UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Layanne Nantes
LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS
CURITIBA 2010
Layanne Nantes
LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Aline Guidalli Pilati
CURITIBA 2010
TERMO DE APROVAÇÃO Layanne Nantes
LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de bacharel em Direito, no curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, _____ de _______________ de 2010.
______________________________________________
Curso de Direito
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof. Dr. Coordenador Eduardo de Oliveira Leite
Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: Prof. Aline Guidalli Pilati. Instituição e Departamento
Prof.
Instituição e Departamento
Prof. Instituição e Departamento
DEDICATÓRIA
A Deus, pois Ele que me inspira e me sustenta a cada dia, e aos meus pais, responsáveis por todas
as minhas conquistas.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, que me renova as forças constantemente, que me dá um novo ânimo
e um novo sopro de vida a cada dia.
Aos meus pais, dentre tantas outras coisas, agradeço pelo constante apoio, que se
materializa de variadas formas, pela dedicação e pela fé depositadas em mim.
Aos amigos, Diego C. Bittencourt, Marcus Vinícius, Bruno Kryminice e Vera Dias, pelos
auxílios a mim empregados.
E finalmente, meu profundo e sincero agradecimento à professora Aline Guidalli, que
gentilmente aceitou o encargo de me auxiliar neste estudo, e o fez de maneira honrosa e dedicada.
RESUMO
O presente trabalho enfocará com base nos princípios constitucionais, e processuais penais, assim como na jurisprudência, a aplicabilidade dos artigos referentes à liberdade do indivíduo que cometa ato ilícito considerado hediondo. Ponderando qual o limite de atuação do juiz, ao verificar se diante de uma prisão em flagrante caberá a prisão preventiva ou a liberdade provisória. Ressaltando-se que a prisão-pena, somente ocorre depois de sentença condenatória, em que não caiba recurso, e que somente neste caso, cessa-se a presunção de inocência, e passa a ser o indiciado/acusado, a ser considerado culpado. Neste caso, poder-se-á dizer que sua liberdade será cerceada a fim do cumprimento de pena.
Palavras-chave: liberdade provisória; crimes hediondos; fiança.
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................ 05
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 07
2 PRISÃO, CAUTELARIDADE E A LIBERDADE................................................. 10
2.1 VISÃO GERAL...................................................................................... ........... 10
2.2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS E A LIBERDADE DO RÉU................... 11
2.3 DA PRISÃO EM FLAGRANTE......................................................................... 14
2.3.1 Dos tipos de flagrante.................................................................................... 15
2.4 A LIBERDADE COMO REGRA E A PRISÃO COMO EXCEÇÃO.................... 17
2.4.1 A Presunção de Inocência – Considerações Gerais..................................... 17
2.4.1.1 O princípio da presunção de inocência e a cautelaridade.......................... 19
3 DA LIBERDADE PROVISÓRIA.......................................................................... 21
3.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS........................................................... 21
3.2 A LIBERDADE PROVISÓRIA COMO MEDIDA LIBERATÓRIA...................... 23
3.2.1 Das modalidades de liberdade provisória – Aspectos Gerais....................... 25
3.2.1.1 Liberdade provisória sem fiança................................................................. 27
3.3 QUESTÕES DECORRENTES DA INAFIANÇABILIDADE.............................. 30
4 CRIMES HEDIONDOS E A LIBERDADE PROVISÓRIA................................... 32
4.1 CRIMES HEDIONDOS – BREVE HISTÓRICO................................................ 32
4.1.1 Conceituações.............................................................................................. . 33
4.2 REFERÊNCIAS À LEI Nº 8.072 E SUA NOVA REDAÇÃO............................. 36
4.3 A LIBERDADE PROVISÓRIA E A LEI DE CRIMES HEDIONDOS................. 40
4.3.1 Liberdade Decorrente de Revogação da Preventiva.....................................
4.4 ENTENDIMENTO DO STF ACERCA DA CONCESSÃO DE LIBERDADE
PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS...........................................................
46
48
4.5 ENTENDIMENTO DO STJ ACERCA DA CONCESSÃO DE LIBERDADE
PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS...........................................................
52
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 54
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 58
FONTES ELETRÔNICAS....................................................................................... 59
7
1 INTRODUÇÃO
Por ser um país Democrático de Direito, a República Federativa do Brasil
resguarda em sua Constituição pátria, direitos e garantias fundamentais a todos os
cidadãos. Dentre esses direitos, vigora com grande repercussão, o direito
fundamental à liberdade (com fundamento no art. 5º, inciso LXVI, CF) 1. Ocorre que,
como nenhum direito constitucional é absoluto, e cada qual possui suas próprias
limitações, também, o direito à liberdade pode sofrer restrições, no momento em que
certas condutas (não sem antes serem previstas no texto constitucional), acarretam
o cerceamento, ainda que parcial ao citado direito.
Antes da Constituição de 1988, a liberdade provisória, era vista como um
instituto de conotação processual penal, onde o acusado transitava do status
detentionis ao status libertatis. A discussão acerca da locução “liberdade provisória”,
porém, girava em torno não somente do estranhamento quanto à concepção de uma
liberdade que fosse provisória (em um meio onde a liberdade deveria se a regra, e
por isso provisória deveria ser a sua restrição), mas também, e principalmente, sobre
a natureza jurídica do referido benefício. (FRANCO, 2000, p. 78).
No Código de Processo Penal Brasileiro, um capítulo inteiro tratava da
questão referente à liberdade provisória, com ou sem fiança (artigos 321 usque 350).
Com o advento da Lei n. 6.416/77, fica sujeito o juiz a conceder àquele detido em
flagrante, a liberdade provisória, mediante termo de compromisso, para comparecer
a todos os atos do processo, se não verificada in casu, a existência de requisitos
motivadores da prisão preventiva. (op. cit. 2000, p. 78).
1 Preceitua a Constituição Federal, art. 5º, inciso LXVI: “ninguém será levado à prisão ou nela
mantido, quando a lei admitir liberdade provisória, com ou sem fiança”.
8
É certo, que a Liberdade (com ou sem fiança) é um direito fundamental
conferido constitucionalmente, porém, a mesma constituição excepciona esta regra,
quando se trata de crimes hediondos, conforme se verifica no artigo 5º XLIII da
CF/882. Em 26 de julho de 1990, momento em que já estava em vigência a atual
Constituição Federal, entra em vigor a Lei nº 8.072, e assim permanece durante 16
anos. Primeiramente, o artigo 2º, inciso II dessa lei, vedava a Liberdade Provisória
em caso de crimes hediondos e os equiparados a hediondos, e esta vedação, trouxe
à época, grandes discussões acerca da constitucionalidade do referido dispositivo
legal3.
Com a vedação genérica e absoluta da primórdia redação que a Lei 8.072
(artigo 2º, inciso II), trazia em seu bojo, havia claramente, para grande parcela dos
estudiosos do direito processual penal,4 o ferimento a princípios reconhecidos pela
Constituição da República, como o da dignidade da pessoa humana, o devido
processo legal, e o princípio da presunção de inocência. O grande clamor
doutrinário, pelo reconhecimento da inconstitucionalidade da total vedação de
liberdade contida na supracitada lei, só restou alentado pela mudança no texto
legislativo que veio a ocorrer 16 anos depois, com o advento da Lei nº 11.464/2007.
A supracitada lei traz nova redação ao artigo 2º da Lei nº 8.072, pois se
antes no inciso II havia a previsão de que os crimes hediondos e os comparados a
hediondos eram insuscetíveis de fiança e de liberdade provisória, agora o novo texto
legal suprimiu a expressão ”liberdade provisória’’, trazendo o inevitável entendimento
2 Preceitua o art. 5º, XLIII, da C.F/88, verbis: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de
graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. 3 Nesse sentido, vide: Aury Lopes Junior, 2009, p. 154, Alberto Silva Franco, 2000, p. 92/93,
Jacqeline do Prado Valles, 2005, p. 60. 4 Idem, nota anterior (3).
9
de que a liberdade provisória antes negada, agora é permitida5. Conquanto esse
seja o entendimento atual da maior parcela doutrinária (e em verdade já o era antes
do novo texto advindo pela lei 11.464 por grandes pensadores do direito processual
penal), há ainda discussões em torno da concessão da benesse aos crimes
hediondos.
Partindo desse pressuposto, o presente trabalho monográfico intentará
analisar a admissibilidade ou não da liberdade provisória, no tocante a crimes
hediondos (e afins). Analisando para tanto, a temática sob a égide de alguns
princípios da Constituição Federal (que constituem base para qualquer norma
infraconstitucional), julgados jurisprudenciais (especialmente no que se refere ao
entendimento do STF e do STJ), e seguimentos doutrinários. Tudo, com o intuito de
se chegar a um “denominador comum”, no qual haja a ponderação de normas,
princípios e aplicação de valores pós-positivistas, que devem reger um Estado
Democrático de Direito.
5 O entendimento da referida concessão, prevalece, dentre outros, no testemunho abalizado de Aury
Lopes Junior, 2009, p. 154 e Paulo Rangel, 2009, p. 764.
10
2 PRISÃO, CAUTELARIDADE E A LIBERDADE
2.1 VISÃO GERAL
Desde os primórdios, a história das civilizações está concatenada a
determinadas normas de conduta. Já se disse que poder-se-ia estudar cada
civilização, do ponto de vista normativo, onde a compreensão das características de
uma sociedade se daria pela análise do conjunto de suas regras. O direito visa
através das normas, garantir a subsistência de certos valores, certos bens, que
precisam ser protegidos, para que não se percam diante dos diferentes interesses
existentes dentro de uma sociedade. As regras de conduta que vigoram em uma
sociedade são condições essenciais de convivência, e a sanção, se materializa para
que essas normas sejam cumpridas.6
Em verdade, o histórico das penas é considerado pela humanidade como
horrendo e infame, nas palavras de Aury Lopes Junior (2009, p. 01), a pena “é a
violência organizada por muitos contra um”. Impossível deixar de destacar, ao
analisar o contexto histórico das penas, que a prisão servia (até o final do séc. XVIII)
como instrumento de custódia, para guardar o acusado até o momento da sentença,
e também como lugar de tortura. As penas em verdade eram bárbaras, como a
amputação, flagelação, crucificação, decapitação, entre outras. A conotação que
possui a prisão moderna, no sentido de conferir uma pena, não com o intuito de
“destruir” o condenado, mas de “melhorá-lo”, surge com fundamento no direito
canônico. E se antes (séculos XVI e XVII) a pena de morte era generalizada, na
metade do séc. XVII, começa a ser questionada. É neste momento que surge a idéia
de prisão, efetivamente como uma pena privativa de liberdade. No século XVIII
6 GRECO FILHO (2010, p. 7).
11
surge efetivamente a conotação de pena à privação de liberdade, e no séc. XIX, a
pena de prisão, passa então a ser a principal medida utilizada perante os acusados.
(op. cit., 2009, p. 3).
Mas é com o caráter e fundamento de “pena pública”, que efetivamente a
pena alcança seu verdadeiro sentido, pois é o contexto em que o Estado vigora, de
maneira imparcial, e impõe-se a todo e qualquer intuito de vingança (considerado um
dos motivadores primórdios da pena), mas tão somente, na atuação de ente jurídico
e político, com o dever de proteger a comunidade, na qual se inclui o delinquente.
2.2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS E A LIBERDADE DO RÉU
Os sistemas processuais penais são considerados em sua essência uma
resposta à sociedade, conforme a época e o comportamento estatal existente. A
doutrina7 dividiu esses sistemas em Inquisitório e Acusatório8, e através deles se
alternaram as mais severas opressões com as mais amplas liberdades.
O sistema acusatório vigora em países que priorizam e respeitam em maior
medida a liberdade individual e que possuem sólida base democrática. Em princípio,
predominou até meados do século XII, e foi gradativamente substituído pelo sistema
inquisitório, que prevaleceu até o final do século XVIII, este, predomina em países
de considerável repressão, onde há em grande medida o autoritarismo e o
totalitarismo, e cuja hegemonia estatal é elevada e estabelecida em detrimento de
direitos individuais. (LOPES JUNIOR, 2009, p. 59)
Para melhor compreensão do atual sistema penal brasileiro, primeiramente,
cabe observar as primórdias características do sistema acusatório, que se destacava
7 Dentre outros, adota a referida divisão o professor Aury Lopes Júnior (2009, p. 59).
8 Há quem inclua dentro da divisão didática de sistemas processuais, apesar de ser parte minoritária
da doutrina, o chamado sistema misto, que configuraria o sistema processual contemporâneo, uma vez que predomina o inquisitório na fase pré-processual, e o acusatório na fase processual. Nesse sentido é a classificação segundo MIRABETE (2007, p. 21).
12
dentre outras, pela atuação passiva dos juízes (pois se mantinham afastados da
iniciativa e gestão das provas), pela presença do contraditório e ampla defesa, pelo
procedimento oral e julgamentos públicos, com os magistrados votando somente ao
final sem deliberar. Desta feita, a origem do sistema acusatório se desenvolveu pela
participação direta do povo no exercício da acusação e no julgamento. Para os
delitos mais graves, vigorava a ação popular (em que qualquer pessoa podia exercer
a função de acusar), e aos delitos menos graves, vigorava a acusação privada. Na
época do império o sistema acusatório começou a se mostrar insuficiente, no que
tangia às novas necessidades de repressão de delitos, e por isso, os juízes
começaram a adentrar e de certa forma invadir as atribuições dos acusadores
privados, e deste momento em diante, se reuniam dentro de um mesmo órgão do
Estado as atribuições de acusar e julgar. Hodiernamente, dentre as mudanças
ocorridas no chamado sistema acusatório, e suas características atuais, pode-se
destacar a clara distinção entre as atividades de acusar e julgar, a iniciativa
probatória pelas partes, a imparcialidade do juiz, a possibilidade de impugnar as
decisões, e o duplo grau de jurisdição. (id., 2009, p. 59).
O sistema acusatório, nas palavras de Aury Lopes Junior:
“[...] é um imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranqüilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto e passa a assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal. Também conduz a uma maior tranqüilidade social, pois evita-se eventuais abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz “apaixonado” pelo resultado de sua labor investigadora e que, ao sentenciar, olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação”. (2009, p. 61).
Como é sabido, o sistema acusatório prevaleceu até o séc. XII, e sua
transformação, com características que remetiam a um novo sistema (o inquisitório),
começou a ocorrer em meados do séc. XII até o séc. XIV. Como elucida Aury Lopes
Junior, essa substituição gradual entre os sistemas, ocorreu basicamente pelos
13
defeitos da inatividade das partes, que demonstravam que a persecução penal não
poderia ser deixada nas mãos dos particulares, de vez que isso comprometeria a
função do Estado no que tange à eficácia do combate à delinqüência.
Afirma-se que, o sistema inquisitório muda de forma radical o processo
penal, na medida em que se antes havia uma igualdade entre o acusador e o
acusado, agora, haveria uma disputa desigual, pois de um lado privilegiado, estaria
o juiz-inquisidor (pois nesse contexto histórico, confundem-se as condições de
inquisidor e acusador na pessoa do juiz), e de outro lado, estaria o acusado, que
perde a condição de sujeito processual, e passa a ter o status de “objeto da
investigação”. (LOPES JUNIOR, 2009, p. 63).
No sistema inquisitório, são abolidas a acusação e a publicidade, a confissão
é a prova máxima, inexiste a coisa julgada, de forma que os casos poderiam ser
reabertos a qualquer momento para se punir o acusado, embora tivesse em outro
momento sido absolvido, e o estado de prisão do acusado durante o transcorrer do
processo era a regra geral. Em verdade, esse sistema, foi o instrumento utilizado
pela Igreja, que intentava punir o pecado e a heresia. Predominou até o final do séc.
XVIII e início do séc. XIX quando pela Revolução Francesa e seus postulados de
valorização do homem, inevitavelmente se modificou o processo penal, com a
remoção das características do sistema inquisitório. (op. cit., 2009, p. 68).
Em suma, cabe lembrar, que ao optar pelo Sistema Acusatório, o Estado
Brasileiro adotou o modelo democrático, que reconhece a dignidade humana como
fundamento de existência no processo penal, que confere garantias constitucionais
notórias, e que considera o sujeito passivo da relação processual, um sujeito de
direito, diversamente do que pregava o sistema inquisitório, que considerava o
14
acusado como um mero objeto da investigação. Desta feita, no sistema acusatório, a
liberdade é a regra e a sua privação, a exceção.
2.3 DA PRISÃO EM FLAGRANTE
A liberdade provisória, com ou sem fiança, constitui instituto compatível com
a prisão em flagrante9, a qual encontra-se expressamente prevista na Constituição
Federal (art. 5º, LXI)10. Entende-se que a idéia de flagrância, está essencialmente
ligada à idéia de imediatidade da prisão em relação ao fato delituoso. A palavra
flagrante deriva do latim flagrare (queimar) e flagrans, flagrantis (ardente, brilhante,
resplandecente), que no léxico, é acalorado, evidente, notório, visível e manifesto.
(MIRABETTE, 2007. p. 400)
O estado de flagrância ocorre quando as condições em que o indivíduo é
surpreendido permitem a prisão em flagrante. Há a presunção de crime escaldante,
segundo ensina Walter Francisco Sampaio Filho (2005, p. 74), quando a
materialidade do crime está latente e não se tem dúvidas quanto à sua autoria, ou
porque o indivíduo foi surpreendido cometendo a infração penal, ou porque acaba de
cometê-la, quando é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por
qualquer outra pessoa em situação que se presuma sua autoria, ou ainda quando é
encontrado logo após, com armas, objetos ou papéis que façam presumir a
imputação da autoria da infração a ele.
Como ensina, Santiago Sentis Melendo (1950, citado por LOPES Jr.), a
flagrância, hodiernamente, é a visibilidad del delito. E esta certeza visual da prática
do delito, seria a fundamentação da obrigação para os órgãos públicos e a faculdade
9 Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci, 2008, p. 575.
10 Preceitua o art. 5º, LXI, in verbis: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
15
para os particulares, de evitar a continuidade da ação delitiva, podendo, para tanto,
deter o autor. Sob as lentes de CARNELUTTI (1950, p. 77 apud LOPES Jr.), a noção
de flagrância está diretamente relacionada a la llama, que denota con certeza la
combustión. Afirma ainda, “[...] cuando se ve la llama, es indudable que alguna cosa
arde”.
Com base no Código de Processo Penal, foram elencadas hipóteses ou
formas em que será considerado o agente em situação de flagrante, as quais se
observarão a seguir11.
2.3.1 Dos tipos de flagrante
O flagrante próprio, real, ou flagrante propriamente dito, é aquele a que se
refere o artigo 302 do Código de Processo Penal, inciso I e II, respectivamente,
àquele que está cometendo a infração penal, ou a quem acaba de cometê-la.
Existem duas divisões neste ponto, que são equiparadas, quais sejam: a) aquele
que é surpreendido no ato de execução do crime, como por exemplo, desfechando
golpes na vítima, destruindo ou subtraindo coisa alheia; b) a situação, onde já se
esgotaram os atos delituosos, ou sua execução propriamente dita, e há somente os
resultados do dano (como morte, por exemplo), ou do perigo. Ocorre também o
flagrante próprio, quando encontrado o agente nas proximidades, ou até mesmo no
local do crime, com o material que tiver causado o dano (arma ou outro objeto), ou
com as vestes manchadas de sangue.
No ensinamento de Walter Francisco Sampaio Filho (2005, p. 75), o
flagrante próprio, real ou propriamente dito, é aquele cujo conceito está estritamente
ligado a um ato “ardente, que ainda borbulha que ainda está sob a inquietação das
11
Nesse sentido, NUCCI (2008, p. 590).
16
pessoas”. Ou ainda, como leciona Tourinho Filho (2010, p. 681), é aquele que
necessita de “uma relação de absoluta imediatidade”.
É sabido, conquanto, que não se pode restringir a aplicação do flagrante, ao
tempo em relação ao fato e à prisão do suposto agente, pois há que se levar em
conta, os crimes permanentes, por exemplo, cujo momento consumativo se protrai
no tempo, ou seja, enquanto não cessar a permanência dos atos, nos termos do
artigo 303, caberá da mesma forma a prisão em flagrante.
O chamado quase flagrante ou flagrante impróprio ocorre quando o suposto
agente, nos termos do inciso III do CPP, é perseguido logo após o cometimento do
ilícito, por autoridade, pelo ofendido ou até mesmo por qualquer outra pessoa, em
situação tal, que seja imputado a ele a suspeição do cometimento do delito.
Vale ressaltar, o entendimento jurisprudencial, prevalente do sentido de que
a prisão em flagrante só se realizará se existir preliminarmente e ininterruptamente o
ato de perseguição, pois, mesmo quando localizado o indivíduo ao qual se imputa a
suspeição do crime poucas horas depois do fato, se não houve a perseguição, o
entendimento é que não caberá prisão em flagrante12.
Por fim, o flagrante presumido ou ficto, previsto no art. 302, IV, CPP, se dá
quando o autor do fato é encontrado logo após a prática deste, com objetos, armas
ou papéis, que façam presumir ser ele o autor do fato delituoso. Nesta hipótese, não
se impõe necessidade de perseguição, mas sim a necessidade do agente ter sido
encontrado, ou por puro acaso, ou quando procurado13.
12
Nesse sentido, vide H.C: 20060020081529, publicado no DJU de 14/01/2009. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. 13
Nesse sentido, vide H.C: 02. 000001-4. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
17
2.4 A LIBERDADE COMO REGRA E A PRISÃO COMO EXCEÇÃO
É sabido que somente a sentença que põe fim ao processo, é fonte legítima
para restringir a liberdade pessoal a título de pena. Porém existem casos de estrema
necessidade, para fins processuais, que tal princípio constitucionalmente garantido
resta incólume. E, em verdade, se faz necessário o temporário afastamento do
citado direito de liberdade, anterior ao trânsito em julgado de sentença condenatória,
quando necessário para preservação da instrução criminal, ou para evitar a
subtração à aplicação da lei penal. Levando-se em consideração, o contido no
Código de Processo Penal, a prisão provisória da mesma forma se faz necessária,
quando para garantir a ordem pública, a ordem econômica, em casos de flagrância
(se presente uma das circunstâncias que autorizam a prisão preventiva, ou ainda
quando o réu for condenado por sentença que caiba recurso. (TOURINHO FILHO,
2002, p. 404).
Conquanto a prisão processual seja considerada um mal irreparável,
causadora de sofrimentos morais, físicos e materiais, que atingem um homem ainda
não definitivamente condenado e que só se justifica nos casos de absoluta
necessidade, há casos de verdadeira necessidade, em que deve ser empregada.
(id., 2002, p. 404).
2.4.1 A Presunção de Inocência – Considerações Gerais
Preceitua o artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que ninguém será
considerado culpado, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
18
Ademais, de acordo com o artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de 1789, toda pessoa se presume inocente até que tenha sido
declarada culpada.
Ora, traz-se disso, a certeza (e aqui cabe lembrar que tal certeza é conferida
pela Lei Maior), de que enquanto não houver trânsito em julgado, aquele que se
encontra respondendo a processo penal, é presumidamente inocente.
O princípio da inocência, já foi base para grande discussão doutrinária, o
problema girava em torno da questão de ser a citada presunção absoluta (júris et de
jure), ou relativa (juris tantum). Sim, porque se a presunção for tida como absoluta, a
sentença absoluta não a poderia eliminar, por outro lado, se relativa, seria destruída
pelas provas colhidas durante a instrução criminal, ou seja, antes mesmo da própria
sentença.
Hodiernamente, ponderando-se tal princípio, entende-se que o que existe é
um estado de inocência, um estado precisamente jurídico, onde o acusado/indiciado
é considerado inocente até que haja condenação que prolate o contrário em
sentença irrecorrível. Por isso, há quem diga, que melhor do que a expressão
presunção de inocência seria “princípio de não-culpabilidade” 14.
O que deve ser destacado é que, antes de sentença penal condenatória, não
há que se falar em pena, tendo em vista que a prisão-pena aplica-se somente
àquele cuja culpa foi comprovada mediante processo penal, e sentença irrecorrível.
É diante disso, que ressalta Julio Fabbrini Mirabete (2007, p. 23), que em
razão do princípio do estado de inocência deve-se concluir que a restrição à
liberdade do acusado, que ocorra antes de sentença definitiva, “só deve ser admitida
14
MIRABETE (2007, p. 23).
19
a título de medida cautelar, de necessidade ou conveniência, segundo estabelece a
lei processual”.
2.4.1.1 O princípio da presunção de inocência e a cautelaridade
O ordenamento do Código de Processo Penal de 1941, da observação do
Título IX “Da Prisão e da Liberdade Provisória”, na configuração de seu sistema de
prisões antes do trânsito em julgado, partia da premissa básica de que a prisão em
flagrante delito autorizava o juízo de antecipação da responsabilidade penal
caracterizada pela autoria, tipicidade, culpabilidade e existência do fato. (OLIVEIRA,
2009, p. 465), como consequência baseada unicamente na prisão em flagrante, com
a exceção das hipóteses que se enquadrassem no art. 310 do CPP, e de crimes
afiançáveis. Em decorrência desse contexto, como demonstra Eugênio Pacelli de
Oliveira, foi imputado à liberdade o predicado provisória, e não à prisão. A idéia de
liberdade provisória, portanto, estava concatenada na idéia de que a probabilidade
de advir uma sentença condenatória nesses casos era latente. Daí decorre a
afirmação inicial, de que o sistema processual do Código de Processo Penal de
1941, foi elaborado com base em um juízo de antecipação da culpabilidade. E esse
quadro, só começou a se alterar, com a chamada minirreforma do processo penal.
(OLIVEIRA, 2009, p. 466).
As mudanças ocorreram principalmente com o advento das Leis 11.689,
11.690 e 11.719. Foi então revogado o artigo 594, CPP, que determinava a prisão
do réu condenado que não fosse primário, e não tivesse bons antecedentes. O art.
387, CPP, ganhou nova redação (dada pela Lei n. 11.719/08), e passou a
determinar em seu parágrafo único que, o juiz deverá decidir de forma
fundamentada, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão
preventiva ou de outra medida cautelar. Pode-se dizer que o princípio da inocência,
20
tem sua origem mais significativa, na Revolução Francesa, e na queda do
Absolutismo. Em verdade, a Constituição Federal de 1988, não fala em presunção
de inocência, mas na afirmação da mesma, que deve ser observada como valor
normativo, em todas as fases do processo ou da persecução penal, abrangendo a
fase investigatória (pré-processual), e a fase processual propriamente dita (ação
penal). E por se tratar de prisão de quem, pela Constituição, deve ser considerado
inocente, assim como pelo fato de a prisão antes do trânsito em julgado, ser
considerada provisória (pois não se trata do cumprimento de uma prisão-pena), e
cautelar (por sua função de instrumentalidade e de acautelamento de interesses de
ordem pública), à falta de sentença condenatória transitada em julgado, é necessário
que a privação da liberdade se dê de forma fundamentada, e esta fundamentação
deve estar enraizada nos valores positivados pela ordem constitucional. A
necessidade de fundamentação se mostra totalmente compreensível, na medida em
que no Estado Democrático de Direito é atribuído ao judiciário a missão da tutela dos
direitos e garantias individuais. (op. cit., 2009, p. 467).
21
3 DA LIBERDADE PROVISÓRIA
3.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Para se entender o instituto da liberdade provisória, faz-se relevante
identificar o sistema prisional do Código de Processo Penal de 1941, onde a prisão
em flagrante tinha como consequência, a antecipação do resultado final do
processo, e se fundava principalmente na presunção de culpabilidade, decorrente do
flagrante, assim como de certa antecipação de um juízo de necessidade, decorrente
de uma presunção de fuga.
Desde a vigência das Ordenações do Reino (em especial, as Filipinas),
antes mesmo da legislação imperial, o ordenamento pátrio, ocupou-se da privação
da liberdade antes do trânsito em julgado, baseado na possibilidade de o acusado
não comparecer para o julgamento. A fiança, assim como as cartas de seguro, a
homenagem e os fiéis carcereiros consistiam em modalidades de liberdade
provisória de natureza fidejussória, e eram a garantia de que o preso se apresentaria
na data do julgamento. Ocorre que a liberdade provisória (que naquele tempo era a
exceção), era concedida como faculdade do Poder Público, e não como direito do
preso (OLIVEIRA, 2009, p. 509).
Na Constituição de 1824, e posteriormente no Código de Processo Penal de
1832, é que a liberdade mediante fiança foi configurada, como um resumo das
outras modalidades, em única forma de liberdade provisória. Inserido nesse
contexto, vigorou o regime de prisão e liberdade do Código de Processo Penal de
1941, no qual havia uma latente presunção de culpa de quem fosse preso em
flagrante, e onde a única medida passível de liberdade provisória, consistia no
pagamento de fiança, ressalvados os casos em que se comprovasse o cometimento
22
do crime, mediante conduta justificável em âmbito penal, ou seja, quando presente
alguma característica excludente de ilicitude (art. 310, caput, CPP). Dessa forma, se
o crime não fosse afiançável, e se não fosse o caso de o acusado livrar-se solto (art.
321, CPP), ou ainda se ausentes as excludentes de ilicitude, o indiciado
permaneceria preso até o final do julgamento. (op. cit., 2009, p. 510).
A liberdade provisória está expressamente prevista na Constituição Federal,
em seu art. 5º, inciso LXVI, ao dispor que ninguém será levado à prisão ou nela
mantido, quando a lei admitir liberdade provisória, com ou sem fiança. Como
demonstrado, pelo desenvolver histórico, hoje há o reconhecimento de que a prisão
do acusado antes do trânsito em julgado da sentença não é aconselhável. Com base
nisso, o direito objetivo tem procurado estabelecer institutos e medidas, que
possibilitem o desenrolar do processo, com a presença do imputado, sem cercear-
lhe a liberdade, que somente será restringida em caso de extrema necessidade.
Ao entender de Julio Fabbrini Mirabete (2007, p. 23), a liberdade provisória,
nasce de uma tentativa de conciliar os interesses sociais, que exigem a aplicação e
a execução da pena ao autor do crime, e os do acusado, de não ser preso senão por
sentença condenatória com trânsito em julgado, que o considere culpado. Há
concomitantemente, a compreensão de que a liberdade provisória é uma medida
intermediária entre a prisão provisória e a liberdade completa, de vez que, antes de
haver uma sentença condenatória, transitada em julgado, aquele que comete
infração penal não fica preso, mas também não desfruta de plena liberdade.
Finalmente cabe ressaltar que, a liberdade provisória, em suas modalidades
(com e sem fiança), por acarretar restrições de direitos àquele que ainda não foi
considerado culpado, é em verdade, uma medida imposta pelo Estado, ao suposto
autor de um crime, decorrente de sua prisão em flagrante, que acaba por configurar
23
a justificativa de um receio de fuga, já que há uma latente e inegável força probante
que geralmente decorre da prisão em flagrante15.
Daí dizer-se16, que há uma contradição na justificativa de manter a prisão,
mesmo após a conclusão do flagrante, pois, se esta se presta à diminuição ou
afastamento dos efeitos da infração penal, impedindo a consumação do crime, e
intentando o aproveitamento do material probatório, de forma integral, não haveria
que se falar em justificativa de manutenção da prisão, apesar de já consumadas as
funções da prisão em flagrante.
3.2 A LIBERDADE PROVISÓRIA COMO MEDIDA LIBERATÓRIA
A Lei n. 6.416/97, ao inserir o parágrafo único ao artigo 310 do CPP,
promoveu relevante mudança ao sistema prisional do Código de Processo Penal, na
medida em que ao dispor que o juiz deverá conceder a liberdade provisória também
quando ausentes as hipóteses que autorizem a prisão preventiva.
A partir desse momento, pode-se dizer que a prisão provisória passa a ser
medida de exceção, e como medida cautelar, somente será efetivamente imposta,
quando presentes no caso concreto, as hipóteses elencadas nos artigos 312 e 313
do Código de Processo Penal.
Vigora também, deste momento em diante, com efetividade e positividade o
princípio da presunção de inocência, e não poderia ser diferente, considerando o
fato de que a Constituição Federal de 1988 (art. 5º, § 1º, da C.F), que dispõe que as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata.
15
Nesse sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira, que diz ser a liberdade provisória, um instrumento que concomitantemente ao configurar certo benefício, acarreta ônus àquela a quem é concedida. Vide OLIVEIRA (2007, p. 513). 16
Pensamento que encontra expressão e fundamento em OLIVEIRA (2009, p. 510).
24
Destarte, não é por outro motivo, se não o da excepcionalidade, que se
impõe a necessidade de fundamentar (de forma escrita) com respaldo
exclusivamente cautelar, a ordem de autoridade judicial que imponha a privação de
liberdade. No entendimento de Eugênio Pacelli de Oliveira (2009, p. 509) a liberdade
provisória também implica a restrição de direitos, não como a decretação de prisão
preventiva, ou temporária, que restringem direito fundamental, mas porque a
liberdade provisória com ou sem fiança, traz consigo, embora considerada um
benefício ao réu, a restrição de certos direitos. Restrição essa, que se impõe a
alguém que ainda não foi considerado culpado, e por isso deve ter respaldo legal.
Daí, concluir-se que a liberdade provisória tem cabimento e legitimação a partir da
prisão em flagrante. (op. cit., 2009).
Ocorre que, quando preso em flagrante, e devidamente cumpridas as
exigências que advêm dessa modalidade de prisão, em verdade a regra é o retorno
do preso à liberdade. Pois como dito, a restituição da liberdade é um direito daquele
que ainda não foi considerado culpado, em sentença que não caiba mais recurso
(como assegura a Constituição Federal, art. 5º, LVII).
Conquanto a liberdade seja a regra, a prisão preventiva poderá ser
decretada pela autoridade judiciária competente, por ordem escrita, e fundamentada
na presença de seus pressupostos, que no entendimento do professor Aury Lopes
Júnior são: fumus comissi delicti e periculum libertatis17
, e presente também, a real
17
Nesse sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira (2009, p. 512), Aury Lopes Jr. (2009, p. 154). Em sentido contrário, Fernando Capez (2006, p. 273), e Antônio Magalhães Gomes Filho (1991, citado por FRANCO, 2000, p. 80), para esta corrente doutrinária, a decretação da prisão preventiva depende de que “[...] no caso concreto, a existência do direito posto como fundamento da cautela se apresente pelo menos com razoáveis probabilidades (fummus boni iuris). Como segunda condição para a emanação do provimento cautelar, a doutrina processual indica o perigo de insatisfação daquele direito diante da demora na prestação jurisdicional definitiva (periculum in mora).”
25
necessidade18 de sua aplicação. Caso contrário, a liberdade provisória sem fiança
do art. 310, do CPP, se impõe, em relação aos crimes inafiançáveis.19
O fumus commissi delicti traduz-se na probabilidade e não mera
possibilidade, da ocorrência de um delito, na prova de existência de um crime e
indícios suficientes de autoria. Já o periculum libertatis ocorre quando a liberdade do
acusado pode gerar certo perigo (como se vê no art. 312 do CPP), e traz as
seguintes situações que devem ser tuteladas mediante a decretação de prisão
preventiva: a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem econômica; c)
conveniência da instrução criminal; e finalmente, d) garantia da aplicação da lei
penal. Quando não estiverem presentes tais requisitos, a regra deve ser aplicada, ou
seja, a liberdade, que até o julgamento definitivo se configura provisória, e visa
garantir a liberdade pessoal do réu ou indiciado, no curso do processo, ou
procedimento.
Observa-se que a prisão preventiva é medida que somente poderá ser
utilizada excepcionalmente, de vez que somente será justificável, em casos de
extrema necessidade e desde que presentes os fundamentos e requisitos
estabelecidos em lei, visto que, excepciona preceito constitucional fundamental do
Estado Democrático de Direito.
3.2.1 Das modalidades de liberdade provisória – aspectos gerais
Como visto, a Constituição Federal de 1988, estabeleceu que a Liberdade
Provisória pode ocorrer com fiança, ou sem a prestação da mesma20. Em verdade,
18
Referimo-nos aqui, aos indícios de autoria e materialidade, conforme preceitua o art. 312 do CPP. 19
Nesse sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira, 2009 p. 512, e Aury Lopes Jr. 2009, p. 154. 20
O artigo 5º, LXVI, da C.F/88, preceitua, in verbis: “ninguém será levado à prisão, ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.
26
todos os crimes, a princípio, são afiançáveis. Porém, as exceções a esta regra,
acabam por superá-la.
A fiança consistirá em depósito de dinheiro, mas podem ser objeto de fiança
também, o depósito em pedras, objetos ou metais preciosos, títulos de dívida
pública, federal, estadual ou municipal, ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar. É
o que dispõem, em ordem, o artigo 330, do Código de Processo Penal. Vale dizer,
que hipoteca inscrita em primeiro lugar, é aquela que ocorre quando sobre o imóvel
apresentado como garantia, não pesa nenhum ônus, estando livre e desembargado.
O arbitramento do valor da fiança será ponderado pela autoridade que a
conceder, tendo por base os valores pontuados pelo artigo 325 do Código de
Processo Penal, proporcionados à gravidade da infração penal, e também
equilibrados com a vida econômica (que pode levar à redução de até dois terços, ou
ao aumento de até o décuplo), a vida pregressa, as circunstâncias indicativas de sua
periculosidade, e por fim, o provável valor das custas no processo. E ainda, sendo o
acusado considerado pobre, poderá o juiz conceder a liberdade sem fiança.
Importante ressaltar, que a benesse não configura mera discricionariedade do juiz,
mas sim direito do réu. Uma vez concedido tal benefício, naturalmente o réu deverá
se resignar às mesmas obrigações àquele que é concedida a fiança.
Vale citar que a fiança é um sucedâneo da prisão em flagrante, assim como
da prisão resultante de pronúncia, e em alguns casos, da prisão resultante de
sentença penal condenatória recorrível. Cabe ressaltar finalmente, que várias são as
finalidades da fiança, dentre elas há claramente, o intuito de assegurar a liberdade
provisória do indiciado ou réu, enquanto decorre o inquérito policial ou o processo
criminal, assim como assegurar em caso de condenação, o pagamento das custas, a
satisfação do dano ex delictio, e de eventual multa, ademais, possui juntamente a
27
finalidade de vincular o réu ou indiciado a acompanhar os atos de instrução
processual, com base na entrega do valor ao Estado, pois caso fuja não obterá
novamente este valor21.
Em verdade, a liberdade provisória mediante fiança, perdeu
consideravelmente sua relevância, de vez que surgem com considerável poder de
alteração, dispositivos legais e constitucionais, que a tornam em certa medida,
instrumento de pouca utilização. Isto se vislumbra, ao conferir, por exemplo, a
liberdade provisória conferida pelo art. 310 e parágrafo único do CPP (acrescentado
pela Lei nº 6.416/77), que não exige fiança, apenas exige o comparecimento a todos
os atos do processo, por parte do acusado. O presente dispositivo possibilitou a
liberdade provisória sem fiança, aos presos em flagrante por qualquer crime, desde
que não presentes os requisitos da prisão preventiva. (FERNANDES, 2010, p. 302).
Outrossim, não houve nas alterações referidas, preocupação em observar os
princípios da adequação e da gradualidade, de vez que mesmo as práticas de
crimes mais graves, que acarretem pena mínima superior a dois anos, poderá de
mesma sorte, ser beneficiado o agente com a liberdade provisória sem fiança. ( op.
cit. 2010, p. 302).
3.2.1.1 Liberdade provisória sem fiança
Conquanto a regra seja a afiançabilidade, há uma extensa lista de exceções,
quais sejam: os crimes relativos à prática de racismo, tortura, porte de armas, tráfico
de entorpecentes, crimes hediondos, assim como os crimes punidos com reclusão
em que a pena mínima cominada seja superior a dois anos, nas contravenções
tipificadas nos arts. 59 e 60 da Lei de Contravenções Penais, os crimes dolosos
21
Nesse sentido, NUCCI (2008, p. 619).
28
punidos com a pena restritiva de liberdade, se o réu tiver sido condenado
anteriormente por sentença transitada e julgado, por outro crime considerado doloso,
em qualquer caso, quando provado ser o réu vadio, nos crimes punidos com
reclusão, que cometidos com violência ou grave ameaça, provoquem clamor público,
também, aos que no mesmo processo, tiver infringido alguma obrigação referida no
art. 350, ou que tenha quebrado fiança concedida, nos casos de prisão por juiz do
cível, prisão administrativa, militar ou disciplinar, o que estiver no gozo de suspensão
condicional da pena ou de livramento condicional (salvo quando não se tratar de
processo por crime culposo ou contravenção que admita fiança), e finalmente
quando presentes os requisitos da prisão preventiva.
A liberdade provisória sem fiança poderá ser vinculada ou não-vinculada. A
vinculação é imposta, na medida em que se verifica, a necessidade de o liberado
cumprir ou não, certas obrigações, referentes ao andamento do processo.
Em certas hipóteses, ainda que em princípio a infração não comporte fiança,
o juiz poderá conceder a liberdade provisória. Nestes casos, não haverá a
necessidade do pagamento de qualquer quantia, mas o réu ou indiciado, estará
vinculado a comparecer aos atos do processo, e se não o fizer, perderá o benefício.
Por isso, tratar-se de hipótese de liberdade provisória sem fiança, e vinculada, de
vez que o réu ou indiciado se vê vinculado a todos os atos do processo, mesmo
quando em liberdade provisória. Entende-se que nesse caso, somente o juiz poderá
conferir o referido beneficio, depois de verificar a presença dos requisitos legais,
conforme preceitua o artigo 310, do CPP.
Ora, nos termos do referido artigo, percebe-se claramente a vontade do
legislador, ao dispor que uma vez constatada qualquer excludente de ilicitude (art.
23, I, II e III, do CP), o réu será absolvido, de vez que não haverá crime. Desta
29
forma, a prisão em flagrante, quando relativa a determinado fato, praticado em
estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal
ou mesmo no exercício regular de direito, enseja, como supramencionado, hipótese
de cabimento de liberdade provisória sem fiança, porém com condições vinculantes.
Note-se, ainda, que o parágrafo único do art. 310 do Código de Processo
Penal, só não será aplicado, quando se verificar, a presença de circunstâncias que
autorizam a prisão preventiva. Ainda, quando se tratar de crimes contra a economia
popular, e de crimes de sonegação fiscal, independente da presença de
circunstancias que autorizem a preventiva, o referido artigo restará inaplicável.
Em contrapartida, há casos, em que se verifica uma pormenoridade na
aplicação da pena, em relação a uma infração também detentora de certa
minimidade. Nestes casos, faz-se inevitável a aplicação da liberdade provisória, sem
fiança e sem a obrigatoriedade do individuo se prostrar aos atos vinculativos do
processo.
De acordo com o art. 321 do CPP, inciso I, sempre que não houver causa
impeditiva, nos ilícitos punidos isoladamente com pena pecuniária, haverá liberdade
provisória sem vinculação e sem fiança. O inciso II do mesmo artigo, inclui na regra,
os casos de prisão simples ou de detenção não superior a três meses, que por
serem de menor potencial ofensivo, segregam a autuação em flagrante. Nas
palavras do legislador, estes são os casos em que o réu “se livra solto”, ou seja,
poderá ele responder ao processo que lhe é imputado, em liberdade.
No Código de Processo Penal, a inafiançabilidade decorre da ponderação da
gravidade do crime, da natureza deste, ou ainda das condições inerentes àquele que
o praticou (art. 323 e 324).
30
A Constituição Federal, também elenca algumas proibições quanto à
afiançabilidade, isto demonstrado no art. 5, incisos XLII, XLIII, e XLIV. Ou seja,
segundo a Carta Magna, são inafiançáveis: a prática de racismo, a prática de tortura,
o tráfico ilícito de entorpecentes e de drogas afins, o terrorismo, e os definidos como
crimes hediondos, a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático.
3.3 QUESTÕES DECORRENTES DA INAFIANÇABILIDADE
Contemplando o artigo 5º, incisos LXVI, XLII, XLIII e XLIV, da Constituição
Federal, entende-se que o texto nela presente parece admitir a coexistência de dois
modelos ou regimes de liberdade provisória, vigentes na legislação do Processo
Penal, quais sejam: a liberdade provisória com fiança, e a liberdade provisória sem
fiança. (OLIVEIRA, 2009, p. 514).
Ocorre que, ao tempo do Código de Processo Penal, a fiança era o único
regime efetivamente utilizado, à exceção das hipóteses previstas no artigo 321 do
CPP, que não possuem caráter cautelar, assim como a preceituada no caput do
artigo 310 do mesmo Diploma, que se materializa quando constatada de imediato a
presença de excludentes de ilicitude. Por isso, se afiançável determinado crime, e
fosse a fiança prestada, o réu seria posto em liberdade provisória, de forma
vinculada. Em contrapartida, se considerado inafiançável, ou se o crime se
enquadrasse nas previsões dos artigos 323 e 324 do CPP, o réu seria mantido na
prisão até o julgamento. (op. cit., 2009, p 514).
Isto, até o advento da Lei n. 6.416 de 1977, e mediante a inclusão do
parágrafo único do artigo 310 do Código de Processo Penal, a liberdade provisória
passou a ser a regra, uma vez que o citado artigo preceitua que se não estiverem
31
presentes as hipóteses que autorizem a prisão preventiva (artigos 311 e 312 do
CPP), será concedida a supramencionada benesse. Segundo Oliveira (2009, p.
509), esta seria a razão do porque a liberdade provisória era concedida desde então,
a qualquer tipo de crime, independente de sua gravidade, baseando-se no parágrafo
único do artigo 310. Pois, no entendimento do referido autor, se presentes os
requisitos da prisão preventiva, não haveria que se falar em concessão de fiança.
Assim, passou-se a deferir a liberdade provisória aos crimes em que não caberia
fiança, devido aos preceitos dos artigos 323 e 324 ambos do CPP, e aos delitos
inafiançáveis. (id. p. 515).
“O fato de a liberdade com fiança não ser permitida para determinados crimes, daí serem inafiançáveis, não poderá significar nunca a impossibilidade de aplicação da liberdade provisória sem fiança, tal
como admitida no próprio texto constitucional (art. 5º, LXVI), porque isso implicaria a interpretação da norma constitucional a partir da legislação ordinária, o que é absolutamente inadmissível e mesmo impensável”. [sem grifos no original]. (OLIVEIRA, 2009, p. 515).
Por isso dizer-se (e aqui referimo-nos à elucidação apud Oliveira), que a
Constituição Federal de 1998 chegou absolutamente desatualizada em tema de
liberdade provisória, trazendo em verdade enorme perplexidade ao ressuscitar a
expressão da inafiançabilidade, cujo significado consistia, e ainda consiste tão
somente na impossibilidade da concessão de liberdade provisória mediante fiança.
32
4 CRIMES HEDIONDOS E A LIBERDADE PROVISÓRIA
4.1 CRIMES HEDIONDOS - BREVE HISTÓRICO
Com a proclamação da independência do Brasil, em 1822, as Ordenações
Filipinas (que regiam as normas penais e civis de Portugal), continuaram a ser
aplicadas no plano criminal do Brasil, enquanto se aguardava a promulgação do
Código Criminal de 1830. As Ordenações Filipinas, eram caracterizadas pela
severidade de suas penas, e não primavam pelo princípio da tipicidade, de vez que
puniam fatos somente por serem ofensivos à norma moral e à religião, e por isso,
muitas vezes, permitia-se que por paixões e perseguições políticas, se imputasse
penas a acusados de condutas insignificantes. Na vigência da Constituição Federal
de 25 de março de 1824, o Código Criminal de 1830 (influenciado pelo Código Penal
Francês de 1810, e pelo Código de Baviera de 1813), reagiu à tendência que havia,
ou seja, de um direito penal composto de intensa severidade, mas que ainda
adotava a pena retributiva, como sistema. Posteriormente, o Código Penal de 1890,
que substituiu o anterior, manteve a resposta penal como repressão e aflição.
(AMÊNDOLA NETO, 1995).
Mas foi com a promulgação do Código Penal de 1940 que surgiram a pena e
a medida de segurança, fundadas na periculosidade e na culpabilidade. A pena, era
a forma de repressão de atitudes delituosas (visto que, havia o livre arbítrio), e a
medida de segurança, fundamentada no determinismo, era aplicada à sua
periculosidade. O Código Penal de 1969 (que em verdade nem chegou a ser
publicado) surgiu com base em um Anteprojeto, que fora feito por Nelson Hungria,
que no estatuto de 1940 havia demonstrado grande competência e capacidade. Em
1977, entra em vigor a Lei nº 6.416, que modifica a parte geral do Código Penal, e
33
principalmente ao título “Das Penas”. Porém, a sociedade da época já se
demonstrava extraordinariamente desenvolvida, e o Código Penal se revelava um
tanto liberal. Por isso dizer-se que nesta época surge a idéia de justiça morosa e
legislação liberal. Ciente da crescente criminalidade violenta que ocorria no país, no
ano de 1984, o Governo Federal realizou a reforma penal, cuja pretensão era dar
uma feição realista ao sistema penal. Porém, a criminalidade não diminuiu. Ao
contrário, um clima de pânico começa a atingir a sociedade, devido à onda de
roubos, latrocínios, estupros, seqüestros e outros, que se alastram por toda a
sociedade. Emerge então, a necessidade de se criar um plano legislativo mais
severo, que seja eficaz como resposta à latente e crescente criminalidade (violenta)
que crescia a cada instante, e que em mesma medida fosse capaz de afastar a
certeza da impunibilidade que uma legislação liberal oferecia. (id. 1995, p. 150)
Destarte, a Constituição de 1988, em seu art. 5º, XLIII, preceitua sobre a
inafiançabilidade e sobre a insuscetibilidade de graça e anistia aos crimes
considerados hediondos. Este preceito constitucional, diante da crise criminal a qual
a sociedade estava exposta, foi uma tentativa de resposta àqueles que cometessem
crimes de maior gravidade objetiva.
4.1.1 Conceituações
A expressão crimes hediondos, aparece pela primeira vez na Constituição
Federal de 1988, art. 5º, XLIII22, ao dispor, que são crimes inafiançáveis. O sentido
semântico do termo hediondo, de acordo com a definição do dicionário Aurélio, é
conceituado como algo horrível, repugnante, asqueroso23. Mas, em verdade, a
22
Preceitua o art. 5º, XLIII, C.F/1988, in verbis: “A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, [...] e os definidos como crimes hediondos”. 23
HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 5ª edição. Editora: Positivo. 2010.
34
Constituição de 1.988, não elencou quais seriam os critérios necessariamente
valorativos do que se configuraria por crime hediondo.
Segundo conceitua Monteiro (1992, p. 17), ocorreria um crime hediondo toda
vez que uma conduta delituosa estivesse revestida de excepcional gravidade,
referente à sua execução (quando o agente revela total desprezo pela vítima,
insensível ao sofrimento físico ou moral a que é submetida), à natureza do bem
jurídico ofendido, ou ainda à condição da vítima. Nesse mesmo diapasão, elucida
João José Leal (1990, citado por FIGUEREDO e SILVA, ANO, p. 40), ao afirmar que
o sentido ontológico do que se conceituaria crime hediondo, repousa na idéia de
“condutas que se revelam como a antítese extrema dos padrões de comportamento
moral” ou de condutas, cujos autores, “são portadores de um extremo grau de
perversidade [...] que merecem sempre o grau máximo de reprovação ética [...]”.24
Pautando-se no dispositivo constitucional, que faz referência aos crimes
hediondos (art. 5º, XLIII, C.F/88), o legislador tipificou quais seriam os crimes
rotulados como tais, e os elencou na Lei de Crimes Hediondos n. 8.072 de 1990, em
rol taxativo. Vale ressaltar novamente, que o legislador não conceituou o que seriam
os referidos crimes, assim como qual seria o grau de hediondez para se qualificar
um crime, o legislador apenas se utilizou de crimes já anteriormente elencados no
Código Penal.
Segundo o testemunho abalizado do Professor REALE JÚNIOR25
, (apud
RAMOS, 1991, p. 40), a denominação “crimes hediondos” nasceu de um acordo
político do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) com um
constituinte que comandava um número considerável de constituintes. Segundo o
24
Há autores, como Magiore (citado por SILVEIRA, 1973, p. 43) que entendem que hedionda seria a conduta, e não o crime praticado, pois seria o motivo da conduta, o antecedente psíquico da ação. 25
O qual, não consta em documento escrito, uma vez que foi produto de um debate na televisão, daí porque não foi possível fornecer a fonte da informação. Vide: RAMOS (1991, p. 40).
35
referido acordo, em troca da expressão “crimes hediondos”, desejada por esse
constituinte e seus comandados, o PMDB teria os votos necessários para a
aprovação de um determinado direito social, intencionada por essa agremiação
política. Tal circunstância não tem, em si, importância transcendente. E não teria
importância alguma, se a expressão “crimes hediondos” significasse algo. Mas a
verdade é que ela nada tem de científica, uma vez que muitos crimes têm, em si
algo de “hediondo” (horrível, nojento, abjeto). Mas serve para demonstrar quais são
os “critérios” do legislador penal no Brasil.
Sobre a conceituação de crimes hediondos, Wilson Lavorenti, acentua que a
Lei n.º 8072/90:
“não definiu o que se deve entender por crime hediondo, limitando-se a reportar, em seu artigo primeiro e parágrafo único, as condutas delituosas já previstas no Código Penal ou em legislação especial e que passaram, portanto, a ser considerados hediondos, tanto na forma consumada quanto na tentada.” (2005, p. 116).
Hodiernamente, sabe-se ter sido a Lei nº 8.072, “obra única” de um Ministro
da Justiça, à qual se refere RAMOS (1991, p. 40) como uma lei “nada mais do que
decepcionante”. No mesmo sentido, prossegue afirmando que a citada lei foi fruto
inequívoco da pressão de órgãos de comunicação da massa, concessões de serviço
público titularizadas por indivíduos de alto poder econômico e político, que se viram
num determinado momento, atormentados pela idéia de virem a ser vítimas de
crimes patrimoniais violentos, sobretudo a extorsão mediante seqüestro. Seus
objetivos desatenderam à prioridade de um Direito Penal mínimo e proporcional,
destarte a violentação por ela obrada, da proporcionalidade das penas do Código
Penal, é nada menos do que “trágica”. (op. cit., 1991, p. 40).
Em matéria conceitual, resta elencar, por fim, os crimes qualificados como
hediondos pela Lei n. 8.072 de 1990, quais sejam: Homicídio simples (art. 121),
36
quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio (mesmo quando
praticado por um só agente), e homicídio qualificado, latrocínio (art. 157), extorsão
qualificada pela morte (art. 158), extorsão mediante seqüestro, e na forma
qualificada (art. 159), estupro (art. 213), estupro de vulnerável (art. 217 - A),
epidemia com resultado morte (art. 267), falsificação, corrupção, adulteração de
produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273), e por fim, o crime de
genocídio, tentado ou consumado. A regra constitucional acerca dos crimes
hediondos afirma ainda que, por eles responderão os mandantes, os executores, e
os que podendo evitar a consumação destes crimes, se omitirem, considerada esta
última, como alguns doutrinadores chamam de omissão penalmente relevante, como
é o caso do professor Vicente Amêndola Neto (1995), com a ressalva de que essa
omissão, só terá validade penal, quando o agente que poderia evitar, não o fez, mas
estava em condições de fazê-lo. Ademais, são considerados equiparados aos
crimes hediondos pelo legislador, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e a tortura.
4.2 REFERÊNCIAS À LEI Nº 8.072 E SUA NOVA REDAÇÃO
Inicialmente a Lei de Crimes Hediondos, (lei nº 8.072), proibiu aos crimes
hediondos e ao a eles assemelhados, a concessão de anistia, graça indulto, fiança e
liberdade provisória. Outrossim, e determinou que a progressão de pena nesses
crimes, não se faria em “regime progressivo”, mas seria integralmente cumprida em
regime fechado26.
26
Era o que preceituava pontualmente o texto original do § 1º, artigo 2º da Lei n. 8.072
37
Relevante indagação desponta nesta ocasião, consiste em saber em que se
pautou o legislador ordinário para alargar o âmbito da norma constitucional restritiva
do inciso XLVI do art. 5º da Constituição Federal.27 (FRANCO, 2000, p. 91).
Na elucidação de Alberto Silva Franco (2000, p. 91) a fundamentação se
encontra na Exposição de Motivos do Projeto de Lei elaborado pelo Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária, e que serviu de lastro à Lei 8.072 de
1990. O texto da referida exposição, esclarecia que não obstante um agente
praticasse um crime “repulsivo” (referindo-se aqui ao art. 310, parágrafo único do
CPP), a inafiançabilidade, o impedimento de anistia e indulto, e a conveniência de
não apelar o réu em liberdade não seriam suficientes para impedir que o acusado,
durante a ação penal, pudesse responder em liberdade, o que em verdade deveria
ocorrer se ausentes os pressupostos da prisão preventiva. Às lentes do supracitado
autor, este foi o embasamento que motivou a proposta da não concessão de
liberdade provisória pelo legislador infraconstitucional, para que a prevenção penal
que se objetivava não fosse frustrada.
Ora, ocorre que em se tratando direito fundamental, (como é
reconhecidamente o direito à liberdade), não tem o legislador infraconstitucional a
faculdade de dispor a seu bel prazer, sobre seu conteúdo, e tão pouco de
autenticamente interpretá-lo28. Ademais, a total e abstrata vedação da liberdade
provisória, como acentua Odone Sanguiné (apud FRANCO, 2000, p. 93), além da
flagrante ofensa ao princípio da inocência, fere ainda, o princípio da proibição do
excesso, de vez que, mesmo que o legislador estivesse autorizado pelo constituinte
27
Fala-se em alargar o âmbito da norma constitucional, pois em primeiro momento a Lei vedou a concessão de Liberdade Provisória aos crimes hediondos e aos que lhes forem assemelhados, enquanto que a Constituição Federal apenas preceituou que esses crimes seriam inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia. 28
Nesse sentido CANOTILHO (p. 257, citado por FRANCO, 2000, p. 92).
38
a emitir normas restritivas, ainda assim, não poderia fazê-lo de forma absoluta. (op.
cit. p. 93).
Usando de comparação à primórdia redação do Código de Processo Penal
(1941), que previa no artigo 312 a prisão preventiva obrigatória, para o indivíduo que
fosse denunciado pela prática de um crime, ao o qual fosse prevista pena máxima
igual ou superior a dez anos, Eugênio Pacelli de Oliveira (2009, p. 528) diz ser a Lei
nº 8.072/90 (que vigorou quase cinqüenta anos após a vigência do CPP) uma
espécie de ressurreição de uma mentalidade autoritária, ao dispor que o regime de
prisão preventiva seria obrigatório em casos de cometimento de crimes hediondos,
de prática de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, assim como o
terrorismo, e ademais, seriam insuscetíveis de fiança e de liberdade provisória29.
Analisando o conflito de normas legais e constitucionais, NUCCI (2008, p.
637) faz um paralelo entre o art. 5º, inciso XLIII da Constituição da República e o
artigo 2º, incisos I e II, da Lei n. 8.072 de 1990. Com base nesse paralelo, comenta
que a lei penal, foi muito além do mandamento constitucional, por ter interpretado-o
de maneira extensiva e não restritiva. Percebe-se que esta conclusão, se deu, ao
contemplar que a norma constitucional proibia a concessão de anistia ou graça, e
fiança, aos crimes definidos hediondos, e aos equiparados, e o legislador ordinário,
ao raciocinar analogicamente, entendeu que se a Constituição concedeu o mais,
também seria quanto ao menos, e por isso acrescentou o indulto e a liberdade
provisória.
29
Eugênio Pacelli de Oliveira elucida que não se trata, efetivamente, de prisão preventiva obrigatória, pois se fosse assim, mesmo aquele que se encontrasse em liberdade poderia ser recolhido à prisão, após o oferecimento da denúncia. O que o autor afirma, é que o tratamento da manutenção do flagrante é que se equipara à antiga prisão obrigatória. Essa, a antiga sistemática da Lei 8.072/90).
39
Entende-se, porém, como acentua MAXIMILIANO30 (apud RAMOS, 1991, p.
40), que ao se analisar uma norma constitucional que limite o exercício de direitos e
garantias individuais, deve-se interpretá-la restritivamente. Consequentemente
emerge a percepção elementar de que, além de haver a inconstitucionalidade
decorrente da violação do princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º,
inciso LVII, da Constituição Federal), há ainda, flagrante incompatibilidade entre a
norma constitucional e a norma legal, extravasando esta última os limites impostos
pela Constituição, restando por óbvio, incompatível com a mesma.
O quadro de inconstitucionalidade31, que a presente lei trazia consigo,
somente se alterou com o novo texto advindo pela Lei n. 11.464 de 2007, que
embora tardia, trouxe maior coerência à aplicação do direito processual penal,
mediante os princípios constitucionais.
Anteriormente, preceituava a Lei 8.072, in verbis:
“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto; II - fiança e liberdade provisória”.
Posteriormente, com advento da Lei 11.464, o texto da Lei de Crimes
Hediondos (lei 8.072), passou a vigorar com a seguinte redação, in verbis:
Art. 1º O art. 2º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 2º...................................... II - fiança.
Ora, resta mais que evidenciado, ao vislumbrar o texto legal, que a
supressão da expressão “liberdade provisória” do inciso II, não permite entendimento
30
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 7ª edição. Rio de Janeiro e São Paulo: Freitas Bastos, 1961, p. 387 31
Nesse sentido, LOPES JUNIOR (2009, p. 154).
40
diverso, se não o de que a liberdade provisória, antes vedada, passa a ser
perfeitamente passível de concessão, não obstante tratar-se de crimes hediondos,
ou afins.
4.3 A LIBERDADE PROVISÓRIA E A LEI DE CRIMES HEDIONDOS
Como dito anteriormente, a Constituição Federal concede como direito
fundamental a liberdade provisória, com ou sem fiança. Esta é a regra geral, porém
é excepcionada pela mesma Constituição, quando afirma que aos crimes hediondos
e os a eles equiparados, não será concedido o direito a fiança 32. Isso decorre como
elucidado, pelos fatos ocorridos na sociedade brasileira, quando da formação de
uma Constituição, com o intuito inicial de garantir maior segurança, e menor
vulnerabilidade a uma sociedade que temia a falta de punibilidade eficaz, por parte
do Estado, pois era regido por uma legislação vista como liberal.
Como esclarece pontualmente RANGEL (2009, p. 764), a interpretação que
se fazia para entender o que quis o legislador ao vedar a liberdade provisória
mediante fiança, e conceder a liberdade sem fiança, era eminentemente teleológica.
Por vezes se questionou a constitucionalidade de tal preceito, cuja divergência,
somente veio a ser sanada com a promulgação da Lei n. 11.464 de 2007.
Até o advento da referida lei, havia uma restrição quanto à concessão de
liberdade provisória, aos que cometessem crimes rotulados como hediondos e
assemelhados, visto que a Lei n. 8.072, vedava o benefício, em seu art. 2º, II.
Grande parte da doutrina33 se opunha à restrição da liberdade provisória, tendo por
32
A Constituição Federal, no art. 5º, LXVI, preceitua: “Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a Lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança”. A referida exceção se verifica no mesmo artigo, inciso XLIII, ao dispor que os crimes hediondos e os que lhes sejam equiparados, serão inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia. 33
Nesse sentido, Aury Lopes Junior (2009), Eugênio Pacelli de Oliveira (2009), Paulo Rangel (2009), Vicente Greco Filho (2010), dentre outros.
41
base os preceitos e princípios constitucionais, e pela oposição que havia entre a
restrição do direito à liberdade frente à presunção de inocência, de vez que, não se
entendia qual a relação de vedar em absoluto, a liberdade a um indivíduo, se até o
trânsito em julgado de uma sentença condenatória, seria ele considerado inocente.
Como sublinha o professor Aury Lopes Júnior:
“Trata-se de restrição legislativa substancialmente inconstitucional, pois limita a presunção de inocência através de um critério abstrato, genérico e antecipado, incompatível com a epistemologia do sistema de prisões cautelares. Em outras palavras, a presunção de inocência pode ser limitada, mas não de forma a priori (no sentido kantiano, ou seja, antes da experiência). Há que se operar dentro da epistemologia das prisões cautelares, fulcradas que estão na excepcionalidade e na concreta demonstração de seus pressupostos”. (2009, p. 155).
No mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 637) acentua
pontualmente seu entendimento quanto à possibilidade de liberdade provisória em
crimes hediondos e assemelhados, ao afirmar que no momento em que emergiu a
Lei n. 11.464/2007, foi retirada por esta, a impossibilidade de concessão do referido
benefício a tais infrações penais.
Segundo Nucci (ob. cit. p. 637), o ideal seria exigir sempre do magistrado
nos crimes considerados mais graves, uma decisão fundamentada para manter o
acusado preso ou solto. Para ele, o correto seria exigir uniformidade de raciocínio e
aplicação da lei processual penal a todos os indiciados e acusados, não sendo
cabível a seu ver, vedar a liberdade provisória, única e tão-somente porque o agente
foi preso em flagrante, pela prática de determinados delitos. Prossegue ainda,
afirmando que é completamente incoerente e inconstitucional, vedar, sem qualquer
justificativa plausível, e sem qualquer estabelecimento de requisitos a serem
preenchidos na situação concreta, a liberdade de quem aguarda o findar de seu
processo. E para sustentar sua afirmação remete à questão da individualização da
pena, na medida em que a Constituição Federal preceitua em seu artigo 5º, inciso
42
XLVI, que a lei regulará a individualização da pena; cujos critérios para concessão
ou não (apesar de serem legislativos), não podem fazer desaparecer o direito.
Motivo pelo qual se considerou inconstitucional pelo STF, a antiga e agora revogada,
proibição legislativa à progressão de regime para os condenados por delitos
hediondos e assemelhados.
Note-se, que mesmo antes de emergir a Lei 11.464 de 2007, suprimindo a
expressão “Liberdade Provisória”, do texto da Lei de Crimes Hediondos (Lei n.
8.072), já norteavam em inúmeras decisões34 o fundamento de que a Constituição
Federal, em seu art. 5º, XLIII, não confere ao legislador ordinário a possibilidade de
suprimir o direito à liberdade provisória, corolário do direito constitucional à
presunção de inocência. (VALLES, 2005, p. 61).
Nas palavras do professor Paulo Rangel:
“Vedar liberdade, em pleno Estado Democrático de Direito, seria um contrasensu inadmissível na civilização moderna e um verdadeiro retrocesso social” (2009, p. 764).
Em verdade, hodiernamente, tendo sido preso o agente em flagrante delito,
pode ser concedida a liberdade provisória nos crimes hediondos, e nos equiparados
aos hediondos (tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, terrorismo e tortura),
desde que, não presentes os requisitos que autorizem a prisão preventiva. Ou seja,
a prisão preventiva, ainda pode ser aplicada nos casos retro mencionados, mas
somente se presentes seus pressupostos.
À vista do tema, entende Vicente Greco Filho:
“Cremos que seria um retrocesso, incompatível com o sistema geral de garantias da pessoa, manter na prisão uma pessoa em virtude de situação meramente formal, que seria a de flagrância. A despeito de inafiançáveis, portanto, esses crimes admitirão a liberdade provisória do art. 310,
34
Nesse sentido, a título exemplificativo, vide Recurso Ordinário em H.C nº 12.841, 2002/0057808-2.
43
parágrafo único, do Código de Processo Penal, e seria excessiva a norma legal que, para eles, viesse impedir sua aplicação” (2010, p. 62).
Resta mais do que evidenciado, que a doutrina penal, atualmente entende
que conquanto o constituinte tenha proibido a fiança para os crimes hediondos, e
para aqueles equiparados, o fez, não para proibir qualquer liberdade provisória, de
vez que sendo esse o objetivo, o teria feito de forma expressa. Não prevalece,
portanto, o entendimento de que a simples vedação à liberdade mediante fiança
acarretaria a vedação (subliminar) à liberdade provisória referente aos crimes sem
fiança; não há esse pensamento globalizado, e isto se deve ao fato de o mesmo
constituinte, posteriormente distinguiu as espécies de liberdade provisória35.
Hodiernamente, entende-se que esse pensamento subliminar e globalizado,
não possui respaldo eficaz, de vez que acabaria por ferir os preceitos
constitucionais36 que o mesmo legislador elencou constitucionalmente.
Nesse sentido, acentua Guilherme de Souza Nucci, vejamos:
“Em homenagem aos princípios da presunção de inocência e da legalidade estrita da prisão cautelar, não se pode mais aceitar que o legislador promova a vulgarização da proibição à liberdade provisória. O dispositivo constitucional do artigo 5º, LXVI, menciona que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança”. Ora, a situação é nítida: a prisão cautelar é a exceção; a liberdade, regra”. (2008, p. 639).
Ademais, como esclarece a doutrina (FRANCO, 2007, p. 450), a proibição
da liberdade provisória, de modo global ou em relação a determinados tipos de
crime, mediante lei ordinária, não viola somente o princípio da presunção de
35
Nota-se a clara distinção, ao vislumbrar o artigo 5º inciso LXVI, C.F/88, ao dispor, in verbis: “Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. 36
Como elenca Marisya Souza e Silva (2003, p. 132), a proibição da liberdade provisória aos crimes chamados hediondos e assemelhados contraria os princípios constitucionais: da liberdade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e da presunção de inocência.
44
inocência, mas, traduz-se também em uma lesão ao princípio do due process of Law
consagrado no inc. LIV do Art. 5.º da Constituição Federal, preceituando que
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Há ainda que se ressaltar, neste ponto, as palavras no ministro Ricardo
Lewandowski, como relator no julgamento da ADI 3.112-1, ao pontuar que “[...] a
prisão obrigatória, de resto, fere os princípios constitucionais da ampla defesa e do
contraditório” (art. 5.º, LV). Referia-se, a presente Ação Direta de
Inconstitucionalidade à Lei 10.826/2003, que elencava em seu art. 21 que os crimes
previstos nos artigos 16, 17 e 18 da mesma lei, seriam insuscetíveis de liberdade
provisória, razão pela qual, se fez o presente cotejo.
Acerca da pontuação referente aos princípios até o presente momento
citados, elucida Bandeira de Mello (p. 451, apud. SILVA, 2003, p. 57), que “a
violação a um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma qualquer”,
uma vez que a não observação daquele, implicaria ofensa não somente a um
específico mandamento obrigatório, mas a todo um sistema de comandos.
Prossegue ainda afirmando, que a violação a um princípio é “ a mais grave forma de
ilegalidade ou inconstitucionalidade”.
Perante os preceitos constitucionais e doutrinários até então mencionados, a
questão plausível que se faz, consiste em entender o porquê da resistência por parte
de alguns julgados (como posteriormente se verá) em conceder a liberdade
provisória aos acusados por crimes hediondos e aos que lhes forem assemelhados.
De acordo com o entendimento de Pacelli de Oliveira (2009, p. 509), o
problema consistiria em razão de atualmente o regime de liberdade provisória sem
fiança ser mais favorável (e menos oneroso do ponto de vista processual), que o
regime de liberdade provisória mediante fiança. Considerando o fato de que se na
45
primeira, a única exigência que se faz ao réu, consiste em seu comparecimento a
todos os atos do processo, nesta última, além do comparecimento do réu aos atos
do processo, é necessária comunicação prévia quando em mudança de endereço
residencial, assim como requerimento de autorização judicial, quando houver
ausência residencial por período superior a oito dias. Conquanto essa contradição
ocorra, o cerne da questão consiste no fato de que não se pode interpretar uma
norma constitucional superveniente com base exclusivamente na legislação ordinária
então vigente, considerando ainda, o fato de que a Constituição normatiza de
maneira expressa quando intenta se referir à benesse sem fiança (art. 5º, LXVI).
Outrossim, resta acentuar em mesmo patamar de importância, a
possibilidade da liberdade do réu decorrer da revogação da prisão preventiva. Isso
ocorre, quando na hipótese de prisão em flagrante, há a existência de razões
cautelares que fazem com que a referida prisão em flagrante seja convertida em
prisão preventiva, mas, em desaparecendo a necessidade de manter a prisão, esta
estaria passiva de revogação, e não se configuraria in casu a liberdade provisória.
Em outras palavras, quando o juiz considera necessário manter a prisão em
flagrante (homologando o auto de prisão em flagrante), esta, converte-se em prisão
preventiva (se obviamente, presentes os requisitos referidos no art. 310, parágrafo
único, CPP), e sua contracautela será efetivada por meio da revogação da prisão
preventiva (art. 316, CPP). In casu, será de qualquer forma, o réu, posto em
liberdade, não por meio da liberdade provisória, mas sim, pela revogação da prisão
preventiva37.
Por fim, oportuno se faz lembrar ainda, para melhor demonstração do
significado da mudança do texto legislativo, outro indício inevitavelmente
37
Nesse sentido, Paulo Rangel (2009, p. 764), Eugênio Pacelli de Oliveira (2009, p. 512).
46
preponderante, que faz perceber a admissão de uma política criminal mais favorável
ao réu, consiste no fato de o legislador inovar o texto da Lei de Crimes Hediondos,
ao trazer a possibilidade de progressão de regime38, não permitida no primitivo texto
legal.
4.3.1 Da Liberdade Decorrente de Revogação da Preventiva
Em ocorrendo prisão em flagrante, o juiz deverá exercer um juízo de
convalidação da prisão, e em verdade, é conferido ao magistrado um leque de
opções, constantes em um rol de medidas cautelares substitutivas, dentre as quais,
se mostra de cunho mais gravoso a “escolha” em manter a prisão.
No Código de Processo Penal brasileiro, há uma graduação de medidas
cautelares substitutivas da prisão em flagrante. Em primeiro lugar, figura-se a liberdade
provisória sem vínculos (art. 321, CPP); logo após, a liberdade provisória sem fiança, com
o vínculo de comparecimento a todos os atos do processo (art. 310, parágrafo único do
CPP); em terceiro lugar, figura a liberdade sem fiança, com vínculos de comparecimento
aos atos do inquérito e da instrução criminal (art. 327), de não mudança residencial sem
autorização prévia da autoridade processante, e de não ausência superior a 8 (oito) dias
de sua residência, sem prévia comunicação (arts. 328 e 350 CPP); em quarto lugar, está
a liberdade provisória com fiança, em que há o pagamento do valor da fiança, o vínculo
de comparecimento aos atos de inquérito e de instrução criminal (art. 327, mesmo
Diploma), a necessidade de autorização prévia quando em mudança de domicílio (art.
328, CPP), e quando em ausência superior a 8 (oito) dias; finalmente, existem os casos
em que se manterá a prisão provisória, porque presentes os requisitos da prisão
38
A Lei n. 11.464 de 2007, inova o texto da Lei de Crimes Hediondos n. 8.072, ao preceituar, § 2º: “A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente”. A Lei 8.072, vedava a progressão de regime.
47
preventiva, na qual o réu poderá ficar detido em seu domicílio (art. 1º, da Lei 5.256/67),
em quartéis ou locais especiais (art. 295, caput, do CPP), em sala especial (art. 7º, V, da
Lei 8.906/94), ou em último degrau, em cadeia pública ou presídios (art. 295, § § 1º a 5º
do CPP).
Em verdade, quando o juiz homologa o auto de prisão em flagrante, acaba
por converter a prisão em flagrante em prisão preventiva,39 quando por óbvio, se
fizerem presentes os requisitos autorizadores da preventiva.40 (FERNANDES, 2010,
p. 300).
Não de maneira diversa, preceitua o art. 553 do Projeto de Lei 156/2009,
projeto do novo Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 553. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, deverá: I – relaxar a prisão ilegal; ou II – converter, fundamentadamente, a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os seus pressupostos legais; ou III – arbitrar fiança ou aplicar outras medidas cautelares mais adequadas às circunstâncias do caso; ou IV – conceder liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação. Parágrafo único. A concessão de liberdade provisória na forma do inciso IV deste artigo somente será admitida se o preso for pobre e não tiver condição de efetuar o pagamento da fiança. [não contém grifos no original].
Perceba-se, portanto, que quando o juiz decide em manter a prisão em
flagrante, o faz a título de custódia preventiva, pois nisso se baseiam seu
pressupostos. Ademais, conforme preceitua o art. 316 do CPP,41 o juiz poderá
revogar a prisão preventiva se, no decorrer do processo, verificar a falta de motivo
para que subsista a prisão, ou seja, em desaparecendo sua necessidade, a
preventiva poderá ser revogada. (RANGEL, 2009, p. 764)
39
Sobre a possibilidade de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, vide decisão recente do STJ, em HC nº: 153115/RS. 40
No que tange à fundamentação da conversão do flagrante em prisão preventiva, com respaldo no art. 312, CPP, vide, HC nº: 96041/SP. 41
Dispõe o art. 316, CPP, verbis: “O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista [...]”.
48
Nesta esteira, note-se a jurisprudência do STJ, no julgamento de Habeas
Corpus de nº 114957/GO, vejamos:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO EM DADOS CONCRETOS. INSUBSISTÊNCIA. ART. 316 DO CPP. ORDEM CONCEDIDA. 1. As prisões provisórias ou processuais – aí incluídas as prisões em flagrante, preventiva, temporária, decorrente de sentença condenatória recorrível e decorrente de sentença de pronúncia – devem, sob pena de constrangimento ilegal, cingir-se, fundamentadamente, aos termos do art. 312 do CPP. 2. A prisão decretada sem a devida fundamentação deve ser imediatamente relaxada, à luz dos artigos. 5º, LXI e LXV, e 93, IX, da Constituição Federal. 3. A prisão preventiva, como medida excepcional, entretanto, deverá ser revogada quando os fundamentos que a esteiam não mais subsistem, pois, do contrário, passa a constituir execução antecipada de pena, configurando constrangimento ilegal. 4. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva imposta ao paciente, sem prejuízo de novo decreto de prisão, devidamente fundamentado, devendo assumir o compromisso de comparecer a todos os atos do processo, não se ausentar do distrito da culpa sem autorização judicial e manter informado o Juízo de seu endereço residencial e de trabalho. [não contém grifos no original]. (Habeas Corpus: 2008/0196853-3, Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, Órgão Julgador: Quinta Turma, Data da Publicação: DJE de 08/03/2010).
Desta feita, de qualquer sorte, observa-se que seria concedida liberdade ao
réu de crime hediondo, ainda que conferida através de revogação de prisão
preventiva. 42
4.4 ENTENDIMENTO DO STF ACERCA DA CONCESSÃO DE LIBERDADE
PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em verdade, não possui
entendimento consolidado a despeito da concessão ou não de liberdade provisória
aos crimes hediondos, e ao que lhes são expressamente assemelhados. Isso é
perceptível ao analisar as diferentes decisões a que tem se submetido o referido
Tribunal. Perceba-se, a título de exemplo, o julgamento de Habeas Corpus, que
segue, vejamos:
42
Nesse sentido, segue RANGEL, 2009, p. 764.
49
“EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO EM FLAGRANTE. GRAVIDADE DO CRIME. REFERÊNCIA HIPOTÉTICA À POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS. FUNDAMENTOS INIDÔNIOS PARA A CUSTÓDIA CAUTELAR. VEDAÇÃO DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA AO PRESO EM FLAGRANTE POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES [ART. 44 DA LEI N. 11.343/06]. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que a gravidade do crime não justifica, por si só, a necessidade da prisão preventiva. Precedentes. 2. A referência hipotética à mera possibilidade de reiteração de infrações penais, sem nenhum dado concreto que lhe dê amparo, não pode servir de supedâneo à prisão preventiva. Precedente. 3. A vedação da concessão de liberdade
provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo artigo 44 da lei n. 11.343/06, consubstancia afronta escancarada aos princípios da presunção da inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana [arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII, da CB/88]. Daí
a necessidade de adequação desses princípios à norma veiculada no artigo 5º, inciso XLII, da CB/88. 4. A inafiançabilidade, por si só, não pode e não deve constituir-se em causa impeditiva da liberdade provisória. 5. Não há antinomia na Constituição do Brasil. Se a regra nela estabelecida, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade, sendo a prisão a exceção, existiria conflito de normas se o artigo 5º, inciso XLII estabelecesse expressamente, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória. Nessa hipótese, o conflito dar-se-ia, sem dúvida, com os princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência, da ampla e do devido processo legal. 6. É inadmissível, ante tais garantias constitucionais, possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A inconstitucionalidade do preceito legal me parece inquestionável. Ordem concedida a fim de que a paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória. [grifo nosso]. (HC: 98966. Santa Catarina. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento: 02/02/2010. Órgão Julgador: Segunda Turma).
Inevitável, é perceber, que trata de decisão recente do Supremo, e que
ainda, baseia e funda-se em preceitos extremamente relevantes. O ministro Eros
Grau, relator do mencionado Habeas Corpus de nº 98966, entende que a gravidade
do crime, e atentemos aqui para o fato de que o crime de tráfico de entorpecentes é
legalmente equiparado à crimes hediondos, não é suficiente para a necessidade de
prisão preventiva, e além disso, pontua que a vedação de liberdade provisória em
crimes hediondos ao referido crime, constitui afronta escancarada43 aos princípios
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Expressão utilizada pelo Ministro Eros Grau, relator no julgamento de Habeas Corpus, nº 98966, de 02/02/2010.
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da presunção da inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa
humana (conforme artigos. 1º, III, e 5º, LIV e LVII, da CF/88).
No mesmo sentido, no julgamento do HC nº 97579, a então relatora, Ministra
Ellen Gracie, entende ser inconstitucional a vedação de liberdade provisória aos
crimes de tráfico de entorpecentes (crime equiparado a hediondo). Acentua ainda,
que a inafiançabilidade, por si só, não pode e não deve constituir-se em causa
impeditiva da liberdade provisória.
Conquanto as referidas decisões figurassem até o início de 2010, os últimos
julgados da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal tem se revelado com
diverso entendimento, senão vejamos:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE POR TRÁFICO DE DROGAS. LIBERDADE PROVISÓRIA: INADMISSIBILIDADE. DECISÃO QUE MANTEVE A PRISÃO. GARANTIA DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL. CIRCUNSTÂNCIA SUFICIENTE PARA A MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. ORDEM DENEGADA. 1. A proibição de liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e equiparados, decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição da República à legislação ordinária (Constituição da República, art. 5º, inc. XLIII): Precedentes. O art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90 atendeu o comando constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Inconstitucional seria a legislação ordinária que dispusesse diversamente, tendo como afiançáveis delitos que a Constituição da República determina sejam inafiançáveis. Desnecessidade de se reconhecer a inconstitucionalidade da Lei n. 11.464/07, que, ao retirar a expressão 'e liberdade provisória' do art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90, limitou-se a uma alteração textual: a proibição da liberdade provisória decorre da vedação da fiança, não da expressão suprimida, a qual, segundo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, constituía redundância. Mera alteração textual, sem modificação da norma proibitiva de concessão da liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados, que continua vedada aos presos em flagrante por quaisquer daqueles delitos. 2. A Lei n. 11.464/07 não poderia alcançar o delito de tráfico de drogas, cuja disciplina já constava de lei especial (Lei n. 11.343/06, art. 44, caput), aplicável ao caso vertente. 3. Irrelevância da existência, ou não, de fundamentação cautelar para a prisão em flagrante por crimes hediondos ou equiparados: Precedentes. 4. Ao contrário do que se afirma na petição inicial, a custódia cautelar do Paciente foi mantida com fundamento em outros elementos concretos, que apontam o risco concreto de fuga como circunstância suficiente para a manutenção da prisão processual. Precedentes. 5. Ordem denegada. [grifo nosso]. (HC: 99333. Relatora: Min. Cármen Lúcia. São Paulo. Julgamento: 01/06/2010. Órgão Julgador: Primeira Turma).
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Note-se, que em disparidade às posições anteriormente adotadas, a
presente decisão afirma que “a proibição de liberdade provisória em crimes
hediondos e equiparados decorre da própria inafiançabilidade imposta pela
Constituição da República à legislação ordinária [!].” (HC: 99333)
Ademais, a referida jurisprudência do STF se refere à exclusão da
expressão Liberdade Provisória, da Lei nº 8.072, por motivo de redundância, e ainda
diz ser o advento “mera alteração textual, que não acarreta modificação da norma
proibitiva de concessão da liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados
[!]”. (HC: 99333).
Totalmente relevante, porém, se faz a acentuação quanto ao Informativo nº
585 do Supremo Tribunal Federal, que conquanto em seus últimos julgados se
revele com entendimento diverso, foi publicado apenas dois meses antes do
julgamento supracitado.
Pois bem, o Ministro Celso de Mello pontuou seu entendimento quanto ao
tema afirmando que, “A prerrogativa jurídica da liberdade [...] não pode ser ofendida
por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da
suposta prática de crime hediondo”. (Informativo nº 585. RTJ 187/933. Rel. Min.
Celso de Mello. Publicação: DJE de 23.4.2010), prossegue afirmando que até que
sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela
possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração
penal que lhe tenha sido imputada, e que é inadequado o fundamento à manutenção
da prisão cautelar, tão somente com fulcro no art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90,
especialmente depois de editada a Lei nº 11.464/2007.
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4.5 ENTENDIMENTO DO STJ ACERCA DA CONCESSÃO DE LIBERDADE
PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS
Para que se possa expandir o entendimento quanto ao tema, faz-se
relevante a elucidação ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça no que
concerne à liberdade provisória e crimes hediondos ou equiparados, como se verá:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. CONSIDERÁVEL QUANTIDADE DE DROGA. GRAVIDADE CONCRETA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA. 1. A Sexta Turma desta Corte vem decidindo no sentido de que, com o advento da Lei nº 11.464/2007, que alterou a redação do art. 2º, II, da Lei 8.072/90, tornou-se possível a concessão de liberdade provisória aos crimes hediondos ou equiparados, nas hipóteses em que não estejam presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. 2. No caso, a custódia cautelar mostra-se devidamente justificada na necessidade de garantia da ordem pública, notadamente pela considerável quantidade de droga apreendida, totalizando, segundo se depreende dos autos, em mais de 13 Kg (treze quilogramas) de crack e maconha, circunstância que está a evidenciar a concreta periculosidade social do paciente. 3. De outra parte, com bem ressaltou o Tribunal de origem, as condições pessoais favoráveis do paciente, por si sós, não impedem a decretação da segregação antecipada, existindo nos autos elementos capazes de autorizar a adoção da providência extrema. 4. Habeas corpus denegado. [grifo nosso]. (HC 142534. Espírito Santo. Ministro O. G. Fernandes. Órgão julgador: Sexta Turma. Publicação: DJE de 09/08/2010).
De forma coerente e acertada, a sexta turma do Superior Tribunal de
Justiça, reconhece que com base no novo texto do art. 2º, II, da Lei nº 8.072
(advindo pela Lei nº 11.464) é possível a concessão de liberdade provisória, que
somente não será conferida, se presentes os requisitos da prisão preventiva44.
Observe-se ainda que, no caso em tela, a prisão somente foi mantida, de vez que se
faziam presentes os requisitos da prisão preventiva.
Em contrapartida, em oportunidade anterior, já se pronunciou a Quinta
Turma do STJ, no seguinte sentido:
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Os requisitos para que seja decretada a prisão preventiva, encontram-se elencados no art. 312 do Código de Processo Penal
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PROCESSUAL PENAL. MEDIDA CAUTELAR. AGREGAR EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO JÁ ADMITIDO NO TRIBUNAL A QUO. RESTABELECIMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA PARA CRIMES HEDIONDOS OU EQUIPARADOS. ENTENDIMENTO DA 3ª SEÇÃO DO STJ PELA VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DO BENEFÍCIO. INOCORRÊNCIA DE NOVO ESTADO DE FLAGRÂNCIA. NECESSIDADE DE DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA NOS TERMOS DO ART. 312 DO CPP. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA. 1. A liberdade provisória para os crimes hediondos ou equiparados ainda reclama consolidação em seu entendimento, tanto neste Superior Tribunal de Justiça quanto no Supremo Tribunal Federal. Prevalece, nesta Turma, o posicionamento definido pela 3ª Seção do STJ que reconhece a vedação do benefício ao fundamento, em última análise, da inafiançabilidade prevista na Constituição Federal. 2.
Difícil, no entanto, aceitar o mero restabelecimento da prisão em flagrante para aquele que, posto em liberdade, não mais se encontra em estado de flagrância (art. 302 do CPP). O retorno à prisão somente se justificaria nos termos do art. 312 do CPP (prisão preventiva). 3. De outra banda, a constante divergência entre julgados ocorrida tanto no âmbito desta Corte quanto no Supremo Tribunal Federal exige certa prudência no trato da matéria, sobretudo em situação como a presente, quando já ocorreu a desconstituição da prisão. 4. Ausentes, no caso, os pressupostos da cautelar que são cumulativos, em especial, o perigo na demora, a mesma não deve prosperar. 5. Medida cautelar indeferida. Sem prejuízo de novo exame do tema quando do julgamento do recurso especial. [grifo nosso]. (MC: 16439. Rio Grande do Sul. Órgão Julgador: Quinta Turma. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Publicação: DJE de 02/08/2010).
O presente julgado, baseia-se no entendimento de que a não concessão de
liberdade provisória decorre da inafiançabilidade desses crimes. O que como
demonstrado, não possui fundamento relevante, de vez que há uma presunção da
vontade do legislador, e não sua concreta expressão postulada constitucionalmente.
Resta salientar, que as jurisprudências do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça, ainda estão passíveis de extensa discussão, de vez
que como relatado na presente decisão, ainda pende por consolidação o referido
entendimento.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A legislação que emergiu, após a Constituição de 1988, se mostrou um tanto
rigorosa, no tocante à liberdade provisória. A fim de alicerçar tal entendimento, basta
a observação de alguns fatores que configuram sustentáculo dessa afirmação,
presentes na Lei nº 8.072, no tocante a crimes hediondos e assemelhados. A citada
Lei, demonstra certo excesso à restrição total de liberdade provisória em suas
modalidades (com e sem fiança), outrossim, traz a exigência do cumprimento total
da pena em regime fechado, e por fim a permissão de prisão temporária por 30
(trinta) dias, prorrogáveis por mais 30 (trinta). Ora, tais aspectos não poderiam
dispensar observação, no que tange à sua constitucionalidade.
Para se entender a questão da concessão ou não de liberdade provisória em
crimes hediondos, há que se entender, dentre outras, a questão voltada a decifrar a
vontade do legislador ao vedar a Liberdade Provisória mediante fiança para esses
crimes. Pensava-se, por muitos, que o legislador quis impedir que se colocasse em
liberdade provisória os autores de crimes hediondos, graves, para resguardar a
chamada lei e ordem, devido à crescente onda de violência, observada no histórico
dos crimes hediondos, que causava certo pânico por parte da sociedade, e
descrença quanto à punibilidade por parte do Estado, que por bom tempo regeu a
sociedade por uma legislação tida como liberal.
Posteriormente, com o advento da Lei nº 8.072, que em seu texto primórdio
vedou a concessão de liberdade provisória aos crimes hediondos, tornou-se passível
de discussão, a validade substancial de tal norma, devido à flagrante
inconstitucionalidade que trazia em seu bojo, ao vedar em absoluto, um direito
fundamental, que é o da liberdade, simplesmente pelo cometimento de determinado
crime. Isto, é sabido, não retira direitos fundamentais.
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Quando em 2007, a Lei nº 11.464 trouxe novo texto à Lei de Crimes
Hediondos, retirando a expressão “liberdade provisória”, do artigo que tratava das
não concessões, pensou-se estar consolidada a questão, no sentido de que mesmo
aos que cometessem crimes hediondos e equiparados, não se poderia vedar por
completo a benesse, de vez que a vedação total de liberdade de um indivíduo, antes
do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, mostra-se totalmente
contraditória, em uma legislação, onde vigora um sistema acusatório, que como
visto, é aquela que preza e reconhece a dignidade da pessoa humana.
Ocorre que, apesar dos reais embasamentos elencados, note-se todavia,
que as jurisprudências do STF e do STJ, em oportunidades muitas, acabam por
optar pela não concessão da benesse em questão. Há quem diga que isso se deve,
pelo fato de que a concessão da liberdade mediante fiança ocorrer de maneira mais
onerosa processualmente se comparada à benesse sem fiança.
Conquanto haja essa diferença em termos de onerosidade, ainda se
apresenta em maior grau de importância, a obrigatoriedade de se sopesar os
princípios e direitos constitucionais, em uma Constituição que se diz Democrática de
Direito, que como dito em ocasião anterior, deve resguardar a comunidade como um
todo, incluindo os delinqüentes, e mais profundo do que isso, sem deixar de analisar
que aquele preso sem sentença condenatória, é considerado a priori inocente.
Ademais, há que se ressaltar, como dispõe o art. 553, incisos I e II, do
projeto de lei 156/2009, do novo CPP, que preceitua que ao receber o auto de prisão
em flagrante, o juiz, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, deverá, relaxar a prisão
caso seja ilegal ou converter, fundamentadamente, a prisão em flagrante em
preventiva, quando presentes os seus pressupostos legais. Ou seja, quando o juiz
decide em manter a prisão em flagrante, homologando o auto da prisão, o faz a título
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de custódia preventiva, contra qual é cabível pleito de revogação da prisão (e não de
liberdade provisória). E, portanto a medida de contracautela da prisão preventiva
não é a liberdade provisória, é, na verdade, a revogação da prisão preventiva,
conforme preceitua o art. 316, CPP. Desta sorte, seria, o réu posto em liberdade,
não pelo instituto de liberdade provisória, mas pela revogação da prisão preventiva,
não obstante, a prática de crime hediondo.
Conveniente é lembrar por fim, que as leis que proíbem a concessão de
liberdade provisória não afastam a possibilidade de relaxamento da prisão ilegal.
Assim, se o flagrante lavrado não preenche os requisitos legais ou se a prisão
perdura por mais tempo do que o permitido em lei, em verdade, deverá haver o
relaxamento da prisão. É o que dispões a Súmula 697 do STF, ao afirmar que a
proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o
relaxamento da prisão processual por excesso de prazo.
Portanto, da mesma forma, seria concedida liberdade ao réu, ou porque a
prisão em flagrante, quando convertida em preventiva, venha posteriormente ser
revogada, ou porque constatado excesso de prazo, havendo a concessão do
relaxamento.
Difícil se torna, explicar à sociedade (e aqui, referimo-nos principalmente
àquele que aguarda o trâmite processual cerceado de sua liberdade), que a prisão
antes de sentença condenatória, não configura antecipação de pena, mas apenas
uma medida de cautela, ou de pré-cautela (quando em hipótese de prisão em
flagrante). Ora, aquele que sofre a restrição de sua liberdade, nos parece, não
distinguir as modalidades de pena, uma vez que as cumpre da mesma forma,
curvando-se às mesmas restrições.
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Não se quer de forma alguma, afastar a necessária função do Estado, como
garantidor da Lei e da Ordem, mas se intenta aqui, aproximar essa função à
essência desse Estado, que vigora (ou a priori deve vigorar) de forma democrática,
resguardando toda a sociedade.
Portanto, é reconhecido o fato, de que há casos previstos
constitucionalmente, em que sim, é necessário o cerceamento da liberdade de certo
indivíduo, antes da sentença, como ocorre quando presentes os requisitos
autorizadores da prisão preventiva. Mas note-se, que são circunstâncias que não se
referem a determinado tipo penal, mas sim, a circunstâncias que necessitam de
medidas cautelares para que não ocorram consequências a posteriori.
É notório o fato, de que as medidas cautelares pessoais estão localizadas no
ponto mais crítico entre dois interesses opostos, sobre os quais gira o processo
penal: o respeito ao direito de liberdade e a eficácia na repressão dos delitos. E é o
princípio da proporcionalidade que irá nortear a conduta do juiz frente ao caso
concreto. Destarte, o simples fato de um crime ser rotulado como hediondo, ou a
legalmente equiparado, não confere ao legislador a possibilidade de cercear em
absoluto, o direito fundamental à liberdade.
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