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Para a história da negação: dois tipos de minimizadores no português antigo XXX Encontro da APL Faculdade de Letras da Universidade do Porto 22 de outubro 2014 Clara Pinto ERC Advanced Grant - GA 295562

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Para a história da negação: dois tipos de minimizadores no

português antigo

XXX Encontro da APL Faculdade de Letras da Universidade do Porto

22 de outubro 2014

Clara Pinto

ERC

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Sumário

• Minimizadores

• Minimizadores no português antigo

• O caso de homem

• Concorrência entre homem e nenhum

• Conclusões

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Minimizadores

“Minimizers, those ‘partially stereotyped equivalents of any’ occur within the scope of a negation as a way of reinforcing that negation.”

(Horn:1989)

Derivam frequentemente de nomes comuns com traços escalares

um pingo; uma migalha; uma gota

Podem estar associados a vocabulário vernáculo.

Apresentam frequentemente cognatos em outras línguas

migalha (PT); mica (IT); migaja (ES); crumb (EN); mie (FR)

um tostão furado (PT); un duro (ES); a red cent (EN), een rooie cent (GR)

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Minimizadores

Não são intrinsecamente negativos

- funcionam como Itens de Polaridade Negativa fracos : necessitam de ser legitimados em contexto.

(1) Não vejo um boi com estes óculos novos.

(2) Vi um boi a atravessar a estrada.

Estão relacionados com o Ciclo de Jespersen (Jespersen, 1917)

Ex: Francês pas (passo)

Estádio1: Je ne dis

Estádio 2: Je ne dis (pas)

Estádio 3: Je dis pas

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Corpus de trabalho

• Os dados apresentados baseiam-se num corpus constituído por textos compreendidos entre os sécs. XIII e XVI.

Séc. XIII Séc. XIV Séc. XV Séc. XVI

Demanda do Santo Graal

Notícia de Torto

Documentos Notariais

Cantigas medievais galego-portuguesas

Crónica Geral de Espanha

Vidas de Santos de um Manuscrito Alcobacense (Vida de Tarsis)

Dos Costumes de Santarém (CS1)

Crónica de D. Fernando (Fernão Lopes)

Crónica de D. Pedro de Menezes (G. E.

Zurara)

Crónica de D. Dinis (Rui de Pina)

Orto do Esposo

Peregrinação A Vida de

Bartolameu dos Mártires

Cartas de D. João III

4 Peças teatro (Gil Vicente, Camões e Sá de Miranda)

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Minimizadores Tipo 1

i) Minimizadores partitivos:

• têm origem em nomes que designavam a parte mais pequena de um todo.

• podiam surgir antecedidos de determinante indefinido e/ou modificados por um Sintagma Preposicional

(3) Agora sey eu ben et entẽdo que hu ponto de siso nõ auedes.

(História Troiana)

(4) e todos se maravilhárão, que a vírão sair e nom virão que lhe saía gota de sangue

(José de Arimateia)

Minimizadores no português antigo

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ii) Minimizadores valorativos:

• têm origem em nomes que designavam realidades de pouco valor ou de pequena dimensão.

• eram frequentemente antecedidos de determinante indefinido

(5) Por quanto Boorz dizia, nom dava Lionel üa palha

(DSG)

(6) e tudo o q eu tenho dito, e digo hé mto verdade, e se lhe ella amarga, não se me dá delle hum figo (...)

(CARDS1003)

Minimizadores no português antigo

Minimizadores Tipo 1

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Minimizadores Tipo 1

- Funcionam como classe aberta: constante incorporação de novos minimizadores e desaparecimento de outros (cf.Hoeksema, 1999)

- Subsistem no PEC com distribuição e frequência semelhantes

Português Antigo

Português Europeu Contemporâneo

Minimizadores Tipos 1 (gota, ponto/ figo, caracol)

IPN’s fracos

[0 af, α mod, α neg]

IPN’s fracos

[0 af, α mod, α neg]

Minimizadores no português antigo

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Minimizadores Tipo 2

Minimizadores indefinidos • têm origem em nomes com baixo grau de referencialidade (cf.

Giannakidou, 2011) • não ocorriam com determinantes, mas podiam ter modificadores

preposicionais ou oracionais

(7) E Muça era vassallo de Miraamolim e nõ quis fazer rem sem seu mãdado.

(CGE)

(8) E quando Erec viu que nom podia al achar en ella, respondeo chorando muito: (9) Tu nom poderás fazer cousa por este cavalleiro que te seja vergonha nem deshonra». (10) E ao doo da rainha nunca homem vio par.

(DSG)

Minimizadores no português antigo

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- Funcionam como uma classe fechada: era constituída por um número restrito de itens que desapareceram da língua.

- Nenhum destes minimizadores sobreviveu além do século XVI

Português Antigo

Português Europeu Contemporâneo

Minimizadores Tipo 2 (al, rem, cousa, homem)

Itens Bipolares

[α af, α mod, α neg]

Desaparecem

Minimizadores Tipo 2

Minimizadores no português antigo

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Minimizadores Indefinidos e Indefinidos negativos – um caso de competição?

Hipótese:

- Terá havido competição entre os minimizadores indefinidos e os indefinidos negativos (cf. Kroch, 1989)?

Indefinidos Negativos

Minimizadores Indefinidos

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O caso de homem • Item bipolar [aff]

(11) Mas, ao tempo da grande coyta, ha homem mester siso e castigo (CGE)

[mod]

(12) No paaço avia gram lume, assi que perto poderia homem veer tam bem como se fosse de dia. (DSG)

[neg]

(13) e tornaronsse a suas naves con tãtas riquezas que nõ avia homen que lhe podesse dar conto. (CGE)

• Em contextos negativos, homem tem valor de minimizador com interpretação igual a ninguém.

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• Distingue-se do nome comum homem por:

- não ter leitura referencial (designa uma entidade genérica/indeterminada)

• Ocorrência maioritária em determinadas estruturas sintáticas

- com verbos modais e outros complexos verbais

(14) nom devia home~ a amar os filhos mais que Deos (VdS)

- com os verbo haver e ser existenciais

(15) E, se fores vençudo, nõ avera homẽ no mundo a que dello pese (CGE)

- em orações comparativas e construções de grau

(16) estes aqui eram tam bõos cavalleiros que nom podia homem achar milhores no regno de Logres (DSG)

O caso de homem

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Competição entre homem e nenhum

- nenhum podia ocorrer nos mesmo contextos que homem:

(17) Semelhava-lhe que chegava a üu rio, o mais feo e o mais espantoso que nunca vira e que nom poderia homem entrar em elle que nom fosse morto.

(18) E sia pensando tanto que nenhüu o nom podia acordar de seu pensar, em guisa que nom metia mentes em festa nem em corte. (DGS)

Contextos modais e negativos

Homem Nenhum

[pronome] [pronome]

[+ humano] [+ humano]

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Distribuição de homem e nenhum por séculos

0

50

100

150

200

250

XIII XIV XV XVI

homem

nenhum [+hum]

ninguém

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Nível de gramaticalização de homem vs. nenhum – séc. XIII (cf. Garzonio e Polleto, 2008 e 2009,adaptado)

Competição entre homem e nenhum Propriedades Fase 1 Fase 2 Fase 3

a) Núcleo de DP nenhum

homem

b) Modificador PP nenhum

homem

c) Significado referencial nenhum

homem

d) Exibe phi-features nenhum

homem

e) Especialização semântica dos

verbos

homem nenhum

f) Ocorre em contextos positivos homem nenhum

g) Único elemento negativo em

posição pré-verbal

homem nenhum

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Competição entre homem e nenhum

Homem Nenhum [+ hum]

Menos especializado Mais especializado

Ambíguo (item bipolar vs. nome comum)

Não-ambíguo

Integra um grupo menos homogéneo

Integra um grupo mais homogéneo

Desaparece da língua Em conjunto com ninguém generaliza-se nos contextos em que alternava com homem

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Conclusões preliminares

Nenhum [+hum] encontrava-se em vantagem por estar num estádio de gramaticalização mais avançado – torna-se palavra-negativa com traço [+ neg] (cf. Martins, 1997)

Homem desaparece antes de se tornar um IPN fraco

A concorrência com nenhum [+hum] não explica, por si só, o desaparecimento de homem

• Outros fatores a explorar:

- surgimento de novas estratégias de passivização e de indefinição do sujeito (cf. Faggion, 2008)

- influência da tipologia textual

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Distribuição de homem e nenhum por obra/século

0

50

100

150

200

250

DSG

Do

cs. N

ot.

No

t. T

ort

o

Can

tiga

s

DC

S

CG

E

Vd

S

CD

F

CD

D

CD

PM

OE

Pe

r.

VB

M

CD

J

Teat

ro

XIII XIV XV XVI

ninguém

nenhum [+hum]

homem

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Referências Corpus

Brocardo. 1997. Gomes Eanes de Zurara. Crónica do Conde D. Pedro de Meneses

Centro de Estudos de Teatro, Teatro de Autores Portugueses do Séc. XVI - Base de dados textual [on-line]. http://www.cet-e-quinhentos.com/

Galves, Charlotte, and Pablo Faria. 2010. Tycho Brahe Parsed Corpus of Historical Portuguese. URL: http://www.tycho.iel.unicamp.br/~tycho/corpus/en/index.html

Martins, A. 2001. Doc. Portugueses do Noroeste e da Região de Lisboa; non-dated document,13th century

Marquilhas, Rita (Coord.) P.S. Post-Scriptum: Arquivo Digital de Escrita Quotidiana em Portugal e Espanha na Época Moderna. Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. http://ps.clul.ul.pt/

PIEL, J. & I. NUNES. 1988. Demanda do Santo Graal. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

Xavier, Maria Francisca (Coord.). Digital Corpus of Medieval Portuguese (CIPM – Corpus

Informatizado do Português Medieval). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da

Universidade Nova de Lisboa. http://cipm.fcsh.unl.pt/.

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Referências GARZONIO & POLETTO. 2008. “Minimizers and quantifiers: a window on the development of

negative markers. CISCL Working Papers. Vol. 2. University of Siena. GARZONIO & POLETTO. 2009. “Quantifiers as negative markers in Italian dialect.s”. Working

Papers in Luinguistics. Vol. 19. University of Venice. GIANNAKIDOU, A. 2011. “Positive polarity items and negative polarity items: variation,

licensing, and compositionality”. In Semantics: An International Handbook of Natural Language Meaning. (Second edition; ed. by C. Maienborn, K. von Heusinger, and P. Portner). Berlin:

Mouton de Gruyter. HANSEN, M. M. 2013. “Negation in the History of French”. The History of Negation in the

Languages of Europe and the Mediterranean. Vol I. Case Studies. Willis,D., Cristopher Lucas and Anne Breitbarth (eds.). Oxford University Press.

HOEKSEMA, J. 1999. “Rapid change among expletive polarity items”. In Historical Linguistics. Laurel J. Brinton (ed.). Selected Papers from 14th International Conference on Historical

Linguistics. Vancouver. 9-13 August 1999. John Benjamins. Amsterdam/Philadelphia. HORN, L. 1989. A Natural History of Negation. Stanford: CSLI Publications. 2001. JESPERSEN, Otto. 1917. Negation in English and Other Languages. Copenhagen: A.F.Host. KROCH, Anthony (1989). Reflexes of Grammar in Patterns of Language Change. Language

Variations and Change, 1, pp. 199-244. MARTINS, A. M. 1997. «Aspectos da Negação na História das Línguas Românicas: Da natureza

de palavras como nenhum, nada, ninguém». Actas do XII Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, org. por Ivo Castro. Vol. 2: Linguística Histórica e História da Linguística. Lisboa: APL. pp. 179-210.

MARTINS, Ana Maria 2000. «Polarity Items in Romance: Underspecification and Lexical Change». In Susan Pintzuk, George Tsoulas e Anthony Warner, eds. Diachronic Syntax: Models and Mechanisms. Oxford/New York: Oxford University Press. pp. 191- 219.

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1) e pore no se deue home gloriar e ella ne se deue anojar,

no a avendo

2) no se deue o home gloriar em ella quando bem pensar o

pouco proueyto della

3) Attende ataa o derradeyro dia da tua uida, ca ante delle

no se deue nehuu de gloriar.

Orto do Esposo

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Nível de gramaticalização de homem vs. nenhum – séc. XVI (cf. Garzonio e Polleto, 2008 e 2009,adaptado)

Competição entre homem e nenhum Propriedades Fase 1 Fase 2 Fase 3

a) Núcleo de DP nenhum

homem

b) Modificador PP nenhum

homem

c) Significado referencial homem nenhum

d) Exibe phi-features nenhum

homem

e) Especialização semântica dos

verbos

homem nenhum

f) Ocorre em contextos positivos nenhum

homem

g) Único elemento negativo em

posição pré-verbal

homem nenhum