II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política
“Horizontes y dilemas del pensamiento contemporáneo en el sur global” Buenos Aires, 2 al 4 de Agosto de 2017
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global”
Buenos Aires, 2 al 4 de Agos to de 2017
Mesa Temática 32 - Cultura Política e Democracia na América Latina
Qual democracia? A Teoria da Cultura Política em Debate
Valéria Cabreira Cabrera, Universidade Federal de Pelotas.
Resumo
Há aproximadamente duas décadas teóricos políticos têm chamado a atenção para a necessidade de haver diálogo entre as subáreas da Ciência Política. Claramente, nota-se o distanciamento entre subáreas ditas mais e menos ‘científicas’. A cultura política encontra-se no primeiro grupo; estudos de teoria política normativa, por exemplo, no segundo. Nesse contexto, tenho refletido, a partir de uma análise crítica da teoria da cultura política contemporânea - que de forma alguma busca rechaçá-la, mas sim pensá-la a partir de outra perspectiva - sobre em quais pontos essa subárea peca em sua análise da política por não recorrer a outras subáreas da Ciência Política. Minha premissa é de que a cultura política contemporânea tem se distanciado da sua referência teórica primeira - The Civic Culture, de Almond e Verba –, mas não tem se preocupado em reestruturar a elaboração teórica da área, centrando-se quase que exclusivamente no rebuscamento analítico-empírico decorrente do método estatístico de análise. Nesse sentido, neste paper trago parte dessa reflexão ao debate e questiono o conceito de democracia com que trabalha a cultura política. O tema me parece central à proposta deste evento, que busca debater os dilemas e horizontes do estudo da teoria política na atualidade, sobretudo no que se refere ao estudo do Sul Global.
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Introdução
Neste paper se procura delinear passos iniciais de uma discussão maior a
partir da qual será desenvolvido um estudo crítico da teoria da cultura política1. Lá a
pretensão é demonstrar de forma empírica, por meio de análise de conteúdo, como as
pesquisas da área têm se detido mais fortemente no rebuscamento do método
estatístico de análise, não se preocupando de forma igual com o desenvolvimento
teórico. Importante salientar que quando se fala de pesquisas da área, as pesquisas
desta autora devem estar aí incluídas. Dessa forma, os apontamentos que ora são
feitos tratam-se de convite aos demais pesquisadores que, no mesmo sentido,
percebem a necessidade dentro de seus próprios trabalhos de evoluir teoricamente.
Um dos principais indícios aparentes dessa subteorização é o atrelamento
quase que obrigatório dos estudos de cultura política à The Civic Culture, de Almond e
Verba (1989 [1963])2. É claro que após as críticas dirigidas a essa obra, passado o
período de esquecimento a que foi relegada até meados da década de 1980, os
autores que se propuseram a estudar o comportamento político tiveram a preocupação
de evitar seus equívocos, sobretudo a partir da publicação de The Civic Culture
Revisited, também de Amond e Verba (1980). No entanto, a percepção que se tem é a
de que a teoria da cultura política está ainda baseada na negação de conceitos das
obras iniciais, ou seja, não há teorização positiva de novos conceitos, que rechacem
aqueles equivocados. Nesse sentido, o questionamento se dirige aos teóricos desta
década, permitindo a reflexão sobre se está-se produzindo teorização que acompanhe
a complexidade política e social das sociedades, distanciando-se de fato daquilo há
muito considerado ultrapassado.
Essa percepção precisará ser testada empiricamente, o que será feito, mas
não neste trabalho. Aqui a proposta é discutir apenas teoricamente o conceito de
democracia da teoria da cultura política contemporânea, já que foi este um dos
principais pontos de crítica à obra inaugural da área. O que se avançou desde lá? Em
que ainda precisa-se avançar? Esse tópico surge em meio ao debate da teoria da
1 Esse trabalho, que está em fase de pesquisa exploratória, será desenvolvido em coautoria com a professora Bianca de Freitas Linhares, do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPel. 2 A versão dessa obra aqui utilizada foi publicada em 1989, apesar de a edição original ser de 1963. II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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cultura política porque o conceito de democracia é um entre aqueles sobre os quais a
demarcação conceitual contemporânea parece não estar preciso.
Assim, inicia-se este artigo rememorando-se aspectos essenciais do conceito
de democracia em The Civic Culture e das críticas dirigidas a essa publicação,
desenvolvendo-se brevemente o entendimento de democracia liberal. Na secção
seguinte, discorre-se sobre o que se crê ter-se avançado, centrando-se na adoção da
noção de democracia substancial pelos culturalistas, buscando um distanciamento do
modelo minimalista de democracia. Por último, elabora-se uma disposição de ideias
simples, de cunho até ensaístico, mas que dão o passo inicial de reflexão sobre como
e no que se crê necessário ainda avançar.
1. A aceitação da democracia liberal
A autonomia individual sempre foi um princípio central do liberalismo desde
Locke. A noção principal advinda desse princípio, que permeia hoje a democracia
liberal, é que o Estado deve disponibilizar meios para que os indivíduos se dediquem a
seus próprios interesses da forma como bem entenderem. O Estado, segundo esse
pensamento, deve ser mínimo e agir apenas de forma a garantir direitos e liberdades
aos cidadãos. Assim, o liberalismo tem sido sempre associado à ‘direita’, que possui
metas de liberdade e igualdade individualistas. A ‘esquerda’ representaria o outro lado,
aquele que não crê que a liberdade e a igualdade possam ser conquistadas por
indivíduos deixados à própria sorte pelo Estado, tendo em vista a distribuição desigual
dos meios de produção nas sociedades capitalistas (HELD, 2006).
Essa polarização entre esquerda e direita tem sido levada a extremos e
compreendida a partir de conteúdo moral nas últimas décadas: em uma mão os vilões
e noutra os mocinhos. Não se pretende entrar nessa disputa; as novas esquerdas
contemporâneas já têm se distanciado da noção marxista há muito (HELD, 2006) –
embora tenham em comum o anti-neoliberalismo, bem como tragam distinções
importantes entre si (SILVA, 2011).
Além disso, diversas outras correntes teóricas surgiram no último século a fim de
superar liberalismo e marxismo – comunitarismo, multiculturalismo, pós-marxismo,
feminismo, etc. Ainda que liberalismo e marxismo sejam ainda as duas grandes teorias
e permaneçam em disputa ainda neste século, as correntes teóricas alternativas II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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preservam premissas liberais para tornarem-se possíveis no mundo em que o
capitalismo domina. Sobretudo, após o fim do socialismo real, é o liberalismo,
primordialmente, que se mantém vivo (MIGUEL, 2016).
Assim, o liberalismo continua sendo a teoria mestra, seja para os seus
seguidores, seja para os seus críticos, os quais, segundo Miguel (2016, p. 25),
“assumem os valores que o próprio liberalismo empunhou, para então criticar a sua
concretização deturpada, enganosa ou insuficiente na ordem social que teria realizado
o programa liberal”. Os valores a que se refere Miguel (2016) são a autonomia
individual, referida há pouco, e a igualdade (MIGUEL, 2016).
A democracia em sua versão liberal, nesse sentido, nega que a vontade popular
seja o valor político último. Para os democratas liberais, o reconhecimento de um
conjunto de liberdades básicas que permita aos seres humanos viverem como livres e
iguais – tais como liberdades de pensamento, de expressão, de imprensa, de
associação e de religião, de propriedade, de votar e ser votado – tem prioridade sobre
as vontades e condições populares. Assim, a democracia liberal concede lugar mais
amplo a princípios ligados à revisão judicial de questões sociais e políticas, como o
check and balances, a separação de poderes e outros meios de mediar a vontade
popular bastante comuns em democracias constitucionais ocidentais (GUTMAN,
2007).
Nesse sentido, a democracia aliada ao liberalismo acaba por limitar-se à
proteção de direitos, o que, para Miguel (2016, p. 61) faz com que perca “a ambição
de realizar a autonomia coletiva”. Em razão disso, as desigualdades socialmente
estruturadas são subprestigiadas nessas democracias, onde quase não se percebe
ligação entre a mudança social e a realização do ideal democrático (MIGUEL, 2016).
Relembre-se que mesmo na noção de igualdade da democracia liberal oriunda da
‘Teoria da Justiça’ de Rawls (1971), que rompeu com alguns paradigmas liberais
clássicos, as desigualdades são justificáveis em situações determinadas (RAWLS,
1971).
O fato é que a cultura política tem sido ‘acusada’ de aliar-se ao ideal democrático
liberal ou, ao menos, de não questioná-lo (RENNÓ, 1998; PATEMAN, 1980). Não
obstante não represente crime algum, a restrição da vontade popular à
institucionalização de direitos e garantias individuais pode preservar ou promover as
vantagens injustas das minorias que compões as elites (GUTMAN, 2007). A ‘Teoria da II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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Justiça’, de Rawls (1971), não obstante liberal, abriu caminho para a crítica do
liberalismo clássico, ao criticar a noção de meritocracia e desenvolver, a partir do seu
princípio da diferença, a noção de igualdade liberal democrática (RAWLS, 1971). Esse
autor, em suma, pretendia que toda pessoa fosse capaz de produzir capital, numa
adaptação à noção de ‘cidadãos proprietários’ de Meade (VITTA, 1999). Para Vitta
(1999), contudo, além de ter um alto grau de redistributivismo, a concepção de Rawls
suportava desigualdades ainda por demais excessivas (VITTA, 1999).
O fato é que o liberalismo carrega contradições internas que colidem entre si e
com a democracia. Ao mesmo tempo em que requer a igualdade de dignidade entre
todas as pessoas e a positivação de direitos igualmente válidos para todos,
compreende que a desigualdade é necessária e inevitável nas relações humanas, pois
a racionalidade dos indivíduos seria desigual por natureza, o que justificaria a esfera
pública estar aberta apenas para alguns. É nesse contexto que a ruptura proposta por
Rawls (1971) com a caracterização de talentos individuais naturais é percursora de
uma nova perspectiva (MIGUEL, 2016).
Entretanto, o argumento em defesa da cultura política é o de que os culturalistas
teriam colocado em voga a opinião popular a partir do estudo das orientações
subjetivas dos cidadãos acerca de fenômenos políticos justamente, segundo Rennó
(1998, p. 71), “na tentativa de superar ideais liberais e iluministas”. Os conceitos-chave
da área contemporanemente foram retirados de The Civic Culture – Political Attitudes
and Democracy in Five Nations, obra de Gabriel Almond e Sidney Verba, de 1963. No
entanto, com efeito, ainda antes dessa obra, os estudos comportamentalistas surgiram
nos Estados Unidos, berço da Ciência Política no século XIX, como um passo além
daquilo existente na academia até aquele momento, isto é, representou a distinção
entre, de um lado, a Ciência Política de fato científica e, de outro, a história do
pensamento político e a teoria política normativa. Nesse período, que ficou conhecido
como Behavioral Revolution, o positivismo lógico passou a servir como fundamento
para a ‘nova’ Ciência Política, baseada na verificação empírica de teorias (FERES,
2000). Nesse período, David Easton anunciou a “morte da teoria política” (BALL, 2004,
p. 10).
A teoria política acabou sendo absorvida pela filosofia, da qual os
comportamentalistas estavam habituados a manterem-se distantes – o que para Ball
(2004) parece bastante contraditório, já que o comportamentalimo era dependente de II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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uma filosofia, o positivismo. Nesse sentido, comportamentalistas adotavam 3
premissas positivistas essenciais: 1) a elaboração de proposições sintéticas,
análisticas e normativas; 2) a aceitação da noção de que proferimentos éticos são
vazios; e 3) a adoção de critérios para demarcação do que é e do que não é ciência
(BALL, 2004).
Assim, os estudos comportamentalistas, que prometiam superar ideais liberais e
iluministas (mesmo antes de The Civic Culture) não trouxeram novidade quanto a isso,
já que sua contribuição principal se referia ao método de análise. Além disso, mesmo
os partidários da revolução comportamentalista eram abertamente partidários do
liberalismo democrático americano (FERES, 2000). Para Feres (2000), o problema dos
estudos comportamentalistas da época era a confusão conceitual quanto à
democracia. “Esses autores [os comportamentalistas] não raro tratam o liberalismo e o
republicanismo americano como sinônimos”, diz o autor (FERES, 2000, p. 102). Isso
se daria, sobretudo, porque a exigência pela participação cidadã é confundida com a
forma de governo dos Estados Unidos (FERES, 2000).
Feres (2000, apud BALL, 1993) narra que mesmo antes da Behavior Revolution
– que se deu a partir da década de 1950 – estudos comportamentalistas vinham
ganhando espaço a partir da entrada dos Estados Unidos na II Guerra Mundial.
Cientistas políticos se engajaram no estudo da guerra e o comportamentalismo passou
a chamar a atenção dos governos e atuar a serviço da política de guerra. Após,
quando iniciou-se a Guerra Fria, novamente o comportamentalismo mostrou-se útil
para a “manipulação de corações e mentes” (FERES, 2000, p. 103). A utilidade desses
estudos passou a exigir maiores finaciamentos, com o que a tecnificação dos estudos
em Ciências Sociais contribuiu (FERES, 2000).
Essa narrativa ajuda a pensar nos motivos pelos quais o modelo de democracia
liberal era enaltecido – ou, minimamente, não questionado – pelos estudos
comportamentalistas do pós-guerra, passando pela Behavior Revolution e alcançando
a abordagem culturalista a que ainda hoje se faz referência, a de Almond e Verba. A
crítica a The Civic Culture já foi largamente elaborada durante as décadas de 1970 e
1980, levando Almond a publicar The Civic Culture Revisited (1980), em que trouxe
uma coletânea de textos críticos a premissas inaugurais. No entanto, para que se
recorde, em The Civic Culture, Almond e Verba (1989) associaram as culturas políticas
dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha ao ideal de cultura cívica ou, na verdade, ao II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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mais próximo disso (ALMOND; VERBA, 1989). Essas foram as palavras dos autores
(1989, p. 338):
As we have said, political cultures of this two nations [Estados Unidos e Grã-Bretanha] approximate the civic culture. This pattern of politicals atitudes [dos demais países em estudo] differs in some respects from the ‘rationality-activist’ model, or the modelo of political culture which, according to the norms of democratic ideology, would be found in a sucessfull democracy3.
O aspecto que ainda distanciava os demais países em estudo do ideal de cultura
cívica, de acordo com a racionalidade-ativista esperada nas democracias de sucesso,
era a escassez de maior envolvimento dos cidadãos com a política. Para Almond e
Verba (1989, p. 338), “According this rationality-activist, view a sucessful democracy
requires that citzens be envolved and active in politics, informed about politics, and
influential”4.
Até esse ponto, a noção de democracia de Almond e Verba (1989), ainda que
claramente ligada às democracias liberais americana e britânica, poderia ainda estar
adequada a algum leitor desavisado, sobremaneira ao considerar-se o desejo por
participação cidadã. Um olhar um pouco mais aprofundado, contudo, revela a tomada
a priori dos demais países como de cidadania pouco participativa, sem considerar os
contextos sociais, políticos, econômicos, culturais e os processos históricos de
formação desses países enquanto Estados-nacionais.
No que se refere à participação, Almond e Verba (1989, p. 340) afirmam que:
(...) the ordinary citizen must express his point of view so that elites [as que governam] can know what he wants; he must be envolved; he must be envolved in politcs so that he will know and care whether or not elites are being responsive, and he must be influential so as to enforce responsive behavior by the elites5.
3 “Como dissemos, as culturas políticas destes dois países (Estados Unidos e Grã-Bretanha) se aproximam da cultura cívica. Esse padrão de atitudes políticas difere em alguns aspectos do modelo "racionalista-ativista", ou do modelo de cultura política que, de acordo com as normas da ideologia democrática, seria encontrada em uma democracia bem sucedida” [tradução nossa].
4 “Segundo essa racionalidade-ativista, considerar uma democracia bem sucedida exige que os cidadãos sejam envolvidos e ativos na política, informados sobre a política e influentes” [tradução nossa].
5 “O cidadão comum deve expressar seu ponto de vista para que as elites possam saber o que ele quer; Ele deve estar envolvido; Ele deve estar envolvido na política para que saiba e fiscalize se as elites estão ou não sendo sensíveis às suas demandas, e ele deve ser influente para impor o comportamento das elites” [tradução nossa].II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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Vê-se que os autores sequer cogitam a possibilidade de atuação direta do
cidadão nos governos; falam em influenciar, em se envolver, mas não em atuar ao
lado das elites ou em lugar das elites. Sobre o tema, assim avalia Rennó (1998, p.
73) :
The Civic Culture adotou, além dessas tradições, o modelo liberal democrático de cidadania. O cidadão envolvido e ativo na vida política — com uma participação informada e racional, e, ao mesmo tempo, propenso à passividade, confiança e deferência à autoridade — é o protótipo desse padrão.
A relação entre cultura política e estrutura política foi talvez o maior ponto de
divergênia em relação à The Civic Culture, que parecia não conseguir descrever de
forma clara a relação entre os níveis micro e macro. Além disso, a teorização da área
era considerada ineficiente como instrumento analítico da realidade política. E,
obviamente, o claro favorecimento do modelo político democrático liberal pela
abordagem culturalista não escapou das críticas (RENNÓ, 1998).
Pateman (1980) ofereceu umas das mais reconhecidas contrubuições críticas a
The Civic Culture. Para a autora essa obra não atentou para os motivos das
descontinuidades vistas na cultura política das sociedades analisadas, de forma que
não tratou da relação entre diferenças internas de uma cultura política e igualdade
formal institucionalizada. Isso, no entendimento de Pateman (1980), é consequência
do fato de o modelo liberal de democracia não ser questionado por Almond e Verba
(1989). Afora isso, a autora também enfatizou o fato de a teoria da cultura política
ignorar o modelo participativo de democracia. Mais do que nunca a cultura política
verificada a partir da participação afeta a estrutura política, de maneira que a adoção
do modelo de demoracia liberal acaba por desconsiderar posicionamentos distintos
dos indivíduos em relação à política (PATEMAN, 1980).
Rennó (1998) está de acordo com a noção de que a idealização da democracia
anglo-americana como modelo a ser perseguido restringe a capacidade de análise da
relação entre cultura e estrutura político-social. No entanto, considera que a inserção
dos conceitos de heterogeneidade cultural e de mudança cultural contribuíram para
enriquecer a teoria da cultura política. No ensejo das críticas realizadas à abordagem
culturalista, Rennó (1998) salienta a proposta de interpretação da cultura política
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elaborada por Lane, que considera Political Culture and Political Development, de Pye
e Verba, um marco do distanciamento da cultura política contemporânea daquela de
The Civic Culture, ao demonstrar uma visão da heterogeneidade cultural dos países
(RENNÓ, 1998). Assim, coloca Rennó (1998, p. 86) se referindo à avaliação de Lane
(1992):
[em Political Culture and Political Development] Há críticas quanto ao sistema de classificação de culturas políticas como paroquiais, subordinadas e participativas, é ressaltado o caráter transicional de todas as sociedades e, por último, defende-se a utilização de outras técnicas, além dos surveys, para a avaliação das culturas.
Para Lane (1992, apud Rennó, 1998) a observação das subculturas políticas
associada à cultura política geral das sociedade evitaria a comparação das
democracias das sociedades em estudos com modelos considerados universalmente
desejáveis e, assim, a orientação ocidental e liberal. Nesse sentido, Rennó (1998, p.
89) conclui o seguinte:
O cuidado principal quando da utilização da teoria da cultura política é destacar alguns conceitos desse arcabouço teórico, capazes de enfrentar as dificuldades referentes à definição do tipo de relação entre cultura e estrutura política e à eliminação do viés democrático liberal, que ao invés de analisar culturas existentes, busca compará-las com um modelo ideal, sendo esse o da democracia liberal. A ênfase nas idéias de heterogeneidade cultural e de mudança na cultura política é indispensável para tornar a análise de determinado grupo mais precisa.
Essa conclusão apresentada por Rennó (1998) é o que basicamente tem sido
elaborado nos últimos anos pela cultura política contemporânea, o que tem sido útil
para delinear os caminhos das pesquisas empíricas. A eliminação do viés democrático
liberal, ao que tudo indica, é de difícil operacionalização, já que a grande maioria das
sociedades contemporâneas são liberais. No entanto, a utilização desse modelo de
democracia como um ideal tem sido rechaçado em prol de um modelo substancial,
sobre o que se trata na secção que segue.
2. Da democracia formal à democracia substancial
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Pelo que se viu, pode-se dizer que o mais democrático nas democracias liberais
é a seleção de governos para ocupar posições de responsabilidades oficiais. A
gramática da democracia nos países do Sul Global é de exclusão, esse é o principal
motivo pelo qual o modelo de democracia representativo, fruto do liberalismo, não
pode ser o referencial democrático por aqui.
A principal saída dos culturalistas para escapar da ligação à democracia liberal
que lhes é atribuída, foi aliar-se à defesa de uma democracia substancial. Como o
liberalismo, francamente falando, foi o grande vitorioso da Guerra Fria e a democracia
em que se vive hoje é a liberal, hegemônica no ocidente, a conformação com esse
modelo de democracia não apenas é escusável como é inevitável. O problema está
em não questionar esse modelo de democracia e em tomá-lo como referência, como
numa atitude acrítica e não exigente para com o futuro.
Assim, a noção de democracia substancial aparece para afirmar o
distanciamento da noção de democracia da cultura política do modelo minimalista.
Historicamente, muitos proponentes do regime democrático insistiram que os direitos
formais de participar são necessários, mas não o suficiente para o governo genuíno
pelo povo ser realizado. Rousseau e Mill argumentam que o autogoverno popular,
nesse sentido, torna-se corrupto e, por fim, moribundo. Essa noção de que a
participação democrática deve ser pensada como um dever cívico mais do que um
direito, contudo, tem sido contestada por alguns teóricos modernos da democracia que
alegam que um grau de apatia e desligamento político pode ser efetivo e
funcionalmente necessário para o regime democrático estável (GUTMAN, 2007).
Numa evolução histórica conhecida dos estudos das elites, Schumpeter (1961)
tornou-se a referência principal da noção de que o governo de elites era compatível
com a democracia. Entretanto para esse autor a democracia tratava-se de um método
político, e não de uma teoria com ideais. Nesse sentido, assim definiu Schumpeter
(1961, p. 321): “[...] o método democrático é um sistema institucional, para a tomada
de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta
competitiva pelos votos do eleitor”.
A partir do que Schumpeter denominou método democrático e do modelo de
teoria clássica por ele delineado, outros autores, dentre eles Sartori, Eckstein, Dahl,
Berelson, desenvolveram outras noções de democracia. Robert Dahl, por exemplo,
ensaiou a o retorno do conceito de participação na formulação de seu método II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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poliárquico, em que dispõs como pré-requisitos sociais do sistema poliárquico a
existência de consenso a respeito das normas e a atividade política dos cidadãos
(PATEMAN, 1992).
Em ‘Poliarquia – Participação e Oposição’, originalmente publicada em 1972,
Dahl (2005) evidenciou a possibilidade de que apenas uma pequena parcela de
indivíduos aproveitasse as oportunidades de tomada de decisão e, assim, reconheceu
que o controle do regime político ficaria por conta da competição entre os líderes, do
mesmo modo já delineado por Schumpeter (1961). Em sentido oposto, contudo, Dahl
(2005) ressaltou a importância da inclusão da maior quantidade possível de cidadãos
na política, bem como da contestação aos governos por parte destes, para ampliar a
influência de um maior número de minorias. Menciona Dahl (2005, p. 16):
Quanto menores os obstáculos à contestação pública e maior a proporção da população incluída no sistema político, mais dificuldade terá o governo de um país em adotar e aplicar políticas que exijam o exercício de sanções extremas contra uma porção maior do que uma pequena porcentagem da população; e menos provável, também, que o governo tente fazê-lo.
Poliarquia surgiu como uma forma de tentar compatibilizar o ideal democrático
com o cenário político pouco participativo do pós-guerra. Dahl (2005) colocava em
cena, assim, a questão da distribuição desigual dos recursos políticos e suas
consequências para a democracia. No entanto, a inclusividade proposta pelo autor foi
apenas formal, acabando por reduzir-se ao voto e à exclusão de grupos subalternos
(MIGUEL, 2016).
Esses estudos influenciaram a maneira como o modelo de democracia
representativo, atualmente vigente por aqui, foi construído. Nesse sentido, Pitkin
(1979; 2006) elaborou um dos mais conhecidos debates sobre o tema. Para essa
autora, o representante, apesar de ter autonomia, não deve estar persistentemente em
desacordo com os representados, os quais devem ter capacidade de atuar
independentemente e de avaliar os fenômenos atinentes ao processo político.
Interessante observar que Pitkin (1979; 2006) constrói o seu entendimento a partir da
crítica à teoria liberal de Burke, para quem o representante deveria atentar para o
bem-estar geral da população, de forma a promover o interesse dos representados
sem precisar consultar seus desejos. Isso, para a autora, se levado muito a sério,
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acabaria por formar um governo de experts e técnicos que decidem pela massa
ignorante (PITKIN, 1979; 2006).
Nesse sentido, Baquero (2008, p.381) assim sintetiza:
Muito embora uma linha de pensamento na academia brasileira tenha se firmado nas últimas décadas argumentando que a democracia por aqui caminha bem, já que possui regras e procedimentos adequados para orientar os processos políticos, eleições regulares, pluripartidarismo e eleições transparentes, é equivocado entender aspectos procedimentais como suficientes a formação de uma teoria democrática capaz de explicar a complexidade política do país.
Desde meados de 2014, fenômenos tais como a retração econômica e a
enxurrada de escândalos de corrupção envolvendo pessoas importantes do cenário
político têm provocado uma crise política grave no Brasil. Aliado a isso, percebe-se
que o pensamento conservador, que já vinha em jornada ascendente no país,
encontrou o terreno ideal para estabelecer-se, atemorizando os defensores do
aprofundamento democrático. Os acontecimentos recentes, desde o impedimento da
presidente Dilma Rousseff – ou golpe, a depender do posicionamento do interlocutor –
até as consequências dele que ainda se desenrolam, ao que parece deixaram claro
que o atestado de estabilidade democrática decorrente do bom funcionamento
institucional não é suficiente.
Para Baquero (2008, p. 382), “a democracia contemporânea requer uma
cidadania ativa que se envolva na arena política via discussões, deliberações,
referendos e plebiscitos, ou seja, por meio de mecanismos formais e informais”. O
autor ressalta, entretanto, que essa atuação não pode vir em prejuízo das instituições
convencionais de mediação política. Na verdade, a necessidade do envolvimento
popular para o fortalecimento democrático é consenso entre os teóricos
contemporâneos (BAQUERO, 2008).
Os estudos de cultura política brasileira tem apontado para a existência de uma
cultura política híbrida por aqui (BAQUERO, 2008; MOISÉS, 2008), em que, apesar do
apoio à democracia, as instituições políticas possuem baixa credibilidade. Baquero
(2008) sugere que verificar a percepção dos brasileiros sobre os principais problemas
do país é uma boa forma de conhecer sobre a legitimidade democrática, sobretudo
“tentando identificar se está em andamento uma institucionalização de valores pós-
materiais” no país (BAQUERO, 2008, p. 387).
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No que se refere ao fomento de valores pós-materiais tem-se certas objeções
que que ao final serão pontuadas. Por ora, o que se deseja rememorar que já se teve
a oportunidade de discutir isso em Linhares e Cabrera (2016), em que se chamou a
atenção para a percepção negativa da população brasileira no que se refere à
efetividade de direitos políticos, civis e sociais. Lá afirmou-se que o cidadão como
agente político, sujeito de direitos políticos, civis e sociais, está subordinado à lei e tem
o direito de ser tratado com respeito e justiça, tenha ou não cargo ou função pública.
No entanto, acompanhou-se O’Donnel (2013) para lamentar que os vínculos que
cercam as relações de poder nas sociedades, mesmo nas democráticas, fazem como
que esses direitos constitucionais e legais na prática sejam negados a maioria da
população (O’DONNEL, 2013; LINHARES; CABRERA, 2016).
O’Donnel (2013) afirmou que a democracia deveria constitui-se num sistema
legal compatível com direitos de participação e liberdades políticas, bem como seus
regramentos deveriam prever a proibição de que qualquer pessoa ou instituição esteja
acima da lei. Além disso, a efetividade dos direitos civis, políticos e sociais fomentaria
a agência política do cidadão, logo a sua disposição para participar da vida política
(O’DONNEL, 2013). O argumento de O’Donnel (2013) sinaliza de fato algo
fundamental. No entanto, essa conclusão soa desalentadora, pois com a
complexidade das sociedades do Sul Global, que possuem históricos muito peculiares
e heterogêneos, o desafio das desigualdades das sociedades liberais parece ainda
maior.
A lógica de formação de crenças a respeito da política exige que se busquem
outros fatores associados à participação política. Baquero (2008) vê a criação de
capital social como um meio para a construção de uma cultura política participativa e,
portanto, mais adequada à democracia substancial. Nesse sentido, Baquero (2008)
atribui a hibridez da democracia brasileira à precarização das condições de vida da
população aliada à tendência contemporânea de manter-se um discurso que privilegia
a democracia formal. Isso porque, o modelo de democracia representativo, típico da
democracia liberal, além de não contar com a participação direta da população, tem
tido suas instituições rechaçadas pela maioria dos cidadãos.
Em democracias consolidadas, mesmo que haja desconfiança institucional, não
existem predisposições estruturais para mudar o regime democrático vigente. No caso
das novas democracias a sobrevivência do regime ainda está em jogo e exige II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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prudência, por isso a busca por elementos que gerem o apoio dos cidadãos aos
princípios democráticos é importante. No mesmo sentido, a reforma estrutural que
permita maior inserção popular nos processos decisórios é essencial. A exclusão dos
cidadãos dos governos cria uma ausência de transparência que alavanca a percepção
negativa sobre instituições representativas, as fragilizando (BAQUERO, 2008). Assim, ilustra Baquero (2008, p. 391):
Por exemplo, as decisões que se tomam não são publicadas, persistem práticas clientelistas, a força das corporações e dos lobistas aumenta, podendo, assim, debilitar o regime democrático até torná-lo pouco representativo do interesse geral. Esta crise se materializa na medida em que o sistema político não consegue resolver, por meio de ajustes e pelas instituições convencionais da democracia representativa, suas contradições.
Neste contexto, perceba-se que as contradições existentes são produto do
próprio modelo liberal democrático, que não elucida os dilemas centrais do país, ainda
que políticas sociais sejam implementadas, gerando a crise. No entendimento de Silva
(2011, p. 30), “Tal crise em diversos países parece ter oferecido uma janela de
oportunidade a alguns movimentos e novos partidos de esquerda, que surgiam como
alternativas a partidos tradicionais”. Ou seja, tais forças teriam conseguido canalizar o
descontentamento popular com as formas tradicionais de representação em benefício
próprio, surgindo como alternativa, sobretudo na Bolívia, na Venezuela e no Equador
(SILVA, 2011)6.
Quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Partido dos
Trabalhadores (PT) não assinou o projeto da assembleia constituinte, pois muito
conservador. O partido defendia que a ‘democracia formal’, típica do capitalismo,
deveria tornar-se ‘democracia real’, com a maior participação popular possível nas
decisões do governo e da sociedade. Ao longo dos anos 1990, no entanto, o PT foi
afastando-se de referências socialistas, passando a defender a noção de ‘democracia
radical’, a partir do ‘aprofundamento’ da democracia como transformação. Mais tarde,
houve a aceitação do partido a instituições, práticas e valores da democracia
representativa, sem deixar a defesa do aprofundamento democrático por meio da
participação popular e da descentralização. Nessa fase, foi notada a atuação
6 Em outras experiências latino-americanas, como a chilena, o desgaste e a baixa representatividade parecem ter afetado mesmo partidos de esquerda (SILVA, 2011). II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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democrática do partido mais próxima de referências do liberalismo político, como a
defesa da democracia brasileira, claramente liberal (SILVA, 2011).
O alcance de um ideal de democracia substancial, isto é, que não privilegie
apenas aspectos formais e institucionais, mas também a cultura política, a formação
de capital social e a participação cidadã, assim, também tem se chocado com a
democracia liberal sobretudo, em razão da desigualdade ser um desafio de superação
nas sociedades liberais. Não obstante isso, a democracia liberal é inevitável.
As construções teóricas atuais que adquirem maior espaço ao criticar liberalismo
e marxismo são também liberais: deliberativismo liberal, comunitarismo liberal,
multiculturalismo liberal, feminismo liberal, etc. Na verdade, as possibilidades de crítica
da complexidade política e social atualmente têm sido elaboradas por meio do
liberalismo. Assim, o fato de a cultura política ser uma teoria liberal ou que aceita a
concepção liberal de democracia não é o problema. A questão de objeção está no fato
de as saídas encontradas pelos estudos contemporâneos fornecerem poucos
elementos de crítica a esse ideal democrático, isto é, a noção de democracia
substancial somente poderá constituir-se como alternativa real à concepção liberal de
democracia se incorporar outros elementos que não a mera negação à definição
minimalista.
3. Qual democracia?
Exemplo do que se vinha falando acima é a adoção do pós-materialismo como
uma das aspirações da democracia substancial, e aí está a objeção referida. A lógica
da teoria pós-materialista interpreta a mudança sociopolítica contemporânea como um
processo de desenvolvimento humano, que faz com que os cidadãos dêem cada vez
mais valor à liberdade humana e à autoexpressão. De acordo com Inglehart e Welzel
(2009, p. 18), em obra que sintetiza os principais achados de pesquisas empíricas
testadas sob esse argumento, “A democracia não é simplesmente o resultado de uma
barganha entre elite inteligente e engenharia constitucional. Ela depende de
orientações fortemente enraizadas entre as próprias pessoas”. Nesse sentido, os
argumentos principais da teoria associam o desenvolvimento socioeconômico ao II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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estabelecimento de valores pós-materialistas, os quais favoreceriam a instauração de
regimes democráticos (INGLEHART; WELZEL, 2009). Isso significa que mais uma vez
a democratização é atrelada ao avanço material das sociedades, quando em países
do Sul Global a desigualdade econômica não é o maior dos problemas ou não é raiz
das adversidades reais.
Assim, são importadas definições teóricas que originalmente pensam sobre
Norte Global para refletir sobre o Sul Global e, em consequência, esse aporte torna-se
precário para pensar realidades regionais. Na América Latina, por exemplo, o impasse
com grupos culturais e étnicos inicia-se lá na colonização onde a população indígena
foi transplantada para um contexto que não era seu, escravizada e dizimada. No que
se refere a estudos culturais, mesmo o multiculturalismo, que, em tese, estaria muito a
frente ao pensar além de fatores econômicos, não é capaz de problematizar as
condições que fizeram com que determinados grupos se tornassem minoritários. A
permanência do laço com a ideia de identidade de pertencimento social nacional tem
causado importantes equívocos de interpretação, ainda mais quando utilizada como
metodologia de pesquisa, comprometendo a forma de fazer política e teoria política7.
No Brasil, discussões como aquela sobre o fechamento de comunidades
indígenas faz ver que discursos chauvinistas e conservadoristas ganham lugar em um
momento em que o liberalismo já não consegue suportar tantas demandas. O
argumento do pluralismo razoável da sociedade liberal e da neutralidade do Estado
não alcançam questões como tais, de cunho histórico e cultural. Nesses casos, parece
preferível o entendimento de que as demandas em sociedades do Sul Global devem
ser analisadas individualmente, por meio do estudo do caso em concreto, porque
adotar premissas de uma ou de outra teoria explicativa leva a uma generalização que
explica sem problematizar. No caso do pós-materialismo, além de já se saber que não
há muitos pós-materialistas no Brasil (RIBEIRO, 2011), não se vê qualquer indício de
que a democracia por aqui alcançaria a plenitude se o país obtivesse avanço material.
As desigualdades não materiais são essenciais para compreender-se a complexidade
social e política do Sul Global.
Aliado a isso, em um período em que as novas modalidades de participação
direta e deliberação precisam ser debatidas, sobretudo a partir da sua relação com os
7 Importante fazer referência que a construção desse argumento surgiu em debate com a professora Luciana Ballestrin durante disciplina por ela ministrada junto ao Programa de Pós-graduação do qual faz parte a autora deste artigo. II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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tradicionais mecanismos de representação, perceber como a teoria da cultura política
– uma das subáreas mainstreams da ciência política – se insere ou não nesse debate
parece essencial. Ainda mais no contexto de crise social, política e econômica
presente em diversos países latino-americanos, e percebido sobremaneira pelos
brasileiros.
O discurso participativista está na maioria dos textos da área da cultura política.
Em The Civic Culture, Almond e Verba (1989) já afirmavam que o futuro da
democracia seria de participação, embora basicamente se referissem a escolha de
representantes. É corrente na literatura a noção de que democracias estabelecidas e
emergentes possuem desafios diversos no que se refere à participação política.
Enquanto as democracias estabelecidas precisariam expandir as oportunidades de
participação direta dos cidadãos na política – a fim de que estes tenham papel
significativo na tomada de decisões cujos resultados afetam suas vidas – as
democracias emergentes que, em muitos casos tiveram a democratização
possibilitada, entre outros fatores, pela movimentação popular, necessitariam incutir
nos cidadãos o hábito da participação convencional (DALTON; KINGLEMANN, 2007).
De fato, estudos recentes demonstram que o nível de participação convenional
está em queda nas últimas décadas no Brasil, país em que a desconfiança em
instituições políticas é alto e o desencantamento com a política vem sendo constatado
há mais de duas décadas (MOISÉS, 2008). Como se viu, fenômenos como tal têm
origem no avanço do poder político no controle da economia e da diferenciação social,
que fomenta o patrimonialismo e que minimiza as possibilidades de institucionalização
dos direitos individuais e, como consequência, restringe as possibilidades de uma
participação política mais efetiva (BAQUERO, 2003; BAQUERO, 2008).
No entanto, os patamares de participação não convencional vêm crescendo no
país, de forma a fomentar os níveis gerais de participação. Nesse sentido, as formas
de participação convencional e não convencional apresentam-se como
complementares, e não como concorrentes entre si (BORBA, RIBEIRO, 2010). As
formas não convencionais de participação têm sido estudadas desde a década de
1970 e envolvem ações tais como: boicotes, manifestações, ocupações de prédios
públicos, abaixo-assinados e participação em movimentos sociais (DELLA PORTA,
2010). Esse tipo de participação, antes relacionada a contextos de instabilidade, são
percebidas hoje como formas eficazes de aprofundamento democrático, II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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principalmente a partir da emergência dos movimentos sociais (BORBA; RIBEIRO,
2011) e de análises que passaram a relacionar esse tipo de ação com a existência de
uma cidadania crítica (NORRIS, 2007).
Essas são conclusões importantes encontradas em estudos culturalistas
contemporâneos sobre a participação política no Brasil. A ressalva que se faz, nesse
sentido, é que a tentativa de inserir o conceito de democracia participativa no âmbito
da cultura política, subárea cuja teoria de base original não é em si participativista,
acaba por ignorar a maioria das formas de participação direta. A apropriação do
discurso da democracia participativa pela teoria da cultura política, inevitavelmente,
implica a redução do alcance desse modelo. Com efeito, insiste-se em encaixar as
velhas premissas culturalistas em teorias mais contemporâneas, como o modelo de
democracia participativa ‘revista’ (termo usado para diferenciá-lo do modelo
participativo clássico), de forma pouco minuciosa. Isso porque, adota-se a premissa de
que o fomento à participação política é essencial à democracia, mas não se assume
motivações, explicações e fatores levantados na larga teorização já desenvolvida
pelos participativistas no âmbito da teoria política normativa, bem como não se
elaboram conceitos novos a desenvolver a teoria da cultura política.
Santos e Avritzer (2002, p. 42) vão chamar de demodiversidade “a coexistência
pacífica ou conflitual de diferentes modelos e práticas democráticas”. Se o modelo
liberal for considerado único e universal a demodiversidade é prejudicada, o que é
negativo sob dois aspectos: 1) se a democracia tem um valor intrínsico e não é
meramente instrumental, então esse valor não pode assumir-se como universal; 2) a
democracia existente distingue-se muito da democracia ideal. Nesse sentido o que se
requer é uma combinação entre os modelos representativo e participativo de
democracia, e não apenas o atestado de que a disputa entre esses modelos é
inconclusiva, como pretendem os modelos hegemônicos.
Estudos dessa década na área da cultura política têm se mostrado atentos a
necessidade dessa combinação de modelos, inserindo pesquisa sobre participação
convencional e não convencional (BORBA, RIBEIRO, 2010). No entanto, muitas vezes
parece muito mais um esforço por parte de autores específicos, o que, é claro, já é um
passo fundamental para a construção da cultura política contemporânea. Entretanto,
apesar de ter-se discutido incansavemente as experiências dos orçamentos
participativos no país, não se sabe se formas de atuação direta são postas como II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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referências democráticas pela cultura política, pois não há um ponto de referência
rumo ao aprofundamento democrático delineado.
A teoria participativa contemporânea, em sua forma revista, exige não apenas a
coexistência de formas de representação e de participação popular, mas também o
reconhecimento de um procedimentalismo participativo, onde processos de
deliberação pública podem substituir parte do processo de representação. Nesse
contexto, os meios de participação direta existentes no Brasil atualmente são
basicamente as conferências e conselhos, que promovem a representação a
sociedade civil na esfera dos governos, seja deliberativa ou consultivamente. Os
estudos contemporâneos de cultura política, no entanto, atrelados em maioria ao
método survey de coleta de dados e estatístico de análise e, portanto, em grande
parte sujeitos a bancos de dados secundários, muito pouco frequentemente estuda
essas formas de participação. O mesmo se dá em relação aos movimentos sociais,
sobre os quais porcentagens baixíssimas de respondentes de pesquisas survey
afirmam participar. Talvez pela pouca representação estatística esses movimentos
quase não são objeto de estudos culturalistas, quando são os principais
potencializadores da participação política não convencional no Brasil. É compreensível
que seja custoso despender tempo e dinheiro com porcentagem tão pequena de
cidadãos; contudo, é preciso admitir que os estudos da área não têm a capacidade de
explicar o fenômeno da participação por completo.
Compatibilizar o pluralismo com a concentração de renda existente em países do
Sul Global, além disso, é a grande questão. Dizer que a participação é aberta a todos
é algo muito distante de afirmar que a participação é alcançada por todos, pois as
posições sociais são por demais desiguais entre indivíduos nas sociedades
contemporâneas. Isso não é incorporado à noção de cultura política de Almond e
Verba e até hoje a limitação da abordagem para fazer frente a essa questão é
aparente. Isso porque, ainda que a cultura política contemporânea pense na
participação política (BORBA, RIBEIRO, 2010), como se vinha referindo, apenas a
minoria das análises adentram em formas de participação direta em meios
governamentais ou abordam movimentos sociais e a atuação da sociedade civil,
ficando o associativismo restrito ao estudo do capital social.
Autores contemporâneos fazem parte de um grupo que estuda comportamento
político evitando os equívocos das concepções inaugurais da área. A orientação é que II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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se trabalhe com subculturas, utilizando-se dados sociodemográficos, e que se
interpretem os resultados pelo contexto histórico social do local e do período em
análise. A primeira reflexão é até que ponto amealhar um conjunto de variáveis
sociodemográficas faz de fato analisar a complexidade social, quando essas variáveis
são utilizadas na explicação de fenômenos relacionados à aspectos formais da
democracia. Depois, é importante pensar em que medida a demarcação de resultados
por ariáveis sociodemográficos demonstram a complexidade social de fato. Nas
pesquisas survey, a questão de gênero, por exemplo, fica limitada a escolha binária
entre homem e mulher, logo identidades não são consideradas, interseccionalidades
também não são, a divisão da esfera pública e privada posta pela perspectiva liberal,
que por muitas vezes possibilita o tratamento das questões de gênero como privadas,
sequer são pensadas.
Além disso, a cultura política elabora análises por meio de método de coleta de
dados de opinião pública na busca de determinantes individuais de atitudes e
comportamentos em relação à fenômenos e processos políticos. Não se pretende cair
naquele argumento de que a cultura política trabalha com um amontoado de opiniões
e as chama de cultura. É sabido que o encontro de padrões ou não de atitudes e
comportamentos permitem que se distingua crenças, valores, normas e opiniões,
ainda que, sobretudo, para analistas do discurso, o método seja pouco ontológico. O
ponto está no fato de que as pesquisas inevitavelmente são sobre a democracia
institucional: confiança nas instituições e satisfação com governos como elementos
que suportam a legitmidade democrática, nos moldes postos por Moisés (1995).
Nesse sentido, quando a cultura política se apresenta como alternativa ao neo-
institucionalismo, falha em fazê-lo. Diz que a cultura política importa para o estudo da
estabilidade democrática, mas permanece no estudo das instituições, ou seja,
continua a ter a democracia institucional como referência de democracia. Isso ocorre,
segundo se entende, porque os teóricos culturalistas contemporâneos não
desenvolveram ainda um conceito de democracia, apenas tentam inserir em seus
estudos elementos interessantes – que colaboram com os seus esforços em corrigir os
pontos criticados – provenientes de outras vertentes teóricas.
Assim, primeiro, salienta-se que não obstante a crítica de que a cultura política
não tem um conceito de democracia e, por isso, adequa-se à democracia posta
(intitucional, liberal), tenha sido elaborada à The Civic Culture, ainda hoje o conceito II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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permanece precário. Depois, afirma-se que o diálogo entre subáreas da ciência
política é urgente, principalmente das áreas ditas ‘mais científicas’ com a teoria política
– que está muito a frente no que se refere ao desenvolvimento teórico adequado à
complexidade social e política. No entanto, isso não significa aproveitar partes
convenientes descontextualizadas das premissas culturalistas ou utilizar referências
teóricas apenas para demonstrar conhecê-las, ignorando seus objetos, métodos e
suas interpretações ao realizar pesquisas empíricas. Isso porque, as premissas da
teoria política normativa contemorânea seriam contraditórias a qualquer conceito muito
distante do da democracia posta, institucionalizada, liberal.
Análises desse tipo enriqueceram a abordagem culturalista ao considerar a
heterogeneidade de culturas, o que representou grande avanço pós-críticas. No
entanto, a permanente ausência de um conceito de democracia, numa tácita aceitação
do modelo liberal, tornou contraditória a relação entre o esforço pela incorporação de
subculturas e a continuidade de um ideal de democracia pouco favorável à inclusão
social. Nesse sentido, são produzidas conclusões escorregadias, que, segundo se
percebe, escapam das intenções dos autores da áreas, claramente opostas.
O rechaço a prioria das críticas passadas como se agora existisse uma nova
cultura política, não convence. Não se entende razoável que uma teoria se funde em
negações de conceitos. É preciso reteorizar e criar algo realmente novo ou correr atrás
de dar conta empiricamete de toda a complexidade já desvendada pela teória política
normativa. Isso porque, enquanto isso não for elaborado, a aceitação tácita à
democracia liberal permancerá, servindo as negações apenas para encobri-la. A
propósito, reafirma-se, a adversidade está em tomar a democracia liberal como ponto
de chegada, quando serve apenas para ponto de partida. É preciso adotar uma
perspectiva crítica a partir de um incansável e permanente ponto de referência futuro,
sendo exigente com o que se deseja para democracia.
Conclusão
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A discussão posta aqui faz chamar atenção para o fato de que a demarcação
contemporânea do conceito de democracia por parte da cultura política faz-se urgente.
O esforço para incutir a noção de democracia substancial resta desperdiçado se ao
adotá-lo o que se faz é afirmar o distanciamento da noção minimalista de democracia.
Que a cultura política e a participação importam é fato inegável; resta demarcar que
democracia se espera consolidar, o que pode ser iniciado pelo aprofundamento do
entendimento de heterogeneidade cultural e pela reelaboração de formas de mudança
cultural para além dos valores pós-materiais.
Assim, aponta-se como necessário o diálogo entre as subáreas da ciência
política, pois muitas vezes são analisados os mesmos fenômenos a partir de
metodologias distintas, desconsiderando-se o quão produtivo seria a discussão
conjunta de resultados8 (não falo aqui apenas da cultura política, o esforço deve vir de
outras subáreas também). No caso da cultura política, o ideal democrático utilizado
como referência das análises deve ser mais do que o funcionamento institucional e a
promulgação de liberdades. A abordagem da qualidade da democracia, que surgiu
como inovadora na área, traz 8 (oito) critérios de avaliação das democracias entre os
quais 6 (seis) são eminentemente institucionais e 2 (dois), os ditos substanciais, se
referem à disponibilização dos direitos de igualdade e liberdade (isso sem entrar no
mérito de que o conceito de ‘qualidade’ é relacionado ao mercado de consumo pelos
autores).
Se dispor a estudar a democracia exige, portanto, mais do que a observação de
dados de opinião pública por região, idade, etnia, gênero, pois todas essas categorias
são também problematizáveis no emaranhado de desigualdades sociais estruturais
dos países do Sul Global. Nas sociedades contemporâneas requer discernimento
crítico aliar-se ou não de maneira inequívoca a concepções teóricas bem-
intencionadas, mas que explicam pouco para além da democracia liberal.
8 Sobre isso ver Feres (2000). II Congreso Latinoamericano de Teoría Social y Teoría Política - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
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