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CAPÍTULO 7 ENTRE A PATRÍSTICA E A ESCOLÁSTICA Profº José Ferreira Júnior

Cap 7 Entre a Patrística e a Escolástica

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Filosofia da Idade Média.

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  • 1. Prof Jos Ferreira Jnior

2. Final do sculo V, as invases germnicaspromoveram divises do territrio antesdominado por Roma.A Igreja tambm foi afetada por essequadro de transformaes; contudo,sofreu seus efeitos em menor grau, tendoabsorvido alguns importantes elementosda estrutura do Imprio, como aadministrao centralizada e baseada naautoridade do lder. 3. No final do sculo VI teve incio o papadode Gregrio Magno, momento importanteda consolidao da Igreja.O poder papal imps-se para alm daItlia ou mesmo da Europa, exigindo asubordinao dos patriarcas do ImprioBizantino. Isso se verificou at o ano de1054, quando ocorreu o Cisma do Oriente. 4. Em meados do sculo VIII, o rei franco,depois de conquistar territrios sob domniodos lombardos na pennsula Itlica, doou-osao papa, junto com o ducado de Roma,constituindo assim o Patrimnio de SoPedro, que daria origem aos territrios daIgreja. A aliana entre o Imprio Carolngio e a Igrejafoi decisiva para a histria do continenteeuropeu nos sculos seguintes, em que ocristianismo foi aos poucos se impondodiante das religies ditas pags. 5. Depois da morte de Santo Agostinho, nose desenvolveu nenhuma corrente depensamento to bem definida como apatrstica, nem surgiu algum cujaimportncia intelectual pudesse sercomparada do bispo de Hipona.Entretanto, formularam-se algumasdoutrinas filosficas interessantes, quemerecem nossa ateno. 6. A providncia aprpria razodivina que,constituda comosupremo princpiode tudo, dispetodas as coisas. 7. A principal caracterstica de sua obra seuapego filosofia antiga muito mais que fcrist. O amor do filsofo pelo pensamento grego seevidencia, por exemplo, em seu prolongadoempenho em traduzir vrias obras de Platoe Aristteles, para o latim. Dedicou-se s cincias e s artes, tendoredigido tratados sobre matemtica, fsica,geometria e msica. 8. Segundo Bocio, a amizade umaexperincia sagrada, ou seja, tem valorsemelhante ao das coisas divinas e, porisso, deve ser cultivada com o mesmo zelodestinado aos assuntos religiosos.Sobre a natureza de Deus, ele afirmavaque a essncia divina o bem.O homem feliz aquele que tem apresena de Deus em sua vida, pois Ele o bem supremo. 9. Bocio ensinava que o homem passavaa compartilhar a essncia de Deus pormeio da participao da natureza divina.Em outras palavras, uma pessoa feliz ,de certa forma, como um deus.Demonstrou que o mal o nada.Deus no pode fazer o mal, porque infinitamente bom. 10. No entanto, Deus pode fazer qualquercoisa, pois todo-poderoso.Por isso, a concluso de que o malno tem existncia nenhuma.Caso contrrio, isso seria umacontradio das caractersticasessenciais da divindade. 11. Que significa lidar com afilosofia seno expor asregras da verdadeirareligio, por meio dasquais a suma e principalcausa de todas ascoisas, isto , Deus, humildemente adorada eracionalmenteinvestigada? 12. Dedicou sua vida religio crist e aoexerccio da filosofia.Seu pensamento se caracteriza sobretudopelo modo como valoriza a razo dianteda f.Segundo ele, a verdade se origina de duasfontes distintas: a razo e a revelao. 13. A RAZO o alicerce e o guia que deveconduzir todo o desenvolvimento dasreflexes filosficas. A REVELAO o alicerce da religio; averdade que se mostra por meio dela deveser aceita pelo homem por intermdio da f. Afirmava que a verdade deve ser nica, isto, no pode haver duas verdadessimultaneamente vlidas a respeito de ummesmo fenmeno, experincia ou crena. 14. Por isso, impossvel que a razo e arevelao estejam em conflito. No entanto, h situaes em que umaverdade parece contradizer a outra, levandoa concluses opostas. Isso deve ser encarado como oposioapenas aparente, e a soluo deve serencontrada com o recurso razo. Em outras palavras, a razo deve prevalecersobre a f sempre que haja um impasseentre as duas. 15. Predestinao X Livre-arbtrio.Para Ergena o livre-arbtrio o elementomais importante entre os que determinama conduta humana. 16. As reflexes filosficas produzidas durante aIdade Mdia tiveram como pano de fundo adoutrina do cristianismo. Entretanto, a Idade Mdia produziu algumascorrentes de pensamento independentes daf crist que devem ser mencionadas. Essas escolas filosficas mantm pelomenos um ponto em comum com a filosofiacrist: o fato de se inspirarem tambm emdoutrinas religiosas o islamismo e ojudaismo. 17. De forma semelhante ao que aconteceuno cristianismo, os adeptos do islamismose depararam com o problema de conciliara razo e a f.Para resolver isso, diversos pensadoresse empenharam na elaborao de umafilosofia prpria, que fosse alm dos purosensinamentos dos lderes religiososislmicos. 18. As reflexes que constituam o pensamentomulumano dessa poca se fundamentavamno conhecimento cientfico que o islamismoacumulou ao entrar em contato com asdiversas culturas. Na filosofia, a maior influncia proveio dasobras de Aristteles, o que acarretou um fatode grande importncia na histria da filosofiamedieval, pois as tradues de seus textospara o rabe serviram como meio deapresentao das idias aristotlicas aospensadores da Europa crist. 19. Entre os pensadores islmicos,estudaremos Avicena e Averris.Do lado judaico, falaremos deMaimnides. 20. O ser testemunhade si enquanto ser,e ele mesmo, emrazo disso,testemunha tudo oque vem a terexistncia depoisdele. 21. Ibn Sin, conhecido no Ocidente comoAvicena, passou sua vida na Prsia, atual Ir,no Oriente Mdio. Ainda criana, ganhou fama graas suamemria prodigiosa; era capaz de decorarextensos poemas e textos religiosos inteiros. Seu pai, diante das potencialidadesdemonstradas pelo jovem, providenciou queele recebesse uma educao ampla, emcincias e em doutrina religiosa. 22. O jovem Avicena superou as expectativasdo pai e dos mestres.Dominava conhecimentos em medicina,lgica, teologia, geometria e astronomia.Aos 21 anos, j tinha slida reputaocomo mdico, profisso que exerceu emmuitas cidades para onde viajou.A principal contribuio de Avicena para opensamento medieval sua doutrinasobre essncias e existncia. 23. ESSNCIA descreve o que determinado ser; designa aquilo que define uma coisa, umser vivo ou um elemento da natureza. Um ser pode apresentar diversascaractersticas particulares que no fazemparte da sua essncia ou, vendo de outraforma, coisas ou indivduos bastante distintosentre si podem compartilhar a mesmaessncia. Exemplo: os felinos. 24. EXISTNCIA designa a presena de um serconcreto, como pessoas, seres ou elementosda natureza e objetos produzidos pelo serhumano. Essa presena deve ser entendida comoser perceptvel pela conscincia: um serexistente pode ser captado pelo intelecto pormeio dos cinco sentidos (no caso dos seresmateriais), da inteligncia (no caso dasidias, do conhecimento e da memria dascoisas) ou da autoconscincia. 25. Segundo Avicena, essncia e existncia,embora ligadas de maneira ntima, socategorias que devem ser estudadasseparadamente.Na prtica, para ele as essncias socomo possibilidades, no sentido de quepodem vir a definir um objeto concreto quese apresenta na realidade, que existe. 26. A essncia no umasubstnciaimpregnada nos seresem geral, nem umaentidade imaterialcom existnciaprpria. A essncia no oelemento suficientepara fazer com quealgo exista. 27. Haveria infinitas essncias possveis, masos seres somente teriam existncia sealgo ou algum agisse no sentido de fazercom que uma essncia se manifestassena realidade.Tudo que existe, existe por necessidade,e essa necessidade Deus.Na origem de tudo que existe, est Deus,o criador de todas as coisas. 28. Somente em Deus, Ser infinito, onipotentee eterno, essncia e existncia estariamunidas, porque Ele no tem origem ou,dizendo de outra forma, Ele a origem desi mesmo. 29. No se poderrender a Deus umculto melhor do queaquele que consisteem conhecer suasobras e que leva aoconhecimento doprprio Deus. 30. Nascido em Crdoba, na antiga Espanhasob o domnio muulmano, Abu al-Walidibn Ruschd, ou Averris, descendia deuma respeitada famlia de juristas.Estudou medicina, teologia e, em filosofia,conheceu com profundidade as idias dospensadores islmicos e as obras dosfilsofos da Antiguidade grega,especialmente Plato e Aristteles. 31. Trabalhou como mdico particular docalifa, de quem angariou a simpatia, eposteriormente veio a ocupar em Crdobao cargo de juiz, cujas funes incluam,alm de ministrar a justia, umasignificativa parcela de poder de governosobre a cidade.Averris foi um seguidor de Aristteles, decuja obra foi um dos maiorescomentaristas. 32. Escreveu diversos livros, deixando textosvariados sobre fsica, medicina,astronomia, direito, filosofia e teologia.Tendo se destacado nas funes pblicasque ocupou, Averris tambm senotabilizou pela firme coerncia entre oque pensava e o que acreditava sermelhor para a gesto dos assuntossociais. 33. Os tratados de Averris e o seu comentrio Repblica de Plato mostram a unidadeessencial que havia entre sua atitude e suasopinies, revelando de que modo procurouharmonizar a lei islmica filosofia. Para Averris s existe uma verdade, e ela atingida por meio da aceitao e dacompreenso da lei religiosa, profeticamenterevelada por Maom e designada pelapalavra rabe xari. 34. Se pudssemos falar sobre verdadesdistintas para efeito de estudo, a verdadecientfica, a do senso comum e sobretudo afilosfica coincidiriam perfeitamente com averdade religiosa que Deus comunica aosseres humanos por intermdio de seusprofetas. Averris acreditava que a filosofia deveriaservir como um importante instrumento paraque o povo islmico vivesse de acordo comos preceitos da xari e iluminado por suaverdade. 35. A partir da classificao aristotlica doconhecimento humano em cinciastericas, tcnicas e prticas, Averrisconstatou que a xari levava todas perfeio.Afirmou, por isso, que a religio se destinaa todas as classes, sem exceo dofilsofo. 36. Ao insistir nas prerrogativas dosmetafsicos para interpretar, como deveratribudo por Deus, as doutrinas dareligio na forma de crenas e convicescorretas, Averris admitiu que a xaricontm ensinamentos que ultrapassam oentendimento humano, mas que devemser aceitos por todas as pessoas, por setratar de verdades que procedem darevelao divina. 37. Segundo o pensador, tal como o povo emgeral, os administradores, os lderesreligiosos e os telogos, os filsofosacham-se definitivamente sujeitos leireligiosa.A principal atividade a que o filsofo podese dedicar a de refletir sobre a xariutilizando os mtodos filosficos deinterpretao, sob as regras da lgicaaristotlica. 38. Averris afirma que o mtodo tradicional deinterpretao da lei divina, a discussoretrica e dialtica realizada pelos telogosmuulmanos, no poderia revelar overdadeiro esprito das normas estabelecidaspor Deus para a religio e o comportamentohumano. Para o povo em geral, as metforas e regrastal como expostas no Alcoro devem serseguidas porque representam a lei divina deforma fiel e correta. 39. Averris afirma que uma das principaisfinalidades do islamismo a felicidade, quepode e deve ser alcanado pela obedincia xari. Segundo ele, a meta da filosofia a mesma,sendo essa a verdadeira companheira da leireligiosa, como uma irm adotiva. A felicidade se traduz no estabelecimento deuma sociedade justa e com as necessidadesmateriais atendidas. 40. Para Averris, fazer com que as mulheressejam destinadas apenas a gerar e criarfilhos danoso economia e um doselementos responsveis pela existncia dapobreza. Averris no podia, entretanto, sustentar edivulgar livremente suas idias, pois elas seopunham ao pensamento e s intenes detelogos e outros lderes muulmanos, quechegaram mesmo a incitar a populaocontra o filsofo. 41. Creio que o verdadeiromodo, o mtododemonstrativo queelimina a dvida,consiste emestabelecer aexistncia de Deus, asua unidade e a suacorporeidade de acordocom o procedimentodos filsofos. 42. Nascido em Crdoba, Moshe Ibn-Maymon,ou Maimnides, pertencia a uma famliaculta e respeitada pela comunidade local.Ainda criana, j impressionava seusmestres por sua inteligncia.A cidade era governada por muulmanosque toleravam os cidados que tivessemoutras crenas. 43. Em 1148, no entanto, a regio foi dominadapela fantica seita dos almadas. Intolerante,esse grupo permitia apenas duas opespara as pessoas de credos diferentes: Converter-se f islmica; ou Abandonar a regio. Durante alguns anos, sua famlia praticou ojudasmo de forma oculta, dentro de casa,vestindo-se e comportando-se em pblicocomo muulmanos. 44. Quando isto se tornou impraticvel, afamlia foi viver em Fez, no atualMarrocos.Posteriormente, mudaram-se para aPalestina e, finalmente, para uma cidadeprxima ao Cairo, no Egito, onde o pai deMaimnides morreu e ele teve de trabalharcomo mdico para sustentar a famlia. 45. Maimnides viveu o resto da vida,dedicando aos estudos talmdicos efilosficos e ao exerccio da medicina, emque se distinguiu, sendo designadomdico do sulto Saladino.Faleceu no Egito e foi enterrado emTiberade, na Palestina. Seu tmulotornou-se lugar de peregrinao para osjudeus. 46. Procurou conciliar os princpios religiososcom os conhecimentos e os mtodosproporcionados pela filosofia, tendo exercidogrande influncia tanto no meio judaico comofora dele. A sua obra vasta. No campo religioso, sonotveis seus comentrios sobre a Michn, acodificao mais antiga das leis orais dojudasmo registrada depois dos textosbblicos, e sobre o Talmude, que reneinterpretaes teolgicas e anotaes sobrea Michn. 47. O maior tratado filosfico de Maimnidesfoi escrito originalmente em rabe; oDalalat al-hairin (Guia dos Perplexos), noqual o filsofo trabalhou durante quinzeanos a partir de 1176.Nesse tratado, ele prope a concordnciaentre f e razo e a necessidade decompatibilizar a religio com a filosofia e acincia, o que despertou divergnciasentre os judeus ortodoxos 48. O que ns cremospela f sobre anatureza divina e aspessoas da mesma,exceto a encarnao,pode ser demonstradocom razesnecessrias, sem serecorrer autoridadedas Escrituras. 49. Filsofo e Telogo, Anselmo nasceu emAosta, no norte da Itlia. Tornou-se monge beneditino e foi arcebispode Canturia, na Iglaterra, embora tenhapassado parte dos anos posteriores no exlio,devido a disputas polticas entre o poder civile a Igreja. Defendeu com firmeza os direitos da Igreja e,em teologia, os direitos da razo, que ele viacomo base, e no como ameaa verdadeiraf. 50. De maneira semelhante a Santo Agostinho,creio para compreender era o lema deSanto Anselmo. Entendia que, pra atingir o conhecimento, erapreciso partir da revelao divina, da f, eno da razo; em seguida se poderiapenetrar a f mediante a razo. Sua notoriedade se deve principalmente proposio do argumento ontolgico daexistncia de Deus. 51. At ento, essa afirmao era sustentadafilosoficamente por meio de argumentos quelanavam mo da autoridade dos apstolos edos representantes da comunidade crist,gerao aps gerao. Santo Anselmo mudou a maneira de abordaro tema ao oferecer o que ele definia comouma demonstrao racional e lgica daexistncia de Deus, sem precisar quehouvesse testemunhos sobre a revelaodivina. 52. De modo sumrio, sua prova a seguinte:em primeiro lugar, preciso aceitar a idia deque h diferentes graus de perfeio entreos seres representados em nossa mente e osexistentes na realidade. Assim, o ser existente na realidade maisperfeito que um ser que existe apenas emnosso intelecto, ou mais perfeito que arepresentao que temos dele em nossamente. 53. Apliquemos o mesmo raciocnio divindade. Podemos representar mentalmente a idia deum ser infinito, todo-poderoso, eterno,onisciente, absolutamente perfeito estesso os principais atributos de Deus. Esse sernecessariamente o mais perfeito entretodos os que podem ser imaginados, isto ,no pode haver nenhum ser mais perfeitoque este, por princpio. 54. No entanto, se ele o ser de mais alto graude perfeio possvel, ele necessariamentetem de existir na realidade; caso contrrio,chegaramos a uma contradio. Afinal, algo, para ser absolutamente perfeito,tem de existir tanto como representaointelectual quanto na realidade; se no fosseassim, simplesmente no conseguiramospensar num ser totalmente perfeito. 55. Por isso, Deus tem de existir, porque arazo obedece lgica argumentativa. 56. CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia.Editora tica: So Paulo, 2006.