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Ensino de Ciências e Educação Infantil Russel Teresinha Dutra da Rosa Princípios da área de ensino de ciências O ensino de ciências na educação infantil acontece preferencialmente integrado às demais áreas de conhecimento, proporcionando, através dos co- nhecimentos acumulados, teorias, metodologias e instrumentos da área, uma riqueza de possibilidades de exploração do mundo realizada pelas crianças. Muitos dos temas enfocados por esta área, são temas de interesse das crianças sobre os quais elas já vêm se perguntando e construindo concepções e representações, sendo fundamental, ao planejarmos qualquer atividade envolvendo conhecimentos da área de ciências, criar oportunidades para que as crianças interajam com diferentes materiais e expressem suas concepções, representações e hipóteses explicativas. Nesses momentos, através de diferentes materiais, é possível ampliar interesses e fornecer informações adicionais. Uma postura desejável no ensino de ciências é a de encorajar as crianças a realizar testes e expor suas dúvidas sobre os temas abordados. O ensino de ciências pode propiciar o contato com a diversidade de formas de vida e de ambientes, bem como com as necessidades e condições necessárias à sobrevivência das diferentes espécies de seres vivos, procurando-se incluir a espécie humana entre as demais espécies e superar visões utilitaristas e antropocêntricas de natureza. Isto é, olhar para os seres vivos procurando ver suas estratégias de sobrevivência ao invés de considerá-Ios em função dos interesses e valores da espécie humana. O ensino precisa superar classificações simplistas de elementos da natureza como úteis ou nocivos aos seres humanos, ou como recursos naturais a serem explorados. Outro aspecto importante a ser considerado ao trabalharmos com temas das ciências é a busca permanente de informações, o desassossego. Em ciência, as verdades são provisórias, são revistas de tempos em tempos, portanto, precisamos tomar cuidado com expressões como "tal fato foi comprovado cientificamente". Somente podemos afirmar que um conjunto de experimentos e observações realizadas rigorosamente, do ponto de vista científico, evidencia que

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Page 1: Ensino de Ciências e Educação Infantil

Ensino de Ciências

e Educação Infantil

Russel Teresinha Dutra da Rosa

Princípios da área de ensino de ciências

O ensino de ciências na educação infantil acontece preferencialmente

integrado às demais áreas de conhecimento, proporcionando, através dos co-

nhecimentos acumulados, teorias, metodologias e instrumentos da área, uma

riqueza de possibilidades de exploração do mundo realizada pelas crianças. Muitos

dos temas enfocados por esta área, são temas de interesse das crianças sobre os

quais elas já vêm se perguntando e construindo concepções e representações,

sendo fundamental, ao planejarmos qualquer atividade envolvendo conhecimentos

da área de ciências, criar oportunidades para que as crianças interajam com

diferentes materiais e expressem suas concepções, representações e hipóteses

explicativas. Nesses momentos, através de diferentes materiais, é possível ampliar

interesses e fornecer informações adicionais. Uma postura desejável no ensino de

ciências é a de encorajar as crianças a realizar testes e expor suas dúvidas sobre

os temas abordados.

O ensino de ciências pode propiciar o contato com a diversidade de formas

de vida e de ambientes, bem como com as necessidades e condições necessárias à

sobrevivência das diferentes espécies de seres vivos, procurando-se incluir a

espécie humana entre as demais espécies e superar visões utilitaristas e

antropocêntricas de natureza. Isto é, olhar para os seres vivos procurando ver suas

estratégias de sobrevivência ao invés de considerá-Ios em função dos interesses e

valores da espécie humana. O ensino precisa superar classificações simplistas de

elementos da natureza como úteis ou nocivos aos seres humanos, ou como

recursos naturais a serem explorados.

Outro aspecto importante a ser considerado ao trabalharmos com temas

das ciências é a busca permanente de informações, o desassossego. Em ciência,

as verdades são provisórias, são revistas de tempos em tempos, portanto,

precisamos tomar cuidado com expressões como "tal fato foi comprovado

cientificamente". Somente podemos afirmar que um conjunto de experimentos e

observações realizadas rigorosamente, do ponto de vista científico, evidencia que

Page 2: Ensino de Ciências e Educação Infantil

tal explicação pode ser aceita hoje. Isso significa que em se tratando de

conhecimento científico não existem explicações definitivas, eternas, absolutas, o

que existem são verdades provisórias que são aceitas e válidas pela comunidade

científica, durante um período histórico, mas que estão sujeitas a transformações

devido ao avanço dos estudos e ao desenvolvimento tecnológico. Portanto, os

conhecimentos têm uma história e o que consideramos correto hoje, como por

exemplo, o fato da terra girar em tomo do sol, não era considerado correto há 500

anos atrás pelos cientistas.

Uma das grandes dificuldades do trabalho com a área de ciências é o

excesso de nomenclatura científica, de conceitos e definições encontrados nos

manuais didáticos, em detrimento de explicações dobre os fenômenos da natureza.

Por esta razão, as informações devem ser buscadas em outras fontes, além dos

livros didáticos, como por exemplo notícias de jornais e revistas. Além disso, na

educação infantil, é fundamental que os temas sejam abordados de forma lúdica

através de jogos simbólicos, do "faz de conta", de personagens da literatura e da

televisão e etc.., por esta razão é fundamental utilizarmos e confeccionarmos

materiais alternativos para o desenvolvimento de projetos com as crianças.

Trabalhar com a fantasia e a imaginação, mas também com a observação, as

comparações, as medidas e os registros escritos, os desenhos, as modelagens, as

colagens e etc..

Em suma, a criança para construir conhecimentos precisa agir, perguntar,

ler o mundo, olhar imagens, criar relações, testar hipóteses e refletir sobre o que faz

de modo a reestruturar o pensamento permanentemente.

Alguns princípios da educação infantil

O conhecimento, bem como as regras e os valores são construídos pela

ação sobre o meio físico e social, cabendo, ao adulto, oportunizar a ocorrência de

situações interativas em que a criança precise tomar decisões, fazer escolhas,

expressar pontos de vista e fazer trocas no sentido de desenvolver a autonomia e a

cooperação. Entretanto os processos pedagógicos não se restringem à realização

de atividades, sendo fundamental a realização de reflexões sobre as atividades

cotidianas.

É parte dos processos de ensino-aprendizagem a investigação das

concepções e representações das crianças, considerando-se as características da

faixa etária e as especificidades socioculturais do grupo e os ritmos de cada

Page 3: Ensino de Ciências e Educação Infantil

indivíduo. Para isso é fundamental que o adulto observe, interprete e registre as

ações e as reações das crianças com a finalidade de descobrir o que é significativo

para elas e as lógicas de suas práticas cotidianas.

O trabalho pedagógico na educação infantil diferencia-se de acordo com a

faixa etária e o processo de construção progressiva de autonomia por parte da

criança. As atividades dedicadas a crianças de zero a um ano precisam considerar

a grande dependência das crianças em relação ao adulto e, portanto, a necessidade

de interações individualizadas adulto-criança, nos momentos de explorar o próprio

corpo através de movimentos e da experiência de diferentes sensações no contato

com os objetos. Nessa fase inicial o ambiente precisa ser aconchegante, mas

apresentar, também, alguns desafios através da diversidade de materiais que irão

mediar a relação e as brincadeiras entre o adulto e a criança. Um exemplo é

descoberta de brinquedos que possibilitem formas variadas de interações dentro de

um saco de retalhos ou dentro de uma caixa fechada como panos, bolsas, bolas,

argolas, cubos, fantasias, sapatos e etc..

As crianças de um a dois anos já poderão participar de algumas atividades

em grupo, mas ainda têm necessidade de muita atenção individualizada por parte

do adulto. Nessa fase, é fundamental pensar em atividades que proporcionem o

desenvolvimento motor e o desenvolvimento da linguagem como, por exemplo,

imitar os movimentos e os sons produzidos por diferentes animais. Aqui, o adulto

precisa estar muito atento para o significado da fala das crianças que se confunde

com as ações e os gestos. Ainda é importante considerar que o tempo de

concentração em cada atividade é muito pequeno, sendo necessário, portanto, uma

variedade de propostas na rotina cotidiana.

De dois a quatro anos, iniciam os jogos simbólicos, as brincadeiras de faz-

de-conta e uma maior desenvoltura motora das crianças para a exploração do

ambiente e dos objetos. Nessa fase já é possível organizar as primeiras rodinhas

para comunicação e representação como, por exemplo, fazer mímicas para imitar

outros seres vivos, além de desenhar, pintar, modelar, ler histórias infantis, ouvir e

cantar algumas músicas. Nessa fase as crianças começam a tomar algumas

decisões por conta própria como escolher alimentos e roupas e, também, se

alimentar e se vestir sozinhas.

Nessa época, as crianças começam a se dar conta das diferenças entre as

coisas mesmas e as suas representações através de desenhos, histórias e etc.. A

interação da criança com o mundo se dá, portanto, no plano da ação e no plano

simbólico, através da fala, do jogo e da imitação. A passagem do plano da ação

Page 4: Ensino de Ciências e Educação Infantil

para o plano da representação se dá através da linguagem. As representações são

condições para as operações mentais. As ações são interiorizadas e reconstruídas

pelas representações. Ao tomar consciência das ações, o sujeito representa o real.

Para isso é importante valorizar o faz de conta, as imitações, os desenhos,

as histórias, a fala, as narrativas e etc. Além disso, a autonomia se constitui através

da responsabilidade em realizar tarefas e em cumprir compromissos com o grupo.

Um espaço importante é o do planejamento coletivo, isto é, das decisões em grupo

sobre as atividades cotidianas.

Dos quatro aos seis anos, é possível investir nas atividades cooperativas

que requerem negociações permanentes. Nesse período começam a se estabelecer

as regras de convivência, sendo o momento privilegiado para o desenvolvimento de

atividades a partir dos temas e metodologias oriundas das diferentes áreas de

conhecimento. Para tanto é importante a observação dos interesses e das

necessidades das crianças, através da oferta de materiais variados e da proposição

de atividades diferentes simultaneamente para que as crianças possam realizar

algumas escolhas. Aqui a atividade simbólica começa a complexificar-se nas

brincadeiras de faz-de-conta e nas dramatizações. Também é possível propor jogos

não competitivos e atividades de leitura e escrita de obras de literatura, de imagens,

de músicas e etc.

É importante considerar que a diferenciação entre o desenho e a escrita

começa a ser construída nessa época. Além disso, a escrita assim como a fala é

aprendida pela exposição a situações comunicativas, por isso é desejável

proporcionar o contato das crianças com diferentes textos escritos na fase pré-

escolar para que percebam as diferenças de estilo entre a linguagem oral e a escrita

e entre os diferentes textos escritos. Para ler, as crianças devem utilizar sua

experiência com o discurso de maneira a desenvolver estratégias que isolem o texto

do contexto de modo a reduzir o número de opções complexas que um texto de

leitura apresenta. Ler, portanto, é lidar com a linguagem como algo em si, como um

meio de expressar significados que são relativamente independentes do contexto

imediato.

Em síntese, na educação infantil, as atividades devem ser planejadas com

o objetivo de atender as necessidades das crianças em suas diferentes fases de

desenvolvimento de modo a contribuir para os processos de construção de sua

autonomia.

Face os princípios da área de ensino de ciências e alguns princípios da

educação infantil podemos pensar em algumas atividades que abordem espe-

Page 5: Ensino de Ciências e Educação Infantil

cificamente temáticas e metodologias da área de ciências naturais.

Algumas possíveis atividades

Objetivando desenvolver a capacidade das crianças de observar a

natureza, expressar suas concepções e registrá-Ias podem ser desenvolvidas

algumas atividades com obras da literatura infantil, músicas, vídeos, além, é claro,

da exploração do ambiente próximo à instituição educativa.

Uma primeira sugestão consiste em apresentar para as crianças um "saco

surpresa" com objetos de diferentes materiais (plástico, papel, tecido, madeira,

metal e etc.) que permitam uma exploração táctil. Primeiramente, as crianças

podem ser instigadas a tentar imaginar ou adivinhar o que tem dentro do saco para,

logo a seguir, serem incentivadas, em um jogo, a tocar o saco por fora para

descobrir o que tem dentro. Nessa atividade, as crianças trabalham com outros

sentidos que não o sentido da visão, predominante nas atividades escolares. Elas

podem sacudir, ouvir os sons produzidos pelos objetos, cheirar e, finalmente, tocar

por dentro do saco com a finalidade de explorar texturas e identificar os objetos. O

grau de certeza sobre os objetos aumenta quando as crianças tocam por dentro do

saco. Isso pode ser discutido com elas.

O saco surpresa pode também ser pensado como metáfora do encontro

entre professora e crianças. Não saber o que existe dentro do saco, o ainda não

dito, desperta o nosso interesse, nos deixa curiosos, excitados, permite soltar a

imaginação, bem como depositar nossas expectativas e também nossos medos lá

dentro. O saco pode, nesse sentido, representar nossas bagagens, nossas

experiências anteriores, nossos conhecimentos e nossos projetos.

Os bichos na literatura e na vida mesmo

Dentro do saco pode ter um bicho de pelúcia ou um fantoche como, por

exemplo, um pato. Esse pode se transformar no "Patinho Feio". Feio ou diferente?

Agora imaginem que uma fada apareceu e transformou cada um de nós em patinho

feio. O que estamos sentindo? Durante essa atividade podemos nos colocar no

lugar de cada personagem: o lugar do "feinho", dos outros patinhos, da mãe, do pai

e da professora do patinho feio e, ao dramatizar as ações, descrever os sentimentos

de cada personagem.

Para enriquecer esse trabalho dramático é importante a realização de

Page 6: Ensino de Ciências e Educação Infantil

algumas investigações prévias. O que os patos comem? Como é a boca / bico dos

patos? Como são as patas? (refletir sobre as adaptações para alimentação e

locomoção) Como são os movimentos na água, no ar e na terra? São rápidos? São

barulhentos? Onde dormem? São ativos durante o dia ou durante a noite? Têm

hábitos diferentes no inverno e no verão? Vamos imitá-los? Como nascem os

filhotes? Quanto tempo acham que demoram para nascer os filhotes depois que a

pata coloca os ovos? Existem cuidados com os filhotes? Andam sozinhos ou em

bandos? Quem são os inimigos? Vocês sabiam que os patos são aves migratórias?

Dentro do saco também pode ter um disco com uma música que conta a

história de um monstro que tem medo de princesas.

O MONSTRO

(Luis Tatit)

Era um monstro filho de uma monstra, desses grandes Deformado mas até que

bonitinho como monstro

É que prá gente, prá gente os padrões são outros Tinha muito pêlo pelo corpo

Umas manchas esverdeadas

Uns caroços, uns buracos

Mas também o que você pode esperar de um monstro Muita sensibilidade, isso que

importa

Criativo, um devorador de livros de estória

Não gostava de princesa, achava todas horrorosas Em compensação com os

monstros,

Como se identificava

E ele achava uma beleza as estórias só de monstros

Mas se pintava uma princesa: "Ai mamãe que medo!

Tire essa princesa.

Ela deve Ter um dente, mãe! TIra!"

Vocês vêem que é um monstro tipo mariquinhas pelo jeito Mas na verdade é a

super proteção da mamãe monstra

É que no fundo, no fundo ele bem que gosta: "Ai mamãe... "

Que medo!

Tire essa princesa,

Page 7: Ensino de Ciências e Educação Infantil

Ela deve ter um dente, mãe! Tira!"

A partir da audição da música, as crianças podem desenhar o monstro e

sua mãe. Imaginar o que ele come? Será que os filhotes de monstros comem as

mesmas coisas que os monstros adultos? Qual o seu tamanho? E que tamanho

tinha quando nasceu? Qual o tamanho dos pais? Ele tem irmãos? Do que ele

brinca? Ele tem cheiro? Ele tem dentes? Ele voa? Ele caminha? Ele se arrasta? Ele

pula? Quem são seus amigos? E seus inimigos? Como ele se defende? Do que ele

gosta? Como é a casa dele? Os monstros vivem sozinhos ou em grupos? Quanto

tempo ele demora para nascer? As crianças também podem montar um monstro de

sucata e tentar construir o ambiente onde ele vive.

A música do monstro permite a continuidade da reflexão iniciada com o

patinho feio. É possível realizar uma discussão sobre padrões estéticos. Quando

dizemos que um animal é bonito ou feio, o comparamos, geralmente, com outros

animais e mobilizamos um conjunto de valores socioculturais, atribuindo

características humanas a esses seres. O que nos faz dizer que um cisne é ma_s

bonito que um pato, que uma princesa é mais bonita que um monstrinho ou, ainda,

que uma borboleta é mais bonita que uma lagarta são convenções e preconceitos

produzidos pela nossa cultura ao longo da história.

Por outro lado, aquela música possibilita desencadear uma atividade de

observação da imensa diversidade dos' seres vivos, através da descrição e registro

das diferentes formas e adaptações para a sobrevivência existentes na natureza. As

questões anteriormente levantadas e as atividades sugeri das para a exploração do

pato e do monstro permitem o estudo de outros animais como borboletas, sapos,

formigas, baratas, galinhas, gatos e etc.. Tais estudos podem principiar pela leitura

de uma obra da literatura infantil como, por exemplo, "Quintino, o girino" ou "O

pintinho do vizinho". As crianças também podem se fantasiar, buscando caracterizar

os animais estudados. Basta um rabo e nasceu o gato. Com uma almofada nas

costas pode ser feito um casco de tartaruga ou uma corcova de camelo. Um pano

longo, como dois lençóis costurados e uma fila de crianças embaixo são suficientes

para inventarmos uma centopéia. Um lençol com um rabo e duas crianças e está

feita a "vaca louca" ou o "bumba meu boi", ou, ainda, uma "cabaninha" ou uma toca.

Uma caixa de papelão grandona é suficiente para montar um ninho de ratinhos ou

de passarinhos.

Nesses estudos dos animais, conforme já foi mencionado, é importante

chamar a atenção das crianças para as estruturas adaptativas dos organismos para

Page 8: Ensino de Ciências e Educação Infantil

alimentação, locomoção, proteção contra a dessecação, estratégias para fuga dos

inimigos ou estratégias para capturar os alimentos, abrigos e etc. Alguns exemplos

dessas adaptações são os diversos tipos de bicos dos pássaros adaptados para

comer pequenos insetos, peixes, grãos e etc.; as mandíbulas fortes dos felinos

adaptadas para hábitos carnívoros; o casco das tartarugas que garantem proteção;

os pequenos vermes que vivem enterrados ou sob as pedras para evitar a perda de

umidade por exposição ao sol; os ovos das aves protegidos por uma casca

resistente para evitar a perda de água, em comparação com a cobertura gelatinosa

dos ovos dos sapos, que são postos dentro da água; as asas das aves adaptadas

para o vôo; as patas de galinhas adaptadas para ciscar; as patas dos patos

adaptadas para o movimento dentro da água e etc.. Podem ainda ser investigadas

as estratégias de atração e aproximação para o acasalamento (estratégias de

corte). Os sapos e os passarinhos, por exemplo, cantam, o pavão exibe as penas

coloridas, algumas mariposas liberam escamas que têm um odor característico e

esse odor é captado por outras mariposas através das antenas. Podem ainda ser

observados e descritos os cuidados com os filhotes. As espécies que constróem

ninhos, aquelas em que os pais buscam alimento para os filhotes, aquelas em que

os filhotes têm uma alimentação específica como o leite e etc.

Do trabalho a partir da música do monstro pode derivar, ainda, um trabalho

de investigação sobre os dinossauros. Aqui, é possível tratar de algumas

informações importantes para as ciências naturais como, por exemplo, o fato de os

dinossauros terem existido muito tempo antes de existirem macacos e seres

humanos, o fato de terem sido extintos, o fato de sabermos de sua existência no

passado através dos fósseis e etc.. As crianças podem ser instigadas a fazer

investigações através de questões do tipo: Como as pessoas souberam que os

dinossauros eram assim? O que pensamos, o que queremos saber, o que estamos

descobrindo?

O trabalho com animais pode aproveitar imagens de documentários, de

livros e revistas com a finalidade de caracterizar com as crianças as populações de

animais e plantas de regiões contrastantes em termos de clima. Quem são os

habitantes das regiões geladas? Pingüins, lobos e leões marinhos, no extremo sul

do planeta, e focas e ursos no extremo norte. Quais são suas adaptações para viver

em lugares tão frios? Os lobos, os leões e as focas apresentam um couro espesso e

uma camada grossa de gordura, os pingüins também têm uma camada de gordura

sob a pele e outra sobre as penas, os ursos além de também serem gordos e

apresentarem pelos fartos, têm o hábito de hibernar, durante o inverno rigoroso,

Page 9: Ensino de Ciências e Educação Infantil

diminuindo a necessidade de alimentos (que são mais raros no inverno). De outra

parte, nas regiões muito secas, como o sertão brasileiro e alguns desertos

africanos, encontramos plantas retorcidas com poucas folhas ou com folhas

transformadas em espinhos para evitar a perda de água por evaporação através da

superfície foliar e reservas de água e nutrientes nos caules, como no caso dos

cactos. Os animais encontrados nessas regiões como pequenos roedores e lagartos

vivem enterrados, para diminuir o tempo de exposição ao sol e a perda de água.

Podem também ser feitos passeios para observar pequenos animais no

pátio ou em terrenos baldios ou ainda em granjas ou chácaras próximas. Nesse

momento é importante incentivar as crianças a observar e interagir com os animais,

sempre com cuidado para não expor as crianças a nenhum risco e, também,

tratando os animais com muito respeito, sem machucá-Ios ou estressá-los

desnecessariamente. Alguns animais podem ser tocados para que as crianças

experimentem as diferentes texturas de pelos e penas por exemplo. Podem ser

observados os insetos que voam sobre as flores, sendo feitas observações em

diferentes horários, como pela manhã, bem cedinho, e em um horário próximo ao

meio dia para que as crianças façam comparações quanto à quantidade de insetos

em cada um desses horários. As crianças também podem ser incentivadas a prestar

atenção nos sons dos animais nos diferentes momentos do dia. Ao amanhecer,

ouvimos o canto dos pássaros, próximo do meio dia, o som das cigarras e, ao

entardecer, o som de grilos e sapos. Podem também prestar atenção nos insetos

que são atraídos, à noite, pelas lâmpadas. Depois desses passeios e dessas

observações, as crianças podem construir jogos envolvendo as informações como

"trilhas", por exemplo, inventar histórias sobre os bichos estudados, confeccionar

animais gigantes com sucata, cantar e inventar músicas para esses animais.

Escrever recados e bilhetes para o personagem inventado e etc.

Observando o céu

Nas incursões pelos pátios e jardins é possível chamar atenção para as

diferentes posições do sol. As crianças podem fazer medidas do tamanho de suas

sombras, com pedaços de barbante, nó início da manhã, ou no fim da tarde e em

um horário próximo ao meio dia. Podem também fazer medidas das sombras de

objetos como um mastro ou um prédio. Essas medidas podem ser feitas contando-

se os passos. Todas essas medidas precisam ser registradas por elas através de

desenhos e de informações escritas para depois serem lembradas e comparadas. É

Page 10: Ensino de Ciências e Educação Infantil

possível fazer observações, desenhos e pinturas dos diferentes tipos e cores de

nuvens e aproveitar para ouvir as hipóteses das crianças sobre a formação dos

ventos e das chuvas. Além disso, as crianças podem ser questionadas sobre o que

produz os dias e as noites e sobre onde está o sol quando anoitece ou em dias

nublados e chuvosos. As crianças podem, ainda, ser incentivadas a observar as

diferentes formas/fases da lua, seus diferentes tamanhos e posições no céu.

Geralmente as crianças se fazem muitas perguntas sobre esses temas e é

importante criar situações para que elas possam expressar suas hipóteses e

experimentar algumas problematizações sobre elas.

Por dentro do corpo

Um outro trabalho importante de ser desenvolvido, na pré-escola, é o de

exploração e conhecimento do corpo. As crianças podem fazer medidas umas das

outras, entrevistar os pais para saber o tamanho que tinham quando nasceram e

comparar esses dois tamanhos. Podem também fazer medidas dos irmãos e dos

pais para tentar fazer estimativas sobre o tamanho que terão quando forem adultas.

Podem ainda aproveitar para medir outros seres, como o gato por exemplo, ou

pequenas plantinhas que estejam cultivando na escola. Podem ainda fazer o

contorno do pé e da mão e compará-Ios com o contorno dos pés e das mãos de

outras pessoas.

Também é importante que as crianças toquem o próprio corpo para des-

cobrir as costelas, os ossinhos da mão e do pé, os ossos do nariz e da face, o

crânio, as vértebras no pescoço e nas costas, os omoplatas, nas costas, o lu-

garzinho do estômago, sentir a pulsação do coração, no coração, no pulso e no

pescoço, antes e depois de uma corrida, prestar atenção em outras transformações

do corpo, depois da corrida, como o vermelho do rosto, o suor e a sede. As

crianças, nesse momento, podem ser levadas a refletir sobre os porquês dessas

reações do corpo.

Na hora do lanche também podem ser levadas a pensar sobre a origem

dos alimentos: o leite vem das vacas, o arroz, o feijão e o amendoim são sementes,

a cenoura é uma raiz, muitas farinhas também são feitas de sementes moídas, a

carne corresponde à musculatura dos animais e assim por diante. É importante

pensar e representar o caminho dos alimentos dentro do corpo, bem como as

transformações desse alimento, durante o processo de digestão. Depois, é possível

Page 11: Ensino de Ciências e Educação Infantil

imaginar que todas as crianças engoliram uma "pílula do tamanho" e que foram

fazer uma viagem por dentro do corpo de alguém. O que viram, durante a viagem?

É possível representar as imagens internas em um papel pardo em que

seja feito o contorno do corpo de uma das crianças. As partes internas do corpo

também podem ser feitas com massinha de modelar ou com argila, tentando-se

imaginar o tamanho e a sobreposição dos órgãos internos.

Nesse trabalho com o corpo, as crianças a partir da história infantil "Tum

tum tum" que trata dos sons do corpo podem gravar a própria voz para depois ouvi-

Ia. Podem cantar, podem produzir um anúncio publicitário, podem imitar sons de

animais e etc. Todas essas atividades de observação do próprio corpo são

fundamentais para que as crianças reflitam sobre o funcionamento e os cuidados

necessários com o corpo, além de contribuir para trabalhos de reflexão sobre

identidade.

As jóias do lixo

Na área de ciências, uma outra temática importante de ser trabalhada,

desde a pré-escola, é a (ia reciclagem de lixo. As crianças podem, a partir de

materiais secos e limpos, como caixas, sacos, frascos e etc.. ser convidadas a

formar grupos com esses materiais. Nesse trabalho de classificação costumam

aparecer critérios diferentes daqueles que nós adultos utilizamos como, por

exemplo, os materiais que servem para brincar de farmácia, de supermercado, de

casinha e etc.. As crianças podem principiar explorando esses materiais para

confeccionar brinquedos. Em outro momento, podem fazer experimentos verificando

que tipos de materiais se desmancham, se decompõem, e quais não, colocando

diferentes materiais do lixo dentro de vidros fechados e etiquetados com o nome e a

data do que foi ali colocado. As crianças poderão verificar que folhas de alface,

pedaços de cenoura, cascas de mamão e etc. passam por muitas transformações

durante seu processo de decomposição, enquanto que plásticos, vidros, metais e

papéis não se decompõem quando colocados dentro de vidros fechados. Podem

ser feitas observações e registros semanais dessas transformações. Paralelamente,

no pátio, podem ser enterrados os mesmos materiais, sendo identificados os locais

por plaquinhas. Através desse experimento paralelo, as crianças poderão comparar

as velocidades de decomposição dos materiais, dentro dos vidros fechados e dos

materiais enterrados.

Em outra ocasião, pode ser discutido com as crianças, o fato de alguns

materiais levarem muito tempo para se decompor ou não se decomporem nunca,

Page 12: Ensino de Ciências e Educação Infantil

sendo, portanto, necessária a ocupação de uma área muito grande para depositar

esse lixo que não se desmancha. Por essa razão é fundamental que utilizemos os

materiais com parcimônia, uma vez que não temos muitos lugares disponíveis para

colocar todo o lixo que produzimos ao descartar embalagens que não se

decompõem ou que levam muito tempo para fazê-Io. As crianças podem separar o

lixo orgânico (restos de comida) e o lixo seco (papéis, vidros, latas e plásticos

limpos) e construir uma composteira no pátio, um monte de material orgânico

coberto com terra e areia para formar adubo. Também é possível propor que façam

entrevistas com o pessoal da limpeza pública, perguntando para onde vai o lixo,

quem trabalha nesse lugar, o que é feito com o lixo. Em Porto Alegre e, em outros

municípios, que têm algum sistema de reciclagem, é possível visitar as unidades de

reciclagem e os aterros sanitários com as crianças. Visitas a lixões, por outro lado,

não são recomendáveis pelos odores desprendidos durante os processos de

decomposição a céu aberto.

Um outro trabalho interessante a ser feito é o de investigação sobre a

origem dos materiais que são postos no lixo. Os vidros são produzidos pela

fundição de areia, os plásticos a partir de petróleo, as latas a partir de minério de

ferro ou de bauxita, os papéis a partir de árvores. Essa investigação nos leva a

pensar na destruição produzida em áreas naturais para extração dessa matéria-

prima e na destruição das condições de vida dos seres vivos que habitam esses

locais. Por exemplo, ao extrair a areia, muitos animais que vivem enterrados, como

siris, por exemplo, são mortos, além de ser produzida uma alteração da paisagem

do litoral que pode produzir inundações e ventanias, pela ausência de dunas que

funcionam como "quebra-ventos" e como contenedores das águas. As matas que

são devastadas para produção de papel ou durante as escavações para obtenção

de minérios e etc.

Considerações finais

O ensino de ciências na educação infantil propicia a interação com diferen-

tes materiais, a observação e o registro de muitos fenômenos, a elaboração de

explicações, enfim a construção de conhecimentos e de valores pelas crianças.

Essa área, entretanto, precisa tomar parte nas atividades de outras áreas como a

linguagem, os estudos sociais a matemática, as artes plásticas, o teatro e a música.

Na educação infantil é fundamental superar as fragmentações do conhecimento e

buscar articulá-lo através de atividades lúdicas e instigantes.

Page 13: Ensino de Ciências e Educação Infantil

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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