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Conheça um pouco sobre os processos de penhora contra empresas falidas, os desafios criados
pela globalização, saiba como o simples ato de contar histórias para crianças pode ajudar na
formação de adultos melhores e sugestões para aumentar a competitividade das pequenas e
médias empresas .
número 02 – ano 02 – janeiro - fevereiro - 2011
Repensando a penhora em execução fiscal contra o
falido por Gustavo Henrique de Almeida - página 03
Aspectos revisitados da Globalização e seus desafios
para os Estados Nacionais por Luis Cesar Fernandes –
página 26
A arte de contar histórias por Claudia Cristina Del Papa
Cabral – página 35
A Administração na gestão das Pequenas e Médias
Empresas por Flávia Luciana Mateus Moreira e Marcio
Vinício da Silva – página 43
Você faz a diferença?
2
Editorial
Li recentemente o livro Educação é um
direito de Anísio Teixeira, e apesar do
contexto social e político da época ser
outro, a mensagem é atual e aplicável aos
dias atuais.
No livro o autor tenta mostrar o papel da
educação para uma nação democrática,
que deve atender a sociedade de forma
abrangente sem excluir os menos
favorecidos. Mas o livro não apresenta
somente críticas sobre o sistema nacional
de ensino, mostra e propõe soluções.
Pode se dizer que a educação no país não é
mais excludente, pois todos tem acesso a
escola pública. Entretanto a educação de
qualidade ainda não é um direito de todos.
O sonho de Anísio Teixeira onde tanto o
pobre quanto o rico têm a mesma
educação ainda está distante.
Resta o alento que hoje o aluno passa mais
tempo na escola, e com acesso ao ensino
superior este tempo se prolonga ainda
mais. Alento porque os verdadeiros
educadores podem contribuir na
construção de cidadãos preparados para
quebrar preconceitos e paradigmas.
A construção de uma sociedade mais justa
passa pela escola, seja ela de educação
infantil, primária, do ensino médio ou
superior. A interação entre docentes e
discentes é benéfica para o país e para a
sociedade que nele vive.
Com esta proposta a Revista Gestão
Pedagógica trás dois artigos construídos
por alunos dos cursos de Pedagogia e
Administração de Empresas. Eles
representam a força de trabalho e
potencial inovativo do país, pois em breve
estarão no mercado de trabalho
produzindo e fazendo a diferença.
Nada mais justo do que incentivá-los a
darem suas contribuições e com eles
aprender, pois este é o verdadeiro
processo de construção do conhecimento.
Nesta edição também encontraremos dois
artigos de professores, um do curso de
Direito que mostra uma nova visão sobre a
penhora de empresas falidas e, outro
educador do Curso de Economia que
escreve sobre os desafios da Globalização.
Boa leitura a todos.
3
Repensando a penhora em execução fiscal
contra o falido1
RESUMO
Trata-se de estudo analítico referente à
penhora realizada antes do decreto de falência
contra devedor empresário no campo dos
processos de execuções fiscais. O presente
trabalho tem o objetivo de sustentar a
importância da empresa e de sua preservação
como elementos embasadores para
desconstituir a penhora dos bens do
empresário insolvente. A proposta feita tende a
1 Gustavo Henrique de Almeida é mestrando em Direito
Empresarial pela Fundação Universidade de Itaúna, pós-graduado em Direito Empresarial pela Universidade Gama Filho, pós-graduado em Direito Privado pela Universidade Cândido Mendes, além de ser professor de Direito Empresarial, Direito Civil, Direito da Informática, Direito Processual Civil e Ética. Desempenha também a função de coordenador do curso de bacharelado em Direito da FACEMG, e é Advogado militante.
superar o entendimento consolidado nos
tribunais, especialmente no Superior Tribunal
de Justiça, pelo método analítico-propositivo,
que conduz à conclusão de se permitir a
desconstituição da penhora realizada nas varas
de execução fiscal contra o empresário falido.
Palavras-Chave: Execução fiscal, penhora,
preservação da empresa.
ABSTRACT
This is an analytical study on the pledge made
before the decree of bankruptcy against the
debtor entrepreneur in the field of tax
foreclosure proceedings. The present article
aims to support the importance of the
company and their preservation, as part
deconstitutes foundation for the judicial
constriction of property of the insolvent
employer. The proposal made tends to
overcome the understanding consolidated in
the courts, especially in the Superior brasilian
Court of Justice for the propositional and
analytical method, which leads us to the
conclusion that we should allow the
attachment deconstitution of the judicial
constriction in a execution against the
bankrupt entrepreneur.
Keywords: Fiscal action, judicial constriction,
preservation of the company.
1. Introdução
A necessidade de se conservar a empresa
4
alimenta discussões em diversas oportunidades
nas quais a preservação da atividade
empresária se vê ameaçada, seja em razão da
aplicabilidade de outro princípio no caso
concreto, ou mesmo em virtude da
indiscriminada aplicação de dispositivos legais
em detrimento da norma principiológica
aludida.
Questiona-se a possibilidade de colisão entre o
princípio da preservação da empresa e os
dispositivos da Lei de Execuções Fiscais quando
há bem de empresário penhorado em
execução fiscal antes da sentença que decreta
a quebra deste. O questionamento nasce a
partir do entendimento dominante no STJ de
que ajuizada a execução fiscal anteriormente à
falência, com penhora realizada antes desta,
não ficam os bens penhorados sujeitos à
arrecadação no juízo falimentar. Surge, então,
um problema que consiste em saber se nesses
mencionados casos resta ferido o princípio da
preservação da empresa, por não ser possível
alienar o conjunto patrimonial do falido em
bloco para um arrematante que queira
continuar a atividade.
Antes de se adentrar no mérito do problema,
torna-se oportuno elucidar como ocorre o
processo de execução fiscal e a penhora nele
realizada, de modo que se possa tratar com
clareza do entendimento que se firmou no
Superior Tribunal de Justiça e, então, abordar a
questão da manutenção da empresa e a
desconstituição da penhora em execução fiscal
contra o falido.
Sendo assim, cabe elucidar que a dívida ativa
que qualquer devedor possua junto ao Estado
tanto relativamente aos créditos tributários,
quanto os créditos não-tributários, 2 quando
não paga, pode ser cobrada por meio de um
processo judicial denominado execução fiscal.
A inadimplência relativa à dívida ativa enseja
um procedimento que se inicia diretamente na
fase executória, sendo o executado citado
para, no prazo de cinco dias, pagar a dívida
constante da certidão,3 com os juros e multa de
2 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 12.
ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. p. 1079. 3 ASSIS, Araken de. Manual do processo de
execução. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002. p. 185.
5
mora e encargos indicados na certidão de
dívida ativa, ou garantir a execução.
A Lei n. 6.830/80, de 22 de setembro de 1980,
constitui a norma que rege a execução fiscal no
âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.
Referida Lei trata da satisfação forçada de
créditos da Fazenda Pública de forma distinta
de outras execuções de quantia certa previstas
na legislação processual brasileira, sendo o
foco da demanda executiva fiscal a celeridade e
a agilidade do processo promovido pela
Fazenda.4
Característica da Lei de Execuções Fiscais, os
privilégios para a Fazenda Pública nela
4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de
execução fiscal: comentários e jurisprudência. 11. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009. p. 3.
consubstanciados, de tantos e tão exagerados,
chamam a atenção da doutrina, a ponto de se
afirmar que em prol da Fazenda existem
favores extremos que chegam, em vários
momentos, a repugnar à tradição jurídica do
direito brasileiro.5 Araken de Assis argumenta
que “anima o Estado brasileiro, às vezes, um
profundo espírito caviloso, que avulta no
tratamento diferenciado conferido, de um lado,
ao crédito da Fazenda Pública, e, de outro, ao
crédito contra a Fazenda”6.
Não obstante aos privilégios que a doutrina aponta, a ineficiência do processo de execução fiscal é incomensurável. Kiyoshi Harada destaca alguns pontos que revelam a inutilidade do processo executório, cuja transcrição se faz oportuna:
5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de
execução fiscal: comentários e jurisprudência, p. 4. 6 ASSIS, Araken de. Manual da execução, p.
1066.
a) o número de execuções fiscais ajuizadas corresponde a mais de 50% dos processos judiciais, em geral, em curso no âmbito do Poder Judiciário, sendo que no âmbito da Justiça Federal essa proporção é de 38,8%;
b) os dados de 2005 revelam que a taxa média de encerramento de controvérsias em relação às novas execuções fiscais ajuizadas é inferior a 50% e apontam um crescimento de 15% de estoque de execuções em 1ª instância na Justiça Federal, havendo uma taxa de congestionamento médio de 80% nos julgamentos de 1ª instância;
c) existem 2,5 milhões de execuções judiciais no âmbito da Justiça Federal, com baixíssima taxa de impugnação, seja por meio de embargos, seja por meio de exceção de pré-executividade;
d) no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, enquanto o processo administrativo tributário leva em média 4 anos, a execução judicial leva 12 anos para findar;
e) menos de 1% do estoque de dívida ativa da União de R$ 400 bilhões (R$ 600 bilhões se incluída a da Previdência Social) ingressam aos cofres públicos por via de execução fiscal, bem menos do que o percentual alcançado por medidas de parcelamento (REFIS, PAES e PAEX);
6
f) considerados os valores sob execução judicial e os que estão sob discussão administrativa, a dívida ativa da União atinge a cifra de R$ 900 bilhões, ou seja, 1,5 vezes a estimativa de receita da União para o exercício de
2006.7
Infere-se dessas informações que o processo
de execução fiscal, além de emperrar o Poder
Judiciário, consiste em um instrumento de
privilégios para o ente fazendário que, não
obstante, é ineficaz.
Um dos privilégios consagrados pela legislação
em comento consiste na exclusão da execução
dos créditos fazendários dos juízos universais,
ou seja, uma das preocupações da norma
contida no art. 5º da Lei n. 6.830/80 é a de
liberar a Fazenda da sujeição a todo e qualquer
7 HARADA, Kiyoshi. A penhora como pré-
requisito da execução fiscal. Revista Magister de
Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor,
Porto Alegre, n. 6, p. 6-10, ago./set. 2007. p. 5-6.
juízo universal,8 dentre os quais se destaca o
juízo universal da falência. Desse modo, a
competência para apreciar a execução fiscal
não se altera em caso de decretação de
quebra.9
Havendo regra expressa no sentido de que o
foro da execução fiscal se mantém em face de
juízos universais, em especial o da falência,
sobrevindo decisão judicial que decrete a
quebra do devedor empresário, a execução
promovida pelo ente fazendário continuará no
foro onde se encontrava antes da decretação
falencial.
O processo de execução fiscal não será
8 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de
execução fiscal: comentários e jurisprudência, p. 73. 9 ASSIS, Araken de. Manual da execução, p.
1087.
alterado ou mesmo paralisado em virtude da
falência do devedor executado. A execução
fiscal seguirá o seu curso até a alienação dos
bens penhorados nas varas de Execuções
Fiscais. Frise-se que a alienação dos bens ocorre
se houver penhora realizada antes da sentença
de quebra, pois, caso não haja penhora
realizada e sobrevenha sentença decretatória
de falência, qualquer eventual penhora deve
ser feita no rosto dos autos do processo
falimentar.10
Em suma, havendo penhora promovida pela
Fazenda antes da sentença falimentar, os bens
são alienados e o produto da arrematação é
entregue ao juízo falimentar, que pagará aos
10
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de
execução fiscal: comentários e jurisprudência, p. 4.
7
credores, inclusive à Fazenda, segundo o rol de
preferência do art. 83, da Lei n. 11.101/05.
Esse é o entendimento majoritário nos
tribunais, especialmente o Superior Tribunal de
Justiça, que decorre de uma antiga súmula, de
n. 44, do extinto Tribunal Federal de Recursos,
cuja transcrição do teor ora se faz necessária:
Ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arrecadação no juízo falimentar; proposta a execução fiscal contra a massa falida, a penhora far-se-á no rosto dos autos do processo da quebra,
citando-se o síndico.11
Em virtude do entendimento do Superior
Tribunal de Justiça relativamente às normas
contidas nos arts. 5º e 29, da Lei n. 6.830/80 de
11
LOPES, Bráulio Lisboa. Aspectos tributários
da falência e recuperação de empresas. São Paulo:
Quartier Latin, 2008. p. 118.
liberar a Fazenda Pública da sujeição a todo e
qualquer juízo universal ou coletivo e,
consequentemente, promover a alienação dos
bens penhorados antes da falência naquele
foro, a arrecadação que o administrador judicial
da falência deve fazer no juízo falimentar,
apurando-se todos os bens do falido, não
contemplará o bem ou os bens penhorados nas
varas de execuções fiscais.
Por outro lado, a lei falimentar, prestigiando o
princípio da preservação da empresa,
prescreve em seu artigo 140, inciso I, que a
alienação dos bens arrecadados pelo
administrador judicial será realizada
prioritariamente mediante a venda dos
estabelecimentos empresariais em bloco. Não
sendo possível, proceder-se-á à venda dos
estabelecimentos das filiais ou unidades
produtivas isoladamente. Não sendo viável,
passa-se à alienação em bloco dos bens que
integram cada um dos estabelecimentos do
devedor ou, na última hipótese, à alienação dos
bens individualmente considerados.
Diversos autores, de diversos países, 12
sustentam que a preservação da empresa no
processo falimentar se concretiza por meio da
alienação dos bens do falido para um novo
empresário destinatário das unidades
produtivas, o que estabelece o artigo 140 da Lei
n. 11.101/05. Os autores esclarecem por qual
razão deve ser vendido o conjunto patrimonial
12
DÍAZ, Marta Zabaleta. El principio de
conservación de la empresa en la ley concursal.
Navarra: Editorial Civitas, 2006. p. 38.
8
de forma integral como primeira opção.
Segundo eles, o motivo reside na conservação
da atividade econômica, em respeito ao
princípio da preservação da empresa.13
Portanto, a alienação do complexo de bens
organizados para a atividade empresarial,
“trata-se, na realidade, de venda global,
ensejadora da preservação da empresa com
novo empresário ou sociedade empresária
[...]”.14
Com tal alienação e com o afastamento dos
13
BERNARDI, Ricardo. Da realização do ativo.
In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO,
Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à
lei de recuperação de empresas e falência: lei
11.101/2005 - artigo por artigo. 2. ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 487. 14
PACHECO, José da Silva. Processo de
recuperação judicial, extrajudicial e falência: em
conformidade com a lei n. 11.101/05 e a alteração da
lei n. 11.127/05, p. 330.
antigos administradores, pressupõe-se que a
empresa possa prosseguir suas atividades em
mãos de novos adquirentes.15
Surge, pois, o problema que consiste em saber
se resta violado o princípio da preservação da
atividade empresária caso não ocorra a
arrecadação e alienação de bens do falido no
juízo universal falimentar que já estejam
penhorados em execuções fiscais antes do
decreto de quebra, uma vez que não seria
possível adquirir o conjunto patrimonial em
bloco para continuar a empresa.
Tal problemática possui uma conotação prática
muito instigante. Imagine-se que o arrematante
15
NEGRÃO, Ricardo. Aspectos objetivos da lei
de recuperação de empresas e falências: lei n. 11.101,
de 9 de fevereiro de 2005, p. 119.
em uma alienação promovida no juízo
falimentar, de acordo com o artigo 140, inciso I,
da Lei 11.101/05, adquira todo o acervo
patrimonial do falido. Se assim o arrematante o
faz, muito provavelmente ele destinará os bens
do falido à continuidade da atividade
empresarial que por este era desenvolvida, ou
outra correlata. 16 Por outro lado, se um
arrematante adquire um bem isolado do acervo
patrimonial do falido, e o faz em uma alienação
promovida pelo juízo da execução fiscal, muito
provavelmente esse arrematante não possui a
intenção de desenvolver a mesma atividade
empresária do falido. Todavia, sem dúvida, as
16
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de
recuperação de empresas e falências comentada: lei
11.101/05: comentário artigo por artigo. 4. ed. rev.,
ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,
p. 326.
9
alienações realizadas isoladamente
desmantelam o patrimônio que o falido
empregava no exercício da empresa.
Como consequência, o desmantelamento do
acervo patrimonial disposto e apto a gerar
lucro promovido por alienações isoladas
impossibilitará a utilização do acervo em
conjunto no exercício de uma mesma atividade,
mas, de modo diverso, serão os bens alienados
isoladamente destinados a fins distintos, por
distintos arrematantes.17
2 A penhora no processo de execução fiscal
contra o falido
A penhora consiste em ato judicial coercitivo
17
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de
recuperação de empresas e falências comentada: lei
11.101/05: comentário artigo por artigo, p. 327.
que dá início à expropriação de bens do
devedor para satisfação do credor. Nesse
sentido, o vínculo de indisponibilidade
decorrente da penhora deriva da particular
destinação do bem afetado para satisfazer à
pretensão executiva.18
O órgão do Poder Judiciário que determina a
penhora de um bem o tem sob seu poder para
destiná-lo à satisfação do crédito exequendo.19
Nesse sentido, a penhora de um bem pelo
Estado tem natureza de ato executório.20
Também na execução fiscal a penhora possui
18
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Doutrina
e prática do arresto ou embargo. Rio de Janeiro:
Forense, 1976. p. 78. 19
LIEBMAN, Enrico Túlio. Processo de
execução. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1946. p. 95. 20
ASSIS, Araken de. Manual do processo de
execução, p.604.
natureza típica de ato judicial coercitivo que dá
início à expropriação de bens do devedor para
o caso de não ser paga a dívida, ou garantido o
juízo por meio de depósito ou fiança.
Despachada a petição inicial, o devedor goza
do prazo de cinco dias para realizar o
pagamento da dívida ou para nomear bens que
a garantam. Decorrido esse prazo, sem
manifestação valida do executado, a penhora
será levada a efeito sem que seja obrigatória a
ordem estabelecida pelo art. 11 da Lei n.
6.830/80 para nomeação de iniciativa do
devedor21.
Antes da sentença que decreta falência, a
citação para pagar ou garantir a execução será
21
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de
execução fiscal: comentários e jurisprudência, p. 82.
10
feita ao executado. Tratando-se de empresário,
este será a pessoa física ou jurídica a ser citada.
O ajuizamento da execução fiscal contra o
empresário que se encontra em crise
econômico-financeira não constitui uma
exceção, pois aquele que está em estado de
debilidade, inadimplindo suas obrigações,
comumente deixa de ser pontual também com
o pagamento dos tributos e demais despesas
junto ao fisco.22
Desse modo, eventual execução fiscal ajuizada
antes da falência correrá contra o empresário
devedor até a decretação da quebra, quando a
Fazenda tomará ciência de tal decisão judicial.
22
SALAMANCHA, José Eli. Débitos fiscais e a
recuperação judicial de empresas. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São
Paulo, v. 140, p. 118-125, out./dez. 2005. p. 118.
Como consequência, os bens que pertenciam
ao falido passam a ser da massa falida.
Contudo, se houver penhora realizada antes da
sentença de quebra, os bens penhorados não
ficam, como os demais bens da massa, sujeitos
a arrecadação no juízo falimentar, pois
constituem constrição judicial para garantia do
recebimento do crédito da Fazenda.
No que toca ao recebimento dos créditos
fiscais como decorrência da penhora de bens
do falido antes da sentença de quebra, em que
pese haver constrição de bens do falido antes
da aludida decisão, a Fazenda somente poderá
satisfazer o seu crédito mediante concurso
com demais credores segundo a ordem de
pagamento prevista na lei de falência.
Cabe ressaltar que o art. 29, da Lei n. 6.830/80,
prevê que a cobrança judicial da dívida ativa
não é sujeita a concurso de credores ou
habilitação em falência. Contudo, o Código
Tributário Nacional, que é lei hierarquicamente
superior à lei de execuções fiscais, dispõe em
seu artigo 186, de forma contrária, conforme
alteração introduzida pela Lei Complementar
118/05.
Assim, o art. 29 da Lei de Execução Fiscal exclui
a Fazenda da participação de juízos universais
como o da falência, mas não altera privilégios
instituídos e resguardados pelas leis materiais,
além do fato de que a Lei de Execução Fiscal é
da categoria das ordinárias, ao passo que o
Código Tributário Nacional é lei
11
complementar23.
Portanto, processualmente a Fazenda não se
submete ao concurso de credores, mas do
ponto de vista material ela se submete aos
efeitos do rol de preferência e à ordem de
pagamento prevista no art. 83 da Lei de
Falência.24
Sendo assim, para o recebimento dos seus
créditos, pouco importa se a Fazenda procedeu
à penhora dos bens do empresário que
posteriormente veio a falir, pois deverá o ente
fazendário receber segundo a ordem de
preferência prevista na legislação falimentar.
23
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de
execução fiscal: comentários e jurisprudência, p. 179. 24
LOPES, Bráulio Lisboa. Aspectos tributários
da falência e recuperação de empresas, p. 18.
Nota-se que embora a execução fiscal não fique
paralisada em razão da quebra do devedor, não
pode o processo continuar tramitando até a
entrega do produto da arrematação à Fazenda
exequente. 25 Isso porque o produto da
alienação deve ser entregue ao juízo falimentar
para pagamento segundo a ordem de
preferência do art. 83, da Lei n. 11.101/05.
Partindo da impossibilidade da Fazenda de
satisfazer diretamente seu crédito com o
produto da arrematação do bem ou dos bens
por ela penhorados, mesmo antes da quebra,
uma vez que tal produto deve ser entregue ao
juízo falimentar para proceder ao pagamento
25
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de
execução fiscal: comentários e jurisprudência, p. 73-
74.
dos credores, 26 resta-nos concluir que a
manutenção da penhora na execução fiscal
diante da falência carece do sentido para o qual
foi instituída na Lei n. 6.830/80, que seria de
conferir segurança e garantir o recebimento
pela Fazenda dos créditos desta.
Cabe destacar que os créditos tributários,
principais haveres consignados em certidão da
dívida ativa, figuram na terceira posição no rol
de preferência previsto no art. 83, da Lei n.
11.101/05, sucedendo os créditos derivados da
legislação do trabalho, os decorrentes de
26
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
Embargos de divergência no Recurso Especial.
Processo nº 2003/0012123-0. Relator: Ministra Eliana
Calmon, j. 06/10/2003. DJ, Brasília, 09 dez. 2003. p.
204. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?p
rocesso=444964&&b=ACOR&p=true
&t=&l=10&i=1>. Acesso em: 2 jan. 2010.
12
acidentes de trabalho e os créditos com
garantia real. Ressalta-se que, entretanto,
antes de se pagar os credores concursais, paga-
se os credores extraconcursais, conforme art.
84, da referida lei, tão-logo haja disponibilidade
de caixa na falência.
A preservação da empresa justifica-se por sua
função social. Preservar a atividade significa
manter a fonte produtiva, a geração de renda e
empregos e, também, a arrecadação de
tributos. Diante dessas premissas, a lei
falimentar trouxe em diversos dispositivos a
essência da preservação da empresa, mas,
especificamente no art. 75, o legislador fez
constar que, em relação à falência, a finalidade
da norma é a preservação da empresa.
Tendo o legislador envidado esforços no
sentido de preservar a atividade, não poderia
resultar de seu labor outra disposição, no que
toca ao processo falimentar, senão a de
alienação dos bens tangíveis e intangíveis do
devedor empresário. Isso porque o principal
meio de ser preservar a atividade por ele
exercida consiste na transferência do seu
patrimônio para terceiros, que o usará para
exercer atividade econômica, o que evidencia
uma conotação processual do princípio da
preservação da atividade empresária. Nesse
sentido, a finalidade da alienação do acervo
patrimonial da massa ocorrida no processo
falimentar, tal como dispõe o art. 140, visa a
“[...] propiciar condições de eventual
continuação do negócio pelo adquirente,
preservando-se, assim, o valor social da
atividade”27.
Para que o terceiro arrematante pudesse
efetivamente levar a cabo a aquisição do
patrimônio empresarial, o legislador cuidou de
impedir que houvesse a sucessão trabalhista e
tributária no tocante às dívidas do falido por
aquele que adquire o patrimônio da massa
falida 28 . Para tanto, além da disposição
expressa na lei falimentar, em seu art. 141,
inciso II, a Lei Complementar n. 118 alterou o
art. 133, §1º, do Código Tributário Nacional, de
modo a consagrar a impossibilidade de
27
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de
recuperação de empresas e falências comentada: lei
11.101/05: comentário artigo por artigo, p. 326. 28
NEGRÃO, Ricardo. Aspectos objetivos da lei
de recuperação de empresas e falências: lei n. 11.101,
de 9 de fevereiro de 2005, p. 119.
13
sucessão na aquisição dos bens pertencentes à
massa.
Devido ao fato de não haver sucessão
trabalhista ou tributária, estimula-se a aquisição
do conjunto patrimonial e preserva-se a
atividade empresária, pois o novo empresário
adquirente dos bens em bloco poderá
desenvolver sua empresa29.
Sendo assim, a conotação processual do
princípio da preservação da empresa consiste
na alienação dos bens do falido no processo
falimentar que, sem ônus algum, serão
utilizados por um empresário que os destinará
a continuação de uma atividade empresária.
29
PACHECO, José da Silva. Processo de
recuperação judicial, extrajudicial e falência: em
conformidade com a lei n. 11.101/05 e a alteração da
lei n. 11.127/05, p. 330.
3 A ponderação de interesses e sua
aplicabilidade diante do entendimento do STJ
quanto à penhora de bens do empresário
insolvente
Os princípios do ordenamento jurídico
expressam valores que a sociedade brasileira
cultiva e que o sistema tutela. A todo o
momento se depara com princípios que
traduzem os anseios sociais e revelam o norte
do Direito posto.
Os princípios são muitos e variados e, por
vezes, entram em choque. Mas, como não são
regras, cujo conflito pode ser solucionado pela
anterioridade, hierarquia ou especialidade, a
colisão é solucionada pelo sopesamento dos
valores em atrito.
Desse modo, a ponderação de interesses
consiste na técnica apta a solucionar as colisões
entre os diversos princípios que fundamentam
a ordem jurídica. Essa é a técnica que conjuga a
ponderação entre os diversos valores que dão
fundamento ético ao sistema normativo.30
No caso concreto o julgador, ao dimensionar o
peso de um princípio em detrimento de outro,
deve fazê-lo obedecendo a certos critérios, sob
pena de pender para o arbítrio. Desse modo,
cresce a importância da proporcionalidade,
pois a solução dada pelo aplicador do Direito
deve conciliar valores ao conciliar os interesses
em jogo, conferindo, assim, legitimidade à
30
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos
teóricos e filosóficos do novo direito constitucional
brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-
positivismo). Revista Diálogo Jurídico, p. 6.
14
decisão.
Proporcionalidade consiste na “[...] apreciação
da necessidade (Erforderlichkeit) e adequação
(Geeignetheit) da providência legislativa” 31 .
Desse modo, a lei deve ser necessária aos fins
que se destina, e deve apresentar solução
adequada ao que ela pretende regulamentar.
Esse critério é utilizado na Alemanha para,
inclusive, declarar a constitucionalidade ou não
de uma lei, pois, não observando tais critérios,
padece o provimento legislativo da
constitucional proporcionalidade que dele se
31
MENDES, Gilmar. O princípio da
proporcionalidade na jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal: novas leituras. Revista Diálogo
Jurídico, Salvador, v. 1, n. 5, agosto, 2001. p. 2.
Disponível em: <http://www.direit opublico.com.br>.
Acesso em: 9 dez. 2009.
exige32.
Quanto ao problema motivador do projeto de
pesquisa, há nas decisões dos nossos tribunais
um choque entre o princípio da preservação da
empresa, cujos interesses sociais foram
analisados ao logo dessa pesquisa, e a
segurança jurídica conferida pela legislação em
vigor ao crédito fazendário executado em um
juízo diverso do falimentar.
O julgador tem, nesses casos difíceis,33 dois
valores que se apresentam e devem ser
ponderados, a preservação da empresa e a
32
MENDES, Gilmar. O princípio da
proporcionalidade na jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal: novas leituras. Revista Diálogo
Jurídico, p. 2. 33
FARALLI, Carla. La filosofía del derecho
contemporánea: temas y desafíos. Madrid: Servicio de
Publicaciones, Facultad de Derecho, Universidad
Complutense, 2007. p. 26.
segurança jurídica. Além disso, o julgador está
apto a analisar se a Lei n. 6.830/80, ao permitir
a penhora nas execuções fiscais, cumpre a sua
finalidade de satisfazer o crédito fazendário.
Em um primeiro momento, ponderar a
preservação da empresa em contraponto à
penhora pressupõe uma análise sobre o
impacto que esta pode exercer na alienação do
ativo do falido. Isso significa dizer que falar em
preservação da atividade empresária para se
desconstituir uma penhora exige que esta
constitua óbice à alienação do ativo
empresarial como um todo.
Por outro lado, há que se verificar se a penhora
nesses casos se constitui como instituto que
realmente ofereça a segurança jurídica que
15
dela se espera. Se a alienação que sucede a
penhora gera uma receita que é destinada ao
pagamento dos credores conforme a ordem de
preferência estabelecida pela lei de falência,
não há que se falar em segurança jurídica para
a Fazenda Pública quanto ao recebimento dos
seus créditos, uma vez que figura em terceiro
lugar no rol de preferência para pagamento na
falência34.
Torna-se oportuno esclarecer que a segurança
jurídica classicamente considerada
representaria um óbice à interpretação que
permita a desconstituição da penhora de bens
34
CREMASCO, Suzana Santi. A Classificação
dos Créditos na Lei n. 11.101/05: Breve Estudo sobre
as Inovações Relativas a Ordem de Pagamento dos
Créditos Concursais Trabalhistas, com Garantia Real e
Tributários. Revista Magister de Direito Empresarial,
Concorrencial e do Consumidor. n. 11, p. 6-17,
out./nov. 2006. p. 14.
do empresário insolvente. Isso porque a
segurança jurídica clássica caracteriza-se pela
certeza e previsibilidade do ordenamento
jurídico, sob pena de enfraquecer as
instituições. Isso significa que a certeza da Lei
n. 6.830/80 consagra a previsão e certeza
formal do recebimento do crédito fazendário.
Essa segurança jurídica é meramente formal e
distante de uma justiça concreta, sendo esta
fundada na equidade e na igualdade. Tal
concepção está, outrossim, afastada da
segurança jurídica fenomenologicamente
entendida, que consiste em aceitar várias “[...]
verdades para casos semelhantes, desde que
fundamentadas e cuja argumentação forneça
também os critérios adotados, para que se
possa avaliar a razoabilidade da decisão
tomada”35. Nesse sentido, a segurança jurídica
meramente formal, se aplicada de forma
isolada, enfraquece as instituições, ao invés de
fortalecê-las36.
Por esses motivos deve a segurança jurídica ser
considerada em seu plano material. Isso implica
dizer que a real segurança jurídica só existe
quando se aceita a diversidade de
interpretações, as diferenças culturais e,
sobretudo, as constantes modificações do
direito. Portanto, para aceitar uma
interpretação, quanto à penhora de bens do
35
MACIEL, José Fábio Rodrigues. Teoria geral
do direito: segurança, valor, hermenêutica, princípios,
sistema. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 26-37. 36
MACIEL, José Fábio Rodrigues. Teoria geral
do direito: segurança, valor, hermenêutica, princípios,
sistema, p. 26-37.
16
empresário insolvente, diversa daquela
empreendida pelo STJ, necessário se faz
trabalhar com uma nova concepção da
segurança jurídica, com a qual seja a “[...]
decisão baseada em valores, pautada nos
princípios jurídicos, limitando a ideologização,
mas entendendo as diferenças culturais e
aceitando o fato da não existência de verdades
absolutas”37.
Esses são, portanto, os elementos a serem
ponderados quando da apreciação pelo Poder
Judiciário de manutenção de penhora no juízo
fiscal diante da falência do executado.
4. Uma análise inferencial do posicionamento
37
MACIEL, José Fábio Rodrigues. Teoria geral
do direito: segurança, valor, hermenêutica, princípios,
sistema, p. 37.
do Superior Tribunal de Justiça
O trabalho ora desenvolvido estrutura-se na
análise da importância da empresa, em
contraste com normas que irradiam,
concomitantemente, sobre a execução fiscal e
sobre o processo falimentar. Questiona-se a
violação do princípio da preservação da
atividade empresária caso não ocorra a
arrecadação e a alienação de bens do falido no
juízo universal falimentar que já estejam
penhorados em execuções fiscais antes do
decreto de quebra.
Ao se discutir o posicionamento do Superior
Tribunal de Justiça, surge a necessidade de
uma argumentação jurídica que pressuponha
interpretação inferencialista sobre o
posicionamento da referida Côrte em seus
julgados.
Segundo as lições de Antônio Cota Marçal,
convém ressaltar que “por ‘inferencialismo’
entende-se aqui a proposta de repensar
determinados conteúdos conceituais a partir
de uma matriz de discursividade racional
distinta da clássica racionalidade lógico-
formal”38.
Assim, deve-se esclarecer que a análise da
questão tal como ora proposta revela diversa
interpretação sobre entendimento judicial do
Superior Tribunal de Justiça, considerando-se
38
MARÇAL, Antônio Cota. O inferencialismo
de Brandom e a argumentação jurídica. In:
GALUPPO, Marcelo Campos. O Brasil que queremos:
reflexões sobre o estado democrático de direito. Belo
Horizonte: Ed. PUC Minas, 2006. p. 105.
17
que a interpretação é fruto de uma dada época,
de um dado momento histórico, e abarca os
fatos a serem interpretados, além do sistema
jurídico e das circunstâncias e do imaginário do
intérprete. Temos que ter em conta que “a
interpretação dos fenômenos políticos e
jurídicos não é um exercício abstrato de busca
de verdades universais e atemporais”39, mas
uma tentativa de se estabelecer uma
proposição justa e dogmática para solucionar
uma controvérsia jurídica.
Tal proposta de pensamento pressupõe,
portanto, um discurso racional e jurídico em
torno da importância da atividade empresária
39
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos
teóricos e filosóficos do novo direito constitucional
brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-
positivismo). Revista Diálogo Jurídico, p. 2.
e, consequentemente, da sua preservação,
exaustivamente delineada neste relatório de
pesquisa. Se a empresa é tão importante para a
sociedade de modo geral, repercutindo na vida
econômica e social dos cidadãos a ponto dos
operadores do Direito repensarem o seu
conteúdo atribuindo-lhe uma função social e,
por conseguinte, erigir sua preservação a um
princípio de direito, este constitui efetivamente
a pedra angular do discurso racional que se
propõe. A proposta de repensar o conteúdo
decisional parte da variabilidade na
interpretação das razões na decisão
articuladas.40
Cabe lembrar que o posicionamento analisado
40
BRANDOM, Robert B. La articulación de las
razones: una introducción al inferencialismo. Madrid:
Siglo Veintiuno, 2002. p. 225.
se consolidou ainda sob a égide do Decreto Lei
n. 7.661/45, antigo dispositivo legal que regia a
falência. Ao longo dos anos os tribunais
adotaram e ainda adotam uma postura que
acredita na penhora de bens nos autos da
execução fiscal como garantia do recebimento
dos créditos fazendários, sobretudo porque a
Lei n. 6.830/80 impede que a Fazenda se
submeta a juízos universais.
Ademais, o posicionamento adotado pelos
tribunais, que também se justifica pela norma
do art. 5º da Lei n. 6.830/80, não são dinâmicos,
como se exige de uma ciência social na qual se
constitui o Direito, mas, ao contrário, são
estáticos.
Nesse sentido, cabe destacar que no âmbito do
18
Direito, a evolução está embasada na própria
mudança social, a exigir uma constante e
renovada evolução na seara jurídica: “Como a
vida humana é simultaneamente prática e
teoria de uma discursividade livre, os conceitos
do Direito, além de instrumentais, são
interpretativos, históricos, inferenciais e
buscam se organizar logicamente”41.
A consolidação do entendimento dos nossos
tribunais, a extrair da Lei n. 6.830/80 uma
validade inabalável no que toca à penhora
realizada antes da falência, coexiste com outras
variáveis dentro da realidade social e jurídica
brasileiras. Ao lado da segurança que a penhora
41
MARÇAL, Antônio Cota. O inferencialismo
de Brandom e a argumentação jurídica. In:
GALUPPO, Marcelo Campos. O Brasil que queremos:
reflexões sobre o estado democrático de direito, p.
115.
pretende conferir ao crédito fazendário,
existem outros elementos a serem
considerados, tais como, o princípio da
preservação da atividade empresária e da
função social da empresa que, por suposto, são
normas de Direito42 que decorrem do princípio
constitucional da função social da propriedade.
Portanto, não se pode afastar a necessidade
imperiosa de se interpretar a Lei n. 6.830/80 à
luz da Constituição de 1988, uma vez que esta é
posterior ao texto legal.43
O que se evidencia é a possibilidade de se
argumentar racionalmente, com base em
elementos jurídicos claros que há espaço para
42
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito
constitucional. 15. ed. atual. São Paulo: Malheiros,
2005. p. 257. 43
ASSIS, Araken de. Manual da execução, p.
1067.
entendimento diverso do adotado pelo
Superior Tribunal de Justiça, especialmente em
virtude da mudança dos elementos fático-
sociais que convergem para a intenção de
preservar a empresa.
O discurso da preservação da empresa
encabeça a estrutura do raciocínio que permite
a superação do entendimento firmado, como
um princípio de Direito, cuja essência pode
embasar a desconstituição da penhora em uma
vara de execução fiscal, de modo a propiciar a
aquisição do acervo patrimonial do falido em
bloco por quem deseja utilizá-lo
empresarialmente e, com isso, continuar a
atividade empresária.
Sobre o discurso da argumentação jurídica
19
calcada em princípios e razões de Direito, tem-
se que “por argumentação jurídica entende-se
aquele processo de explicitação e articulação
de razões capazes de fundamentar decisões e
justificar ações próprias do Direito considerado
como ciência social aplicada”44.
Há, inegavelmente, a necessidade da “[...]
construção sempre reiniciada dos conteúdos
conceituais do Direito (institutos jurídicos,
normas jurídicas, julgados, construções
teóricas) [...]”45, de modo que o próprio Direito
possa evoluir e atender às necessidades de
44
MARÇAL, Antônio Cota. O inferencialismo
de Brandom e a argumentação jurídica. In:
GALUPPO, Marcelo Campos. O Brasil que queremos:
reflexões sobre o estado democrático de direito, p.
114. 45
MARÇAL, Antônio Cota. O inferencialismo
de Brandom e a argumentação jurídica. In:
GALUPPO, Marcelo Campos. O Brasil que queremos:
reflexões sobre o estado democrático de direito, p.
115.
uma sociedade que é complexa e dinâmica.
A decisão judicial que soluciona a controvérsia
apresentada corresponde a uma decisão difícil.
Justamente em razão dessa dificuldade quanto
ao elemento normativo aplicável, ou mesmo da
interpretação a ser empreendida, é que a
argumentação baseada em princípios pode se
apresentar como o melhor caminho.46
Portanto, ao se analisar as diversas premissas e
os múltiplos interesses que gravitam em torno
da empresa, a manutenção de uma penhora
pode colocar em risco valores mais nobres para
o ordenamento jurídico, do que o benefício
imediato que a penhora confere à execução
46
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da
decisão judicial: fundamentos de direito. Tradução de
Bruno Miragem. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p. 395.
fiscal para o ente fazendário, o que permite
chegar a uma conclusão diversa do
entendimento firmado até então.
4. CONCLUSÃO
O processo falimentar é caracterizado como a
inevitável morte da empresa, quando não mais
é possível sua continuidade. Contudo,
consistindo a preservação da atividade
empresária como valor perseguido nos
processos concursais empresariais, a falência é
a última via a ser adotada, sendo antes dela
devem ser feito todos os esforços para manter
a fonte produtiva geradora de riquezas e
renda.
Processo com caráter liquidatório de outrora, a
20
falência disciplinada pela Lei n. 11.101/05
apresenta-se como meio de viabilizar a
continuação do exercício da atividade
empresária, mesmo que seja decretada a
falência do empresário.
A referida lei abriu tal hipótese especialmente
quando em seu art. 141 previu as hipóteses de
alienação do patrimônio do falido. Para
possibilitar que um terceiro arrematante dos
bens do insolvente na sua totalidade e os
empregue na mesma atividade ou atividade
correlata à desenvolvida pelo falido, o inciso I,
do citado artigo, prioriza a venda em bloco dos
bens do falido.
Contudo, verificou-se que, quando há penhora
realizada antes da sentença que decretou a
falência do empresário, os bens constritos em
varas de execuções fiscais no bojo de ações
executivas não podem ser alienados pelo
administrador judicial do processo falimentar,
impossibilitando o arremate por parte de
terceiros que os fossem utilizar no exercício de
uma atividade empresarial frustrando o
princípio da preservação da empresa.
A manutenção da penhora foi confirmada em
diversas oportunidades pelo Poder Judiciário,
que firmou entendimento nesse sentido. Além
da súmula n. 4 do extinto Tribunal Federal de
Recursos, que orientou a aplicação desse
entendimento antes mesmo da constituição de
1988 e da atual lei de falências, o STJ mantém
essa posição, referindo-se em diversas
oportunidades à súmula do finado TFR.
O conflito existente entre o princípio da
preservação da empresa e aplicação da Lei n.
6.830/80, que permite a penhora em ações
fiscais, segundo entendimento o entendimento
do STJ, se resolve mediante a aplicação da
referida lei, em nome da segurança jurídica do
ato constritivo praticado, além da conservação
dos interesses fiscais.
Contudo, uma análise renovada do processo
falimentar, conjugado com a necessária
preservação da empresa tão propalada nos dias
atuais, além uma interpretação reflexiva e
constitucionalizada do teor da decisão que
opta pela manutenção da penhora, pode-se
chegar à conclusão diversa ao entendimento
21
firmado.
Considerando que o conteúdo da decisão
merece uma releitura a partir do novo modelo
de processo falimentar, impende suscitar que a
preservação da empresa se revela seu maior
objetivo. A liquidação de que se vale a Fazenda
quanto aos bens penhorados só faz prejudicar
a preservação da empresa e, como
demonstrado alhures, não se presta, na maioria
dos casos, a garantir o recebimento da dívida
ativa.
A segurança jurídica que o instituto da penhora
gera não passa de mera segurança formal. Isso
porque a liquidação dos bens constritos não
assegura o recebimento dos créditos
fazendários, pois o produto da arrematação
deve ser entregue ao juízo falimentar que
pagará a Fazenda Pública apenas depois de
serem pagos os credores extraconcursais, os
credores com créditos derivados da legislação
do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta)
salários-mínimos por credor, os decorrentes de
acidentes de trabalho e os credores com
créditos com garantia real até o limite do valor
do bem gravado.
A interpretação diversa daquela empreendida
pelo STJ pressupõe uma nova concepção da
segurança jurídica, com a qual a decisão será
baseada em valores, pautada nos princípios
jurídicos e aceitando o fato da não haver
verdades absolutas.
Considerando-se que a interpretação é fruto de
uma dada época, de um dado momento
histórico, e abarca os fatos a serem
interpretados, o momento atual está muito
distante daquele no qual se firmou o
entendimento do extinto TFR, a merecer uma
nova abordagem.
Se a empresa é tão importante para a
sociedade de modo geral, repercutindo na vida
econômica e social dos cidadãos a ponto dos
operadores do Direito repensarem o seu
conteúdo atribuindo-lhe uma função social e,
por conseguinte, erigir sua preservação a um
princípio de direito, este constitui efetivamente
a pedra angular do discurso racional proposto.
A preservação da empresa encabeça a
estrutura do raciocínio que permite a
22
superação do entendimento firmado, como um
princípio de Direito, cuja essência pode
embasar a desconstituição da penhora em uma
vara de execução fiscal de modo a propiciar a
aquisição do acervo patrimonial do falido em
bloco por quem deseja utilizá-lo
empresarialmente e, com isso, continuar a
atividade empresária.
Sendo assim, a conclusão formada ao se
analisar as diversas premissas e os múltiplos
interesses que gravitam em torno da empresa é
a de que a manutenção de uma penhora pode
colocar em risco valores mais nobres para o
ordenamento jurídico, do que o benefício
formal que a penhora confere à execução fiscal
para o ente fazendário, o que permitiu concluir
diversamente do entendimento firmado pelo
Superior Tribunal de Justiça.
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TÉCNICAS. NBR 10520: informação e
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BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de
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lei 11.101/05: comentário artigo por artigo. 4. ed.
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25
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execução fiscal: comentários e jurisprudência.
11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
26
Aspectos revisitados da Globalização e seus
desafios para os Estados Nacionais1
O fenômeno da globalização tem sido objeto de
várias análises, principalmente no que se refere à
efetiva novidade do termo 2 . Apesar das
divergências interpretativas entre os mais
diversos autores que se dedicam ao estudo do
tema, um ponto em comum entre eles é o fato de
que a globalização tem gerado a
internacionalização produtiva, o incremento do
comércio e a absorção de novas tecnologias.
(Lacerda, 2003). Além disto, este processo tem
colocado novos desafios para os Estados
Nacionais, para as empresas, para os profissionais
envolvidos direta e indiretamente na cadeia
produtiva e para toda a economia num contexto
geral. 1 Luiz Cesar Fernandes da Silva é Mestre em Administração
Pública pela Fundação João Pinheiro, especialista em Finanças – UFMG e bacharel em Economia. Professor Universitário, trabalha com Consultoria Financeira Empresarial e integra o grupo de Pesquisa – Emprego e Renda da Fundação João Pinheiro, juntamente com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo de Minas Gerais. 2
A análise da globalização, no contexto da inserção
externa do país e na entrada do IED pelas atuações das
ETNs, tem sido tema estudado atualmente por diverso
autores. Entre estes: Baumann (1996) e Fiori (1998).
Embora para diversos autores, a sociedade global
ou a economia global apareçam na definição
desse processo 3, Fiori (2007) ressalta que ocorre,
em grande parte das análises, uma falta de
interpretação mais profunda para compreender o
“processo global” do desenvolvimento do
sistema capitalista. Para essa não compreensão, o
jargão “globalização” é comumente definido
como um resultado inevitável de que as
transformações tecnológicas coligadas à
expansão dos mercados “derrubaram” as
fronteiras das nações. José Luis Fiori diz que esse
“fenômeno” seria simplesmente a forma de
expansão do capitalismo, em mais uma nova fase
do desenvolvimento histórico de um sistema de
criação de riqueza.
3
Focalizo a atenção para textos em que se utiliza
metáforas para descrever as transformações do final do
século XX.” Primeira revolução mundial”(Alexander
King), “Terceira onda”(Tofler) e “Aldeia global”
(Mcluhan).
Essa nova fase de relevantes mudanças que tem
ocorrido no século XXI, tem sido não só
caracterizada pela aceleração dos fluxos de
serviços, de mercadorias, de idéias e valores, mas,
principalmente, pelo aperfeiçoamento das
capacidades técnicas, da liberalização financeira e
da globalização das empresas. (Defarges, 1993).
Todo esse processo de transformação deveu-se,
em grande média, aos avanços científicos e
tecnológicos em curso, especialmente nos
transportes e comunicações, que possibilitaram
maiores intercâmbios no comercio internacional.
Fiori (2007) descreve que, se retornarmos na
história, veremos que esse atual movimento
contemporâneo conhecido como “globalização”
já era vivenciado no capitalismo na Europa, no
final da Idade Média 4. Porém, durante os últimos
4 A raiz do sistema capitalista (acumulação e expansão)
existe desde o século XII. Entretanto, a expansão do
capitalismo realmente se dá após a Independência Norte-
americana e da multiplicação dos Estados nacionais fora
da Europa. Até o fim do século XVIII, o sistema mundial
moderno se restringia aos Estados Europeus e a todos os
demais territórios que se encontravam dentro do espaço
de dominação das colônias ou do Império. Detalhes da
27
130 anos, as dinâmicas integrações regionais,
através de bens, capital e mão-de-obra e as
diferentes formas como estas vêm se
procedendo, são alguns dos fatores destacados
por historiadores como o aprofundamento do
processo de globalização. Na literatura, esse
período foi dividido por três diferentes fases onde
cada uma se caracterizou por um determinado
modo. (CEPAL, 2002).
1.1 A Primeira Fase
A primeira fase vai de 1870 até 1913 e se
interrompe com a Primeira Guerra Mundial. Esta
fase se caracterizou por três procedimentos: o
primeiro referiu-se à extensão do padrão-ouro, a
partir de 1870, como sistema de pagamento
internacional. O segundo, foi pela elevada
mobilidade internacional de capitais e da mão-de-
obra, enquanto o terceiro deu-se por várias
formas de regulação estatal. A seguir,
ponderamos esses processos mais
especificadamente.
evolução do processo mundial da globalização desde a
Idade Média, ver Fiori (2007).
Furtado (1976) destaca que, quando a Inglaterra
“abandonou” a agricultura em favor das
atividades comerciais, teve que necessariamente
aprofundar na industrialização interna. Ou seja, o
crescimento interno viabilizou a expansão do seu
crescimento econômico no comércio
internacional. Nas idéias de Celso Furtado, cabe
ressaltar que um dos pontos que caracterizou o
desenvolvimento do sistema capitalista foi o
intercâmbio de produtos entre países, que têm
em si a disparidade nos níveis de preços nas
trocas das mercadorias. Desse modo, quando a
Inglaterra assume a primazia na Revolução
Industrial, não sendo acompanhada, a princípio,
por grande parte dos países na difusão do “novo”
modo de produção, o intercâmbio favoreceu e
contribuiu para consolidar a hegemonia inglesa
pela acumulação financeira através das
desigualdades de preços nas relações comerciais.
O padrão-ouro clássico 5 foi a expressão da
hegemonia inglesa na primeira fase da
5 A “aceitação” ou a “escolha de um padrão monetário
depende de uma complexa interação entre as práticas de
pagamentos dominantes nos mercados à hierarquia entre
as econômicas nacionais”. (Belluzzo 1998, p.162). O
globalização, quando a libra se tornou uma
referência de pagamento mundial em 1870 6. Para
a Inglaterra, a expansão dos meios de
pagamentos proporcionou, sobretudo, o
financiamento da sua Revolução Industrial, que
viabilizou o deslocamento da indústria algodoeira
para a indústria metalúrgica de estradas de ferro.
(Fiori, 2007). Através destas indústrias
metalúrgicas, pode-se estabelecer a indústria de
bens de produção (máquinas, metalurgia e
mineração), possibilitando ainda maior inserção e
domínio nas relações comerciais.
O segundo procedimento característico dessa
fase, a mobilidade de capitais e de mão-de-obra,
estabelecimento desse padrão revela a aceitação dos
agentes nas relações comerciais e financeiras
internacionais, na moeda do país dominante como meio
de pagamentos nas transações. Indica uma confiabilidade
dos mercados no sistema bancário daquela nação, pois, é
através do poder de financiar as negociações no comercio
internacional e de “bancar” garantias, que essa economia
se impõe através da moeda de sua emissão. 6 A Inglaterra já liderava a globalização financeira desde
1830. A partir de 1649, no governo Crowell, foram
tomadas as primeiras estratégias que levaram a Inglaterra
á Revolução Industrial e à construção do seu império. A
Inglaterra não abriu mão do mercantilismo e do
expansionismo colonial até à primeira metade do século
XIX, quando já havia feito a Revolução Industrial e
liderava a economia mundial. Detalhes Fiori (2007).
28
em síntese, ocorreu da seguinte maneira: com o
aperfeiçoamento das técnicas agrícolas, a
agricultura se desenvolveu, ampliando-se o
excedente produtivo que impulsionou o
crescimento das cidades e a expansão do
intercâmbio de bens e de mão-de-obra com
outras regiões. O advento da Revolução Industrial
deu origem à especialização e à divisão
internacional do trabalho. Percebe-se que a
extensão dessa divisão seria sempre delimitada
pelo tamanho do mercado, pois, com mercados
mais amplos, haveria uma especialização maior,
elevar-se-ia a produtividade, a eficiência e, com o
uso do dinheiro no intuito de superar as
dificuldades de um sistema de trocas, aumentar-
se-ia a riqueza.
Desse modo, a ampliação destes mercados
possibilitou oportunidades para o comércio e
transportes, principalmente para a indústria
ferroviária 7 e a de manufaturas. Estas,
7 A invenção do motor a vapor (1765), o tear hidráulico
(1768) e mecânico (1785), foram importantes fatores para
a ampliação dos mercados, pois permitiu enorme e um
rápido desenvolvimento da indústria em larga escala.
Detalhes Hunt (1978).
respectivamente, impulsionaram a mobilidade de
mão-de-obra e de capitais 8 que viabilizaram ainda
mais a especialização e a acumulação 9 . Cabe
ressaltar ainda a observação de Fiori (1998) de
que através desta expansão, deu-se a classe
operária e solidificou-se a urbanização da
sociedade européia.
Apesar do discurso Inglês em favor do livre
comércio, o terceiro procedimento característico
dessa fase foi à regulação estatal. Com exceção
das potências européias comprometidas com o
livre comércio (Inglaterra e Holanda) e da
imposição às colônias de livre comércio com as
respectivas metrópoles de iguais obrigações, o
que predominou para as outras nações do
continente Europeu, foi a proteção, através de
8 A expansão de capitais nessa fase da globalização se
deu através da "emissão de capital" em grandes projetos
de longo prazo, especialmente de infra-estrutura e da
criação de um mercado internacional de bônus da dívida
pública. Em torno desta expansão surgiu uma incipiente
rede bancária internacional que favoreceu também para
ampliar os mercados. (CEPAL, 2002).
9 Acumulação de capital se dá em duas formas. 1ª
Formação de capital e investimento e a 2ª de estoque
(capacidade de produção). Furtado (1976).
tarifas, no sentido de tentar beneficiar os
produtos nacionais.
De acordo com Furtado (1976), a decorrência
natural das operações de intercâmbio que é o uso
do excedente produtivo para captação de outro
excedente, fez-se de forma irregular em diversas
regiões, decorrente de fatores políticos e culturais
que ofereciam resistência à destruição das
estruturas mercantilistas anteriormente
existentes. Assim, com maior acumulação inglesa,
implicando em maiores excedentes produtivos, a
viabilidade de distribuição destes daria através da
ampliação dos mercados. Para que a expansão
dos mercados fosse viável, seria importante o
mínimo de dificuldades em termos de tributos e
normas. Ou seja, era previsível que, nesse cenário,
a Inglaterra discursasse em favor do livre
comércio.
Em síntese, nota-se que o aumento das
exportações era a estratégia para a expansão da
produção e do comércio. Percebe-se,
historicamente, que o processo de expansão das
29
empresas para além das suas fronteiras começa a
se desenvolver e criar dimensões em fins do
século XIX. Outro fato relevante a se considerar é
que a abertura de novas linhas de comércio
possibilitou, de certa forma, a criação de “novos”
padrões nas relações de intercâmbio externo, que
configurariam, posteriormente, na segunda fase,
a base de um novo sistema de produção e de
comercialização, principalmente pelas grandes
empresas e pelas Empresas Transnacionais
(ETNs).10
Essa primeira fase da globalização se interrompeu
com a Primeira Guerra Mundial, que obstruiu o
dinamismo do comércio mundial. 11 Entre os
10
Em relação às grandes empresas, um fato importante
que deve ser destacado, é o surgimento do Fordismo.
Apesar da Ford ter sido fundada em 1903, o fordismo
aparece como novas práticas de gestão a serem seguidas
a partir de 1913, quando Henry Ford passa a adotar seu
sistema na linha de montagem de sua fábrica, na
produção do Ford Modelo T. Ou seja, entre o fim da
primeira e o início da segunda fase do processo de
globalização referenciado no trabalho. 11
As análises históricas indicam que, com a Primeira
Guerra Mundial, teve início um período de lenta
expansão das economias dos países industrializados, em
particular do Reino Unido e outros países europeus,
dando fim ao alto crescimento associado à primeira fase
da globalização. A queda inicial foi experimentada na
fatores que contribuíram para a queda desse
dinamismo, estariam a instabilidade política
mundial, a desaceleração do crescimento
econômico dos países desenvolvidos e a
incapacidade para preservar o padrão ouro.
1.2 A Segunda Fase
Após a Segunda Guerra Mundial, tem início uma
nova etapa de integração global comandada pela
hegemonia americana. 12 O período assinalado
dessa segunda fase, 1945 a 1973, caracterizou-se
pela grande extensão do comércio de
manufaturas entre os países desenvolvidos, pela
existência de uma grande variedade de modelos
de organização econômica ao redor do mundo e,
diferentemente do que ocorrera na primeira fase,
por uma baixa mobilidade de mão-de-obra.
forte crise do pós-guerra de 1920 e 1921. Associada a
esta, durante esse período os preços reais das matérias-
primas sofreram uma queda de 45%. O colapso da
economia mundial em 1929 gerou uma nova queda dos
preços de matérias-primas, os quais se mantiveram
baixos até o final da década de 1940. CEPAL (2002)
12 Detalhes da queda da hegemonia Inglesa na primeira
fase, para a primazia hegemônica Americana na segunda
fase. Ver Fiori (1998 p. 87 a 150).
No período da segunda-fase, a economia
americana funcionou como reguladora do
processo capitalista, provendo a liquidez e a
demanda do comércio internacional. O processo,
vivenciado pela economia americana de
acumulação de capital no pós-guerra, contribuiu
para a formação das ETNs que passaram a dispor
de grande poder financeiro e econômico. Hiratuka
(2003) assinala que essas empresas, na busca de
novos mercados, passaram cada vez mais a
internacionalizar suas atividades, instalando filiais
em diversos países onde os mercados
possibilitariam melhores retornos.
Decorrente dos efeitos do pós-guerra, o incentivo
do governo americano à produção local, em
detrimento à queda das importações, motivou a
industrialização produtiva em vários setores
industriais daquela economia. Associado aos
mercados promissores dos países que saíram
destruídos pela guerra, os EUA abriram suas
exportações para a Europa e Japão, que
passavam pelo processo de reconstrução. O
projeto americano de construção da ordem
30
econômica internacional 13 foi concebido com o
propósito de promover a expansão do comércio
entre as nações e colocar seu desenvolvimento a
salvo de turbulências financeiras. (Belluzzo, 2005).
Nessa conjuntura, as ETNs passaram a assumir um
papel pioneiro pelo aumento do comércio
mundial a partir dos anos 50. Alcoforado (1997)
ressalta que, em fins daquele decênio, para
superar a crise econômica do pós-guerra, assim
como a queda na produtividade do capital e das
margens de lucro das empresas, era vital tanto a
mudança de paradigmas tecnológicos e de
gestões empresariais, como a diminuição de
barreiras comerciais. Só através dessas mudanças,
seria possível dar início a um novo ciclo de
expansão do sistema capitalista.
Dois acontecimentos importantes para o
desenvolvimento desse novo ciclo de integração
comercial das economias, foram: a rápida
expansão dos mercados financeiros 14 mundiais no
13
Plano Marshall. Ver Sandroni (1989). 14
O início da desregulamentação financeira se dá através
da quebra de contrato de Bretton Woods (1944). O
ressurgimento do financiamento privado internacional de
longo prazo, a partir da década de 60, 70, foi produto não
final dos anos 70, liderado pela economia
americana e, a expansão das ETNs através do
Investimento Estrangeiro Direto (IED). Esta
favoreceu-se principalmente quando o mercado
interno americano passou a crescer menos do que
o potencial de expansão de suas empresas. Para
Vernon (1996) 15, quando as empresas americanas
produziam um bem cuja demanda interna não
só da nova fase de estabilidade da economia mundial,
mas também de uma sucessão de fatores. Entre estes,
podem-se destacar quatro: 1) o excedente de dólares da
década de 60 e os petrodólares da década seguinte; 2) o
abandono do esquema de paridade fixa de Bretton Woods
e a “flutuação” das principais moedas no início dos anos
1970; 3) a acelerada institucionalização da poupança na
década de 1980 sob a liderança dos Estados Unidos e
Reino Unido; e 4) o nascimento de um mercado crescente
de derivados financeiros, na última década do século XX,
que permitiu subdividir os riscos dos diversos ativos e
passivos financeiros. 15 Vernon – Teoria do Ciclo de vida dos produtos. Esse
autor foi o primeiro a analisar os fluxos comerciais a
partir do movimento da expansão das ETNs.,
estabelecendo uma relação dinâmica entre a capacidade
de inovação, internacionalização produtiva e padrões do
comércio. Para ele, os novos produtos na sua fase de
crescimento são introduzidos nos mercados estrangeiros
via exportação ou IED através dos “oligopólios baseados
na inovação”,, onde tudo depende duma análise
custos/benefícios entre estas duas modalidades. A
dinâmica do modelo residiria na interação entre as
forças da demanda e as possibilidades de produção.
respondesse ao esperado, as exportações era o
caminho e estas se davam, inclusive, através das
instalações das filiais em outros países. 16
Pode-se notar que, nessa segunda fase da
globalização o avanço no transporte, nas
tecnologias da informação e comunicação
permitiu aumentos consideráveis na
produtividade, no crescimento econômico e no
comércio internacional. Esses avanços
possibilitaram a formação dos blocos
internacionais (blocos regionais, sub-regional e
bilateral), tornando-se papel importante para
maior proveito da ampliação dos mercados, no
sentido de enquadrar a “nova” industrialização e
estender o avanço do progresso técnico.
Como consequência, a formação desses blocos
trouxe a exigência da queda das barreiras ao
comércio internacional, pois aumentou o grau de
16
Cabe destacar aqui, um ponto de grande relevância que
ocorre no decorrer dessa integração comercial. O nascer
de uma nova concepção de sistema de produção
conhecido como Toyotismo. Apesar de ter a sua gênese
no Japão, no decênio de 1950, é no decorrer da década de
1970, que o Toyotismo passa a ser incorporado
mundialmente em diversas empresas. No Brasil, as
empresas começam a adotar esse modelo, mais
precisamente, no decênio de 1980.
31
interdependência entre os países deles
participantes, visto uma maior movimentação dos
fluxos de capitais financeiros e dos IED que
passou a acorrer. Essa situação corroborou para
que os Estados Unidos adotassem uma postura
no sentido de promover e desenvolver
instituições de cooperação internacional 17 em
matéria financeira e comercial, visando assegurar
sua hegemonia global ao longo desse tempo.
Em síntese, o que caracterizou esse período foi,
inicialmente, a expansão das operações do
mercado americano, que à priori se deu pelo IED e
através das exportações das ETNs. Cabe ressaltar
ainda que a difusão das ETNs no pós-guerra,
adiciona-se, especialmente na década de 60 e 70,
uma intensa internacionalização do capital
financeiro. O ponto de ruptura dessa fase,
17
Os EUA, ao contrário da Inglaterra no século XIX,
construíram uma complexa rede de instituições voltadas
para a gestão multilateral de sua hegemonia e agrupadas
em três grandes áreas. 1) As instituições econômicas,
(FMI, BIRD, GATT), responsáveis pela supervisão do
comércio, do sistema monetário e do equilíbrio do
balanço de pagamentos dos países membros, 2) a rede
global de suas bases militares legitimada por vários
pactos regionais e 3) a finalmente, a ONU, para garantir
administração política de conflitos. Detalhes: Fiori
(1998).
segundo Marglin e Schor (1990), dá-se
especificamente no início da década de 70, com o
fim da paridade cambial acordada em 1944, em
Bretton Woods 18.
1.3 A Terceira Fase
No último quarto do século XX, consolidou-se a
terceira fase de globalização, cuja característica
central é a crescente presença das ETNs e do IED
no cenário mundial sob a modalidade de sistemas
de produção integrados. As raízes deste longo
processo estiveram inseridas nas sucessivas
18 Reunião realizada em 1944 na cidade de Bretton
Woods (EUA), onde representantes de 44 países aliados
assinaram um acordo estabelecendo as regras de
funcionamento de um novo sistema monetário
internacional, definidas basicamente pelos EUA e Grã-
Bretânia, o “padrão-dolar”. Com o objetivo de se criar
um sistema multilateral de regulamentação
macroeconômica baseado em taxas de câmbio fixa, mas
reajustáveis, e o apoio financeiro aos países que
enfrentavam crises do balanço de pagamentos, assim
como o surgimento dos bancos oficiais de financiamento
internacional, tanto nacionais (bancos de exportações e
importações) como multilaterais, esse novo sistema,
passou a vigorar no pós-guerra e se manteve vigente até
1973, quando os EUA tomaram a iniciativa de abandoná-
lo.
revoluções da tecnologia da informação e da
comunicação (fibra ótica, satélites, sistemas de
computadores, etc.), que se intensificaram no
decorrer dos três últimos decênios.
Braudel (1994) assinala que esses fatores
contribuíram para explicar a grande “onda” de
investimentos estrangeiros e a concentração da
produção em escala mundial que caracterizou a
última década do século XX. Para esse autor, a
internacionalização produtiva das empresas
remete ao final do século XIX, como um
subproduto dos processos de concentração
econômica nos países industrializados, de onde
vem até hoje grande parte das ETNs.
A partir da década de 70, estendeu-se a sub-
contratação internacional das tarefas mais
intensas em mão-de-obra, que originou o primeiro
passo para o desenvolvimento de sistemas de
produção integrados, pois possibilitou a criação
de segmentos nas diversas etapas do processo
produtivo. Essas mudanças aumentaram a
importância das grandes empresas, contribuindo
para o aumento do IED e dos fluxos de bens e
32
serviços em suas relações comerciais 19 .
Acrescenta-se a isso, que as economias em
desenvolvimento começaram a apresentar alguns
fatores específicos a partir dos anos 90 que
impulsionaram o processo de expansão do IED.
(Franco, 1998). Tais fatores incluem: a
intensificação da política de liberalização
econômica e comercial; os ajustes
macroeconômicos que viabilizaram a retomada
do crescimento; a necessidade de explorar os
recursos tecnológicos externos e, principalmente,
as privatizações das empresas estatais, sobretudo
no setor de prestação dos serviços públicos,
como telecomunicação e abastecimento de
energia elétrica.
19
A especialização de fábricas ou empresas sub-
contratadas, localizadas em vários países na produção de
componentes e nas etapas do processo produtivo. Essas
mudanças na estrutura produtiva e comercial
aumentaram a importância das grandes empresas ou
conglomerados empresariais. Passou a existir, de fato,
uma relação entre o surgimento dos sistemas integrados
de produção e o aumento dos fluxos de comércio e do
IED.
Para Eliane Franco, essas transformações
começaram a mudar o relacionamento entre os
governos desses países e as ETNs, pois
possibilitaram a criação de um cenário mais
definido para atuações dessas empresas no
processo da globalização. Nessa fase, além da
definição geográfica de suas fragmentações
produtivas, as ETNs passaram a incorporar firmas
locais através de fusões ou pelas privatizações.
Formaram novas redes de logísticas e
influenciaram no processo de transformação de
mudanças comportamentais das organizações
hospedeiras, que configuram em novas estruturas
produtivas e de valores. Estas mudanças foram
desde novos valores de gestões administrativas
até ao nível de envolvimento de
comprometimento das empresas que se
relacionam diretamente com as ETNs.
Segundo Alcoforado (1997, p.13), essa nova fase
tem sido identificada pela:
produção de mercadorias complexas que exigem a utilização de elevada competência profissional nas áreas de gestão empresarial, de materiais e de tecnologias sofisticadas. As mercadorias complexas não se reduzem nem a objetos
materiais individualizados, nem a simples serviços. Ela é a combinações do material e do imaterial, da intervenção direta de competências e do uso de bens de forte conteúdo técnico que implicam frequentemente em pesados investimentos na pesquisa, na produção de equipamentos e na formação de recursos humanos.
Além dos avanços tecnológicos, a integração
regional foi e tem sido estimulada pelos mercados
financeiros desregulamentados e sofisticados.
Isto colaborou/colabora para a criação de um
fator intangível da riqueza e contribui para uma
nova expansão do capitalismo.
O capital financeiro volta a ocupar o proscênio, em blocos de poder formados por seus Estados nacionais e comprometidos por novos territórios econômicos, delimitados já não pelas barreiras comerciais, mas pela credibilidade de suas moedas e do sistema de pagamentos. Criam-se verdadeiros territórios monetários que se espraiam e competem através de um universo integrado, pelas desregulações nacionais dos movimentos de capitais e pela descompartimentalização dos próprios mercados financeiros do cambio, das ações, dos imóveis e das comodities. (Fiori, 1999, p.72).
Para José Luís Fiori, além desses procedimentos,
há ainda políticas que reforçam as grandes nações
e as ETNs em favor de novos regimes
33
internacionais de comércio e investimentos, no
sentido de confirmar suas lideranças. A abertura
dos mercados financeiros pós anos 80, pelos EUA,
teria lhes confirmado essa supremacia. No estudo
da CEPAL (2002), em linhas gerais esse processo
ocorreu através de três fatores. 20
O primeiro estaria relacionado à diminuição do
número de instituições bancárias em quase todos
os países, que viabilizou o aumento dos grandes
conglomerados bancários. Isso foi decorrente da
concentração do sistema financeiro nas
economias desenvolvidas no pós-guerra e que, na
década de 90, se caracterizou por fusões e
aquisições de grandes instituições financeiras. O
segundo fator foi o surgimento dos
intermediários financeiros não bancários (fundos
de pensões, bancos de investimentos, etc.), que
aumentou a concorrência com as instituições
bancárias tradicionais, e que, por sua vez, obrigou
20
A expansão financeira realmente se estabelece em
1980, com políticas de desregulamentações adotadas
pelos governos anglo-saxões. Como conseqüência da
concorrência por esse capital e na busca de maior liquidez
para as empresas e para o mercado, outros países
seguiram a mesma tendência de política econômica.
Assim, nascem às finanças desregulamentadas privadas
dos anos 90.
a produzir um conjunto mais amplo de serviços.
Para favorecer a isso, ocorreu ainda a
desregulamentação das atividades bancárias e a
eliminação do controle de capitais nos países
desenvolvidos. Com isso, criaram-se
possibilidades de novas fontes e modalidades de
financiamentos para as empresas. A grande
liquidez gerada no mercado secundário por essas
empresas, em específico para as ETNs norte
americanas, viabilizou e permitiu a expansão de
suas atividades e o financiamento de grandes
projetos tecnológicos e comerciais ao redor do
mundo. Por último, o crescimento dos ativos
financeiros em mãos de investidores, uma vez
que, multiplicada a demanda para a diversificação
de títulos de diferentes riscos, gerou efeitos
positivos e negativos para as economias
industrializadas. O efeito positivo transcorreu do
surgimento de novas formas de financiamentos
para novos e caros projetos. Ao mesmo tempo, o
efeito negativo decorreu de que, com estas novas
formas de financiamento, criou-se maior
fragilidade financeira. A partir dessa fragilidade,
começou a veicular entre os governos o debate
em torno de medidas de regulação.
Em síntese, a fase recente da globalização tem
sido assinalada pela liberalização dos mercados
comerciais e financeiros e pelo crescimento das
oportunidades de valorização do capital, através
do comércio de bens, serviços, IED e entre
associações dos ativos. Verifica-se, por sua vez,
um aumento considerável na competitividade,
viabilizado por novas ações estratégicas das ETNs,
pelas aquisições, fusões e pela produção em
redes. Nesse aspecto, as ETNs tornaram-se
agentes centrais nos processos de inovações com
consideráveis aumentos do fluxo de IED por
diversas regiões globais.
Neste aspecto, há preocupações de governos
locais, principalmente dos países menos
desenvolvidos, em relação à vulnerabilidade
externa proporcionada pelos fluxos financeiros e
pelo IED. Tendo em vista que a caracterização
desses fluxos por essas empresas se diferencia
quanto ao volume, à periodicidade e quanto as
suas estratégias de ações, cabe a relevância de se
34
pensar na necessidade de políticas econômicas de
cada país em relação, também, às intenções
internas. Para um país inserir-se neste cenário,
torna-se básica a existência de uma estrutura
econômica e institucional interna solidificada,
compatível com certos padrões da
competitividade internacional em comunhão aos
objetivos, principalmente sociais internos e
externos deste país.
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(espanhol), El trimestre Económico, Lecturas, 31,
p. 408-427.
35
A arte de contar histórias1
RESUMO
Neste artigo será tratado a importância da
contação de histórias na educação infantil. Não
somente a importância, mas também como fazê-lo
de forma correta, a fim de estimular a criatividade e
o hábito pela leitura. Dada tamanha importância
que a contação histórias têm para a formação
epistemológica dos alunos, tentaremos neste artigo
alertar os educadores a se prepararem e lançarem
mão sempre que possível desta arte que tem ficado
em segundo plano nos ambientes educacionais.
Assim mostraremos algumas técnicas e também
sugestões de leitura para crianças de várias idades,
mas focando o trabalho na educação infantil.
ABSTRACT
This article will be portrayed the importance of
storytelling in early childhood education. Not only
the importance but also how to do it correctly, in
order to stimulate creativity and the reading habit.
Given such importance that are telling stories to the
students' epistemological formation, this article
will try to alert educators to prepare and launch
hand whenever possible this art that has been in
the background in educational environments. So
show some techniques and also suggested readings
1 Claudia Cristina Del Papa Cabral é graduanda do curso
de Pedagogia no Centro Universitário Izabela Hendrix e
professora de educação infantil.
for children of various ages, but the work focusing
on early childhood education.
INTRODUÇÃO
Por muitos anos, mesmo depois da invenção da
escrita pelos assírios, o conhecimento foi
transmitido para gerações futuras de forma oral,
ou seja, através de histórias que os mais velhos
contavam aos mais novos. Assim a cultura de um
povo não morria, era contada de geração em
geração.
[...] designa o ato de passar algo para outra pessoa, ou de passar de uma geração a outra geração. Em segundo lugar, os dicionaristas referem a relação do verbo tradire com o conhecimento oral e escrito.Isso quer dizer que através da tradição, algo é dito e o dito é entregue de geração a geração. [...] Assim, através do elemento dito ou escrito algo é entregue, passa de geração em geração, e isso constitui a tradição – e nos constitui.2
Porém, séculos se passaram, meios tecnológicos
armazenam e disponibilizam o conhecimento,
assim a contação de histórias, foi perdendo
espaço para jogos eletrônicos, filmes, desenhos e
2 TRADIÇÃO. In: Novo dicionário da língua
portuguesa. Aurélio Buarque de Holanda. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 1696.
outros apetrechos oferecidos pela sociedade
moderna.
Contar histórias foi uma prática muito comum
dentro dos lares. Pais que liam livros para os filhos
antes de dormir, avós que contavam antigas
histórias e faziam assim os netos viajarem por um
mundo que não conheceram nem viram, mas que
imaginam com uma clareza de detalhes. A ficção
ou imaginação é o tempero do brincar. Nesse
universo, as coisas acontecem de modo diferente
da realidade. É outra realidade. A imaginação é
marcada pela capacidade de conferir diferentes
significados a algo dado3.
O problema colocado em questão para
construção deste trabalho é “A contação de
histórias é benéfica para o desenvolvimento
cognitivo de crianças no processo de
alfabetização?”.
O objetivo da pesquisa é mostrar a importância de
contar histórias, despertar a criatividade nas
3
CARVALHO, Alysson; SALLES, Fátima;
GUIMARÃES, Marilia; DEBORTOLI, José Alfredo,
organizadores. Brincar(es). Belo Horizonte: Editora
UFMG; Pró-reitoria de Extensão, 2005. Pp21.
36
crianças, fazer com que elas consigam quebrar o
paradigma do tempo e espaço e imaginar outros
mundos em outras situações. Isto faz com que
elas se tornem adultos criativos e aptos a
buscarem soluções para problemas do cotidiano e
tornarem profissionais pró ativos.
Além disso, a criança que ouve histórias com frequência educa sua atenção, desenvolve a linguagem oral e escrita, amplia seu vocabulário e principalmente aprende a procurar, nos livros, novas
histórias para o seu entretenimento4.
Com os avanços da tecnologia e a agitação do
mundo pós moderno, onde pais trabalham em
vários empregos, e mães se tornaram peça
fundamental na estrutura familiar, com seu
trabalho e ansiando pelo crescimento
profissional, o tempo para contar histórias antes
de dormir, foi trocado por um tempinho
assistindo televisão. Assim a contação de histórias
perdeu espaço para filmes e desenhos. A criança
ao invés de ouvir e criar em sua mente efeitos
especiais desenvolvendo sua criatividade, assiste
4 COELHO, Betty. Contar histórias uma arte sem
idade. São Paulo: Ática, 1995.
passível aos efeitos especiais de outra mente que
rouba sua atenção e a deixa em situação de
inércia, de esperar as coisas já prontas sem a
necessidade de pensar.
Se pensarmos na triste realidade de muitas
crianças, principalmente das escolas publicas,
talvez consigamos pensar na real importância de
contar histórias a estas crianças.
Para tanto, a construção deste capítulo dar-se-á a
partir de pesquisa bibliográfica, considerando a
pesquisa bibliográfica como aquela que procura
aplicar os conhecimentos adquiridos baseados em
referências teóricas5.
Foram pesquisados textos que abordam o
processo pedagógico de aprendizado, a
psicologia infantil, sendo assim consultados livros
pedagógicos, textos da psicologia infantil, história
da educação, metodologia do trabalho
5 CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino.
Metodologia Científica. 5.ed. São Paulo: Prentice
Hall, 2002.
acadêmico e o Novo Dicionário da Língua
Portuguesa de Aurélio Buarque de Olanda. Os
livros pedagógicos foram consultados a fim de
fundamentar as influências percebidas dentro de
sala de aula pelos alunos no processo de
alfabetização. Para tal foram pesquisados textos
de Paulo Freire, autores da FAE (Faculdade de
Educação da UFMG) com o livro Brincar“es” e
textos de Nelson Piletti, que mostram a prática
docente com crianças. Na área da psicologia, dois
livros foram utilizados, textos de Angela Biaggio,
no livro a Psicologia do Desenvolvimento e A
Psicologia do Desenvolvimento de Jean Piaget, do
autor John H. Flavell. Estes textos serviram para
fundamentar como as crianças reagem quando
têm sua imaginação estimulada.
Construção do conhecimento – Arte de contar
História: ação interdisciplinar
Quando observamos a grade curricular de
qualquer escola, encontraremos nos objetivos
vários termos que apontam para o
desenvolvimento psíquico dos alunos.
37
Nenhum sistema estadual ou municipal de educação no Brasil pode demonstrar provas de que oferecem educação com o mínimo de qualidade para a maioria de seus alunos de uma maneira ou de outra, muito menos de uma maneira
sustentável6.
Logo vemos na ementa todo conteúdo
programático para o período letivo, onde a Língua
Portuguesa e a Matemática ocupam lugar de
destaque. De forma extremamente tradicional o
conhecimento é transferido para os alunos.
É preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pelo qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não existe docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do
outro7.
6 Schwartzman, Simon. Brock, Colin. Os desafios da
educação no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2005. pp73. 7 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes
necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra,
1996. pp 23.
Freire 8 já ensinava aos educadores algumas
décadas atrás, a necessidade de repensar a
educação. Ele condenava veementemente a
transferência de conhecimento, como se a mesma
fosse uma mercadoria. O que tem que ser
contextualizado é que o aprendizado faz parte de
um processo, onde o conhecimento é construído
por ambas as partes, professores e alunos.
Vencida esta barreira começamos a perceber que
o simples atos de ensinar uma ementa para alunos
não estamos construindo conhecimento. O aluno
que aprende, por exemplo, matemática sem
saber sua real aplicabilidade, nunca vai se
interessar por ela.
Assim para que o professor cumpra seu papel de
educador, ele tem que lançar mão de ferramentas
que levarão as crianças além das equações e
8 Paulo Reglus Neves Freire, destacou-se por seu trabalho
na área da educação popular, voltada tanto para a
escolarização como para a formação da consciência. É
considerado um dos pensadores mais notáveis na história
da pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento
chamado pedagogia crítica.
conjugação de verbos. Ele tem que imaginar e
viajar com os números e verbos.
Ensinar é assim a forma como toma o ato de conhecimento que o (a) professor(a) necessariamente faz na busca de saber o que ensina para provocar nos alunos seu ato de conhecimento também. Por isso, ensinar é um ato criador, um ato crítico e não mecânico. A curiosidade do (a) professor (a) e dos alunos, em ação, se
encontra na base do ensinar-aprender9.
Quando conseguimos despertar nos alunos este
interesse e desejo ao que estamos ensinando, seja
Matemática, Língua Portuguesa ou Geografia,
estamos formando cidadãos mais conscientes e
prontos para o mundo, prontos para competirem
no mercado de trabalho. Não é exagero falar isto,
a base do homem esta sendo formada no ensino
infantil, se não explorarmos todas as
possibilidades teremos adultos e profissionais
incompletos e assim sem chance de crescimento
social.
Ninguém aprende a trabalhar utilizando apenas cadernos, livros, lápis, giz e outros materiais didáticos semelhantes. É necessário que as escolas ofereçam
9 FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um
reencontro com a Pedagogia do oprimido. 9. edição. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2002. pp81
38
condições de aprendizagem adequadas às
atividades...10
Como observado nas palavras de Paulo Freire,
construir conhecimento é trazer o aluno para
contribuir com o processo, ao ensinar que dois
mais dois são quatro, o aluno pode imaginar que
quatro maçãs não seriam suficientes para os sete
anões, ou que a história dos três porquinhos tem
quatro personagens que seria três porcos mais
um lobo. Entendendo esta contextualização
começamos a clarear qual a real importância das
histórias para o aprendizado:
Muito se tem estudado para conseguir o melhor
aproveitamento do pouco tempo que o professor
dispõe com alunos e, como conseguir que estes
alunos consigam competir na luta por melhores
postos de trabalho quando adultos. O melhor
caminho é que na fase da educação infantil, este
aluno desenvolva e seja incentivado a utilizar sua
criatividade. Esta o ajudará com o ensino das
10
PILETTI, Nelson. Estrutura e funcionamento do ensino
fundamental. Editora Atica:São Paulo. 1998. pp68.
demais disciplinas e quebrara barreiras de
aprendizado.
Contar histórias por mais que se pareça tempo
perdido, é o momento em que a criança se
desprenderá de todas as amarras que a limita e
partirá a explorar seu cognitivo através da
imaginação. Isto lhe confere capacidade de ver o
complexo de forma mais simples, mais leve, e
quando citamos complexo, pode ser uma
equação matemática.
Esse acontecimento é uma atividade consciente, inserida numa realidade imaginativa, capaz de mobilizar estruturas internas profundas advindas da própria experiência individual e do imaginário coletivo, transmitido de geração em
geração11
.
O que se espera com a contação de histórias,
além da criança se desligar um pouco da sua dura
realidade é incentivá-la na busca por algo novo,
desenvolver talentos que ainda não foram
explorados. Não por coincidência, mas as crianças
que tem o costume de ouvir histórias, também
11
CARVALHO, Alysson; SALLES, Fátima; GUIMARÃES,
Marilia; DEBORTOLI, José Alfredo, organizadores.
Brincar(es). Belo Horizonte: Editora UFMG; Pró-reitoria de
Extensão, 2005. pp23.
gostam de escrever as suas próprias estórias,
recheadas de imaginação e misturando
personagens dos contos com pessoas próximas a
elas.
E ao associar esta viagem com outras disciplinas
conseguimos resultados surpreendentes. O
lúdico, que tem sido tratado com muita ênfase no
meio escolar, trata também da contação de
história, pois a brincadeira muitas vezes vem das
histórias ouvidas que se materializam.
A reflexão sobre a Educação Infantil insere-se em um campo de produção de conhecimento que tem enfrentado um desafio histórico de buscar aproximar-se da escola e da educação como tempo e espaço, que supõe uma partilha de experiências sociais. Isso pressupõe problematizar os processo de transmissão e produção da cultura humana – tanto seus fundamento técnicos como seus princípios e responsabilidades humanas e
sociais .12
Neste ambiente da falta de tempo dos pais, as
crianças são as mais prejudicadas. È vetado a elas
o direito de desenvolvimento, de adquirirem o
12
CARVALHO, Alysson; SALLES, Fátima; GUIMARÃES,
Marilia; DEBORTOLI, José Alfredo, organizadores.
Brincar(es). Belo Horizonte: Editora UFMG; Pró-reitoria de
Extensão, 2005. pp79.
39
hábito da leitura, de se tornarem leitores
assíduos, adultos criativos. Mas resta ainda o
ambiente escolar, que pode suprir esta falta que
lhe é imposta dentro de casa. Afinal estamos
falando de desenvolvimento epistemológico, e o
arcabouço da escola tem que contemplar tudo a
este respeito. Professores têm que se prepararem
para contar histórias e fazerem as crianças
novamente sonharem, imaginarem. Imaginarem
uma floresta, o espaço, príncipes encantados,
criarem finais alternativos para suas histórias
preferidas, transformarem em super heróis e
salvarem o mundo, acabarem com todo o
desmatamento das matas, imaginarem um mundo
melhor.
O que é necessário ao educador compreender é
que não transferimos conhecimento, nós o
construímos, e quando construímos também
aprendemos. E a contação de histórias nos
ajudará a trabalhar com os alunos temas
complexos, expandir suas mentes e
aprenderemos como ser mais educadores que
instrutores.
Arte de contar história: movimento e ação
Compreendido a importância da contação de
histórias para a educação infantil, é necessário
deixar claro que esta não é uma tarefa simples. É
preciso alguns cuidados para que se consiga os
resultados esperados.
O corpo do narrador lança matéria significante que se impregna no corpo do ouvinte, onde é transformada em significados, matéria vivida, experiência sentida que ninguém mais vai arrancar. As impressões que então se refletem no espírito de cada participante dessa roda mágica e mítica vão lhe acompanhar pelo resto dos seus dias, e o narrador terá lançado o verbo, e nada mais será como
antes. E o momento passou13
.
Como conseguir este nível de atenção dos alunos?
Mais que atenção, envolvimento dos mesmos
com a história que está sendo contada. Para tal é
necessário criar um clima que levem as crianças a
entrar na história. Para criação deste ambiente
que leve os ouvintes a viajarem, vários detalhes
devem ser observados, desde o vestuário de
quem vai contar as histórias, passando pela
13
BUSATTO, Cléo. A Arte de Contar Histórias no
Século XXI- Tradição e Ciberespaço. Vozes 2006. pp39
disposição das crianças até a tonalidade da voz e
cuidados com vícios de linguagem.
Segundo os textos de Cléo Busatto, detalhes
devem ser observados a fim de explorar todo o
potencial da contação de histórias:
Escolher histórias que desperte o
interesse da turma – Deve ser observada a
idade dos alunos que serão os ouvintes,
histórias demasiadamente infantis podem
despertar desinteresse e descaso dos
alunos, o mesmo acontece inversamente,
o texto a ser lido não pode ser muito
complexo para outras faixas etárias. Esta
percepção, o educador deve trazer da
convivência com seus alunos.
Disposição física dos alunos – Os ouvintes
devem estar próximos do contador de
histórias, a sala deve estar disposta
preferencialmente em semi-circulo. Desta
maneira o leitor tem a visão e
conseqüentemente a atenção de todos.
Esta mudança na sala de aula para contar
histórias, serve também para a mudança
40
psicológica do aluno, pois ele sai de um
ambiente e entra em outro, o ambiente da
imaginação.
Conhecer a história a ser contada –
Mesmo se tratando de histórias infantis, é
preciso preparação para contá-la. Esta
preparação ajuda ao contador, como
contextualizá-la e trazer um significado
prático para ela. Contar histórias sem
pensar nos benefícios que este ato pode
trazer, é simplesmente passar o tempo.
Apresentação da história –
Complementando ao item anterior,
quando se conhece a história, podemos
preparar materiais de apoio, como
desenhos, quadros, vestuário e outros. Ao
contar a história de Chapeuzinho
Vermelho, o contador pode colocar um
avental ou até mesmo um chapéu
vermelho. O Gato de Botas pode ser
contado com bigodes de gatos
desenhados. Esta preparação na
apresentação da história irá ajudar a
prender atenção dos alunos.
Linguagem – É mais proveitoso as
histórias com linguagem simples, a
medida que trabalhamos com crianças
maiores, podemos acrescentar novas
palavras que irão enriquecer o dicionários
delas, mas devemos fazer isto com
cuidado para que elas não percam o
interesse.
Cuidados com a voz e com o olhar – O
contador de histórias deve trazer a
emoção do que está lendo para os
ouvintes. Leitores que contam toda a
história sem mudar a entonação de voz só
conseguirão extrair bocejos de sua
platéia. A expressão facial também deve
trazer a emoção para as crianças, caras e
bocas são permitidas e prendem a
atenção.
Outros cuidados podem ser implementados em
uma fase anterior, como por exemplo, anunciar
que teremos uma história muito legal na próxima
semana. Isto cria uma expectativa benéfica nos
alunos, que estarão com a mente receptiva para
o que será contado.
O local onde será contada a história também é
muito importante, o ideal seria em um local
diferente da sala de aula, talvez ao ar livre quando
possível. Mas se a sala é o único lugar para tal, faz-
se necessário mudar a disposição das carteiras,
este um momento especial, os alunos devem
sentir que é diferente, não é simplesmente mais
uma aula.
Após a história, é importante escutar os
comentários, as perguntas, e estimular as
sugestões de outro final, este momento estimula
a criatividade dos alunos. Deve-se pensar também
em uma atividade ligada a história contada, pode
ser um desenho, propor um final, ou intermediar
o que foi contado com alguma disciplina em
especial. Pode associar a história à aula de
geografia, ou matemática. O importante é
explorar o potencial que este momento oferece.
Considerações finais
41
Contar histórias é uma arte, pouco explorada nos
dias atuais, mas uma arte que pode e deve ser
explorada pelos educadores. A educação infantil é
responsável pelo desenvolvimento
epistemológico das crianças, e não existe maneira
de alcançar este objetivo sem exercitar a
imaginação e criatividade dos alunos.
Faz-se necessário despertar nos professores a
importância da contação de histórias e os
benefícios que esta trará ao desenvolvimento
cognitivo de seus alunos. Este momento em que a
criança sai de sua realidade de tempo e espaço e
explora outras possibilidades, a ajudará na
exploração de conteúdos mais complexos em
disciplinas como Matemática e Língua
Portuguesa. Criará nos alunos o hábito da leitura
proporcionando adultos com vocabulários mais
ricos. Teremos crianças com maior capacidade de
interpretação de texto bem como maior
compreensão do que lêem.
Poderíamos enumerar várias vantagens da
contação de histórias, mas o primeiro passo deve
vir dos educadores em incluir esta atividade nos
seus planos de aula ou grade curricular a ser
discutida com coordenadores pedagógicos.
Referências Bibliográficas
BIAGGIO, Angela M. Brasil. Psicologia do
desenvolvimento – Petrópolis: Vozes. 1983.
BUSATTO, Cléo. A Arte de Contar Histórias no
Século XXI- Tradição e Ciberespaço. Vozes 2006.
CARVALHO, Alysson; SALLES, Fátima;
GUIMARÃES, Marilia; DEBORTOLI, José Alfredo,
organizadores. Brincar(es). Belo Horizonte:
Editora UFMG; Pró-reitoria de Extensão, 2005.
COELHO, Betty. Contar histórias uma arte sem
idade. São Paulo: Ática, 1995.
FLAVELL, HOHN H. A psicologia do
desenvolvimento de Jean Piaget – São Paulo:
Pioneira, 1986.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes
necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.
______________. Pedagogia da esperança: um
reencontro com a Pedagogia do oprimido. 9.
edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002
HOLANDA, Aurélio Buarque. Novo dicionário da
língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1986
PILETTI, Nelson. Estrutura e funcionamento do
ensino fundamental. Editora Atica: São Paulo.
1998.
SCHWARTZMAN, Simon. BROCK, Colin. Os
desafios da educação no Brasil. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2005. pp73
42
A Administração na gestão das Pequenas e Médias Empresas1
RESUMO
Este artigo tem por objetivo salientar a
importância da aplicação das Teorias da
Administração nas Pequenas e Médias Empresas.
A preocupação de pesquisadores com essas
empresas se dá, principalmente, pelo seu papel de
principais geradores de empregos e suas altas
taxas de mortalidade. Foi tratado o perfil dessas
organizações, conceito de porte, perfil dos
proprietários e administradores, taxas de
mortalidade e como as Teorias da Administração
podem contribuir para melhorar a administração
destas empresas. Para apresentar esses dados,
foram utilizadas pesquisas realizadas pelo SEBRAE
e IBGE, importantes para a descrição da situação
das Pequenas e Médias Empresas. Também foi
mostrado o perfil do administrador e a sua
importância para que estas empresas possam
sobreviver em um mundo globalizado e
competitivo.
ABSTRACT
1 Flávia Luciana Mateus Moreira e Marcio Vinício da Silva são alunos
do 2° Período do curso de Administração de Empresas do Instituto Belo
Horizonte de Ensino superior - IBHES
This article has the objective stress the
importance of implementing the theories of
Administration in Small and Medium Sized
Enterprises. The concern of researchers with such
undertakings is gives, mainly, by its role of main
generators of jobs and their high mortality rates.
We are dealing with the profile such
organizations, the concept of porte, profile of
owners and managers, rates of mortality and as
the theories of Administration may contribute to
improving the administration of these companies.
For presenting these data, we use researches
conducted by SEBRAE and IBGE, which were of
great importance for the description of the
situation of Small and Medium Sized Enterprises.
We also stress the profile of the administrator and
its importance for these companies can survive in
a globalized world and competitive.
INTRODUÇÃO
As pequenas e medias empresas tem recebido
bastante atenção nos últimos anos. Diversos
estudos foram desenvolvidos focando o
funcionamento geral dessas empresas. Alguns
analisaram mais particularmente as dificuldades
de gestão que os dirigentes enfrentam
diariamente. Outros trabalhos foram realizados
tendo como alvo a motivação dos
empreendedores e a identificação dos problemas
ligados às suas empresas. A análise dos resultados
desses estudos revela problemas julgados
prioritários pelos dirigentes de pequenas e medias
empresas.
A maioria dos pesquisadores em gestão considera
que uma das maiores
dificuldades ao estudar as pequenas e médias
empresas é a extrema heterogeneidade existente
entre elas. Essa heterogeneidade explicaria em
parte, o atraso dos estudos e pesquisas voltados a
esse tipo de empresas e a dificuldade de propor
teorias e conclusões adequadas e diferentes
daquelas aplicadas às grandes empresas.
As especificidades das pequenas e medias
empresas e, sobretudo, o seu papel de principais
geradores de empregos, despertou a atenção dos
observadores que creem que o aprofundamento
desses conhecimentos trará ajuda mais adequada
às necessidades dessas empresas e favoreça,
eventualmente, a diminuição da alta taxa de
mortalidade da qual elas são vitimas.
Ultimamente os pesquisadores têm tentado
compreender os problemas enfrentados pelas
pequenas e medias empresas. Essa orientação de
pesquisa tem como motivação o desejo de
oferecer aos dirigentes dessas empresas os
conhecimentos que necessitam e que lhes
permitam administrar a empresa o mais
eficazmente possível, em um ambiente
43
econômico em constate evolução. Assim o
reconhecimento desses problemas a resolver é uma
premissa incondicional para a implantação de
programas estratégicos no seio das pequenas e
medias empresas 2.
O que pode se observar é que muitas empresas
surgiram como fruto de sonhos, ou pelo espírito
empreendedor de seus fundadores, pelo desejo
de abrir o próprio negócio, ou pelo desemprego,
por identificar uma nova oportunidade de negócio
no mercado, para aumentar a renda familiar ou
ainda, por se ter algum capital disponível para
investimentos. Algumas delas sobrevivem até
hoje, mas, a realidade é que, a maior parte dessas
empresas fecham suas portas, pois, na maioria
dos casos, ser empreendedor não foi o suficiente.
A diferença está na tomada de decisões. As
decisões mais sábias devem ser tomadas,
baseadas em situações previamente analisadas, e
estabelecidas, e muitos desses empreendedores
se jogam com tudo, na maioria das vezes, sem
nenhum planejamento, sem conhecer o mercado,
sem saber quem são seus principais concorrentes,
ou o público alvo. Muitos deles desconhecem a
legislação vigente para o tipo de negócio que
2 LEONE, Nilda Maria de Clodoaldo Pinto Guerra, - As especificidades das pequenas e médias empresas. Revista Administração de Empresas - São Paulo, v.34, n.2, P. 91–94, Abril/Junho 1999.
desejam abrir, e veem seus investimentos e o seu
sonho “ruírem” junto com os fiscais.
Existem ainda aqueles que insistem em fazer as
coisas de forma empírica, e sempre cometem os
mesmos erros, mas nunca aprendem com eles.
Esse é o fruto do empreendedorismo, em um país
onde se dá jeito para tudo, onde os habitantes
são conhecidos pelo “jeitinho brasileiro”, pelas
gambiarras, pelo improviso, pela procrastinação.
Pelo “depois eu resolvo isso, vamos focar no que
é mais importante agora”, e esse depois nunca
chega.
Rossetti, em seu livro Introdução à Economia define o termo empreendedor:
O termo empreendedor é de origem francesa – entrepreneur. Originalmente, abrangia as funções do inventor, do planejador, do construtor, do administrador e do empregador, mas não as de provedor de capital, nem as de quem corre riscos. Somente com o surgimento do capitalismo liberal é que se estabeleceu uma distinção clara entre aqueles que executavam funções técnicas e aqueles que ocupavam funções empresariais. Foi Richard Cantillon, homem de negócios e financista do século XVIII, quem empregou pela primeira vez o conceito de forma específica. Ele sugeriu que o empreendedor é um agente econômico dotado de capacidade de previsão e de disposição para assumir riscos,
executando ações convergentes à obtenção de lucros3.
Com base nestes fatos, espera-se com este artigo
contribuir para a mudança deste quadro e, servir
como fonte de referência para os futuros
empreendedores e administradores de empresas
do Brasil.
CONCEITOS
Em primeiro lugar, serão conceituadas as
pequenas e médias empresas, no Brasil.
Segundo dados do SEBRAE, o critério utilizado
para se classificar o porte de uma empresa é o
número de empregados que ela possui.
Consideram-se Pequenas Empresas (PE) as que
possuem, na indústria, de 20 a 99 empregados e,
no comércio e serviços, de 10 a 49 empregados e
Médias Empresas (MDE) as que possuem de 100 a
499 empregados na indústria e de 50 a 99 no
comércio e serviços. Portanto, vemos que seria
quase impossível administrar empresas deste
porte sem se utilizar das ferramentas da
Administração.
3 ROSSETTI, José Paschoal, 1941 – Introdução à economia / José
Paschoal Rossetti, - 20. Ed. – São Paulo: Atlas, 2003.
44
De acordo com a pesquisa As Micro e Pequenas
Empresas Comerciais e de Serviços no Brasil –
2001:
São características gerais das Micro e Pequenas Empresas a baixa intensidade de capital, as altas taxas de natalidade e de mortalidade, forte presença de proprietários, sócios e membros da família como mão-de-obra ocupada nos negócios, poder decisório centralizado, estreito vínculo entre os proprietários e as empresas, não se distinguindo, principalmente em termos contábeis e financeiros, pessoa física e jurídica, registros contábeis pouco adequados, contratação direta de mão-de-obra, utilização de mão-de-obra não qualificada ou pouco qualificada, baixo investimento em inovação tecnológica, maior dificuldade de acesso ao financiamento de capital de giro, e relação de complementaridade e subordinação com as empresas de grande porte (IBGE, 2003) 4.
A partir desses dados, observamos que as altas
taxas de natalidade e mortalidade fazem parte do
perfil dessas empresas. Ao analisarmos o perfil
dos seus administradores, entendemos o porquê
dessa situação. A maior parte dessas empresas é
fruto do desejo de se abrir um negócio próprio, de
4 SILVA, Edwin Aldrin Januário da, - A TI nas Micro e Pequenas Empresas – Uma abordagem territorial. Edwin Aldrin Januário da Silva.(UFRN) – Fonte: Pesquisa Anual de Comércio 1998-2001 (IBGE). Disponível em: www.biblioteca.sebrae.com.br/bte/bte.nsf/DowContador?...unid... Acesso em: 27 de Outubro de 2010.
se tornar autônomo, ou então negócios que vão
passando de pai para filho. São empresas
familiares, cujos donos estão diretamente ligados
à administração dos negócios e, muitas vezes sem
nenhuma capacitação profissional para isso.
No gráfico que se segue podemos observar que o
nível de escolaridade dos proprietários é um
diferencial entre as empresas que ainda estão
ativas e as que foram extintas.
O dado mais importante refere-se à diferença apurada na escolaridade dos proprietários, uma vez que, cerca de 23,1% das empresas ativas detêm curso superior completo, contra apenas 4,1% de ex-empresários. Unindo-se os níveis “colegial completo até superior incompleto” e “superior completo ou mais”, observa-se discrepância ainda mais acentuada entre os dois grupos – 61,3% de empresários de estabelecimentos ativos, contra 20,8% daqueles extintos5.
Distribuição dos proprietários das empresas, segundo o grau de instrução.
6 SEBRAE/MG; BRASÍLIA, Fundação Universitária de, (FUBRA) Fatores condicionantes e taxa de mortalidade de empresas de Minas Gerais. Belo Horizonte: SEBRAE/MG, 2004. 26 p. il. Relatório de Pesquisa, outubro de 2004. Disponível em: www.wdigital.com.br/.../relatorio_pesquisa_mortalidade_minas.pdf Acesso em: 27 de Outubro de 2010.
Fonte: Pesquisa direta SEBRAE/MG
Notamos assim, que muitos desses empresários
não possuem nenhuma formação que o capacite a
gerenciar melhor os seus negócios. Sendo assim,
como esperar outro cenário senão a quebra e
falência de muitas dessas empresas?
A situação das Pequenas e Médias Empresas ainda
é ruim quanto às taxas de mortalidade, mas essa
realidade está mudando. Segundo dados do
SEBRAE, as taxas de mortalidade de empresas, no
Brasil têm diminuído consideravelmente. Tudo
isso, graças às mudanças que têm ocorrido no
perfil dessas Pequenas e Médias Empresas.
Muitas têm buscado ajuda em consultorias, têm
investido em inovações tecnológicas, em
capacitação profissional, em Planejamentos de
45
Tecnologias da Informação, e tudo isso para se
manter vivas e competitivas.
Podemos observar, no gráfico a seguir, que no
ano de 2000, a taxa de mortalidade era de 59,9%.
Em 2001, passou a 56,4% e em 2002, teve uma
queda significativa para 49,4%. Observa-se que,
em todos os anos considerados, as taxas de
mortalidade de empresas no Estado de Minas
Gerais são inferiores às do Brasil e das demais
regiões.
Taxa de mortalidade de empresas em Minas Gerais e demais regiões do Brasil (%)
Fonte: Pesquisa direta SEBRAE/MG
Obs.: Para a obtenção da taxa de mortalidade empresarial para o Brasil, foram efetuadas ponderações.
Ainda, segundo o SEBRAE:
Relativamente às áreas de conhecimento mais importantes no primeiro ano de atividade de uma empresa, apurou-se que o planejamento é considerado para os dois grupos, (empresas extintas e ativas),
como o ponto mais essencial nos primeiros 12 (doze) meses de funcionamento de um empreendimento (62,5% das respostas, no caso de extintas, e 50% para as ativas). Em segundo plano, ex-proprietários e empresários, ainda no mercado, elegeram como mais importantes as áreas de vendas, organização empresarial, análise financeira e marketing/propaganda6.
Os dados acima citados reforçam a necessidade
das empresas por profissionais cada vez mais
capacitados para gerenciar seus negócios. A falta
de experiência, de recursos e, principalmente, de
conhecimento em gestão foram primordiais para
a mortalidade das empresas extintas. Vemos que
os conceitos, ensinados na Abordagem Clássica
da Administração, ainda são, necessariamente,
utilizados como base para as atividades das
empresas da atualidade.
Henry Fayol (1916) define em sua obra –
Administração Industrial e Geral. – as funções básicas de uma empresa, que são aplicáveis a todas as empresas independente do seu campo de atuação:
Funções técnicas: relacionadas com a produção de bens e serviços da empresa.
Funções comerciais: relacionadas com a compra, venda e permutação.
6 SEBRAE/MG; BRASÍLIA, Fundação Universitária de, (FUBRA) Fatores condicionantes e taxa de mortalidade de empresas de Minas Gerais. Belo Horizonte: SEBRAE/MG, 2004. 26 p. il. Relatório de Pesquisa, outubro de 2004. Disponível em: www.wdigital.com.br/.../relatorio_pesquisa_mortalidade_minas.pdf Acesso em: 27 de Outubro de 2010.
Funções financeiras: relacionadas com a procura e gerência de capitais.
Funções de segurança: relacionadas com a proteção e preservação dos bens e das pessoas.
Funções contábeis: relacionadas com inventários, registros, balanços, custos e estatísticas.
Funções administrativas: relacionadas com a integração de cúpula das outras cinco funções. As funções administrativas coordenam e sincronizam as demais funções da empresa, pairando sempre acima delas7.
Fayol, em 1916, definiu as atividades básicas que
deveria haver dentro de toda empresa, mas
podemos observar que, ainda hoje, em muitas
pequenas e médias empresas, não existe essa
divisão de atividades. O que acontece é que uma
pessoa é responsável por executar várias dessas
funções, o que causa atraso e aumenta as
possibilidades de erro durante o processo. E o
resultado é prejuízo.
Fayol, também define o ato de administrar como:
o Planejamento: consiste em examinar o
futuro e traçar um plano de ação a médio e longo prazo.
o Organização: montar uma estrutura humana e material para realizar o empreendimento.
o Comando: manter o pessoal ativo em toda a empresa.
7 CHIAVENATO, Idalberto, Introdução à teoria geral da administração –
6. Ed – Rio de Janeiro: Campus, 2000.
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o Coordenação: reunir, unificar e harmonizar toda a atividade e todo o esforço.
o Controle: cuidar para que tudo se realize de acordo com os planos e as ordens8.
Essa definição, como já foi dito, foi feita em 1916.
O que é de se admirar é que, ainda hoje, existem
empresas que são criadas sem esses conceitos,
administradas no peito e na raça, sem
planejamento, organização, comando,
coordenação e controle. Uma empresa assim não
conseguirá sobreviver em um mercado que se
torna cada vez mais competitivo. A globalização,
os avanços tecnológicos, a expansão das
atividades econômicas e as mudanças no perfil
das organizações têm feito com que o perfil dos
profissionais também seja mudado. Peter F.
Drucker, em seu livro Introdução à Administração,
fala qual é o real papel do administrador:
No trabalho do administrador, encontramos cinco operações básicas. Juntas, elas resultam na integração dos recursos em um organismo viável e em desenvolvimento. Em primeiro lugar, o administrador fixa objetivos. Em segundo lugar, ele organiza. A seguir, motiva e comunica. O quarto elemento básico no trabalho do administrador é a mensuração ou avaliação. E finalmente, o
8 MAXIMIANO, Antônio Cesar Amaru. Teoria geral da administração: da
revolução urbana à revolução digital / Antônio Cesar Amaru Maximiano. – 4.ed. – São Paulo: Atlas, 2004.
administrador forma pessoas, inclusive a si mesmo 9.
As empresas tem buscado, repetidamente, profissionais que sejam excelentes administradores, que saibam gerir, não somente os recursos materiais, mas, principalmente, pessoas, ou seja, que saiba identificar e extrair o melhor de cada funcionário, que saiba colocar as pessoas certas nos lugares certos, a fim de melhorar o desempenho profissional de cada um.
Esse novo perfil se encaixa perfeitamente na Teoria das Relações Humanas, onde o funcionário passa a não ser mais visto como uma peça da engrenagem da empresa. Ele passa a ser visto como um ser social, que tem necessidades fisiológicas, de segurança, sociais, autoestima e auto realização 10 . Esse ser social tem a necessidade viver em grupos e de ser aceito pelo grupo no qual está inserido e leva esta característica para dentro da empresa, que possui em sua estrutura os chamados grupos informais. Como todo grupo, os grupos informais possuem líderes que ditam as normas e regulamentos que devem ser seguidos e aplicam recompensas e sanções para aqueles que seguem ou não estas regras11. O problema é quando essas normas e
9 DRUCKER, Peter Ferdinand, 1909 – Introdução à administração /
Peter F. Drucker; tradução de Carlos Malferrari. – São Paulo: Pioneira Thomson, 2002.
11 WITZEL, Morgan. 50 Maiores Estrategistas da Administração. São Paulo: Contexto, 2005.
12 CHIAVENATO, Idalberto, Introdução à teoria geral da administração – 6. Ed – Rio de Janeiro: Campus, 2000.
regulamentos vão contra aos interesses da empresa. Cabe ao administrador observar e trazer esses líderes para trabalharem ao seu lado. Para isso é necessário que ele saiba lidar, não somente com números, balanços e gráficos, mas também, com pessoas.
As empresas estão em busca, também, de
gestores que saibam inovar, atentos às variações
do mercado, que sejam proativos, que se
antecipem, que estejam sempre prontos a
aprender, e queiram evoluir. Profissionais que se
envolvam, que trabalhem não só pelo salário,
mas, por prazer naquilo que fazem. Que vejam,
nas dificuldades, oportunidades de ir além, de
chegar mais longe, de crescer. Profissionais que
busquem alternativas para um desenvolvimento
sustentável, que se preocupem com o social, que
enxerguem além de si mesmos. Que contribuam
não só com a empresa, mas também com a
sociedade. Dentro desse conceito, Drucker,
afirma:
Anteriormente, os debates sobre as responsabilidades sociais que cabem às empresas concentravam-se em três áreas. A primeira área localizava-se no problema da relação entre a ética privada e a ética pública. O segundo tópico era constituído pela responsabilidade social que o empregador assume para com os seus empregados em virtude do poder e riqueza que possui. E, finalmente, falava-se da responsabilidade social do executivo para salientar sua responsabilidade de liderança com respeito à “cultura” da comunidade. Já, hoje em dia, são outros
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os pontos que se salientam quando se trata das responsabilidades sociais. Fala-se daquilo que a empresa deve ou pode fazer para enfrentar e resolver os problemas sociais. Dá-se ênfase às contribuições que a empresa pode prestar com relação a problemas do tipo discriminação e da proteção e recuperação do ambiente físico. Essa nova concepção da responsabilidade social já não pergunta quais as limitações da empresa, ou o que ela deveria estar fazendo em favor daqueles que se encontram sob sua autoridade imediata. Ela exige que as empresas assumam responsabilidades em relação aos problemas sociais, às questões sociais e às metas e políticas sociais, bem como que passem a ser as guardiãs da consciência social e as solucionadoras dos problemas sociais12.
Esse é o novo perfil das empresas e deve ser
também o de seus administradores.
As Abordagens Clássica e Humanística serviram de
base para as outras Abordagens que vieram
depois. As Abordagens Neoclássica, Estruturalista,
Comportamental, Sistêmica, Contingencial e as
novas abordagens que surgem com o início da Era
da Informação13, puderam extrair o que havia de
melhor nas primeiras abordagens. Transformaram
o que era bom em algo ainda melhor. Isso nos
13 DRUCKER, Peter Ferdinand, 1909 – Introdução à administração / Peter F. Drucker; tradução de Carlos Malferrari. – São Paulo: Pioneira Thomson, 2002.
14 CHIAVENATO, Idalberto, Introdução à teoria geral da administração
– 6. Ed – Rio de Janeiro: Campus, 2000.
mostra como os profissionais de administração
devem agir no exercício de sua função. Eles
devem ter a capacidade de extrair o melhor
dentro de cada situação. Devem ser ecléticos, ter
uma visão ampla, sob todos os aspectos, dentro
da empresa. Devem ter a capacidade de antever
situações e projetar soluções, antes mesmo de
algo acontecer. Enfim, devem ser profissionais
completos.
Ao estudarmos as Teorias da Administração,
vemos que todas elas podem ser aplicadas nos
dias de hoje. O que se faz necessário é que os
administradores as conheçam bem para poderem
aplicá-las nas situações que aparecem no dia a dia
da empresa. A função do administrador vai além
de qualquer função dentro da empresa, pois ele é
o responsável por direcionar as decisões que
serão tomadas e qualquer erro nessas decisões,
poderá colocar a empresa em situações difíceis e
até mesmo levá-la à falência. Por isso, devem ser
profundos conhecedores das Teorias da
Administração, pois elas são ferramentas
fundamentais para o desempenho da função de
administrador. Devem ter a capacidade de coloca-
las em prática nos problemas que se apresentem
no seu dia a dia, pois nada vale a teoria sem a
prática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cenário das pequenas e médias empresas no
país pode ser mudado para melhor. O que se vê
são empreendedores sem preparo tentando
conduzir seus projetos sem preparo e de forma
empírica. O que ocasiona o fechamento precoce
de várias empresas e conseqüentemente o corte
de vários postos de trabalho. Soma-se a este
quadro aquelas empresas que continuam em
atividade, porém sem competitividade e aquém
do porte que poderia chegar.
Por outro lado está disponível todo o
conhecimento necessário para aumentar a
longevidade e competitividade destas empresas,
sejam em livros, cursos de capacitação ou
profissionais da Administração que formam todos
os anos em diversas Instituições de Ensino
Superior. A Administração de Empresas começou
a ser tratada como ciência no século passado e, as
várias abordagens apresentam ferramentas úteis
a qualquer empreendimento, independente de
seu porte.
O Brasil, conhecido internacionalmente pelo
empreendedorismo de sua população e
dependente economicamente de empresas de
pequeno e médio porte, tem na capacitação
destes administradores a solução para ter
empresas longevas e competitivas no mercado
nacional e internacional.
Referências bibliográficas:
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CHIAVENATO, Idalberto, Introdução à Teoria Geral
da Administração – 6. Ed – Rio de Janeiro:
Campus, 2000.
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2010.
WITZEL, Morgan. 50 Maiores Estrategistas da
Administração. São Paulo: Contexto, 2005.
Expediente
Editor-chefe – Paulo R. Cabral Jr.
Direção de arte – Alex Pereira Costa
Revisão – Alex Pereira Costa
Contribuições nesta edição: Claudia
Cristina Del Papa Cabral, Flávia Luciana
Mateus Moreira , Gustavo Henrique de
Almeida, Luís Cesar Fernandes, Marcio
Vinício da Silva
ISSN 2179-2852
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egory/revista-gestao-pedagogica/