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João Philipe do Nascimento Dia 26/05/2012 Gruta de Maquiné, Cordisburgo, Minas Gerais No 3º dia do trabalho de campo fomos até o município de Cordisburgo com 8.667 habitantes (IBGE Censo2010), situado no Grande Vale do São Francisco e a 120 quilômetros de Belo Horizonte sentido noroeste. O município é famoso por ser a terra-natal de João Guimarães Rosa, um dos mais notáveis escritores brasileiros, e também, por lá se encontrar umas das mais importantes cavernas do país, a Gruta de Maquiné, que é considerada o berço da paleontologia, arqueologia e da espeleogia brasileira graças aos trabalhos do naturalista dinamarquês Peter W. Lund.

Gruta de Maquiné

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João Philipe do Nascimento

Dia 26/05/2012

Gruta de Maquiné, Cordisburgo, Minas Gerais

No 3º dia do trabalho de campo fomos até o município de Cordisburgo com 8.667

habitantes (IBGE Censo2010), situado no Grande Vale do São Francisco e a 120 quilômetros

de Belo Horizonte sentido noroeste. O município é famoso por ser a terra-natal de João

Guimarães Rosa, um dos mais notáveis escritores brasileiros, e também, por lá se encontrar

umas das mais importantes cavernas do país, a Gruta de Maquiné, que é considerada o

berço da paleontologia, arqueologia e da espeleogia brasileira graças aos trabalhos do

naturalista dinamarquês Peter W. Lund.

Dados cartográficos ©2012 Google, MapLink

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Breve histórico da região:

Uma das principais formas de colonização do território brasileiro foi pelo Vale do São

Francisco através da pecuária que abastecia as áreas de mineração do Brasil Colônia, sendo

os bandeirantes os primeiros desbravadores. Vários fazendeiros se apossaram das terras da

região e por lá se estabeleceram, sendo que, em 1883 o Padre João de Santo Antônio

decidiu fundar uma povoação onde hoje é o município Cordisburgo.

Uma curiosidade daquele período foi no seu meio rural, em que, do final do século

XVIII ate o século XIX, havia uma tímida possibilidade de ascensão social. O gado era criado

em grandes latifúndios e os peões da fazenda podiam utilizar pequenas parcelas das terras

para sua subsistência e, como não recebiam salário, muitas vezes sua forma de pagamento

era através de gado, com isso, alguns empregados conseguiram comprar porções de terra,

porem não foi uma mudança considerável no cenário rural brasileiro, mas mesmo assim, é

de se evidenciar, pois uma possibilidade ascensão econômica no campo é bem mais difícil se

comparado a cidade.

No inicio do século XX a região foi marcada pela estrutura de poder dos coronéis, o

Coronelismo, que, por sinal, essa realidade foi muito bem retratada no clássico livro “Grande

Sertão Veredas” de Guimarães Rosa. A origem do Coronelismo vem do Brasil Colônia e

consistia no grande latifundiário influenciando fortemente a economia e a política local, foi

um período de práticas autoritárias e violentas comandadas pelos coronéis que controlavam

as pessoas e as obrigava a obedecer a regimes, tributos e a promover a candidatura de seu

político preferido. Esta estrutura de poder perdurou ate meados do século passado, porem

ainda existem grandes propriedades remanescentes dessa época.

“O cenário que envolvia e promovia o coronelismo era o do mundo

rural brasileiro, dominado pelo latifúndio, o engenho, a fazenda e a

estância. Um universo próprio, interiorano, bem afastado das grandes

cidades, isolado do mundo. [...] As comunicações eram raras e difíceis, feitas

por canoa, barco, balsa, carro de boi, charrete, ou na sela do cavalo,

puxando os arreios da mula ou do jerico. Praticamente ninguém ao redor

dele era instruído, sendo comum entre os considerados alfabetizados

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apenas saberem desenhar o nome no papel, o suficiente para que se

tornassem eleitores fiéis dos candidatos propostos pelo coronel.”

(Schilling, 2010)

Ainda na primeira metade do século XX havia poucas rodovias no interior do Brasil e

a navegação do rio São Francisco era uma das principais alternativas para unir todas as

cidades do vale, portanto, o rio era uma importante hidrovia para o transporte de pessoas e

das mais variadas mercadorias. Com o regime militar (1964 a 1985) deu-se a continuidade do

projeto de integração nacional iniciado com Juscelino Kubitschek, porem sem nenhuma

preocupação ambiental. Nos anos de 1970 foram construídas varias rodovias no Brasil e

conciliando com a abertura das primeiras siderúrgicas (que necessitam de carvão vegetal)

em Minas Gerais, da recém-criada capital federal (Brasília), com crescimento da região

metropolitana de Belo Horizonte e, conseqüentemente, com um forte aumento da

concentração demográfica do centro-sul brasileiro, o cerrado foi fortemente desmatado.

“Durante as três ultimas décadas, algumas regiões do Centro-Sul do

Brasil mudaram do ponto de vista da organização humana, dos espaços

herdados da natureza, incorporando padrões modernos que abafaram, por

substituição parcial, velhas e arcaicas estruturas sociais e econômicas. Essas

mudanças ocorreram principalmente, devido à implantação das novas

infraestruturas viárias e energéticas, alem da descoberta de impensadas

vocações dos solos regionais para as atividades agrárias rentáveis”.

(AB’ SABER, 2003, P. 35)

Numa analise mais regional, com a abertura das novas rodovias e das varias

siderúrgicas em torno de Sete Lagoas e das cidades próximas (entre elas Cordisburgo), a

vegetação natural foi fortemente degradada, além disso, na época predominava a idéia de

que o cerrado inútil, improdutivo e que podia ser livremente derrubado. Ao mesmo tempo,

nos anos 70 com a chegada de novas técnicas de cultivo, as regiões do cerrado mineiro

sofreram mais um forte impacto com um intenso desenvolvimento da agricultura,

principalmente no município de Paracatu, localizado no noroeste do estado, por

conseguinte, o desenvolvimento da agricultura ajudou a ascender inúmeros políticos ligados

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ao agronegócio, principalmente durante o regime militar, sendo que, muitos ainda possuem

forte presença no cenário político atual.

Gruta de Maquiné

Historia

A Gruta de Maquiné foi descoberta em 1825 pelo fazendeiro Joaquim Maria

Maquiné, na época o proprietário das terras, a caverna possui sete salões explorados,

totalizando 650 metros lineares (dados da Prefeitura Municipal de Cordisburgo).

Em 1834 a caverna começou a ser analisada cientificamente pelo naturalista

dinamarquês Dr. Peter W. Lund que permaneceu pesquisando-a por aproximadamente dois

anos descobrindo várias inscrições rupestres, fosseis humanos e de animais do Quaternário

(1,6 milhões de anos atrás até os dias atuais). O naturalista Lund nasceu em uma família rica,

estudou letras e era medico de formação, mas preferiu especializar-se em botânica,

zoologia e paleontologia, viajou em 1825 para o Brasil, onde percorreu inicialmente os

estados do Rio de Janeiro e São Paulo, para depois se fixar em Minas Gerais. Em todas suas

excursões coletou grande quantidade de material, que enviava para o Museu de História

Natural da Dinamarca, pois suas pesquisas eram financiadas pela Sociedade Real da

Dinamarca.

Lund fez seus estudos em uma época em que a Teoria da Seleção Natural de Charles

Darwin não existia, sendo assim, ele acreditava que desastres naturais teriam levado à

extinção de diversas formas de vida e dado origem a outras, ou seja, acreditava na teoria do

Catastrofismo, que era a mais aceita da época. Segundo esta teoria a Terra sofreu vários

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fenômenos catastróficos, principalmente inundações, que afetaram todas as espécies e

resultaram nas configurações geológicas e biológicas atuais, é como se toda vida que

conhecemos tivesse um tempo para começar e terminar dando origem, logo depois, a outra

forma de vida. Entretanto, os próprios fósseis que Lund descobriu vão na contramão desse

pensamento. Ao encontrar em suas pesquisas fósseis de seres extintos e atuais, inclusive de

humanos, nos mesmos estratos geológicos, sem querer ele acabou constatando que as

espécies já conviveram no passado. Seu achado contrariava o pensamento catastrofista, no

qual considerava que somente após a última catástrofe o ser humano havia se estabelecido

no planeta, mas poderia ser usado como prova para reforçar a teoria do evolucionismo de

Charles Darwin.

Hoje a Gruta de Maquiné é um dos principais pontos turísticos de Minas Gerais e tem

uma enorme importância econômica para a região, sendo que, se transformou no

Monumento Natural Estadual Peter Lund em 2005. No entanto, apresenta uma serie de

avarias causadas por vandalismo e pela atividade turística, até a própria estrutura que foi

projetada para facilitar a visitação turística prejudicou cenário original da caverna. Apesar da

grande influencia antrópica, não deixa de ser atração extremamente bela.

“A caverna é um ambiente extremamente frágil, que em sua

natureza mantém um delicado equilíbrio ecossistêmico. Por apresentar

como características a ausência de luz e a constância de temperatura e

umidade, o meio cavernícola apresenta condições para o desenvolvimento

de uma fisiografia singular bem como uma fauna única, com muitas

espécies endêmicas e raras. [...] Por outro lado, a importância turística das

cavernas é expressa diretamente na geração de empregos para a

comunidade local, principalmente nas regiões onde este tipo de atividade é

a principal opção econômica, além do fator ligado aos consumidores

daquele ambiente, turistas, principalmente quando se trata do

espeleoturismo.”

MORAIS, M. S. ; & LIMA T. F.

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Geologia da gruta

A caverna é formada por rocha calcaria (basicamente calcita ou carbonato de cálcio,

CaCO3) de idade proterozóica (2,5 bilhões a 542 milhões de anos atrás), entretanto, não

significa que a caverna possui a mesma idade da rocha. A formação da caverna aconteceu

possivelmente na era cenozóica (a 65,5 milhões de anos atrás ate os dias atuais), ou seja,

bem mais jovem que a deposição de rocha matriz (calcário). Foi o poder erosivo da água que

moldou a caverna.

A água que corre na superfície da Terra pode se tornar ácida devido à associação com

o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, conseqüentemente ela se torna H2CO3. Quando

esta água encontra um terreno com muito calcário (isto é, formado por CaCO3), tem início

um processo de dissolução da rocha formando o bicarbonato de cálcio (Ca(HCO3)2). O

processo pode alongar-se por milhares de anos, transformando a região em uma paisagem

carstica, ou seja, inicia-se um processo de erosão química do calcário, com a formação de

fendas, veios e fissuras através da rocha.

A água da superfície (especialmente da chuva) infiltra no solo e quebra os minerais da rocha que esta logo abaixo da terra, gerando o processo de lixiviação do calcário, conseqüentemente as fendas vão se expandindo lentamente e formando a caverna. Ao mesmo tempo, pode ocorrer intemperismo químico e físico através de aqüíferos ou rios

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Os calcários são rochas sedimentares, mais especificamente de deposição marinha, o

que indica que a região já foi fundo de mar e uma das características das cavernas

carbonaticas são a abundancia de espeleotemas, que são todas as formações rochosas

dentro das cavernas. Logo na entrada da caverna é possível avistar varias estalagmites e

estalactites (ambas espeleotemas) formadas pela precipitação e deposição do bicarbonato

de cálcio, isto é, parte do bicarbonato de cálcio (Ca(HCO3)2) que goteja da caverna e que é

depositado, perde acido carbônico (H2CO3) e, conseqüentemente, volta a se o tornar um

carbonato de cálcio (CaCO3). A água ao se infiltrar no plano de acamamento da rocha realiza

a dissolução formando as estalactites (formação rochosa sedimentar que se origina no teto)

e estalagmites (formação rochosa sedimentar que cresce a partir do chão em direção ao

teto, sendo formada pela precipitação vinda da parte superior da caverna, na maioria das

vezes precipitação vinda de uma estalactite), com o passar do tempo, estalactites e

estalagmites podem se unir, formando colunas, paredes e outras formações, sendo assim,

podemos constatar a abundância destas formações em toda caverna.

Ao mesmo tempo, podemos observar vários travertinos, estes nada mais são que

rochas sedimentares, também formadas pela deposição do bicarbonato de cálcio nas áreas

alagadas da caverna. A calcita dissolvida na água que esfiltra das paredes da caverna vai

acumulando ao redor das poças existentes no chão formando travertinos de diversos

tamanhos, podendo variar de centímetros até metros, alguns inclusive podem desenvolver

uma fina camada superficial de calcita por cima da água, dando uma falsa impressão de ser

solo.

A caverna possui abundância de Estalactites e Estalagmites. Algumas se unindo e construindo Fonte(site): Viajar, turismo receptivo

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No terceiro salão da caverna é possível observar um escorrimento de calcita nos

planos de fratura do calcário e uma parte mais avermelhada na rocha, essa mancha na

verdade se trata de oxido de ferro (Fe2O3) que também chegou até aquele ponto devido ao

intemperismo químico causado pela água, que através da dissolução, retirou o oxido de

ferro do solo e o transportou até o local.

No quarto salão percebemos perfeitamente a tensão de cisalhamento na rocha

gerada pelas forças tectônicas ligadas ainda com o processo de formação do Complexo do

Espinhaço, é perto da serra que as deformações nas rochas são mais sinuosas e à medida

que vai se afastando se torna mais amena.

Fonte: excursao-campus-x-gruta-do-maquine-mg.blogspot.com.br

Travertino da Gruta de Maquiné com aproximadamente 1 metro de altura, atualmente a maioria deles são abastecidos de

Travertino situado na Gruta de Maquiné.

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No corredor de acesso para o quinto salão da caverna é possível observar na falha da

rocha um escorrimento de calcita formando um extenso espeleotema (nome de todas as

formações rochosas que ocorrem tipicamente no interior de cavernas como resultado da

sedimentação e cristalização de minerais dissolvidos na água). Outro interessante evento

que ocorreu no naquele local, foi uma grande estalactite (espeleotema) que se desprendeu

do teto devido seu peso e pela própria ação da água.

No teto do quinto salão aconteceu a perda de material causado pela ação química e

mecânica da água subterrânea, pois o seu nível dentro da caverna já foi muito maior que o

atual, alcançando até o teto, na verdade, houve uma variação do nível freático dentro da

caverna. As cavernas evoluem pela água que vem por cima (ex: chuvas), fazendo o processo

de dissolução, mas também evoluem da água que vem por baixo, de um aqüífero ou rio,

causando intemperismo físico e químico. Uma evidencia de que a água, em algum momento,

chegou a alcançar o teto é a presença de manchas de barro e as “cicatrizes” que o canal

fluvial deixou a milhares de anos na rocha. No corredor de acesso para o sexto salão é

possível ver com mais detalhes as marcas deixadas pelo fluxo hídrico, ali foi um centro

preferencial da passagem de água e mostra que a caverna, durante um determinado

período, foi desgastada mais intensamente de baixo para cima. Ou seja, na sua formação,

também foi essencial o processo de decomposição da rocha causado pela água subterrânea

e pela incisão do canal de drenagem, à medida que o rio escava seu leito, ele também acaba

rebaixando o nível do lençol freático e, por conseguinte, expõe a cavidade da gruta,

Grande estalactite que se soltou do

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exemplo: se a milhões de anos atrás o rio corria em um determinado ponto em uma altitude

em relação ao nível do mar de 1000 metros, hoje ele pode correr a 400 metros, nessas

circunstâncias, a milhares de anos atrás seu nível em relação ao mar era bem mais elevado

que o atual. Isto é, foi a ação em conjunto da água superficial e subterrânea que aos poucos

deu origem a caverna.

Referencias bibliográficas

AB´SABER, Aziz. Os domínios de Natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas.

São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

MORAIS, M. S.; LIMA, T. F. Contribuições para o desenvolvimento de plano de

manejo em ambiente cavernícola- Gruta de Maquiné: um estudo de caso. Geonomos, v. IX,

p. 45-53, 2006.

SANTOS, M. e SILVEIRA, M. L. O Brasil: Território e sociedade no inicio do século XXI.

Rio de Janeiro: Record, 2001.

http://www.pamals.mil.br/internet/peter.htm

http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=311890#

http://www.cdcc.usp.br/quimica/ciencia/cavernas.html