UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
JOSELMA RAMOS CARVALHO SANTOS
QUESTÃO AMBIENTAL E SERVIÇO SOCIAL: uma análise crítica dos
trabalhos publicados no XV ENPESS
NATAL
2018
JOSELMA RAMOS CARVALHO SANTOS
QUESTÃO AMBIENTAL E SERVIÇO SOCIAL: uma análise crítica dos
trabalhos publicados no XV ENPESS
Trabalho apresentado à Coordenação do Curso de
Graduação em Serviço Social da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento
às exigências legais e como requisito parcial para
obtenção do Grau Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carla Montefusco de
Oliveira.
NATAL
2018
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas -
CCSA
Santos, Joselma Ramos Carvalho. Questão ambiental e
Serviço Social: uma análise crítica dos trabalhos publicados
no XV ENPESS / Joselma Ramos Carvalho Santos. - Natal, 2018. 73f.: il.
Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais
Aplicadas. Departamento de Serviço Social. Orientadora: Profa. Dra. Carla Montefusco de Oliveira.
1. Serviço Social - Monografia. 2. Aspectos socioambientais - Monografia. 3. Capitalismo - Relações sociais - Monografia. 4. Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social Monografia.
I. Oliveira, Carla Montefusco de. II. Título.
RN/UF/CCSA CDU 364.4:504
Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/404
A Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, E sem Ele nada do que foi feito se fez.
(João cap. 1, ver. 3)
Refletindo…
Absurdo
Havia tanto pra lhe contar / A natureza
Mudava a forma o estado e o lugar / Era absurdo
Havia tanto pra lhe mostrar / Era tão belo Mas olhe agora o estrago em que está
Tapetes fartos de folhas e flores / O chão do mundo se varre aqui
Essa ideia do natural ser sujo / Do inorgânico não se faz
Destruição é reflexo do humano / Se a ambição desumana o Ser Essa imagem de infértil deserto / Nunca pensei que chegasse aqui
Autodestrutivos,
Falsas vítimas nocivas?
Havia tanto pra aproveitar / Sem poderio Tantas histórias, tantos sabores / Capins dourados
Havia tanto pra respirar / Era tão fino
Naqueles rios a gente banhava
Desmatam tudo e reclamam do tempo/ Que ironia conflitante ser Desequilíbrio que alimenta as pragas / Alterado grão, alterado pão
Sujamos rios, dependemos das águas / Tanto faz os meios violentos
Luxúria é ética do perverso vivo / Morto por dinheiro
Cores, tantas cores / Tais belezas Foram-se / Versos e estrelas Tantas fadas que eu não vi
Falsos bens, progresso? / Com a mãe, ingratidão
Deram o galinheiro / Pra raposa vigiar
(VANESSA DA MATA, 2007)
Agradecimentos
Do mais profundo de minha alma a Deus toda a minha gratidão, pois é Senhor meu que tem me dado vida e permitido a mim viver tão sonhada realidade. A meu pai, Manoel, e a minha mãe, Luzia. Agradeço-lhes pelo discernimento de vida, o incentivo para a aquisição de conhecimentos e, especialmente, pelos exemplos de cuidado e respeito ao próximo... São preceitos que guardo por herança. A Edvaldo, marido, companheiro, parceiro nesta jornada. Obrigada pelas contribuições, tolerância e incentivos nos meus momentos de desgaste. A sua presença reflete em mim segurança e tranquilidade. A meus lindos filhos, Gerson, Amanda e Mariana. Meus queridos, vocês são tesouros preciosos que amo ter. Obrigada pela paciência e desculpem-me pelas muitas ausências... Que esse momento seja de regozijo para todos nós! Amanda, querida filha, sou grata pelas muitas contribuições ao longo de meus estudos. Agradecimento especial à Professora Carla Montefusco. Estimada professora, o crédito que me concedeu, permitindo-me participar de sua banca de pesquisa, foi fundamental para a minha formação acadêmica. Adquiri conhecimento que, decerto, somente em sala de aula não me seria possível alcançar. Por todas as coisas, que esteja externalizado meu sentimento de gratidão: Muito Obrigada! À minha turma (2014, 2). Obrigada a todas e todos as/os colegas pelos muitos momentos de compreensão, colaboração, discussão, descontração… Por tudo, Saudades... Saudades... À Professora Andréa Lima e ao Professor Roberto Marinho, por tão importante contribuição em meu trabalho. Muito obrigada! Enfim, a todos/as que direta ou indiretamente contribuíram para que esse momento me fosse possível, a Professoras/es e Funcionárias/os, ao Departamento de Serviço Social da Faculdade Federal do Rio Grande do Norte, por todo cuidado e atenção na minha formação, Muito Obrigada!
RESUMO
O desenvolvimento técnico-científico, em todas as suas fases, tem ocasionado ao mundo
transformações culturais, socioeconômicas e políticas e cada vez mais viabilizado incrementos
tecnológicos e infraestruturas com capacidade de acolher a humanidade em todas as suas
necessidades, desde aquelas elementares e materiais, como abrigo, alimento, meios de locomoção,
saúde; até as ligadas às subjetividades dos sujeitos, como satisfação e bem-estar. Contudo, os
arranjos relacionais que foram se criando em torno da produtividade, conformando o capitalismo
monopolista voltado para uma concepção cumulativa, financista, de supremacia territorial, de
modo global têm impulsionado circunstâncias de extrema contradição. Trata-se de uma
conjuntura que preserva a concentração de renda e naturaliza o recrudescimento das desigualdades
socioambientais como algo imanente ao próprio sistema. Conquanto, na contramão de tudo isso,
o Serviço Social brasileiro se apresenta como uma profissão vinculada a um projeto social
democrático e se coloca em prol da plena liberdade humana e dos interesses da classe trabalhadora,
fazendo recusa intransigente de todo e qualquer tipo de exploração. Por tal perspectiva, o trabalho
ora apresentado tem por objetivo verificar o pensamento presente nos debates do Serviço Social
acerca da questão ambiental, já que, assim como a questão social, essa também é oriunda das
relações sociais de produção capitalistas. Para tanto, através de pesquisas bibliográfica e
documental, e com base na técnica de análise de conteúdo, foram analisados quinze trabalhos
publicados no XV Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social, no eixo temático
“Questão Agrária, Urbana, Ambiental e Serviço Social”, ocorrido no ano 2016 em Ribeirão
Preto/SP. Das análises, observou-se grande inquietude dos pesquisadores com os níveis de
exploração interpostos nos processos de trabalho; descrédito do propósito sustentável; e
distanciamento acadêmico de inferências diretamente relacionadas ao tema questão ambiental.
PALAVRAS-CHAVE: Questão socioambiental. Relações sociais de produção capitalistas. XV
Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social.
RESUMEN
El desarrollo técnico-científico, en todas sus fases, ha ocasionado al mundo
transformaciones culturales, socioeconómicas y políticas y cada vez más viabilizado incrementos
tecnológicos e infraestructuras con capacidad de acoger a la humanidad en todas sus necesidades,
desde aquellas elementales y materiales, como abrigo, alimento, medios de locomoción, salud;
hasta las relacionadas a las subjetividades de los sujetos, como satisfacción y bienestar. Sin
embargo, los arreglos relacionales que se crearon en torno a la productividad, conformando el
capitalismo monopolista orientado hacia una concepción acumulativa, financista, de supremacía
territorial, de modo global han impulsado circunstancias de extrema contradicción. Se trata de una
coyuntura que preserva la concentración de renta y naturaliza el recrudecimiento de las
desigualdades socioambientales como algo inmanente al propio sistema. Todavía, en contra de
todo ello, el Servicio Social brasileño se presenta como una profesión vinculada a un proyecto
social democrático y se pone en pro de la plena libertad humana y de los intereses de la clase
obrera, haciendo rechazo intransigente de todo tipo de explotación. Por tal perspectiva, el trabajo
presentado aquí tiene por objetivo verificar el pensamiento presente en los debates del Servicio
Social acerca de la cuestión ambiental, ya que, así como la cuestión social, ésta también es oriunda
de las relaciones sociales de producción capitalistas. Para ello, por medio de investigaciones
bibliográfica y documental, y con base en la técnica de análisis de contenido, fueron analizados
quince trabajos publicados en el XV Encuentro Nacional de Investigadores en Servicio Social, en
el eje temático "Cuestión Agraria, Urbana, Ambiental y Servicio Social", que se produjo en el año
2016 en Ribeirão Preto / SP. De los análisis, se observó gran inquietud de los investigadores con
los niveles de explotación interpuestos en los procesos de trabajo; descrédito del propósito
sustentable; y alejamiento académico de inferencias directamente relacionadas al tema cuestión
ambiental.
PALABRAS CLAVE: Cuestión socioambiental. Relaciones sociales de producción capitalistas.
XV Encuentro Nacional de Investigadores en Servicio Social.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CBO - Classificação Brasileira de Ocupações
CFC - Clorofluorcarbono
CNUMAD - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
ENPESS - Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social
GEE - Gases de Efeito Estufa
FUCONAMS - Fundação para Conservação da Natureza de Mato Grosso do Sul
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MPA - Ministério da Pesca e Aquicultura
MTE - Ministério do Trabalho e Emprego
MPC - Modo de Produção Capitalista
NR - Norma Regulamentadora
OMS - Organização Mundial da Saúde
OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PEP - Projeto Ético-Político Profissional
PET - Programa de Educação Tutorial
PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PIB - Produto Interno Bruto
RSE - Responsabilidade Social Empresarial
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................................10
2 O HOMEM CHEGA, JÁ DESFAZ A NATUREZA, TIRA GENTE, PÕE REPRESA,
DIZ QUE TUDO VAI MUDAR… [E MUDA]..........................................................................15
2.1 Natureza, incomodá-la por quê? .................................................................................15
2.2 A concretização histórica do modo de produção capitalista: Questão
Socioambiental...................................................................................................................22
2.2.1 O amadurecimento técnico-científico: as consequências disso para o
mundo....................................................................................................................24
2.3 As dimensões do Desenvolvimento Sustentável: um intento de equivalência entre o
social, o ambiental e o financeiro……………………………………………..................29
3 É! A GENTE QUER VIVER PLENO DIREITO... A GENTE QUER VIVER TODO
RESPEITO… A GENTE QUER VIVER UMA NAÇÃO… A GENTE QUER É SER...
[SUJEITOS DE DIREITOS] .....................................................................................................38
3.1 O Serviço Social como um espaço de análise e prática da questão socioambiental....38
3.2 Inferências das publicações no ENPESS.....................................................................45
3.2.1 O papel do Serviço Social no desvelamento da realidade socioambiental do
Brasil: uma análise conjuntural..............................................................................52
3.2.2 Desenvolvimento sustentável: a quem interessa?.........................................59
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................64
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................68
10
1 INTRODUÇÃO
O trabalho ora apresentado resulta da experiência da autora como aluna-bolsista em
espaço de iniciação científica1. Ao participar do plano de pesquisa sobre evidenciação de
Responsabilidade Social Empresarial (RSE) no Estado do Rio Grande do Norte, aproximou-se de
temas referentes à relação humana com o meio ambiente, sendo observado nisso um encadeamento
próprio da produção e reprodução social, mas, sobretudo, um meio para a reprodução do capital.
Situação constituída por modos de vida circundados pela dinâmica da subordinação e da
dominação, numa esfera em que a transformação das particularidades orgânica e inorgânica da
natureza acabam sendo transformadas em favor da apropriação dos meios de produção e o
absorvimento dos recursos naturais para a manutenção e ampliação da acumulação.
Os debates ambientais, com uma visão mais complexa dos problemas sócio-econômicos
e ecológicos da sociedade global, têm buscado sedimentar princípios éticos e valorativos dos
direitos fundamentais da humanidade a concepções de desenvolvimento sustentável. Esse influxo,
apesar de tirar de foco a recorrente ação político-econômica desenvolvimentista, cujo objetivo se
ampara no crescimento econômico em detrimento do desenvolvimento humano, não coloca em
xeque, entretanto, a base constitutiva da depredação das capacidades socioambientais que é a
contradição capital-trabalho.
A mutualidade na formação do ambiente com a sociedade, diante da própria dinâmica
social, econômica, política, cultural, e até mesmo regional, tem sido de suplementação em
demasia. Iamamoto e Carvalho (2014) compreendem que a produção e reprodução da riqueza
material se constituem em um processo com ampla distinção social e que são bases materiais de
organização da sociedade, pois nessa relação de antagonismo de interesses de classes há o
pressuposto da lei geral de acumulação, a monopolização e acumulação por uma pequena parte
da população - classe capitalista -, “inseparável da acumulação da miséria e da pauperização
daqueles que produzem a riqueza como uma riqueza alheia, como poder que os domina, enfim,
1 Quando na condição de bolsista em Iniciação Científica (UFRN/CNPq) pelo departamento de Serviço
Social participou do plano de trabalho denominado “Responsabilidade Social Empresarial e Transparência:
uma análise do nível de evidenciação socioambiental das empresas do Rio Grande do Norte”, orientado
pela Prof.ª Dr.ª Carla Montefusco.
11
como capital” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p. 72), revelando que a ‘liberdade’ do homem
trabalhador assalariado, desvinculado dos meios de produção, “deve ser entendida como
isolamento, alienação com respeito à natureza externa; é livre porque foram esgarçados os laços
do metabolismo com o meio ambiente. É livre no sentido de isolado”. (FOLADORI, 2001a, p.
108).
O Serviço Social brasileiro, nessa perspectiva, é parte fundamental no trato das dimensões
que envolvem a questão social e a questão ambiental. Orientado pelo projeto-ético político
profissional, pelas diretrizes curriculares do Código de Ética e pela lei que regulamenta a profissão
(Lei 8.662/93), essa profissão tem por acepção de sua prática tanto teórico-metodológico quanto
ético-político e técnico-operativo a viabilização dos direitos da população, buscando garantir o seu
acesso às políticas sociais nos mais variados âmbitos, quais sejam saúde, educação, assistência,
previdência social, habitação, cultura.
Nesse sentido, o trabalho ora apresentado tem por objetivo geral analisar as concepções
acerca da questão ambiental presentes no debate contemporâneo do Serviço Social. Os objetivos
específicos buscam refletir sobre os determinantes da questão socioambiental na sociabilidade
capitalista; analisar como os trabalhos investigados apresentam relação entre questão social e
questão ambiental; e investigar as concepções de desenvolvimento que norteiam os trabalhos
analisados.
Observa-se que, apesar de ser uma pequena amostra, a verificação do que a comunidade
do Serviço Social do Brasil tem analisado e publicado sobre o tema “questão ambiental” de algum
modo contribui para a reflexão de como se dá a relação profissional dos assistentes sociais nos
mais diferentes espaços ocupacionais, tendo em vista que o acirramento da questão social, como
um conjunto das expressões das desigualdades sociais produzidas na sociedade capitalista madura
(IAMAMOTO, 2001), particulariza-se como um ato contínuo decorrido da expansão dos
problemas ocasionados ao e no meio ambiente.
Buscou-se encaminhar a pesquisa pelo método materialismo histórico dialético. As
análises não se concentram apenas no que é demonstrado, para além disso intenta-se alcançar nas
modificações sócio-históricas, nas determinações socioeconômicas e técnico-científicas, nos
vários delineamentos de reprodução do capital, e até mesmo na totalidade da vida social, os
12
constructos conformadores desta sociabilidade; pois há entendimento de que na relação dialética
entre o ambiente e os homens se concebem os determinantes sociais e culturais numa mútua
transformação.
Metodologicamente, compreende-se que a pesquisa é de cunho exploratório, com
abordagem qualitativa, pois as análises e reflexões sobre o tema em questão - os determinantes da
questão socioambiental ocorrentes na sociabilidade capitalista -, foram se estruturando de forma
gradativa, havendo familiaridade na medida em que estudos bibliográficos e documentais eram
realizados. As considerações, desse modo, culminam em apreciações críticas, de caráter subjetivo
da amostra pesquisada.
Pelos procedimentos técnicos, a natureza da pesquisa é bibliográfica/documental. As
fontes informativas foram livros, artigos, dissertações e teses cujos conteúdos são de abordagem a
temas sobre gestão ambiental, questão social e suas expressões, questão ambiental, o conceito de
desenvolvimento sustentável, Modo de Produção Capitalista (MPC), bem como alguns
documentos elaborados pela agenda ambiental internacional, além dos artigos do ENPESS.
Para tanto, através da técnica da análise de conteúdo foram analisadas as publicações em
anais com eixos temáticos específicos sobre as questões agrária, urbana e ambiental, mas com
ênfase na questão ambiental. A utilização dessa técnica é pertinente na verificação dos conteúdos
manifestos nos textos de forma que os resultados possam refletir os objetivos da pesquisa. Explica-
se, entretanto, que a busca pela interpretação através da análise de conteúdo perpassa polos do
rigor da objetividade e da subjetividade (BARDIN, 1997), visto que esse modo de análise não é
em si um método rígido, fechado, ao que, na prática, no entremear-se das etapas, é possível ao
pesquisador ser criativo, tecer julgamentos, ter atitude crítica, entre outras possibilidades de
significação. (LAVILLE; DIONNE, 1999).
Para uma melhor interpretação dos dados, a pesquisa foi estruturada por pré-análise,
exploração do material ou codificação e tratamento dos resultados obtidos e interpretação, tendo
sido elementos importantes a codificação, a categorização, a inferência e o tratamento informativo.
(BARDIN, 1977). A produção do trabalho se deu mediante leituras compreensivas do material
selecionado, tendo em vista que essa prática possibilita ao analisador ‘impregnar-se’ pelo conteúdo
13
e, a partir disso, se tornar mais suscetível a compreender as particularidades do material analisado
em todas as etapas. (MINAYO, 2010).
O trabalho está dividido em quatro principais itens: o primeiro deles, a introdução, tem
por objeto apresentar de forma sucinta o encadeamento da pesquisa, isto é, o tema, os objetivos, a
metodologia e a amostra analisada. O segundo item, o capítulo dois, denominado O homem chega,
já desfaz a natureza, tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar… [e muda], principia por
uma análise sócio-histórica, mas com um cunho desvelador sobre a complexificação da relação
homem-natureza.
O item citado se subdivide em três subitens: o primeiro reflete moderadamente o
comportamento e a transformação da natureza pelos vieses ecológico e geográfico; o segundo
percebe na concretização histórica do MPC a presença da questão social e suas refrações, estando
consubstanciado nisto a questão ambiental. Esta percepção acabou gerando um subtópico sobre a
condução do mundo pelo amadurecimento técnico-científico, uma vez que o adensamento das
contradições interpostas nesse processo produtivo decorrem da relação capital-trabalho, mas
sempre em convergência e de modo correspondente ao avanço das técnicas e tecnologias.
O terceiro subitem, sobre as dimensões do Desenvolvimento Sustentável, compreende que
o recrudescimento da questão socioambiental, gestada no capitalismo mais evoluído, tornou-se
uma questão para a própria sobrevivência do capital. Muito embora as análises façam crer que no
cerne do desenvolvimento sustentável há um querer para a preservação dos meios socioambientais,
considera-se a possibilidade de haver por trás do sentimento de importância com as especificidades
humanas e com a preservação do meio ambiente a intenção de privilegiamento da reprodução do
capital.
O capítulo três, denominado É! A gente quer viver pleno direito... a gente quer viver todo
respeito… a gente quer viver uma nação… a gente quer é ser... [sujeitos de direitos], subdivide-
se em dois subitens, sendo o primeiro uma apreciação do Serviço Social como um espaço de
análise e prática da questão socioambiental. O segundo subitem faz referência às publicações do
ENPESS que compreendem a amostra deste trabalho.
Em dimensões diferentes, as publicações evidenciam grande insatisfação com o processo
de produção vigente, com os níveis de exploração da classe trabalhadora, com a apropriação de
14
instâncias democráticas em prol do capitalismo, dentre outras inferências. Tal manifestação
acabou contribuindo para a expansão de dois tópicos: o primeiro reflete o papel do Serviço Social
no desvelamento da realidade socioambiental do Brasil, já o segundo tece uma análise crítica sobre
o desenvolvimento sustentável, sendo verificado apropriação do uso das terminologias interpostas
nesse conceito como forma de escamotear interesses do capital.
15
Capítulo 2
“O HOMEM CHEGA, JÁ DESFAZ A NATUREZA, TIRA GENTE, PÕE
REPRESA, DIZ QUE TUDO VAI MUDAR… [E MUDA]”
(SÁ; GUARABYRA, 1977, grifo nosso)
A complexificação social ocorrente na história da humanidade, por intermédio de
decisões político-econômicas e das inovações tecnológicas, impulsionou uma nova significação
na relação homem-natureza, sendo criado um encadeamento de transformação no qual a natureza
foi perdendo a sua função de atendimento das necessidades inerentes ao homem para atender aos
desejos de acumulação criados pelos homens, na medida em que a sociabilidade capitalista foi se
desenvolvendo. As consequências disso, como extenuação da capacidade de renovação dos
recursos naturais e a própria degradação ambiental, avultam-se em desdobramentos da questão
social, conformando a questão socioambiental.
Desse modo, no intento de compreender um pouco mais os dinamismos estruturais
ocorrentes na relação social, este ponto do trabalho se divide em três itens que buscam refletir
sobre os determinantes da questão socioambiental na sociabilidade capitalista. O primeiro item
questiona o porquê da necessidade de exploração da natureza e como isso foi se engendrando e
constituindo o contexto sócio-histórico da humanidade. O segundo verifica na concretização
histórica do modo de produção capitalista as refrações da questão social e da questão ambiental,
sendo este fracionado em um subitem que afere a condução do mundo pelo amadurecimento
técnico-científico. O terceiro item busca fazer um contraponto entre os elementos constituintes da
dimensão Desenvolvimento Sustentável.
2.1 Natureza, incomodá-la por quê?
Por análises ecológicas, ou mais especificamente buscando-se entender um pouco a
conformação do ambiente natural, verifica-se que a Terra é habitat de complexos organismos que
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mantêm-se organizados sobre a superfície do globo terrestre. De modo coordenado [e por que não
dizer harmônico?] mesmo que no dinamismo funcional aspectos imoderados se façam presentes,
as espécies não se distribuem de maneira aleatória e nem como uma mistura homogênea, elas se
caracterizam por propriedades peculiares que dependem de lugares específicos, direcionando um
curso de autorregulação. (TOWNSEND; BEGON; HARPER, 2010).
Nessa dimensão, os ecossistemas se constituem como “sistemas adaptativos complexos,
nos quais propriedades sistêmicas macroscópicas como estrutura, relação produtividade-
diversidade e padrões de fluxos de nutrientes emergem de interações entre os componentes, sendo
comum a existência de efeitos de retroalimentação” (LEVIN, 1998 apud ANDRADE; ROMEIRO,
2009, p. 3), ou seja, “que la naturaleza es también algo existente en sí, independientemente de la
intervención manipuladora de los hombres”. (LEFF, 2004, p. 30).
Considera-se que o equilíbrio do planeta é garantido pela interligação entre os
ecossistemas e pela troca de energia nesse processo. É o mundo físico em adaptabilidade com a
vida que “se compõe de seres que podem ser agrupados em dois grandes níveis: aqueles que não
dispõem da propriedade de se reproduzir (a natureza inorgânica) e aqueles que possuem essa
propriedade, os seres vivos, vegetais e animais (a natureza orgânica)” (NETTO; BRAZ, 2008, p.
35, grifos dos autores). A observação da natureza, se em sentido de universo físico e de
transformação da vida em geral que nela ocorrem, exige reflexões sobre a prevalência da vida ou,
de outra maneira, sobre o processo de seleção antrópica e social que motivado por questões
econômicas, políticas, culturais, étnicas, religiosas, de gênero domina os meios bióticos e
abióticos, desvirtuando o rumo natural das coisas.
Em questionamentos sobre o porquê de o aparecimento da espécie humana na biosfera
ser considerada tão degradante, já que a própria evolução biológica de fenômenos químicos,
biológicos e físicos intrinsecamente ligados mantêm-se em contínua movimentação, gerando uma
dinâmica pertinente a transformações, a verificação é de que a própria constituição humana, ou
melhor, a sua capacidade de pensar, raciocinar, inferir juízo de valor são o que torna o homem um
grande diferencial nesse sistema, pois ele molda o meio em que se encontra para a própria
sobrevivência. (MUCCI, 2005).
Os seres vivos (pluricelulares e unicelulares), organizados em níveis de classificação,
17
compõem-se por complexos mecanismos fisiológicos e químicos que condicionam nutrição,
crescimento, metabolismo, irritabilidade, reprodução, hereditariedade, evolução; são organismos
que pela lógica da seleção natural observada por Darwin diariamente lutam pela própria
sobrevivência. Por essa concepção, embora não haja pretensão de análises detalhadas sobre os
fundamentos da Ecologia (populações, comunidades e ecossistemas; habitat e nicho ecológico;
teias e cadeias alimentares; ciclos biogeoquímicos), é pertinente afirmar que o homem também é
partícipe do processo de seleção, visto que ele mesmo precisa de condições básicas para a sua
subsistência e preservação da espécie.
Significativa, entretanto, é a forma como o homem confere à natureza as suas ações. São
modos de seleção artificial que se demarcam por motivações consubstanciadas na racionalidade
que ao homem é inerente. Ecologicamente falando, de acordo com Odum (2004) a adaptabilidade
por seleção artificial ou domesticação que o homem transfere às plantas e aos animais, em
atendimento às suas necessidades, requer não somente a modificação genética das espécies,
essencialmente deve ser uma ação recíproca que conduza a uma conformação especial de
mutualismo correspondente à relação mutualista de adaptação ao nível do ecossistema.
A primeira presença do homem na natureza se institui como um fator novo na sua
diversificação, visto que é próprio do homem atribuir às coisas um valor, e, desse modo, acaba
acrescentando ao processo de mudança um dado social. Num primeiro momento, por não ser ainda
detentor de meios que aumentem seu poder transformador e sua mobilidade (das técnicas), o
homem é criador, mas também um ser subordinado à natureza. “Depois, as invenções técnicas vão
aumentando o poder de intervenção e a autonomia relativa do homem, ao mesmo tempo em que
se vai ampliando a parte da diversificação da natureza socialmente construída”. (SANTOS, M.,
2006, p. 85).
Nesse sentido, embora não seja um propósito deste trabalho concentrar informações
históricas e geográficas sobre o decurso da construção do espaço mundial, ou mesmo fazer uma
análise descritiva do processo evolutivo tecnológico na história da humanidade, entender as
complexas relações envolvidas nisso - circunstância, meios e objetivos -, é necessário para uma
análise mais crítica, e até mesmo fundamentada sobre as relações sociopolíticas e econômicas que
regem o mundo presente.
18
Conforme Severino (1993), em análises da ciência como uma visão mecânica do mundo
e naturalista do homem, o homem se constitui como um “organismo vivo” e assim as leis da
natureza são manifestas a ele determinando sua maneira de ser e agir tanto no plano individual
quanto no social. Os valores e critérios da ação humana, dessa forma, encontram-se interiorizados
na natureza sob formas de leis de funcionamento; a ação de transformação na relação natureza-
homem se concebe pelo trabalho, categoria de organização social com capacidade de criar, gerar,
socializar.
À diferença das atividades naturais, o trabalho se especifica por uma relação
mediada entre o seu sujeito (aqueles que executam, homens em sociedade) e o
seu objeto (as várias formas da natureza, orgânica e inorgânica). Seja um
machado de pedra lascada ou uma perfuradora de poços de petróleo com
comando eletrônico, entre o sujeito e a matéria natural há sempre um meio de
trabalho, um instrumento (ou um conjunto de instrumentos) que torna mediada a
relação entre ambos. E a natureza não cria instrumentos: estes são produtos, mais
ou menos elaborados, do próprio sujeito que trabalha. A criação de instrumentos
de trabalhos, mesmo nos níveis mais elementares da história, coloca para o sujeito
do trabalho o problema dos meios e dos fins (finalidades) e, com ele, o problema
das escolhas: se um machado mais longo ou mais curto é ou não adequado (útil,
bom) ao fim a que se destina (a caça, a autodefesa etc.). (NETTO; BRAZ, 2008,
p. 32, grifos dos autores).
Os aspectos citados influenciaram a ocupação dos espaços geográficos. A conceituação
do meio ambiente pela perspectiva geográfica, ou mais precisamente por estudos do espaço
geográfico2, compreende esse ambiente como uma ínfima parte do universo, sendo a natureza a
fonte original de tudo o que existe. A interação entre as sociedades humanas e ela necessariamente
exige a sua transformação, sendo isso uma relação que, mediante o meio alterado, acaba fazendo
2 O Espaço Geográfico é um importante estudo das ciências geográficas, mas não se particulariza por um
conceito unívoco nem mesmo segue somente uma corrente de análise. Segundo Pena (2018, on-line) “não
há um consenso entre os geógrafos sobre o que seria, exatamente, o espaço geográfico, haja vista que muitos
deles orientam-se a partir de diferentes correntes de pensamento que apresentam diferentes perspectivas”.
A visão conflitante sobre o tema tanto exprime o espaço geográfico como uma construção intelectual, não
existindo de fato na sociedade, como também afirma que ele é um conjunto de sistemas de objetos e ações,
sendo isto ações humanas que, no manejo de instrumentos, constroem e transformam o meio, seja ele natural
ou social.
Explica-se, entretanto, que para a composição deste trabalho, o Espaço Geográfico aqui verificado é o que
segue a linha de compreensão da realidade humana pelo aspecto social e sua relação com a natureza. Ou
seja, um estudo que se leva pelo pensamento de que toda transformação antrópica do meio ambiente, como
as construções, os projetos de infraestrutura, provém da força do trabalho humano sobre a natureza, mas
despontado por decisões, antagônicas ou consensuais, dadas entre grupos, classes sociais, etnias, povos e
nações, estando a técnica científica como ferramenta fundamental para tal condução.
19
surgir uma segunda natureza, a ‘natureza humanizada’, que se mantém em contínua expansão cada
vez que novas construções e obras são realizadas. Contextualiza-se nessa concepção o uso da
natureza pura - ou matéria-prima - que, através das técnicas incorporadas ao trabalho, é
transformada em materiais para as diversas atividades humanas. (VESENTINI, 2005).
A entender, para móveis e outros objetos existirem, árvores são cortadas e a madeira
precisa ser ‘trabalhada’ e, de igual modo, a fabricação do prego exige que minérios de ferro sejam
retirados dos subsolos. Essa transformação, estabelecida pelo trabalho, é dada ao homem como
forma de sobrevivência, “afinal, é a natureza, transformada pelo trabalho, que propicia as
condições da manutenção da vida dos membros da sociedade”. (NETTO; BRAZ, 2008, p. 35). A
transformação da natureza pelas sociedades mais ingênuas, aquelas ausentes de complexas
relações socioeconômicas, tinha por motivação somente a sobrevivência humana. Por esse aspecto,
os elementos naturais, apesar de não estarem totalmente isentos de impactos ambientais, as
consequências não apresentavam extrema degradação.
O homem buscava para si alimento e alguma forma de proteção, a utilização da terra e
dos recursos naturais era justamente para a própria subsistência de modo que “o regime social em
que viviam esses grupos humanos pode ser designado como o da comunidade primitiva: os abrigos
eram extremamente toscos, alimentação obtinha-se através da coleta de vegetais e da caça eventual
e imperava o nomadismo”. (NETTO; BRAZ, 2008, p. 56). Conforme apontam os referidos autores,
trata-se de uma “condição de penúria geral” que foi arrefecendo a partir da produção de
instrumentos, pois isto oportunizou o acontecimento dos primeiros rudimentos da agricultura, da
pesca; todavia, numa relação homem-natureza constituída pela dependência humana dos recursos
que a natureza oferece. As exceções, como a poluição da Roma Antiga, ou mesmo a devastação
de florestas por alguns povos do Norte da África e de algumas regiões da Ásia, contribuindo para
a expansão dos desertos, aconteciam numa escala mais local, ou regional, mas sem probabilidade
de alcance na escala global e planetária. (VESENTINI, 2005).
A complexificação social começa a ocorrer com a evolução das técnicas (energia eólica
e hidráulica, cata-vento, roda-d’água, tear manual) e com o apego a bens que até então eram
socializados, disponíveis. A técnica, que antes facilitava o trabalho do homem na natureza,
“converteu-se no objeto de uma elaboração científica sofisticada que acabou por subverter as
relações do homem com o meio, do homem com o homem, do homem com as coisas, bem como
20
as relações das classes entre si e as relações entre nações” (SANTOS, M., 2007, p. 16), mas que
de acordo com Leff (2004, p.28) a inversão dessa condição depende da lucidez humana sobre si
mesmo e sobre a sua relação com a natureza, conforme explica:
Sólo con la vida orgánica, con la aparición del hombre como sujeto
autoconsciente y activo, puede reunirse la naturaleza consigo misma, pues en el
trabajo ésta se deshace de sí misma, y el hombre se contrapone a sí mismo, [...],
como ‘sustancia natural’ y como ‘potencia natural’ que se pone fines. El ser para
sí del hombre consiste en su capacidad de hacer trabajar para él a la naturaleza en
su mecanismo y su quimismo, a través de los cuales se realizan los fines humanos.
La actividad teleológico-finita del hombre no rompe la conexión de la naturaleza.
[...]
Conduzem-se, entretanto, relações político-econômicas que ascendem e guiam-se pelos
próprios interesses, deflagrando guerras e confrontos por muitos lados. Na Idade Média a terra foi
percebida como um direito ou uma propriedade e o poder sobre ela influiu diferenciação entre os
membros da sociedade europeia. A categorização do sistema feudal destinou aos donos das terras
um domínio senhorial que se realizou pela condição servil, alçada àqueles que não tiveram a terra
como uma propriedade. (TAMDJIAN; MENDES, 2005; BOULOS JÚNIOR, 1997; BIGOTTO;
VITIELLO; ALBUQUERQUE, 2010). Nessa relação, a propriedade da terra foi condição para
controle do espaço geográfico e para o exercício do poder que, embora suplantado pelo modo de
produção de economia de mercado, marcado pela individualização e divisão de classes, foi
imprescindível para a condução do pensamento capitalista.
Vesentini (2005) e Bigotto, Vitiello e Albuquerque (2010) relatam que a partir do século
XV as mudanças se intensificaram e foram impulsionadas por aspectos econômicos, políticos e
culturais que tiveram na atividade de comércio a principal fonte geradora de riqueza. (O progresso
dos meios de transportes, das comunicações, dos instrumentos náuticos, dentre outros, foi
imprescindível para esse acontecimento). A agricultura, de prevalência no sistema feudal, aos
poucos foi sendo substituída pelos sistemas de mercado. O lucro - antes compreendido como
prática gananciosa e usurária3 -, sagrou-se objeto das relações socioeconômicas e,
3 No princípio da Idade Média o empréstimo de dinheiro a juros era um ato de pecado proibido pela maior
potência daquele momento - a Igreja. Esta mantinha controle de todos os setores e atividades sociais e
econômicas pelo aspecto do bem e do mal, do certo e do errado. A pessoa que praticasse usura estaria
condenada à ‘danação’ eterna. Mas não era somente a Igreja, os governos municipais e dos Estados, em
reprovação total à usura chegaram a baixar leis contra ela. (HUBERMAN, 1981). Tecendo considerações
21
consequentemente, elemento catalisador do engendrado processo produtivo capitalista.
A busca incessante de riqueza a partir da concepção da concentração e acumulação de
capital, isto é, a motivação para a conversão de dinheiro em mais dinheiro levou os europeus à
conquista de terras distantes, produzindo assim uma nova organização do espaço geográfico
mundial4, determinada pelo capitalismo comercial, primitivo, mas que se intensifica cada vez mais
e, através das novas descobertas técnico-científicas, aprimora o processo de produção, aumenta o
volume de produtos comercializados e expande os domínios locais, regionais, continentais para o
alcance dessa produção e, assim, as cidades se organizam como os grandes centros de comércio.
São relações formalizadas por contradições que instituíram ressignificação à vida dos
sujeitos através da demarcação de classes sociais. Os camponeses foram sendo privados da terra,
desde o século XVI até princípios do século XIX, na Inglaterra. Embora em outros lugares, como
na França, a atividade do pequeno camponês tenha perdurado um pouco mais, no interior das
relações sociais, políticas e econômicas voltadas para o crescimento de mercado, desenvolvidas
pela burguesia na Inglaterra, o pequeno proprietário de terra desapareceu quase totalmente, e sobre
eles recaiu o ônus da Revolução Industrial. (HUBERMAN, 1981).
Quando essa terra cai nas mãos de uns poucos grandes fazendeiros, a conseqüência
é que os pequenos fazendeiros são transformados num grupo de homens que ganham
o sustento trabalhando para outros. [...] Cidades e indústrias aumentam, porque mais
pessoas irão à procura delas, em busca de lugares e emprego. [...] No todo, as
circunstâncias das classes mais baixas são modificadas, para pior, sob quase todos
os aspectos. De pequenos ocupantes da terra são reduzidos à condição de
trabalhadores diaristas e assalariados. [...] Foi o próprio sistema fabril, que
finalmente divorciou o trabalhador dos meios de produção na indústria, tal como já
o divorciara da terra. (PRICE, apud HUBERMAN, 1981, p. 178).
razoáveis sobre a questão, observa-se nesse comportamento da Igreja um ‘freio moral’ da usura, mas com
intenção de um domínio religioso sobre os tributos (dízimos) que obrigatoriamente tanto os servos quanto
os senhores tinham de ‘pagar’. 4 Segundo Bigotto, Vitiello e Albuquerque (2010, p. 14) “Portugal, que já apresentava uma centralização
política desde o fim do século XIV, tornou-se o primeiro país europeu a se aventurar nos mares, dando
início às Grandes Navegações. Sua localização geográfica privilegiada e os conhecimentos náuticos e
cartográficos produzidos no reino foram fundamentais para que seus navegantes pudessem percorrer
milhares de quilômetros por águas desconhecidas. [...]” Por esse feito, os autores explicam que “os países
europeus ampliaram seus domínios territoriais para outros continentes, estabelecendo sistemas coloniais na
África, América, Ásia e Oceania, subjugando povos nativos e explorando intensamente os recursos naturais
(madeira, minérios e produtos agrícolas). Surgiu, assim, a primeira Divisão Internacional do Trabalho
(DIT), [...]”
22
Conjunção em que mais à frente Engels (2008) vai chamar de “guerra social”: um
combate entre os que detêm o capital e a propriedade direta ou indireta dos meios de subsistência
e aqueles que somente dispõem da força de trabalho.
2.2 A concretização histórica do modo de produção capitalista: Questão Socioambiental
Com o surgimento do motor a vapor, possibilitando o movimento das primeiras
locomotivas, fábricas, além de fundições e minas de carvão, eclode na segunda metade do século
XVIII, na Inglaterra, como o marco das relações socioeconômicas e comerciais que vinham se
firmando nos últimos séculos da era feudal - a Primeira Revolução Industrial. Pode-se assim dizer
que nesse momento a indústria emerge e se torna o signo maior do modelo de produção capitalista.
Trata-se de um eixo organizativo que através do sistema fabril mecanizado fez sucumbir o sistema
de corporações assentado no processo de produção mais autônomo, no qual os trabalhadores eram
eles mesmos os donos das matérias-primas e das ferramentas, vendiam o produto do trabalho, mas
não o próprio trabalho. Segue avante, agora, um sistema fabril de organização mais eficiente com
produção em grande escala, processo produtivo consubstanciado na divisão do trabalho, no
domínio dos meios de produção e da força de trabalho. (HUBERMAN, 1981).
Uma análise descritiva, mais voltada para a contextualização dos engendros que
culminaram na Revolução Industrial, tende a verificar o sistema capitalista como um caminho sem
volta, um paroxismo que foi se desenhando no interior das relações socioeconômicas, culturais e
políticas das sociedades. Não se pode negar que ele decorre do modo como as sociedades foram
gradativamente se construindo e se reproduzindo. O excedente de produção, avistado nos tempos
primitivos, mais a possibilidade de lucratividade foram o mote para a acumulação. O ideário da
acumulação e, mais à frente, do capital, refletidos por frentes econômica e político-ideológica não
só estiveram presentes no decurso pré-capitalista como também impulsionaram os meios para a
concretização desse sistema que, de acordo com Hobsbawm (1982, p.18), “quase nenhum dos
homens com poder e influência em todos os acontecimentos no mundo ocidental desejou pôr-lhe
um freio”.
A Revolução Industrial, desse modo, não é em si um ponto de explosão da aceleração do
crescimento econômico pela produção, mas sim um ponto demarcatório do modo de produção que,
23
em virtude da própria transformação econômica e social já manifestada no interior das sociedades,
precisava se consolidar e materializar os meios de produção. Sendo, contudo, uma condução
econômica apoiada nas sólidas fundações de uma burguesia que idealizou um mundo
consubstanciado na plena distribuição material, no avanço das ciências e das artes, mas, para além
disso, de contínua felicidade e oportunidade humana e razão. (HOBSBAWM, 1982).
Sucede, assim, um mundo de contínuo e acelerado progresso material, um processo
conjuntural no qual “a indústria moderna teve então de apoderar-se de seu instrumento
característico de produção, a própria máquina, e de produzir máquinas com máquinas” (MARX,
2010, p. 441) para que ramos industriais pudessem constituir fases de um transcurso global cujas
bases credenciaram o crescimento econômico por competição da livre iniciativa privada, aquisição
de produtos no mercado por preços mais baratos e venda no mais caro, inclusive no que concerne
a compra da força de trabalho. Expande-se o capitalismo concorrencial, em vez da forma de
negócios isolada, agora a relação comercial é de interdependência entre os países.
O “turbilhão caótico” de luta por sobrevivência simplesmente fez emergir condição de
extrema pobreza até mesmo para aqueles que tiveram ‘sorte’ de conseguir trabalho, pois os
salários, de tão irrisórios, eram incapazes de sanar as necessidades básicas para a reprodução dos
indivíduos, permitiam apenas o básico para a permanência da vida. Os relatos de Engels (2008)
sobre a classe trabalhadora na Inglaterra retratam condições funestas sobre o modo de vida que
foram imputados às pessoas desprivilegiadas no sistema fabril capitalista.
Distante das possibilidades de que dispunha a burguesia, a classe operária vivia em
condições bastante incipientes e insalubres. O furto acabou sendo um meio para se evitar a morte
pela fome, mas a morte foi inevitavelmente uma consequência da fome, das habitações
inadequadas, dos alimentos e da água inapropriados para o consumo. Enfim, vivia-se “influxos
aviltantes da miséria, da sujeira e do ambiente malsão” (ENGELS, 2008, p. 71), “quando a questão
social se explicita a primeira vez” (YAZBEK, 2014, p.78) sob os princípios burgueses de
idealização da felicidade, da honestidade, da diligência, dentre tantas outras virtudes que também
foram exigidas dessa mesma classe operária.
A guerra social, já observada em momento incipiente do capitalismo (HUBERMAN,
1981; ENGELS, 2008; MARX, 2010), é um complexo modo relacional permeado por “guerra de
24
todos contra todos” e tem perpassado as várias fases desse modo de produção. São amarras de
combate estabelecidas pelo capital que se voltam sobre os homens e, de modo recíproco, torna-os
objetos utilizáveis e sujeitos que, mutuamente, tendem a se explorar.
Contextualiza-se uma relação na qual exceção, limite ou possibilidades são determinados
pelas dimensões sociais, econômicas, políticas, étnicas, culturais, de gênero, criadas ou
determinadas para a própria reprodução desse sistema que tem suas bases justamente nas
desigualdades sociais, visto que enquanto a produção social e o trabalho se mantêm pelo viés da
coletividade, a apropriação dos resultados desse trabalho é privada e somente para alguns poucos
- os mais fortes. (IAMAMOTO, 2015 a).
2.2.1 O amadurecimento técnico-científico: as consequências disso para o mundo
O desenvolvimento científico implicou grandes possibilidades para as sociedades e
aproximação sobre o modo de funcionamento da realidade. Foi fator importante na forma dos
homens desenvolverem sua cultura e civilização, influindo reflexões sobre a própria vida, sobre
liberdade de mitos, preconceitos, ignorâncias, doenças (SEVERINO, 1993), mas na modernidade
deixa de ser somente a contemplação da verdade para ocupar o domínio humano sobre a natureza.
(CHAUÍ, 2000). O conhecimento adquirido pelo homem vai além da genuína observação das
coisas, dos seres, do mundo. O agrupamento dos pensamentos, criações e invenções conduzem e
são conduzidos por meio das muitas formas da ciência que se aplicam no mundo físico, biológico
e humano (psíquico, social, político, histórico) pela relação entre o conhecimento teórico, a prática
e a técnica.
Atormentar a Natureza é fazê-la reagir a condições artificiais, criadas pelo
homem. O laboratório científico é a maneira paradigmática de efetuar esse
tormento, pois, nele, plantas, animais, metais, líquidos, gases, etc. são submetidos
a condições de investigação totalmente diversas das naturais, de maneira a fazer
com que a experimentação supere a experiência, descobrindo formas, causas,
efeitos que não poderiam ser conhecidos se contássemos apenas com a atividade
espontânea da Natureza. Atormentar a Natureza é conhecer seus segredos para
dominá-la e transformá-la. (CHAUÍ, 2000, p. 360-361).
Com os conhecimentos científicos que os homens foram adquirindo sobre a realidade,
alcançando o ‘poder’ para transformar as coisas, sendo o desenvolvimento da indústria o ápice
25
para a transformação, a própria civilização acaba sendo transformada. Ao que Harvey (2011, p.
07, grifos nossos) verifica como o “sangue que flui através do corpo político de todas as sociedades
[chamadas] capitalistas, espalhando-se, às vezes como um filete e outras vezes como uma
inundação, em cada canto e recanto do mundo habitado”.
Indubitavelmente a sociedade moderna foi acrescida de bens que antes as sociedades
primitiva e medieval não sonhavam possuir. Trata-se de melhoramento nas áreas da habitação,
saúde, alimentação, cultura, transportes, engenharias em geral, e assim por diante. Agora o homem
pode se apropriar de carros, telefones celulares, insumos e procedimentos hospitalares - antes
inimagináveis. Tanto estão à disposição da sociedade recursos para o atendimento das
necessidades básicas humanas quanto objetos, materiais, instrumentos que, caso não tivessem
chegado ao homem, pela própria futilidade dificilmente seriam reclamados.
Os detalhes na condução da vida se colocam como um hiato entre a conjuntura social
atual e as sociedades que passaram. O desenvolvimento/estabelecimento de infraestruturas, o
fortalecimento do setor terciário, a implantação de políticas na área da saúde, educação, habitação,
transporte, são acontecimentos da contemporaneidade que permitem ao homem uma vivência com
mais qualidade de vida, o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) define como “um estado
de completo bem estar físico, mental e social”, mas que não se completa apenas pela ausência de
doença ou enfermidade no corpo físico.5
A ciência perdura como a fonte de tudo, e as técnicas, como tecnologias desenvolvidas,
são instrumentos produzidos para dar resposta a qualquer questão dos homens e acabam sendo
potencializadas até mesmo para o hipercontrole das subjetividades humanas. De modo mais amplo,
ou talvez um pouco mais generalizado, permite-se verificar que os avanços técnico-científicos de
espectros capitalistas impulsionaram à sociedade expectativa de plenitude das dimensões cultural,
material, espiritual, social; todavia, assim como os determinantes da saúde humana, consubstancia-
5 Segundo a Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) (1946), a saúde é um estado de
completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade,
sendo um direito de todo o cidadão, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição
econômica ou social, o gozo do melhor estado de saúde que é possível atingir, e dever dos Estados. São um
dos pilares da saúde o melhoramento da alimentação, da habitação, do saneamento, do recreio, das
condições econômicas e de trabalho e de outros fatores de higiene do meio ambiente. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/>. Acesso em: 13 mai. 2018.
26
se nas múltiplas determinações políticas, econômicas e sociais que se imbricam cotidianamente,
estabelecendo grupos e classes sociais.
Desse modo, concorda-se com Severino (2000, p. 184) ao afirmar que:
E a ciência, que pretendia libertar os homens dos determinantes da natureza, das
doenças, da miséria, acabou se transformando numa nova forma de opressão para
os mesmos homens! A razão que construía a ciência, de razão libertadora, como
queriam os pensadores modernos, acabou se transformando em razão
instrumental que, por meio de seu controle-tecnológico, implantou uma
tecnocracia: toda a vida humana é conduzida e determinada pelos padrões
técnicos impostos pela ciência. E o que é pior, o poder da ciência e da técnica
passa a ser controlado e usado por grupos humanos na defesa de seus interesses
particulares. Ele se transformou num instrumento forte e adequado para a
dominação e a exploração políticas! A vida das pessoas não é mais referida a
critérios éticos e políticos, mas a critérios puramente técnicos! A condução de
todas as atividades da sociedade é pensada e executada apenas por especialistas,
considerados os únicos detentores do saber técnico-científico, e são eles que
ditam as leis e diretrizes de toda a ação: é assim no âmbito da economia, da
educação e da cultura em geral. Todas as atividades humanas são criterizadas pelo
seu caráter funcional, e todo o sistema social busca apenas um desempenho a
baixo custo e sempre visando maior eficiência e produtividade. Como se tudo se
submetesse às regras da produção industrial. (Grifos do autor).
Os problemas gerados tanto no meio social quanto no ambiental, como as desigualdades
sociais, a distribuição desigual de renda, a poluição do meio ambiente, os impactos ambientais e
degradação dos ecossistemas, interferências ambientais por questão climática, dentre tantas outras
contradições tão próprias deste modo de produção, encontram explicação na própria conduta
capitalista.
Em sua verificação sobre a questão ambiental, Silva (2008) afirma que o modo burguês
de produzir e se reproduzir acabou conferindo à sociedade o impasse das divergências sociais: ao
mesmo tempo em que a sociedade esbanja e concentra riqueza, ela congrega em si “uma usina de
miseráveis.” Na concepção da referida autora “o desenvolvimento tecnológico que acalentou as
modernas aspirações de domínio da natureza para dela obter as fontes de satisfação das
necessidades humanas transfigurou-se em pesadelo e fonte de destruição”. (SILVA, 2008, p. 79).
A reprodução do capital transcende qualquer valor que não esteja articulado aos
princípios da lucratividade e, embora em um determinado momento da história alguns países
tenham se antecipado à intervenção das causas sociais, uma vez que no pós Segunda Guerra
27
Mundial, na Europa e também nos Estados Unidos, os Estados foram participantes de uma política
interventiva assistencial.6 Antes mesmo disso, entretanto, as condições para a reprodução
capitalista já tinham sido dadas e de mesmo modo constituíram-se em prática recorrente o uso
despreocupado dos substratos naturais, persistindo no processo de neoliberalização, que envolveu
muita "destruição criativa", desestabilizando antigos poderes e estruturas institucionais e até
mesmo as formas tradicionais do próprio Estado, sendo afetados os processos de trabalho pelo
incentivo “das divisões do trabalho, das relações sociais, da promoção do bem-estar social, das
combinações de tecnologias, dos modos de vida e de pensamento, das atividades reprodutivas, das
formas de ligação à terra e dos hábitos do coração”. (HARVEY, 2008, s/p).
Os Estados de capital avançado intentaram suavizar “os ciclos de negócio” para garantir
um nível de emprego razoavelmente pleno, sendo definidos padrões para o salário social e uma
variedade de sistemas de bem-estar, como cuidados de saúde, educação, habitação, dentre muitas
outras, mas que Chauí (2000) verifica como uma estratégia de defesa do capitalismo contra o
perigo de o nazi-fascismo e a revolução comunista se restabelecerem. Conjuntura compreendida
por Harvey (2008) como um momento da história em que houve um "compromisso de classe"
entre o capital e o trabalho, mas com aspectos de “liberalismo embutido,” visto que foram políticas
de seletivas participações, conforme explica:
O liberalismo embutido produziu elevadas taxas de crescimento econômico nos
países capitalistas avançados durante os anos 1950 e 1960. Isso dependeu em
parte da generosidade dos Estados Unidos em aceitar déficits com o resto do
mundo e absorver todo o produto adicional dentro de suas fronteiras. Esse sistema
trouxe benefícios como mercados de exportação de expansão (mais obviamente
para o Japão, mas também, desigualmente, na América do Sul e em alguns outros
países do Sudeste asiático), mas as tentativas de exportar o “desenvolvimento”
para boa parte do resto do mundo em larga medida malograram. Para boa parte
do Terceiro Mundo, particularmente a África, o liberalismo embutido continuou
a ser um sonho distante”. (HARVEY, 2008, s/p).
6 Em 1942 ocorreu na Inglaterra o Plano Beveridge, sistema cuja base “foi a noção de Seguridade Social
entendida como um conjunto de programas de proteção contra a doença, o desemprego, a morte do provedor
da família, a velhice, a dependência por algum tipo de deficiência, os acidentes ou contingências”
(YAZBEK, 2014, p. 81), posteriormente, depois da Segunda Guerra Mundial, desenvolveu-se o Estado de
Bem-Estar Social (Welfare State) que “corresponde a um tipo de Estado adequado às determinações
econômicas no qual a Política Social corresponde ao reconhecimento de direitos sociais que são corretivos
de uma estrutura de desigualdade”. (Yazbek, 2008, p. 88 apud YAZBEK, 2014, p. 82).
28
A década de 1970, por motivações diversas,7 acabou sendo absorvida pelo pensamento
neoliberal. Declinou a perspectiva de desenvolvimento econômico e social que vinha se
fortalecendo nos países ricos. As relações de produção nesses países engendraram ritmos de
acumulação flexível tendo por base a utilização das estratégias de exploração da mais-valia
absoluta e relativa. As profundas mudanças de ordem organizacional e tecnológica que foram
criadas implantaram um sistema produtivo de barateamento da mão-de-obra, o capital corporativo
foi transferido de regiões de altos salários para outras de cultura baixos salários.
Os setores econômicos se organizaram através de cortes e demissões tornando menores
os custos com a manutenção do padrão de vida no trabalho tornando comum a precarização nesses
espaços (HARVEY, 2008) e que se percebem transformações decorrentes da própria concorrência
capitalista que, num momento de crises e disputas intensificadas entre grandes grupos
transnacionais e monopolistas e, também, da própria necessidade de controle das lutas sociais
oriundas do trabalho, culminaram por suscitar a resposta do capital à sua crise estrutural.
(ANTUNES, 1999a apud ANTUNES, 2002).
Desse modo, os impasses do trabalho, revestidos da expressão capitalista periférica de
barateamento da força de trabalho (condição de países em desenvolvimento não oportunizados
pelas políticas de bem-estar social e de concepção político-econômica voltada para o crescimento
econômico, mas com pouquíssima vinculação com o desenvolvimento social, conforme ocorreu
no Brasil em suas várias fases de expansão urbano-industrial), redundam em os trabalhadores
serem eles responsáveis pela própria reprodução social. Ao que Antunes (2000, p. 38) resume
como uma agressiva destrutividade, “que no fundo é a expressão mais profunda da crise estrutural
que assola a (des)sociabilização contemporânea: destrói-se força humana que trabalha; destroçam-
7 A crise do petróleo, ocorrida na década de 1970 (quando a percepção do esgotamento do petróleo tornou
essa fonte de energia uma questão política e geradora de tensão entre as maiores potências mundiais, sendo
formalizada a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) que instituiu um cartel
internacional, havendo elevação do preço do petróleo e controle do produto no mercado). Outrossim, a crise
do padrão de acumulação taylorista/fordista também corroborou o desmanche das políticas do bem-estar
social geradas nos países de capital avançado.
29
se os direitos sociais; brutalizam-se enormes contingentes de homens e mulheres que vivem do
trabalho” e acirra-se a degradação ambiental.
A questão ambiental está engendrada nas amarras do capital como uma extensão contínua
da questão social. Ela decorre das articulações sociais que se voltam para a reprodução do capital,
mas enquanto a precarização humana acaba sendo um meio de fortalecimento do capital, visto que
as desigualdades sociais propiciam meios para o avanço da precarização do trabalho tornando as
classes menos favorecidas subjugadas às condições que são postas, o meio ambiente se constitui
como fonte de matérias-primas e também um meio para tal reprodução, sendo extremamente
necessário mantê-lo preservado.
2.3 As dimensões do Desenvolvimento Sustentável: um intento de equivalência entre o
social, o ambiental e o financeiro
O desenvolvimento sustentável, envolto no ideário Triple Bottom Line - equilíbrio entre
os pilares ambiental, econômico e social -, tem sido pauta de debates ambientalistas e dos acordos
internacionais desde a década de 1970, assumindo a prerrogativa de um melhor gerenciamento da
tecnologia e da organização social para que as necessidades da geração atual sejam supridas, mas
sem comprometer a capacidade de atendimento das necessidades das gerações futuras.
De acordo com Ferreira (2011), trata-se de uma transição ecológica que busca adequar de
forma satisfatória as dimensões: a) tecnológica (desenvolvimento de instrumentos capazes de
aumentar o fluxo energético para atender as demandas humanas); b) ecológica (incorporação da
natureza nos meandros culturais, destituindo-se o apelo de autossuficiência); e sociológica
(complexificação da organização social). Uma construção que reconhece em seu âmago a pobreza
estrutural globalizada, mas não demonstra interesse na erradicação, conforme define o relatório
Nosso Futuro Comum (1991, p. 9) “a pobreza generalizada já não é inevitável. A pobreza não é
apenas um mal em si mesma, mas para haver um desenvolvimento sustentável é preciso atender
às necessidades básicas de todos e dar a todos a oportunidade de realizar suas aspirações de uma
vida melhor”.
De acordo com Ferreira (2011, p. 86), no entanto,
30
A perspectiva da sustentabilidade e de transição para um regime internacional
sobre meio ambiente implica uma mudança profunda no padrão de civilização
que temos hoje, em particular no que se refere ao seu padrão ecocultural que
caracteriza a relação do ser humano com a natureza. Diante disso não caberia
separar os problemas ambientais das insuficiências do desenvolvimento, uma vez
que estes estariam diretamente correlacionados.
Os discursos pautados nas agendas internacionais expõem como prevenção aos impactos
socioambientais uma consciência ética do ‘dever-ser’, um consumo mais responsável através da
educação ambiental, a construção de um ‘futuro melhor’ pela preservação do meio ambiente no
momento presente em prol das gerações futuras, o controle climático e o uso mais ordenado das
fontes de energia, e até mesmo uma maior racionalidade no controle demográfico por parte dos
governos mundiais.
Quando a conscientização sobre a preservação do meio ambiente começa a tomar fôlego,
a partir da segunda metade do século XX, torna-se incessante a busca por compilação de ideias e
reflexões em fóruns e acordos internacionais, de modo que os países tomem para si a
responsabilização do problema ambiental e promovam políticas capazes de manter o crescimento
econômico, mas sob a égide da sustentabilidade, conforme o quadro abaixo8:
Quadro I - Síntese de fóruns mundiais sobre o meio ambiente
Fóruns Principais objetivos
1968 - Clube de Roma (Itália) Documento gerado “Limites do Crescimento”, sendo o
primeiro fórum a abordar questões sobre
autossustentabilidade de empresas e projetos sociais.
1972 - Conferência de Estocolmo
(Suécia)
Abarcou a 1ª Conferência das Partes da Convenção das
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e foi palco
das divergências entre os países desenvolvidos, que
exigiam a participação de todos os países em um
programa internacional voltado para a conservação dos
recursos naturais e genéticos do planeta, enquanto para
os países subdesenvolvidos o desenvolvimento de forma
acelerada se mostrava mais necessário.
8 O quadro apresenta algumas das conferências ocorridas no mundo.
31
1975 - Conferência de Belgrado
(antiga Iugoslávia)
Do encontro, redigiu-se a “Carta de Belgrado” que
questionou a contradição existente entre os avanços
econômicos e o aprofundamento da pobreza e da fome
no mundo, ou seja, o aumento das desigualdades sociais.
1977 - Conferência de Tbilisi
(Geórgia, antiga União Soviética)
Com a participação da UNESCO e do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)
demarcaram a construção de definições, objetivos,
princípios e estratégias de norteamento dos Estudos da
Educação Ambiental no mundo.
1985 - Convenção de Viena para a
Proteção da Camada de Ozônio.
(Austrália)
O objetivo maior do fórum foi imbuir os países
participantes em pesquisa investigativas, observações,
avaliações e ocasionar troca de informações entre esses
países sobre o efeito antrópico na camada de ozônio.
1987 - Conferência Internacional
sobre Educação e Formação
Ambiental (Moscou, na antiga
União Soviética)
A Conferência foi base para debates sobre os progressos
e dificuldades encontradas pelas nações na área da
Educação Ambiental. Lá foi traçada a "Estratégia
Internacional de Ação em Matéria de Educação
Ambiental para o decênio de 90".
1987 - Protocolo de Montreal
(Canadá)
Foi um fórum mundial desenvolvido pelas Nações
Unidas e teve por objetivo discutir os efeitos da
produção de gases poluentes, como o clorofluorcarbono
(CFC), halons e brometo de metilo, e traçar metas
resolutivas do problema. O Protocolo de Montreal
passou a vigorar a partir de 1989, com a participação de
29 nações mais a União Europeia.
1992 - Eco Rio 92 (Brasil) Agregou a 2ª Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD) e foi
palco da elaboração do documento “Quadro sobre
Mudanças do Clima” ou United Nations Framework
Convention on Climate Change (UNFCCC) e também
dos documentos “” e a “Agenda 21”. Em suma, foram
tratados assuntos relacionados à questão climática e ao
aumento dos Gases de Efeito Estufa (GEE).
1997 - Conferência de Thessaloniki
(Grécia)
O objetivo maior foi a construção de uma nova visão
sobre o papel da educação e da conscientização pública
para o alcance de um desenvolvimento sustentável.
Momento em que a educação já não era um objetivo,
mas um meio para provocar mudanças no
comportamento das pessoas para "se obter apoio popular
necessários às alterações nos modelos de
desenvolvimento econômico."
32
1997 - Protocolo de Kyoto (Japão) Estabeleceu metas e prazos de redução das emissões de
dióxido de carbono (𝐶𝑂2) e de outros gases causadores
de efeito estufa. O Protocolo entrou em vigor no ano de
2004.
Fonte: Brazilian Green Forest. Adaptado pela autora, 2018.
Quando a certeza positivista no progresso econômico e científico, como um objetivo a
ser atingido por si só, apresentou gradual desmoronamento (FERREIRA, 2011), embora tenha
motivado um pensamento de expansão do desenvolvimento, no qual foram colocados em um
mesmo plano de relevância e emergência os meios ambiente e social, ainda assim não restringiu a
prevalência para o fluxo contínuo do capital, e, em circunstâncias mais degradantes, as condições
para reprodução humana foram aviltadas. Segundo estudos de Sachs (2008), no conceito de
desenvolvimento sustentável o ideário dos direitos econômicos acomoda o direito ao trabalho
digno, apesar disso a evolução do conceito com reflexo em novas configurações políticas faz com
que continuem sem respostas os complexos problemas gestados desde o século passado: sendo
isso o desemprego em massa e as crescentes desigualdades.
Em 1987, a “agenda global para mudanças”, realizada pela Comissão Mundial sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento, dentre tantas reflexões e verificações de cunho ambiental,
sinalizou que o “atendimento das necessidades básicas [humanas] requer não só uma nova era de
crescimento econômico para as nações cuja maioria da população é pobre, como a garantia de que
esses pobres receberão uma parcela justa dos recursos necessários para manter esse crescimento”.
(NOSSO FUTURO COMUM, 1991, p. 10, grifos nossos). Sendo, ainda, um crédito da Comissão
que o crescimento econômico fosse absolutamente essencial para mitigar a grande pobreza que
viera se intensificando na maior parte do mundo em desenvolvimento e que a manutenção e
incentivo às empresas multinacionais contribuíram para o fortalecimento do desenvolvimento
sustentável.
Concorda-se, entretanto, com Antunes (2000) quando diz que o aumento da
competitividade e da concorrência inter-capitais, inter-empresas e inter-potências políticas do
capital não corrobora, de modo algum, a diminuição das desigualdades sociais. Muito menos
alarga o quantitativo de postos de trabalho ou mesmo os torna mais equânimes à realidade e
necessidades da classe trabalhadora. Contrariamente, somente faz aumentar nefastas
33
consequências socioambientais que se revelam como um produto das relações sociais e, dentro
desse sistema que busca dar resposta ao capital, não permite a todos participação na construção e
defesa dos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais, tendo se multiplicado o emprego
informal, a terceirização da força de trabalho.
Outrossim, a transnacionalização empresarial, com “amplo movimento de concentração
e centralização da propriedade das empresas expande sua face financeira e especulativa, com
irrestrita liberdade de operar sem regulamentações” (IAMAMOTO, 2015b, p.53) como tem
ocorrido na atualidade: os conglomerados organizativos se convertem em centros financeiros e
disso extraem cada vez mais riqueza, ocasionando também e, cada vez mais, um índice elevado de
pessoas em situação precária enquanto o acúmulo da riqueza se restringe a pouquíssimas mãos.
Ao mesmo tempo, a acumulação de riqueza na forma monetária acaba impulsionando à “maioria
dos atores regionais a um esforço visível de criação de condições favoráveis para a captação de
investimentos estrangeiros, independentemente de seu caráter norteador”. (FERREIRA, 2011, p.
84).
Em análise das disparidades de renda e riqueza, Harvey (2014) aponta que a incrível
concentração de riqueza de uma “plutocracia emergente global” no topo da distribuição de renda,
isto é, um sistema político no qual o poder é exercido pelo grupo mais rico, por si só não se explica,
nada é razão para isso, mas estruturalmente isso gira em torno:
[...]. Las tecnologías de la información en rápida evolución y las revoluciones
espacio-temporales en las comunicaciones han incrementado sustancialmente las
posibilidades de movilidad geográfica del capital-dinero, lo que ha motivado un
desplazamiento en la jerarquía del capital hacia la financiarización global. Los
cambios dinámicos que ocurren en varias de las contradicciones del capital han
interactuado de hecho de tal forma que esa financiarización ha ampliado las
disparidades de renta y riqueza. [...] (HARVEY, 2014, p. 177).
Em extensão de análise, o referido autor verifica que os desenvolvimentos geográficos
desiguais são importantes meios de fortalecimento da financeirização, ao que se atenta para um
ciclo que persiste nas várias fases do capital.
34
[...]. Los desarrollos geográficos desiguales se hacen aún más pronunciados a
medida que el capital busca y se desplaza a nuevas localizaciones de costes bajos.
La presión ejercida por las finanzas «impulsa a la inversión a la busca de
beneficios a un plazo cada vez más corto y recorta el crecimiento a largo plazo y
más profundo. También produce burbujas y pinchazos especulativos. Incrementa
la presión del mercado sobre las empresas cuyo rendimiento es inferior a la
media, provocando la desinversión en negocios todavía rentables, ejerciendo una
presión a la baja sobre los salarios y reduciendo la tendencia del capitalismo
industrial a compartir los beneficios mediante el aumento de salarios. (HARVEY,
2014, p. 177).
As observações revelam que o mundo se consubstancia por dimensões que em suas
relativas ou absolutas decisões findam por agravar o conjunto das manifestações das desigualdades
interpostas na sociedade capitalista; ou seja, quanto mais o capitalismo amadurece e compõe meios
para a sua condução, buscando vencer as crises que lhe são próprias, e embora a produção de bens
e serviços, de produtos, e até mesmo de alimentos tenha atingido patamares elevados, de igual
modo se conduz a ampliação da pobreza humana, da fome, da falta de habitação e da saúde, dos
problemas climáticos, étnicos, de gênero, e de tantos outros que seguem aumentando
vertiginosamente pelo mundo.
Trata-se de uma conjunção que formaliza a questão social, sendo isto base que
fundamenta a profissão do Serviço Social (IAMAMOTO, 2015 a), mas que, de acordo com Santos
J. (2008 p. 27, grifos da autora), não existe na realidade; na verdade, a questão social é um conceito
“cuja natureza é reflexiva, intelectiva” e “que apresenta uma potencialidade totalizadora a ser
explorada, especialmente por designar de modo articulado uma série de manifestações encaradas
tradicionalmente de forma isolada, configurando os chamados “problemas sociais””.
Ou seja, ‘problemas’ que neste sistema são institucionalizados e amplamente banalizados,
não provocam estranhamento em quem vê, não causam grandes comoções sociais e também não
sensibilizam o poder público para ações restritivas das mazelas socioambientais. Na especificidade
brasileira crianças trabalhando nos faróis parece ser cena tão ‘comum’ quanto crianças brincando
em parques de diversão; nessa mesma direção, o incômodo com pessoas moradoras de ruas é quase
restrito ao perigo que, pressupostamente, estas causam aos ‘cidadãos de bem’. A própria realidade
de favelas e barracos em contraste com castelos e mansões, e todas as determinações sociais
singulares a estes ambientes, pela aparente naturalização nos modos de vida, fica encoberta a
iniquidade socioeconômica, cultural e política que conforma essa relação.
35
A relação promíscua entre o público e o privado permite essa complexificação social que
já apresenta expressões da questão social, mas os constitutivos dessa relação impulsionam muito
mais reveses. A entender, abre-se um parêntese para dar nomes [ou melhor dizendo, exemplificar,
trazer à tona] problemas de natureza socioambiental. No Brasil, as duas primeiras décadas do
século XXI registraram catástrofes irreparáveis, mas que poderiam ter sido evitadas. A tragédia do
Morro do Bumba9 (Niterói/RJ), em 2010, pode ser explicada pelo nível de ocupação irregular e
desordenada, com o agravo de o local ter sido um lixão no passado.
Compreende-se que a construção de moradias assim refuta qualquer princípio técnico e
legal de preservação da vida humana, entretanto, habitações irregulares são recorrentes na história
do país. Segundo o censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10,
havia naquele ano uma concentração de 11,4 milhões de pessoas morando em favelas. Muito
embora essas habitações não necessariamente corram o risco de implodir, elas incorrem em riscos
de desmoronamentos, soterramentos, incêndios, falta de infraestrutura necessária à saúde, dentre
tantas outras carências.
Condição que de acordo com Maricato (2000) foi sendo gerada ainda em momento de
industrialização do país, quando a política de habitação de financiamento imobiliário não
impulsionou a democratização do acesso à terra e os governos municipais e estaduais não
mantiveram um olhar para os “vazios urbanos”. A população foi sendo alocada em áreas
completamente inadequadas ao desenvolvimento urbano racional; ou seja, as classes menos
abastadas foram subjugadas a espaços irrisórios, sem acesso a infraestruturas, enquanto as classes
médias e altas foram privilegiadas com moradias em espaços urbanos, tornando contemporâneos
acontecimentos do século XIX, quando Marx (1998, p. 763) já observava que “a situação
habitacional é fácil de entender. [...] Os melhoramentos urbanos que acompanham o progresso da
9 No dia 07 de abril de 2010, na estrada Viçoso Jardim em Niterói/RJ, a favela denominada Morro do
Bumba, ocupada em local pertencido anteriormente a um lixão, não suportou a fluidez dos gases e ruiu,
dizimando a vida de muitas pessoas e fazendo com que outras centenas delas tivessem suas histórias
destruídas. O lugar, até os dias atuais, guarda em seu charco histórias consubstanciadas nos pertences dos
moradores e, pior, ainda mantém muitos dos moradores que foram ‘engolidos’ pelo lamaçal. Para melhor
compreensão do caso, ver Morro do Bumba 6 anos: revisitando a tragédia. (RESENDE, 2016). 10 Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/revista-retratos.html>. Acesso em: 14 mai. 2018.
36
riqueza, [...], desalojam, evidentemente, os pobres, expulsando-os para refúgios cada vez piores e
mais abarrotados de gente.
Um outro acontecimento de resultado desastroso, de grande abrangência territorial e com
muitas vítimas aconteceu em 2015, na cidade de Mariana/MG, 11 quando uma barragem se rompeu
liberando rejeitos de minérios sobre cidades, rios; destruindo casas, vidas. Observa-se, entretanto,
que a vicissitude peculiar e de proximidade nos dois casos (famílias inteiras perderam suas casas
e pessoas perderam a vida no soterramento gerado pela lama), embora consonantes nas entrelinhas
da ordem do capital, não são de modo algum equivalentes nas motivações, nos contornos que
foram sendo gestados desde o início de cada circunstância até o momento da ocorrência dos fatos
em si, os desastres.
Os dois exemplos refletem a configuração de uma ordem social bastante
descomprometida com o bem mais relevante de cada ser: o direito à vida. A importância nessa
contextualização se concentra na intencionalidade interiorizada nas condutas dos atores sociais.
Torna-se importante saber, no âmbito do sistema vigente, a motivação detrás das finalidades
humanas, posto que a intemperança dos meios naturais não faz distinção entre busca por
subsistência e busca por expansão do capital, mas é bem certo que enquanto “a pobreza ou o
incremento populacional não são senão consequências, manifestações, da falta de acesso ao
mercado capitalista (FOLADORI, 2001b, p. 120), este, prontamente, transforma a natureza em
valor de troca, ocorrendo descaracterização do sentido mais genérico dela, que é o valor de uso
como riqueza material pronta a satisfazer necessidades sociais. (FOLADORI, 2001a).
11 Em 05 novembro de 2015 ocorreu em Bento Rodrigues, na cidade de Mariana/MG, um dos piores
acidentes da mineração brasileira já registrados no país. Houve o rompimento da barragem (Fundão) de
mineração, causando um devastador desastre socioambiental e perda de muitas vidas. Segundo Mansur et
al. (2016) trata-se de um caso de falta de gestão empresarial, de descomprometimento com níveis de
evidenciação e transparência socioambiental e até mesmo com a legislação que disciplina as condições de
uso do meio ambiente para o segmento de mineração. Apesar dos processos por danos socioambientais que
a empresa recebeu, em dias atuais, de acordo com o Portal G1, tanto os do Comitê Interfederativo quanto
os de ação civil pública estão suspensos e a comunidade vitimada continua sem respostas. Disponível em:
<http://g1.globo.com/>. Acesso em: 14 mai. 2018. Reportagem publicada em 05/05/2018 às 10h00, por
Cíntia Paes.
Para maior compreensão, ver Antes fosse leve a carga: introdução aos argumentos e recomendações
referentes ao desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton. (MANSUR et al., 2016).
37
No intermédio dessas polarizações o ator principal é o Estado, mas sabe-se que quando
este é volúvel as suas funções políticas, imbricadas com as funções econômicas, acabam se
articulando em manutenção do conjunto das condições necessárias à valorização do capital,
enquanto a sociedade finda por ter de encontrar, sozinha, meios próprios para a sua reprodução.
(NETTO, 1992).
Assim, apesar de legalmente falando as empresas sejam responsáveis pelo passivo
ambiental que provocam, devendo elas devolverem o valor monetário correspondente aos danos
ambientais provocados e, também, tornar isso público nos balanços financeiros e nas avaliações
de viabilidade econômica para novos projetos (SANCHES, 2001), em alguma medida torna-se
impossível transformar todas as perdas, quer sejam dos ecossistemas ou humanas (materiais,
espirituais, simbólicas) em valor monetário. Em tragédias como as citadas, e de tantas outras que
poderiam ser exemplificadas aqui, as perdas condizem com destruição das condições ambientais e
também com um esvaziamento dos homens de suas próprias capacidades que dialeticamente foram
criadas, recaindo-lhes por imposição uma ressignificação da vida e de suas subjetividades.
Em suas reflexões sobre os vários segmentos econômicos geradores de passivos,
incluindo-se o setor de mineração, Sanches (2001) avalia que ao contrário do que a economia
clássica busca mostrar, o acúmulo do capital humano se realiza em detrimento do capital natural,
mas os dois não são perfeitamente intercambiáveis. “Ao dilapidar-se o capital natural, acumula-
se, na outra conta, um passivo. Em poucos setores esse passivo é tão grande quanto na indústria
de tratamento e disposição de resíduos”. (SANCHES, 2001, p. 59).
Porquanto, tem-se que a degradação ambiental não é em si uma potencialidade do
ecossistema reduzida, uma mera incapacidade. Na verdade, ela é gestada no processo de
reprodução de dominação no qual são criadas as bases materiais de organização da sociedade, até
porque “a reprodução das relações sociais é a reprodução da totalidade do processo social, a
reprodução de determinado modo de vida que envolve o cotidiano da vida em sociedade: o modo
de viver e de trabalhar, de forma socialmente determinada, dos indivíduos em sociedade”.
(IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p. 79).
38
Capítulo 3
“É! A GENTE QUER VIVER PLENO DIREITO... A GENTE QUER VIVER
TODO RESPEITO… A GENTE QUER VIVER UMA NAÇÃO… A GENTE
QUER É SER... [SUJEITOS DE DIREITOS]”
(GONZAGUINHA, 1988, grifo nosso)
Tendo em vista que o Serviço Social é uma profissão que se direciona em concordância
com um projeto societário comprometido com os princípios da liberdade, da defesa dos direitos
humanos, do aprofundamento da democracia, da equidade e da emancipação humana, este capítulo
tem por propósito verificar as concepções acerca da questão ambiental, presentes no debate
contemporâneo do Serviço Social, a partir dos trabalhos publicados no XV Encontro Nacional de
Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS).
Para tanto, são apresentados dois itens, o primeiro deles observa os condicionantes que
situam o Serviço Social como um espaço de análise e prática da questão socioambiental, e o
segundo se remete às inferências das publicações do ENPESS, sendo categorizados dois subitens.
O primeiro delineia o papel do Serviço Social no desvelamento da realidade socioambiental do
Brasil, e o segundo tece uma análise crítica sobre o desenvolvimento sustentável e do uso das
terminologias interpostas nesse conceito.
3.1 O Serviço Social como um espaço de análise e prática da questão socioambiental
O Serviço Social do Brasil, desde a segunda metade do século XX, passou por
reconceituação e buscou desprender-se das amarras do assistencialismo, da boa vontade presente
na caridade das damas da sociedade com o catolicismo, da filantropia dos mercados; voltando-se
a uma compreensão dos problemas reais da classe trabalhadora e das origens desses problemas.
Desse modo, a profissão assume um referencial teórico-metodológico hegemonicamente
39
embasado no campo da tradição marxista, e assim constrói o Projeto Ético-Político Profissional
(PEP) trazendo para o seu interior uma nova visão da prática profissional, ainda que o pluralismo
político esteja presente em suas bases constituintes.
Como uma profissão, o Serviço Social com significado social na sociedade capitalista, se
assentido por um pensamento distinto deste presente que conduz a classe dominante, juntamente
com outras categorias profissionais pode ser um diferencial nos espaços de atenção e planejamento
de políticas para a questão socioambiental. Especificamente no que concerne ao Serviço Social
brasileiro, em conformidade com Mota (2013), trata-se de uma profissão que se constitui numa
área do conhecimento e, portanto, com capacidade intelectual e “cariz teórico-metodológico
crítico” para intervir na realidade.
A referida autora busca esclarecer que o enaltecimento da prática profissional como um
produto de análises intelectivas não finda em estimular uma divisão técnica do trabalho
profissional, contrariamente prevê a singularização dessas dimensões, embora compreenda que a
produção teórico-intelectual, por vezes, não materializa respostas imediatas às demandas da
prática profissional, mas ela, na acepção da construção de uma massa crítica, se coloca para o
exercício profissional como uma possibilidade de compreensão para mobilizar outras mediações
e instrumentalizações no cotidiano institucional, onde se dá a efetivação de políticas e projetos
sociais, concordando assim com Santos C. (2013, p. 83), que diz:
[...]. A teoria empresta à prática o conhecimento da realidade, a qual é o objeto
da transformação; o conhecimento dos meios e de sua utilização, os quais
permitem a transformação; o conhecimento da prática acumulada, em forma de
teoria; e uma finalidade ideal, que antecipa os resultados objetivos a atingir, o
projeto, cujos resultados reais não correspondem às finalidades ideias. Nesse
sentido, se a teoria não oferece os instrumentos e técnicas de intervenção
propriamente ditos, ela pode oferecer subsídios para que eles sejam escolhidos,
criados e utilizados. (SANTOS, 2013, p. 83).
O ideário teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo do Serviço Social
diverge dos princípios concebidos na prática capitalista que acolhe em seus meandros (e de forma
institucionalizada) componentes que expandem as desigualdades sociais, como a concentração de
40
renda.12 Isto, em sua estruturação, é uma causalidade impeditiva do desenvolvimento das
capacidades individuais e coletivas, sobretudo se observa sujeição e domínio regional promovidos
pelos principais centros do capital; trata-se de uma seletividade das nações que não permite a
confluência dos propósitos econômicos, políticos, sociais dos Estados-Nações de modo igual,
equitativo, conforme verifica Sachs (2008, p. 69-70):
[...]. Sejam quais forem as suas dimensões em termos de tamanho, população,
densidade demográfica, patrimônio natural, localização geográfica, todos eles
estão tolhidos por uma armadilha de pobreza estrutural, em virtude do acentuado
subdesenvolvimento de suas forças produtivas, agravado por um ambiente
internacional desfavorável e pela falta de um compromisso autêntico dos países
ricos no sentido de lhes dar assistência. Assim, os países menos desenvolvidos
são os principais perdedores na globalização assimétrica.
Na concepção de Sachs (2008), as formas dissonantes e desiguais da globalização atual
prejudicam os interesses de países em desenvolvimento13, consistindo em favorecimento a alguns
já incluídos e os excluídos continuam sem muita perspectiva, de modo que “os incluídos
[desenvolvidos] vivem no capitalismo reformado, enquanto os excluídos [subdesenvolvidos] estão
condenados a formas mais duras e até selvagem de capitalismo”. (SACHS, 2008, p. 64, grifos
nossos).
Como consequência disso, Brum (1999, p. 63) avalia que os países “subdesenvolvidos
acabam se entregando “a um complexo de inferioridade que os leva a procurarem a afirmação da
própria identidade, de forma isolada, enfatizando as diferenças que os distinguem uns dos outros,
em vez de buscarem a convergência e a cooperação”.
12 De forma breve, resgata-se os estudos de Harvey (2008) sobre a questão, sendo percebido que a partir da
década de 1980 os recursos que o poder de classe detinha são transformados e instaurados de modo gradual
e desigual, situação que vai sendo consolidada em 1990, sob as condições: a) a virada para uma
financeirização mais aberta, já iniciada em 1970, teve aceleração durante os anos 1990; b) o investimento
externo direto e o investimento indireto aumentaram rapidamente por todo o mundo capitalista, mas se
disseminaram desigualmente, visto que dependiam do quão favorável fosse o clima de negócio em cada
lugar; e c) os mercados financeiros passaram por uma forte onda de inovação e desregulamentação
internacionalmente, e, além de se tornarem instrumentos bem mais importantes de coordenação,
estabeleceram meios de obtenção e concentração de riqueza (HARVEY, 2008, s/p), mas não sendo isso uma
possibilidade equitativa. 13 Países com elevado nível de desenvolvimento econômico e social, cujos setores terciário e quaternário da
indústria são considerados desenvolvidos (predomínio da geração de informação, tecnologias, pesquisas,
educação; alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), estando em critério o Produto Interno Bruto
(PIB) e a renda per capita).
41
Ocorre que a reprodução do capital não se sustenta por si só. Assim sendo, esse mesmo
capital, circundado pelo Estado, busca encontrar algumas respostas para a degradação
socioambiental, ainda que sejam elas pontuais, focalizadas, com vieses de mitigação da extrema
pobreza e como forma de inclusão. Ao encontro disto, a observância do recrudescimento das
mazelas sociais pela classe trabalhadora ocasiona um tensionamento nessa relação gerando
“pressões das lutas sociais que agregam e adensam reivindicações, trazendo à cena pública os
problemas sociais transformados em demandas políticas, introduzindo-as no campo das disputas
políticas e das prioridades de políticas públicas” (TEIXEIRA, 2007, p. 46), como o direito à
habitação salubre, ao saneamento básico, à água tratada, à alimentação, à segurança no trabalho, à
educação, à saúde, dentre algumas outras observações, mas que no Brasil,
[...]. Esses sistemas não se enquadram na tipologia dos países desenvolvidos, ou
apresentam características que são comuns a cada modelo, compondo um misto
que nem se caracteriza como corporativista, apesar do seu predomínio na política
de previdência social, nem como universalista, apesar da inclusão de elementos
universalistas pela Constituição de 1988, mas convive com mecanismos liberais
de assistência aos genuinamente pobres em parceria com organizações não-
governamentais, e formas de incentivo aberto à proteção social privada.
(TEIXEIRA, 2017, p. 48).
Os desequilíbrios ambientais gestados nessa dimensão são, assim, demandas que são
postas para o Serviço Social nos mais variados campos de atuação, pois se expressam com
particularidades tão demasiadamente imanentes à questão social que podem se concentrar numa
única questão, a ‘questão socioambiental’. A questão social não se particulariza pela desigualdade
social entre pobres e ricos e também não se caracteriza somente um cerne dos ‘problemas sociais’;
sobretudo é uma recrudescência ocasionada pelas motivações próprias do capital que não se
preocupa em limitar ou converter as potencialidades humanas em favor de seu ideário de
acumulação. (IAMAMOTO, 2015a).
De modo muito idêntico aos construtos sociais, a questão ambiental é consequência do
usufruto acirrado e desregulado dos recursos naturais para manter o nível elevado de produção
para uma sociedade do descarte, da acumulação material. A manifestação de insuficiência das
capacidades físicas, químicas, biológicas e sociais, culminando em desequilíbrios, têm
rebatimentos na vida dos sujeitos sociais numa razão diretamente proporcional, o que significa que
quanto mais agravado o estado de pobreza dos indivíduos, maiores são os rebatimentos dos
42
impactos ambientais na vida deles, decorrendo isto do próprio processo relacional que impõe as
desigualdades sociais.
A construção da categoria “questão social” tem sido empreendida pelo Serviço Social
como desveladora de todas as refrações sociais, originadas nos entremeios do modo de produção
do capital. Ou seja, no conjunto de desigualdades e no antagonismo entre a socialização da
produção e a apropriação privada dos frutos do trabalho, denota-se disso uma consubstancialidade
da questão ambiental no bojo das expressões da questão social.
Evidencia-se essa linearidade no pensamento do Serviço Social em considerações como
“apreensão crítica dos processos sociais de produção e reprodução das relações sociais numa
perspectiva de totalidade,” bem como “compreensão do significado social da profissão e de seu
desenvolvimento sócio-histórico, nos cenários internacional e nacional, desvelando as
possibilidades de ação contidas na realidade” e “análise do movimento histórico da sociedade
brasileira, apreendendo as particularidades do desenvolvimento do Capitalismo no País e as
particularidades regionais”. (CFESS, 2012, p. 10).
A reflexão ora apresentada faz confluir as manifestações da questão social e da questão
ambiental como demandas socioambientais. Ou seja, na totalidade de suas ações, o Serviço Social
acaba vinculando suas práticas também à questão ambiental. Compreendendo-se a categorização
‘questão socioambiental’ como “conjunto de manifestações da destrutividade ambiental,
resultantes da apropriação privada da natureza, mediadas pelo trabalho humano”. (SILVA, 2010,
p.144).
A ação profissional do Serviço Social se particulariza por áreas sócio-ocupacionais de
atuação tais quais saúde, sociojurídico, assistência, previdência, habitação, educação. Santos C.
(2013) enfatiza que o desenvolvimento de ações, procedimentos e instrumentos para a atuação nos
campos, buscando resolutividade para as demandas sociais e requisições institucionais,
compreende uma parte da produção de respostas profissionais fundamentadas pelo projeto
profissional, e, portanto, pautadas pelas dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-
operativa singularizando uma autonomia relativa que compete aos profissionais do Serviço Social.
Nessa perspectiva, autoras como Guerra (2009), Santos C. (2013) e Iamamoto (2015a)
refletem ações que na prática profissional incentivam a garantia do acesso aos direitos sociais pelos
43
sujeitos. A socialização de informações tende subsidiar a formulação/gestão de políticas, sendo
importante que o uso de recursos legais sejam viabilizados em prol dos interesses da sociedade
civil organizada e, também, que os profissionais, ao interferirem na gestão e na avaliação das
políticas, busquem ampliar o acesso dos indivíduos sociais à informação para que eles possam
lutar e interferir na alteração dos rumos da sociedade. Não bastando aos profissionais coordenar e
executar políticas sociais, projetos e programas; é importante que esses tenham incumbência na
avaliação dos projetos, na coordenação de pesquisas, na realização de vistorias, perícias e laudos,
bem como na emissão de parecer técnico, e coloquem em exercício a natureza investigativa das
competências profissionais.
Não obstante, embora tal concepção se particularize no referencial teórico-metodológico
do Serviço Social, considera-se que indistintamente torna-se princípio que para a efetivação das
políticas não basta somente uma percepção fenomênica ou pragmática dos fatos. Faz-se necessária
a transparência no movimento da consciência de quem os observa, pois, os fenômenos,
isoladamente, não revelam o que seja a realidade. Preceitua-se, sobretudo, que através do
movimento do real haja o alcance da essência das coisas, pois é nelas que a realidade se revela
tendendo a tornar as ações efetivas e ocasionar significativas mudanças na vida dos sujeitos.
(COELHO, 2012).
Imprescindível é que ações de planejamento, elaboração, execução de políticas voltadas
para as demandas socioambientais se antecipem pela percepção da essência dos construtos
formadores das manifestações da questão socioambiental. Tendo-se por ‘demandas
socioambientais’ as manifestações degradantes que se avultam social e ambientalmente originadas
das articulações e dos propósitos capitalistas. As degradações ambientais, com decorrência na
cotidianidade dos sujeitos, provocadas pela carência nas condições objetivas e/ou pela ineficiência
das políticas públicas, são questões que se traduzem em demandas socioambientais.
Conforme Coelho (2008, p. 59) do “caminho que a consciência percorre da aparência
para a essência, em sua processualidade dialética, surgem as determinações reflexivas” que,
elevando-se da “percepção ao entendimento, e do entendimento à verdade da razão,” contribui
para a construção de um fazer profissional crítico, de observação do todo, podendo-se, assim,
evitar a naturalização dos fenômenos sociais e o obscurecimento das sequelas da questão social,
que se incidem cotidianamente “como problema do indivíduo, pela negação do caráter classista da
44
questão social, pela adequação do exercício profissional às estruturas técnicas, legais e
burocráticas das instituições e como demandas que se apresentam e são reconhecidas e
respondidas de forma imediata [...]” (COELHO, 2012, p. 31, grifos da autora).
Ademais, concorda-se com Foladori (2005) quando diz que o estabelecimento de políticas
para a correção da degradação [sócio]ambiental exige o conhecimento de sua causa na totalidade,
significando isto que embora ela não apresente em suas manifestações a origem da sua
conformação, ela em si tem causas e mecanismos que provêm da estrutura de sistemas
diferenciados (aqui o referido autor faz referência às estruturas socialista e capitalista). Estando
em questão, também, a forma diferenciada de apreciação interposta nisso, visto que pela
contemplação ecológica a depredação e/ou poluição se explicam pela extração de recursos ou pela
geração de dejetos maior do que a capacidade que o ecossistema tem para reproduzi-los ou reciclá-
los, mas observa com menos amplitude a especificidade humana em que a relação dos homens
com a natureza é antes um problema entre os próprios homens (FOLADORI, 2001b), embora se
deva considerar que as ciências ambientais acabam desvelando uma série de consequências não
intencionais das ações humanas. (HARVEY, 2011).
Importando observar que as manifestações da questão socioambiental se particularizam
pelas próprias relações capitalistas, quando geram a pobreza e pressionam para a explosão
demográfica ocasionando o desemprego estrutural, que é uma característica exclusiva dessa
sociabilidade, e é nesse sistema que as leis do mercado comandam a economia capitalista, e “isto
significa que depredar ou contaminar a natureza supõe um benefício econômico para o
responsável” (FOLADORI, 2001b, p. 43), sendo assim desvelado um modo de produção que não
percebe a natureza como um ativo ou mesmo um capital.
Nesse sentido, muito embora a reflexão de Guerra (2009, p. 4) se atenha à questão social,
considera-se a sua aplicação a formas de compreensão da questão ambiental:
[...], a chamada “questão social”, se não considerada à luz de seus fundamentos
constitutivos, da lógica que a gerou (a acumulação capitalista), mais obscurece a
realidade do que a explica. Ao assistente social, no âmbito da sua inserção na
divisão social e técnica do trabalho, cabe captar como as diversas expressões da
questão social se particularizam em cada espaço sócio-ocupacional e chegam
como demandas que dependem de sua intervenção profissional. Assim,
entendemos que a clareza acerca de como concebemos a “questão social”, ou seja,
a partir de que pressupostos teóricos; a percepção que temos de suas expressões,
45
tais como: desemprego, fome, doenças, violência, falta de acesso aos bens e
serviços sociais (moradia, creches, escolas, hospitais, etc.), bem como dos valores
que orientam tais concepções, são mediações que incidem sobre os meios e
modos de responder às demandas profissionais.
A reflexão supracitada vai ao encontro das “competências profissionais numa perspectiva
histórico-crítica” a que Iamamoto (2009, p. 2) alude como possibilidades de reversão aos
“fundamentos conservantistas e tecnocráticos” tão amplamente aceitos no interior das instituições.
Esses, amparados no “discurso da competência burocrática,” buscam viabilizar as ações
profissionais executadas no âmbito das instâncias burocráticas e dos organismos empregadores,
de modo articulado, com possibilidade de respostas aligeiradas guiadas pelo princípio da eficácia
e com intuito de evitar que as próprias refrações da questão social se convertam em conflitos
individualizados, e possam, desse modo, ameaçar o ordenamento social.
Contudo, não indiferente às formas de conquista de uma nova ordem societária, e em
contrapartida às exigências neoliberais, o Projeto Ético-Político sinaliza uma ação profissional
comprometida com as necessidades da classe trabalhadora, com a democratização dos serviços
prestados aos usuários, com a formação das pessoas em relação aos seus direitos e com a
politização dos sujeitos sociais. Uma condução que segundo Iamamoto (2009, p. 3) exige uma
base construída pelo “diálogo fértil e rigoroso entre teoria e história”; “um redimensionamento dos
critérios da objetividade do conhecimento, para além daqueles promulgados pela racionalidade da
burocracia e da organização”, o que exige “um profissional culturalmente versado e politicamente
atento ao tempo histórico; atento para decifrar o não-dito, os dilemas implícitos no ordenamento
epidérmico do discurso autorizado pelo poder”.
3.2 Inferências das publicações no ENPESS
Diante de todas as considerações já realizadas, busca-se verificar neste item o que a
comunidade do Serviço Social, no interior de suas análises e pesquisas - demonstradas nos
trabalhos apresentados no ENPESS (2016), no eixo temático “Questão Agrária, Urbana,
Ambiental e Serviço Social”, mas privilegiando-se as publicações com ênfase em “Questão
Ambiental” -, tem refletido sobre a questão socioambiental e como tem intervindo nesse objeto.
46
O décimo quinto Encontro Nacional de Pesquisadores(as) em Serviço Social (ENPESS)
ocorreu na cidade de Ribeirão Preto/SP, entre os dias 04 e 08 de dezembro de 2016, sob o tema
Ousadia e Sonhos em Tempos de Resistência, com a preocupação de manter em debate “o conjunto
de determinações que perpassam o processo de formação profissional frente ao processo de
mercantilização do ensino superior brasileiro e os desafios para a reafirmação dos princípios e
valores do Projeto Ético Político Profissional”.
Ao todo, o Encontro teve um registro de 1.031 trabalhos que compuseram as modalidades
‘mesa temática coordenada’, ‘comunicação oral’ e ‘pôster’. Desse total, 799 estão registrados na
modalidade comunicação oral, nos eixos temáticos “Trabalho, Questão Social e Serviço Social”;
‘Política Social e Serviço Social”; “Serviço Social, fundamentos, formação e trabalho
profissional”; “Serviço Social, fundamentos, formação e trabalho profissional”; “Movimentos
Sociais e Serviço Social”; “Serviço Social, Relações de Exploração/Opressão de Gênero,
Raça/Etnia, Geração e Sexualidade”; ‘Ética, Direitos Humano e Serviço Social Ênfases: - Ética e
ética profissional: fundamentos ontológicos e objetivações cotidianas”; e “Questão Agrária,
Urbana, Ambiental e Serviço Social, que percebeu um total de 46 trabalhos, sendo 16 com ênfase
em questão agrária, 15 em questão urbana, e 1614 em questão ambiental.
Os trabalhos aqui analisados referem-se ao eixo temático “Questão Agrária, Urbana,
Ambiental e Serviço Social”; todavia, a amostra restringe-se às pesquisas com ênfase em “questão
ambiental”.
Os temas são bem diversos, todavia correlatos se analisadas as bases de ocorrência de cada
situação. Embasados na teoria marxiana, fazem apontamentos entre o modo de produção
capitalista, a degradação socioambiental e os engendros da sustentabilidade, problematizam a base
argumentativa de aproximação entre o modo de produção capitalista e conceitos sustentáveis,
14 Explica-se que dos trabalhos inscritos no eixo temático supracitado, um deles não demonstra afinidade,
pois refere-se ao ambiente escolar. Um outro, Gênero, trabalho e saúde em duas comunidades da reserva
de desenvolvimento sustentável do Tupé, Manaus, Amazonas (MARIOSA, D. F.; CAMILO, M. V. R. F.;
FERRAZ, R. R. N.), embora busque relacionar os modos de vida da população ribeirinha, o aumento do
Diabetes Mellitus e o meio ambiente, não se percebe relação direta entre o tema da pesquisa e a questão
ambiental. De acordo com os autores a área em questão tem proteção ambiental, não sendo possível a
realização de atividades Industriais, agricultura extensiva e atividades poluentes ou que coloquem em risco
as áreas de floresta nativa e de mananciais. Desse modo, compreende-se que o aumento da doença nessa
população em relação às de áreas urbanas, conforme demonstra o trabalho, tem particularidades que estão
além das relações socioeconômicas e ambientais.
47
sendo desvelada a realidade destrutiva do capitalismo. Para melhor compreensão sobre os objetos
e objetivos dos trabalhos, seguem no quadro abaixo os resumos disponibilizados e produzidos pelos
autores, havendo complementaridade por esta autora, quando necessário.
Quadro II - Resumo dos trabalhos apresentados no ENPESS (2016) no eixo temático: Questão Agrária,
Urbana e Ambiental (ênfase em questão ambiental)
O movimento ambientalista liderado pela fundação para conservação da natureza de
Mato Grosso do Sul (FUCONAMS)
(LEMOS, E. M.)
O objeto deste trabalho é o movimento ambientalista de MS liderado pela Fundação para
Conservação da Natureza de Mato Grosso do Sul (FUCONAMS). Procura mostrar as condições
objetivas do movimento que impediu a instalação da usina de Bodoquena no Pantanal/MS
(1979-1982), como também procura fazer a interlocução entre o abaixo-assinado contra a caça
e a pesca predatórias (1978), a criação da FUCONAMS (1980) e os interesses da classe
dominante no movimento. Tem como objetivo discutir e fornecer subsídios para a apreensão
das origens do movimento ambientalista nas suas determinações.
A discussão da ação profissional na questão socioambiental
(NUNES, L. S.)
Apresentando parte dos resultados obtidos na pesquisa de doutoramento ainda em andamento,
o artigo em tela tem por objetivo analisar a produção de conhecimento no Serviço Social acerca
da questão socioambiental, com foco nos trabalhos que discorrem sobre a ação profissional na
referida área emergente. Parte-se do pressuposto que a identidade profissional está,
fundamentalmente, calcada na sua dimensão interventiva, sendo, portanto, fundamental
aprofundar o debate em torno dos fundamentos da questão socioambiental, mas, também,
evidenciar os rebatimentos dessa reflexão no âmbito da ação profissional.
A política nacional de resíduos sólidos e os desafios dos catadores para sua efetivação
(BASTOS, V. P.)
O presente texto apresenta resultados parciais da pesquisa que vem sendo realizada com os
catadores de materiais recicláveis que sobreviviam do garimpo do lixo no maior lixão da
América Latina, localizado no município de Duque de Caxias - RJ. E que após sua desativação,
lutam para efetivar a política pública que os inclui como partícipes legais na gestão integrada
de resíduos sólidos, conforme preceitua a Lei 12.305/2010, mas que até o momento não têm
48
dado reais condições de concorrerem com os grandes empresários, embora venham tentando
construir pilares sustentáveis para sobrevivência através da garantia de trabalho e renda para
todos.
A questão ambiental como manifestação da “questão social”
(SILVA, L. F. B.)
Este artigo pretende examinar a “questão social” e suas diferentes manifestações, em especial a
questão ambiental, a partir de sua relação causal, a contradição capital-trabalho. A atuação do
capital nesse sentido, com suas políticas sociais ambientais, mascara a real dimensão
socioeconômica do problema, afirmando a possibilidade de eliminá-los no interior dos
mecanismos do próprio capital. Estas tentativas de controlar seus efeitos destrutivos sem
eliminá-lo, principalmente quanto aos problemas ambientais de hoje, são ainda mais sérias se
considerada a emergência da crise estrutural do capital simultaneamente à emergência da
questão ambiental, quando estes efeitos são ainda mais aterrorizantes.
Os impactos da privatização das águas nas comunidades quilombolas: reflexões iniciais
(NASCIMENTO NETO, F. V. do; MARTINS, T. C. S.)
Este trabalho traz alguns apontamentos iniciais e provisórios acerca dos impactos da
privatização das águas nas comunidades quilombolas. As reflexões aqui contidas têm como
finalidade trazer para o debate do Serviço Social a importância de pensar os impactos das
políticas governamentais, em tempos neoliberais, sobre as populações tradicionais,
particularmente sobre as contemporâneas comunidades remanescentes de quilombos.
Entendendo-as como espaço social carregado de história de opressão e de luta por liberdade,
entender a problemática imposta pela lógica do capital parece fundamental para contribuir com
o fortalecimento da sua luta contra a exploração/opressão étnico racial.
A responsabilidade socioambiental nas empresas: o caso do ItaúUnibanco
(SIMIÃO, L. do N.)
Neste trabalho resgato dados da pesquisa crítica bibliográfica e documental realizada no
mestrado em Serviço Social PPGSS–UFRN, em 2014, cujo objetivo central versava sobre
analisar o “capitalismo verde” em suas dimensões sociopolítica, econômica e ideológica de
maneira articulada situadas na realidade do Brasil, partindo do caso do ItaúUnibanco, que
associou à missão institucional o objetivo de ser líder em Performance Sustentável,
concomitante engendra relações de trabalho precarizadas, tendo sua lucratividade associada não
somente aos produtos que lhes dão materialidade, mas a uma política de corte de custos relativos
ao trabalho. Além dos produtos “verdes”, recentemente associados a sua carta.
O passivo socioambiental do caulim em Junco do Seridó: a quem interessa?
49
(SOUSA, E. M. N. de)
“O presente artigo traça um breve histórico da questão ambiental, com clara menção ao grau de
desenvolvimento tecnológico da sociedade e a estrutura de teias sociais, visando uma interseção
entre relações de produção e a degradação ambiental, permeadas pela política ambiental como
categoria de análise dos processos das relações sociais e das diferentes formas de apropriação
dos recursos naturais.” Complementa-se que “O objetivo deste trabalho é apresentar uma
descrição acerca da extração do caulim, por meio das relações sociais de produção e do meio
físico, a partir da pesquisa de campo no município de Junco do Seridó - PB”, trazendo-se ainda
a seguinte informação “Quanto aos aspectos sociais, incluímos as péssimas condições de
trabalho e de rendimento, o alto índice de informalidade e a ausência de tecnologia e de
instituições que regulem a atividade. Tais aspectos sugerem a formalização de ferramentas de
comando e controle da junção das ações sociais e ambientais da extração do caulim na
construção do conceito do passivo socioambiental”. (grifos nossos).
Participação social na criação e gestão da floresta estadual de Maués-AM
(LIRA, T. de M.; WITKOSKI, A. C.)
Este trabalho visa contribuir com as discussões no âmbito da questão socioambiental
problematizando a participação social dos povos tradicionais na gestão de políticas ambientais.
As reflexões contidas no trabalho são fruto dos resultados parciais da pesquisa de tese intitulada
Floresta Estadual de Maués como artefato humano.
A resiliência na questão socioambiental enquanto uma expressão da questão social: um
estudo na Bacia Hidrográfica do Igarapé do Educandos na Cidade de Manaus – AM
(CYRINO, A. B. de S.)
Este breve ensaio teórico é a base do projeto de pesquisa doutoral para avançar o estudo da arte
da categoria resiliência no âmbito da produção e reprodução social a partir das categorias
questão ambiental e questão social, que têm identidades distintas, porém compõe uma unidade
dialética. Trata-se do processo de construção da tese de que a questão socioambiental, como
uma unidade dialética é expressão da questão social.
A atuação ambientalista do serviço social: a presença da educação ambiental na Política
de Assistência Social de Franca-SP
(ZONETTI, V. M.)
50
Este trabalho aponta os resultados do trabalho de conclusão de curso do presente autor para
obtenção do título de bacharel em Serviço Social. A pesquisa analisa a Educação Ambiental
como instrumental utilizado pelos profissionais inseridos na Política de Assistência Social da
cidade de Franca-SP nos anos de 2014 e 2015. Intencionou-se alcançar a matriz teórico-
metodológica predominantemente utilizada e seus alinhamentos com o projeto ético político
desta profissão. Paralelamente, reflete-se o mundo em sua totalidade socioambiental no qual os
serviços de convivência e fortalecimento de vínculos estão inseridos.
Gênero, trabalho e saúde em duas comunidades da reserva de desenvolvimento
sustentável do Tupé, Manaus, Amazonas
(MARIOSA, D. F.; CAMILO, M. V. R. F.; FERRAZ, R. R. N.)
O texto analisa possíveis associações entre os espaços do trabalho, sua ocupação por gênero e a
prevalência do diabetes mellitus comparando sua incidência sobre a população residente em
duas comunidades ribeirinhas pertencentes à Reserva de Desenvolvimento Sustentável, Manaus,
Amazonas. Trata-se de um estudo ecológico baseado em pesquisa de campo e estatísticas
fornecidas pelo Ministério da Saúde e IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A
análise dos dados coletados sugere que fatores sociais determinantes do Diabetes Mellitus, como
o sedentarismo e a obesidade, são influenciados pelo estilo de vida típico das comunidades
analisadas, afetando muito mais mulheres que os homens.
O significado da política de universalização da energia elétrica: impactos socioambientais
no rural amazônico
(CAVALCANTE, A.S.)
A energia elétrica é essencial ao desenvolvimento da sociedade moderna, por outro lado,
também provoca degradação ambiental, muitas vezes irreversíveis. Produto de pesquisa
bibliográfica, documental e de campo realizada em Terra Preta do Limão/Barreirinha, interior
do Amazonas, o estudo se propõe a apresentar os impactos socioambientais positivos e negativos
do Programa de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – Luz para Todos, criado
em 2003, pelo governo federal. Acrescenta-se a importância do conhecimento das
particularidades de cada território (espaço usado e vivido), para que o planejamento contemple
as demandas da sociedade, permitindo o empoderamento social.
Questão ambiental e Serviço Social: um debate necessário relatos de experiência
(MENEZES, A. N. de; MARTINS, R. de M.)
Este artigo apresenta uma reflexão acerca da importância da formação profissional dos/as
assistentes sociais no âmbito da questão ambiental, o papel da Universidade no processo de
intervenção nessa área e a vivência no Grupo de Estudo e Formação do Programa de Educação
51
Tutorial (PET) - Serviço Social da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Compreende-se
que o debate sobre a área ambiental é essencial para o Serviço Social, para que novos projetos
e ações possam ser planejadas e desenvolvidas, a fim de buscar novas estratégias de
enfrentamento aos impactos ambientais e sociais na contemporaneidade.
Fonte: Anais do ENPESS 2016. Adaptado pela autora, 2018.
Das análises, apesar da pluralidade dos temas, observou-se que algumas discussões foram
comuns aos trabalhos, conforme o quadro abaixo:
Quadro III - Categorias de discussão identificadas nos trabalhos do ENPESS
CATEGORIAS DE DISCUSSÃO TOTAL
Denúncia: desvelamento da realidade socioambiental do Brasil 09
Mercantilização da natureza 07
A utilização de instrumentos democráticos por capitalistas em benefício próprio 03
Crítica ao pensamento ecológico, ao “capitalismo verde”, “capitalismo
humanizado”, “problema ambiental”, “tomada de consciência” da questão
ambiental e à educação ambiental.
06
Necessidade de um diálogo maior do Serviço Social com a questão ambiental:
orientado pelo Projeto Ético-Político Profissional
03
Necessidade de planejamento, diagnóstico local e participação social para
implantação das políticas e efetivação delas
03
Crítica à apropriação do conceito sustentabilidade para a reprodução do capital 07
Direitos de povos tradicionais: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, campesinato 06
Fonte: Elaborado pela autora, 2018.
Importante ressaltar que de modo amplo os trabalhos assumem duas categorias mais
centrais, consistindo as demais em determinantes circunstanciais. Em primeiro plano, em tom de
denúncia, são registros muito próximos da realidade nos processos de trabalho na sociedade
brasileira e, também, dos engendros que conformam as relações sociais de classes, das estratégias
da classe dominante para expandir o capital pelo domínio de territórios de populações tradicionais.
52
Uma outra questão, a concepção crítica ao ideário do desenvolvimento sustentável, entra como a
segunda categoria mais explícita dos trabalhos.
3.2.1 O papel do Serviço Social no desvelamento da realidade socioambiental do Brasil:
uma análise conjuntural
Alguns dos trabalhos demonstram inquietação com a apropriação pela classe dominante
de instrumentos democráticos na condução dos próprios interesses. Trata-se de tornar convenientes
às diretrizes de reprodução do capital os movimentos ambientais, os conselhos deliberativos de
políticas públicas, a participação social, em prejuízo das comunidades indígenas, quilombolas,
ribeirinhas, campesinato.
Lemos (2016) retoma um fato ocorrido em 1979, quando evocou-se instalar uma usina
alcooleira em Bodoquena, no Pantanal/MS; mas, à sombra do discurso de “defesa da maior área
úmida continental do mundo,” e sob a égide do Comitê de Defesa do Pantanal (FUCONAMS),
que “já trazia em si um teor de disputa que se acirraria entre os ruralistas locais e os usineiros,” o
projeto de instalação da usina foi negado pela Assembleia Legislativa de MS, sendo assegurado,
mais à frente, o ‘direito’ de atuação ao agronegócio.
Nessa mesma direção segue o trabalho de Lira e Witkoski (2016), pois estes evidenciam
a implantação de instrumentos de controle na criação da Floresta Estadual de Maués/AM, como a
participação social e um plano de desenvolvimento simplificado que trata de temas como
sustentabilidade, planejamento participativo, eficiência econômica, divisão de responsabilidade,
capacitação permanente, integração rural-urbana e regional, integração com os municípios,
preservação ambiental, definindo-se nos procedimentos metodológicos para a implantação da
floresta condições de beneficiamento também para a população, de modo a haver inclusão da
população no processo decisório; exclusão da prática do paternalismo/assistencialismo;
combinação democrática entre o saber popular e o científico; condições de trabalho dos técnicos
articuladas às necessidades concretas da população, buscando a superação desses problemas.
Todavia, apesar de toda essa ‘expressão democrática’ isso não é garantia de que a
sociedade civil participa ativamente do processo decisório das políticas de determinada área da
53
administração pública,15 e nem que as políticas sejam pensadas segundo as especificidades de cada
comunidade ou mesmo de cada região, conforme menciona Cavalcante (2016) ao tecer
considerações sobre a universalização da energia elétrica na Amazônia. Muito embora a referida
autora tenha observado qualidade na engenharia técnica do Programa de Universalização do
Acesso e Uso da Energia Elétrica16 (2003) e até a ousadia do governo em buscar solucionar o
déficit elétrico em curto espaço de tempo, ela também verifica que houve falta de planejamento e
de estudos minuciosos sobre a complexidade territorial. As mudanças socioeconômicas advindas
da energia elétrica impuseram uma sobrecarga para o meio natural.
De modo geral os trabalhos evidenciam faces de uma lógica capitalista na qual se
desvelam os construtos de uma sociabilidade corruptível, de apoderamento de instâncias que, em
sua procedência e expressão legítima, deve manter-se em prol da vitalidade das funções
ecossistêmicas em detrimento de qualquer outra mediação que possa colocar a natureza em risco,
devendo haver contemporização entre os anseios produtivos e as necessidades da população. De
outro modo, mostra que as instâncias também são corruptíveis, como fica evidente no trabalho de
Lemos (2016), pois é o próprio movimento ambientalista quem se expõe à mercantilização,
permitindo-se ao exercício de desvalorização da natureza e tornando enfraquecido o conjunto de
práticas sociais criadas justamente para a proteção do meio ambiente.
Os trabalhos de Nascimento Neto e Martins (2016), Fagundes e Silva (2016) e de Santana
(2016) têm esse apelo de cuidado e preservação da natureza, mas pelo aspecto da
consubstancialidade existente entre o direito à territorialidade e a reprodução cultural, econômica
e social de povos e comunidades tradicionais; ou seja, de grupos com diferenças culturais e que
“possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais
como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
15 No caso de Maués, os habitantes do local não se reconhecem partícipes de qualquer deliberação, dado
que fica claro em algumas falas, tais como (sic) “[...] veio um pessoal fazendo perguntas e foram
perguntando de nós o que nós fazia aqui, só depois veio a conscientização das comunidades e explicaram
o que significava a reserva, mas ela já tava criada” (Seu E., 42 anos); “houve uma reunião no início, mas
nós não entendeu muito bem o que eles tava falando lá, fomos entender só depois que nós tava numa
reserva” (Seu G., 35 anos); e “não foi avisado nada não aqui na comunidade, não teve essa participação,
quando a gente se espantou, já tava criada, fomos só avisados [...], depois que nós fiquemos por dentro da
Floresta Estadual de Maués” (Seu C., 52 anos). (apud LIRA; WITKOSKI, 2016, s/p). 16 Programa inserido pela Lei n. 10.762/2003.
54
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (DECRETO 6.040,
2007).
A reflexão sobre os impactos da privatização das águas nas comunidades quilombolas
(NASCIMENTO NETO; MARTINS, 2016, s/p) é uma mostra da relação do meio ambiente com
povos tradicionais. São reflexões sobre a proposta de reforma aquária apresentada pelo Ministério
da Pesca e Aquicultura (MPA) para “promover a ‘democratização do acesso à água para criação
de pescados’ no território nacional e de inserir o país no conjunto dos maiores produtores de
pescado do mundo,” todavia, o real interesse por trás disso é a privatização das águas para a sua
mercantilização, tendo-se por agravo que o discurso se ampara no ideário de sustentabilidade; ou
seja, apregoa uma possibilidade de desenvolvimento econômico agregado à preservação da
natureza e ao desenvolvimento humano, fazendo crer que de fato o intuito é a democratização do
acesso à água, a geração de emprego e renda, crescimento econômico, mas que na verdade o que
está posto é a intenção de beneficiamento do segmento pesqueiro.
Pela compreensão dos autores acima citados, a privatização das águas tende a impactar a
existência material das comunidades quilombolas, tendo em vista que a maioria dessa população
reside no meio rural e às margens de rios e oceanos. A ocupação desses espaços pelo capital destrói
as formas de uso dos recursos naturais e, também, costumes, tradições e as condições de
permanência e continuidade histórica desse grupo, pois de acordo com as inferências dos autores
“o quilombo é a unidade básica de resistência do escravo e se caracteriza pela sua continuidade
histórica e pela sua organização socioeconômica variada, na maioria das vezes conciliadora com
as possibilidades ecológicas”. (NASCIMENTO NETO; MARTINS, 2016, s/p).
A reflexão acima vai ao encontro do pensamento de Santana (2016) quando retrata os
conflitos socioambientais e territoriais existentes no município de Aveiro (PA) e de Cavalcante
(2016), pois percebem que os povos indígenas existentes na Amazônia possuem modos de vida
específicos, bem diferentes do predominante no sistema capitalista, trata-se de uma dinâmica
produtiva que resguarda uma lógica própria, centrada no atendimento das necessidades de
subsistência de cada grupo familiar.
Nessa mesma direção Fagundes e Silva (2016) consideram que o campesinato é um modo
de ser, viver e de produzir no campo num âmbito relacional entre a natureza, o trabalho e as
55
famílias (muito embora percebam uma preceituação de gênero nessa conjuntura, por que as
políticas de crédito são mais acessíveis aos homens). Todavia, em sentido mais geral, as relações
sociais, econômicas e culturais construídas historicamente sofrem os rebatimentos das mudanças
societárias, visto que “a investida do capital nacional e internacional no campo tem rendido
transformações no jeito de ser e viver camponês, influenciando desde a cultura até as formas de
relações historicamente construídas”, devendo-se considerar que:
[...]. A produção territorial se dá tanto por parte do Estado, que majoritariamente
possui meios de demarcação e controle, assim como por empresas e organizações
que articulam entre si e também com o Estado para viabilizar seus interesses num
determinado território, mas também por indivíduos que constroem
cotidianamente o território de acordo com suas vivências e práticas. Ainda que
em níveis diferenciados, todos nós produzimos territórios. (SANTANA, 2016, p.
4).
A conciliação entre os poderes público e privado, nesse sentido, propende a desconstruir
a cotidianidade e os costumes desses indivíduos, mas, sobretudo, aprofunda ainda mais a sujeição
étnico-racial determinada historicamente pelos construtos de valorização da cultura branca, em
detrimento de outras etnias, raças, povos. No caso específico do Brasil, dificulta o acesso dessa
população a direitos legítimos e faz retroceder algumas conquistas que, por meio de muitas lutas,
foram alcançadas e acolhidas na CF/88, como o reconhecimento do direito à propriedade
definitiva17 para as comunidades dos quilombos e para aqueles que realmente ocupam essas terras.
Não obstante a outras concepções, quer sejam de ordem política, econômica ou mesmo
regional, o sentido de denunciação se faz presente também em outros trabalhos, como o de Bastos
(2016), que expõe a precarização socioambiental advinda dos lixões. Embora seja celebrada a
criação de uma política18 para dar destino e tratar os resíduos sólidos urbanos, perigosos e
industriais, subjetivamente reclama-se a destituição de um meio que enquanto esteve disponível e
17 O Decreto 4.887/03 “regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata
o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. 18 A lei 12.305/10 “institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre seus princípios,
objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de
resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos
instrumentos econômicos aplicáveis”.
56
largado a céu aberto, com todos os impactos e riscos (físico, químico, biológico, de acidente) para
os meios sócio e ambiental, ainda assim foi fonte de renda e de subsistência para muitas famílias.
O exercício da catação de resíduos sólidos impulsionou uma geração de “economia que
sustentava mais de 15.000 pessoas inseridas nas atividades diretas de catação e nas decorrentes
destas, por meio de uma rede local de serviços e comércio que atendia os trabalhadores e a
população residente” (BASTOS, 2016) ainda que “de forma perversa”, conforme avalia a autora.
Retoma-se, desse modo, as inferências de Maricato (2000, p. 21) sobre o processo de
urbanização do Brasil.
[...]. Em 1940 a população urbana era de 26,3% do total. Em 2000 ela era de
81,2%. Esse crescimento se mostra mais impressionante ainda se lembrarmos os
números absolutos: em 1940 a população que residia nas cidades era de 18,8
milhões de habitantes, e em 2000 ela era de aproximadamente 138 milhões.
Constatamos, portanto, que em 60 anos os assentamentos urbanos foram
ampliados de forma a abrigar mais de 125 milhões de pessoas. Considerando
apenas a última década do século XX, as cidades brasileiras aumentaram em
22.718.968 pessoas. Isso significa mais da metade da população do Canadá ou
um terço da população da França.
Logo, questiona-se o porquê de um país se industrializar, intentar desenvolvolver-se
“Cinquenta Anos em Cinco”, estabelecendo “Mudanças no Plano Mundial” e de realizar tantas
obras megalomaníacas, como as que aconteceram em período ditatorial, mas sem pensar
possibilidades para os descartes dos rejeitos e resíduos, gerados em função dessa produção, e sem
mesmo pensar as próprias necessidades mais básicas da população, como emprego e habitação.
Brum (1999) e Maricato (2000) avaliam que a industrialização do Brasil se gestou em bases
bastante deficitárias, sob forte costume paternalista e ausente da cultura de coesão social.
Uma conjunção própria demarcada por antagonismos sociais, clientelismo, pouca
apreensão histórica dos construtos determinantes para o desenvolvimento social, tendo-se ainda
por agravo o seu processo de industrialização, que a partir da segunda metade do século XX é
guiado e controlado pelas bases do capital financeiro internacional, intensificando-se, assim, uma
condição de subalternidade e incapacidade para participar de modo equitativo da divisão
internacional do trabalho, restando-lhe nisso a participação periférica. Em suma, um estágio de
sujeição tal que esteve limitado até mesmo nas decisões políticas internas do próprio Estado.
(BRUM, 1999).
57
Encadeamento sócio-histórico e econômico que reduziu a capacidade de tutela do Estado
no processo de desenvolvimento capitalista, sendo mantida nesse permeio a imanência cultural do
tornar legal o ilegal, a apropriação do ‘inapropriável’, isso tudo diante de políticas insuficientes,
haja vista que muitas delas só foram percebidas através da Constituição Federal de 1988, o que
leva Maricato (2000, p. 27) a concluir: “nossas características nos tornaram modelo... de
desigualdade social”.
A extração de caulim no município de Junco do Seridó (Campina Grande/PB), tema da
pesquisa de Sousa (2016), é um dos exemplos de continuidade das articulações capitalistas de
exploração nos processos de trabalho e de negação dos condicionantes legais19. A autora relata um
processo de trabalho instituído por intensidade no uso da mão-de-obra; ausência ou reduzido nível
de mecanização; padrões inexistentes ou notoriamente insatisfatórios de segurança, que são
percebidos no uso de velas ou lamparinas tanto para iluminar quanto como equipamentos de
detecção da quantidade de oxigênio existente nas lavras.
Sem as tecnologias necessárias, a extração das rochas é feita através de “fraturas,
infiltrações e alargamento” gerando riscos para a comunidade, visto que “as águas subterrâneas
acumuladas nas galerias concentram grande quantidade de resíduo de caulim e outros minérios
que, constituídos de pequenas partículas, são transportados para o lençol freático”. As condições
são de um percentual de risco tal que “a comida é cozida em um fogareiro artesanal, instalado no
chão de uma palhoça, bem próxima à lavra”, e “os alimentos são dispostos no chão e armazenados
em recipientes de plástico que, outrora, eram utilizados no transporte do combustível”. (SOUSA,
2016).
19 A atividade de garimpo é regulamentada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), sendo
reconhecida pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) (CBO 2002) e disciplinada pela CF/88 que
dá por garantia no art. 173 § 3º “O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas,
levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros,” e também
pela Norma Regulamentadora (NR 22) que visa aos “preceitos a serem observados na organização e no
ambiente de trabalho, de forma a tornar compatível o planejamento e o desenvolvimento da atividade
mineira com a busca permanente da segurança e saúde dos trabalhadores”, buscando-se nisso uma
antecipação aos riscos físicos, químicos e biológicos; atmosferas explosivas; deficiências de oxigênio; falta
de ventilação. Havendo admoestação em relação à própria proteção individual e coletiva dos trabalhadores
em tal situação.
58
Observam-se contradições não somente nos processos do trabalho em questão (que diga-
se de passagem já são aterrorizantes), mas sobretudo na lucratividade que o princípio mais
rudimentar de transformação da natureza é capaz de gerar para um pequeno grupo enquanto que
para quem realmente realiza a atividade, submetendo-se aos riscos, inclusive de saúde,20 e
ocasionando impacto ao meio ambiente, não consegue alcançar. Segundo a autora, enquanto que
uma das empresas beneficiadas pelo trabalho de extração do caulim divulgou em 2010 um
investimento de R$ 143 milhões na construção de uma fábrica,
Em cada dia de trabalho do garimpeiro, é possível retirar, em média, 10 toneladas de
minério, que equivalem a cinco ou seis carradas. Esse minério é comprado pelas
empresas mais conhecidas como lavras-garimpeiras por R$ 80,00. Desse total, 10%
destinam-se ao pagamento da conga, e R$ 10,00 é o valor pago ao dono do caminhão.
R$ 11,00, por dia, é o que cada garimpeiro recebe pelo trabalho realizado. Em média,
cada trabalhador receberá, no final de cada mês, a quantia de R$ 350,00. (SOUSA,
2016, s/p).
Iamamoto e Carvalho (2014) observam nos entremeios das relações de produção e
reprodução do capital interesses antagônicos, constatando como elementos fundamentais e
indissociáveis os capitalistas e os trabalhadores assalariados, mas numa dimensão em que a própria
dominação interposta nessa relação impulsiona a criação de novas organizações na sociedade.
Conjuntura em que as generalidades humanas vão se esvaindo não em função do capital, embora
por meio dele e o grande favorecido seja ele, mas em função das próprias necessidades individuais,
conformando, desse modo, mais precarização social.
A entender, o trabalho infantil, na contramão das decisões legais, somente pode ser
explicado pela própria necessidade de grupos infantis em estado de vulnerabilidade, ausentes de
toda essa legalidade que tem sido incorporada na sociedade brasileira, prevenindo esse tipo de
trabalho. Da mesma maneira, todas as outras condições insalubres, periculosas ou penosas que vão
se concebendo como meios de reprodução social humana, na decorrência dessa sociabilidade,
consistem em ‘respostas’ às necessidades de indivíduos e/ou de coletividades que são excluídos
da divisão social do trabalho. Essa população, de algum modo, e como um meio de subsistência,
20 A extração do caulim, bem como de outros materiais rochosos, é altamente prejudicial à saúde dos
trabalhadores, sendo bastante comum aos grupos em situação de risco, expostos à sobrecarga de material
particulado, desenvolverem doenças respiratórias, mais especificamente a silicose e a asbestose. Para maior
compreensão, ver Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho e ao Ambiente. (BRASIL, 2010).
59
finda por potencializar a única mercadoria que detêm - a força de trabalho -, gerando circunstâncias
que se mantêm em constante difusão e cujas alterações são em adaptabilidade às condições que
vão sendo postas pelo próprio sistema de reprodução do capital. Em outras palavras, não há
interesse das classes dominantes na quebra dos ciclos da degradação socioambiental, somente um
rearranjo deles.
Na medida em que as desigualdades morais resultam da organização social, elas
só podem ser superadas mediante atos de voluntarismo responsável - políticas
públicas que promovam a necessária transformação institucional e ações
afirmativas em favor dos segmentos mais fracos e silenciosos da nação, a maioria
trabalhadora desprovida de oportunidades de trabalho e meios de vida decentes,
e condenada a desperdiçar a vida na luta diária pela sobrevivência. (SACHS,
2008, p. 27).
Trata-se de questões que exigem uma efetiva participação social não somente pelo viés
econômico, mas, sobretudo, de valores teórico-metodológicos de anteparo aos construtos de
precarização socioambiental. “Precisa-se urgentemente de uma reaproximação da ética, da
economia e da política”. (SACHS, 2008. p. 26).
Nesse sentido, resguardadas as limitações do Serviço Social como profissão, apesar disso,
compreende-se a sua importância nessas instâncias, pois os assistentes sociais são agentes
partícipes nas relações sociais de produção e de reprodução da vida dos sujeitos. Confere-se,
entretanto, que a opção política que esses profissionais exercem tende a influenciar as causas
sociais: é possível aos profissionais orientar a sua atuação reforçando a legitimação da situação
vigente ou lutar por “um projeto político alternativo, apoiando e assessorando a organização dos
trabalhadores, colocando-se a serviço de suas propostas e objetivos. [...]” (IAMAMOTO;
CARVALHO, 2014, p. 103).
3.2.2 Desenvolvimento sustentável: para quem interessa?
Nos trabalhos analisados, embora os temas não sejam diretamente sobre o
desenvolvimento sustentável, em alguma medida aparecem abordagens a esse tema e às variantes
“sustentabilidade”, “capitalismo verde”, “responsabilidade ambiental”, “educação ambiental para
a sustentabilidade”, “práticas de sustentabilidade”. São reflexões sobre o uso desses conceitos em
favor do capital; todavia, o próprio ideário do desenvolvimento sustentável também sofre
60
apreciação. São questões evidenciadas nos trabalhos de Nascimento Neto e Martins (2016), Lira e
Witkoski (2016), Simião (2016), Zonetti (2016), Nunes (2016), Santana (2016).
Especificamente em relação ao ENPESS, na concepção de Menezes e Martins (2016, s/p),
o conceito “Desenvolvimento Sustentável está ligado ao uso de recursos ambientais e sociais para
o aumento, qualidade e eficiência do desenvolvimento econômico, não na busca de um equilíbrio,
em que a gestão da economia seja pensada para garantir a vida em sociedade com um ambiente
equilibrado”, apesar do discurso de adequação da sociedade civil às necessidades ambientais.
Nessa mesma direção, em análise da educação ambiental como uma vertente na Política de
Assistência Social da cidade de Franca-SP, Zonetti (2016, s/p) percebe que esse objeto “é mais um
aparato ideológico do modo de produção e consumo capitalista” e, portanto, “exige o
esclarecimento das intenções por detrás deste específico processo educativo”.
Nessa mesma direção para Simião (2016, p. 12), “o discurso “verde” fortalece o capital
especulativo, transformando a natureza em um ativo, criando um novo nicho de mercado lucrativo
e com perspectiva de crescimento, dadas incômodas evidências da crise ambiental”, considerações
que vão ao encontro do pensamento de Nunes (2016) quando observa as estratégias de reversão
do acelerado grau de destrutividade que o capital tem ocasionado aos meios socioambientais, ao
privatizar os recursos naturais. Para a referida autora, manifestar necessidade de um “consumo
consciente” e de adoção de um conjunto de alternativas de caráter técnico e comportamental, na
verdade é uma forma de responsabilizar o indivíduo pela destrutividade, mas sem qualquer
incentivo a reflexões sobre a estrutura social vigente em sua totalidade, criando-se assim:
[...] a falácia de um “capitalismo verde”, de um “capitalismo humanizado”
(naturalizando-o enquanto único sistema econômico possível) onde centrado
numa educação individualista, passa-se a entender a problemática socioambiental
como fruto de um desconhecimento dos princípios ecológicos que gera “maus
comportamentos. (NUNES, 2016, s/p).
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) (2011) faz
considerações que, de imediato, se mostram relevantes na mitigação da questão socioambiental.
Para o Programa a economia verde se consubstancia em controle dos gases de efeito estufa,
eficiência energética e do uso de recursos naturais (evitando-se desperdício da biodiversidade) e
inclusão social, sendo estimulado o aumento de emprego e renda por investimentos públicos e
61
privados que reduzam as emissões de carbono e a poluição, mas de modo que tais ações não sejam
em si uma fardo sobre o crescimento. À medida que o crescimento econômico e os investimentos
vão se estabelecendo provocando menos ativos ambientais, países ricos e pobres podem atingir
um desenvolvimento econômico mais sustentável.
O intento de capitalismo verde, entretanto, ao longo do tempo tem sido objeto de estudos
e considerações de alguns autores. De acordo com Leonel (2000) o capitalismo verde também se
desenvolve como um anseio do capital em trazer para os sistemas de mercado o conhecimento
tradicional de populações tradicionais. Especificamente em relação à população indígena, elas são
detentoras de conhecimentos que se mantêm em estreita relação com a natureza e, culturalmente,
vão sendo acumulados de geração em geração sem grandes prejuízos à biodiversidade.
[...]. A ciência ocidental é analítica, quantitativa, seletiva, deliberativa,
sincrônica, hierarquizada, verticalmente compartimentalizada e reducionista. O
conhecimento tradicional promove a diversidade alimentar, estabiliza a produção,
diminui riscos, reduz a incidência de insetos e doenças, usa o trabalho com
eficácia, exige menos insumos e recursos e maximiza o retorno em condições de
tecnologias simples e adaptadas. (LEONEL, 2000, p. 324).
O referido autor deslinda o surgimento de um “emergente biomercado”, de
aproveitamento de todo o conhecimento cultural das populações tradicionais e da própria
biodiversidade para a produção de produtos os mais variados, verificando que o discurso é de que
a conjunção realística é quem busca aproximar aos interesses comerciais as vantagens do
desenvolvimento sustentável, ficando por questão os meios para se conseguir recompensar os
atores partícipes dessa relação, como as populações, o país, a natureza, de forma que todos sejam
ganhadores, tanto na preservação quanto no mercado. (LEONEL, 2000).
Ainda por concepções teóricas sobre o ‘capitalismo verde’ como uma estratégia do
capital, Foladori (2001a), remetendo-se a Marx, afere que a busca por controle dos complexos
naturais também é prevista no plano de valor de uso e no valor de troca na sociedade capitalista:
de mesma forma que qualquer outra mercadoria, a natureza só é valorizada se puder ser trocada
por outra mercadoria, ou, mais especificamente, por dinheiro. Fato é que a formulação do ideário
de sustentabilidade, com todas as suas disposições, tem sido conteúdo pluridisciplinar e está no
centro dos debates dos sistemas de mercado. Nessa mesma direção, De Paula (2013, p. 34), como
estudioso da área, salienta que “a emergência do capitalismo verde como “alternativa” ocorre sob
62
um contexto de monumental ofensiva ideológica, no sentido de afirmar as “leis de mercado” como
horizonte único da humanidade”.
Em termos do reordenamento da geopolítica mundial, o “esverdeamento” do
capitalismo tem sido fundamental para orientar e legitimar as políticas e
estratégias imperialistas voltadas para o controle dos territórios dotados de bens
naturais estratégicos. Sob a suposta neutralidade da chamada “agenda
ambientalista” internacional, procura-se uniformizar um padrão de exploração de
“las bondades de la naturaleza” em escala planetária. (DE PAULA, 2013, p. 34,
grifos do autor).
Voltando para as análises do ENPESS, Santana (2016), ao abordar os conflitos
socioambientais e territoriais existentes no município de Aveiro (PA), fala exatamente da
correlação de forças que eclode dos interesses societários. Nas estratégias de apropriação dos
territórios pelos capitalistas não se percebe demarcação ou mesmo um ponto central que torne
‘compensatório’21 para a população indígena estender seus conhecimentos para os sistemas de
mercado; de modo antagônico “quando uma empresa adentra um território (que é anteriormente
constituído pelas relações sociais de povos indígenas) para extrair seu “produto” ocorre a geração
de conflitos socioambientais”. (SANTANA, 2016, p. 3).
Sob o manto do desenvolvimento sustentável (ou da descaracterização dos princípios
norteadores desse pensamento) e à sombra da perspectiva neoliberal, algumas instâncias
descredenciam direitos coletivos e individuais e ainda são alçadas à condição de ‘sustentáveis’.
Em suas análises sobre os condicionantes de sustentabilidade incorporados pelo banco Itaú, Simião
(2016) verifica uma reestruturação da performance setorial que, sob o espectro da sustentabilidade,
tornou desempregado um elevadíssimo número de pessoas. De acordo com a política dessa
empresa, manter-se atrelado a concepções de sustentabilidade é uma estratégia de sobrevivência,
pois “dá retorno na composição de uma marca com maior reputação e valorização, porque gera
confiança e traz estabilidade”. (SIMIÃO, 2016, p.3).
Quanto a sistematização da sustentabilidade como um impulso para o capital, alguns
estudos têm sido empreendidos na sociedade brasileira. De acordo com Araújo e Silva (2012)
(pesquisadoras da área do Serviço Social) e De Paula (2013), a fundamentação em torno da
21 Tendo em vista a natureza deste trabalho, não se buscou aprofundar pesquisas sobre as consequências do
capitalismo verde para o país.
63
sustentabilidade figura na era do capitalismo verde como uma ‘licença’ concedida pelas
autoridades científicas. A exploração predatória de antes continua em plena expansão, mas agora
sob um ‘selo de sustentabilidade’ equacionado por agências ambientais e financeiras.
Considerando-se a base analítica e conceitual do Serviço Social, entretanto, é importante
que a condução da prática profissional ou dos campos de estudos relacionados à questão
socioambiental sejam consonantes aos preceitos profissionais do PEP. Incoerência de ideias e/ou
comportamentos divergentes da perspectiva profissional tendem a ocasionar contradições no
interior da profissão. A reflexão de Nunes (2016) segue nessa direção, verifica que a utilização de
concepções sobre “desenvolvimento sustentável; comunidades seguras e resilientes; educação
ambiental para a sustentabilidade, responsabilidade ambiental”, sem uma ampla revisão distancia
ou contradiz significativamente o projeto ético-político profissional.
A título de exemplo, o trabalho que faz inferência à ‘resiliência’ na questão
socioambiental da Bacia Hidrográfica do Igarapé do Educandos, na Cidade de Manaus/AM
(CYRINO, 2016) acaba evidenciado uma reflexão dispersa do pensamento atual do Serviço Social
ao buscar empreender princípios de resiliência de áreas acadêmicas diversas à questão
socioambiental.
Ora, a concepção analítica e mais forte sobre a questão social, no permeio acadêmico do
Serviço Social, leva a compreensão de que a questão socioambiental se particulariza pela
contradição capital-trabalho, e o modo como isso se expressa é justamente no reconhecimento da
classe operária como um segmento da sociedade; ou seja um estrato social que luta para se inserir
no cenário político, num processo de reivindicação de direitos perante o Estado e as instâncias
mercantis. Logo, tendo-se isso em consideração não é possível contemporizar modos de vida e
toda luta de um povo, quer sejam indígenas, quilombolas, ribeirinhas, campesinos, a práticas de
resiliência com a questão socioambiental.
Pelas próprias análises do ENPESS é possível verificar que a permanência de
comunidades tradicionais em locais de abundante transformação ambiental, utilização dos
ecossistemas e da biodiversidade pelas relações sociais de produção não se dá de forma pacífica,
resiliente. Contrariamente, as circunstâncias são criadas sempre em prol de beneficiamento do
capital produtivo, o poder dominante gera estratégias de convencimento e se utiliza até do discurso
64
sustentável para mercantilizar os recursos naturais. Conjuntura que gera uma relação de exploração
às comunidades envolvidas, desprezo à cultura, descredenciamento de políticas, dentre tantas
outras prevaricações sociais.
Importante ressaltar que a reflexão em curso não flui com a mesma linearidade em todos
os trabalhos analisados. Verifica-se que também há uma análise mais ecológica do meio ambiente
e uma certa constatação de que o desenvolvimento sustentável é anteparo para as degradações
socioambientais. De acordo com Cavalcante (2016), apesar da eficiência da energia elétrica na
vida da população do rural amazônico, o ambiente natural tem rigores específicos, regionais, que
são precedentes às demandas sociais e pouco adaptáveis às infraestruturas e às decorrências destas.
A referida autora analisa que de modo geral para a utilização dos meios naturais “é preciso
a articulação e diálogo de múltiplos atores sociais para forjar uma rede de cooperação que dê
sustentação às diretrizes de sustentabilidade suscitadas nos diversos documentos, acordos e pactos
firmados em âmbito nacional e internacional”, de modo que seja valorizado “o potencial social,
ambiental, econômico e energético de cada território, contribuindo para a redução dos impactos
socioambientais decorrentes de tais projetos”. (CAVALCANTE, 2016, s/p).
Porquanto, das demais inferências em relação à amostra deste trabalho, percebe-se que
cinco artigos apresentam resultados de experiência de campo, um tem por base a realidade de vida
da pesquisadora, sete apresentam um aspecto bibliográfico e documental e somente um deles é
resultado de trabalho participante pelos próprios pesquisadores.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fase primitiva da história da humanidade esteve consubstanciada por uma relação de
transformação da natureza em favor das necessidades primeiras humanas. Consequentemente, o
próprio homem foi sendo transformado: adquiriu hábitos que o tornaram ser social com
capacidades e potencialidades para cada vez mais se distanciar dessas transformações mais
primárias da natureza. A evolução das sociedades, entretanto, apesar dos avanços técnico-
científicos que foram e ainda têm sido criados, não são passíveis de tornar os homens
independentes dos recursos naturais. Contrariamente, as muitas determinações engendradas na
65
estrutura social, com aspirações e interesses diversos, têm impulsionado um vínculo de extrema
dependência do homem pela natureza, mas mantendo-se o aspecto de que os elementos
construtivos dos meios naturais podem ser dominados.
A complexificação social estabelecida com a difusão do processo social de produção
unificado quase a totalidade global pelo capitalismo, e as muitas decorrências disso, como a
própria estruturação territorial que dinamiza possibilidade de enriquecimento para uns países (que
se utilizam de potencialidades dos países mais pobres), e até os níveis elevados de desempregos,
fazem com que as capacidades dos meios ambiental e social sejam colocadas em favor do próprio
capital. Intensificam-se poluições atmosférica, dos solos e das águas em âmbitos local e regional
e com efeito desproporcional às escalas de poluição provocadas, sendo os recursos naturais
demandados por classes sociais e interesses diversos.
Muito embora nas últimas décadas, embalada por movimentos ambientalistas e sociais,
essa conjuntura venha sendo pautada nas agendas nacionais e internacionais, de influência
deliberativa para o desenvolvimento sustentável, ainda assim, diariamente o mundo continua
sendo bastante provocado. No âmbito social, em países como o Brasil, progressivamente os
processos produtivos têm se flexibilizado acarretando uma reconfiguração ocupacional bastante
pauperizada, voltada para a subsistência de uma população sem acesso aos trabalhos formais, que
já são, em sua maior parte, postos precarizados, conforme evidenciam alguns dos trabalhos do
ENPESS.
Compreende-se que estão em pauta problemas recorrentes de um ordenamento social que
se opõe a compartilhar as riquezas socialmente produzidas; dificuldade em priorizar políticas
públicas para expandir bens e serviços de forma equitativa e continuada para a população;
delimitar o uso dos recursos naturais, renováveis ou não, às suas capacidades; dentre muitas outras
articulações que poderiam ser empreendidas. Antagonicamente o sistema prevê, em tese,
condições de bem-estar social mais intensamente pelo viés do crescimento econômico, pela renda
que a sociedade é capaz de gerar, decorrendo individualização exacerbada de grupos sociais,
restrição das liberdades de escolhas pessoais, das vontades, e subjugo aos resquícios de
oportunidades, significando isto cerceamento das próprias subjetividades dos indivíduos.
Porquanto, esses influxos são totalmente contrários a um projeto de sociedade
66
radicalmente democrático e comprometido com a defesa intransigente dos interesses da classe
trabalhadora, tais como o acesso aos direitos civis, o respeito às subjetividades individuais e à
diversidade da população, dentre outros aspectos que devem ser preservados. Postura ética que o
Serviço Social brasileiro tem assumido na contemporaneidade, mas com alguma lacuna no que diz
respeito a estudos e práticas mais aprofundados sobre particularidades da questão ambiental.
Verificou-se que alguns dos trabalhos do ENPESS simplificam a questão ambiental como
uma das expressões da questão social, não sendo esta dimensão hegemonicamente compreendida
como uma questão tão complexa quanto a questão social. A relevância de o Serviço Social refletir
criticamente essa questão recai na possibilidade de práticas profissionais de mitigação dos ensejos
que têm sido gestados na sociabilidade capitalista em função da reprodução do capital. Pois que
os constructos do desenvolvimento sustentável, de afago a uma ‘humanização’ nas relações sociais
de produção, particularidades que vêm ocorrendo no mundo desde o final da segunda metade do
século XX, são questionados, mas com certa timidez, sem muita intensidade pela comunidade
acadêmica do Serviço Social, muito embora seja um tema de bastante interesse nas ciências
ambientais e econômicas.
Explica-se, entretanto, que essa temática não está totalmente ausente do universo
acadêmico do Serviço Social, desde os anos 2000 a questão socioambiental tem sido objeto de
estudos de alguns autores; contudo, se considerada a relevância do tema e a significância desse
estudo para o interior da profissão, o número de publicações é bastante insuficiente, devendo se
considerar ainda a transversalidade da discussão que deve estar presente nos componentes
curriculares.
Observando-se também que o distanciamento do Serviço Social com o tema ambiental
implica uma outra questão, o fazer profissional dos assistentes sociais acaba se fragilizando e sendo
uma reprodução do discurso ecológico, voltada para uma educação ambiental na qual os usuários
são orientados e, de certa forma, responsabilizados pelo modo como se relaciona com o ambiente
natural. Nos espaços de planejamento e execução das políticas não se enfatizam debates acerca
das determinações da questão socioambiental, deixando-se escapar uma forma de educar em que
os indivíduos possam se valer de uma consciência crítica sobre suas ações, mas conhecendo as
bases de tanta degradação.
67
Desse modo, muito embora a amostra da pesquisa seja muito pequena e não possa ser
representativa do universo profissional do Serviço Social, ainda assim considera-se a importância
de uma maior inserção de assistentes sociais em espaços de políticas socioambientais, mas,
sobretudo, que as bases curriculares dessa formação profissional se antecipem na regulamentação
de conteúdos programáticos sobre o tema questão socioambiental.
68
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