baixa relevância. Pelas mesmas razões, dentre
os sítios de Imbituba cadastrados no CNSA/SGPA, esta pesquisa submeterá à valoração
“la puesta en valor” reduzida o sítio arqueológico da Barra da Lagoa de Ibiraquera,
tipificado como Sambaqui e considerado de média relevância. O sítio é citado também
como relevante por condutores ambientais, conforme já apresentado, está localizado
entre a praia da Barra da Lagoa e a praia do Luz e próximo à trilha de acesso à Praia do
Rosa, na qual se situa oficina lítica citada pela comunidade e por grupos de condutores
155
locais a esta pesquisa. Além do sítio da Barra da Lagoa da Ibiraquera, outros sítios
arqueológicos de Imbituba serão visitados e avaliados. Apesar de não constarem do
cadastro do CNSA/SGPA, os sítios selecionados para valoração em Imbituba possuem
aquilo que Dabezies (2011) denomina de reconhecimento social, ou seja, é conhecido e
reconhecido pelos moradores locais ou por um público geral.
Conforme exposto, sítios arqueológicos do município de Garopaba registrados no
CNSA/SGPA apresentam características que os habilitam para a valoração “la puesta en
valor” reduzida. O fato de se situarem em áreas públicas, possuírem alta relevância,
ainda não estarem fortemente impactados pela ação antrópica e apresentarem indícios
de monumentalidade constituem estas características habilitadoras. Acrescente-se a isto
a tipificação de três deles enquanto oficinas líticas e um deles enquanto sítio com arte
rupestre. A respeito do potencial de monumentalidade das oficinas líticas, afirma
Comerlato:
a disposição das depressões, o aproveitamento da rocha suporte, o
brilho do polimento, a simetria das formas, sua relação com a
paisagem são características que conferem aos sítios de oficinas líticas
um ponto de atração ao nosso olhar, sobretudo pela sua qualidade
estética. (COMERLATO, 2015, p. 188).
Quanto às gravuras rupestres, afirma a mesma autora:
As gravuras rupestres também podem ser vistas como um atrativo
turístico, movimentando um mercado ainda pequeno – o do turismo
cultural, mais precisamente arqueológico. O interesse turístico tem
crescido nos últimos anos tanto no litoral como na serra catarinense,
existindo iniciativas de prefeituras e de particulares. (COMERLATO,
2005, p. 161).
Algumas experiências de turismo arqueológico que exploram oficinas líticas e
inscrições rupestres enquanto atrativo já vêm sendo desenvolvidas no estado de Santa
Catarina, como é o caso do Morro do Avencal (Urubici) e o Museu Arqueológico Ar-
Livre Costão do Santinho (Florianópolis)47
.
Assim, para a valoração “la puesta en valor” reduzida, os sítios que apresentam
tipificação, estrutura e/ou vestígios que remetem à existência de oficinas líticas e
gravuras rupestres serão considerados. É o caso do sítios localizados na praia da Vigia e
na Ponta do Galeão. Também será selecionado o sítio Capão de Garopaba, tipificado
47
Segundo as informações disponíveis no site da Prefeitura Municipal de Florianópolis, o Museu
Arqueológico Ar-livre do Costão do Santinho recebe em média 70 mil visitantes por ano. Fonte:
http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/turismo/?cms=museu+arqueologico+ar+livre+costao+do+santinho
(Acesso realizado em 07/01/2016).
156
com sambaqui, mas que segundo relatos colhidos pelo autor junto à comunidade local,
apresenta oficina lítica associada (o que de fato se verificou). Por último, dada a
relevância apontada pelo CNSA/SGPA e a ocorrência de vestígios, seleciona-se também
o sítio Praia da Gamboa I.
Embora constituam marcos paisagísticos importantes da ocupação pré-colonial, os
sambaquis da região não serão considerados para a valoração “la puesta en valor”
reduzida aqui aplicada sob o princípio da redução metodológica adotada, exceto quando
associados à oficina lítica, inscrição rupestre ou estarem situados próximo a outro sítio
arqueológico, conforme já discutido. Os critérios para a exclusão são: alto impacto da
ação antrópica, estarem localizados em áreas privadas, apresentarem pequeno ou
nenhum indício de monumentalidade e/ou estarem avaliados como de baixa relevância.
Exclui-se, segundo estes critérios, a totalidade dos sítios registrados nos municípios de
Imbituba.
Os critérios de inclusão e de exclusão não serão avaliados isoladamente, mas em
contexto. Assim, a seleção ou não de um sítio para a valoração “la puesta en valor”
reduzida observará o conjunto dos critérios que indicam inclusão e exclusão.
5.3 Valoração “la puesta en valor” reduzida
Para esta etapa da cadeia valorativa foram selecionados sítios arqueológicos nos
municípios de Garopaba e Imbituba. A exclusão dos sítios arqueológicos cadastrados no
município de Imaruí pelos critérios metodológicos adotados neste trabalho não significa
que este não possua sítios ou vestígios potencialmente significativos para o
desenvolvimento do turismo arqueológico. Entretanto, a análise do CNSA/SGPA não
identificou sítios com este potencial cadastrados no município. Tampouco a pesquisa
identificou sítios arqueológicos que apresentem reconhecimento social em Imaruí que
justificaria uma valoração “la puesta en valor” reduzida.
No município de Garopaba foram selecionados os sítios Ponta do Galeão, Oficina
Lítica da Vigia I, Capão de Garopaba, Praia da Gamboa I e Praia do Siriú. Os sítios
Oficina Lítica da Vigia II e Morro da Vigia, embora preencham os critérios de inclusão,
foram visitados porém não valorados por pertencerem ao contexto e apresentarem
monumentalidade equivalente ao da Oficina Lítica I e se situarem entre esta e a Ponta
do Galeão. Já o sítio Praia do Siriú não consta do CNSA/SGPA, porém foi reconhecido
socialmente por condutor ambiental local. Por possuir vestígios de oficina lítica e não
157
estar cadastrado, optou-se por incluí-lo nesta etapa da cadeia valorativa. O sítio Praia da
Gamboa I foi incluído porque foi classificado como de alta relevância, apresentar
vestígios no momento do seu registro e se situar no limite norte do município de
Garopaba. A busca deste sítio foi realizada na data de 12 de dezembro de 2015 com
guiamento de condutor ambiental local, porém não foi localizado. Moradores da
Gamboa disponíveis no momento da busca em campo foram consultados a respeito da
existência de sítio ou vestígios na localidade. Estes, porém, desconheciam qualquer
referência neste sentido. Por este motivo, e também porque o cadastro disponível no
CNSA/SGPA não informa as coordenadas geográficas ou pontos de referência física do
sítio, não foi possível realizar esta etapa da cadeia valorativa neste sítio arqueológico
Praia da Gamboa I.
No município de Imbituba, conforme discutido na seção anterior, foi selecionado
para esta etapa da cadeia valorativa o sítio arqueológico Barra da Lagoa de Ibiraquera,
que consta do CNSA/SGPA. Além deste, e adotando o critério do reconhecimento
social, foram selecionados também os seguintes sítios: Rosa Sul, Canto Norte da Praia
da Vila e Porto do Nato. Nenhum destes sítios está cadastrado no CNSA/SGPA, porém
todos foram sugeridos por pessoas da comunidade e identificados por possuírem
vestígios de Oficinas Líticas. Rosa Sul foi citado por representantes da comunidade
local e pelos grupos de condutores ambientais locais ouvidos nesta pesquisa. No Canto
Norte da Praia da Vila e no Porto do Nato fomos conduzidos pelo cidadão Ronaldo
Augusto, acadêmico de História, residente do Bairro Vila Nova e descendente de uma
família radicada em Imbituba há várias gerações.
A inclusão de sítios de Garopaba e Imbituba não cadastrados no CNSA/SGPA
para esta etapa da cadeia valorativa com base no critério do reconhecimento social,
fundamenta-se na compreensão de Funari e Alfonso (2013) a respeito do
reposicionamento da própria arqueologia no contexto de uma sociedade democrática, na
qual este campo de saber se vê impulsionado e desafiado por novas interações (dentre
estas, a do turismo) e situações.
No es inusual que una comunidad local, indígena o cimarrona, perciba
un sitio arqueológico de su territorio de manera diferente a como lo
hacen los arqueólogos y turistas, distantes de los costumbres locales.
(...) Es así como los arqueólogos deben superar sus proprios prejuícios
y la tentación de ridicularizar tanto las interpretaciones indígenas
como las de los turistas. (FUNARI e ALFONSO, 2013, p. 44).
158
Para a valoração “la puesta en valor” foi construída uma ficha com os itens a
serem avaliados em cada sítio arqueológico selecionado na etapa anterior da cadeia
valorativa. Os critérios desta ficha têm como referência Dabezies (2011) e foram
definidos a partir do princípio da redução metodológica. O preenchimento das fichas foi
realizado durante a visita que realizamos aos sítios arqueológicos selecionados e a partir
de observação superficial destes. “Observação superficial” significa dizer que não foi
realizado qualquer tipo de intervenção que pudesse agredir ou mutilar o sítio visitado,
tampouco recolhidos materiais de qualquer espécie. As datas das visitas e o autor dos
registros constam das fichas. Também foram produzidas fotografias de cada sítio no
momento da visita, com o objetivo de documentar e contribuir com a análise dos
resultados. Estas fotografias constam das fichas. Para o registro fotográfico, contamos
com a colaboração de voluntários que nos acompanharam nas visitas. Também constam
nas fichas os municípios em que os sítios estão localizados, seus nomes conforme
registrado no CNSA/SGPA (quando não cadastrado, optamos por utilizar o nome como
é conhecido pela população local) e as coordenadas geográficas. A ausência de
coordenadas geográficas ou pontos de orientação nas fichas do CNSA/SGPA
representaram uma dificuldade nesta pesquisa porque em alguns casos impossibilitou a
localização do sítio arqueológico. Neste trabalho utilizamos as coordenadas do Sistema
Universal Transversa de Mercator (UTM), definidas por meio de GPS portátil “Garmin
- eTrex 20” junto a um dos vestígios do sítio visitado. Trata-se portanto de uma
referência, sendo que o polígono do sítio arqueológico visitado não foi definido.
Para a valoração “la puesta en valor” reduzida foram avaliados os seguintes
critérios:
a) capacidade explicativa: indica se o sítio é superficial, se apresenta algum tipo
de vestígios e/ou atrativos, a atratividade da paisagem em que está inserido e se possui
algum tipo de estrutura interpretativa.
b) monumentalidade: indica o tipo de monumentalidade apresentada pelo sítio e
se esta é ou não significativa.
c) conservação do entorno: descreve o entorno e indica o estado de conservação
do sítio e se a paisagem remete à ocupação pretérita.
d) acessibilidade: indica as condições gerais de acesso ao sítio, se por trilha, praia
ou estrada e as dificuldades e facilidades deste.
e) atrativo da zona: indica se o sítio está integrado a outros atrativos.
159
f) necessidades mínimas: indica se o sítio possui condições mínimas enquanto
atrativo turístico e informa quais as necessidades estruturais mais urgentes para a sua
conservação e interpretação.
g) serviços: indica os serviços próximos ao sítio disponíveis para os turistas.
h) disponibilidades do uso do solo: indica se o sítio está situado em área pública
ou privada e se há restrições de acesso.
Figura 13: Localização dos sítios arqueológicos selecionados para a valoração “la
puesta en valor” reduzida. (Produzido no Google Maps).
160
5.3.1 Ponta do Galeão (Garopaba)
Município:
Garopaba Sítio (conforme CNSA)
Ponta do Galeão Coordenadas:
S 28° 1' 49,43’’
W 048° 35' 54’’
Capacidade explicativa: Sítio perceptível, a céu aberto, com inscrições rupestres, sem
informações de apoio (sinalização, placas explicativas etc). Inserido em uma paisagem atrativa.
Monumentalidade: Inscrições rupestres, formações rochosas peculiares (uma delas
identificada popularmente como “esfinge”). Apresenta monumentalidade significativa.
Conservação do entorno: Incrustado em um costão junto ao mar. A paisagem remete ao
tempo pretérito. Intervenção humana pouco perceptível, porém apresenta alguma vandalização
nas inscrições. Ação do intemperismo sobre os vestígios.
Acessibilidade: Acesso por trilha pública com alto grau de dificuldade. Há também acesso por
estrada privada e pastagem (necessita de autorização dos proprietários).
Atrativo da zona: O local está situado em um costão junto ao Oceano Atlântico. Formação
rochosa com fissuras e uma paisagem bastante particular. Altamente atrativa para adeptos do
“trekking”.
Necessidades mínimas: Necessita de infraestrutura para visitação segura e proteção dos
vestígios e entorno, além de estrutura interpretativa.
Serviços: Não há oferta de serviços ou infraestrutura turística no local.
Disponibilidades do uso do solo: Área pública, com dificuldades de acesso em função das
características do terreno.
Foto ou observações complementares:
Figura 14: Costão da Ponta do Galeão com aspecto de Esfinge (vista lateral). Foto:
Rossano Lopes Bastos.
161
Figura 15: Vista do entorno e trilha que margeia a orla, ligando este sítio às oficinas
líticas da Praia da Vigia. Foto: Rossano Lopes Bastos.
Figura 16: Inscrições rupestres. Foto: Rossano Lopes Bastos.
162
Figura 17: Costão. Foto: Rossano Lopes Bastos.
Figura18: Inscrição rupestre. Foto: Rossano Lopes Bastos.
Data da visita e registro: 05/09/2015.
163
5.3.2 Oficina Lítica da Vigia (Garopaba)
Município:
Garopaba Sítio (conforme CNSA)
Oficina Lítica da Vigia I (a Oficina
Lítica da Vigia II está inserida no
mesmo contexto).
Coordenadas:
S 28º 01’ 10’’
W 048º 36’ 37,5’’
Capacidade explicativa: Sítio perceptível, a céu aberto, com vestígios de oficina lítica, sem
informações de apoio (sinalização, placas explicativas etc). Inserido em uma paisagem atrativa
junto à praia.
Monumentalidade: Vestígios de oficina lítica (bacias e afiadores longitudinais). Apresenta
monumentalidade.
Conservação do entorno: Praia e costões. Entorno bastante alterado pela ação antrópica.
Presença intensa de veranistas na temporada de verão.
Acessibilidade: O sítio está situado junto à praia. O acesso se dá por uma pequena trilha com
degraus. Há estacionamento para automóveis próximo ao sítio (situado a menos de 100
metros). Há estrada pavimentada até a praia.
Atrativo da zona: O local está situado junto à Praia da Vigia, próximo ao Centro Histórico de
Garopaba. No caminho até a praia se situa a Igreja Católica de São Joaquim (construída no
século XIX), o casarão da administração da antiga armação baleeira (construído no século
XVIII e que atualmente abriga uma loja de artesanato local) e uma gruta católica. A distância
destes atrativos e o sítio pode ser coberta em uma caminhada inferior a 30 minutos, com vista
para a Praia de Garopaba, Vila de Pescadores, Centro Histórico e Dunas do Macacu. O Sítio
Oficina Lítica da Vigia 1 é o ponto inicial de uma trilha que inclui o Sítio Oficina Lítica da
Vigia 2, o Morro da Vigia e se conclui no Sítio Ponta do Galeão.
Necessidades mínimas: Sim. Necessita de estrutura interpretativa, passarelas e estrutura para
proteção dos vestígios arqueológicos.
Serviços: O sítio está localizado próximo ao Centro Histórico de Garopaba, com ampla
estrutura de serviços (restaurantes, bancos, correio, lojas de souvenires, hotéis e centro de
informação turística).
Disponibilidades do uso do solo: Área pública, sem restrições de acesso.
Foto ou observações complementares:
Figura 19: Disposição das rochas pelo entorno. Foto: Fernanda Denise Satler.
164
Figura 20: Bacias de polimento. Foto: Fernanda Denise Satler.
Data da visita e registro: 12/12/2015.
5.3.3 Capão de Garopaba (Garopaba)
Município:
Garopaba Sítio (conforme CNSA)
Capão de Garopaba Coordenadas:
S 28º 04’ 56,3’’
W 048º 37’ 41,4’’
Capacidade explicativa: Sítio perceptível, a céu aberto, com vestígios de oficina lítica e
sambaqui, sem informações de apoio (sinalização, placas explicativas etc). Inserido em uma
paisagem atrativa sobre uma ilha junto à praia e na foz da Lagoa de Garopaba (Encantada).
Monumentalidade: Oficina lítica com bacias e afiadores longitudinais (concentrados e
espalhados) e vestígios de sambaqui. Apresenta monumentalidade significativa.
Conservação do entorno: O sambaqui está bastante destruído. Há pedaços de rocha diabásio
com bacias líticas espalhados no entorno. Há um complexo razoável de brunidores rupestre na
frente leste do sambaqui, no costão junto ao mar, em estado de preservação razoável. A ilha (o
local é assim classificado nas cartas náuticas, embora na prática lembre um istmo) apresenta
formações rochosas peculiares, que alguns moradores da região identificam como figuras
esculpidas. Existência de “caminhos” não planejados abertos pela passagem de pedestres,
aumentando a erosão do sambaqui. Remete ao tempo pretérito.
Acessibilidade: O sítio está situado junto à praia. Há acesso de automóvel até a uma distância
de 100 metros. A oficina lítica é acessada por trilha.
Atrativo da zona: Localizado entre as praias da Barra e da Ferrugem, na foz da Lagoa de
Garopaba, também conhecida por Encantada. O sítio está integrado à comunidade de
pescadores tradicionais do Capão e sobre ele está edificado um barracão de pescadores. Na
temporada da Tainha, é utilizado como posto de vigia e no seu entorno é possível acompanhar
os cercos de tainha.
Necessidades mínimas: Sim. Necessita de estrutura interpretativa, passarelas e estrutura para
proteção dos vestígios arqueológicos.
165
Serviços: Há uma grande diversidade de bares, restaurantes e pousadas nas proximidades. O
local é atendido por linha de ônibus.
Disponibilidades do uso do solo: Definido no CNSA/SGPA como área privada. Entretanto,
em conversas com moradores locais, a área é compreendida de uso público pela comunidade.
Sem restrições de acesso.
Foto ou observações complementares:
Figura 21: Superfície do Sambaqui com trecho de trilha. Foto: Anneli Fernandes da
Costa.
166
Figura 22: Oficina Lítica (afiadores longitudinais). Foto: Anneli Fernandes da Costa.
Figura 231: Turista observando a oficina lítica.Foto: Anneli Fernandes da Costa.
Data da visita e registro: 23/10/2015.
167
5.3.4 Praia do Siriú
Município:
Imbituba
Sítio (conforme CNSA) Não está
cadastrado.
Praia do Siriú
Coordenadas:
S 27º 58’ 27,2’’
W 048º 37’ 40,7’’
Capacidade explicativa: O sítio não está cadastrado no CNSA/SGPA e foi indicado por
condutores ambienta. Junto ao costão, no granito, há uma única bacia que pode ser parte de
uma oficina lítica, mas necessita de estudo arqueológico.
Monumentalidade: Uma bacia lítica sobre granito (necessita de estudo arqueológico). Baixa
monumentalidade.
Conservação do entorno: Entorno bastante transformado pela ação antrópica, com a presença
de residências, estrada e veranistas durante a temporada de verão.
Acessibilidade: O vestígio está localizado no início de um costa de granito junto à praia do
Siriú. Há uma estrada pavimentada que dá acesso ao local, com estacionamento.
Atrativo da zona: Paisagem (praia, mar e costão).
Necessidades mínimas: O autor não possui autoridade técnica para confirmar se o vestígio foi
produzido por culturas pré-coloniais, ou se deriva do intemperismo. Necessita de avaliação por
arqueólogo.
Serviços: Próximo ao sítio há restaurante e pousadas. O local é atendido por transporte público
urbano.
Disponibilidades do uso do solo: Área pública, sem restrições de acesso.
Foto ou observações complementares:
Figura 24: Vista do entorno. Foto: Fernanda Denise Satler.
168
Figura 25: Suposta bacia lítica. O contraste é resultado da água. Foto: Fernanda Denise
Satler.
Data da visita e registro: 12/12/2015.
5.3.5 Rosa Sul (Imbituba)
Município:
Imbituba
Sítio (conforme CNSA) Não
está cadastrado.
Rosa Sul
Coordenadas:
S 28º 08’ 21,5’’
W 048º 38’ 21,1’’
Capacidade explicativa: Sítio perceptível, a céu aberto, com vestígios de oficina lítica, sem
informações de apoio (sinalização, placas explicativas etc). Inserido em uma paisagem atrativa
com barracões de pesca tradicional e costão.
Monumentalidade: Vestígio de oficinas líticas (afiadores longitudinais), alguns em pequenas
rochas espalhadas pela área. Apresenta monumentalidade.
Conservação do entorno: Localizado ao sul de uma das principais praias do litoral catarinense
(Praia do Rosa), com costões e morros recobertos de vegetação. O sítio sofreu modificações,
como remoção de rochas com vestígios e vandalização.
Acessibilidade: Acesso por praia e trilha pouco acidentada. Área pública. Há uma estrada de
terra transitável por veículos de passeio que permite a aproximação ao sítio (o ponto final da
estrada dista aproximadamente 50 metros dos vestígios.
Atrativo da zona: O sítio está localizado na extremidade sul de uma das mais conhecidas e
referenciadas praias do litoral catarinense. É margeado por uma trilha que dá acesso à Praia do
Luz (Imbituba) com atrativos paisagísticos e de flora, utilizada por turistas adeptos do trekking.
A presença de barracões de pesca tradicional pode servir como atrativo cultural.
Necessidades mínimas: Sim. Necessita de material interpretativo, passarelas e equipamentos
de segurança na trilha.
Serviços: Próximo ao sítio à oferta de restaurantes, pousadas e a venda de serviços de
condução ambiental.
Disponibilidades do uso do solo: Área pública, sem restrições de acesso.
169
Foto ou observações complementares:
Figura 26: Rochas espalhadas pelo entorno. Diversas apresentam vestígios de oficina
lítica (afiadores longitudinais). Foto: Fernanda Denise Satler.
Figura 27 Vista do entorno, com barracões de pescadores e montanha. Foto: Fernanda
Denise Satler.
170
Figura 28: Rochas com vestígios de oficina lítica (destaque para a rocha central, com
vestígios vandalizados. Foto: Fernanda Denise Satler.
Figura 29: Afiadores longitudinais. Foto: Fernanda Denise Satler.
Data da visita e registro: 02/11/2015.
5.3.6 Canto Norte da Praia da Vila (Imbituba)
Município:
Imbituba
Sítio (conforme CNSA) Não está
cadastrado.
Canto Norte da Praia da Vila
Coordenadas:
S 28º 14’ 23,3’’
W 048º 39’ 10,3’’
Capacidade explicativa: O sítio não está cadastrado no CNSA/SGPA e foi indicado por
moradores locais. Sítio perceptível, a céu aberto, com poucos vestígios, sem informações de
apoio (sinalização, placas explicativas etc). Inserido em uma paisagem atrativa.
Monumentalidade: Vestígios (poucos e esparsos) de oficinas líticas (longitudinais). Baixa
monumentalidade.
171
Conservação do entorno: Costões, mar e praia, com vista para ilha próxima. Entorno
relativamente preservado, que permite uma ideia da paisagem pretérita. Presença humana
intensa e alta vulnerabilidade.
Acessibilidade: Acesso por praia e trilhas com aclives e declives. Acessível por pedestres que
não possuem dificuldades motoras.
Atrativo da zona: Paisagem (costões, mar, ilha próxima, praia). Incidência de esportes
aquáticos.
Necessidades mínimas: Necessita de infraestrutura para visitação segura e proteção dos
vestígios e entorno, além de estrutura interpretativa.
Serviços: Oferta de serviços gastronômicos e de hospedagem. Próximo à região central.
Estacionamento para ônibus e veículos de passeio.
Disponibilidades do uso do solo: Área pública, sem restrições de acesso.
Foto ou observações complementares:
Figura 30: Vista do entorno. Foto: Ronaldo Augusto.
172
Figura 31: Afiadores longitudinais. Foto: Ronaldo Augusto.
Figura 32: Vestígios de oficina lítica. Foto: Ronaldo Augusto.
Data da visita e registro: 05/12/2015.
173
5.3.7 Porto do Nato, Guaiúba (Imbituba)
Município:
Imbituba
Sítio (conforme CNSA) Não está
cadastrado.
“Porto do Nato” (denominação popular),
Guaiúba.
Coordenadas:
S 28º 17’ 23,1’’
W 048º 43’ 16,5’’
Capacidade explicativa: O sítio não está cadastrado no CNSA/SGPA e foi indicado por
moradores locais. Sítio perceptível, a céu aberto, com vestígios de oficina lítica, sem
informações de apoio (sinalização, placas explicativas etc). Inserido em uma paisagem
atrativa.
Monumentalidade: Vestígio de oficinas líticas (bacias). Apresenta monumentalidade.
Conservação do entorno: Localizado em uma pequena enseada de pedras, possivelmente
removidas, à beira da Lagoa de Imaruí. O sítio sofreu modificações e alguns vestígios estão
parcialmente submersos, outros danificados.
Acessibilidade: Acesso por praia e trilhas pouco acidentadas, através de propriedade privada.
Atrativo da zona: O local está situado à margem da Lagoa de Imaruí, e possui uma pequena
praia.
Necessidades mínimas: Necessita de infraestrutura para visitação segura e proteção dos
vestígios e entorno, além de estrutura interpretativa.
Serviços: Não há oferta de serviços ou infraestrutura turística. Transporte urbano precário e
estradas de acesso e mau estado de conservação.
Disponibilidades do uso do solo: Área privada, com restrições de acesso.
Foto ou observações complementares:
Figura2: Vista da Lagoa do Imaruí a partir do sítio. Foto: Ronaldo Augusto.
174
Figura 34: Bacias de polimento. Foto: Ronaldo Augusto.
Figura 35: Vestígios de oficina lítica sobre rochas quebradas e removidas. Foto: Ronaldo
Augusto.
Data da visita e registro: 05/12/2015.
175
5.3.8 Barra da Lagoa de Ibiraquera
Município:
Imbituba Sítio (conforme CNSA)
Barra da Lagoa de Ibiraquera Coordenadas:
S 28º 08’ 59,6’’
W 048º 38’ 50,2’’
Capacidade explicativa: Sítio perceptível, a céu aberto sem informações de apoio
(sinalização, placas explicativas etc). Inserido em uma paisagem atrativa junto à praia.
Monumentalidade: Um sambaqui parcialmente coberto por vegetação e que se eleva a uma
altitude aproximada de 15 metros em seu cume. Apresenta monumentalidade.
Conservação do entorno: Praia, dunas, foz de lagoa e mata. Entorno razoavelmente
preservado e que remete ao tempo pretérito. Sobre o sambaqui pescadores tradicionais
construíram um barraco de vigia. Há trilhas não planejadas cortando o sambaqui.
Acessibilidade: O sítio está situado junto à praia. O acesso se dá pela praia. As estradas que
chegam ao local são de terra. No sambaqui há trilhas íngremes cobertas de areia.
Atrativo da zona: O local está situado próximo à foz da Lagoa da Ibiraquera, entre as praias
da Barra da Ibiraquera e do Luz e em frente à Ilha do Batuta. Região de prática de esportes
aquáticos e já sediou campeonatos nacionais e internacionais destes esportes. No canto norte da
Praia do Luz há uma trilha que dá acesso ao canto sul da Praia do Rosa, onde há oficina lítica.
Do alto sambaqui tem-se vista da região, incluindo o Oceano Atlântico, ilha, praias, lagoa e
Dunas da Ribanceira.
Necessidades mínimas: Sim. Necessita de estrutura interpretativa, passarelas e estrutura para
proteção do sambaqui.
Serviços: O sítio está localizado na margem norte da Barra da Lagoa de Ibiraquera. Há
pousadas próximas e, na margem sul da Barra (acessível quando a barra está fechada), há
restaurantes e lojas de souvenires.
Disponibilidades do uso do solo: Embora registrada como privada no CNSA/SGPA, a área é
pública e sem restrições de acesso.
Foto ou observações complementares:
Figura 36: Vista do Sambaqui a partir da praia da Barra, no sentido Norte. Observe-se a
trilha cortando o sambaqui. Foto: Fernanda Denise Satler.
176
Figura 37: Superfície do Sambaqui. Foto: Fernanda Denise Satler.
Figura 38: Vista da paisagem a partir do topo do Sambaqui. Foto: Fernanda Denise
Satler.
Data da visita e registro: 04/01/2016.
5.4 Os resultados da valoração “la puesta en valor”: potencialidades e fragilidades
dos sítos arqueológicos valorados.
177
A partir da metodologia da valoração “la puesta en valor” reduzida realizada nos
sítios arqueológicos selecionados para esta etapa da cadeia valorativa, identificou-se
que, de modo geral, os sítios apresentam monumentalidade, estão situados em áreas
com atrativos paisagísticos importantes e, em alguns casos, bastante próximos a
equipamentos turísticos estruturados. Por outro lado, nenhum dos sítios avaliados possui
material interpretativo disponível no local e estruturas que garantam sua proteção e
orientem e facilitem o acesso dos visitantes, tais como passarelas, deques, cercas de
proteção, placas informativas entre outros.
Os sítios arqueológicos estão situados próximo a locais de intenso fluxo turístico,
especialmente na temporada de verão (exceto Ponta do Galeão e Porto do Nato). Os
sítios Oficina Lítica da Vigia I, Praia do Siriú, Capão de Garopaba, Rosa Sul, Barra da
Lagoa de Ibiraquera e Canto Norte da Praia da Vila estão situados junto à praia e são
ocupados por turistas durante o verão, que caminham e estendem toalhas de banho e
demais pertences sobre os vestígios arqueológicos. A proximidade com áreas urbanas, a
prática da vilegiatura a partir da década de 1970 (ALVIM, 2014) e o tratamento
autoritário dispensado pelo Estado Brasileiro ao patrimônio arqueológico pré-colonial
(BUENO, 2011; FUNARI e ALFONSO, 2013) impactaram os sítios arqueológicos
avaliados, que apresentam sinais de vandalização, mutilação ou ocupação do espaço por
estruturas físicas estranhas a eles.
Quanto à acessibilidade, Oficina Lítica da Vigia I, Praia do Siriú e Rosa Sul são
alcançados pela faixa de areia de suas respectivas praias. Os demais são acessados por
trilhas com diferentes níveis de dificuldade. O sítio arqueológico da Ponta do Galeão
apresenta o maior nível de dificuldade no acesso, já que este se dá por trilha íngreme,
estreita e acidentada junto a um costão. Nenhum dos sítios possui trilhas planejadas e
sinalizadas.
O sítio da Praia do Siriú apresenta baixa monumentalidade, resumida a uma bacia
lítica incrustada no granito. Não foi possível confirmar se o vestígio foi produzido por
ação antrópica ou intemperismo. Considerando sua baixa monumentalidade, localização
e carência de capacidade explicativa, conforme a valoração “la puesta en valor”
reduzida realizada no local, o sítio não apresenta potencial para o turismo arqueológico.
Oficina lítica da Vigia I e Ponta do Galeão integram um mesmo conjunto
paisagístico, ligado por trilha que se inicia na praia da Vigia e inclui outros sítios
cadastrados no CNSA/SGPA não avaliados neste trabalho (Oficina Lítica da Vigia II e
Morro da Vigia). O conjunto apresenta alta monumentalidade (oficinas líticas com
178
bacias e afiadores, inscrições rupestres e composições rochosas com possível uso
simbólico), capacidade explicativa e necessidades mínimas e está inserido em uma
paisagem atrativa e servido por serviços turísticos na sua base (Oficina Lítica da Vigia
I). Estes elementos permitem considerar o conjunto ligado por estes dois sítios com
potencial para o turismo arqueológico. Entretanto, são elementos que dificultam seu
aproveitamento turístico sustentável a fragilidade das inscrições rupestres (sua
exposição ao intemperismo e grafitismo contemporâneo), as dificuldades de acesso na
trilha para a Ponta do Galeão e os riscos à integridade física dos turistas, a presença
massiva de turistas sobre as oficinas líticas, a ausência de equipamentos de interpretação
e de proteção dos vestígios.
O sítio arqueológico Capão de Garopaba (conhecido pela comunidade local como
Morro do Índio) embora esteja tipificado exclusivamente como sambaqui no
CNSA/SGPA, apresenta oficina lítica associada com bacias de polimento e afiadores
incrustados na rocha diabásio. Os vestígios da oficina lítica podem ser observados
concentrados sobre uma plataforma rochosa que adentra ao mar (quando a maré está
alta podem ser parcialmente cobertos pela água) e espalhados em fragmentos no entorno
do sambaqui, parcialmente encobertos pela areia. Trata-se de uma oficina lítica que
ocupa área razoável e apresenta diversidade de estruturas líticas. O sambaqui, ainda que
perceptível, está bastante danificado e mutilado. Possuir monumentalidade, capacidade
explicativa, situar-se em paisagem atrativa e com disponibilidade de serviços e ser de
fácil acesso são elementos que o habilitam enquanto potencial para o turismo
arqueológico. Entretanto, a vulnerabilidade dos seus vestígios (intemperismo e ação
antrópica), a ausência de equipamentos de interpretação e de proteção dos vestígios e a
existência de trilhas não planejadas e orientadas representam complicadores para seu
aproveitamento turístico sustentável.
A Praia do Rosa é um dos balneários da região com maior reconhecimento
turístico. Em seu canto Sul, junto ao costão denominado pela população local de
“Portinho” e ocupado por antigos barracões de pesca tradicional, situa-se uma série de
vestígios de oficina lítica (principalmente afiadores) incrustados sobre rochas de
pequeno porte espalhadas junto ao mar e sobre um bloco de diabásio denominado pelos
moradores da região como “Pedra da Dedada”48
. Paralelamente aos vestígios segue uma
trilha que dá acesso à Praia do Luz, em cujo extremo sul situa-se um sambaqui com
48
Conforme depoimento de Maria Aparecida Ferreira ao autor em 13/01/2016.
179
altura aproximada de 15 metros. Por apresentar monumentalidade, capacidade
explicativa, situar-se em paisagem atrativa e com disponibilidade de serviços, gozar de
reconhecimento social e ser de fácil acesso, o sítio arqueológico localizado no canto Sul
da Praia do Rosa possui potencial para o turismo arqueológico. Entretanto, seus
vestígios estão vulneráveis e possuem histórico de vandalização e furto. O sítio, assim
como os demais, também não possui estrutura interpretativa e que oriente o acesso dos
visitantes com segurança. Estes elementos apresentam-se como complicadores para seu
aproveitamento turístico sustentável.
O sítio arqueológico da Barra da Lagoa de Ibiraquera está tipificado como
sambaqui e, segundo dados de satélite coletados no local por meio de GPS portátil
“Garmin - eTrex 20”, possui 15 metros de altura. Embora o critério adotado nesta
pesquisa tenha excluído a valoração dos sítios tipificados exclusivamente como
sambaqui, a inclusão deste, conforme justificado anteriormente, aconteceu porque
possui reconhecimento social (Quadro 10) e pode ser considerado, enquanto atrativo,
como uma extensão do sítio localizado no canto Sul da Praia do Rosa, ao qual se liga
por meio de trilha e extensão de praia. O sítio possui ainda características intrínsecas,
dada a monumentalidade do sambaqui que se destaca na paisagem e separa a Praia do
Luz da Praia da Barra de Ibiraquera. Por apresentar monumentalidade, capacidade
explicativa, situar-se em paisagem atrativa e com disponibilidade de serviços, gozar de
reconhecimento social e ser de fácil acesso, o sambaqui da Barra da Lagoa de Ibiraquera
possui potencial para o turismo arqueológico. Como elementos complicadores deste
aproveitamento estão a ausência de estrutura interpretativa, passarelas e estrutura para
proteção do sambaqui, atualmente cortado por caminhos produzidos pelos visitantes sem
qualquer tipo de planejamento.
Os sítios do Canto Norte da Praia da Vila e do Porto do Nato foram identificados
a partir de conversas com moradores de Imbituba e incluídos nesta etapa da cadeia
valorativa porque possuem vestígios de oficina lítica. No Canto Norte da Praia da Vila
há monumentalidade, porém pequena. Há poucos vestígios (na observação de campo foi
encontrado um pequeno conjunto de afiadores) e estes estão esparsos. A área não está
protegida, fica próximo à faixa de areia e é acessado por trilha. Durante a temporada de
verão, visitantes caminham e estendem toalhas de banho, cadeiras de praia e outros
materiais sobre os vestígios. Em favor do seu potencial enquanto atrativo turístico pesa
a existência dos vestígios e sua localização junto a uma praia central e com ampla
180
estrutura turística. Porém, a pequena extensão dos vestígios dificilmente justificará a
construção de estrutura interpretativa e protetiva.
O sítio localizado no Porto do Nato (denominação dada ao local pelos moradores
locais, que chamam os vestígios de “pratos dos índios”) é o único incluído nesta etapa
da cadeia valorativa que não se encontra junto à orla marítima, situado que está no
Bairro Guaiúba, às margens da Lagoa de Imaruí. Pode ser tipificado como oficina lítica,
apresenta monumentalidade significativa (um conjunto de bacias líticas incrustadas em
diabásio, com apelo estético), possui capacidade explicativa e está integrado a uma
paisagem atrativa. Entretanto, seu potencial enquanto atrativo para o turismo
arqueológico tem como complicadores o fato de estar situado em área privada com
acesso restrito em local afastado de atrativos turísticos que possa complementar. Assim,
apesar de possuir características intrínsecas que o habilitam enquanto possível atrativo
para o turismo arqueológico, suas características relacionais atuais o desabilitam.
Com base na discussão da análise dos resultados da metodologia de valoração dos
sítios arqueológicos aplicada nesta pesquisa, cuja premissa é a valoração turística do
patrimônio, pode-se concluir que os sítios Oficina Lítica da Vigia I, Ponta do Galeão,
Capão de Garopaba, Praia do Rosa e Barra da Lagoa de Ibiraquera apresentam
potencialidade para o turismo arqueológico, excluindo-se os sítios Praia do Siriú, Canto
Norte da Praia da Vila e Porto do Nato.
A análise dos resultados da valoração “la puesta en valor” reduzida demonstra
ainda que os sítios avaliados como potenciais para o turismo arqueológico necessitam
de estrutura interpretativa e protetiva imediata, haja vista sua exposição à ação antrópica
(intensificada com a prática da vilegiatura) e ao intemperismo.
181
6 – VERIFICANDO PRESSUPOSTOS E RESPONDENDO QUESTÕES
A sustentabilidade, antes de mais nada, também envolve um processo
de reconhecimento e responsabilidade: reconhecimento que os
recursos utilizados para elaborar os produtos turísticos são caros e
vulneráveis; já a responsabilidade no uso inteligente desses recursos
recai sobre todos os interessados, desde os governos e planejadores, ao
setor que presta os serviços, até os turistas e moradores locais, os
quais coexistem temporariamente dentro do destino. Uma estratégia
sustentável deve engajar todos os interessados no planejamento do
turismo. (COOPER et. al., 2007, p. 290).
Quando desenvolvemos o projeto que resultou neste trabalho, já observávamos
que Garopaba e Imbituba investiam expectativas no turismo de massa sazonal,
concentrado na temporada de verão. Este investimento é mais intenso em Garopaba,
como constatamos a partir das leituras de Alvim (2014), Sherer et. al. (2006) e Sperb,
Serva e Firmino (2013), sendo hoje acompanhado por Imbituba, conforme apontado por
Sperb, Serva e Firmino (2013) e nas entrevistas que realizamos com os gestores
públicos municipais de turismo. Entretanto, apesar do discurso comum que reconhece o
turismo como importante alternativa de desenvolvimento econômico, estes dois
municípios priorizaram-no de diferentes formas. Imbituba, ainda que pese sua origem
como vila com gênese na imigração açoriana, resulta atualmente de um projeto de
modernidade implementado especialmente a partir da década de 1920, tendo o porto
marítimo como principal motor de desenvolvimento (GOULARTI FILHO, 2010 e
2013). O modelo de desenvolvimento exógeno (MIELKE e GANDARA, 2009)
implementado em Imbituba tornou a cidade dependente de investimentos externos nem
sempre contínuos e de decisões federais que a impactaram positiva e negativamente,
como no caso da Indústria Carboquímica Catarinense com sua herança de passivos
ambientais, sociais e econômicos (SOUZA, 2007). Em ambos os municípios, porém, os
modelos de desenvolvimento adotados não promoveram um desenvolvimento
sustentável, na medida em que seus resultados não apresentam as dimensões do
ecodesenvolvimento (SACHS, 2006a) e não atenderam ao pressuposto do ecológico
enquanto restrição e do econômico como dimensão instrumental (SACHS, 2006b). Os
dados do IBGE aqui discutidos demonstram que os índices de desenvolvimento
humano e a renda média da população nos municípios estão abaixo das médias
estaduais, e que o turismo de vilegiatura em Garopaba resultou em um processo de
desterritorialização identitária da população, que se define como nativa, e de
182
destruição do patrimônio do cultural. A sustentabilidade cultural, cabe realçar,
constitui uma das dimensões do ecodesenvolvimento de Sachs, tendo na valorização da
memória histórica um importante mecanismo de fortalecimento identitário (BRENNER,
2005).
Já Imaruí era uma incógnita para nós. A pouca literatura encontrada apresentava o
município como detentor de grande potencial para o turismo rural e ecológico (VIEIRA,
2008). Porém, diferentemente do constatado em Garopaba e Imbituba, Imaruí manteve
sua base econômica nas atividades primárias, e a entrevista que realizamos com o gestor
público municipal de indústria, comércio e turismo confirmou a dependência do
município em relação à pesca e à agricultura e o baixo desenvolvimento do turismo no
município. O que nos levou, entretanto, a incluí-lo em nossa pesquisa foram os relatos
que ouvíamos sobre a existência de uma quantidade considerável de sítios
arqueológicos em seu território. Relatos que conduziram a uma consulta prévia ao
CNSA/SGPA do IPHAN, onde confirmamos a existência de sítios arqueológicos
registrados. Desta percepção entendemos que seria oportuno considerar o patrimônio
arqueológico como um elemento de diálogo com Garopaba e Imbituba, municípios
vizinhos que também compartilham desta característica, e as possibilidades que este
patrimônio poderia representar para o desenvolvimento do turismo na região.
Para além do conceito de Beni (2008), focado no atrativo, diversos autores
(MANZATO, 2005; MANZATO, REJOWSKI, 2007; PARDI, 2007; VELOSO,
CAVALCANTI, 2007; BASTOS, 2005, 2007 2008; ALFONSO, 2009; GUIMARÃES,
2012; FUNARI, MANZATO, ALFONSO, 2013; NÓBREGA, 2015) compreendem o
turismo arqueológico a partir de uma complexidade que envolve não apenas o atrativo
(sítios, escavações e paisagens com vestígios arqueológicos), mas principalmente um
trabalho prévio de interpretação cultural, educação patrimonial e planejamento turístico
envolvendo a comunidade local, o poder público e outros atores do território,
contribuindo assim para a ressignificação dos vestígios arqueológicos por meio de sua
incorporação à memória histórica, para o fortalecimento da identidade local, para a
geração de trabalho e renda e para a proteção dos próprios vestígios. Estes autores
sustentam que só é possível falar em turismo arqueológico quando estes diferentes
aspectos estão associados. Na medida em que o turismo arqueológico é compreendido
como um segmento do turismo cultural sustentável (BRENNER, 2005; BARRETO,
2007 e COSTA, 2009), passa a possuir potencialidade para empoderar a população local
por meio do protagonismo social e contribuir para a promoção do desenvolvimento
183
endógeno (MIELKE e GANDARA, 2009), conforme os princípios da
ecossocioeconomia (SAMPAIO, 2005 e 2010; SACHS, 2006; MAX-NEEF, 2012).
Considerando esta leitura, provocou-nos a possibilidade da inserção da discussão
do turismo arqueológico na região, considerando-o enquanto fomentador de práticas de
educação patrimonial, resultado de planos de gestão e acompanhado, tanto em seu
planejamento quanto na sua gestão e na interface com o turista, por profissionais
especializados, podendo contribuir especialmente para práticas de conhecimento dos
sítios ainda existentes, para atividades de educação que permitam às comunidades locais
o empoderamento sobre estes espaços e uma relação de reconhecimento destes vestígios
enquanto constituidores da identidade local e como fonte alternativa e/ou complementar
de trabalho e renda.
O tema, portanto que nos moveu desde o princípio, foi a possibilidade de
considerarmos o turismo arqueológico como estratégico para a promoção do
desenvolvimento sustentável da região compreendida pelos municípios de
Garopaba, Imaruí e Imbituba. Para tanto deveríamos identificar o estado em que se
encontram os sítios arqueológicos existentes na região e quais as necessidades destes
sítios em si para sua transformação em atrativo turístico, considerando os componentes
básicos para o desenvolvimento de um produto turístico (NÓBREGA e ARAÚJO,
2015).
Como partimos do entendimento de que o turismo arqueológico necessita do
envolvimento dos diferentes atores do território (considerando que a operação de
regionalização está próxima a de territorialização, conforme defendido por Brandão,
2004, e Abramovay, 2010) e que estes devem participar como sujeitos de todo processo
de patrimonialização de bens culturais (BUENO, 2011 e FUNARI, MANZATO e
ALFONSO, 2013) e de discussão do turismo enquanto alternativa econômica, coube-
nos investigar a existência de manifestações da sociedade civil em relação ao
patrimônio pré-colonial nos três municípios, saber o que pensam os representantes do
poder público a respeito do turismo e de como planejam seu desenvolvimento
(incluindo verificar se reconhecem a existência de vestígios arqueológicos na região),
conhecer e analisar o nível de interesse dos turistas que já visitaram a região no turismo
arqueológico e se já travaram contato com os vestígios pré-coloniais e identificar se
operadores locais de turismo (neste caso, os profissionais de turismo que atuam como
condutores ambientais) conhecem, exploram em sua atividade profissional e indicam
sítios arqueológicos na região. É o conjunto destes dados quantitativos e qualitativos
184
que nos leva a valoração “la puesta en valor” apresentada, à verificação dos nossos
pressupostos e à resposta das questões que nortearam nossa investigação.
A primeira questão (Q1) que nos propusemos dizia respeito ao estado do
patrimônio arqueológico da região, se apresenta monumentalidade e se está acessível
ao público. A análise do CNSA/SGPA realizado pelo IPHAN mostrou que os sítios
registrados na região, de modo geral, estão em precário estado de conservação,
muitos deles já encobertos e/ou destruídos. Este processo de destruição está associado
ao processo civilizatório europeu, conforme demonstrado por Velho (2006), Chuva
(2012), Bueno (2011) e Funari, Manzato e Alfonso (2013), e pelo discurso autoritário-
desenvolvimentista (BUENO, 2011; FUNARI, MANZATO e ALFONSO, 2013) que
exerceu pressão também sobre o patrimônio arqueológico da região, especialmente no
caso dos sambaquis, conforme mostrou Bastos (2007) em relação a Imbituba.
Depoimentos registrados nas entrevistas com representantes da comunidade e do poder
público indicam que a atuação do IPHAN na região é frágil e que a população local
atualmente conhece pouco ou desconhece os vestígios arqueológicos remanescentes na
região. A localização da maioria dos sítios, situados junto às praias, torna-os acessíveis
ao público. Também não encontramos estruturas de proteção e interpretação dos sítios
arqueológicos e a observação in loco dos sítios selecionados para estudo permitiu que
constatássemos o impacto da ação antrópica sobre os mesmos. Cabe ressaltar que a
análise que desenvolvemos nas publicações de divulgação turística dos municípios de
Garopaba e Imbituba mostra que já há uma divulgação, ainda que tímida, de alguns
sítios como atrativos turísticos. Transformar sítios arqueológicos em atrativos
turísticos sem planejamento prévio concorre para a destruição deste patrimônio,
conforme demonstrado por Nascimento (2010).
As entrevistas com os representantes da comunidade local e os questionários
aplicados aos grupos de condutores ambientais indicam a existência de um número de
sítios arqueológicos significativamente superior àquele registrado no CNSA/SGPA
na região. Se confirmadas as informações, o potencial para o turismo arqueológico se
amplia. Entretanto, necessita-se aqui de uma articulação dos atores locais com as
instituições acadêmicas e o Governo Federal (IPHAN, ICMBio entre outros) para que
estas informações sejam verificadas e os possíveis vestígios estudados.
Considerando a metodologia de valoração patrimonial que adotamos, não foi
possível identificar sítios arqueológicos pré-coloniais com potencial de atrativo
turístico no município de Imaruí. A tipologia e o estado dos sítios arqueológicos de
185
Imbituba reduz o potencial dos mesmos enquanto atrativo turístico, salvo os sítios
identificados na região que se estende da Praia da Barra de Ibiraquera à Praia do Rosa,
que apresentam monumentalidade). Já Garopaba reúne uma diversidade de sítios
arqueológicos que apresentam monumentalidade e estão situados em paisagens que
remetem a tempos pretéritos. Dentre os três municípios estudados, Garopaba
apresenta o conjunto de sítios arqueológicos com maiores condições para servirem
de atrativo turístico (considerando sua monumentalidade, acessibilidade e
infraestrutura turística disponível), enquanto que Imbituba, conforme dito, apresenta
sítios com condições de servirem como atrativo turístico na Praia do Rosa e na
Barra da Lagoa de Ibiraquera.
A segunda questão (Q2) está relacionada às manifestações de interesse e
articulação em torno do patrimônio arqueológico pré-colonial. Lee (2013) verificou
que o “apego” é importante para o desenvolvimento do turismo de base comunitária.
Por apego o autor compreende “a participação do indivíduo e sua integração à vida
comunitária, refletindo um vínculo afetivo ou uma ligação emocional entre o indivíduo
e uma comunidade específica” (LEE, 2013, p. 8). A segunda questão da nossa pesquisa
se impôs a partir desta constatação de Lee e da relação de proximidade que
estabelecemos entre o turismo arqueológico e o turismo de base local (turismo de base
local conforme entendido por Sampaio, 2005 e 2010). A resposta à segunda questão se
fundamenta, portanto, nas entrevistas que realizamos com lideranças comunitárias que
possuem envolvimento com o turismo e o patrimônio arqueológico, totalizando três
entrevistados residentes em Imbituba (2) e Garopaba (1). No processo da pesquisa, não
encontramos depoentes com estas características residentes em Imaruí.
De modo geral os entrevistados indicaram: a) desconhecimento da maior
parte da população local quanto ao significado e à história dos vestígios
arqueológicos; b) processos de vandalização dos sítios arqueológicos; c)
reconhecimento pessoal da importância dos vestígios arqueológicos para o
fortalecimento da identidade local e como possível atrativo turístico; d)
preocupação quanto à exploração turística dos vestígios em relação a sua
preservação.
Os entrevistados Castilho Neto e Bintencourt informaram da existência no
município de Garopaba de um pequeno grupo de pessoas interessadas em estudar e
proteger os vestígios arqueológicos remanescentes. Relataram também que há uma
década, aproximadamente, houve uma tentativa de divulgar e explorar turisticamente
186
estes atrativos no município. Já a entrevistada Ferreira revelou o forte apego identitário
de uma parte da comunidade residente na localidade de Ibiraquera e na Praia do Rosa
(Imbituba) em relação à oficina lítica do Canto Norte da Praia do Rosa. Este apego se
revelou ainda mais forte quando houve a discussão da criação de uma Reserva
Extrativista na região, momento em que pessoas contrárias ao projeto vandalizaram os
vestígios líticos que representavam a causa da reserva. O depoimento de Ferreira nos
permite afirmar que a oficina lítica do Canto Norte da Praia do Rosa representa um
marco identitário para parte da população tradicional da região, disputado política e
simbolicamente pelos atores locais.
A pesquisa exploratória que realizamos identificou uma segunda disputa política e
simbólica pelo patrimônio arqueológico, desta vez na localidade das Dunas da
Ribanceira (Imbituba), agora enquanto vestígio justificador da preservação do
ecossistema de dunas, ameaçado por atividades de mineração.
Ainda que pesem os exemplos da Resex e das Dunas da Ribanceira em Imbituba,
e do grupo de pessoas dispostas a estudar e proteger os sítios arqueológicos em
Garopaba, de modo geral as entrevistas e a pesquisa identificaram baixo apego da
população local em relação aos sítios arqueológicos pré-coloniais, o que indica a
necessidade de um trabalho prévio e amplo de educação patrimonial antes que os
vestígios e sítios sejam explorados como atrativos para o turismo. Reforçamos ainda
que um morador que tem maior apego comunitário, está mais propenso a apoiar no
desenvolvimento do turismo sustentável (LEE, 2013).
A terceira questão (Q3) diz respeito à manifestação de interesse ou articulação
do poder público em relação ao aproveitamento do patrimônio arqueológico pré-
colonial. Para respondê-la entrevistamos os gestores municipais de turismo. Quando
questionados diretamente sobre o interesse no turismo arqueológico, todos se
manifestaram positivamente, porém o conjunto das entrevistas demonstrou que nos
municípios estudados não se discute e tampouco se contempla o turismo arqueológico
no planejamento da atividade. O gestor do turismo de Garopaba manifestou interesse
em incorporar os vestígios arqueológicos da Ponta do Galeão no rol de atrativos
turísticos da cidade e manifesta preocupação na preservação dos mesmos. Entretanto,
acusa dificuldades de diálogo com o IPHAN e demais órgãos da União para efetivar um
projeto neste sentido. Ressaltamos que o projeto que Garopaba pretende implantar na
Ponta do Galeão, segundo é possível depreender do depoimento, não possui respaldo
técnico-científico. Infelizmente não obtivemos acesso ao mesmo. Já em Imbituba o
187
projeto de aproveitamento do sambaqui da Barra da Lagoa de Ibiraquera não pode ser
considerado do âmbito do turismo arqueológico. O mesmo não prevê estrutura de
interpretação cultural, tampouco visitação monitorada. Em Imaruí a própria atividade
turística é bastante incipiente, e não há qualquer debate ou até mesmo reconhecimento
do turismo arqueológico.
As entrevistas com os gestores municipais de turismo indicaram uma
preocupação com a sazonalidade promovida pelo turismo de verão na região e uma
preocupação em se investir no ecoturismo e em outras modalidades turísticas
consideradas mais sustentáveis. Cumpre lembrar que os vestígios arqueológicos
integram a paisagem, esta atrativo do ecoturismo. A inserção de uma nova escala de
representação social (MARQUES e DIAS, 2003), representada pelo projeto de
fortalecimento do ecoturismo de observação de baleias apresentado pelo SEBRAE,
referenciado pelos gestores de Garopaba e Imbituba como estratégico e prioritário,
colocou o ecoturismo na agenda política da região e pode promover uma “abertura de
janela” (CAPELLA, 2006) para o turismo arqueológico em Garopaba e Imbituba
(Imaruí está excluído desta da escala de representação social proposta no projeto).
A quarta questão (Q4) está relacionada à percepção dos turistas a respeito do
turismo arqueológico e o nível de conhecimento destes atores sobre o patrimônio
arqueológico nos três municípios. Conforme lembra Cooper et. al. (2007), os turistas
são atores que coexistem temporariamente com os moradores locais dentro de um
destino. A pesquisa mostrou que os turistas que visitaram alguma das três cidades
estudadas manifestaram: a) interesse por arqueologia brasileira; b) baixo conhecimento
sobre arqueologia brasileira; c) um percentual significativo (45%) já visitou algum sítio
arqueológico; d) que um percentual reduzido (25%) visitou especificamente sítios em
algum dos três municípios, embora a maioria tenha conhecimento da existência deles; e)
alto interesse em roteiros que possuam sítios e vestígios arqueológicos entre seus
atrativos, tanto em nível geral, quando no âmbito dos municípios estudados.
O levantamento aplicado com os turistas indicia que há um público
fortemente interessado no turismo arqueológico e disposto a participar de roteiros
turísticos que contemplem vestígios e/ou sítios arqueológicos entre seus atrativos.
A questão cinco (Q5) indaga se é possível indicar o turismo arqueológico como
estratégia para a promoção do desenvolvimento sustentável na região
compreendida pelos municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba. Considerando os
aspectos teóricos que definem o turismo arqueológico, a inclusão do ecoturismo na
188
agenda política da região e a existência de sítios e vestígios arqueológicos com
monumentalidade em Garopaba e Imbituba, a resposta é sim para estes dois municípios.
Imaruí, conforme já discutido, não apresenta potencial para o turismo arqueológico
considerando a metodologia de valoração do patrimônio arqueológica que adotamos.
No Quadro 14 apresentamos os elementos que favorecem e os que dificultam o
desenvolvimento do turismo arqueológico nos municípios de Garopaba e Imbituba. O
quadro apresenta a síntese dos dados qualitativos e quantitativos pesquisados neste
trabalho.
Facilitadores do turismo arqueológico Dificultores do turismo arqueológico
Existência de sítios arqueológicos com
monumentalidade e acessibilidade.
Estado de conservação dos sítios
arqueológicos e atos de vandalismo.
Inclusão do ecoturismo na agenda
política da região. Prioridade ao turismo de massa.
Indícios de interesse dos turistas pelo
turismo arqueológico.
Baixo conhecimento dos turistas a
respeito dos vestígios arqueológicos da
região.
Existência de infraestrutura turística
geral.
Ausência de infraestrutura turística, de
interpretação e de proteção nos sítios
arqueológicos.
Existência de profissionais em condução
ambiental habilitados para a
interpretação cultural dos vestígios
arqueológicos.
Baixo apego da população local aos sítios
arqueológicos.
Possibilidade de integrar os sítios e
vestígios arqueológicos a roteiros com
diversificação de atrativos culturais e
ambientais.
Falta de planejamento turístico e de
roteirização que contemple atrativos
culturais, étnicos e de ecoturismo.
Necessidade de ativar o turismo na baixa
temporada.
Dificuldades de diálogo entre o poder
público municipal e o poder público
federal.
A capacidade do turismo arqueológico
atuar na promoção do desenvolvimento
sustentável.
Estudos e registros da maior parte dos
sítios arqueológicos da região estão
desatualizados.
Modelos de desenvolvimento não
sustentáveis na região.
Baixo reconhecimento por parte da
população da história e da paisagem pré-
colonial.
Quadro 14: Facilitadores e dificultores do desenvolvimento do turismo
arqueológico nos municípios de Garopaba e Imbituba
189
A resposta às questões da pesquisa permite que verifiquemos também nossos
pressupostos.
O primeiro pressuposto (P1) afirma que o turismo arqueológico contribui para
a promoção do desenvolvimento sustentável. Considerando o constructo teórico
apresentado neste trabalho, é possível afirmar que o turismo arqueológico,
segmentação do turismo cultural e em diálogo com outras segmentações turísticas,
como o ecoturismo e o turismo de base local, possui potencial para contribuir com
o desenvolvimento sustentável de uma região na medida em que valora patrimônio
cultural, promove educação patrimonial, contribui para a cidadania cultural, empodera a
comunidade local, fortalece vínculos identitários e colabora para a promoção de
trabalho e renda.
Conforme apontamos, atualmente há nos municípios de Garopaba e Imbituba um
turismo de massa sazonal, concentrado na temporada de verão. Dada a proximidade de
alguns sítios arqueológicos das praias, estes turistas acabam interagindo com os sítios,
muitas vezes sem conhecer ou reconhecer os vestígios e, ainda, causando danos aos
mesmos. Neste contexto, a inserção do turismo arqueológico, considerando-o
enquanto fomentador de práticas de educação patrimonial, resultado de planos de
gestão e acompanhado, tanto em seu planejamento quanto na sua gestão e na
interface com o turista, por profissionais especializados, pode contribuir
especialmente para práticas de conhecimento dos sítios ainda existentes, para
atividades de educação que permitam às comunidades locais o empoderamento
sobre estes espaços e uma relação de reconhecimento destes vestígios enquanto
constituidores da identidade local, e como fonte alternativa e/ou complementar de
trabalho e renda. Ou seja, anuncia-se aqui a perspectiva do desenvolvimento
sustentável (SACHS, 2006b).
O segundo pressuposto (P2) afirma que o patrimônio pré-colonial existente nos
municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba pode servir de suporte para o
desenvolvimento do turismo arqueológico na região. Considerando a valoração do
patrimônio arqueológico que desenvolvemos, o pressuposto se verifica parcialmente.
Conforme discutimos, os vestígios arqueológicos pré-coloniais em Imaruí não
apresentam as características que os tornariam possíveis de servir como suporte
para o desenvolvimento do turismo arqueológico na região. No município de
Imbituba os vestígios que podem servir de suporte ao desenvolvimento desta
segmentação são poucos e estão localizados principalmente nas localidades da
190
Praia do Rosa e Barra da Lagoa da Ibiraquera. Em Garopaba há sítios e vestígios
que se articulam a outros atrativos turísticos já constituídos, cujas características
permitem afirmar que estes podem servir como suporte para o desenvolvimento do
turismo arqueológico na região.
O último pressuposto (P3) afirma que o patrimônio arqueológico pode atuar
como elemento articulador de uma região. Este pressuposto não se confirmou para a
região. O patrimônio arqueológico nos três municípios, ainda que amplo e variado,
não é capaz de articular a região. Cumpre lembrar o conceito de Nóbrega e Araújo
(2015), que considera a existência da dimensão concreta e da dimensão abstrata na
construção da região. Na dimensão concreta o patrimônio arqueológico dos municípios
é frágil enquanto atrativo turístico, especialmente em Imaruí. Na dimensão abstrata, não
há laços que liguem os diferentes atores locais em torno do patrimônio arqueológico e
seu aproveitamento turístico, tampouco existe uma articulação que envolva os três
municípios em torno do turismo. Embora pertençam a região turística Encantos do Sul,
a formação histórica de cada um dos municípios, as prioridades econômicas que
estabeleceram, as diversas escalas regionais e a dinâmica territorial fizeram com que
estes municípios desenvolvessem caminhos próprios. Apenas recentemente Garopaba e
Imbituba se articularam juntamente com Laguna em um comitê gestor para planejar o
desenvolvimento articulado do ecoturismo de observação de baleias, criando uma nova
escala de representação social que exclui Imaruí. Deste modo, cabe considerar a
possibilidade de articulação de Garopaba e Imbituba através de roteiros turísticos
que possuam dentre seus atrativos sítios e vestígios arqueológicos.
Como síntese final, é possível afirmar que nossa pesquisa comprova a existência
de um vasto e variado patrimônio arqueológico pré-colonial em Garopaba e Imbituba, e
que em alguns casos este patrimônio possui potencial enquanto atrativo turístico,
especialmente se articulado a outros atrativos com características culturais e ecológicas.
Portanto, o desenvolvimento do turismo arqueológico nestes municípios é possível,
desde que articulado a roteiros que envolvam atrativos de outras segmentações,
principalmente do ecoturismo (já fomentado na região) e do turismo cultural e
obedecendo aos princípios da ecossocioeconomia.
Se pelo aspecto do atrativo, o turismo arqueológico apresenta possibilidades de
efetivação em Garopaba e Imbituba, sob o aspecto da sustentabilidade a imediata
transformação dos vestígios arqueológicos em atrativos turísticos (conforme já vem
acontecendo em alguns casos) não é indicada. Constatamos que há baixo apego da
191
população local aos vestígios arqueológicos existentes e que os mesmos carecem de
estrutura protetiva e interpretativa, de modo que sua transformação em atrativos
turísticos precisa ser antecedida (e depois acompanhada) por um amplo trabalho de
educação patrimonial que permita à população local reconhecer estes vestígios enquanto
constituidores de identidade e estabelecer com estes relações de apego.
Por fim, considerando a proximidade dos vestígios arqueológicos com praias e
trilhas densamente ocupadas por turistas e moradores locais, a já existente exploração
de alguns destes vestígios pelo trade turístico local e a necessidade de fortalecer e
qualificar a economia do turismo na região, a articulação dos diferentes atores no
território em torno de uma política que organize e fomente o turismo arqueológico
sustentável em conjunto com o ecoturismo, o turismo cultural e o turismo de base local
contribuirá para a preservação do patrimônio arqueológico existente, bem como para o
desenvolvimento endógeno destes municípios.
192
7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando cheguei em Garopaba para desenvolver a atuação profissional como
docente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IF-
SC), no ano de 2013, logo comecei a tomar conhecimento de informações que
reportavam à existência de vestígios arqueológicos espalhados pela região. “Qualquer
um que abre uma roça, acha as flechas dos índios. Até esqueleto encontra!” – afirmou-
me um cidadão durante uma reunião onde discutíamos o patrimônio cultural da cidade.
A dificuldade de discernir o exagero do real, despertou-me a curiosidade para estudar
este patrimônio arqueológico.
Por outro lado, a necessidade de compreender a organização econômica da região,
especialmente naquilo que diz respeito ao turismo, devido às disciplinas que leciono, e a
extensão da área atendida pelo câmpus do IF-SC em Garopaba, foram a gênese da
proposta que resultou nesta pesquisa. Seria possível pensar os municípios de Garopaba,
Imaruí e Imbituba articulados enquanto região a partir do seu patrimônio arqueológico e
com vistas ao desenvolvimento do turismo arqueológico? A novidade do território, para
mim, e uma consulta ao Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos registrados pelo
IPHAN, pareciam dizer que sim. A pesquisa mostrou que não.
Assim, esta pesquisa reflete uma práxis, nascida de um olhar ainda imaturo sobre
um território que precisava ser apreendido e construída no processo de diálogo com
meus alunos, colegas de trabalho, com a comunidade local e resultando em novos
olhares, novas práticas pedagógicas e do cidadão e novas apreensões conceituais do
território.
A extensão deste trabalho reflete de certo modo as dificuldades que fui
encontrando pelo percurso. Primeiramente, a ainda pequena bibliografia que discute o
turismo arqueológico no Brasil. Afinal, apenas muito recentemente os brasileiros
começamos a olhar para a cultura pré-colonial como parte, também, da nossa identidade
nacional. Na sequência, a dificuldade de encontrar uma metodologia que me permitisse
discutir o turismo arqueológico em uma região em que esta discussão ainda não está
dada. A maior parte dos trabalhos que discutem o arqueoturismo no Brasil analisam
atrativos já incorporados no trade turístico. Não foi o caso desta pesquisa, de modo que
recorri à metodologia utilizada por Dabezies em seus trabalhos nos cerritos do Uruguai
e apliquei sobre ela os princípios da redução sociológica de Guerreiro Ramos, através de
193
uma espécie de redução da redução. Penso que esta seja uma das principais
contribuições teóricas deste trabalho, aplicar uma metodologia para identificar o
potencial de sítios arqueológicos enquanto atrativos para o turismo. Tenho consciência
das lacunas que a metodologia aplicada deixou, entretanto, tratou-se de um exercício
que obteve resultados disponíveis para discussão e análises diversas, não apenas no
sentido de verificar a possibilidade do turismo arqueológico na região estudada, mas no
próprio aspecto metodológico, seja para contestá-lo ou aprimorá-lo.
Na valoração do patrimônio arqueológico pude visitar diversos sítios
arqueológicos da região, alguns dos quais sequer registrados pelo IPHAN. Ainda que o
número de sítios visitados seja bastante inferior ao número de sítios referenciados pela
população local e por algumas das pessoas que entrevistei para esta pesquisa, o registro
do estado atual em que se encontram bem como o registro da sua localização geográfica
representa uma importante contribuição desta pesquisa para um melhor conhecimento
do patrimônio arqueológico pré-colonial na região e seu mapeamento, e embasa
discussões que pretendam avançar na proposição de novas segmentações turísticas para
a região, especialmente a do turismo arqueológico. Um mapeamento mais completo dos
sítios arqueológicos, entretanto, faz-se urgente, bem como o desenvolvimento de
pesquisas arqueológicas que compreendam melhor a ocupação pré-colonial
especificamente na região estudada, permitindo uma melhor interpretação cultural dos
vestígios arqueológicos remanescentes e sua vinculação com a história do território em
que se inserem.
As particularidades de um território que eu tateava também representaram uma
dificuldade adicional para o desenvolvimento deste trabalho. O tempo particular da
comunidade, que resultou em diversos adiamentos das entrevistas. A inexistência de
arquivos públicos e coleções que me permitissem acessar publicações de divulgação
turística da região, a falta de periodicidade dos estudos da demanda turística e a
consecutiva ausência de séries históricas, a desatualização e ausência de informações
disponibilizadas pelo IPHAN acerca dos sítios arqueológicos da região, a destruição e a
falta de acolhimento dos questionários distribuídos nos meios de hospedagem e o parco
material que discute a história e a conjuntura de Imaruí levaram à necessidade de
constantemente repensarmos nossos procedimentos metodológicos.
Na pesquisa pude perceber a fragilidade da organização do trade turístico nos
municípios estudados, bem como sua falta de planejamento e profissionalização. Tal
realidade impacta diretamente na sustentabilidade do território e na percepção da
194
população residente a respeito dos benefícios que o turismo pode representar. Percebi
que ao invés de políticas públicas que organizem o turismo e fomentem a distribuição
de renda de forma horizontal, o desenvolvimento do turismo na região depende
fortemente de ações individuais capitaneadas pela iniciativa privada. Esta percepção se
fortaleceu quando entrevistei os gestores públicos municipais do turismo, onde projetos
eram defendidos a partir da vontade pessoal destes, e não porque resultavam de um
projeto político discutido no âmbito do governo e com vistas a planejar a atividade de
forma sistêmica e no longo prazo.
Durante a pesquisa procurei ouvir os diferentes atores do território, ainda que
alguns destes de forma bastante limitada, como no caso dos turistas. Hoje percebo que a
extensão veio em detrimento da verticalidade. Alguns atores importantes não foram
contemplados, como os pescadores profissionais e os gestores federais com inclusão no
território, por exemplo. Entendo que um trabalho que proponha ouvir os pescadores
tradicionais e um maior número de lideranças comunitárias a respeito do que pensam
sobre o turismo e como veem o desenvolvimento da atividade em seu território, dará
contribuições importantes para o planejamento sustentável desta atividade na região e
para um maior entendimento do significado do patrimônio arqueológico para os
moradores locais. Neste sentido, a referência à reserva extrativista na Lagoa de
Ibiraquera e no canto norte da Praia do Rosa, feita nas entrevistas com as lideranças
locais, é indiciária de uma reflexão que necessita ser aprofundada porque permitirá uma
compreensão dos mecanismos pelos quais o patrimônio arqueológico pré-colonial é
disputado simbolicamente no contexto de um território.
As dificuldades que encontrei no desenvolvimento desta pesquisa, conforme
registrei, foram muitas. Em diversos momentos tive que abdicar das novas
possibilidades de pesquisa e análise que os resultados iam me apresentando, a fim de
respeitar o recorte metodológico que me propus. A pressão cronológica e a dinâmica do
território em diversos momentos obrigaram-me a escolhas que, se por um lado
permitiram a formulação de conclusões, por outro desdobravam novas perguntas e
hipóteses que não pude perseguir. Ainda assim, entendo que os objetivos propostos
neste trabalho foram alcançados.
Cumpre considerar que esta pesquisa abre as possibilidades para seus
desdobramentos e permite aos municípios implicados discutir a importância do seu
patrimônio arqueológico e as possibilidades representadas pelo turismo arqueológico,
justamente no momento em que se debate o plano de manejo para a área de proteção
195
ambiental da baleia franca e em que se propõe um projeto de fortalecimento do
ecoturismo para a região.
Se, por um lado, não é possível afirmar que Garopaba, Imaruí e Imbituba podem
se articular enquanto região a partir do seu patrimônio arqueológico pré-colonial
(embora assim se articulassem no tempo desta ocupação) com vistas ao
desenvolvimento do turismo arqueológico; por outro, a pesquisa comprovou a
existência de variados sítios arqueológicos que podem ser incorporados enquanto
atrativos em propostas de turismo sustentável para a região, principalmente nos
municípios de Garopaba e Imbituba.
Por fim, cabe destacar algumas contribuições que esta pesquisa deu para o
desenvolvimento de ações no âmbito da educação patrimonial.
Conforme afirmei no início destas considerações, esta pesquisa reflete uma práxis.
Ao me apropriar teoricamente das discussões acerca do desenvolvimento sustentável e
do turismo, e me apropriar empiricamente dos vestígios arqueológicos existentes na
região e dos discursos que o representam, fui desenvolvendo projetos de educação
patrimonial, escrevendo reflexões e me envolvendo em atividades cujo objeto é o
patrimônio arqueológico e o objetivo principal o fomento da cidadania cultural.
Palestras, textos, aulas, cursos e diligências de reconhecimento e registro de novos sítios
arqueológicos se configuram como desdobramentos desta pesquisa, em que pude
envolver o IF-SC e outros atores locais. Parece-me, inclusive, ser este o principal papel
das instituições de ensino e pesquisa com atuação no território junto à promoção do
turismo arqueológico. Não há turismo arqueológico sustentável sem um trabalho prévio
de educação patrimonial com as comunidades locais e sem um trabalho de interpretação
cultural dos vestígios antes destes servirem enquanto atrativos turísticos. Cabe, portanto,
às instituições de ensino e pesquisa fomentar estes trabalhos, contribuindo para o
fomento da cidadania cultural e subsidiando os atores do território na organização de
um turismo sustentável que contemple a existência do patrimônio arqueológico.
Assim, este trabalho, ao ser apresentado, não se restringe ao corpo compreendido
entre suas capas, mas se amplia nas ações já desenvolvidas e em seus desdobramentos,
tanto no âmbito pedagógico, quanto no âmbito das discussões a respeito do território e
do turismo sustentável como seu animador.
196
8 - REFERÊNCIAS
8.1 Referências gerais
- ABRAMOVAY, Ricardo. Para uma teoria dos estudos territoriais. In. VIEIRA, Paulo
Freire et al. (orgs.). Desenvolvimento territorial sustentável no Brasil: subsídios
para uma política de fomento. Florianópolis: APED; Secco, 2010, p. 27-47.
- AB’SÁBER, Aziz Nacib. Brasil: paisagens de exceção: o litoral e o Pantanal Mato-
grossense: patrimônios básicos. Cotia (SP): Ateliê Editorial, 2006.
- ALFONSO, Louise Prado. O patrimônio arqueológico e sua vinculação a circuitos
turísticos não convencionais no Brasil. História e-História, 2009, disponível em
http://www.historiahistoria.com.br/materia.cfm?tb=artigos&id=104. Acesso realizado
em 22 de janeiro de 2015.
- ALVIM, Alexandra Lis. Sobre tantas Garopabas: a construção do discurso turístico no
litoral catarinense. Rosa dos Ventos, v. 6, n. 2, 2014, p. 217-228.
- ARAUJO, Astolfo Gomes de Mello. A tradição cerâmica Itararé-Taquara:
características, área de ocorrência e algumas hipóteses sobre a expansão dos grupos Jê
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Demanda Turística: Garopaba, sinopse 2014. Florianópolis: SANTUR, 2014.
- SANTA CATARINA, Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte. Estudo de
Demanda Turística: Imbituba, sinopse 2010. Florianópolis: SANTUR, 2012.
- SEBRAE. Santa Catarina em números: Imaruí. Florianópolis: SEBRAE/SC, 2013.
8.3 Guias e prospectos turísticos
- GAROPABA: um passeio na pré-história. Garopaba: [2006?].
- GUIA DE GAROPABA. Garopaba: Secretaria Municipal de Turismo e Esportes,
2015.
- GUIA DE GAROPABA. Garopaba: Secretaria Municipal de Turismo e Esportes, 2016
- GUIA DO ROSA & IBIRAQUERA. Imbituba: Guia do Rei, 2015.
- GUIA DO ROSA & IBIRAQUERA. Imbituba: Guia do Rei, 2016.
204
- PRAIA DO ROSA: Mapa Turístico. Imbituba: Guia da Praia do Rosa, 2015.
- SANTA CATARINA. Guia turístico Encantos do Sul. 3ª ed. Florianópolis: Letras
Brasileiras, 2013.
8.4 Entrevistas
- AMBRÓSIO, Fernando. Entrevista concedida a Viegas Fernandes da Costa.
Garopaba, 23 de julho de 2015.
- BINTENCOURT, Luiz Fernando Alves. Entrevista concedida a Viegas Fernandes
da Costa. Garopaba, 21 de dezembro de 2015.
- CASTILHO NETO, Zeno Moreira. Entrevista concedida a Viegas Fernandes da
Costa. Imbituba, 21 de julho de 2015.
- FELIPE, Agenor Garcia. Entrevista concedida a Viegas Fernandes da Costa.
Imaruí, 11 de janeiro de 2016.
- FERREIRA, Maria Aparecida. Entrevista concedida a Viegas Fernandes da Costa.
Imbituba, 13 de janeiro de 2016.
- SEFTON, Paulo. Entrevista concedida a Viegas Fernandes da Costa. Imbituba, 09
de julho de 2015.
205
APÊNDICES
206
APÊNDICE A: Questionário destinado aos grupos de condutores ambientais
O presente questionário integra uma pesquisa que tem por objetivo fornecer subsídios
para o planejamento do turismo na região dos municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba.
Pedimos que responda às questões abaixo em nome da sua empresa/coletivo/grupo.
Sua participação é muito importante para que possamos ouvir os diferentes atores do
território a respeito das questões que envolvem turismo, desenvolvimento e patrimônio nos
municípios acima citados.
Agradecemos sua colaboração.
1. Nome da empresa/grupo/coletivo:
2. Quantidade de profissionais que atuam diretamente na empresa/grupo/coletivo (não
considerar profissionais indiretos):
3. Município(s) de atuação:
4. Segmento turístico de atuação:
5. Ano de criação/fundação da empresa/grupo/coletivo:
6. A empresa/grupo/coletivo conduz turistas por trilhas?
( ) SIM ( ) NÃO
7. (Em caso de resposta afirmativa à questão seis). Há sítios/vestígios arqueológicos pré-
coloniais nas trilhas utilizadas?
( ) SIM ( ) NÃO
8. Em caso de resposta afirmativa à questão sete). De que tipo são estes sítios/vestígios?
( ) SAMBAQUI
( ) OFICINA LÍTICA
( ) VESTÍGIOS DE CERÂMICA
( ) INSCRIÇÕES RUPESTRES
( ) OUTRO:
9. Em caso de resposta afirmativa à questão sete) De modo geral, quais as condições de
acesso dos turistas aos sítios/vestígios arqueológicos pré-coloniais encontrados nas trilhas?[
( ) Bastante acessíveis.
( ) Razoavelmente acessíveis.
( ) Pouco acessíveis.
( ) Inacessíveis.
Caso considere necessário, escreva uma observação à resposta, apontando as principais
dificuldades de acessibilidade:
207
10. Na perspectiva da sua empresa/grupo/coletivo, há potencial turístico nos sítios/vestígios
arqueológicos pré-coloniais existentes no(s) município(s) de atuação?
( ) SIM ( ) NÃO
11. (Em caso de resposta afirmativa à questão dez). Cite os sítios/vestígios que considera
possuir maior potencial turístico (se possível, indique a localidade e trilha em que se
encontra):
12. Considerando a experiência da sua empresa/grupo/coletivo na condução de turistas, é
possível afirmar que o turismo arqueológico é potencialmente interessante para o perfil do
público com que trabalha?
( ) SIM ( ) NÃO
13. Considerando o conhecimento da sua empresa/grupo/coletivo sobre o território em que
atua, é possível afirmar que o turismo arqueológico é potencialmente viável na região?
( ) SIM ( ) NÃO
14. Aponte as principais dificuldades para o desenvolvimento do turismo arqueológico no
território de atuação da sua empresa/grupo/coletivo:
208
APÊNDICE B: Questionário virtual aplicado com turistas que já visitaram alguns
dos municípios estudados.
TURISMO EM GAROPABA, IMARUÍ E IMBITUBA
Olá, gostaríamos de convidá-lo(a) para participar de uma pesquisa que tem por objetivo
fornecer subsídios para o planejamento do turismo na região dos municípios de
Garopaba, Imaruí e Imbituba.
Pedimos que responda às questões abaixo. Sua participação é muito importante.
Salientamos que seu anonimato será preservado.
Desde já, agradecemos sua colaboração.
Já leu ou assistiu a alguma reportagem sobre turismo arqueológico?
( ) Sim
( ) Não
Na condição de turista, já visitou sítios arqueológicos?
( ) Sim
( ) Não
Em uma escala de 1 (um) a 5 (cinco), como você avalia seu interesse por arqueologia
brasileira? Considere 1 (um) como nenhum interesse, e 5 (cinco) como totalmente
interessado.
( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5
Em uma escala de 1 (um) a 5 (cinco), como você avalia seu interesse em participar de
roteiros turísticos que tenham sítios ou vestígios arqueológicos entre seus atrativos?
Considere 1 (um) como nenhum interesse, e 5 (cinco) como totalmente interessado.
( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5
Já ouviu falar de vestígios arqueológicos em algum destes municípios: Garopaba,
Imbituba ou Imaruí?
( ) Sim
( ) Não
Já visitou algum vestígio ou sítio arqueológico em algum destes municípios: Garopaba,
Imbituba ou Imaruí?
( ) Sim
( ) Não
Caso tenha respondido sim à questão anterior, em qual cidade você visitou estes
vestígios?
209
( ) Garopaba
( ) Imbituba
( ) Imaruí
Em uma escala de 1 (um) a 5 (cinco), como você avalia seu conhecimento sobre
vestígios arqueológicos e povos antigos em alguns destes municípios: Garopaba, Imaruí
ou Imbituba? Considere 1 (um) como nenhum conhecimento, e 5 (cinco) como
conhecendo profundamente.
( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5
Em uma escala de 1 (um) a 5 (cinco), como você avalia seu interesse em participar de
roteiros turísticos nos municípios de Garopaba, Imaruí ou Imbituba que tenham sítios ou
vestígios arqueológicos entre seus atrativos? Considere 1 (um) como nenhum interesse,
e 5 (cinco) como totalmente interessado.
( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5
Qual a região em que você reside?
( ) Sul
( ) Sudeste
( ) Centro-Oeste
( ) Nordeste
( ) Norte
( ) América Latina (se estrangeiro)
( ) Outro continente (se estrangeiro)
210
APÊNDICE C: Ficha de valoração “la puesta en valor” reduzida.
VALORAÇÃO LA PUESTA EN VALOR REDUZIDA DOS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS
Município: Sítio (conforme CNSA) Coordenadas:
Capacidade explicativa:
Monumentalidade:
Conservação do entorno:
Acessibilidade:
Atrativo da zona:
Necessidades mínimas:
Serviços:
Disponibilidades do uso do solo:
Foto ou observações complementares:
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