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INTRODUÇÃO À PESQUISA QUALITATIVA E SUAS POSSIBILIDADES ARTIGOS *Arllda Schmidt Godoy Uma revisão histórica dos principais autores e obras que refletem esta metodologia de pesquisa em Ciências Sociais. A historical review of the main authors and their writings that are representative of this particular kind of methodological research in Social Sciences. PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa qualitativa, pesquisa social, metodologia da pes- quisa, história da pesquisa qualitativa, Ciências Sociais. KEYWOROS: Gualitative research, social research, research metho- dology, qualitative research history, Social Sciences. *Professora do Departamento de Educação da UNESP, Rio Claro. , C? São Paulo, v. 35, n. 2, p. 57-63 57 Revista de Administração de Empresas Mar./Abr. 1995

Pesquisa Qualitativa - origens

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INTRODUÇÃO À PESQUISAQUALITATIVA E SUAS POSSIBILIDADES

ARTIGOS *Arllda Schmidt Godoy

Uma revisão histórica dos principais autores e obras que refletem esta metodologiade pesquisa em Ciências Sociais.

A historical review of the main authors and their writings that are representative of thisparticular kind of methodological research in Social Sciences.

PALAVRAS-CHAVE:Pesquisa qualitativa, pesquisasocial, metodologia da pes-quisa, história da pesquisaqualitativa, Ciências Sociais.

KEYWOROS:Gualitative research, socialresearch, research metho-dology, qualitative researchhistory, Social Sciences.

*Professora do Departamentode Educação da UNESP, RioClaro.

,C?

São Paulo, v. 35, n. 2, p. 57-63 57Revista de Administração de Empresas Mar./Abr. 1995

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Aexpressão" ciências sociais" costumaser usada para indicar as diferentes áreasdo conhecimento que se preocupam comos fenômenos sociais, econômicos, po-líticos, psicológicos, culturais, educacio-nais, ou seja, aqueles que englobam rela-ções de caráter humano e social. Pois bem,a pesquisa nas ciências sociais tem sidofortemente marcada, ao longo dos anos,por estudos que valorizam a adoção demétodos quantitativos na descrição e ex-plicação dos fenômenos de seu interesse.Hoje, no entanto, é possível identificar,com clareza, uma outra forma de aborda-gem que, aos poucos, veio se instalando ese afirmando como uma frutífera possibi-lidade de investigação para essas áreas doconhecimento. Estamos aqui fazendo re-ferência à pesquisa identificada como"qualitativa", a qual, apesar de ter sidoregularmente utilizada pelos antropólogose sociólogos, só nos últimos trinta anoscomeçou a ganhar um espaço reconheci-do em outras áreas, como a psicologia, aeducação e a administração de empresas.

Embora nas duas abordagens - quanti-tativa e qualitativa - a pesquisa se carac-terize como um esforço cuidadoso para adescoberta de novas informações ou rela-ções e para a verificação e ampliação doconhecimento existente, o caminho segui-do nesta busca pode possuir contornos di-ferentes.

Em linhas gerais, num estudo quan-titativo o pesquisador conduz seu traba-lho a partir de um plano estabelecido apriori, com hipóteses claramente especi-ficadas e variáveis operacionalmente defi-nidas. Preocupa-se com a medição objeti-va e a quantificação dos resultados. Buscaa precisão, evitando distorções na etapa deanálise e interpretação dos dados, garan-tindo assim uma margem de segurança emrelação às inferências obtidas.

De maneira diversa, a pesquisa quali-tativa não procura enumerar e/ ou mediros eventos estudados, nem emprega ins-trumental estatístico na análise dos dados.Parte de questões ou focos de interessesamplos, que vão se definindo à medidaque o estudo se desenvolve. Envolve aobtenção de dados descritivos sobre pes-soas, lugares e processos interativos pelocontato direto do pesquisador com a situ-ação estudada, procurando compreenderos fenômenos segundo a perspectiva dossujeitos, ou seja, dos participantes da situ-ação em estudo.

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As expressões" pesquisa de campo" e"pesquisa naturalística" podem ser vistascomo sinônimos de "pesquisa qualitati-va". Pesquisa de campo é um termo bas-tante comum entre antropólogos e soció-logos, que passaram a utilizá-lo na tenta-tiva de diferenciar os estudos conduzidosem "campo", ou seja, no ambiente natu-ral dos sujeitos, daqueles desenvolvidosem situações de laboratório ou ambientescontrolados pelo investigador. Na desig-nação "naturalística" também está implí-cita a idéia de que os sujeitos são observa-dos em seu hábitat, de forma não-inter-vencionista. Além disso, o próprio nomeindica que tais observações são relatadasem linguagem não-técnica, por meio depalavras e conceitos familiares, que pos-sibilitam a compreensão do fenômenominimizando o papel de pressuposiçõesadmitidas a priori.

Sob a denominação "pesquisa qualita-tiva" encontram-se variados tipos de in-vestigação, apoiados em diferentes qua-dros de orientação teórica e metodológica,tais como o interacionismo simbólico, aetnometodologia, o materialismo dialéticoe a fenomenologia. Essa diversidade deenfoques muitas vezes confunde e dificul-ta a leitura de livros, obras de referência eartigos de pesquisa na área. Nota-se queovocabulário específiconem sempre apre-senta a uniformidade esperada pelo lei-tor, não sendo incomum encontrarmosuma mesma palavra com diferentes sig-nificados, dependendo do autor que a uti-liza, do ano em que o texto foi escrito e docampo de estudo enfocado.

A existência de diferentes matizes, noentanto, não descaracteriza o todo, preo-cupação essencial deste artigo, cujo obje-tivo é apresentar os traços essenciais dapesquisa qualitativa. Isso será feito emdois tópicos. No primeiro, vamos percor-rer um pouco da sua história, apresentan-do os principais autores e obras que ori-ginaram e sedimentaram essa maneira dese investigar em ciências sociais. No se-gundo, examinaremos as característicaspróprias dos estudos que se intitulam qua-litativos.

PESQUISA QUALITATIVA: ALGUMAS NOTASHISTÓRICAS

Embora a abordagem qualitativa nãoseja central em vários campos de estudodos fenômenos humanos e sociais, uma

© 1995, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV,São Paulo, Brasil.

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rica tradição desse tipo de pesquisa temse desenvolvido na sociologia e na antro-pologia. Aqui faremos um breve relato his-tórico, demonstrando como esta aborda-gem de investigação, aos poucos, foi seinstalando nas ciências sociais.

Os primórdiosO que hoje denominamos estudos qua-

litativos começaram a aparecer no cená-rio da investigação social a partir da se-gunda metade do século XIX.

O estudo sociológico de Frédéric LePlay (1806-1882) Les ouvriers européens,publicado em 1855, sobre as famílias dasclasses trabalhadoras da Europa, pode sercitado como uma das primeiras pesquisasa usar a observação direta da realidade. Apartir dos dados coletados em inúmerasviagens que realizou pela Europa, Le Playdesenvolveu uma série de monografias defamílias 1/ típicas" da classe trabalhadora,identificadas entre pessoas que exerciamdeterminadas ocupações. Do ponto de vis-ta metodológico, ele inovou ao desenvol-ver um estudo comparativo dessas mono-grafias.

Na obra de Henry Mayhew Londonlabour and the London poor, publicada emquatro volumes entre 1851e 1862,são uti-lizadas histórias de vida e entrevistas 1/ emprofundidade" na coleta de informaçõessobre as condições de pobreza dos traba-lhadores e desempregados de Londres.

A primeira obra sobre os aspectosmetodológicos do que hoje denominamos1/ abordagem qualitativa" parece ter surgi-do com os Webbs. Sidney (1859-1947)eBeatrice (1858-1943)Webb contribuírammuito para o desenvolvimento da socio-logia inglesa. Desenvolveram uma gran-de quantidade de estudos sociais e políti-cose, constantemente, estavam envolvidosem atividades de caráter público. Descre-veram sua técnica de investigação socialnuma obra denominada Methods of socialinvestigation, publicada em 1932.Aprodu-ção dos Webbs apoiava-se fundamental-mente na descrição e análise das institui-ções e não em uma teoria estabelecida apriori. Valorizavam as entrevistas, os do-cumentos e as observações pessoais.

Nos Estados Unidos, o estudo denomi-nado Pittsburgh Survey, publicado em trêsvolumes entre 1908-1909,pode ser consi-derado pioneiro em sua tentativa de aco-

plar dados qualitativos aos quantitativosna análise de problemas de cunho social.Nesse trabalho também encontramos aapresentação de descrições detalhadas,entrevistas, retratos e fotos da época.

A utilização da abordagem qualitati-va, nos Estados Unidos, também pode serencontrada nos trabalhos realizados peloDepartamento de Sociologia da Universi-dade de Chicago durante o período de1910a 1940.

Um dos grandes trabalhos produzidospela Escolade Chicago- The polish peasantin Europe and America -, desenvolvido porWilliam I. Thomas e Florian Znaniecki,publicado em 1927, ocupava-se dos pro-blemas sociais e instituições da época.Uma vez que as massas de imigrantespareciam agravar os problemas de cunhosocial, a sociologia empírica voltou-se àsquestões relacionadas ao estudo dos imi-grantes, dos negros e demais grupos étni-cos que viviam no país. A ênfase sobre as-pectos da vida urbana foi uma importan-te característica desse grupo. Um dos seusgrandes expoentes, Robert E. Park (1864-1944), estimulava seus alunos para quedesenvolvessem estudos intensivos decomunidades particulares, tentandopercebê-las como um todo.

Segundo entrevista de Howard Becker!para a revista Ciência Hoje, em novembrode 1990, não se pode falar em clarezametodológica naquela época, quando ospesquisadores de Chicago simplesmenteinventavam, criavam métodos, coletandoautobiografias, analisando cartas e outrosdocumentos, e fazendo entrevistas. Poste-riormente denominaram abordageminteracionista à perspectiva adotada pelogrupo na interpretação dos resultados desuas investigações. Enfatizando a nature-za social e interacional da realidade, reco-

1. A ESCOLA de Chicago na vi-são de Howard S. Becker, Ciên-cia Hoje, v. 12, n. 68, 1991, p.54-60.

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nheciam que todas as opiniões, públicasou privadas, são um produto do meio. Opapel do pesquisador era o de captar aperspectiva daqueles por ele entrevis-tados.

Na antropologia, os estudos de FranzBoas (1858-1942)e Bronislaw Malinowski(1884-1942)constituem exemplos de tra-balhos de campo realizados em uma pers-pectiva qualitativa. Boas teve muita influ-ência na estruturação da antropologia naAmérica do Norte. Desenvolveu estudosde caráter essencialmente descritivo emfunção do seu ponto de vista acerca doslimites da generalização nas ciências soci-ais. Acreditava que cada cultura estudadadeveria ser abordada indutivamente, apartir do ponto de vista dos seus membros.Apesar de estar entre os primeiros antro-pólogos a permanecer" em campo" duran-te a fase de coleta de dados, essa perma-

nência não era muito prolongada. Utiliza-va com mais intensidade dados documen-tais obtidos por meio de informantes doque observações de "primeira mão" .

Já Malinowski achava fundamental apermanência do pesquisador junto às po-pulações nativas durante longos períodosde tempo. Suaprimeira expedição de cam-po à Nova Guiné, realizada de 1914a 1918,acabou por produzir um trabalho inova-dor do ponto de vista metodológico à me-dida que se tratava de um estudo intensi-vo de alguém que havia vivido em meio aum povo durante mais de dois anos, fa-lando a língua nativa e agindo como umobservador participante. Suas primeirasmonografias, "Argonauta of the Western

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Pacific" (1922), "Sexual life of savages"(1929), "Coral gardens and their magic"(1935),retratam de maneira precisa as téc-nicas de campo por ele utilizadas.

É importante salientar que, enquanto aabordagem qualitativa foi amplamenteaceita pelos antropólogos, continuou, du-rante algum tempo, ignorada por muitossociólogos devido à forte influência dosprimeiros trabalhos de Durkheim, que uti-lizavam métodos estatísticos na organiza-ção e análise de dados. O estudo Le suici-de. Étude sociologique, de 1897,representa-tivo dessa fase, tem sido considerado ummodelo da pesquisa social a ser seguido,dada a utilização da análise multivariada,que, supostamente, permite aprofundar otratamento dos dados, garantindo gene-ralizações seguras. Em trabalhos posteri-ores, no entanto, Durkheim passa a utili-zar um novo enfoque metodológico, repre-sentado pela adoção da abordagemetnográfica. Amonografia De quelques for-mes primitives de classification, publicadaem 1901-1902e elaborada em parceria comMarcel Mauss representa essa nova fasemetodológica que culminou com a publi-cação, em 1912,de Les formes élémentairesde la vie religieuse. Le systeme totémique enAustralie.

De 1930 a 1960O período compreendido entre os anos

30 e 60 foi marcado por um declínio naprodução de trabalhos de caráter qualita-tivo. Mas, do ponto de vista metodológicoe conceitual, a Escola de Chicago trouxeimportantes contribuições. Foi neste pe-ríodo, no ano de 1937,que Herbert Blumercunhou o termo "interacionismo simbóli-co" para essa escola do pensamento so-ciológico, marcada por algumas caracte-rísticas essenciais.

Ao conceber a sociedade como um pro-cesso, o "interacionismo simbólico" enten-de que indivíduo e sociedade mantêmconstante e estreita inter-relação e que oaspecto subjetivo do comportamento hu-mano é necessário na formação e na ma-nutenção dinâmica do self social e do gru-po social.Atribui importância fundamen-tal ao sentido que as coisas (como os obje-tos físicos, seres humanos, instituições,idéias que são valorizadas, situaçõesvivenciadas) têm para os indivíduos, res-saltando que esse sentido surge do preces-

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so de interação entre as pessoas. Tais sen-tidos (significados) são manipulados emodificados por meio de um processointerpretativo que as pessoas usam ao sedepararem com as coisas do mundo no seudia-a-dia, na vida cotidiana. Assim, a rea-lidade empírica existe somente na expe-riência humana e aparece sob a formacomo os seres humanos vêem a realidade.

Do ponto de vista metodológico, a me-lhor maneira para se captar a realidade éaquela que possibilita ao pesquisador" co-locar-seno papel do outro", vendo omun-do pela visão dos pesquisados. Por issoBlumer propõe a investigação naturalistado mundo, ou seja,a investigação do mun-do empírico, tal qual ele se apresenta.Como procedimentos, sugere a observa-ção direta, o trabalho de campo, a obser-vação participante, a entrevista, o uso dahistória de vida, das cartas, diários e do-cumentos públicos.

Ainda dentro da tradição do interacio-nismo simbólico, vemos o surgimento, nadécada de 40, da etnometodologia deHarold Garfinkel, da Universidade da Ca-lifórnia, em Los Angeles (UCLA).A etno-metodologia estuda e analisa as atividadesda vida cotidiana dos membros de umacomunidade ou organização com o objeti-vo de detectar os "métodos" que as pes-soas usam no seu convívio diário em so-ciedade a fim de construir a realidade so-cial.Procura ainda descobrir a natureza darealidade que elas constroem. Sob essaperspectiva, a estrutura social é continua-mente construída pelos membros da socie-dade, que nunca cessam de tentar interpre-tar o mundo e explicar o que nele acontece.

Muitos estudos desenvolvidos nessa li-nha incluem a análise da conversação en-tre sujeitos em processos de interação. Oexame da interação não-verbal tambémpode ocorrer. A técnica de coleta de dadosmais utilizada é a observação.

Dos trabalhos qualitativos realizadospela Escola de Chicago é importante des-tacarmos a pesquisa de Howard S.Beckersobre o comportamento dos estudantes demedicina da Universidade de Kansas. De-senvolvido durante a década de 50, o es-tudo exigiu que Becker convivesse trêsanos com esses alunos, indo às aulas comeles, freqüentando seus espaços preferidose observando-os em suas atividades. Essapesquisa resultou no seu primeiro livro,

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Boys in white: student culture in medicalculture, publicado em 1961.

A Universidade de Chicago tambémcontou com a colaboração de antropólo-gos sociais que começaram a utilizar suastécnicas de trabalho de campo na análisede questões próprias da cultura america-na da época. Os seis volumes da pesqui-sa intitulada Yankee city series, sobreMassachusetts, desenvolvida sob a dire-ção de Lloyd Warner e publicada em 1941,representa um excelenteexemplo desse es-forço.

Do ponto de vista metodológico, é pos-sível observar ainda a aceitação da entre-vista como uma estratégia fundamental dainvestigação qualitativa. Na década de 50,vários autores começaram a escrever so-bre ela: suas forças e fraquezas, suas vári-as formas e possibilidades de utilizaçãonos trabalhos de campo. No ano de 1956,oAmerican [ournal of Sociology dedicou umdos seus números à essa técnica de coletade dados.

A partir dos anos 60Nos anos 60, podemos sentir a incor-

poração da pesquisa qualitativa em outrasáreas além da sociologia e antropologia.O aumento do interesse pela abordagemqualitativa também pode ser observadocom o aparecimento de publicações (li-vros, artigos e revistas) voltadas para ateoria e a metodologia que dão sustenta-ção a esse tipo de estudo.

Na administração de empresas o inte-resse pela abordagem qualitativa começaa se delinear a partir dos anos 70, culmi-nando com a publicação, em 1979,de umnúmero da revista Administrative ScienceQuarterly, totalmente dedicado ao tema

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"qualitatíve methodology". No estudo dasorganizações, o enfoque qualitativo foi semostrando útil e apropriado, produzindointeressantes trabalhos, como os de Law-

rence e Lorsch- , Hirsch-, Sebring',todos publicados na Adminis-

trative Science Quarterly.Ainda nesta déca-da é possível detec-tar que, embora osdebates metodoló-gicos entre "pes-quisa quantitativaversus qualitativa"continuem, a ten-são entre os repre-

sentantes desses dois grupos diminui e umdiálogo começa a acontecer. Alguns pes-quisadores proeminentes nos círculosquantitativos, como D. Campbell e L.Cronbach, começam a valorizar essa pos-sibilidade de se fazer pesquisa em ciênciassociais e advogar seu uso.

Esses dados históricos mostram que odesenvolvimento da perspectiva qualita-tiva gerou uma grande diversidade demétodos de trabalho, estilos de análise e aapresentação de resultados e diferentesconsiderações quanto aos sujeitos.

Muitos pesquisadores de orientaçãoqualitativa fazem seu trabalho de campoatravés de observação e entrevista, empre-gando muito do seu tempo no local da pes-quisa, em contato direto com os sujeitos.Registram suas notas, analisam seus da-dos e escrevem os resultados obtidos, in-cluindo descrições de trechos de conver-sas e diálogos. Outros advogam uma abor-dagem mais empírica, apoiada em filma-gens destinadas a captar atos e gestos daspessoas. Existem ainda aqueles que se uti-lizam de vários tipos de documentos es-critos, de natureza pessoal e / ou oficial.Fotos coletadas ou tiradas pelo pesquisa-dor também podem compor o conjuntodos dados.

Enquanto alguns investigadores dei-xam claros e compartilham os objetivos dapesquisa com os sujeitos, outros conside-ram que não devem expô-los ao grupo.

No que se refere à postura do pesquisa-dor junto aos informantes, encontramosaqueles que defendem uma atitude deempatia e identificação, enquanto outrosposicionam-se de uma forma mais neutra,evitando o envolvimento com os sujeitos.

2. LAWRENCE,P.R., LORSCH,J. W. Differentiation andintegration in complex or-ganizations. AdministrativeScience Quarterly, v. 12, n. 1,1967, p. 1-47.3. HIRSCH,P.M. Organizationaleffectiveness and the insti-tutional environment. Admi-nistrative Science Quarterly,v. 20, n. 3, 1975, p. 327-44.4. SEBRING, R. H. lhe five-million dollar misunders-tanding: a perspective on stategovernment-university inter-organizational conflicts. Admi-nistrative Science Quarterly, v.22, n.4, 1977, p. 505-23.5. BOGDAN, R. C., BIKLEN, S.K. Qualitative research foreducation: an introduction forto theory and methods. Boston:Allyn and Bacon, 1982.

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Apesar dessas diferenças, esses estu-dos apresentam características básicas que,em maior ou menor grau, devem estar pre-sentes nas pesquisas que se intitulam"qualitativas" .

CARACTERíSTICAS BÁSICAS DA PESQUISAQUALITATIVA

Embora haja muita diversidade entre ostrabalhos denominados qualitativos, al-guns aspectos essenciais identificam os es-tudos desse tipo".

A pesquisa qualitativa tem o ambientenatural como fonte direta de dados e opesquisador como instrumentofundamental

Os estudos denominados qualitativostêm como preocupação fundamental o es-tudo e a análise do mundo empírico emseu ambiente natural. Nessa abordagemvaloriza-se o contato direto e prolongadodo pesquisador com o ambiente e a situa-ção que está sendo estudada. No trabalhointensivo de campo, os dados sãocoleta dos utilizando-se equipamentoscomo videoteipes e gravadores ou, sim-plesmente, fazendo-se anotações num blo-co de papel. Para esses pesquisadores umfenômeno pode ser mais bem observado ecompreendido no contexto em que ocorree do qual é parte. Aqui o pesquisador deveaprender a usar sua própria pessoa comoo instrumento mais confiável de observa-ção, seleção, análise e interpretação dosdados coleta dos.

A pesquisa qualitativa é descritivaA palavra escrita ocupa lugar de desta-

que nessa abordagem, desempenhandoum papel fundamental tanto no processode obtenção dos dados quanto na disse-minação dos resultados. Rejeitando a. ex-pressão quantitativa, numérica, os dadoscoleta dos aparecem sob a forma de trans-crições de entrevistas, anotações de cam-po, fotografias, videoteipes, desenhos evários tipos de documentos. Visando àcompreensão ampla do fenômeno que estásendo estudado, considera que todos osdados da realidade são importantes e de-vem ser examinados. O ambiente e as pes-soas nele inseridas devem ser olhadosholisticamente: não são reduzidos a va-riáveis, mas observados como um todo.

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INTRODUÇÃO À PESQUISA QUALITATIVA E SUAS POSSIBILIDADES

Os pesquisadores qualitativos estãopreocupados com o processo e não sim-plesmente com os resultados ou produto.

O interesse desses investigadores estáem verificar como determinado fenôme-no se manifesta nas atividades, procedi-mentos e interações diárias. Não é possí-vel compreender o comportamento huma-no sem a compreensão do quadro re-ferencial (estrutura) dentro do qual os in-divíduos interpretam seus pensamentos,sentimentos e ações.

O significado que as pessoas dão àscoisas e à sua vida são a preocupaçãoessencial do investigador

Os pesquisadores qualitativos tentamcompreender os fenômenos que estão sen-do estudados a partir da perspectiva dosparticipantes. Considerando todos os pon-tos de vista como importantes, este tipode pesquisa /I ilumina", esclarece o dina-mismo interno das situações, freqüente-mente invisível para observadores exter-nos. Deve-se assegurar, no entanto, a pre-cisão com que o investigador captou oponto de vista dos participantes, testan-do-o junto aos próprios informantes ouconfrontando sua percepção com a de ou-tros pesquisadores.

Pesquisadores utilizam o enfoqueindutivo na análise de seus dados

Como os pesquisadores qualitativosnão partem de hipóteses estabelecidas apriori, não se preocupam em buscar dadosou evidências que corroborem ou neguemtais suposições. Partem de questões oufocos de interesse amplos, que vão se tor-nando mais diretos e específicos no trans-correr da investigação. As abstrações sãoconstruídas a partir dos dados, num pro-cesso de baixo para cima. Quando um pes-quisador de orientação qualitativa plane-ja desenvolver algum tipo de teoria sobreo que está estudando, constrói o quadroteórico aos poucos, à medida que coletaos dados e os examina.

CONCLUSÕES

Procuramos, através deste artigo, mos-trar que as ciências sociais podem recor-rer, fundamentalmente, a duas possibili-dades - pesquisa quantitativa e pesquisaqualitativa - no estudo dos fenômenos

que lhe interessam. Aqui, exploramos anatureza dos estudos qualitativos, que,apesar de historicamente sempre estarempresentes na investigação de natureza so-cial, foram por algum tempo minimizadosem sua importância e utilidade, devido auma forte influência das metodologiasquantitativas, inspiradas nos pressupos-tos positivistas.

Hoje em dia, a abordagem qualitativa,por meio de seus diferentes subtipos depesquisa (alguns analisados em artigo quese seguirá), tem lugar assegurado comouma forma viável e promissora de traba-lhar em ciências sociais.

Em função da natureza do problemaque se quer estudar e das questões e obje-tivos que orientam a investigação, a op-ção pelo enfoque qualitativo muitas ve-zes se torna a mais apropriada.

Quando estamos lidando com proble-mas pouco conhecidos e a pesquisa é decunho exploratório, este tipo de investi-gação parece ser o mais adequado. Quan-do o estudo é de caráter descritivo e o quese busca é o entendimento do fenômenocomo um todo, na sua complexidade, épossível que uma análise qualitativa sejaa mais indicada. Ainda quando a nossapreocupação for a compreensão da teia derelações sociais e culturais que se estabe-lecem no interior das organizações, o tra-balho qualitativo pode oferecer interes-santes e relevantes dados. Nesse sentido,a opção pela metodologia qualitativa sefaz após a definição do problema e do es-tabelecimento dos objetivos da pesquisaque se quer realizar. O

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Artigo recebido pela Redação da RAE em junho/1994, avaliado em agosto/1994 e janeiro/1995, aprovado para publicação em janeiro/1995. 63