1. Este Dicionrio de Poltica destinado ao leitor
no-especialista, ao homem culto, aos estudantes de segundo grau e
nvel superior, e a todos os que lem revistas e jornais polticos,
aos que ouvem conferncias e discursos, aos que participam de
comcios ou que assistem a debates na televiso, dirigidos por
especialistas ou por polticos profissionais. Oferece uma explicao e
uma interpretao simples e possivelmente exaustiva dos principais
conceitos que fazem parte do universo do discurso poltico, expondo
sua evoluo histrica, analisando sua utilizao atual e fazendo
referncia aos conceitos afins ou contrastivamente antitticos,
indicando autores e obras a eles diretamente ligados. So mais de
1.300 pginas, agrupadas em dois volumes para facilitar sua
consulta, atravs de verbetes, ordenados alfabeticamente e
esquematizados de modo a informar, conceituar e debater os
principais aspectos de cada problema versado. Seus autores so
cientistas polticos de conceito acadmico reconhecido mundialmente e
que contaram com a colaborao de uma equipe de especialistas em
questes polticas, sociolgicas, histricas, jurdicas e econmicas,
oriundos das universidades de Turim, Florena, Bolonha, Pdua, Pavia
e Roma. H tambm colaboradores de Bonn, Massachusetts-Amherst e
Ohio.
2. DICIONRIO DE POLTICA VOL. 1
3. FUNDAO UNIVERSIDADE DE BRASLIA Reitor Lauro Morhy
Vice-Reitor Timothy Martin Mulholland EDITORA UNIVERSIDADE DE
BRASLIA Diretor Alexandre Lima CONSELHO EDITORIAL Presidente
Emanuel Arajo Alexandre Lima lvaro Tamayo Aryon Dall'Igna Rodrigues
Dourimar Nunes de Moura Emanuel Arajo Euridice Carvalho de Sardinha
Ferro Lcio Benedito Reno Salomon Mareei Auguste Dardenne Sylvia
Ficher Vilma de Mendona Figueiredo Volnei Garrafa
4. VOL. I NORBERTO BOBBIO, NICOLA MATTEUCCI E GIANFRANCO
PASQUINO 11 edio Traduo Carmen C. Varriale, Gaetano Lo Mnaco, Joo
Ferreira, Lus Guerreiro Pinto Cacais e Renzo Dini Coordenao da
traduo Joo Ferreira Reviso geral o Ferreira e Lus Guerreiro Pinto
Cacais
5. Direitos exclusivos para esta edio: EDITORA UNIVERSIDADE DE
BRASLIA SCS Q.02 Bloco C Ne 78 Ed. OK 2 andar 70300-500 Braslia DF
Tel.: (061) 226-6874 ramal 30 Fax: (061) 225-5611 Ttulo original:
Dizionario di poltica Copyright 1983 by UTET (Unione Tipogrfico
Editrice Torinese) Todos os direitos reservados. Nenhuma parte
desta publicao poder ser armazenada ou reproduzida por qualquer
meio sem a autorizao por escrito da Editora. Impresso no Brasil
EDITORES CONTROLADORES DE TEXTO Lcio REINER WNIA ARAGO C. RIGUEIRA
CLIA LADEIRA MARIA HELENA DE A. MIRANDA THELMA ROSANE P. DE SOUZA
WILMA G. ROSAS SALTARELLI REVISORES FTIMA APARECIDA PEREIRA LURDES
DO NASCIMENTO FTIMA DE CARVALHO RENATO A. COLOMBO JNIOR MARIA DEL
PUY HELINCER REGINA COELI A. MARQUES FTIMA REJANE DE MENESES NDICE
SUPERVISO GRFICA ELMANO RODRIGUES PINHEIRO CAPA MARCELO TERRAZA
ISBN: OBRA COMPLETA: 85-230-0308-8 VOLUME 1: 85-230-0309-6 Dados de
catalogao na publicao (CIP) internacional Cmara Brasileira do Livro
- SP/Brasil Bobbio, Norberto, 1909Dicionrio de poltica I Norberto
Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino; trad. Carmen C,
Varriale et ai.; coord. trad. Joo Ferreira; rev. geral Joo Ferreira
e Luis Guerreiro Pinto Cacais. - Braslia : Editora Universidade de
Braslia, 1 la ed., 1998. Vol. 1: 674 p. (total: 1.330 p.) Vrios
Colaboradores. Obra em 2v. 1. Poltica - Dicionrios 1. Matteucci,
Nicola II. Pasquino, Gianfranco III. Ttulo. 91-0636 CDD 320.03
ndice para catlogo sistemtico: 1. Dicionrios: Poltica 320.03 2.
Poltica: Dicionrios 320.03
6. ELENCO DE AUTORES A. Maria Conti Odorisio, Universidade de
Roma A. Maria Gentili, Universidade de Bolonha Alberto Marradi,
Universidade de Bolonha Aldo Agosti, Universidade de Turim Aldo
Maffey, Roma Alessandro Cavalli, Universidade de Pavia Alessandro
Passerin D'Entreves, Universidade de Turim Alfio Mastropaolo,
Universidade de Turim ngelo Panebianco, Universidade de Bolonha
Anna Anfossi, Universidade de Turim Anna Oppo, Universidade de
Cagliari Arturo C. Jemolo, outrora da Universidade de Roma Arturo
Colombo, Universidade de Pavia Bruno Bongiovanni, Universidade de
Turim Camillo Brezzi, Universidade de Arezzo Cario Baldi,
Universidade de Bolonha Cario Guarnieri, Universidade de Bolonha
Cario Leopoldo Ottino, Turim Cario Marletti, Universidade de Turim
Carlos Barb, Universidade de Turim Cassio Ortegati, Pavia Cesare
Pianciola, Turim Cludio Cesa, Universidade de Sena Cludio Zanghi,
Universidade de Messina Cristina Marchiaro Cercho, Turim Danilo
Zolo, Universidade de Sassari Domenico Barillaro, outrora da
Universidade de Roma Domenico Fisichella, Universidade de Roma
Domenico Settembrini, Universidade de Pisa Edda Saccomani Salvador,
Universidade de Turim Edoardo Grendi, Universidade de Gnova
Emanuele Marotta, Como Emile Poulat, Centro Nacional de Pesquisa
Cientfica, Paris Enrica Collotti Pischel, Universidade de Bolonha
Ernesto Molinari, Universidade de Bolonha Ettore Rotelli,
Universidade'de Bolonha Fbio Roversi-Monaco, Universidade de
Bolonha Fabrizio Bencini, Florena Felix E. Oppenheim, Universidade
de Massachusetts/ Amherst Francesco Margiotta Broglio, Universidade
de Florena Francesco Rossolillo, Universidade de Pavia Franco
Garelli, Universidade de Turim Franco Mosconi, Universidade de
Pavia Fulvio Attin, Universidade de Catnia Giacomo Sani,
Universidade de Columbia, Ohio Giampaolo Zucchini, Universidade de
Bolonha Gian Enrico Rusconi, Universidade de Turim Gian Mario
Bravo, Universidade de Turim Gianfranco Pasquino, Universidade de
Bolonha Gianni Baget Bozzo, Gnova Gianni Vattimo, Universidade de
Turim Giorgio Bianchi, Turim Giorgio Freddi, Universidade de
Bolonha Giorgio Pastori, Universidade Catlica de Milo Giovanna
Zincone, Universidade de Turim Giuliano Martignetti, Turim Giuliano
Pontara, Universidade de Estocolmo Giuliano Urbani, Universidade
Bocconi de Milo Giuseppe Badeschi, Universidade de Roma Giuseppe De
Vergottini, Universidade de Bolonha Giuseppe Ricuperati,
Universidade de Turim Gladio Gemma, Universidade de Mdena Glria
Regonini, Universidade de Milo Guido Fass, outrora da Universidade
de Bolonha Guido Verrucci, Universidade de Salerno Gustavo Gozzi,
Universidade de Bolonha Ida Regalia, Universidade de Milo talo de
Sandre, Universidade de Pdua Jean Gaudemet, Universidade de Paris
(II) Jean-Marie Mayer, Universidade de Sorbonne, Paris Karl D.
Bracher, Universidade de Bonn Laura Conti, Milo Leonardo Morlino,
Universidade de Florena Liliana Ferrari, Universidade de Trieste
Lorenzo Bedeschi, Universidade de Turim Lorenzo Fischer,
Universidade de Turim Lisa Foa, Roma Luciano Bonet, Universidade de
Turim Lcio Levi, Universidade de Turim Ludovico Incisa, Roma Luigi
Bonanate, Universidade de Turim Luigi Salvatorelli, outrora da
Universidade de Turim Mabel Olivieri Barb, Universidade de Turim
Marco Cammelli, Universidade de Mdena Marino Regini, Universidade
de Milo Mrio Stoppino, Universidade de Pavia Massimo Follis,
Universidade de Turim Massimo Jasonni, Universidade de Bolonha
Marulio Guasco, Universidade de Verona Maurizio Cotta, Universidade
de Sena Mauro Ambrosoli, Universidade de Turim Mirella Larizza,
Universidade de Turim Nicola Matteucci, Universidade de Bolonha
Nicola Tranfaglia, Universidade de Turim Nino Olivetti Rason,
Universidade de Pdua Norberto Bobbio, Universidade de Turim Orazio
M. Petracca, Universidade de Salerno Paolo Ceri, Universidade de
Turim Paolo Colliva, Universidade de Bolonha Paolo Farneti, outrora
da Universidade de Turim Paulo Menzozzi, Universidade de Bolonha
Pier Paolo Giglioli, Universidade de Milo Pirangelo Schiera,
Universidade de Trento Piero Ostellino, Milo Roberto Bonini,
Universidade de Bolonha Roberto D'Alimonte, Universidade de Florena
Saffo Testoni Binetti, Universidade de Bolonha Sandro.Ortona, Turim
Srgio Bova, Universidade de Turim Srgio Pistone, Universidade de
Turim Srgio Ricossa, Universidade de Turim Srgio Scamuzzi,
Universidade de Turim Silvano Belligni, Universidade de Turim
Silvio Ferrari, Universidade de Parma Siro Lombardini, Universidade
de Turim Stefano Bartolini, Universidade de Florena Tiziano
Bonazzi, Universidade de Bolonha Tiziano Treu, Universidade de
Pavia Umberto Gori, Universidade de Florena Valrio Zanone, Roma
Vincenzo Cesareo, Universidade Catlica de Milo Vincenzo Lippolis,
Universidade de Roma
7. INTRODUO A poltica notoriamente ambgua. A maior parte dos
termos usados no discurso poltico tem significados diversos. Esta
variedade depende, tanto do fato de muitos termos terem passado por
longa srie de mutaes histricas alguns termos fundamentais, tais
como "democracia", "aristocracia", "dspota" e "poltica", foram-nos
legados por escritores gregos , como da circunstncia de no existir
at hoje uma cincia poltica to rigorosa que tenha conseguido
determinar e impor, de modo unvoco e universalmente aceito, o
significado dos termos habitualmente mais utilizados. A maior parte
destes termos derivada da linguagem comum e conserva a fluidez e a
incerteza dos confins. Da mesma forma, os termos que adquiriram um
significado tcnico atravs da elaborao daqueles que usam a linguagem
poltica para fins tericos esto entrando continuamente na linguagem
da luta poltica do dia-a-dia, que por sua vez combatida, no o
esqueamos, em grande parte com a arma da palavra, e sofrem variaes
e transposies de sentido, intencionais e no-intencionais, muitas
vezes relevantes. Na linguagem da luta poltica quotidiana, palavras
que so tcnicas desde a origem ou desde tempos imemoriais, como
"oligarquia", "tirania", "ditadura" e "democracia", so usadas como
termos da linguagem comum e por isso de modo nounvoco. Palavras com
sentido mais propriamente tcnico, como so todos os "ismos" em que
rica a linguagem poltica "socialismo", "comunismo", "facismo",
peronismo", "marxismo", "leninismo", stalinismo", etc. , indicam
fenmenos histricos to complexos e elaboraes doutrinais to
controvertidas que no deixam de ser suscetveis das mais diferentes
interpretaes. Pois bem: o escopo deste dicionrio o de oferecer a um
leitor no-especialista, ao homem culto e aos estudantes de segundo
grau e nvel superior, e a todos os que lem revistas e jornais
polticos, aos que ouvem conferncias e discursos, aos que participam
de comcios ou que assistem a debates na televiso, dirigidos por
especialistas ou por polticos LINGUAGEM profissionais, uma explicao
e uma interpretao simples e possivelmente exaustiva dos principais
conceitos que fazem parte do universo do discurso poltico, expondo
sua evoluo histrica, analisando sua utilizao atual e fazendo
referncia aos conceitos afins ou contrastivamente antitticos,
indicando autores e obras a eles diretamente ligados. Como o
universo da linguagem poltica no um universo fechado e comunica com
os universos contguos, como so o da economia, da sociologia e do
direito, haver tambm neste dicionrio palavras do vocabulrio
econmico, como "capitalismo", ou sociolgico, como "classe", ou
jurdico, como "codificao". O leitor no deve procurar aqui, para
esses termos, um tratamento completo como o que acharia em
dicionrios de economia, de sociologia ou de direito, pela simples
razo de haver apenas o intuito de as incluir e de as tratar no que
tange aos aspectos polticos mais especficos do conceito. No mais,
diferentemente de outras cincias que tm uma tradio mais longa e uma
autonomia reconhecida e respeitada, a cincia poltica, apesar de
antiga, no alcanou ainda uma autonomia completa. Por esse motivo,
tanto os socilogos, como os juristas, os economistas e os
historiadores sempre ofereceram a ela importantes contribuies, O
leitor no dever surpreender-se, por conseguinte, que para a redao
de alguns verbetes deste dicionrio tenham sido convidados, alm de
cientistas polticos propriamente ditos, tambm socilogos, juristas,
economistas e historiadores. possvel que a diferenciada provenincia
dos autores de cada verbete repercuta numa certa desigualdade ou
diferenciao de estilo e at de linguagem. Trata-se porm de um
inconveniente inevitvel no estado atual do desenvolvimento dos
estudos polticos. Nenhum termo da linguagem poltica ideologicamente
neutro. Cada um deles pode ser usado como base na orientao poltica
do usurio para gerar reaes emocionais, para obter aprovao ou
desaprovao de um certo comportamento, para
8. VI INTRODUO provocar, enfim, consenso ou dissenso. Apesar do
esforo em se evitar o uso da linguagem prescritiva, a presuno do
dever ser, e apesar de se haver preferido a descrio dos diversos
significados ideolgicos em que um termo usado imposio de um deles,
ou seja, apesar de se ter procurado falar da maneira mais neutral
possvel de termos que em si mesmos nunca so neutros, no se pode
excluir que os autores dos verbetes, sobretudo daqueles em cujo
contedo mais se agitam e mais so agitadas as paixes partidrias,
tenham deixado transparecer suas simpatias ou antipatias. A
impassibilidade uma virtude difcil. E quando levada at suas
extremas conseqncias do desapego ou da indiferena no nem sequer uma
virtude. Como todos os dicionrios, tambm este, que teve de
enfrentar matria acidentada e de contornos confusos, sem ter o
respaldo de uma tradio consolidada de empresas anlogas, no pode
deixar de ter suas lacunas. A ausncia de palavras da gria poltica
quotidiana intencional. Algumas lacunas so aparentes, uma vez que,
para no multiplicar inutilmente o nmero de verbetes, reuniram-se
matrias afins dentro de um verbete idntico. Para identific-las,
bastar que o leitor use o ndice analtico. Outras lacunas dependem
certamente de esquecimento: e ao mesmo tempo que pedimos desculpa
disso, desejaramos ter leitores to interessados que tomassem
conscincia delas e nos transmitissem suas observaes.
9. Absolutismo. I. O ABSOLUTISMO COMO FORMA ESPECFICA DE
ORGANIZAO DO PODER. Surgido talvez no sculo XVIII, mas difundido na
primeira metade do sculo XIX, para indicar nos crculos liberais os
aspectos negativos do poder monrquico ilimitado e pleno, o
termo-conceito Absolutismo espalhou-se desde esse tempo em todas as
linguagens tcnicas europias para indicar, sob a aparncia de um
fenmeno nico ou pelo menos unitrio, espcies de fatos ou categorias
diversas da experincia poltica, ora (e em medida predominante) com
explcita ou implcita condenao dos mtodos de Governo autoritrio em
defesa dos princpios liberais, ora, e bem ao contrrio (com
resultados qualitativa e at quantitativamente eficazes), com ares
de demonstrao da inelutabilidade e da convenincia se no da
necessidade do sistema monocrtico e centralizado para o bom
funcionamento de uma unidade poltica moderna. A fora polmica do
termo, presente desde sua apario e nunca abafado pela sua
contraditria difuso, acelerou e acentuou por uma parte o sucesso,
mas tambm proporcionou vrios equvocos sobre sua essncia, tornando
de uma certa maneira problemtica a utilizao dentro de margens
rigorosamente suficientes para garantir a cientifcidade requerida
pela prpria pesquisa historiogrfica. A primeira generalizao a que
inevitavelmente se chegou foi a de identificar o conceito de
Absolutismo com o de "poder ilimitado e arbitrrio". Se esta era a
provvel origem do significado do termo, tambm evidente que se
tratava de uma acepo indubitavelmente til no plano do debate
poltico e ideolgico mas inteiramente estril para fins de pesquisa
histrico-poltica e constitucional, desde o momento em que nada
acrescentava em termos de distino e especificao no seio de um
fenmeno genrico em si e meta-histrico como o do poder. Daqui veio a
dupla tendncia em ligar estritamente o conceito em questo com uma
perspectiva eminentemente tipolgica e estrutural, confundindo-o ou
assimilando-o com outro conceito, bem mais definido no plano lgico
e dos contedos, que o de "tirano"; ou ento reduzi-lo a sinnimo da
mais precisa especificao histrica do Governo arbitrrio que o
"despotismo", com seus insubstituveis elementos mgico-sagrados e
sua absoluta falta de referncias jurdicas, em sentido ocidental. Em
ambos os casos, mas sobretudo no segundo (no qual mesmo no plano
lingstico foi onde se criaram os maiores equvocos, com a utilizao,
ainda no inteiramente superada, dos dois termos como sinnimos nas
principais lnguas europias), houve uma conseqncia posterior:
projetar o Absolutismo na dimenso, eminentemente contempornea, do
"totalitarismo". evidente que se trata, em todo o caso, de um
conceito artificial. Tanto nos seus significados polmicos como nos
diferentes significados que lhe so atribudos, toda a definio de
Absolutismo no pode deixar de parecer "externa", convencional e
relativa, passvel, portanto, de ser avaliada s em funo do grau de
clareza que pode introduzir na compreenso no plano histrico e, como
conseqncia, tambm no categorial de um aspecto imprescindvel da
experincia poltica, que o poder. No se pode prescindir, portanto,
se quisermos aprofundar este aspecto, da sria tentativa de
relacionar o Absolutismo com uma forma especfica de organizao do
poder, caracterstica em relao a outras. Tal especificidade podemos
verific-la particularmente no plano histrico, referida a uma
determinada forma histrica de organizao do poder. A perspectiva que
da resulta , portanto, em primeirssimo lugar,
histrico-constitucional. Em sua essncia, os parmetros
classificatrios mais bvios e rentveis parece serem os que esto
ligados ao espao cultural do Ocidente europeu, no perodo histrico
da Idade Moderna e na forma institucional do Estado moderno. A
primeira limitao serve, antes de tudo, para manter as distncias da
experincia oriental e eslava do despotismo cesaropapista. A
segunda
10. 2 ABSOLUTISMO serve para diferenciar a organizao
"absolutista" do poder do sistema poltico feudal anterior e da
antiga SOCIEDADE POR CAMADAS (V.). A terceira, finalmente, serve
para lembrar os contornos concretos que o Absolutismo assumiu como
"forma" histrica de poder. II. A SOBERANIA. De um ponto de vista
descritivo, podemos partir da definio de Absolutismo como aquela
forma de Governo em que o detentor do poder exerce este ltimo sem
dependncia ou controle de outros poderes, superiores ou inferiores.
Inteiramente diferente seria defini-lo como "sistema poltico em que
a autoridade soberana no tem limites constitucionais", ou apenas
"sistema poltico que se concretiza juridicamente atravs de uma
forma de Estado em que toda a autoridade (poder legislativo e
executivo) existe, sem limites nem controles, nas mos de uma nica
pessoa". O problema decisivo o dos limites: a respeito dele, o
Absolutismo se diferencia de forma clara da tirania, por uma parte,
e do despotismo cesaropapista, por outra. Em primeiro lugar, na
verdade, a reduo, vlida, embora elementar, do princpio de fundo do
Absolutismo frmula legibus solutus, referida ao prncipe, implica
autonomia apenas de qualquer limite legal externo, inclusive das
normas postas pela lei natural ou pela lei divina; e tambm, a maior
parte das vezes, das "leis fundamentais" do reino. Trata-se,
portanto, mesmo em suas teorizaes mais radicais, de um Absolutismo
relativo gesto do poder, o qual, por sua vez, gera limites
internos, especialmente constitucionais, em relao aos valores e s
crenas da poca. O Absolutismo no portanto uma tirania.
Secundariamente, aqueles limites, em particular os dois primeiros,
embora sejam de natureza religiosa ou sacra, so apenas limites:
desempenham um papel negativo, mas no representam a substncia do
Absolutismo ou o seu contedo. Representam apenas o imprescindvel
termo de confronto, o limite que no possvel ultrapassar em relao
tirania. Assim, o Absolutismo totalmente diferente do despotismo, o
qual, ao contrrio, acha nos elementos mgicos, sagrados e religiosos
a prpria identificao positiva, a prpria legitimao ltima. Trata-se
ento de um regime poltico constitucional (no sentido de que seu
funcionamento est sujeito a limites e regras preestabelecidas), no
arbitrrio (enquanto a vontade do monarca no ilimitada) e sobretudo
de tradies seculares e profanas. Com tais caractersticas, a colocao
espacial e cultural, cronolgica e institucional do Absolutismo
adquire maior crdito e significado. Dando convencionalmente por
descontado o trmino final do Absolutismo na Revoluo Francesa (mesmo
ficando de p o problema da sobrevivncia de elementos absolutistas
em diversos pases da Europa continental), as opinies so
necessariamente contrastantes quanto ao seu incio. Presente, em
condies mais ou menos evoludas aps o estdio de desenvolvimento das
diversas monarquias "nacionais" europias, j na fase de transio do
sistema feudal para o Estado moderno, concomitante com a afirmao
deste ltimo que o regime absolutista se afirma plena e
conscientemente tanto no plano prtico quanto no plano terico. A
parte, portanto, a necessidade de investigar as origens e as
antecipaes at ao sculo XIII, podemos talvez razoavelmente
atribuir-lhe como idade peculiar, se no exclusiva, a que vai do
sculo XVI ao sculo XVIII. Entretanto, mais complicado seria tentar
fixar, dentro destes limites, seu desenvolvimento homogneo nas
diversas experincias polticas europias, onde, ao contrrio, ele se
apresentou em tempos e modos diferenciados, dando lugar a no poucos
e importantes problemas de recepo ou de influncias a partir de
vrias experincias. Basta pensar nas enormes diferenas existentes
entre o Absolutismo ingls, francs e alemo. Falta dizer, enfim, algo
sobre o risco conexo com uma excessiva identificao do Absolutismo
com a forma histrica ocidental moderna do Estado. Em primeiro
lugar, porque sempre existiram ilustres exemplos de organizao
estatal moderna no Ocidente inteiramente distantes da hiptese
absolutista. Em segundo lugar, porque esta apenas uma hiptese que
foi freqentemente realizada de uma maneira completa, mas nunca a
ponto de excluir outras hipteses e orientaes, opostas ou
contraditrias, de cuja dialtica derivou boa parte do posterior
desenvolvimento constitucional. Se, portanto, na sua primeira fase,
o Estado ocidental moderno foi, antes de mais nada, um Estado
absoluto, ele no foi s isso e o Absolutismo foi apenas nele um
componente essencial, juntamente com outros. Foi um elemento
caracterstico mas no exclusivo das constituies ocidentais, podendo
ser reduzido, em sua essncia, a dois princpios fundamentais, o da
secularizao e o da racionalizao da poltica e do poder. De tal
processo, o Absolutismo representou certamente, no plano terico e
prtico, uma das contribuies mais eficazes do esprito europeu e
merece ser estudado debaixo desta luz. III. ASPECTO
JURDICO-INSTITUCIONAL. Se esta hiptese verdadeira, o Absolutismo
apresenta-senos em sua forma plena como a concluso de uma longa
evoluo, a qual, atravs da indis-
11. ABSOLUTISMO pensvel mediao do cristianismo como doutrina e
da Igreja romana como instituio poltica universal, conduz, desde as
origens mgicas do poder, at a sua fundao em termos de
racionabilidade e eficincia. Este fato perfeitamente testemunhado
pela evoluo sofrida pelo princpio de legitimao monrquica da antiga
investidura, transmitida monarquia de direito divino atravs da graa
divina, e tambm o princpio monrquico constitucional do sculo XIX.
Tal evoluo vai de uma justificao perfeitamente religiosa, embora
cada vez menos mgica, do poder, at o tipo herico e classista, que
podemos individualizar entre 1460-1470 e 1760-1770, caracterizada
por uma feio ideolgica e propagandstica de tipo mitolgico em relao
figura do prncipe, at alcanar uma postura eminentemente jurdica e
racional em relao aos fins. A amplitude da parbola dentro da qual o
Absolutismo se coloca permite atribuir um significado menos
superficial sua raiz etimolgica. O conceito de legibus solutus
denuncia imediatamente que o terreno sobre o qual se sediou desde o
fim da Idade Mdia a obrigao poltica no Ocidente foi jurdico. Nesse
mbito, todavia, em que dominava a tradio romana, tida como viva e
interpretada pela Igreja, se verificou, no incio da Idade Moderna,
uma brecha revolucionria, na medida em que a independncia das leis
se torna bem depressa o emblema dos novos princpios territoriais
que aspiravam conquista e consolidao de uma posio de autonomia, em
contraste com as pretenses hegemnicas imperiais e papais de uma
parte e com os senhores locais de outra. No fundo, este desencontro
refletia porm uma mudana cultural importante, tornada possvel e
incrementada pela descoberta do direito romano e pela imensa obra
de modernizao e interpretao levada a cabo pelos juristas leigos e
eclesisticos, pelas escolas e pelas orientaes que se sucederam em
toda a Europa at o sculo XVII. Trata-se da progressiva contestao do
"bom direito antigo", do simples e indemonstrado apelo a "Deus e ao
direito", da concepo de natureza evidentemente sacra do direito
"achado" pelo prncipe-sacerdote na grande massa das normas,
consuetudinrias, naturais e divinas, existentes desde tempos
imemoriais. Em seu lugar afirma-se a idia de um direito "criado"
pelo prncipe, segundo as necessidades dos tempos e baseado em
tcnicas mais modernas. Um direito concreto, adequado a seus fins,
mas tambm mutvel, no vinculado, ao qual o prncipe que o criou pode
subtrair-se em qualquer caso. na base deste direito que o prncipe
proclama, ou faz proclamar por seus legistas, a independncia. Prova
evidente de que esta nova tendncia se 3 move j conscientemente no
sentido de racionalizar e intensificar o poder e a relao
fundamental em que o mesmo se desdobra: a relao entre autoridade e
sditos. A referida frmula se articula efetivamente, no plano lgico,
em duas reivindicaes posteriores, tambm elas tomadas, embora em
sentido inteiramente diverso, do antigo direito romano e que
correspondem, em sua substncia, s linhas de fundo do processo de
formao do Estado moderno, atravs da consolidao da autoridade para
fora e tambm dentro do "territrio" no qual surge. Supremacia
imperial e papal, de uma parte, e participao dos poderes locais
(consilium), de outra, so os dois obstculos que se entrepem para
definio do poder monocrtico do prncipe. Contra o primeiro obstculo,
o poder monocrtico se proclama "superiorem non recognoscens" e
"imperator in regno suo", negando qualquer forma de dependncia
tanto em relao ao imperador quanto em relao ao Papa. Contra o
segundo, em concomitncia com a substituio sempre mais convincente
do direito "criado" pelo direito "achado" e com a crescente
exigncia de estabelecer e manter a paz territorial, se afirma o
princpio atravs do qual "quod principi placuit legis habet
vigorem". Neste ponto, o Absolutismo do poder monrquico alcanado,
ao menos em teoria, na medida em que o prncipe no encontra mais
limites para o exerccio de seu poder nem dentro nem fora do Estado
nascente. Ele no mais sdito de ningum e reduziu a sditos todos
aqueles que esto debaixo de suas ordens. Delineou-se, na verdade,
em seus traos essenciais, o novo e indiscutvel princpio de
legitimidade do prncipe no Estado: o princpio de soberania, a
"summa legibusque soluta potestas", da qual no ltimo quartel do
sculo XVI Bodin deu a sistematizao terica definitiva. A reduo do
Absolutismo aos seus referentes jurdicos, todavia, se esgota o
aspecto semntico do problema e serve para descrever boa parte da
sua histria, no basta para delinear completamente a mudana profunda
a que, no mbito da experincia poltica ocidental, o Absolutismo
corresponde. Passando tambm atravs do filtro jurdico, mas
investindo problemticas e convices bem radicadas e envolventes, se
completou, na verdade, entre os sculos XIII e XVI, uma das maiores
revolues culturais que o Ocidente conheceu. IV. ASPECTO
POLTICO-RACIONAL. Se secularizao significa perda progressiva de
valores religiosos (cristos) da vida humana, em todos os
12. 4 ABSOLUTISMO seus aspectos, o Absolutismo significa, tambm
e sobretudo, separao da poltica da teologia e a conquista da
autonomia daquela, dentro de esquemas de compreenso e de critrios
de juzos independentemente de qualquer avaliao religiosa ou moral.
Deste ponto de vista, entram certamente na histria do Absolutismo,
como doutrina poltica, pensadores e movimentos que debaixo de um
aspecto estritamente tcnico dele seriam excludos pela pouca ateno
dada aos elementos jurdico-institucionais, que fazem do Absolutismo
um fenmeno concretamente constitucional. Deixando de parte as
passagens atravs das quais se realizou a "desmoralizao" da poltica
e que contriburam para o surgimento do "esprito laico", dentro de
um sistema prevalentemente antitomista, um dos pontos de chegada do
processo representado, sem a menor sombra de dvida, pela obra de
Niccol Machiavelli, apesar da posio equvoca que o mesmo mantm em
relao aos dois extraordinrios fenmenos histrico-polticos que se
estavam preparando e realizando em seu tempo: o surgimento da
Reforma religiosa e a construo do moderno Estado institucional. Na
verdade, a comparao de Maquiavel com o Absolutismo est ainda ligada
essencialmente aos esquemas tradicionais; a ordem absoluta,
comparada com a civil, para ele sinnimo de tirania, de ilimitado e
incontrolado poder. Por outra parte, o seu prncipe corresponde,
embora com toda a cautela e ajustamento das condies necessrias,
quele modelo, em funo da nica coisa que no fundo lhe interessa:
elevar o poder at o ponto central se no nico da experincia poltica
e elaborar critrios e normas de comportamento poltico avaliados
segundo estes fins, eliminando nele qualquer elemento que manche a
pureza da relao que deriva da obrigao poltica rigorosamente
formulada em seus termos terrenos, concretos, efetivos e reais. Se,
na verdade, as frmulas de Maquiavel aparecem historicamente muito
rgidas e circunscritas, isso devido unicamente ao pesado
condicionamento dos meios polticos italianos do qual ele no pde
libertar-se e, em parte, tambm, ao significado que ele, mais ou
menos conscientemente, atribuiu sua obra principal Il Prncipe, que
exatamente um tratado sobre o poder e no sobre o Estado. Para
demonstrao da complexidade e da globalidade assumida pelo fenmeno
de absolutizao da poltica, no qual se inclui o Absolutismo como
realidade histrica, e do qual Maquiavel foi certamente o expoente
mais importante, no se pode esquecer outro filo atravs do qual se
concretizou a contribuio estritamente religiosa (crist) para a
separao entre poltica e moral, mesmo que isso se verifique atravs
de uma recuperao radical da outra dimenso, que 6 precisamente a
religiosa e que representa a contestao ao tomismo dentro da Igreja.
Trata-se, naturalmente, da Reforma Protestante, cuja contribuio
para o reforo do poder monrquico em sua dimenso institucional
inegvel, quer no plano terico, quer no plano prtico, no apenas nos
territrios germnicos, onde intervieram tambm motivos histricos
contingentes, mas tambm nos principais pases europeus, h muito
tempo preparados para a concentrao e racionalizao monrquica, como o
caso da Inglaterra e da Frana. De tal contribuio vale a pena
lembrar no apenas o assunto da no-positividade da vida terrena para
a vida do alm e a conseqente desvalorizao de todo o esforo
inclusive poltico fora daquele eminentemente burocrtico, de servio
do prncipe, mas tambm o conseqente e estreitssimo vnculo de
obedincia do sdito autoridade e ainda, tambm, pela modernidade e
repetido sucesso da justificao, a legitimao do poder absoluto em
termos de mero "bonum commune", entendido este ltimo em sentido
especificamente material, de segurana, paz, bemestar e ordem. Todos
estes motivos, os de Maquiavel e os da Reforma Protestante,
confluram facilmente para as doutrinas polticas do Absolutismo que
se desenvolveram entre os sculos XVI e XVIII, tanto para as de
contedo imediatamente operacional, coletadas e misturadas dentro do
gnero literrio da chamada "razo de Estado", como para as de fundo
mais abertamente terico e sistemtico dos grandes autores do
Absolutismo, como Jean Bodin ou Thomas Hobbes. Os seis livros do
Estado do primeiro representam certamente o projeto mais
convincente sado do movimento dos polticos, no cenrio do sculo XVI,
em resposta a uma situao interna da Frana gravemente deteriorada,
se pensarmos que a longa caminhada realizada pela monarquia em
direo a uma gesto centralizada e racional do territrio unificado
tinha sofrido uma pausa e um regresso surpreendentes, em nome de
uma contraproposta religiosa atrs da qual se escondia uma estranha
mistura de antigos interesses feudais e de novos interesses
burgueses, talvez ainda no conscientes, em luta com as
prerrogativas preponderantes e as aspiraes da alta nobreza dos
Grandes do Reino. Que a vitria tenha sorrido aos politiques, em
nome do novo princpio, polemicamente atribudo a eles por seus
adversrios, de "estat, estat; police, police", altamente
significativo. Quem venceu, de forma aberta, foi na verdade o
Estado e a poltica, encarnados, um e
13. ABSOLUTISMO outra, na figura do prncipe, mas levados a uma
unidade terica, graas a Bodin, no princpio de legitimao da
soberania, "summa legibusque soluta potestas", desdobrada
essencialmente no "no ... estar de nenhuma forma sujeito s ordens
de outro e ... (no poder) dar leis aos sditos e cancelar ou anular
as palavras inteis da lei, substituindo-as por outras, coisa que no
pode fazer quem est sujeito s leis ou a pessoas que exeram poder
sobre ele" (Os seis livros do Estado, Livro I, captulo VIII). Fica,
certamente, o limite da "lei natural e divina", mas um limite, alm
de dificilmente sancionvel, bastante abstrato para no atingir os
problemas inerentes aos concretos negcios do Governo. Por outro
lado, a sua inderrogabilidade serve a Bodin para defender a
"derrogabilidade" das "leis ordinrias", apoiando-se numa passagem
das "leis decretais". Permanece ainda a fronteira daquelas "leis
que dizem respeito prpria estrutura do reino e sua ordem bsica",
embora at ela encontre uma explicao totalmente convincente nos
termos do Absolutismo que est mais dentro da lgica e da fora
interna do Estado do que na figura pessoal do monarca, na medida em
que "essas leis esto ligadas coroa e a elas inscindivelmente
unidas" (ibidem). Na verdade, haveria ainda uma ltima fronteira que
seria decisiva e poria em jogo o conceito de soberania se fosse
verdadeiramente vinculante. aquela que deriva do juramento do
prncipe no que toca ao respeito das "leis civis" e dos "pactos"
estipulados entre ele e seus sditos (sobretudo, com as assemblias
dos grupos representativos). um caso que Bodin encara com uma srie
ilimitada de distines e de exemplos histricos, para em seguida
resolv-lo definitivamente, recorrendo a um expediente final: a
deciso no caso de exceo diz respeito ao prncipe "conforme as
circunstncias, os tempos e as pessoas o exigirem". Fica assim
estabelecido definitivamente "que o mais alto ponto da majestade
soberana est em dar a lei aos sditos, tanto no seu aspecto geral
como em seu aspecto particular, sem necessidade de seu
consentimento" (ibidem). A questo do recurso ao expediente final
foi recentemente retomada por Carl Schmitt como verdadeiro trao da
soberania. Mais oportuna e clara ainda a argumentao apresentada por
Hobbes, trs sculos mais tarde, em defesa do poder absoluto. Isso
tornou-se mais inquietante pelo fato de a grande complexidade dos
problemas o ter constrangido a deixar o caminho slido de Bodin e
dos politiques que tinham essencialmente em mente a constituio
funcional do poder, em termos de eficincia e de ordem, limitandose
a recorrer apenas lgica 5 abstrata e instrumentalmente neutra do
direito. Numa situao poltica certamente mais avanada, que j havia
presenciado a afirmao do poder monrquico e que estava vivendo a
spera contestao por parte de foras bem mais homogneas e
consolidadas na defesa dos novos interesses econmicos, bem
diferentemente daquilo que tinha acontecido na Frana durante o
sculo anterior, Hobbes foi obrigado a percorrer o nico caminho
disponvel para restabelecer a ligao entre soberania (reivindicada
de maneira decisiva e tradicional pela monarquia Stuart) e direito
(o direito dos centros de poder local, do Parlamento que os
congregava, da gentry que comeava a exprimi-los em nvel de classe)
e para fundar uma legitimidade real: o engajamento dentro de um
sistema jurdico reconhecido universalmente. Isso existia no direito
natural moderno que, depois de ter sido utilmente empregado no
decurso do sculo XVI como instrumento racional para resolver
questes importantes ou muito originais, encontrou aplicao, graas a
Hobbes, na definio terica do poder, da soberania e do Estado. As
questes especficas a que foi aplicado esse direito foram aquelas
que derivaram de circunstncias prprias de novos pases ultramarinos
e questes .de direito internacional. Aps o grande quadro traado por
Bodin para o Estado, este foi reduzido em sua ltima essncia ao
"animal artificial", ao "autmato", ou seja, a "um homem artificial,
ainda que de maior fora e estatura do que o homem natural,
concebido para proteo e defesa deste" (Leviat, Introduo). Desta
forma, o Absolutismo que caracteriza o poder do Estado nada mais do
que a projeo do Absolutismo natural da relao exclusiva existente de
homem para homem e o refgio natural das conseqncias mortais do
inevitvel conflito no qual os homens vivem em Estado de natureza. A
legitimao que da resulta a mais radical jamais concebvel, pois que
afunda suas razes na prpria natureza humana e na "analogia das
paixes" prprias do homem individual. Dessa forma, finalmente,
Hobbes complementa a revoluo de Maquiavel, fundamentando o
Absolutismo da poltica no Absolutismo do homem e fundando a
brutalidade necessria do poder no Estado na simples considerao de
que este uma criao artificial do homem a quem ele recorre para
moderar na histria a tragicidade do seu destino de lupus, que no
pode ser seno a morte. O raciocnio elementar: as paixes humanas,
naturais e prejudiciais, no so pecado seno a partir do momento em
que uma lei as probe; mas a lei deve ser feita e para esse fim deve
ser nomeada uma pessoa dotada de autoridade. Injustia, lei e
14. 6 ABSOLUTISMO poder so trs anis da mesma cadeia lgica que
procura permitir a sobrevivncia artificial do homem. Em concluso,
tambm para Hobbes, a essncia da soberania est no Absolutismo e na
unicidade do poder, de tal forma que as vontades humanas
individuais estejam subordinadas a uma s vontade: "Isto mais do que
um consenso ou um acordo: uma unificao de todas as vontades numa
mesma pessoa, feita por meio de um pacto de cada homem com cada
homem..." (ibidem, captulo XVII). O Estado, de homem artificial, se
transforma em deus mortal, "... uma pessoa, de cujos atos cada
indivduo de uma grande multido, com pactos recprocos, se fez autor,
a fim de que possa usar a fora e os meios de todos eles, quando
achar oportuno, para a paz e defesa comum" (ibidem). O fato de a
expresso excelente da soberania residir no poder legislativo deriva
das premissas do prprio texto de Hobbes. S o direito positivo sabe
desalojar as paixes humanas e impedi-las positivamente atravs de
sanes. Nesse sentido, o direito positivo no mais do que um mergulho
necessrio, artificial e racional, dentro do direito natural, cujas
leis eram continuamente violadas, no Estado de natureza pelas
paixes. O Estado feito semelhana do homem, mas quase-deus, exprime
fundamentalmente, para Hobbes, para alm do Absolutismo poltico, o
prprio Absolutismo do homem, em suas paixes e em seu herosmo. A sua
grande essncia inventiva, que reside na abstrao do poder numa
vontade artificialmente unificada, o instrumento racional com que o
homem salva a prpria concretude: a vida. No Estado, o homem se
salva, no se perde. V. MODELO BIPOLAR: AUTORIDADE E SDITO.
Paradoxalmente, este o resultado final a que conduz o Absolutismo
poltico: a garantia da liberdade humana aquele tanto de liberdade
que compatvel com a compreensiva necessidade da poltica , agora
definitivamente reduzida esfera autnoma de relaes humanas, sem
justificaes ou apelos de tipo transcendente. A partir de Hobbes,
ser dentro da realidade do poder, especificamente dentro da figura
abstrata mas poderosssima do Estado, que se desenvolver o processo
de alargamento e de consolidao desta garantia. Os modelos
posteriores, tanto os de tipo constitucional quanto os de tipo
absolutista e iluminista, como ainda os mais modernos do Estado de
direito e do Estado social, no sero capazes de sair da rgida
relao-separao em que o Absolutismo, mediante o recurso soberania,
havia fundado a prpria obrigao poltica: aque- la que existe entre
autoridade e sdito. S no mbito desse dualismo e na delimitao
precisa das respectivas competncias possvel, por um lado, conhecer
as fronteiras exatas, por mais amplas e extensas que sejam para
Hobbes, do poder e, portanto, limit-lo de alguma forma e, por
outro, estabelecer e defender o mbito de independncia e autonomia
individual, mesmo quando se trata apenas do espao interior apoltico
de Hobbes. O Absolutismo poltico, na realidade, deu respostas
bastante unilaterais a estes problemas no campo
histrico-constitucional. Com isso dilatou exageradamente um plo do
dualismo o plo autoritrio. Por outro lado, ele fixou o princpio da
contraposio e a necessria premissa da sua possvel regulamentao.
Isto permite-nos, finalmente, estabelecer uma distino indiscutvel
de princpio entre Absolutismo e totalitarismo. Este ltimo consiste
precisamente na identificao total de cada indivduo com todo o corpo
poltico organizado e mais ainda com a prpria organizao desse corpo.
Isso pode naturalmente acontecer nos dois sentidos implcitos do
dualismo autoridade-sdito. Mediante a desmedida dimenso do plo
autoritrio, que chega a compreender em si todo o aspecto e momento
da vida individual, reduzindo o aspecto privado a simples elemento
constitutivo da sua prpria estrutura organizacional ou, ento,
atravs da absolutizao da presena individual, numa contnua e global
participao do homem na poltica. Nos dois casos, dar-se-ia a
absoluta politizao da vida individual, numa perspectiva
dramaticamente alienante ou fascinosamente liberante, mas chegando,
num ponto, ao mesmo resultado: a liberao dos limites da poltica, a
sua totalizao, e, portanto, a perda de sua autonomia em nome de uma
hegemonia absoluta em torno de qualquer aspecto da vida humana, que
a subjugaria inevitavelmente de novo, com escolhas e opes
prejudiciais de tipo transcendente. Trate-se de um totalitarismo
autoritrio e tecnocrtico ou ento de um totalitarismo democrtico e
humanstico, certamente os mdulos de organizao e sobretudo os
culturais e existenciais em que ele concretizado seriam
necessariamente diferentes daqueles a que a experincia
constitucional ocidental moderna nos habituou. Em todo caso e por
mais absurdo que parea tratar no plano conteudstico das duas
possveis linhas desse totalitarismo, parece necessrio tomar
conscincia das implicaes e das conseqncias que as duas comportam,
dentro da convico, sempre provvel, de que a idade do totalitarismo
j comeou.
15. ABSOLUTISMO BIBLIOGRAFIA. P. ANDERSON, LO Stato assoluto.
Origini ed evoluzione dell'A. occidertale e orientale. Mondadori,
Milano 1980; F. HARTUNG e R. MOUSNIER, Quelques problmes
concernants la monarchie absolue, in "Relazioni dd X. Congresso
Internazionale di Scienze storiche". IV. Storia moderna, Sansoni.
Firenze 1955; W. HUBATSCH, Das Zeitalter der Absolutismus
1600-1789, Westermann, Braunschweig 1965; K. KASER, L'et
dell'assolutismo (1923), Vallecchi, Firenze 1926; R. MANDROU,
L'Europe "absolutiste". Raison et raison d'tat, 16491775, Fayard,
Paris 1977; F. MEINECKE, L'idea della ragione di Stato nella storia
moderna (1924), Sansoni. Firenze 1967; A. NEGRI, voe. "A.", in
Scienze Politiche. I. Stato e Poltica. Feltrinelli, Milano 1970; G.
OESTREICH, Problemi di struttura dell'A. europeo, in Lo Stato
moderno. I. Dal Medioevo all'et moderna, ao cuidado de E. ROTELLI e
P. SCHIERA, Il Mulino, Bologna 1971; R. SCHNUR, Individualismo e
A., Giuffr, Milano 1979; G. TARELLO, Storia della cultura giuridica
moderna. I. A. e codificazione del diritto, Il Mulino, Bologna
1976; C. VIVANTI, Note per una discussione sull'A., in "Quaderni di
rassegna sovitica", Atti del III Convegno degli storiei italiani e
sovietici, Roma 1969; F. WALTER, Europa in Zeitalter des
Absolutismus 1600-1789, Oldenburg, Mnchen 1959. [PIERANGELO
SCHIERA] Abstencionismo. Este termo usado essencialmente para
definir a no participao no ato de votar. Pode, todavia, compreender
a no participao num conjunto de atividades polticas, conquanto, em
suas formas mais acentuadas, a no participao possa ser definida
como apatia, alienao, e por a alm. Como muitas das variveis ligadas
participao eleitoral, o Abstencionismo de fcil avaliao
quantitativa. , com efeito, calculado como percentual daqueles que,
tendo direito, no se apresentam s urnas. diferente o caso dos que,
apresentando-se, deixam a cdula eleitoral em branco ou,
deliberadamente, a anulam de diversas maneiras. Embora tanto os que
no se apresentam s urnas como os que se manifestam mediante voto no
vlido pretendam expressar desafeio ou desconfiana, ambos os
fenmenos so considerados como analiticamente distintos. Em geral,
as variveis que influem na predisposio participao poltica de
sentido amplo influem tambm positivamente na participao eleitoral.
Pode-se dizer, ao contrrio, que os abstencionistas so, do ponto de
vista sociolgico, com poucas diferenas de um pas para outro e salvo
algumas excees (por exemplo, a de abstencionistas voluntrios e
"resolutos" como os peronistas argentinos, sempre que se sentiam
discriminados, ou 7 os radicais italianos nas eleies
administrativas de 1980 e 1981), um grupo de indivduos com
caractersticas relativamente definidas: antes de tudo, baixo nvel
de instruo; em segundo lugar, de sexo feminino; em terceiro, de
idade avanada ou ento muito jovem. De forma anloga de qualquer
outra varivel, a instruo, ou, melhor, a carncia de um adequado nvel
de instruo, influi negativamente na participao eleitoral. Contudo,
tem sido observado que, se um indivduo comeou a participar nas
eleies porque "mobilizado", por exemplo, por um partido ou por
circunstncias excepcionais, a guerra, a depresso, provvel que
continue "participante", no contando seu nvel de instruo. As taxas
de Abstencionismo variam consideravelmente de pas para pas e de uma
consulta eleitoral para outra. As mais elevadas se encontram, no
que toca a regimes democrticos, nos Estados Unidos: nas eleies
presidenciais, o Abstencionismo ultrapassou, na dcada de 70, 45%;
nas eleies para o Congresso, vota atualmente menos da metade dos
que teriam direito, embora haja acentuadas diferenas entre um
Estado e outro e entre as diversas eleies. As taxas mais baixas se
encontram, em ordem gradual, na Austrlia, Holanda, ustria, Itlia e
Blgica, sendo, nas eleies polticas do segundo psguerra, inferiores
a 10%. Em mdia, as taxas de Abstencionismo nos regimes democrticos
giram em torno de 20%, mas h sintomas que indicam um ligeiro
crescimento no percentual de eleitores que desertam voluntria e
deliberadamente das urnas. As causas do Abstencionismo so mltiplas.
Importantes, mas certamente no decisivas para a explicao das altas
taxas que se registram em alguns pases, so as normas que regulam o
exerccio do direito ao voto. A facilidade ou no de inscrio nas
listas eleitorais automtica em alguns casos, deixada em outros ao
potencial eleitor e a obrigatoriedade ou no de votar (na Austrlia,
por exemplo, o voto obrigatrio; na Itlia existe uma sano de carter
administrativo, a inscrio "no votou" no certificado de bom
comportamento) influem, como bvio, no percentual de eleitores que
se dirigem s urnas. Tem-se observado, alis, que nem mesmo a queda
dos requisitos mais onerosos fez com que aumentasse o percentual de
eleitores no contexto norte-americano. Mais: de um modo geral,
nota-se que a expanso do corpo eleitoral, qualquer que seja a razo
(sufrgio universal masculino, extenso do voto s mulheres, s
minorias, diminuio do limite de idade), provoca uma queda nas taxas
de participao, ao inserir no corpo eleitoral indivduos ainda no
habituados a votar. Normalmente,
16. 8 ABSTENCIONISMO porm, superada a fase de "aprendizagem",
as taxas de Abstencionismo tendem a decrescer rapidamente. Mas tal
no aconteceu nos Estados Unidos. Alguns autores buscaram por isso
as causas do Abstencionismo em dois grupos de variveis: de um lado,
em variveis individuais, psicolgicas; do outro, em variveis de
grupo, polticas e sistemticas. Para que o Abstencionismo no cresa,
preciso, atendendo ao primeiro conjunto de variveis, que os novos
eleitores tenham interesse pela atividade poltica, possuam boa
informao poltica e se mantenham "eficazes", ou seja, capazes de
influir no resultado das competies eleitorais. Como os indivduos
admitidos participao eleitoral esto muitas vezes escassamente
interessados na poltica, esto pouco informados e so "ineficazes"
(homens antes excludos por causa do seu analfabetismo, mulheres sem
experincia poltica anterior, minorias subalternas uma exceo, os
jovens da dcada de 70, j "automobilizados", mas talvez em fase de
refluxo, e com alto nvel de instruo), a taxa de Abstencionismo
crescer. Quem atende s variveis de grupo, tanto polticas como
sistemticas, buscar uma explicao do eventual crescimento do
Abstencionismo sobretudo em trs fenmenos: antes de mais, no tipo de
consulta eleitoral; em segundo lugar, na competitividade das eleies
(ou seja, na importncia do risco e na incerteza do xito); enfim, na
natureza do sistema partidrio e das organizaes polticas (grau de
presena e de assentamento social). Os dados so concordes em indicar
um Abstencionismo seletivo do eleitor que vota, em percentuais mais
elevados, nas eleies consideradas mais importantes, mais nas eleies
polticas, portanto, que nas administrativas (nos Estados Unidos,
maior a votao nas eleies presidenciais que nas do Congresso; na
Frana, maior no segundo turno, ou seja, no da deciso, que no
primeiro). o caso da Itlia; mas aqui preciso acrescentar uma
participao em declnio, isto , um crescente Abstencionismo nas
consultas por referendum (de 11,9%, em 1974, a 18,8%, em 1978, e
20,4%, em 1981, com aumento tambm de cdulas brancas e nulas). A
outra causa sistemtica do Abstencionismo, a no competitividade das
eleies, de mais difcil verificao. Muitas vezes, os eleitores podero
aduzir a pouca diferena dos programas dos partidos ou das posies
dos candidatos como causa da sua no participao (o que mais freqente
nos sistemas bipartidrios). Ou tambm positivamente: a vitria de um
ou de outro no influir negativamente nas suas preferncias. recursos
e expectativas. Ao contrrio, porm, o elevado nvel do reecontro
poltico e as fortes diferenas programticas podero fazer diminuir o
Abstencionismo, mobilizando eleitores alis no disponveis. Os casos
italiano e francs parecem seguir esta direo; o caso estadunidense,
de que possumos uma massa de dados sem igual, caminha no outro
sentido. Enfim, a explicao mais comumente apresentada e da maneira
talvez mais convincente a de que, onde os partidos esto bem
organizados, capilarmente presentes e muito ativos, a taxa de
Abstencionismo mantm-se muito moderada; onde eles esto em crise,
sua capacidade de mobilizao e conquista do eleitorado se esvai e o
Abstencionismo cresce, crescendo ainda mais se, como ocorreu nos
Estados Unidos nos anos 60, sua crise for contempornea expanso do
eleitorado potencial. No inserido no circuito da poltica
organizada, este eleitorado depressa se acolhe ao Abstencionismo e,
se no recuperado com o andar do tempo, se perpetuar como um
eleitorado abstencionista crnico. J que, em geral, parece ter de se
contar com uma diminuio da atrao dos partidos de massa e das
organizaes polticas que propendem participao eleitoral, a tendncia
futura mais provvel a do crescimento do Abstencionismo. Que efeitos
produz o Abstencionismo no funcionamento dos regimes democrticos?
Em primeiro lugar, no so poucos os que pensam que altas taxas de
Abstencionismo constituem uma deslegitimao, atual ou virtual, dos
governantes, da classe poltica e at mesmo das prprias estruturas
democrticas. Se democracia participao dos cidados, uma participao
insuficiente debilita-a. Em segundo lugar, quem aceita uma viso
mais desinteressada do problema da legitimidade dos regimes
democrticos acentua, em vez disso, a necessidade de se levar em
conta a "produo" do regime. Se os abstencionistas constituem um
grupo, no s sociologicamente diverso de quem vota, mas tambm
diverso em termos de preferncias polticas, sua absteno tornar
difcil (e no essencial) s autoridades, aos governantes, serem
sensveis s exigncias no expressas. Por isso a produo legislativa, a
distribuio dos recursos, as opes globais do sistema premiaro os que
participam em prejuzo dos que se abstm, o que pode assumir aspectos
de particular gravidade, se os abstencionistas pertencerem a grupos
sociologicamente "subprivilegiados". Em parte assim, em parte no:
os abstencionistas s em parte so diferentes, particularmente nos
Estados Unidos, daqueles que votam.
17. ABSTENCIONISMO Mantm-se, todavia, em p o problema dos
regimes democrticos onde um alto percentual de eleitores resolve no
"se incomodar" por influir no resultado das competies eleitorais.
Na realidade, s em escassa medida se pode pensar que o sistema, em
seu conjunto, no fica com isso "deslegitimado". Alm disso, a grande
massa dos abstencionistas e eleitores flutuantes fica merc dos
apelos dos demagogos que prometem limpar a rea e criar um regime de
autntica participao. A mobilizao dos abstencionistas desde o alto ,
em concluso, um perigo real em situaes onde a taxa de
Abstencionismo cresce sem soluo de continuidade. BIBLIOGRAFIA. - K
DITTRICH e L. N. JOHANSEN, La partecipazione elettorale in Europa
(1945-1978): miti e realt in "Rivista Italiana di Scienza Poltica",
X (agosto 1980); A. T. HADLEY, The Empty Polling Booth, Prentice
Hall, Englewood Cliffs 1978; E. C. LADD JR., Where Have All the
Voters Gone?. Norton, New York 1978; A. LANCELOT, L'abstentionnisme
electoral en France, Colin, Paris 1968; Electoral Participation, ao
cuidado de R. ROSE, Sage Publications, Beverly Hills-London 1980;
R. E. WOLFINGER e S. J. ROSENSTONE, Who Votes! Yale University
Press, New Haven-London 1980. (GIANFRANCO PASQUINO] Ao Catlica. O
decreto do Concilio Vaticano Il "Apostolicam actuositatem" a
propsito da Ao catlica, isto , das "vrias formas de atividades e de
associaes que, mantendo uma mais estreita ligao com a hierarquia,
se ocuparam e se ocupam com finalidades propriamente apostlicas",
lembra a definio que mais comumente, no passado, era a elas
atribuda: "colaborao dos leigos com o apostolado hierrquico" (cap.
20). Trata-se de uma frmula cujas origens remontam ao pontificado
de Pio XI (19221939). Ela aparece, de fato, pela primeira vez, com
palavras ligeiramente diferentes ("participao dos leigos na misso
prpria da Igreja"), numa carta do ento secretrio de Estado cardeal
Gasparri aos bispos italianos, de 2 de outubro de 1922. Inserida na
sua forma definitiva nos estatutos de Ao catlica italiana de 1931,
ser mantida tambm pelos sucessivos pontfices. Para captar seu
significado preciso considerar o contexto doutrinai em que ela
amadurece, focalizando, em primeiro lugar, a acepo que a tem o
termo "apostolado". Este indica um projeto totalizante sobre o
homem e a 9 sociedade: no somente reconduzir f cada indivduo que
dela se tenha afastado, mas tambm recriar um organismo social
baseado em todos os nveis, inclusive no nvel da organizao civil e
econmica, na doutrina da Igreja catlica. No h distino, nessa
perspectiva, entre "religioso" e "poltico": os dois planos
convergem num modelo ideal de sociedade hierarquicamente
estruturada em que a Igreja o Papa em primeiro lugar e os bispos
dele dependentes reveste a funo de ordenadora ltima, como tal
reconhecida pelo Estado que, em conseqncia disso, recebe dela a sua
legitimao. Trata-se de uma concepo, largamente difundida nos
ambientes catlicos europeus desde a primeira metade do sculo XIX,
que teve origem na polmica ultra-montana e intransigente contra o
liberalismo. O termo Ao catlica (ou "ao dos catlicos") comea a ser
usado, juntamente com o de "movimento catlico", a propsito das
organizaes de leigos militantes que se formaram em diversos pases
da Europa (as primeiras foram as da Frana, da Blgica e as das
regies de lngua alem), em aberta oposio ao Estado liberal. Na Itlia
esse termo usado para indicar o variado conjunto de associaes e
instituies chefiadas, desde 1874, pela Obra dos Congressos. J no
incio da dcada de 60 a revista dos jesutas "La Civilt Cattolica"
elabora uma precisa definio do papel que o laicato militante tem no
Estado moderno: ele deve assegurar Igreja a tutela que os Governos
liberais lhe negam, defend-la de seus ataques e influir, atravs de
sua ao, para reconduzir a sociedade, em seus vrios nveis, sua
imagem originria de "societas christiana". A interveno poltica um
dos muitos instrumentos de que a Ao catlica tem o direito e o dever
de servir-se, em obedincia s indicaes da hierarquia; um direito que
somente na Itlia sofre limitaes no que diz respeito participao dos
catlicos nas eleies polticas e isto com o intento de tornar mais
eficaz o protesto contra a anexao dos Estados pontifcios, que se
concluiu com a tomada de Roma em 1870. O termo de Ao catlica foi
,dado pelo Papa Pio X, na Itlia, a uma organizao particular, aps a
dissoluo, por ele decretada, da "Opera del Congressi" (1903). A Ao
catlica, que sucedeu a esta obra, no mais um movimento que nasce da
iniciativa autnoma do laicado, mas uma organizao promovida pela
hierarquia e por ela diretamente controlada. Inicia com Pio X uma
srie de revises estatutrias que acentuam cada vez mais seu carter
centralizador, tornando-a um instrumento dcil que a Igreja pode
utilizar no mbito de sua estratgia geral de "recristianizao"
da
18. 10 AO CATLICA sociedade. A Ao catlica italiana adquire com
isso uma fisionomia que a diferencia sensivelmente, sob o perfil
organizativo. das existentes em outros pases, especialmente da
francesa, articulada em movimentos de categoria dotados de ampla
autonomia. Deve-se, tambm, considerar o carter de "modelo exemplar"
que o papado atribuir cada vez mais organizao da ACI, como aquela
que melhor realiza o ideal do empenho do laicado nos confrontos com
a Igreja e a sociedade. Intervindo diretamente na organizao do
laicado militante e dando um reconhecimento especial a uma associao
especfica, a Santa S intende tambm controlar o surgimento, no mbito
catlico, de movimentos que, como a democracia crist de Murri,
coloquem, embora parcialmente, em discusso o seu projeto de
sociedade e reivindiquem um espao autnomo de deciso para o laicado
na rea poltica. A definio que Pio XI deu de Ao catlica sublinha a
funo subalterna que ela tem em relao hierarquia, com cujo
apostolado "colabora" em qualidade de mero executor. No quadro do
acordo entre a Igreja e o fascismo sancionado pelos tratados de
Latro, a Ao catlica ganha o espao de formao de um pessoal capaz de
influir nos vrios nveis do Estado. Com a reconstituio da ordem
democrtica, no fim da Segunda Guerra Mundial, a Ao catlica no se
limitar a fornecer quadros ao partido catlico e a assegurar-lhe o
seu mximo apoio eleitoral, mas exercer sobre este partido a funo de
instrumento de presso. Durante o pontificado de Pio XII. no
obstante se afirme a natureza puramente religiosa das funes da Ao
catlica, no muda o quadro tradicional de referncia, isto , a
perspectiva do retorno da sociedade imagem unitria da "societas
christiana", para cuja atuao a Igreja privilegia o instrumento da
gesto direta do poder poltico por parte dos catlicos. O pontificado
de Joo XXIII e o Concilio Vaticano Il marcam, no que concerne s
linhas do discurso pastoral, um decisivo momento de mudana. O tema
da "opo religiosa", que se tornou central na Ao catlica do
aps-conclio, representa um distanciamento da concepo do apostolado
acima mencionada e embora parcialmente, um reconhecimento da
autonomia da ao poltica em relao aos princpios que determinam a
experincia do cristo. Como isto se concretizou, qual a relao entre
a persistncia de formas de interveno e de presenas tpicas do
passado e entre o surgimento de uma nova concepo de Ao catlica,
fica ainda, em grande parte, um problema aberto. BIBLIOGRAFIA. AUT
VAR.. La presenza sociale del PCI e della DC. Il Mulino. Bologna
1968: G. CANDILORO, Il movimento cattolico in Italia. Editori
Riuniti. Roma 1972; G. oi ROSA. Storia del movimento cattolico in
Italia dalla restaurazione ali et giolittiana. Laterza. Bari 1966;
F. MAGRI, LA. Cattolica in Itlia. La Fiaccola. Roma 1953, 2 vols.;
G. Micolli, Chiesa e societ in Itlia dal Concilio Vaticano I (1870)
al Pontificam di Giovanni XXIII. in Storia d'Italia. vol. V, I
documenti. tomo II, Einaudi. Torino 1973, pp. 1493-1548; G. POGGI.
Il clero di riserva. Feltrinelli, Milano 1963. [LILIANA FERRARI]
Administrao Pblica. I. AS ATIVIDADES ADMINISTRATIVAS. Em seu
sentido mais abrangente, a expresso Administrao pblica designa o
conjunto das atividades diretamente destinadas execuo concreta das
tarefas ou incumbncias consideradas de interesse pblico ou comum,
numa coletividade ou numa organizao estatal. Do ponto de vista da
atividade, portanto, a noo de Administrao pblica corresponde a uma
gama bastante ampla de aes que se reportam coletividade estatal,
compreendendo, de um lado, as atividades de Governo, relacionadas
com os poderes de deciso e de comando, e as de auxlio imediato ao
exerccio do Governo mesmo e, de outra parte, os empreendimentos
voltados para a consecuo dos objetivos pblicos, definidos por leis
e por atos de Governo, seja atravs de normas jurdicas precisas,
concernentes s atividades econmicas e sociais; seja por intermdio
da interveno no mundo real (trabalhos, servios, etc.) ou de
procedimentos tcnico-materiais; ou. finalmente, por meio do
controle da realizao de tais finalidades (com exceo dos controles
de carter poltico e jurisdicional). Na variedade das atividades
administrativas (abstraindo-se o exame daquelas de Governo, que
merecem considerao parte), dois atributos comuns devem ser
destacados; em primeiro lugar, o fato de essas atividades serem
dependentes ou subordinadas a outras (e controladas por essas), as
quais determinam ou especificam os fins a atingir (atividades
polticas ou soberanas e de Governo); em segundo lugar, o de serem
executivas, no duplo sentido de que acatam uma escolha ou norma
anterior, e de que do continuidade
19. ADMINISTRAO PUBLICA norma, intervindo para a consecuo final
de interesses e objetivos j fixados. Tais atributos conduziram a
que a Administrao pblica fosse identificada, essencialmente, como
uma funo, ou como uma atividade-fim (condicionada a um objetivo), e
como organizao, isto , como uma atividade voltada para assegurar a
distribuio e a coordenao do trabalho dentro de um escopo coletivo.
II. AS ESTRUTURAS ADMINISTRATIVAS. No momento em que a exigncia da
distribuio e coordenao do trabalho administrativo assumiu relevo e
dimenses sempre crescentes no decorrer da experincia dos
ordenamentos estatais modernos e contemporneos, de tal modo que deu
origem ao aparecimento e ao desenvolvimento de estruturas
especficas, o termo Administrao pblica, do ngulo de seus
destinatrios, passou a indicar o complexo de estruturas que,
conquanto se encontrem em posies de subordinao diferentes, em relao
s estruturas polticas e de Governo, representam uma realidade
organizativa distinta daquelas. Para a maioria dos estudiosos, as
estruturas administrativas representam, mais do que tudo, o trao
caracterstico dos Estados modernos e contemporneos, manifestando,
quase fisicamente, sua presena no plano subjetivo. Constitui
caracterstica normal dessas estruturas o fato de se lhe ter
destinado um pessoal escolhido por sua competncia tcnica,
contratado profissionalmente e em carter permanente (corpos
burocrticos). Entretanto, faz-se mister esclarecer que a
Administrao pblica no pode ser reduzida, como s vezes ocorre, ao
perfil de suas estruturas; de fato, isso no permite explicar
integralmente o fenmeno administrativo pblico, tal como ele se
delineia, do ponto de vista histrico e comparado, mormente se se
tem em mente que nem sempre existiram estruturas de tipo burocrtico
destinadas execuo de atividades administrativas e que, muitas
vezes, existe continuidade ou identidade parcial entre as
estruturas governativas e administrativas. III. O PROBLEMA
ADMINISTRATIVO E TIPOS DE ADMINISTRAO. A variedade das funes a que
se pode enderear a ao administrativa' e a diversidade das
atividades com que ela pode se manifestar aconselham que se assuma
o ponto de vista mais abrangente de considerar a administrao como
atividade ou funo necessria, semelhante da poltica e do Governo, em
qualquer ordenamento geral ou especial. 11 Trata-se, mais
propriamente, de considerar como dado constante de toda a
coletividade estatal (como, alis, de todo o grupo social
organizado) a existncia de um problema administrativo que tem ou
pode ter solues diversas, mesmo no plano organizativo em relao
variao dos trs componentes principais e individuantes de cada
sistema e tendo em vista, tambm, as caractersticas diferentes de
cada pas no plano social, econmico e cultural: tipo de instituies
polticas e de Governo existentes; a relao entre estas e a
Administrao pblica; e as finalidades tidas como metas ou objetivos
de interesse pblico. O exame do modo como se tem encarado e
procurado resolver positivamente o problema administrativo, onde
quer que se faa, com base nas trs principais variveis j lembradas,
que escondem, de certo modo, os elementos fundamentais do fenmeno
administrativo pblico o elemento institucional, o organizativo e o
funcional , permite individualizar diversos tipos de Administrao
pblica, tanto no decurso da evoluo histrica como no confronto das
diversas experincias nacionais. Poder aparecer, em particular, como
os negcios da Administrao pblica seguem, pari passu, as formas de
Estado e de Governo, tendo como manifestao especfica, e no menos
essencial, a organizao e o equilbrio exigido pelas circunstncias.
Ser igualmente possvel constatar, especialmente na poca atual, a
co-presena de diversos tipos de Administrao pblica dentro da prpria
coletividade estatal. Em relao a cada tipo de administrao tambm
possvel elucidar como as instituies polticas e governamentais foram
fortes e capazes de realizar ou mandar realizar os prprios
objetivos. Por outro lado, deve destacar-se tambm quanto a
Administrao pblica correspondeu, tanto no plano estrutural quanto
no funcional, aos seus objetivos e como foi eficiente em
atingi-los. Dentro desta relao que v, numa posio de recproca
complementaridade e simultaneamente de contraposio, a funo poltica
e governamental e a administrativa, coloca-se uma das problemticas
vitais mais complexas e, parcialmente, insolveis do nosso tempo.
Torna-se particularmente evidente que nela existem amplas
estruturas burocrticas (como regra) , enquanto, na realidade
efetiva, a relao institucional de dependncia que a caracteriza pode
apresentar valores, se no opostos, pelo menos profundamente
divergentes daqueles que foram previamente estabelecidos.
20. 12 ADMINISTRAO PUBLICA O respectivo papel das estruturas
polticas e administrativas tendem a uma troca recproca ou a uma
configurao baseada num equilbrio substancialmente alterado. Daqui
nasce outra temtica, tipicamente sociolgica, que caracteriza a
Administrao pblica de hoje em diversos contextos institucionais
dentro de uma variada tipologia: a do papel poltico desenvolvido de
fato pelas estruturas burocrticas. IV. A ADMINISTRAO DA SOBERANIA.
Para esquematizar sumariamente quais os tipos de administrao que
adquiriram maior importncia nas formas de Estado e de Governo
modernas e contemporneas, tendo em vista particularmente as
experincias italiana e brasileira, e sem pretender ilustrar na sua
singularidade histrica as vrias administraes nacionais dos dois
pases, convir, antes de tudo, relembrar a formao das grandes
monarquias da Europa continental. Com o surgimento e o
desenvolvimento de tais instituies de Governo monocrtico e absoluto
realiza-se, como conhecido, um tipo de administrao que representa,
em certo sentido, a condio necessria para que os nossos poderes
polticos possam afirmar-se, estabilizar-se e manterse. A ao
administrativa essencialmente orientada, portanto, para a conquista
dos meios indispensveis conservao e reforo do poder rgio
constitudo. Pode pensar-se, dentro de tal perspectiva, que os
primeiros setores administrativos a desenvolver-se so o setor
militar e o financeiro e que, entretanto, se assiste ao progressivo
monoplio da funo jurisdicional do chefe soberano. A organizao do
Governo rgio tende, alm disso, a articular-se e a difundir-se de
modo uniforme por todo o territrio, atravs da criao de estruturas
de administrao perifrica, cujos responsveis esto vinculados, por
delegao ou por representao do Governo central, enquanto as funes
administrativas do Governo autnomo local, especialmente urbano, se
vo degradando. No que diz respeito a tais finalidades de base e a
tais modalidades de desenvolvimento, a ao administrativa se
posiciona como com participao no exerccio da autoridade soberana ou
como autoridade soberana delegada. Neste sentido, a Administrao
pblica se confunde com a atividade e o poder do Governo. Esta
caracterstica explicar notvel influncia sobre a sucessiva evoluo do
fenmeno da Administrao pblica. No contexto, o elemento
institucional tem prevalncia sobre o organizativo e o funcional.
Estes se integram na frmula unitria do servio para o rei (ou para a
Coroa). Tal frmula contradiz s aparentemente a colocao d
administrao como soberania delegada. O duplo aspecto do comando
(para fora) e do servio (para dentro) contribui tambm para lanar
luzes sobre a posio especial do aspecto da organizao que a
Administrao pblica assume em relao ao poder poltico do Governo e de
toda a coletividade. Faz-se uma ntida distino, especialmente, entre
as regras do ordenamento prprio da administrao e as do ordenamento
em geral. Isto tem muito que ver com as experincias estatais da
Europa continental. A experincia anglo-saxnica caracterizada por
uma restrita rea de atividades soberanas em sentido prprio e por
uma subordinao geral das atividades pblicas s normas do direito
comum, sendo caracterizada tambm pelo respeito e pela utilizao dos
poderes polticos locais para as metas da administrao. A organizao
administrativa do Estado absolutista no tem, portanto,
caractersticas estruturais autnomas em relao s da autoridade
soberana. Todavia apresenta-se como um esquema de pessoas ligadas
por vnculos de subordinao interna e privada ao soberano e, como j
se disse, como organizao ou administrao privada da soberania. falta
de caractersticas estruturais prprias tpicas e autnomas por outra
parte, a um perodo em que existe uma indistino subjetiva das funes
pblicas, corresponde uma centralizao que avaliada antes de tudo no
plano poltico. O problema administrativo resolvido na homogeneidade
institucional e poltica entre governantes e pessoal administrativo,
com base na natureza das tarefas a executar, no modesto volume de
recursos, na preparao tcnica especfica e na limitada necessidade de
recorrer a estruturas burocrticas. V. A ADMINISTRAO EMPRESARIAL. da
transformao destas premissas ligadas entre si que derivam, j antes
do advento do Estado de direito constitucional, importantes
modificaes que levam ao progressivo e impetuoso predomnio da
organizao, mesmo no mbito da colocao que lhe foi dada
originariamente. Com a ampliao das tarefas pblicas no campo das
intervenes infra-estruturais, e dos servios sociais e ainda no das
atividades econmicas de base fenmeno tpico de uma variante do
Estado absoluto seria o Estado policial , emergem os traos de uma
administrao diversa cujos fins esto voltados para interesses
coletivos, o que requer estruturas prprias e estveis e ainda
pessoal recrutado profissionalmente e tecnicamente
21. ADMINISTRAO PUBLICA qualificado. E a partir daqui que
nascem formas de organizao autnoma, regidas por normas prprias e
critrios internos de ao (especialmente no campo da contabilidade e
das finanas), predispostas a atingir determinados objetivos de
carter produtivo: as empresas. A administrao que participa do
Governo e emanao da autoridade soberana se justape a administrao
empresarial, um mdulo organizativo de grande interesse para as
perspectivas atuais da Administrao pblica, conforme j,
oportunamente, acentuaram muitos estudiosos. Tal mdulo organizativo
comportava de fato a ruptura da continuidade estrutural entre
Governo e administrao e dava um relevo, parte s responsabilidades
decisrias prprias do Governo e tambm s de atuao e de gesto
organizativa das mesmas. Isso teria podido assegurar um notvel
efeito classificador no momento em que o ato de administrar entrou,
juntamente com outras funes pblicas, no sistema do Estado
constitucional de Governo parlamentar. Bem ao contrrio, o modelo da
administrao empresarial foi baseado na proclamada necessidade de
submeter todo o funcionamento do aparelho estatal ao controle do
Parlamento atravs da responsabilidade das instituies ministeriais.
VI. A ADMINISTRAO. AUTORIDADE E A ORGANIZAO HIERRQUICA. Com o
aparecimento dos regimes constitucionais, a administrao foi
subordinada lei e inserida no chamado poder executivo estatal.
Isto, porm, no fez seno dar uma roupagem formal mais atualizada ao
que j era uma ordem conceituai e prtica preexistente. Os novos
princpios e os novos dispositivos institucionais agiram no no
sentido da transformao mas no da limitao e controle da ao
administrativa em relao ao pblico. A ao administrativa foi
regulamentada quanto aos interesses e metas a perseguir e tambm
quanto ao mbito das suas possibilidades de interveno,
particularmente as do tipo unilateral e autoritrio. Todavia, a
interveno foi configurada igualmente como manifestao de autoridade
(legislativamente circunscrita) para satisfao de interesses prprios
do titular da soberania (no do prncipe, mas da entidade estatal). O
momento de contato entre os dois campos separados da administrao e
da sociedade traduzido atravs do ato administrativo, o qual fixa
concreta e unilateralmente o interesse do Estado-pessoa, dentro dos
limites do tato que a legislao permite e sem o qual, por outro
lado, os remdios jurisdicionais aplicados no poderiam 13 oferecer
corretivos eficazes e exaustivos para tutela do interesse pblico a
defender. Desta maneira, o aspecto organizativo da administrao
torna-se prevalente. Enquanto assume seu prprio perfil estrutural,
a administrao conserva e refora seus laos de dependncia dos
dirigentes polticos, de tal modo que, pode dizer-se, a administrao
no mais do que o aparelho do Governo. As estruturas so ordenadas
sobre o modelo ministerial e dentro de cada ministrio as mesmas so
articuladas de maneira a favorecer a direo e o controle quotidiano
das atividades administrativas pelos chefes polticos. E sabido que,
dentro das estruturas centrais e perifricas dos ministrios, a
distribuio das tarefas administrativas se realiza progressivamente
mediante a formao de uma escala de competncia interna. Tal escala
vai desde a competncia geral competncia especfica e comporta, no
caso de competncia de nvel inferior (e dos titulares de cargos), a
possibilidade de participao ou de substituio no exerccio da
competncia de nvel inferior. Ao mesmo tempo, as diversas
competncias so individualizadas de modo que a cada uma delas
corresponda a realizao ou a preparao de uma ou mais atividades de
execuo normativa. Neste contexto, h a supresso conseqente de
qualquer responsabilidade direta por parte do pessoal
administrativo que atua dentro das metas da organizao.
Disciplinando de modo uniforme a atividade ou o segmento de
atividade confiado a cada uma das unidades organizativas,
garante-se, por outro lado, um controle fcil e uma possibilidade de
rpida agilizao na transmisso das ordens e das diretrizes de cpula,
sempre que isso for necessrio. VII. A CRISE DA ORGANIZAO
HIERRQUICA. A organizao ministerial de tipo hierrquico voltada para
a acentuao da unidade e regularidade formal da ao administrativa
move-se, na verdade, dentro de uma relao de relativo equilbrio com
os objetivos de ordem e disciplina inerentes administrao segundo a
concepo dominante do Estado liberal. Por outro lado, essa organizao
representa, tambm, a negao destas exigncias se se levar em conta a
carga poltica implcita que ela supe. Enquanto se admite que a
Administrao pblica deve atuar imparcialmente, cumprindo, de
preferncia, o mandado na lei, verifica-se, por outro lado, estar
ela organizada de tal maneira que se torna facilmente permevel
interferncia de partes. Esta profunda contradio no tardar a vir ao
de cima, colocando, em termos
22. 14 ADMINISTRAO PBLICA dramticos, o problema da separao da
esfera poltica da esfera administrativa. Entretanto, se se
prescindir do aspecto da tutela jurisdicional, no sero alcanadas
seno solues parciais e imprprias, tendo em vista as causas de fundo
que originaram o problema. Quando se deveria dar um lugar distinto,
respectivamente, s estruturas de Governo (e de seus rgos
auxiliares) e s estruturas administrativas, atribuindo a estas
ltimas uma configurao autnoma precisa (lembremo-nos dos rgos e
agncias existentes no escalonamento hierrquico da Sucia e da Amrica
do Norte), verifica-se apenas a concesso de garantias para o corpo
burocrtico em contraste com a classe poltica dirigente, assim como
a concesso de privilgios para a maioria dos servidores a ela
subordinada, sem que as estruturas percam seu carter uniforme e
hierrquico. A criao de garantias de Estado para os empregados, o
crescimento numrico do corpo burocrtico e, de um modo geral, o
poder alcanado por este em relao classe poltica (mesmo nos servios
a ela prestados nos partidos e por ocasio de eleies) representam
fatores que contribuem para agravar as condies de
irresponsabilidade prtica de cada um e da organizao em seu
conjunto. Essa disparidade concorrer, por seu turno, para
enfraquecer mais o controle poltico at reduzi-lo a termos meramente
fictcios, pouco ou nada ajudando na imparcialidade da ao
administrativa. Acrescente-se a isto a considerao de que nem se
constituram centros de governo autnomo regional e local (para uma
distribuio vertical do poder poltico) nem se realizaram, a nvel
local, aquelas formas de autogoverno ou de auto-administrao,
prprias do sistema ingls de ordenao onde as funes estatais
perifricas so entregues a rgos eletivos. Em um e outro caso
poderiam ser retomadas as condies de um decisivo controle poltico e
de uma relao de responsabilidade mais direta entre administradores
e administrados. sabido, por outro lado, que se assiste a uma
progressiva absoro, por parte da rbita estatal, das atividades
administrativas de interesse local dos municpios, das provncias e
at dos Estados, nos pases federados. Na Itlia constata-se a
represso da autonomia poltica das provncias existentes no perodo
fascista. A mudana sucessiva das tarefas administrativas conseqncia
da consolidao do Estado social pressupe fundamentalmente os mesmos
princpios que sustentavam a organizao hierrquica tradicional como
exigncia de reforo das estruturas e das modalidades de ao
relacionadas com os novos objetivos e com os fins da prestao dos
servios sociais e da gesto das atividades econmicas, e relacionadas
tambm com a soluo integrada dos problemas de desenvolvimento da
sociedade e com a consecuo efetiva dos resultados econmico-sociais
visados. Perante tais problemas, as estruturas atuais no possuem a
capacidade de uma flexvel e tempestiva adaptao. Por seu lado, a ao
administrativa, se continuar centrada sobre atos e competncias
exatas, ir complicar-se para alm do que desejvel no ponto de vista
comportamental e ter efeitos paralisantes sobre a vida do pas.
Destarte, aquilo que deveria ser um tipo de organizao realista e de
eficincia administrativa terminar por ser um mecanismo de
funcionamento baseado em regras ultrapassadas no tempo e apoiado em
critrios de autodefesa e de auto-perpetuao desligados do contexto
vivo da ao e das diretrizes do Governo. VIII. A ADMINISTRAO PARA
RGOS E EMPRESAS. A crise da organizao administrativa tradicional no
se seguia, at agora, a criao de um modelo ou de um tipo alternativo
de administrao. A tendncia atual, j iniciada tempos atrs, est
voltada, de preferncia, para a ruptura da unidade do sistema
administrativo e para a introduo, em seu lugar, de uma pluralidade
de tipos de administrao, presentes no interior de uma mesma
organizao. A primeira tendncia alternativa a assinalar, enriquecida
por vasta gama de manifestaes concretas, estaria em evitar a
organizao ministerial. Respeitando a unidade do poder
polticogovernamental, dentro da rea da administrao, verifica-se,
desde o incio do sculo, o recurso, cada vez mais generalizado, a
rgos e a empresas autnomas, ao mesmo tempo que, o Governo, pouco a
pouco, mediante interveno, anexa novos campos de ao e coloca novas
exigncias de promoo operacional nos diversos setores
econmico-sociais. A organizao interna de tais estruturas no se
diferencia substancialmente da ministerial, da qual reproduz as
principais disfunes sem assegurar as vantagens desejadas, seja em
ordem a uma maior correspondncia poltica, seja em ordem a uma maior
eficincia administrativa. O recurso a estruturas alternativas se
amplia, pois (tornando-se com isto particularmente significativo).
No emprego de formas organizativas prprias do mundo econmico e
empresarial privado (em particular, as sociedades acionrias de
23. ADMINISTRAO PUBLICA participao ou de direito pblico),
primeiro para os grandes setores de economia de base e, depois,
como aconteceu em tempos recentssimos, para as atividades
tecnologicamente sofisticadas ou complexas do ponto de vista
organizativo (informtica, tcnicas e participao de programao
organizativa, territorial e econmica, etc.). Tudo isto vem
determinar, num quadro dominado por uma organizao ministerial em
ao, na forma acima descrita, juntamente com uma maior amplicidade e
oportunidade da participao, ulteriores e no menos graves problemas
sobre a organicidade da ao pblica em seu complexo, assim como no
que diz respeito s possibilidades de real direo e controle da
mesma, seja por parte do Governo, seja por parte do Parlamento,
seja ainda por parte da coletividade em geral. IX. A ADMINISTRAO
POLTICA E A PROGRAMAO. O processo de desenvolvimento da tendncia
acima referida foi paulatinamente revelando a necessidade de
enfrentar o problema administrativo dentro de uma perspectiva de
carter global mais ampla. Uma perspectiva que levasse em conta no
apenas o modo de ser das estruturas burocrticas, mas buscasse tambm
as solues atravs da reviso do papel e da configurao de um lado, num
confronto direto com as instituies polticas e governamentais, e; do
outro, numa avaliao das instituies e das estruturas sociais como
tais. Dada a variedade das atividades administrativas, que
compreendem momentos funcionais diversos desde aqueles que so
propriamente governamentais ou de rgos auxiliares do Governo at os
que so de prestao de servios utilitrios ou especficos, ambos
configurveis dentro de uma relao de complementaridade especfica,
existe a perspectiva de que os novos tempos exigiro que seja dada
uma expresso adequada aos diversos momentos funcionais, incluindo o
plano organizativo que deve olhar as caractersticas e os requisitos
peculiares de cada servidor num ordenamento democrtico. Isto
comporta uma mudana radical no modo de conceber e de colocar a ao
administrativa. A verdade que valorizando-se os diversos aspectos
ou momentos funcionais, a ao administrativa dever ser colocada numa
relao imediata com os objetivos a atingir e com as instituies
polticas e sociais, num quadro constante de interdependncia entre
escolhas e resultados. por este motivo que se assiste hoje a um
processo de fragmentao que atinge a Administrao pblica. De uma
parte, procura-se reconstruir as estruturas de Governo (tanto do
centro 15 como da periferia) no mbito direto de responsabilidade
das instituies polticas; de outra parte, procura-se vitalizar
estruturas de gesto no mbito direto de responsabilidade das
instituies e dos grupos sociais. Segundo essa tendncia, o conjunto
das atividades administrativas deveria distribuir-se por todo o
arco da organizao polticosocial. O problema administrativo parece
que poderia resolver-se superando as estruturas burocrticas, na
prefigurao de dois tipos distintos de administrao: a administrao
poltica, inserida nas novas estruturas de Governo, e a administrao
social, correspondente s estruturas de gesto, expresso do
autogoverno das coletividades territoriais e pessoais que agem no
seio da comunidade nacional. A fim de que tal coisa possa
realizar-se, parece que o primeiro problema funcional a ser
reavaliado e reestruturado o do Governo. Em dois sentidos: rompendo
com o carter unitrio e centralizador que tradicionalmente arrasta
consigo, e dot-lo de adequadas modalidades de desdobramento. No
primeiro ponto de vista colocada em relevo a regionalizao como
processo comum em voga, tanto na Itlia como na Europa. Tal
regionalizao pode fazer-se atravs da distribuio dos poderes do
Estado e tambm atravs da coordenao dos poderes locais ( um modo de
se retomar, atualizada, a frmula dos Estados federados que tendem a
assumir caractersticas afins aos Estados regionais). O segundo
ponto de vista coloca em destaque o mtodo da programao. J que as
leis tendem cada vez mais a fixar os objetivos ltimos e a deixar
necessariamente amplo espao para a ao executiva, compete a esta
substancialmente determinar as prprias modalidades de participao no
espao e no tempo, fixando, ou melhor, projetando concretamente o
programa a desenvolver. O ponto alto da ao do Governo est,
portanto, na programao e no planejamento, os quais, embora no
garantam mais, como acontecia na administrao tradicional, a
discriminao entre autoridade e liberdade, na medida em que primazia
aos interesses das pessoas e dos rgos pblicos em relao aos
interesses privados, estabelecem, entretanto, critrios e
instrumentos para o cumprimento de objetivos comuns de relevncia
social, arbitrando e mediando entre uma pluralidade de interesses
coletivos. Daqui nasce particularmente a exigncia (repetidamente
presente na legislao) de dar amplo relevo ao processamento na fase
de formao dos programas, na mira de favorecer a participao desses
interesses e de obter uma ponderao conveniente por parte da
administrao poltica.
24. 16 ADMINISTRAO PUBLICA Os programas representam tambm o
parmetro de comparao e de colocao dos vrios centros de Governo,
respeitada a autonomia e a execuo de cada um nos vrios nveis e
di