UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
DOUTORADO EM DIREITO PÚBLICO
LUIZ CARLOS SOUZA VASCONCELOS
HERMENÊUTICA E TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS:
EXAME CRÍTICO DA (IN)COERÊNCIA DECISÓRIA NO ÂMBITO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Salvador
2018
1
LUIZ CARLOS SOUZA VASCONCELOS
HERMENÊUTICA E TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS:
EXAME CRÍTICO DA (IN)COERÊNCIA DECISÓRIA NO ÂMBITO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal
da Bahia (UFBA) como requisito parcial para obtenção do
título de Doutor em Direito Público, inserida na linha de
pesquisa Teoria do Processo e Tutela dos Direitos, área de
concentração Direito Público.
Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire
Soares.
Salvador
2018
V331 Vasconcelos, Luiz Carlos Souza,
Hermenêutica e teoria dos precedentes judiciais: exame crítico da
(in)coerência decisória no âmbito do Supremo Tribunal Federal / por Luiz
Carlos Souza Vasconcelos. – 2018.
228 f.
Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Direito, 2018.
1. Hermenêutica (Direito). 2. Precedentes judiciais.
I. Soares, Ricardo Maurício Freire. II. Universidade Federal da Bahia. III.
Título
CDD- 340.11
3
LUIZ CARLOS SOUZA VASCONCELOS
HERMENÊUTICA E TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS:
EXAME CRÍTICO DA (IN)COERÊNCIA DECISÓRIA NO ÂMBITO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da
Universidade Federal da Bahia (UFBA) como requisito parcial para obtenção do grau de
Doutor em Direito Público, inserida na linha de pesquisa Teoria do Processo e Tutela dos
Direitos, área de concentração Direito Público.
Aprovada em 19 de setembro de 2018.
Prof. Dr. Ricardo Maurício Freire Soares – Orientador
Universidade Federal da Bahia – UFBA/ Professor da UFBA
Prof. Dr. Dirley da Cunha Júnior
Pontifícia Universidade Católica - São Paulo/Professor da UFBA
Prof. Dr. Wilson Alves de Souza
Universidade de Buenos Aires – Argentina/Professor da UFBA
Prof. Dr. Ricardo Zuluaga Gil
Universidad de Salamanca – Espanha/Professor da Universidade de Medellín – Colômbia
Prof. Dr. Luis Gerardo Samaniego Santamaria
Universidad de Salamanca - Espanha/Professor da Universidade de Quintana Roo - México
4
A
Maria Isabel, mãe querida, por ter me ensinado a aprender.
Carla, Luiz Júnior, Laila, Lorena e Maria Luíza, filhos queridos, por terem me levado a
aprender a ensinar.
5
AGRADECIMENTOS
São tantos e tão especiais...
A Deus, sempre Ele, meu verdadeiro norte, pelo dom da vida, e por ter oportunizado a
conclusão de mais um ciclo de minha vida.
À minha família, amigos e servidores da Justiça Federal de Itabuna, pela imensa
paciência e amor, compreendendo as minhas ausências, os ritmos acelerados do dia a dia, as
mudanças de humor, porém sempre presentes a todo instante.
A meus irmãos, em especial ao irmão Paulo, fiel incentivador.
Ao meu professor-orientador, Dr. Ricardo Maurício Freire Soares, mestre amigo,
sempre venerado por onde passa e também exemplo de mérito acadêmico, o qual incentivou a
construção deste trabalho científico, com muita paciência, zelo e de maneira democrática.
Aos colegas doutorandos que, desde o início, acreditaram em meu trabalho, em
especial Patrícia Verônica Sobral, Dejair dos Anjos, João Lordelo e Flora Augusta, com os
quais tive a alegria de discutir e compartilhar ideias do pensamento jurídico contemporâneo.
Ao Programa de Pós-Graduação em Direito da UFBA, pelo apoio, infraestrutura,
qualidade e simpatia de seus professores, pesquisadores e funcionários, os quais contribuíram
direta ou indiretamente no desenvolvimento desta tese.
Aos alunos, tanto os da graduação como os da pós-graduação lato sensu, verdadeiros
alicerces na construção constante de meu aprendizado.
Por fim, muito obrigado a todos, de coração, por possibilitarem essa experiência
enriquecedora e gratificante, de relevância ímpar para meu crescimento como ser humano e
profissional.
6
Nada é sozinho. Nada é para sempre. Todo saber é saber do homem,
ser histórico e contingente, pelo que este saber só se legitima se apto
para servir à humanidade.”
Calmon de Passos
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RESUMO
Esta tese tem como objetivo realizar uma abordagem teórica e jurisprudencial acerca do
entendimento do processo hermenêutico e do discurso jurídico utilizados na formação de
decisões judiciais, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, especialmente sua relação com a
teoria dos precedentes, no que tange aos aspectos da interpretação, aplicação e unicidade do
Direito, demonstrando-se assim a atualidade e relevância do tema pesquisado. Com o
fortalecimento dos precedentes, desafia-se para o Judiciário a relevante função de preservação
dos princípios da segurança jurídica, da igualdade dos jurisdicionados e da dignidade da
pessoa humana, todos inseridos na Constituição. A jurisdição, em momento pretérito com a
sua característica de apenas declarar a vontade da lei, destina-se na atualidade a sensibilizar o
julgador a conformar todo o ordenamento jurídico aos direitos previstos na Constituição, no
exercício da função judicante, fazendo valer, assim, a força normativa do texto constitucional.
Os juízes e tribunais supremos, em especial o STF, emplacam a salutar missão de auxiliar o
Estado nesse procedimento especial e maduro de interpretação das leis e da resolução das
matérias de direito que aportam as instâncias judiciárias. As decisões que conferem sentido,
unidade e desenvolvimento ao Direito interessam a toda a sociedade e não apenas às partes
envolvidas no litígio. O estudo da hermenêutica jurídica e dos precedentes judiciais exige
reflexões críticas e pragmáticas, de forma que a investigação transcenda ao dogmatismo do
positivismo clássico, realçando uma interpretação mais adequada das normas jurídicas às
novas e constantes mutações sociais. Utiliza-se a vertente metodológica
jurídico-dogmática-comparativa, tendo na pesquisa bibliográfica e na documental os
instrumentos levantados para a comprovação das hipóteses, revendo, assim, as principais
obras pertinentes ao assunto pesquisado.
Palavras-chave: Hermenêutica – Precedentes Judiciais – Supremo Tribunal Federal
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ABSTRACT
This thesis aims at a theoretical and jurisprudential approach on the understanding of the
hermeneutical process and the legal discourse used in the formation of judicial decisions,
within the scope of the Federal Supreme Court, especially its relation with the theory of
precedents, regarding aspects of interpretation, application and uniqueness of the Law, thus
demonstrating the relevance and relevance of the researched topic. With the strengthening of
precedents, the relevant function of preserving the principles of legal certainty, equality of
jurisdiction and dignity of the human person, all inserted in the Constitution, is challenged for
the Judiciary. The jurisdiction, at a time in the past with its characteristic of merely declaring
the will of the law, is currently intended to sensitize the judge to conform the entire legal
order to the rights provided in the Constitution, in the exercise of the judicial function, the
normative force of the constitutional text. Supreme judges and supreme courts, especially the
Supreme Court, have a salutary mission to assist the State in this special and mature
procedure of interpretation of laws and resolution of matters of law provided by judicial
bodies. Decisions that give meaning, unity and development to the Law are of interest to the
whole society and not just to the parties to the dispute. The study of legal hermeneutics and
judicial precedents requires critical and pragmatic reflections, so that research transcends the
dogmatism of classical positivism, emphasizing a more adequate interpretation of legal norms
to the new and constant social changes. The legal-dogmatic-comparative methodological
aspect is used, having in the bibliographical research and the documentary the instruments
raised for the verification of the hypotheses, thus reviewing the main works pertinent to the
researched subject.
Keywords: Hermeneutics - Judicial Precedents - Supreme Federal Court
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SOMMARIO
Questa tesi si propone di condurre un approccio teorico e giurisprudenziale sulla
comprensione del processo ermeneutico e il discorso giuridico utilizzato nella formazione
delle decisioni, sotto la Suprema Corte, in particolare il suo rapporto con la teoria del
precedente, per quanto riguarda gli aspetti della interpretazione, l'applicazione e l'unicità del
diritto, dimostrando così la tempestività e la pertinenza del tema di ricerca. Con il
rafforzamento di quanto precede, sfida alla magistratura la relativa funzione di conservazione
dei principi di certezza del diritto, l'uguaglianza della dignità umana e giurisdizionale, il tutto
inserito nella Costituzione. Giurisdizione nel tempo passato con il suo caratteristico dichiarare
solo la volontà della legge, destinata oggi per sensibilizzare al giudice di conformare l'intero
sistema legale dei diritti previsti dalla Costituzione, nell'esercizio della funzione di
aggiudicativo, applicando in tal modo la forza normativa del testo costituzionale. I giudici e le
corti supreme, in particolare la Corte Suprema, emplacam la missione salvifica di aiutare lo
Stato in questa procedura speciale e maturo di interpretazione delle leggi e la risoluzione delle
questioni di diritto che contribuiscono autorità giudiziarie. Le decisioni che danno senso,
l'unità e lo sviluppo di legge riguardano l'intera società, non solo le parti coinvolte nella
controversia. Lo studio di interpretazione giuridica e precedente giudiziario richiede
riflessioni critiche e pragmatiche, in modo che la ricerca trascende il dogmatismo del
positivismo classica, mettendo in evidenza una più appropriata interpretazione delle norme
giuridiche a nuovo e costante cambiamento sociale. Esso utilizza l'aspetto metodologico
legale dogmatico-comparativa, e in strumenti letteratura e documentari sollevato al caso
prove, la revisione, in modo che i principali lavori relativi al tema cercato.
Parole chiave: Ermeneutica - Precedenti giudiziari - Corte federale suprema
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
2 ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO ................................................................ 22
2.1 ESTADO DE DIREITO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: POSTULADOS
ESTRUTURANTES E CONFORMADORES DA ORDEM
JURÍDICO-CONSTITUCIONAL ............................................................................................ 24
2.2 O PROCESSO COMO MECANISMO DEMOCRÁTICO DE CONSTRUÇÃO E
LEGITIMIDADE DO DIREITO.............................................................................................. 33
2.3 SEGURANÇA JURÍDICA E ACESSO À JUSTIÇA COMO JUSTIFICATIVAS
PRINCIPIOLÓGICAS DO SISTEMA DE PRECEDENTES ................................................. 45
2.3.1 A Segurança: Necessidade da Ordem Jurídica e Respeito aos Precedentes ............ 47
2.3.2 A Garantia do Acesso à Justiça sob a Perspectiva da Efetividade dos Direitos ...... 51
3 A TEORIA GERAL DOS PRECEDENTES JUDICIAIS E SUAS
ESPECIFICIDADES .............................................................................................................. 62
3.1 AS TRADIÇÕES JURÍDICAS DO COMMON LAW E DO CIVIL LAW: DIÁLOGOS E
CONVERGÊNCIAS ................................................................................................................ 64
3.2 PRECEDENTES JUDICIAIS: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E EFICÁCIA .... 68
3.2.1 Conceito: Distinções Relevantes ................................................................................... 70
3.2.2 Natureza Jurídica .......................................................................................................... 75
3.2.3 Eficácia da Norma do Precedente ................................................................................ 78
3.3 A VINCULATIVIDADE DOS PRECEDENTES NO DIREITO COMPARADO ........... 82
3.4 FUNDAMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS AOS PRECEDENTES
OBRIGATÓRIOS .................................................................................................................... 91
3.4.1 Razões para Seguimento e Críticas .............................................................................. 91
3.4.2 Argumentos Contrários e Críticas ............................................................................... 96
4 O REGIME JURÍDICO DOS PRECEDENTES NO ORDENAMENTO
PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO ............................................................................... 100
4.1 OS DEVERES INSTITUCIONAIS DOS TRIBUNAIS: UNIFORMIZAÇÃO,
ESTABILIDADE, INTEGRIDADE E COERÊNCIA ........................................................... 102
4.2 OS PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NA DOGMÁTICA NACIONAL . 107
4.3 A DINÂMICA DAS TÉCNICAS DE UTILIZAÇÃO DOS PRECEDENTES NO
DIREITO BRASILEIRO ........................................................................................................ 121
5 OS PRECEDENTES NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
CONTEXTUALIZANDO O PROCEDIMENTO HERMENÊUTICO E APLICAÇÃO
EM PROL DA CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS ....................................................... 128
5.1 HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO: CAMINHOS METODOLÓGICOS PARA A
COMPREENSÃO DO DIREITO E ARGUMENTAÇÃO POR PRECEDENTES ............... 129
11
5.2 O STF COMO CORTE DE PRECEDENTES E GUARDIÃO DA ORDEM
CONSTITUCIONAL ............................................................................................................. 143
5.3 ASPECTOS RELEVANTES DE DECISÕES DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E
SUA APLICABILIDADE NA SEARA DO PROCESSO ..................................................... 148
5.3.1 O Controle de Constitucionalidade ...........................................................................148
5.3.2 Enunciados de Súmula Vinculante e Demais Súmulas em Matéria Constitucional
................................................................................................................................................ 153
5.3.3 Recursos Extraordinários Repetitivos ....................................................................... 156
5.3.4 Reclamação Constitucional ......................................................................................... 158
6 EXAME CRÍTICO DE PADRÕES DECISÓRIOS DO STF À LUZ DO DISCURSO
JURÍDICO ............................................................................................................................ 161
6.1 PAPEL DA JURISDIÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E REPERCUSSÃO FRENTE AOS
DESAFIOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ................................................ 168
6.2 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: CONTRIBUIÇÃO CRÍTICA A PARTIR DO
JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS Nº
126.292/SP..............................................................................................................................188
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 212
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 216
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1 INTRODUÇÃO
O escopo desta tese edifica-se a partir da compreensão basilar da sistematização do
processo hermenêutico e sua relação com o sistema de precedentes judiciais, demonstrando a
conduta do Supremo Tribunal Federal no tocante à interpretação, aplicação e unidade do
Direito, bem como o munus exercido no Estado Democrático de Direito.
Afirma-se que o tema proposto vem sendo tratado diuturnamente pela doutrina
processual e pelos operadores do direito, com a visão direcionada ao instrumentalismo do
processo, em detrimento da qualidade nas decisões judiciais proferidas.
A importância deste estudo advém do interesse de aprimorar o sistema jurídico
brasileiro, no intuito de reversão desse quadro atual de letargia jurídica, o que justifica a
originalidade deste escrito, à vista de como o problema jurisdicional é aqui pensado e
discutido, porquanto repercute direta e indiretamente na sociedade como um todo.
Verifica-se que o objeto deste escrito é relevante, tanto no viés prático como
intelectual, pois vivenciados trinta anos da Carta Magna brasileira, constata-se ainda a
tendência de fragmentarização do direito, espelhado na discricionariedade, no casuísmo e no
“decisionismo” dos tribunais, especialmente do STF, deixando à margem, por vezes, toda a
integridade jurisprudencial.
Aqui no Brasil, principalmente após a primeira década que seguiu à promulgação da
Constituição de 1988, e, também, o progressivo estágio de assimilação do processo
hermenêutico-constitucional do direito, o debate a respeito do papel do Poder Judiciário tem
sido tônica nas arenas jurídico-políticas, com o contínuo afastamento do passivismo judicial.
Muito se tem falado também, nos dias atuais, qual o perfil decisório que vem sido
seguido pela mais alta cúpula do país, no que tange ao discurso jurídico ali empregado. Se no
campo prescritivo, ela deve agir como um tribunal de teses ou atuar como uma corte de
resolução de casos concretos.
O certo é que no organograma constitucional brasileiro, o Supremo Tribunal Federal
cumpre três funções básicas: corte constitucional, instância recursal e órgão originário. Age
como corte na sua função de tribunal constitucional, especialmente no controle de
constitucionalidade de leis e atos normativos; como instância recursal, a partir de casos
concretos que ali aportam, quando provocado para apreciar pronunciamentos judiciais
prolatados por instâncias inferiores do Judiciário; e, também, como órgão originário, naquelas
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situações em que o STF funciona como corte de instância única em conflitos individuais, a
exemplo de causas movidas em face do Presidente da República.
Ter conhecimento sobre o que o Supremo Tribunal Federal decidiu e os fundamentos
utilizados na decisão constituem o primeiro passo para que o sistema de precedentes tenha
êxito no sistema jurídico brasileiro.
A sociedade tem cobrado incessantemente do Poder Judiciário, especialmente do STF,
a prestação jurisdicional mais condizente com a realidade social e também uniformidade e
previsibilidade em seu discurso, à luz do princípio da segurança jurídica e da efetividade dos
direitos fundamentais, a partir dos elementos éticos e morais que devem permear a
administração pública.
Entende-se o Direito como a resposta racional esperada, servindo como reprimenda a
toda violência da sociedade e os juízes não devem decidir, ao seu alvedrio, mas aplicando o
Direito, buscando-se a justiça no caso concreto. O intérprete deve estar atrelado à objetividade
do Direito, cumprindo a função que a constituição lhe prescreve, no controle de
constitucionalidade das leis e no campo do devido processo legal.
Como é sabido, o homem vive em sociedade e de igual modo não pode haver
sociedade sem o Direito. A vida em coletividade normalmente gera conflitos, em virtude da
constante ação de pessoas em relação às outras, consideradas membros dessa comunidade,
imprimindo um choque entre os interesses, motivado pela escassez de bens necessários à
satisfação das necessidades e pretensões de todos, gerando assim tais desavenças.
Os conflitos são oriundos de desigualdades sociais motivadas por problemas
históricos, políticos e econômicos. Essas lides tanto podem ser resolvidas por meios judiciais
(tutela jurisdicional) ou através de mecanismos extrajudiciais (como a mediação e a
conciliação).
O provir do Direito vem do fato social, porque não tem como ignorar as normas
jurídicas, ou seja, são elas que irão descartar ou reprimir qualquer ato do indivíduo contrário
ao convívio social. O que se percebe com esta afirmação é que as regras do Direito estão
atreladas à sociedade e vice-versa e essa interdependência é que manterá o equilíbrio entre os
conflitos e a ordem social.
Assim, desponta o Direito como instrumento de controle social e de regulação desses
conflitos, ordenando comportamentos e a vida em sociedade, por meio de seu sistema de
regras e princípios, protegendo e assegurando a liberdade do indivíduo, remetendo-a ao
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interesse coletivo. O Direito visa regulamentar as relações intersubjetivas, dando-lhes
segurança, estabilidade e previsibilidade.
Compete ao Poder Judiciário dar garantias e efetivar o respeito pleno aos direitos
humanos fundamentais, não podendo a lei excluir a apreciação de demandas por aquele,
ocorrendo lesão ou ameaça a direito. Destaca-se como relevante missão conferida ao Supremo
Tribunal Federal o controle de constitucionalidade das leis, garantindo-se a efetivação de
direitos fundamentais e uma vida digna.
No sistema brasileiro, é função primordial do Poder Judiciário dar interpretação à
constituição, uniformizando a sua aplicação em todo o país, especialmente por meio do STF.
O Supremo Tribunal Federal, com o fito de agir de forma adequada a alcançar a
unidade do direito, deve proceder à interpretação de forma lógico-argumentativa,
universalizável e coerente com os textos constitucionais.
A racionalidade do sistema é o motivo principal para uma teoria dos precedentes,
devendo o Supremo Tribunal Federal assumir a sua função de tribunal de interpretação, dando
sentido ao direito constitucional, tutelando-se a isonomia e a segurança jurídica. O que se
percebe na prática é o desvirtuamento desse munus, em algumas situações.
O processo brasileiro tem a responsabilidade de solucionar casos concretos por meio
de pronunciamento judicial justo para as partes, como também deve estar atento a promover a
unidade do direito com a criação de precedentes.
Posto isto, são levantadas como situações-problemas para este estudo reflexivo e de
produção teórica as seguintes formulações interrogativas: Qual o papel que tem
desempenhado o Supremo Tribunal Federal no Estado Democrático de Direito? O Supremo
tem-se preocupado com a implementação de teses jurídicas em suas decisões judiciais? As
decisões prolatadas pelo STF têm comprometido o processo hermenêutico de
individualização do Direito?
Buscando construir um campo de hipóteses que pudessem responder, a priori,
efetivamente aos questionamentos acima expostos, foram forjadas possibilidades de
conjecturas.
A primeira delas a ser testada no decurso deste trabalho é que, tomando como alicerce
reflexivo a geografia do “engessamento” do discurso judicial, identifica-se que a utilização de
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precedentes pode gerar um ordenamento jurídico de cunho interpretativo estático e desprovido
de legitimidade social.
Como segunda hipótese, vê-se a emissão de enunciados normativos com uma
instrumentalidade sem compromisso com a prática do direito e da justiça nos casos aportados
ao Judiciário.
A terceira hipótese, configurando-se como consequência da anterior, apresenta uma
possível incoerência nos julgamentos da corte suprema constitucional, restringindo-se a
isonomia, o acesso à justiça, a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais. A
argumentação por vezes utilizada dificulta a individualização do direito e a justiça, por
estabelecer regramentos amplos e abstratos como a lei.
A quarta hipótese formulada é que o perfil decisório da Suprema Corte tem passado
por contínua mudança comportamental, demonstrando preocupação não somente com análise
de pretensões recursais concretas, mas também com construção de teses jurídicas de
observância obrigatória pelas demais instâncias judiciárias, em circunstâncias semelhantes, de
forma a racionalizar a jurisdição.
Como quinta hipótese, o modelo de precedentes obrigatórios é imprescindível para
garantir o papel dos princípios jurídicos, enquadrados como espécie normativa, dentro da
concepção de um Estado democrático de direito constitucional.
Como última hipótese, pode-se asseverar que o acesso à justiça e a segurança jurídica
constituem-se garantias fundamentais imprescindíveis à efetivação da tutela jurisdicional e
para a materialização procedimental de uma vida digna no Estado Democrático de Direito.
Vale salientar que o objetivo geral deste campo investigativo e científico na seara
jurídica será o de compreender o território hermenêutico do Direito, refletindo sobre o
processo decisório no Supremo Tribunal Federal à luz dos precedentes judiciais ali criados.
Para que haja a efetiva compreensão, com clara conjectura reflexiva do objeto de
estudo, serão perseguidos os seguintes objetivos específicos no processo de construção textual
desta tese: 1) Refletir sobre o Estado Constitucional de Direito; 2) Revisitar a teoria dos
precedentes judiciais, no que diz respeito às tradições jurídicas, à funcionalidade no direito
comparado e suas especificidades; 3) Analisar o regime jurídico dos precedentes no
ordenamento processual civil brasileiro; 4) Demonstrar o processo de aplicação dos
precedentes no Supremo Tribunal Federal em prol da consolidação de direitos; e 5) Selecionar
e proceder ao exame crítico de decisões do STF à luz do discurso jurídico.
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O presente trabalho tem também por finalidade contribuir de alguma forma para o
debate sobre a teoria geral dos precedentes, mostrando os pontos mais relevantes do tema e
direcionando uma compreensão adequada sobre os pronunciamentos vinculantes descritos no
ordenamento jurídico pátrio.
Preocupa-se também a pesquisa em fazer um diagnóstico sobre a arbitrária e
discricionária promoção de juízos de valor na criação de precedentes pelos tribunais,
notadamente a sua aplicação pelo STF, o qual deve dar exemplo na construção de processo
hermenêutico e jurisprudencial forte e delineado pela legalidade. O que algumas vezes não
acontece, envolvendo-se a corte constitucional em questões políticas, com brigas internas
entre seus ministros, aflorando-se o ego de alguns e esquecendo-se do papel fundamental de
dar unicidade ao Direito e coerência aos seus julgados.
Justifica-se o presente estudo com o entendimento da sistemática do processo
hermenêutico, a partir do discurso jurídico protagonizado nas decisões do STF no que tange à
interpretação, à aplicação e à unidade do Direito, com a formulação de precedentes em alguns
momentos sem nenhum critério formal ou racionalidade jurídica na construção de teses, o que
pode causar o enrijecimento exacerbado da atividade interpretativa em questões
constitucionais.
No arcabouço da fundamentação teórica, a partir do diálogo do entendimento de
autores e obras referenciados nesta tese sobre a temática aqui abordada, fora utilizado o
paradigma do neoprocessualismo, em que o acesso à justiça passa a ser compreendido,
interpretado e aplicado com base na ótica substancial e axiológica dos direitos fundamentais,
positivados em tratados internacionais e nas constituições.
Surge, com isso, o direito de ação, que é a faculdade de provocar a atividade
jurisdicional. Nessa ótica, a ação consiste em verdadeiro direito fundamental, de cunho
abstrato, com notável amplitude e complexidade, donde derivam muitos outros direitos.
Entende-se o princípio do acesso à justiça como elemento conformador na efetividade dos
direitos fundamentais, onde todos os cidadãos podem efetivamente fazer valer seus direitos.
Não se entende a jurisdição num viés que não observe a sua dinâmica processual,
porquanto o êxito da tarefa de julgar é ligado inteiramente ao meio instrumental com o qual
lida, ou seja, à técnica processual e procedimental, à estrutura fática, à atuação dos auxiliares
do juízo e ao comportamento do magistrado.
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Nesse contexto, a hermenêutica jurídica é uma disciplina de real importância e
interessa àqueles que se proponham a entrar no mundo do Direito, uma vez que a aplicação
das normas jurídicas não prescinde de interpretação.
Trata-se de ciência que estabelece as regras e os métodos que servirão de uso na
interpretação da norma, objetivando determinar-lhe o sentido real esperado pelo ordenamento
jurídico em que se encontra incluída tal norma jurídica. Trazer à discussão precedentes,
jurisprudência e decisões judiciais é reportar-se ao âmbito da questão hermenêutica.
No mundo jurídico, hermenêutica e interpretação são exemplos de entrelaçamento
entre aplicações e princípios. Enquanto que a hermenêutica tem base teórica e constitui
princípios, mecanismos, preceitos, informação geral, a interpretação é prática, aplicando tais
orientações. Não são semelhantes tais conceitos, apesar de muito frequente o uso
indiscriminado de ambos. A interpretação utiliza-se de ensinamentos hermenêuticos. A
hermenêutica tem como foco o estudo e a sistematização de critérios aplicáveis na
interpretação de regras legais.
Assim, cabe ao juiz utilizar-se de raciocínio coerente e sistemático no procedimento
hermenêutico, inspirado no ideal de justiça recepcionado pelo texto constitucional.
A norma é consequência da interpretação. A definição da norma de decisão no caso
sub judice fica a cargo do magistrado. A realização do direito é operacionalizada em duas
etapas: o viés interpretativo do texto até a norma jurídica e o segundo momento partindo da
norma jurídica até chegar a norma de decisão solucionadora do caso, utilizando-se dos
critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, com a prudência que o caso requer e atento
às consequências daí advindas.
Cumpre também abordar a clássica distinção entre texto e norma, uma vez que se verá
que interpretar é compreender o significado da norma jurídica vertida em um texto. Daí que
definir um e outro torna-se relevante à sistematização das ideias aqui apresentadas.
O juiz brasileiro, de primeira instância, ao resolver os casos concretos, tem o poder de
não aplicar a lei que está em desconformidade com a constituição, na sua função de controle
de constitucionalidade. A última e definitiva palavra cabe ao Supremo Tribunal Federal,
guardião dos ditames constitucionais. Isso o diferencia de muitos países da Europa
Continental, em que tal atribuição não é conferida ao juiz ordinário.
Vê-se ainda que o Poder Judiciário, a exemplo do STF, transforma-se, por vezes, em
um produtor de insegurança jurídica, emitindo normas jurídicas na forma de precedentes, sem
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a interpretação correta da norma e do fato, ficando ao sabor do momento político vivenciado
pelo país, com perda da credibilidade junto aos jurisdicionados, alterando seus precedentes
sem fundamentação plausível, incorrendo em desrespeito à isonomia, à coerência, à
integridade e à uniformidade na interpretação do direito.
Afirma-se que com o neoconstitucionalismo e com a atividade do juiz por meio de
efetivação das regras abertas originou-se o modelo de magistrado mais atento ao controle de
constitucionalidade das leis e à concretização de direitos.
O princípio da legalidade, antes de fundamentação apenas formal, passa a ter
configuração material, com aderência ao conteúdo da legislação. A lei deve ser aplicada em
conformidade com os direitos fundamentais. Essa função exercitada pelo juiz muito se
confunde com o modelo do julgador da tradição do common law, a exemplo do direito
estadunidense e inglês.
Necessário entender que a segurança jurídica, muito forte no civil law por conta da
estrita aplicabilidade da lei, não tem como se afastar do sistema de precedentes, onde casos
iguais devem ser julgados do mesmo modo, dando racionalidade ao direito. Esse sistema não
é restrito ao desenvolvimento do direito do common law.
Não se nega aqui que um dos avanços do Código de Processo Civil/2015 vem a ser o
encadeamento dogmático de um sistema de precedentes obrigatórios. A igualdade, a coesão, a
segurança jurídica e a previsibilidade dos decisórios jurisdicionais revelam as principais
motivações para a implementação desse sistema.
Decidir tendo como baliza os precedentes judiciais traz para o julgador carga maior de
atenção e responsabilidade, exigindo apreciação criteriosa dos fatos e da questão de direito,
objeto do caso atual e sua correspondência com o processo anterior.
A Constituição Federal de 1988 deu proteção especial aos direitos, ao afirmar que as
normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata (art. 5º,
parágrafo 1º), inserindo-os também como cláusulas pétreas (art. 60, parágrafo 4º, IV),
protegendo-os do legislador ordinário e do poder constituinte derivado. Por outro lado, o
artigo 5º, parágrafo 2º, permite outros direitos, mesmo que não expressamente previstos na
CF, também considerados fundamentais, tratando-se, pois, de cláusula aberta.
Cumpre distinguir direitos fundamentais e direitos humanos. Aqueles se referem aos
direitos da pessoa, reconhecidos juridicamente no âmbito do Direito Constitucional de um
19
Estado, ao tempo em que estes tem relação direta com os documentos de Direito
Internacional.
Nesse sentido, traz-se à tona o princípio da dignidade da pessoa humana, tratando-se
de um núcleo ao redor do qual são atraídos os direitos. Essa dignidade é protegida pela
Constituição Federal de 1988, por meio dos direitos fundamentais, conferindo sistematização
a esses interesses. Trata-se de valor constitucional supremo, considerado o centro axiológico
da Carta Magna.
No caso brasileiro, esse princípio encontra-se assentado no artigo 1º, inciso III, da
Constituição Federal, sendo alçado a fundamento da República. Tem-se, assim, um
compromisso formalmente assentado na constituição. Nos casos de lesão a deveres e direitos
advindos da dignidade da pessoa humana, verificar-se-á a situação concreta de atuação dos
órgãos jurisdicionais, visando assegurar o cumprimento desse vetor constitucional.
O precedente constitui decisão judicial, prolatada em um processo prévio, que servirá
como alicerce para formação de outro pronunciamento jurisdicional, que vem a ser
posteriormente proferido.
A resposta estatal deve transcender o caso particular, devendo gerar efeitos normativos
para frente em casos análogos. Deve proporcionar conteúdo com a característica de
universalização e de especificação da regra jurídica.
Ressalta-se o aspecto caracterizador do precedente, de roupagem grandemente
coercitiva, extraindo-se daí o stare decisis, dando a conotação de que a decisão antecedente
cria o direito, impondo aos juízes a obrigação de conduzir-se, nos casos posteriores,
observando os julgamentos já prolatados em situações pretéritas parecidas.
Tem-se assim que o precedente não deve ser entendido como norma pronta e
completa, que pode resolver vários casos por simples silogismo. Ele não se basta em si,
podendo ser interpretado, por maior que seja sua objetividade, tendo-se o cuidado de evitar
uma criatividade jurisdicional sem limites, a fim de não comprometer a racionalidade do
sistema jurídico.
Percebe-se que o Poder Judiciário brasileiro tem demonstrado preocupação pela
resolução mais célere e eficaz das demandas levadas a ele e a utilização de precedentes pode
possibilitar esse desenvolvimento, oferecendo tratamento isonômico para as partes
processuais em situações semelhantes, no que tange aos fatos principais.
20
Assim sendo, os caminhos teóricos serão percorridos pelo pesquisador para encontrar
as soluções das perguntas levantadas na formulação do problema, com respeito aos
pensamentos divergentes.
No que se refere ao plano de trabalho, esta tese foi fracionada em cinco partes.
Apresentar-se-á no capítulo 2 o desenvolvimento de algumas reflexões sobre o Estado
Constitucional de Direito, com a análise da dignidade da pessoa humana, do processo judicial
como meio democrático e legítimo e dos princípios da segurança jurídica e do acesso à
justiça, estes últimos como razões essenciais para o sistema de precedentes.
No capítulo 3, travar-se-á discussão sobre a teoria geral dos precedentes judiciais, sua
relação com as tradições jurídicas do common law e do civil law, conceito, natureza jurídica e
eficácia, observância no direito comparado, além de tecer críticas sobre razões favoráveis e
contrárias aos precedentes obrigatórios.
No capítulo 4, demonstrar-se-á a dinâmica do precedente no ordenamento jurídico
brasileiro, trazendo ao contexto os deveres institucionais dos tribunais, o rol de decisões
vinculantes e as técnicas de utilização aqui vivenciadas.
No capítulo 5, o trabalho tratará de contextualizar o procedimento hermenêutico e
aplicação de precedentes no Supremo Tribunal Federal, fazendo um estudo sobre o controle
de constitucionalidade, súmulas vinculantes e demais enunciados sumulares, recursos
extraordinários repetitivos e a reclamação constitucional.
Por final, no capítulo 6, proceder-se-á à criticidade de alguns decisórios do Supremo
Tribunal Federal, seu papel jurisdicional e como tribunal ativista frente aos novos desafios
sociais, elegendo-se como decisão inicial paradigmática a contida no julgamento do HC nº
126.292/SP, que trata da execução provisória da pena e presunção de inocência, no que tange
especialmente ao discurso jurídico ali empregado, se coerente ou não.
Vale ressaltar que esse julgado não fora escolhido pela importância ou repercussão na
sociedade. Serve apenas para demonstrar as linhas argumentativas decisórias do STF, em
casos difíceis e o diálogo com as decisões anteriores ali prolatadas.
O HC nº 126.292/SP e outros decisórios posteriores sobre a mesma matéria refletem o
ativismo forte do tribunal, tanto no que se refere à influência da decisão do Supremo na
interpretação da lei, com a formação de precedentes e uso dos métodos hermenêuticos, quanto
à efervescência desses pronunciamentos na mídia e nas instâncias ordinárias.
21
De outro ponto, a generalidade das situações que rodeiam as relações sociais na
atualidade exige um comportamento flexível do pesquisador a respeito do raciocínio ou
método de pesquisa empregado.
Na construção da adequação metodológica da presente tese utilizou-se como método
de abordagem o hipotético-dedutivo, que parte de um problema, ao qual se oferece uma
espécie de solução provisória (hipótese), e, com base na teoria-tentativa, passa-se a criticar a
solução previamente colocada, buscando expurgar o equívoco.
Por sua vez, o método de procedimento foi o jurídico-comparativo, pois foram
identificadas similitudes e diferenças da temática proposta em dois ou mais sistemas jurídicos.
Não apenas se exporá o problema, mas desenvolverá a pesquisa compreensiva e calcada no
estudo comparado.
Realizou-se uma pesquisa exploratória, que utiliza o levantamento bibliográfico e a
análise de exemplos como facilitadores da compreensão do tema. Ademais, empregou-se a
pesquisa documental, desenvolvida com base em materiais que ainda não receberam
tratamento analítico, bem como por intermédio de elementos já elaborados, como livros,
artigos científicos, publicações periódicas e impressos diversos.
22
2 ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO
O tempo atual vem sendo nutrido por várias transformações sociais. Por consequência,
o Direito tem vivenciado grave crise que o impede de desincumbir-se de sua função de
proporcionar justiça e segurança jurídica às relações.
Destarte, a sociedade está experimentando novo Direito Constitucional, chamado de
neoconstitucionalismo.1 No plano teórico, esse fenômeno reconhece a constituição como
instrumento que tem força normativa própria, expandindo-se a medida da jurisdição
constitucional por meio de hermenêutica apropriada às novas exigências processuais.
Com isso, os juízes deixaram de ser meros aplicadores das leis e passaram também a
ser fonte de criação do direito. Nesse pensamento, os magistrados, como intérpretes do texto
constitucional, tornam efetivos os direitos fundamentais nele inseridos.
Revela-se o neoconstitucionalismo como nova forma de compreensão da realidade,
justificando a alteração do paradigma, de Estado Legislativo para um Estado Constitucional
de Direito, trazendo a constituição para o centro do sistema jurídico, com força vinculante e
caráter de obrigatoriedade, com supremacia no ordenamento jurídico e grande força
valorativa.2
No cenário brasileiro, a partir do texto constitucional de 1988, a constitucionalização
do direito tem visibilidade real, onde as normas constitucionais e seus valores (principalmente
os relacionados à implementação do acesso à justiça, da dignidade da pessoa humana e dos
direitos humanos fundamentais) são argumentos utilizados para a interpretação e aplicação do
Direito como um todo, fazendo parte da decisão jurisdicional, seja em processos envolvendo
conflitos menos complexos, como também em grandes lides.
Como ressalta Lênio Luiz Streck, o Direito (e, por óbvio, a constituição como sua
expressão máxima) deve ser visto hoje como campo necessário de luta para implantação das
1 Segundo Eduardo Cambi, neoconstitucionalismo é um movimento que sugere uma nova metodologia jurídica
atrelada “à realização do Estado Democrático de Direito, por intermédio da efetivação dos direitos fundamentais
de todos.” (CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas
públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Almedina, 2016, p. 28). 2 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. ampl. e atualizada. Salvador: Jus
Podivm, 2011, p. 40.
23
promessas modernas (igualdade, justiça social, respeito aos direitos fundamentais, dentre
outras).3
Vê-se, concordando com o autor ora citado, que o conteúdo da constituição brasileira
de 1988 perfaz-se no resgate das promessas da modernidade, dando-se relevo à eficácia e
aplicabilidade das normas que instituem os direitos sociais, econômicos e culturais.
Os princípios assumem lugar de destaque, pois são normas que possuem grau amplo
de abstração e generalidade, que informam as ideias e valores fundamentais encontrados por
todo o ordenamento jurídico.
Eduardo Cambi4 explica que a Constituição
[...] deve ser concebida não como um conjunto fechado e estático de normas
jurídicas, mas como um processo público aberto e evolutivo. Tal abertura do sistema
constitucional, provocada pelos valores e princípios jurídicos, exige um novo
raciocínio jurídico, de maior justificação, não sendo suficiente argumentar com a
autoridade do órgão que emana a regra nem com a observância formal do
procedimento legal, sendo imprescindível examinar e valorar os conteúdos
substanciais que suportam as normas jurídicas.
Assiste razão a Cambi, pois o processo civil moderno exige nova teorização da norma,
com o entrelaçamento das regras e princípios, por meio da interpretação do direito não
automática e mecânica, nem arbitrária, devendo deixar claro os motivos determinantes da
decisão judicial, de forma que haja clareza para toda a comunidade jurídica.
Os operadores jurídicos (juízes, promotores, defensores, advogados) devem fazer
cumprir a legislação processual civil, a qual determina que o processo, como instrumento de
materialização da jurisdição, tem que seguir o seu procedimento, sua disciplina e sua
interpretação em conformidade com as normas fundamentais prescritas na Carta Magna,
promovendo eficiência e eficácia ao sistema.
Para este estudo, numa perspectiva filosófico-jurídica, são desvelados os dois
princípios que sustentam o balizamento lógico da análise dos fundamentos da ordem
jurídico-constitucional - o Estado de Direito e a Dignidade Humana – ambos com eficácia
normativa vinculante e de aplicabilidade imediata.
3 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma Nova Crítica do Direito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 29. 4 CAMBI, Eduardo. 2016, op. cit., p. 113.
24
2.1 ESTADO DE DIREITO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: POSTULADOS
ESTRUTURANTES E CONFORMADORES DA ORDEM
JURÍDICO-CONSTITUCIONAL
O primeiro princípio, o Estado de Direito, tal como consagrado na CF (Art. 1º), é,
portanto, sempre, um Estado Constitucional e um Estado Democrático de Direito,
fundamentando o constitucionalismo contemporâneo, o qual tem o objetivo de concretizar os
postulados da democracia, que tem como base a soberania popular.
Cabe aqui inserir a lição de Gomes Canotilho, que também se aplica ao ordenamento
brasileiro, na ideia de que o princípio do Estado de Direito é “um princípio constitutivo, de
natureza material, procedimental e formal [...] que visa dar resposta ao problema do conteúdo,
extensão e modo de proceder da atividade do Estado”5.
Entende-se o Estado de Direito pela submissão do poder estatal ao ordenamento
jurídico vigente, objetivando-se promover a segurança jurídica aos cidadãos.
Há uma relação direta com o princípio da legalidade, destacando-se o papel da lei, não
somente por sua formalidade de ato abstrato e com caráter de generalidade e força obrigatória,
mas também por sua conduta de influenciar na transformação da sociedade e na realização
dos valores morais e éticos do ser humano, com conteúdo submetido à constituição, para ser
considerada válida.
Ingo Sarlet sublinha que o “Estado de Direito o é tanto em sentido formal quanto
material, já que os dois esteios se fazem indispensáveis e se complementam e reforçam
mutuamente”6.
Para esse autor,
O Estado formal de Direito (ou em sentido formal) já se configura mediante a
previsão e garantia de uma divisão (separação) de poderes, a legalidade da
administração pública, a garantia de acesso à justiça e independência judicial no
plano do controle dos atos administrativos, bem como a pretensão por parte do
particular de ser indenizado quando de uma intervenção estatal indevida no âmbito
de sua esfera patrimonial.
[…] Por outro lado, a noção de Estado material de Direito (ou em sentido material)
exige que a legalidade esteja orientada (e vinculada) por parâmetros materiais
superiores e que informam a ordem jurídica e a ação estatal, papel que é exercido
5 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra:
Almedina, 1999, p. 243. 6 SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 4. ed.
ampl., incluindo novo capítulo sobre princípios fundamentais – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 272.
25
por princípios jurídicos gerais e estruturantes e pela vinculação do poder público
(dos agentes e dos seus atos) a um conjunto de direitos e garantias fundamentais.7
O contemporâneo Estado de Direito tem relação direta com o Estado de Direitos
Fundamentais, servindo este como parâmetro principal de validade do ordenamento jurídico
em sua totalidade.
Posto isto, cabe aqui citar como norteadores deste estudo os elementos que integram e
qualificam o Estado de Direito segundo o autor acima:
O primado do Direito [...]; reconhecimento e proteção de direitos e garantias
fundamentais[...]; o princípio da separação de poderes [...]; o princípio geral da
segurança jurídica [...]; a responsabilidade do Estado [...]; a garantia da proteção
judiciária (acesso à justiça efetiva) [...]8
O primado do Direito constitui-se na convivência e articulação dos princípios da
constitucionalidade e da legalidade (incluindo a reserva legal), onde o legislador ordinário
deve respeitar os ditames constitucionais. Os poderes Executivo e Judiciário, ao interpretar e
aplicar as leis, devem conformá-las com a constituição.
Já o reconhecimento e proteção de direitos e garantias fundamentais dizem respeito à
dicção do Estado de Direito como Estado material de Direito nas suas diferentes concepções,
especialmente como social e democrático, podendo ser exigidos prestações positivas em face
do ente estatal. Tem-se em relevo a garantia dos direitos fundamentais, proporcionando aos
cidadãos o direito subjetivo de acionarem o Poder Judiciário, quando se sentirem lesados ou
ameaçados em seus interesses.
No que alude ao princípio da separação de poderes o jurista faz referência ao fato de
que
[…] Os três poderes (órgãos e funções) estatais se caracterizam por uma atuação
conjunta e voltada à consecução dos objetivos constitucionais, atuação que se dá de
forma desconcentrada, racional e juridicamente limitada por esferas de competência
próprias e mecanismos de controle recíprocos.9
Vê-se, assim, uma distribuição de funções entre os três Poderes estatais (Executivo,
Legislativo e Judiciário), aliado ao fato de que o poder é uno e indivisível, não existindo
7 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 272. 8 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 273-280. 9 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 276.
26
hierarquia funcional entre eles, com as competências estabelecidas na constituição,
exercendo-as de forma conjunta, racional e em controle recíproco e limitado pela lei.
Sobre o princípio geral da segurança jurídica, conquanto não esteja taxado de forma
explícita na constituição, é mister externar que ele constitui elemento relevante ao
entendimento da própria concepção de Estado de Direito, assumindo a dupla condição de
direito e garantia fundamental, prevendo estabilidade ao ordenamento jurídico e
relacionando-se diretamente com o princípio democrático, do Estado social, da divisão de
poderes, da igualdade, da liberdade e da própria dignidade da pessoa humana. Por conta disso,
será adiante visto de forma mais detalhada.
Com referência ao elemento da responsabilidade do Estado, o que pode ser dito a
priori é que ele se afigura como peculiaridade essencial ao Estado de Direito, tendo em vista
que essa característica impõe a existência de sistema jurídico-público de responsabilidade
estatal, mas da mesma forma,
[…] implicando um dever de reparação dos prejuízos causados pelos órgãos estatais
[...], mas também um dever de indenização de determinados sacrifícios impostos aos
cidadãos, como é o caso da previsão de uma indenização justa por conta de
expropriações levadas a efeito pelo poder público.10
O Estado e seus agentes públicos devem ser responsabilizados por seus atos, sejam
eles omissivos ou comissivos, que venham a afetar o patrimônio e posições jurídicas de
vantagem dos cidadãos, tendo, em regra, responsabilidade objetiva, com fundamento no artigo
37, par. 6º, da CF e em legislação infraconstitucional.
Conforme posicionamento predominante na doutrina e em precedentes judiciais, essa
responsabilidade objetiva estatal exige a comprovação de três pressupostos: ação ou omissão
pública, prejuízo a terceiros e a relação de causalidade entre a conduta e o dano causado.
Quanto ao elemento da garantia da proteção judiciária (acesso à justiça) do
jurisdicionado, pode-se afirmar que representa um dos pilares e imposições centrais do Estado
Democrático de Direito, no que concerne ao acesso ao Judiciário e também ao respeito às
garantias constitucionais e processuais, a exemplo do devido processo legal, do contraditório
e da ampla defesa, da publicidade e da motivação dos atos processuais.
10 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. 1999, op. cit., p. 278.
27
Como fundamentação teórica para o desvelamento do que seja essa garantia é
oportuno trazer à discussão o excerto analítico exposto por Ingo Sarlet ao afirmar que
“o Estado de Direito não deve, portanto, limitar-se a ser um Estado que reconhece um sistema
de direitos fundamentais, como de ser um Estado no âmbito do qual os direitos são efetivos
inclusive em face e contra o próprio poder estatal”11.
O segundo alicerce lógico da análise dos fundamentos da ordem constitucional pátria é
a Dignidade da Pessoa Humana, que se encontra positivada no art. 1º, inciso III, da Carta
Magna12.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, do ano de 1948, no seu
preâmbulo, reconheceu a dignidade relativa a todo o ser humano com fulcro na liberdade, na
justiça e na paz mundial, descrevendo em seu art. 1º que “Todas as pessoas nascem livres e
iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação
umas às outras com espírito de fraternidade”. Trata-se assim de escrito histórico, servindo de
alicerce aos direitos humanos.
Verifica-se que as constituições não descrevem o conteúdo da dignidade nem
informam seu campo de proteção jurídica. Cabem à doutrina e à jurisprudência definirem as
bases do conceito jurídico de dignidade, sem o interesse de fazê-lo em definitivo, dado
tratar-se de instituto de densidade aberta.
A dignidade humana, a partir da influência do pós-positivismo, tornou-se modelo de
justiça material, sendo invocada pelos cidadãos de forma concreta nas ações que chegam ao
Judiciário, sob o manto de se buscar o direito justo, sendo norma que embasa o
reconhecimento de direitos humanos fundamentais.
Sobre esse assunto, Ricardo Maurício13 assim se pronuncia:
[...] o princípio ético-jurídico da dignidade da pessoa humana importa o
reconhecimento e a tutela de um espaço de integridade físico-moral a ser assegurado
a todas as pessoas por sua existência ontológica no mundo, relacionando-se tanto
com a manutenção das condições materiais de subsistência como com a preservação
dos valores espirituais de um indivíduo que sente, pensa e interage com o universo
circundante.
11 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 279. 12 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 08 fev. 2018. O artigo
1º, inciso III, assim preceitua: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...];
III – a dignidade da pessoa humana; [...]”. 13 SOARES, Ricardo Maurício Freire. Elementos de teoria geral do direito. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 246.
28
Pode-se dizer que se trata de reconhecer a todos os seres humanos alguns direitos
básicos – justamente os direitos considerados fundamentais, propiciando-lhes as condições
materiais mínimas para uma vida digna. Ressalta-se que a comunidade que acolhe os direitos
oriundos da dignidade humana revela-se uma sociedade que se nutre da justiça como valor.
Para Edilsom Pereira de Farias, “o princípio fundamental da dignidade da pessoa
humana cumpre um relevante papel na arquitetura constitucional: ele constitui a fonte
jurídico-positiva dos direitos fundamentais”14.
Essa proposição justifica a concretização dos direitos fundamentais elencados na
Constituição brasileira, que a partir de sua incorporação ao sistema jurídico constitucional,
sob o atributo de princípio estruturante e de critério interpretativo, dá unidade e coerência a
esses direitos, com a pretensão de concretude e eficácia.
Aqui se recorre à afirmação de Flademir Martins, para quem “o princípio da dignidade
da pessoa humana constitui a base, o alicerce, o fundamento da República e do Estado
Democrático de Direito por ela instituído”15.
A partir do texto da CF de 1988, nos âmbitos político-social e econômico-jurídico,
passou-se a entender como prioridade do Estado Constitucional o ser humano, em todas as
suas dimensões, como gênese de estímulo criativo e objetivo da administração pública. A
existência do Estado se corporifica em função da pessoa humana, a qual representa o fim
principal da atuação estatal.
É necessário salientar que a positivação da dignidade da pessoa humana, como
fundamento da República, e o rol exemplificativo de direitos fundamentais previstos na
Constituição brasileira não evidenciam, por si só, mera concessão do legislador constituinte,
mas sim realça a responsabilidade estatal de servir-se como instrumento para garantia desses
mesmos direitos, individual e coletivamente apresentados.
Kant16 afirma que todo indivíduo deve dispor de sua humanidade, tanto em favor de
sua própria pessoa, como direcionada à pessoa do outro, sempre como fim em si mesma e
nunca como meio, respeitando-o em sua dignidade. Ela é referenciada como valor
incondicional, sem comparação, centrada na autonomia da vontade.
14 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a
liberdade de expressão e informação. 3. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2008, p. 63. 15 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental. 1. ed. (ano 2003), 7. reimpr. Curitiba: Juruá, 2012, p. 71-72. 16 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. De Paulo Quintela. Lisboa: Edições
70, 2005, p. 69.
29
No entanto, Schopenhauer17 já proclamava, ironizando a ideia kantiana, justificando
que é vazia de sentido:
Esta expressão, dignidade humana, usada por Kant, tornou-se desde então o
lenga-lenga de todos os moralistas perplexos e cabeças-ocas, que escondem por trás
desta imponente expressão a sua incapacidade de estabelecer alguma base real para a
moral, ou de uma que faça algum sentido. Eles contam astuciosamente com o fato de
que seus leitores vão ficar contentes de se verem investidos nesta dignidade, e por
isso se darão por satisfeitos.
Nesse ínterim, cabe destacar aqui a importante tarefa desempenhada pelo princípio da
dignidade da pessoa humana, que deve proporcionar proteção integral ao ser humano,
tutelando direitos e liberdades, garantindo-se as necessidades materiais básicas para uma vida
digna.
O Direito e o Estado somente têm razão de ser se agirem em função da pessoa, e não o
inverso. Isso se refere a qualquer pessoa, independentemente de seu padrão social, ou de atos
que tenha praticado. Todos têm semelhante dignidade, são sujeitos capazes de tomarem
decisões e também de assumirem responsabilidades sociais.
O princípio da dignidade da pessoa humana foi referenciado na doutrina brasileira
como o “coração do patrimônio jurídico-moral da pessoa humana”18 e como a “norma das
normas dos direitos fundamentais”19.
Perfilha-se com a pragmática ideia de que o princípio da dignidade da pessoa humana
deve atuar como critério informador, numa situação real, em que ocorre a colisão de um
princípio fundamental com outros princípios também considerados essenciais.
Como realçou Habermas20, a dignidade da pessoa humana “forma algo como o portal
por meio do qual o conteúdo igualitário-universalista da moral é importado ao direito”.
Com isso, ao se interpretar esse princípio, deve-se ter em conta também a moral, que
servirá de norte para levar o intérprete a encontrar a solução mais justa entre as possibilidades
textuais e presentes no sistema jurídico.
17 SCHOPENHAUER, Arthur. On the Basis of Morality. Indianapolis: Hackett, 1965, p. 100. 18 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Revista
de Interesse Público, n. 4, 1999, p. 32. 19 BONAVIDES, Paulo. Prefácio. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa) humana e direitos
fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10ª ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2015, p. 18. 20 HABERMAS, Jürgen. O conceito de dignidade humana e a utopia realista dos direitos humanos. In:
_________. Sobre a constituição da Europa. Trad. Luis Werle, Luiz Repa e Rúrion Melo. São Paulo: Ed.
UNESP, 2012, p.17.
30
Colaciona-se o conceito de dignidade da pessoa humana, com traço multidimensional,
tessitura aberta e com caráter inclusivo:
Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e
distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito
e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as
condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência
e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito
aos demais seres que integram a rede da vida.21
A dignidade da pessoa humana reflete em si a integralidade de valores físicos e morais
que é resguardada a todo o indivíduo por estar no mundo, devendo ser tratado de igual forma
com respeito e consideração, livre de qualquer tentativa de aliciamento ou de ser concebido
como coisa no cenário social.
No que se refere à natureza jurídica da dignidade da pessoa humana, o constituinte
brasileiro enquadrou-a como princípio jurídico fundamental, deslocando-a do rol dos direitos
fundamentais, conferindo direitos subjetivos negativos (não violação da dignidade) e
positivos (promoção e proteção da dignidade), inclusive com conteúdo prestacional diante do
Estado. Foi a primeira vez que o texto constitucional brasileiro tratou desse paradigma,
constituindo o pressuposto essencial para legitimar a ordem jurídica.
Vale dizer que não é somente obrigação do Estado promover medidas de proteção e
respeito a esse princípio, mas também contempla todas as organizações privadas, os
particulares e a sociedade em geral. O dever de cuidado imposto pelo ordenamento
jurídico-positivo envolve inclusive a proteção do indivíduo em face de si mesmo, que atenta
contra sua própria dignidade, por motivos diversos.
Nesse viés, Pérez Luño22 explica: “a dignidade da pessoa humana constitui não apenas
a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas ou humilhações, mas implica,
também, num sentido positivo, o pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo”.
Ficou clara a intenção do constituinte de conferir aos princípios fundamentais a
natureza de normas matrizes e informadoras de todo o sistema constitucional, principalmente
21 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa) humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 10ª ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015, p. 70-71. 22 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Derechos Humanos, Estado de Decrecho y Constitución. 5ª ed. Madrid:
Tecnos, 1995, p. 318.
31
em relação às normas que definem os direitos e garantias fundamentais, que de igual forma
formam o núcleo principal da Constituição Federal de 1988.
Convém discorrer que em outros capítulos da Lei Fundamental a dignidade da pessoa
humana foi ventilada, dispensando-se atenção especial pelo legislador nos artigos 170, caput
(a ordem econômica tem por objetivo garantir a todos uma vida digna); 226, par. 7º (fixou o
planejamento familiar nos postulados da dignidade e da paternidade responsável); 227, caput
(resguardou à criança e ao adolescente esse direito) e, por último, no art. 230 (quando tratou
do direito dos idosos em ser amparados, com a defesa de sua dignidade e bem-estar social).
Como bem acentuou Jorge Miranda23, a constituição, ante a sua natureza
compromissária, dispõe de uma lógica de sentido, de importância e de conformidade prática
aos direitos fundamentais, que, por consequência, a partir do princípio da dignidade humana,
concebe o ser humano como fundamento e finalidade do Estado e da comunidade em geral.
Há interdependência envolvendo a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos
fundamentais, uma vez que é por meio desses direitos internamente considerados que a
dignidade encontra-se garantida.
Para Luhmann24, da mesma forma que a liberdade, a pessoa consegue sua dignidade
por meio de uma conduta autodeterminada e da formação exitosa da sua respectiva
identidade.
Segundo esse autor, as concepções de liberdade e dignidade representam
condicionantes essenciais para a autorrepresentação humana como pessoa individualmente
considerada, processando-se no contexto da sociedade.
Nessa toada, ressalta-se a importância da tutela jurídica estatal por meio do processo,
buscando-se a real concretude dos direitos fincados no ordenamento jurídico, atentando para a
eficácia das normas fundamentais da processualística pátria.
De outro ângulo, pode-se afirmar que os decisórios que não observam precedentes
sólidos dos tribunais superiores ocasionam de alguma forma restrições diretas ao princípio da
dignidade da pessoa humana. Fala-se de ofensa direta quando a decisão não acolhe o
precedente e não observa os pressupostos necessários para esse mister ou então quando não
23 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3ª ed, vol. IV. Coimbra: Coimbra Editora, 2000,
p. 180. 24 LUHMANN, Niklas. Grundrechte als institution. 2ª ed. Berlim: Duncker e Humblot, 1974, p. 60.
32
procede corretamente a modulação dos efeitos da decisão posterior, com repercussão negativa
na índole desse princípio.
33
2.2 O PROCESSO COMO MECANISMO DEMOCRÁTICO DE CONSTRUÇÃO E
LEGITIMIDADE DO DIREITO
É sabido que até a Segunda grande Guerra Mundial a teoria jurídica era influenciada
pelo Estado Legislativo de Direito, em que a lei era a fonte principal de legitimação do
ordenamento posto, não dando azo à força normativa das constituições. Preocupava-se com o
direito em sua estrutura normativa, sem se ater aos valores e ao conteúdo. A validade da
norma estava atrelada à autoridade competente produtora da lei e não à feitura do valor
justiça.
A justiça ou a injustiça das normas jurídicas não seriam objeto de estudo da ciência do
Direito. O positivismo define o direito como aquele efetivamente oriundo das autoridades que
detêm o poder político de produzir as normas jurídicas e desde que a criação da regra tenha
ocorrido em conformidade com o procedimento legal para a edição normativa.
Essa teoria sustenta ainda a separação entre o direito e a moral. A interferência da
moral no direito não deve ser examinada pela teoria do direito, separando o estudo deste como
ele é da apreciação moral do intérprete a respeito de como o direito deve ser.
Na seara positivista, a atividade de interpretação traduz-se em processo lógico-formal
de subsumir o fato à norma que ali se aplica. Logo se vê que nos dias atuais não é mais
possível que o magistrado analise um caso concreto, dispondo o Direito apenas como
conjunto de regras, onde o juiz é a pessoa que proclama apenas as palavras da norma,
confundindo-se essa última com o texto legal.
Nesse sentido, Humberto Theodoro Junior25 acrescenta:
Desde Kelsen, no entanto, sabemos que a norma é mais do que o texto da lei; é, sim,
o sentido que se apreende do texto da lei. Isso torna a aplicação do Direito muito
mais capaz de lidar com a realidade dos fatos, uma vez que as prescrições legais
(hipotéticas, abstratas) nunca se encaixam perfeitamente no mundo dos fatos. Se, ao
invés de tomarmos que a lei possui apenas um sentido dado, compreendermos que a
norma jurídica é capaz de nos abrir um leque de interpretações possíveis, então o
sistema se expande para além dos estreitos limites da literalidade.
Com a crise do positivismo jurídico, abriu-se o debate a respeito da função e da
interpretação do direito, trazendo à lume as percepções sobre justiça e legitimidade para
25 THEODORO JUNIOR, Humberto et al. NOVO CPC – Fundamentos e Sistematização – 3ª ed. rev., atual. e
ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 57.
34
melhor entendimento do sistema jurídico, nos sentidos axiológico e teleológico, sendo
concebido o ordenamento de forma mais dinâmica e aberto aos fatos e valores ético-políticos.
A partir daí, sobressaiu-se novo paradigma jusfilosófico denominado de pós-positivismo
jurídico.
Nessa leitura, Luís Roberto Barroso acentua:26
A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram
caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito,
sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e
genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre
valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos
direitos fundamentais.
Esse novo tempo de abordagem do conhecimento tem procurado estreitar os laços
entre a moral e o direito, com a consequente aproximação da realidade social, recorrendo à
argumentação jurídica mais flexível e permeável à moral. A abertura do debate aos valores
éticos-políticos e ao mundo dos fatos desembocou nas denominadas teorias constitucionalistas
ou neoconstitucionalismo, como dimensão do pensamento pós-positivista no Direito
Constitucional.
Esse fenômeno neoconstitucionalista surgiu na Alemanha logo depois da Segunda
Guerra Mundial, abrangendo a Lei de Bonn (1949) e a criação do Tribunal Federal (1951). Na
Itália, com a Constituição (1947) e o Tribunal Constitucional (1956), como manifestação ao
nazismo e fascismo que existiam naqueles países. No caso brasileiro, apareceu com o declínio
do regime ditatorial e com a Constituição Federal de 1988, igualmente como em outros países
latinos.
Nesse viés, o Poder Judiciário assume importante papel no Estado contemporâneo,
com a implementação de novas técnicas hermenêuticas na interpretação do ordenamento
jurídico e a utilização de princípios, ao lado das regras, na resolução do caso concreto.
O juiz é o protagonista dessas teorias neoconstitucionalistas e considerado o guardião
dos valores constitucionais, com ponderações e releituras construtivas, exigindo-se
participação mais ativa e cooperativa no resultado da demanda judicial.
26 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 327.
35
O pensamento neoconstitucionalista desencadeou o surgimento do Estado
Constitucional de Direito, como protótipo jurídico, à luz das normas e valores constitucionais,
principalmente os inerentes aos direitos fundamentais, perpassando para os demais ramos
jurídicos.
Reconhece-se a constituição como norma jurídica, com força vinculante, compulsória
e dotada de supremacia, desempenhando papel nuclear no ordenamento jurídico, que além de
restringir a atuação dos poderes públicos, seus ditames refletem diretamente nas relações entre
os indivíduos.
Nessa esteira de pensamento, Daniel Sarmento e Cláudio Souza Neto aduzem27:
O fenômeno de constitucionalização do Direito teve causas diversas. Uma delas foi
a ampliação das tarefas das constituições, que, a partir do advento do Estado Social,
deixaram de tratar apenas da organização do Estado e da garantia de direitos
individuais, passando a disciplinar muitos outros temas, como a economia, a família,
o meio ambiente etc. Outra foi a sedimentação da ideia, acima explorada, de que a
Constituição é norma jurídica e não mera proclamação política, o que se relaciona
com a difusão e fortalecimento da jurisdição constitucional. Uma terceira foi o
surgimento de uma cultura jurídica que passou a valorizar cada vez mais os
princípios, vendo-os não mais como meios para integração de lacunas, mas como
normas jurídicas revestidas de grande importância no sistema, capazes de incidir
diretamente e de dirigir a interpretação de regras mais específicas.
No cenário brasileiro, a partir do texto constitucional de 1988, a constitucionalização
do direito tem visibilidade real, onde as normas constitucionais e seus valores (principalmente
os relacionados à implementação da dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos
fundamentais) são argumentos utilizados para a interpretação e aplicação do direito, fazendo
parte da decisão jurisdicional.
Para Guastini28, com a constitucionalização do Direito, resultou em que a ordem
jurídica ficou muito impregnada pelas normas da constituição, que dão validade tanto à lei
como a jurisprudência e a doutrina, condicionando, inclusive, as atitudes dos protagonistas
políticos e as relações entre as pessoas.
O neoconstitucionalismo encontra-se ligado a diversos fenômenos, no campo prático e
no âmbito da dogmática jurídica, podendo ser discriminados da seguinte maneira: o
reconhecimento dos princípios como tipo de norma jurídica; a utilização de métodos mais
27 SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de
trabalho. 2 ed, 2. Reimpressão. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016, p. 44. 28 GUASTINI, Riccardo. La Constitucionalización del Ordenamiento Jurídico: el caso italiano. In:
CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo (s). Madrid: Editorial Trotta, 2003, p. 49.
36
flexíveis do raciocínio jurídico, como a ponderação e a teoria argumentativa; a
constitucionalização do Direito; a conexão entre a moral e o direito e a judicialização das
políticas e dos interesses sociais, soerguendo-se o papel do Poder Judiciário nesse mister,
lançando-se mão dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no campo da
interpretação judicial.
Na visão de Carla Faralli29, a abordagem do constitucionalismo é percebida sob três
argumentos. Em primeiro lugar, a interligação entre direito e moral, com a colocação de
elementos morais no ordenamento, consubstanciados nos princípios e nos direitos invioláveis
das pessoas. Como segundo aspecto, verifica-se a evidência dos procedimentos de aplicação
do direito, particularmente por conta do Poder Judiciário, no desenvolvimento de novos
métodos de decidir uma demanda, com a utilização do critério da ponderação dos princípios.
Por último, observa-se a vinculação do legislador aos princípios, no campo
político-constitucional, contando com o papel desenvolvido pelos magistrados na execução do
raciocínio jurídico, mesmo em confronto com as resoluções legislativas e com a legislação.
Já nas lições de Luís Roberto Barroso30, afirma-se que o neoconstitucionalismo teve
como marco histórico a implementação do Estado Constitucional de Direito; como marco
filosófico, o pensamento pós-positivista, trazendo ao debate a efetividade dos direitos
fundamentais e a aproximação do direito com os ditames da moralidade; e como marco
teórico, o entendimento da constituição como força normativa e o desenvolvimento de novo
discurso de interpretação constitucional.
Tem-se visto muitas críticas ao neoconstitucionalismo, fugindo-se à pretensão deste
trabalho esmiuçar todo o pensamento sobre esse fato. Claro, que todas as opiniões são
importantes, no sentido de buscar-se uma racionalidade e coerência para o sistema.
Assim, a título de informação, as críticas basicamente são as seguintes:
a)supervalorização dos princípios em relação às regras, com posição de destaque para os
primeiros; b) centra-se o foco no papel crucial do Poder Judiciário, depositando expectativas
de que melhor pode efetivar os direitos constantes nas constituições, em detrimento do
princípio da separação dos poderes e da própria democracia; e, por último, c) o realce que se
dar ao critério de ponderação no emprego dos princípios, em detrimento do critério de 29 FARALLI, Carla. A filosofia contemporânea do direito: temas e desafios. Trad. Candice Premaor Gullo. São
Paulo: WMFmartinsfontes, 2006, p. 12. 30 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do
Direito Constitucional no Brasil. In: Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil. Brasília, ano 23, n. 82,
4º trimestre, p. 123, 2005.
37
subsunção das regras ao fato concreto, podendo gerar insegurança jurídica, por conta desse
decisionismo jurisdicional.
Advirta-se, por final, que em meio a todas essas considerações, no constitucionalismo
atual deve-se priorizar sempre a pessoa humana, reconhecendo-lhe o direito de escolher os
seus planos de vida, cabendo ao Estado o papel de ajudar criando condições justas para o seu
desenvolvimento como indivíduo, inserto numa sociedade, o que se evidencia plenamente
com o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Evidencia-se com o pós-positivismo a superação da diferenciação entre regras e
princípios. Anteriormente, os princípios tinham a função apenas de auxiliar ou subsidiar no
método de aplicação e construção do direito, integrando a ordem jurídica, em caso de lacuna
legislativa. Ressaltem-se que as regras e princípios são espécies de normas.
Norberto Bobbio31, que acentua a normatividade principiológica, aponta que os
princípios são normas fundamentais encontradas no sistema, sendo as mais gerais e tem a
função de regular casos concretos.
O âmbito de aplicação dos princípios é indeterminado, estando sujeitos a outros
critérios (expansão e compressão) para serem aplicados, observando-se as circunstâncias
fáticas e jurídicas, a fim de definir o seu alcance no caso concreto. As regras, por sua vez, são
determinadas, de aplicabilidade direta.
Os princípios influenciam na criação das regras, sendo a sua base sistêmica,
fornecendo a estas racionalidade e coerência jurídica, funcionando hermeneuticamente muitas
vezes como instrumento de compreensão, interpretação e aplicação das referidas normas.
Não se nega que o Direito é resultado da cultura de um país, com mutável perfil
oriundo das grandes transformações culturais globalizadas e justificado pelo incremento das
relações de troca, de trânsito e de ligação entre os povos.
Com a democracia reforça-se a exigência de deliberações comuns, pressupondo a
permanência de espaços públicos abertos que possibilitem pessoas e grupos à discussão de
questões de direito de importância social, promovendo-se, assim, o diálogo racional. E assim
também deve acontecer no âmbito do processo jurisdicional, visando à condução de
consensos imprescindíveis à melhor solução da demanda.
31 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª ed., Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 158.
38
Nesse sentido, transcreve-se aqui o pensamento de Daniel Sarmento32:
Afirma-se, hoje, que a democracia pressupõe a existência de um espaço público
aberto, em que as pessoas e grupos possam discutir sobre os temas polêmicos,
prontas ao diálogo, reconhecendo-se reciprocamente como seres livres e iguais. A
democracia exige deliberação pública, e o seu objetivo não é – ou pelo menos não é
exclusivamente – o de solucionar divergência contando votos. Pressupõe, ao
contrário, que no processo deliberativo as pessoas manifestem-se buscando o
entendimento e não a derrota do adversário [...]. Almeja-se, enfim, que no debate
franco de ideias inerente a este processo, as pessoas eventualmente revejam suas
posições originais, convencidas pelas razões invocadas pelo outro. Em suma, a
democracia deve ser mais diálogo de que disputa; mais comunicação que embate.
Impõe-se dizer, a essa altura, que o neoconstitucionalismo tem como objetivo vital a
concretização do Estado Democrático de Direito, por meio de procedimento em contraditório,
mediante a aplicação efetiva dos direitos fundamentais, atento às crescentes mudanças da
sociedade, portadora de interesses outros e por vezes até conflitantes.
Nesse sentido, importante notar que o ordenamento jurídico ideal advém do necessário
equilíbrio envolvendo os institutos da segurança jurídica e do valor da justiça, de modo a
promover o devido processo legal (processo justo e cooperativo), com a participação conjunta
e efetiva das partes e do juiz do caso concreto, visando à decisão de mérito equitativa e eficaz,
dentro de lapso temporal razoável.
Para Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, a adequada tutela estatal provém da aptidão da
jurisdição de concretizar a eficácia prometida pelo direito material, sendo indispensável para
tanto conjugar, de forma eficiente, os valores da efetividade processual e da segurança.33
O direito processual busca ordenar o método jurisdicional por meio do emprego de
princípios e regras que conferem ao procedimento uma efetividade ampla, quer dizer, maior
amplitude prática com o menor custo do direito, no que tange ao amparo concreto dos
interesses ali aportados.
Nesse diapasão, as normas relativas ao direito processual civil, as quais tem como
objetivo disciplinar a atuação da jurisdição e a relação jurídico-processual, são consideradas
de direito público, mas algumas delas têm a natureza jurídica de direito privado, por
disciplinarem os conflitos a serem solucionados mediante o processo. As normas que
transcendem o interesse privado são de ordem pública.
32 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004. 2. ed. ,
2008, p. 307. 33 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Os direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva
dinâmica. Revista do Processo. Vol. 155. São Paulo: Ed. RT, jan. 2008, p. 24.
39
Esse conjunto normativo é fundamental porque organiza o direito processual, servindo
de alicerce para a compreensão e interpretação das demais regras procedimentais. As normas
ora funcionam como princípios, ora como regras, de forma que disciplinam o procedimento,
estando dispostas nos artigos 1º a 12 do Código Processual Civil (CPC). Parte delas foram
extraídas diretamente do texto constitucional e não se trata de rol taxativo, a exemplo do
princípio do juiz natural, que não é previsto ali, e sim na constituição.
São considerados institutos essenciais de qualquer direito processual a jurisdição, a
ação, a defesa e o processo. Sobre a jurisdição, falar-se-á em momento posterior. Os
princípios processuais agem sobre essas categorias, as quais dão significado aos normativos
fundamentais presentes na Carta Magna em relação a todo o sistema de justiça.
A constituição descreve princípios, confere garantias e dispõe de exigências ao
ordenamento processual, avalizando o processo que deve se desenvolver de forma
cooperativa, democrática, igualitária e no tempo razoável.
Nisso reside a ideia prevista no art. 1º, do CPC, que informa que as normas
processuais devem ser constituídas, disciplinadas e interpretadas de conformidade com os
anseios e com as regras fundamentais vistas na Constituição Federal. Registra-se, com isso, a
força normativa da Carta Maior e de consequência consagra-se o direito processual
constitucional, visando-se à atuação estatal com maior transparência e efetividade.
O art. 3º, par. 2º, do CPC, conclama o Estado a permitir, na medida do possível, a
solução consensual das demandas, por meio da conciliação, mediação ou arbitragem seja na
fase pré-processual ou no decurso do processo, estimulando os operadores jurídicos a se
juntarem nesse mister, de forma a implementar a autocomposição, com respeito à vontade das
partes.
Encontra-se também previsto no art. 5º, LXXVIII, da CF, e também disciplinado no
art. 4º, do CPC, o princípio da razoável duração processual, em que confere às partes o direito
à resolução integral da demanda, no prazo razoável, sem dilações desnecessárias. Amparada
aí está a atividade de execução, que é prescrição do novo CPC. O processo demorado coloca
em risco o direito buscado em juízo e enfraquece a atuação estatal.
A celeridade processual não se confunde com o princípio da razoável duração do
processo, porquanto em determinados tipos de demandas exige-se cognição mais exauriente,
com atenção às garantia processuais, o que pode tornar o procedimento pouco demorado, mas
salutar para a entrega com qualidade da prestação jurisdicional. O que não pode acontecer é o
40
perecimento de direitos, por conta da inércia das partes ou atuação morosa do Estado-Juiz,
sacrificando direitos fundamentais.
É papel do juiz diligenciar com o fito de inibir comportamentos dolosos das partes
durante o curso processual, punindo os litigantes que agem de má-fé. Por outro lado, caso seja
constatada a conduta retardatária do magistrado na condução do processo, causando prejuízos
aos interesses dos litigantes e dilações indevidas, deve o Estado ser responsabilizado
civilmente pelos danos ocasionados.
Vários avanços foram obtidos objetivando-se prestação jurisdicional mais rápida, sem
delongas, como vistos no sistema jurídico processual, a exemplo do julgamento antecipado do
mérito (art. 355 do CPC), as tutelas provisórias (arts. 294 a 311, CPC), o procedimento nos
juizados especiais estaduais, federais e da fazenda pública (Leis números 9.099/1995,
10.259/2001 e 12.153/2009), a improcedência liminar do pedido (art. 332, CPC), o processo
sincrético ou misto, conjugando as fases cognitivas e executivas nos mesmos autos
processuais, o processo eletrônico e o sistema de precedentes com eficácia vinculante, sendo
este último discutido com maior ênfase neste trabalho.
Necessário falar do princípio da boa-fé objetiva, disposto no art. 5º, do CPC, de
maneira que os sujeitos do processo devem pautar as suas condutas durante o procedimento,
com observância da lealdade e da boa-fé processual, agindo com honestidade e com lisura.
Proíbe-se o comportamento contraditório dos litigantes e também de magistrados, que
desprezam a confiança recíproca e a obrigação de manterem-se leal em suas manifestações
nos autos.
O abuso do direito e a utilização de incidentes ou de recursos protelatórios configuram
hipóteses de lesão ao princípio da boa-fé. Tais atitudes contraditórias/abusivas autorizam a
aplicabilidade de sanções no processo por litigância de má-fé, de ofício ou a requerimento das
partes, tais como a imposição de multa e a vedação de fazer carga dos autos.
O processo é um instrumento democrático. As partes e o juiz, em conjunto, devem agir
para que se obtenha a resolução da demanda de forma efetiva, no tempo razoável,
objetivando-se a decisão de mérito justa e que tenha resultado útil. Extrai-se daí o princípio da
cooperação, disposto no art. 6º, do CPC.
Esse dispositivo deve ser aplicado tanto no processo de conhecimento como no
procedimento executivo, ou seja, em qualquer atividade jurisdicional. Tem-se colaboração
mútua, visando ao processo de resultados.
41
Paula Costa e Silva34 externaliza a ideia de entender-se o processo como uma
comunidade de comunicação, no qual se desenvolve um diálogo aberto entre os sujeitos
processuais, com a discussão de todas as questões fático-jurídicas consideradas necessárias
para a decisão do caso.
Impõe-se, assim, o modelo de instrumento processual colaborativo. O procedimento
deve ser conduzido pelo juiz, partes e Ministério Público, todos de igual importância na
efetivação do resultado útil para o processo. As decisões são construídas conjuntamente,
exigindo-se dos participantes atuação ética e leal.
Cabe destacar também o princípio da igualdade processual ou da isonomia, previsto no
art. 5º, caput, da CF e no art. 7º, do CPC, que chama a atenção do legislador e do magistrado
para evitarem desigualdades no curso do processo e também o dever de expurgar as que
porventura estão em evidência. Assim dispõe a máxima tratar os iguais de forma igual e
tratar diferentemente os desiguais, na proporção de suas desigualdades.
Busca-se promover a correta atuação das partes no processo, assegurando-as igualdade
de tratamento, incumbindo ao juiz preservar o efetivo contraditório, no exercício dos direitos
e faculdades processuais. Propõe o equilíbrio de forças entre os litigantes, a fim de impedir
que uma parte vença o processo por ser a mais forte. Casos semelhantes devem ter respostas
judiciais similares, pois todos são iguais perante a lei.
Na interpretação e aplicação do direito, impõe-se ao magistrado observar também os
princípios da proporcionalidade e o da razoabilidade, atendendo aos fins sociais, com a
preservação e promoção da dignidade humana. É o que prescreve o art. 8º, do Código de
Processo Civil.
O Supremo Tribunal Federal35 tem-se utilizado dos postulados da proporcionalidade e
razoabilidade para decidir questões, conforme julgamento da 2ª Turma, tendo como relator o
ministro Dias Toffoli, que assim constou na ementa do acórdão:
[...] 3. Ausência de indícios de ilegalidade, tampouco de ofensa aos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da penalidade aplicada, que
enseje a nulidade da decisão tomada no processo administrativo disciplinar em
questão[...].
34 SILVA, Paula Costa e. Acto e processo. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 578-579. 35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão unânime da 2ª Turma do STF, RMS 34701 AgR / DF, rel.
Min. Dias Toffoli, j. 25/08/2017, DJe de 11/09/2017. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13576709. Acesso em: 12 fev. 2018
42
A razoabilidade corresponde à compatibilidade que deve existir entre os meios
utilizados no processo e os fins almejados. Já a proporcionalidade refere-se ao binômio
custo/benefício, também sendo aplicado como regra que vai decidir o caso concreto em que
há colisão de direitos fundamentais.
Esse art. 8º também faz referência ao princípio da eficiência, exigindo-se que o
procedimento tenha o máximo de resultado com o menor esforço possível, com a utilização de
meios menos onerosos, reduzindo-se o tempo e energia dispensados no processo. Tal
princípio tem incidência no processo por conta do art. 37, da Constituição Federal.
Alexandre de Moraes conceitua o princípio da eficiência, que pode ser transportado
para o âmbito do processo judicial, como aquele que
Impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do
bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial,
neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia, e sempre em busca da
qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a
melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e
garantir maior rentabilidade social.36
A eficiência é uma necessidade do Estado Democrático de Direito e também
consequência do devido processo legal, ajustando-se o iter processual às peculiaridades do
caso, com o gerenciamento adequado do procedimento. A eficiência atua como baliza para
que ocorra flexibilidade e mudança no itinerário procedimental.
Registra-se a sanção presidencial da Lei nº 13.655, de 25/04/201837, publicada no
Diário Oficial da União de 26/04/18, que altera o Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/1942 (Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB), para incluir dispositivos que tratam da
segurança jurídica e da eficiência na constituição e na aplicabilidade do direito público, tanto
nas áreas administrativas, controladoras e judiciais, dispondo que as decisões nesses setores
devem levar em consideração as consequências práticas do ato decisório e que sejam
devidamente motivadas, sob pena de o agente público responder pessoalmente por seus
pronunciamentos judiciais ou pareceres técnicos, ao se constatar dolo ou erro grosseiro.
Registra-se também o princípio do contraditório, essencial para legitimar os
precedentes judiciais, que é o direito das partes se manifestarem nos autos, de forma prévia,
36 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 108. 37 Lei nº 13.655/2018 disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13655.htm.
Acesso em: 18 jun 2018.
43
efetiva e dinâmica. Trata-se de princípio constitucional, fincado no art. 5º, inciso LV, que
possibilita aos litigantes, em qualquer processo, o efetivo debate e a ampla defesa.
Confere às partes o direito de serem intimadas previamente de todos os atos do
processo, com a garantia de sua presença na defesa de seus interesses, no intuito de evitar
decisões surpresas. O juiz possui a obrigação de provocar a manifestação prévia das partes,
mesmo que se trate de matéria que pode ser vista de ofício, ou simplesmente de presunção. In
casu, a decisão não terá validade, com ausência de legitimidade, uma vez que os participantes
da relação processual sequer tiveram influência em sua elaboração e na formação do
convencimento do magistrado.
Nesse sentido, o legislador foi feliz quando expressamente se refere ao contraditório
no art. 9º, do Código de Processo Civil, que afirma que nenhuma decisão deverá ser proferida
em desfavor de uma das partes, sem que esta tenha se manifestado, excetuando-se aqueles
casos em que é necessário o juiz decidir, de forma provisória, com a verificação de urgência
da medida vindicada e da importância do fundamento, sem ouvida prévia da parte contrária
(inaudita altera parte), protraindo-se assim o exercício do contraditório efetivo para o
momento posterior, a exemplo das tutelas provisórias de urgência e a emissão de mandado
monitório.
O STF, em julgamento por unanimidade, deixou bem claro quanto ao contraditório
que “[...] Assegurada pelo constituinte nacional, a pretensão à tutela jurídica envolve não só o
direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o
direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador”.38
O contraditório preserva que se evitem decisões surpresas no autos (art. 10, do CPC),
sem que tenha proporcionado a todos o debate prévio das questões sub judice, pois pode
frustrar as expectativas das partes. Essa bilateralidade de audiência é compatível com o
Estado Democrático de Direito.
Não menos importante é o princípio constitucional da fundamentação das decisões,
sejam elas interlocutórias, sentenças ou acórdãos, devidamente explicitado no art. 93, IX, da
CF, sob pena de nulidade.
38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão unânime da 2ª Turma do STF, RMS 24.536/DF, rel. Min.
Gilmar Mendes, j. 2/12/2003, DJ de 5/3/2004. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2824536%2ENUME%2E+OU+24536
%2EACMS%2E%29%28%40JULG+%3E%3D+20031201%29%28%40JULG+%3C%3D+20040306%29%28S
EGUNDA%2ESESS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/y7el5pey. Acesso em: 11 fev. 2018.
44
Não se admite proferir decisões sem motivação, com falsa fundamentação, o que se
denota nos casos arrolados no art. 489, parágrafo 1º, do CPC, a título ilustrativo. A legislação
processual vem corroborar com esse entendimento no art. 11, do CPC, como exemplo de
norma direcionada ao juiz da causa, vinculando-o, de forma que constitui obrigatoriedade a
tarefa de manifestar as razões determinantes de seu julgamento, com a exposição real do
raciocínio jurídico utilizado, principalmente em se tratando de formação de precedentes
judiciais.
Com isso, permite-se controle maior da atividade jurisdicional, que deve perfilhar uma
conduta transparente para toda a sociedade. As decisões judiciais servem como parâmetro
para educar o comportamento dos cidadãos, influenciando nas condutas sociais.
Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo39, desenvolvendo pensamento
sobre o processo justo, assim lecionam:
A perspectiva constitucional dos direitos fundamentais garante o direito ao “justo”
processo, isto é, não mais um processo apenas estruturado formalmente (estático),
mas entendido como garantia mínima de meios e resultados, uma vez que deve ser
concretizada não apenas a suficiência quantitativa mínima dos meios processuais,
mas também um resultado modal (ou qualitativo) constante.
Assim, coadunando com a ideia acima, denota-se que o direito fundamental de se ter o
processo justo, com a efetivação de direitos, é a tônica de toda a dinâmica processual
brasileira, exigindo-se dos operadores jurídicos maior conscientização quanto à finalidade do
processo, que é a promoção da paz social.
Desse modo, o ordenamento processual civil pátrio é desenvolvido tomando como
base o prospecto estabelecido pela lei fundamental, também conhecido como
constitucionalização do processo, a partir do princípio do devido processo legal
Por fim, o processo deve estar configurado com intuito de possibilitar o eficaz alcance
da tutela dos direitos, com a produção de precedentes judiciais em sintonia com as normas
constitucionais, de forma a preservar a igualdade, o acesso à justiça substancial e a segurança
jurídica, tão necessários para identificar o modelo processual no Estado de Direito pátrio.
39 COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. 4. ed.
Bolonha: Il Mulino, 2007, vol. 1, p. 63.
45
2.3 SEGURANÇA JURÍDICA E ACESSO À JUSTIÇA COMO JUSTIFICATIVAS
PRINCIPIOLÓGICAS DO SISTEMA DE PRECEDENTES
É importante ressaltar que o interesse da ciência processual há anos não converge mais
com a simples discussão teórica em explicar por si só os institutos processuais e a trilogia que
o estrutura, a saber: ação, jurisdição e processo.
Justifica-se contemporaneamente o estudo da ciência jurídica na seara da efetividade
normativa, aliando-se os princípios e as regras na aplicabilidade desses institutos, conferindo
legitimidade e eficiência (criação de resultados úteis) na construção do direito. Com isso,
passa-se a objetivar a natureza garantidora do processo, superando-se consequentemente a
visão anterior publicista e pacificadora apenas.
Na realidade nacional, costuma-se judicializar três tipos de demandas: a) a individual,
em que a parte ajuíza ação para amparar direito que entende ameaçado ou lesionado; b) a
coletiva, que se materializa em direitos coletivos e difusos, utilizando-se de meios disponíveis
na legislação para procedimentalizar em juízo esses interesses, por meio de substitutos
processuais, a exemplo do Ministério Público, Defensorias, associações e sindicatos; c) por
último, a litigiosidade de massa, com o ajuizamento de ações repetitivas ou em série,
envolvendo razões de fato e de direito comuns para a solução do mérito.
Por conta disso, revela-se naturalmente complicada a criação de procedimento comum
de tratamento em relação à tipologia litigiosa acima, por parte da ciência processual, o que
inviabilizaria a interpretação e a aplicação do direito condizente com o modelo constitucional
proposto.
Justifica-se aqui a interpretação e a geração do processo, como aprendizado para a
sociedade e formador de condutas comportamentais, de modo que esse instituto sirva como
garantia e não como obstáculo ao acesso à justiça.
Nesse patamar pragmático processual, verifica-se que a simples mudança legislativa,
como ocorreu com o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), não trouxe para si a
solução integral de todos os problemas vistos ainda corriqueiramente no sistema (como a
morosidade e tempos mortos na tramitação, as despesas processuais, o formalismo exagerado,
a ineficiência do sistema e ainda a presença de rotinas ultrapassadas em seu manuseio), o que
exige também mudança de mentalidade dos atores jurídicos e também redimensionamento na
estrutura do Judiciário (recursos materiais e humanos).
46
Assim pensa Giuseppe Tarzia40 a respeito da tramitação do processo na Itália, que
também é de tradição civil law e que mantém semelhanças com o procedimento brasileiro:
Os problemas mais graves da justiça social, pelo menos na Itália, dizem respeito, de
outra parte, não à estrutura, mas a duração do processo; dizem respeito aos tempos
de espera, aos ‘tempos mortos’, muito mais que aos tempos de desenvolvimento
efetivo do juízo. A sua solução depende, portanto, em grande parte, da organização
das estruturas judiciárias e não das normas do Código de Processo Civil. A
aceleração da justiça não poderá, portanto, ser assegurada somente com a nova lei ou
com a revisão de todo o processo civil italiano [...].
Chega-se a verificar atualmente no Brasil a tramitação de processos com incremento
de decisões judiciais em larga escala, apenas para cumprir estatísticas e metas definidas pelo
Conselho Nacional de Justiça, de forma muitas vezes aleatória, sem preocupação com a
uniformidade do direito, papel este atribuído principalmente aos tribunais superiores.
Esquece-se, com isso, de implementar a efetividade das normas, ao prolatar
precedentes judiciais não consentâneos com a eficiência e, por vezes, sem legitimidade
constitucional. O processo deve propiciar o debate jurídico permanente visando à formação de
provimentos uniformes e legítimos, que alcancem tutelar efetivamente os direitos.
Nesse ínterim, delimita-se o processo como espaço democrático, onde os temas e
contributos são discutidos de forma intersubjetiva, com o implemento de instrumentos viáveis
e idôneos ao debate jurídico e que leve em consideração as variáveis tempo-espaço em seu
iter gerador de pronunciamento judiciais.
Evitam-se assim condutas solipsistas dos magistrados na cognição processual, com a
adoção de atitudes colaborativas e policêntricas (sem protagonismo) no trâmite procedimental
e de discurso transparente nas questões fático-jurídicas.
Habermas41, em contribuição ao que se propõe acima, como forma de legitimar o
processo, acrescenta:
Ocorre que a estruturação desse processo somente pode ser perfeitamente atendida a
partir da perspectiva democrática de Estado, que se legitima por meio de
procedimentos que devem estar de acordo com os direitos humanos e com o
princípio da soberania do povo.
40 TARZIA, Giuseppe. O novo processo civil de cognição na Itália. Revista de processo, São Paulo: Revista dos
Tribunais, n. 79, jul./set., 1995, p.63. 41 HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des
demokratischen Rechtsstaats. Frankfurt: Suhrkamp, 1994, p. 664.
47
Tendo como fundamentos da ordem constitucional brasileira, em particular, o Estado
de Direito e a dignidade da pessoa humana, já explicitados, começam-se a expor algumas
ideias interpretativas no que diz respeito ao espectro conceitual da segurança jurídica e do
acesso à justiça, buscando construir ao final um campo conjectural sobre o papel desses
princípios na edificação do alicerce organizacional das disposições constitucionais.
2.3.1 A Segurança: Necessidade da Ordem Jurídica e Respeito aos Precedentes
Para pronunciar sobre a segurança jurídica será preciso, inicialmente, pontuar os textos
que direta ou indiretamente apresentam-na na Constituição Federal brasileira. No sentido
genérico, o princípio da segurança vem expressamente previsto no caput do Art. 5º, da
Constituição Federal, embora o texto constitucional de 1988 não informe explicitamente esse
direito no processo.42
Ainda no capítulo relativo aos direitos individuais e coletivos, a Carta Magna acolhe,
indiretamente, o princípio da segurança, ao preceituar, no inciso XXXVI, do Art. 5º, que “a
lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”43.
Vê-se também que, ao firmar no inciso XXII, do art. 7º, da CF, os direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, o princípio de segurança configura-se como medida protetiva e
preventiva: “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene
e segurança”44.
O Estado brasileiro, no intuito de tutelar a segurança jurídica, tem o dever de prestigiar
esse princípio no exercício de suas funções, proibindo-o de agir renegando esse direito
fundamental. Possui essa obrigação por meio de prestações estatais fáticas e emissão de
disposições normativas, a exemplo da constituição que fala de inviolabilidade da coisa
julgada, do direito adquirido e do ato perfeito (art. 5º, XXXVI) e de outras disposições que,
mesmo de forma indireta, dão guarida à segurança, como a garantia do contraditório, da
ampla defesa e da motivação dos pronunciamentos judiciais.
42 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 08 fev. 2018. Art. 5º,
caput, da CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade […]” 43 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. op. cit. Acesso em 08 fev. 2018. 44 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. op. cit. Acesso em 08 fev. 2018.
48
Sem falar do Código de Processo Civil, que de modo semelhante, prescreve
regramentos que protegem a segurança, como os que falam da preclusão, que impede a
rediscussão da matéria já decidida ou a perda da faculdade de agir no tempo determinado.
Como exemplo de uma prestação prática, diagnosticada no Código de Processo Civil
(art. 98), diz respeito à garantia da assistência judiciária para o cidadão postular em juízo, com
o patrocínio da causa por advogado gratuito, que tem habilitação técnica para defender os
direitos dos jurisdicionados.
Apesar de não estar explicitamente, numa linguagem clara, registrado na Constituição
Federal, o princípio da segurança jurídica faz parte da essência da ideia de generalidade e
abstrata de Estado de Direito, estando de outra parte, segundo Ingo Sarlet,
[…] expressa e implicitamente normatizado do ponto de vista constitucional por
meio de um conjunto de princípios e regras, como é o caso da proteção da confiança
(implicitamente assegurado), bem como das figuras do ato jurídico perfeito, dos
direitos adquiridos e da coisa julgada e de garantias contra a retroatividade de
determinados atos jurídicos (como em matéria penal e tributária).45
Faz-se necessário apontar que a segurança jurídica enquadra-se também na categoria
de direito e garantia fundamental, considerado fundamento constitucional, o que dá maior
intensidade a sua dupla concepção objetiva e subjetiva. Porém a interface da
multidimensionalidade do princípio de segurança jurídica com o Estado formal e material de
Direito não dá a entender que tal vinculação tenha exclusividade.
Tal afirmação encontra respaldo teórico nas colocações de Ingo Sarlet quando
assevera:
[…] a segurança jurídica não encontra no Estado de Direito um fundamento único,
devendo ser reconduzida a outros princípios, como é o caso, por exemplo, do
princípio democrático, do princípio do Estado Social, do princípio da separação de
poderes, do princípio da igualdade, do princípio da liberdade e da própria dignidade
da pessoa humana.46
Sobre a dupla dimensionalidade da segurança jurídica, objetiva e subjetiva, cabe aqui
pontuar as ideias conceituais que explicitam essas dimensões. Para isso, tomam-se
emprestadas as definições de Almiro Couto e Silva, que explanou sobre o assunto:
A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à
retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos
legislativos. […] A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das
45 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 277. 46 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 277.
49
pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais
diferentes aspectos de sua atuação.47
O que resta claro é que, pelo viés objetivo, esse princípio abrange a garantia do
sistema jurídico, conferindo-lhe estabilidade e orientações seguras, ao tempo em que, pela
característica subjetiva, busca-se proteger os cidadãos em face dos atos dos poderes públicos,
dando-lhes condições de previsibilidade e confiança em suas condutas sociais, de forma que
não possam sair prejudicados por qualquer mudança brusca nas políticas do Estado. Não há
como prever sem ter confiança.
Neil MacCormick fala sobre a segurança jurídica como um elemento valorativo
(valor), sendo fundamental para o Estado de Direito e Constitucional, referenciando a certeza
jurídica e a segurança dos indivíduos como condicionantes para viabilizar a autodeterminação
do povo e sua convivência em situações de recíproca confiança, protegendo-o das atitudes
arbitrárias do poder estatal.48
A atividade jurisdicional também deve perfilhar por esse caminho, coadunando com o
pensamento supra de MacCormick, orientando-se pela adoção dos critérios da certeza,
estabilidade, confiança legítima e efetividade do processo. Aliás, o processo justo decorre
também da segurança jurídica, como requisito primordial de sua conformidade.
Na observância dos precedentes pelos tribunais e juízes, com a instrumentalização de
técnicas alusivas à sua aplicação, materializa-se o instituto da segurança jurídica, conferindo
ao Judiciário maior credibilidade perante a sociedade e possibilitando que cidadãos revistam
suas condutas pautadas nos precedentes já firmados sobre os mais variados temas sociais.
Com isso, estratifica-se a confiança legítima como ponto central na conformidade dessa
garantia.
Michele Tarufo49 aponta para esse entendimento quando propõe a inauguração de uma
política compromissada e séria de precedentes, com o objetivo de alocar grau necessário de
uniformidade e de coerência nas decisões judiciais.
47 COUTO E SILVA, Almiro do. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público
Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios Atos Administrativos: o prazo
decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei n° 9.784/99). Revista Eletrônica de
Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 2, abril/maior/junho, 2005. Disponível na
Internet: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 11 nov. 2017. p. 3-4. 48 MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of law: a theory of legal reasoning, Oxford: Oxford University
Press, 2005, p. 16. 49 TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. Editoriale Scientifica, 2007, p. 31.
50
É irrefutável a relevância da utilização do precedente na vida do direito, dando a este
mais consistência e segurança ao sistema, pois a opinião formada pela Estado-Juiz na solução
do caso concreto pode representar decisão paradigma para casos futuros análogos, no que
tange à questão jurídica ali debatida.
O precedente é criado como regra de determinado caso, servindo-se de modelo
regulador ou diretriz para outros casos semelhantes, com a extração da norma ou tese jurídica
respectiva, assegurando-se maior previsibilidade e isonomia na resolução das demandas.
A ratio decidendi identifica-se como o motivo jurídico determinante da decisão, ou
seja, a tese jurídica formada a partir da fundamentação do respectivo decisório. É esse
regramento de direito que deve ser perseguido no casos vindouros.
Ressalta-se que às vezes não é fácil identificar precisamente qual a ratio decidendi de
determinada decisão, sendo também polêmico prescrever o melhor método com o fito de
estabelecê-la. A interpretação resulta vacilante nesse sentido.
Extrai-se do magistério de Nelson Nery Junior e Rosa Nery que do princípio da
segurança jurídica, o qual constitui elemento fundamental do Estado Democrático de Direito,
sucedem matérias como: a retroatividade da legislação, a validade dos atos da administração,
a submissão da Administração Pública aos institutos da publicidade e à coisa julgada. Esses
temas possuem em comum a função de assegurarem a estabilidade do direito.50
Com razão os autores, pois o Direito tem a função primordial de engendrar
estabilidade ao sistema, gerando tranquilidade ao cidadão e também ao próprio Estado, bem
como moldando a sua atividade cotidiana (saber os efeitos que podem ser produzidos
decorrentes de suas ações), de forma a contar com o requisito da previsibilidade. Inerentes ao
princípio da segurança estão, portanto, os valores da previsibilidade e da estabilidade da
ordem jurídica.
O requisito da estabilidade tem a ver com a opinião dos tribunais a respeito de como as
leis e os precedentes são interpretados, tema este que será visto no decorrer deste trabalho.
50 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação
infraconstitucional. 2. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2009, p. 146.
51
2.3.2 A Garantia do Acesso à Justiça sob a Perspectiva da Efetividade dos Direitos
Após rápida incursão sobre o princípio da segurança jurídica, passa-se, neste
momento, a uma viagem analítica sobre a cartografia conceitual do “acesso à justiça”, que
também solidifica o fundamento da ordem constitucional brasileira.
Um fenômeno ou ente pode ser analisado consoante várias perspectivas. O conceito
servirá para caracterizá-lo segundo o prisma escolhido. Se for jurídico, peculiar e segundo o
fenômeno jurídico será a descrição, o conceito dado.
Em um sistema conceitual, nem todos os conceitos ocupam o mesmo plano; alguns são
fundamentais e outros derivados. Em qualquer construção teórica sobre o Direito, devem ser
agrupados de forma separada os conceitos que compreendem o fenômeno jurídico dos demais
conceitos decorrentes da análise de determinado ordenamento jurídico.
A definição de um conceito de direito é decorrente do estudo de sua essência,
revelando-se como conceito fundamental de um objeto.
Segundo Teran51, uma vez definido o conceito, deve-se aprofundá-lo, determinando,
por exemplo, seus elementos constitutivos, ou analisando as relações entre ele e outros
institutos afins.
Posto isto, é salutar para este momento conjecturar sobre a dimensão conceitual do
Direito e da Justiça.
Concebe-se que Direito e Justiça são conceitos distintos, às vezes caminhando em
sintonia e às vezes não, mas ele deve ser o instrumento para a concretização da justiça, ou
seja, esta deve ser o objetivo do direito, guarnecendo este de significado, de finalidade e
sendo também critério para os julgamentos dos processos.
Em face do seu valor relativo, a justiça varia de acordo com as preferências, com as
tendências, com as ideologias e com as políticas, admitindo-se, assim, que o valor absoluto da
justiça não se encontra à disposição do homem.
Perelman justifica o valor justiça fazendo a seguinte explanação:
A aplicação da justiça formal exige a determinação prévia das categorias
consideradas essenciais. Ora, não se pode dizer quais são as características
essenciais, ou seja, aquelas que se levam em conta para a aplicação da justiça, sem
admitir certa escala de valores, uma determinação do que é importante e do que não
51 TERAN, Juan Manuel. Filosofia del Derecho. 7 ed. México: Editorial Porrua, 1977, p. 79-80.
52
o é, do que é essencial e do que é secundário. É a nossa visão do mundo, o modo
como distinguimos o que vale do que não vale, que nos conduzirá a uma
determinada concepção da justiça concreta. Qualquer evolução moral, social ou
política, que traz uma modificação da escala dos valores, modifica ao mesmo tempo
as características consideradas essenciais para a aplicação da justiça [...].52
Os acontecimentos da vida relevantes para o direito são apreendidos pela norma que a
eles atribui relevância jurídica: são os fatos jurídicos.
O fato jurídico, na concepção de Marcos Bernardes de Melo53, pode ser tratado como
aquele a que a norma jurídica atribui, especificamente, certas consequências no
relacionamento entre as pessoas. A norma incide no fato tornando-o jurídico.
Ocorre que algumas vezes não se tem certeza se a incidência ocorreu ou não. Surge a
incerteza se há ou não fato jurídico ou mesmo de que forma a incidência ocorreu. Para que o
fato torne-se jurídico, sem essa indefinição, recorre-se ao Judiciário. A sentença é justamente
o ato jurídico que elimina a dúvida.
Segundo Paulo Bezerra54, o direito assume duas funções básicas: a conservadora
(modo estático) e a transformadora (modo dinâmico). E esclarece:
[...] A função conservadora corresponde ao aspecto estático da realidade social; aqui,
o direito atua como controle social das áreas sociais de conformidade, protegendo o
status quo. A função transformadora corresponde ao aspecto dinâmico da realidade
social; o direito atua, então, como controle social das áreas sociais de não-
conformidade, incrementando a mudança social, modificando as relações e os
valores sociais.
O legislador está consciente hoje de que deve dar aos cidadãos e ao juiz maior poder
ao utilizar o processo (instrumento de composição de demandas), objetivando sempre o
direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, sobressaindo, assim, o princípio do acesso à
justiça.
Resta sem dúvida a ideia de que o acesso à justiça vai muito além do seu significado
literal, pois o sistema deve ser igualmente acessível a todos, sem discriminação,
52 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes,
1999, p. 30-31. 53 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico. Plano da Existência. 18.ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 91. 54BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à Justiça: um Problema Éético-social no Plano da Realização do
Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 53.
53
possibilitando a produção de resultados justos para as partes envolvidas no processo, em lapso
de tempo razoável, com procedimento eficaz e simplificado.55
A expressão acesso à justiça é de difícil conceituação56, pois não pode ser visto apenas
sob o enfoque literal, significando exclusivamente acesso ao Judiciário, onde as pessoas
possam reivindicar seus direitos, resolvendo as suas pendengas jurídicas perante o
Estado-Juiz.
Geovany Jeveaux adverte que refletir sobre acesso à justiça traz de logo em sua
própria expressão um problema de designação. E esse entrave tem reduzido a cientificidade
de seu objeto:
[…] ou bem se dá ênfase aos aspectos formais e substanciais do acesso aos serviços
judiciais ou aos chamados equivalentes jurisdicionais (arbitramento,
autocomposição), ou bem se investigam os critérios ideológicos também formais e
substanciais de atuação do Estado como agente distribuidor de bens.57
O que esse autor quer dizer é que as maneiras através das quais tem sido o assunto
discutido apresentam-se como abordagem de um acesso formal e substancial à justiça ou de
um acesso à justiça formal e substancial. São designativos que não são privadas de
significação e que não se assemelham.
Continua explicitando sobre esse objeto,
Quando se fala em um acesso formal e substancial à justiça, cuida-se de investigar
quais são as melhores condições de se obter uma decisão judicial ainda desprovida
de conteúdo, do modo mais rápido (celeridade) e com o maior índice de aceitação do
resultado (efetividade). Por outro lado, quando se fala em um acesso à justiça
formal e substancial, cuida-se de investigar as condições pelas quais o Estado atua
ou deve atuar como árbitro distribuidor de bens (não apenas por meio do
processo).58
55 Wilson Alves preleciona: “Com efeito, obviamente que há que se garantir a porta de entrada. O Estado terá
que instituir órgãos jurisdicionais e permitir que as pessoas tenham acesso aos mesmos. Mas isso é elementar.
Veja-se que o Estado praticamente monopolizou o poder jurisdicional, e isso a ponto tal que só
excepcionalmente admite a arbitragem e, em regra, qualifica como crime o exercício da autotutela. [...]
necessário igualmente é que exista a porta de saída. Por outras palavras, de nada adianta garantir o direito de
postulação ao Estado-Juiz sem o devido processo em direito, isto é, sem processo provido de garantias
processuais [...].” (SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à Justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011, p. 26). 56 Como salienta Horácio Wanderlei Rodrigues, a vagueza da expressão acesso à justiça permite
fundamentalmente dois sentidos: “o primeiro, atribuindo ao significante justiça o mesmo sentido e conteúdo que
o de Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à justiça e acesso ao Judiciário; o segundo, partindo
de uma visão axiológica da expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada
ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano.” (RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à
justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 28). 57JEVEAUX, Geovany Cardoso. Uma Teoria da Justiça para o Acesso à Justiça. In: JEVEAUX, Geovany
Cardoso (Org.). Uma Teoria da Justiça para o Acesso à Justiça. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2012, p. 1. 58 JEVEAUX, Geovany Cardoso, 2012, op. cit., p. 1-2.
54
Existem no ordenamento jurídico constitucional duas normas que se relacionam com o
direito fundamental de ação, uma que trata da inafastabilidade do controle jurisdicional
quando se delimita em juízo ameaça ou lesão a direito e outra que fala da duração do processo
e dos mecanismos que protegem a celeridade na tramitação do feito.
Sob a proteção do Estado democrático de direito, deve o Poder Judiciário
desincumbir-se da obrigação de prestar a jurisdição de forma eficiente e de possibilitar a
realização efetiva dos direitos, porquanto o acesso ao ordenamento jurídico constitucional é
direito fundamental de todos os cidadãos, tão bem delineado no artigo 5º, incisos XXXV e
LXXVIII, da CF/88.59
A ação é exercitada para tutelar direitos materiais, dentro de prazo razoável de
desenvolvimento do procedimento. O tempo consubstancia-se em ônus para os litigantes,
sendo necessidade para o magistrado na formação de seu convencimento.
Vale ressaltar que esse direito não mantém vínculo somente com o Poder Judiciário, e
sim alcançando também o Legislativo e o Executivo, dentro das suas funcionalidades no
ordenamento.
Cabe ao Poder Legislativo a edição de leis que identifiquem técnicas processuais
idôneas à eficácia do procedimento, bem como a instituição de meios que oportunizem o
acesso de pessoas hipossuficientes ao Judiciário. Confere-se, por sua vez, ao Poder Executivo
a obrigação de alocar recursos materiais (equipamentos, tecnologias) e humanos para o
desenvolvimento adequado e tempestivo das atividades jurisdicionais.
Ao vedar a autotutela, em regra, e trazendo o Estado para si o monopólio do poder
jurisdicional, conferiu-se ao cidadão o direito de recorrer ao Judiciário, com o objetivo de
solução dos conflitos.
Sem sombras de dúvida, a concretização do direito ao acesso à justiça é indispensável
à própria concepção de Estado, uma vez que não tem sentido proibir a autotutela, sem que o
Estado possa se desincumbir da sua obrigação de viabilizar a todos a possibilidade do efetivo
acesso ao Judiciário.
59 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 5º [...], XXXV - a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; […]; LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação [...].
55
Nesse diapasão, o acesso à justiça é direito fundamental, garantido no artigo 5º, inciso
XXXV, da Constituição Federal de 1988, traduzindo-se em direito subjetivo público,
considerado um dos mais relevantes meios de exercício da cidadania.
Vale ressaltar que a inafastabilidade do controle jurisdicional se restringe a garantir o
direito de ação, ao tempo que o acesso à justiça é bem mais amplo, culminando com o direito
à prestação jurisdicional célere e eficaz.
O direito de acesso à justiça, o qual protege a concretude de todos os demais direitos,
dispõe que sejam ajustados procedimentos com o objetivo de dar ao jurisdicionado o direito à
tutela adequada (hábil para atender situação concreta), eficaz (realizar concretamente os
direitos e não apenas declará-los) e tempestiva (de forma célere).
Wilson Alves de Souza60 informa as razões em caracterizar o acesso à justiça como
direito fundamental, pois uma vez violados direitos e garantias substanciais, se não fosse o
acesso ao Judiciário, esses direitos e garantias não teriam como ser exercitados.
O acesso à justiça, também chamado por alguns de princípio da proteção da via
judiciária, de garantia universal, onde essa estrada encontra-se franqueada para discussão de
todo e qualquer direito, envolvendo particulares, poderes públicos, não importando se a parte
é rica ou pobre financeiramente. Busca-se, com isso, uma justiça inclusiva, onde haja a
participação de todos, respeitando-se os direitos e garantias essenciais de todo indivíduo.
Sem essa garantia, portanto, para Wilson Alves de Souza, sequer se poderia falar em
Estado Democrático de Direito.61
Com razão o mestre baiano em afirmar que o direito de acesso à justiça é intrínseco ao
Estado Democrático de Direito, pois no momento que o povo renunciou de sua independência
em prol de uma liberdade comum, deve-se conferir a todos uma ordem jurídica justa,
avalizada pelas garantias constitucionais e processuais em busca da efetivação dos direitos.
60 “Por outras palavras, o acesso à justiça é, ao mesmo tempo, uma garantia e em si mesmo também um direito
fundamental; mais do que isso, é o mais importante dos direitos fundamentais e uma garantia máxima, pelo
menos quando houver violação a algum direito, porque havendo essa violação, todos os demais direitos
fundamentais e os direitos em geral, ficam na dependência do acesso à justiça. [...] o acesso à justiça também
pode ser qualificado com um princípio jurídico com fundamento constitucional.” (SOUZA, Wilson Alves de.
2011, op. cit., p. 84-85). 61 “Estado democrático de direito é aquele em que o poder dos governantes é alcançado por meio do povo e cujo
direito é editado igualmente com participação popular [...]” (SOUZA, Wilson Alves de. Sentença civil
imotivada: caracterização da sentença civil imotivada no direito brasileiro. 2. ed. rev. e ampl. Salvador: Dois de
Julho, 2012, p. 71.).
56
Para tanto, requer-se atitude enérgica e urgente do Estado, no intuito de melhorar o
cenário trágico porque passa a administração da justiça e dos conflitos, por uma sociedade
livre, justa e solidária, erradicando a pobreza, a marginalização, reduzindo as desigualdades
sociais e promovendo o bem de todos, viabilizando, assim, o objetivo acertado constante do
art. 3º, da CF de 1988.
Como dito por Norberto Bobbio62, “[...] sem direitos do homem reconhecidos e
efetivamente protegidos não existe democracia, sem democracia não existem as condições
mínimas para a solução pacífica dos conflitos que surgem [...]”.
O acesso à justiça sedimenta, pois, o direito de ação, que é o direito de provocar a
jurisdição, bem como de escolha do procedimento.63
Fredie Didier ao manifestar-se sobre o direito de ação quis dizer que se trata de direito
potestativo, visando à geração de um conjunto de relações jurídicas, com a participação dos
sujeitos do processo, que então se inaugura.
Cabe, então, à parte autora, ao ajuizar a demanda, optar entre um procedimento e
outro, a depender do direito material discutido e das circunstâncias da causa, podendo valer-se
do procedimento especial ou comum.
O direito de ação abrange outras situações jurídicas, decorrentes do devido processo
legal, como por exemplo, o direito à resposta estatal, às técnicas processuais idôneas para
demonstrar que a parte tem razão, ao conjunto probatório legítimo, à possibilidade de
protocolizar recursos e o respeito à força dos precedentes judiciais.
Destarte, trata-se de direito fundamental, incondicionado, conferindo a todos o acesso
à justiça, sendo “sempre procedente, na medida em que seu desiderato se identifica com a
prestação da tutela jurídica, que o Estado não pode declinar (art. 140, CPC)”.64
Nessa ótica, a ação consiste em verdadeiro direito fundamental, de cunho abstrato,
com notável amplitude e complexidade, donde derivam muitos outros direitos. Revela o
direito a um provimento judicial, de natureza abstrata, autônoma e instrumental.
62 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004, p. 203. 63 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e
Processo de Conhecimento. 17. ed. rev. ampl. e atual. v. 1. Salvador: Editora JusPodivm, 2015. p. 283. 64 MITIDIERO, Daniel Francisco. “Polêmica sobre a Teoria Dualista da Ação (Ação de Direito Material –
“Ação” Processual): uma Resposta a Guilherme Rizzo Amaral”. Genesis: Revista de Direito Processual Civil,
Curitiba, Genesis, 2004, n. 34, p. 690.
57
A garantia constitucional da ação tem como escopo o direito ao processo, conferindo
às partes não somente a resposta do Estado, mas também o direito ao contraditório e à ampla
defesa, influindo sobre a formação do convencimento do juiz, observando-se o devido
processo legal (art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal).
Para concretizar a função jurisdicional, o magistrado, cônscio do conteúdo da
constituição, atribuirá sentido ao caso concreto, dando a tutela concreta ao direito substancial,
pacificando, assim, os conflitos, evitando a potencialização e o agravamento das discussões.
Cabe ao Estado-Juiz, por meio da jurisdição, tutelar os direitos e não apenas informar
quais são protegidos, realizando-os no plano fático, tornando-a efetiva65, descaracterizando-se
assim aquela ideia de que “a parte ganhou, mas não levou”.
O juiz contemporâneo deve se preocupar principalmente em proporcionar a eficiente
prestação jurisdicional, com resposta idônea ao gozo efetivo do direito pleiteado. O princípio
da efetividade está diretamente relacionado com a garantia da tutela executiva, com o
emprego de meios executivos necessários para efetivar o direito material no mundo fático,
sendo aptos a possibilitar a real satisfatividade do direito digno da respectiva tutela.
Assim também é o pensamento de Marcelo Guerra66 ao tratar da efetividade,
delineando “[...] um sistema completo de tutela executiva, no qual existem meios executivos
capazes de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor da tutela
executiva”.
A questão do acesso à justiça envolve a necessidade do direito de ir a juízo, seja para
requerer a tutela do Estado, servindo-se de uma petição inicial, seja também para apresentar a
sua resposta, através dos meios legais de defesa, imbuído da ideia de que os problemas
econômicos, sociais e culturais não impeçam o acesso à jurisdição, uma vez que isso negaria o
direito de desfrutar da prestação social necessária para o indivíduo viver de forma harmônica
na sociedade.
Desse modo, não haverá decisão legítima sem se oportunizar àqueles que são afetados
por seus efeitos jurídicos a apropriada oportunidade de participação na formação do julgado.
65 Nesse sentido, afirma Fredie Didier Jr: “[...] os direitos devem ser, além de reconhecidos, efetivados. Processo
devido é processo efetivo.” (DIDIER Jr, Fredie. 2015, op. cit., p. 113). 66 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos Fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT,
2003, p. 102.
58
Explica-se, com isso, a cognição judicial, que é, conforme Kazuo Watanabe67,
prevalentemente um ato de inteligência, pois consiste em analisar e valorar as questões de fato
e de direito que são alegadas no processo pelas partes, e cujo resultado é o alicerce, o
fundamento do iudicium.
O magistrado, através da análise judicial, resolve as questões que lhe são postas,
realizando uma série de atividades intelectuais, fazendo valer a vontade da lei no caso
concreto.
A cognição servirá de preparo para a conclusão do juiz (que é a decisão ou o
provimento jurisdicional), resolvendo paulatinamente as várias questões de fato e de direito
relevantes da causa, de forma fundamentada.
A cognição68 é técnica comum a todos os tipos de processo, predominando com maior
intensidade no processo de conhecimento.
Luiz Marinoni69 explica ainda que a concretização do direito de acesso à justiça
“é indispensável à própria configuração de Estado, uma vez que não há como pensar em
proibição da tutela privada, e, assim, em Estado, sem se viabilizar a todos a possibilidade de
efetivo acesso ao Poder Judiciário.”
Deve-se buscar, também, a melhor verdade possível dentro do processo, levando-se
em conta as limitações existentes e a consciência de que a busca não é um fim em si mesmo,
apenas funcionando como um dos fatores para a efetiva realização da justiça, enaltecendo esse
direito do acesso à justiça, por meio da prestação jurisdicional de boa qualidade.
Analisando comparativamente o movimento de acesso à justiça, Cappelletti e Garth70
constataram três ondas (waves) que invadem em número crescente os Estados
contemporâneos.
67 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: RT, 1987, p. 41. 68 “Explica-se esse conceito: a finalidade essencial do módulo processual de conhecimento é a obtenção de uma
declaração, consistente em conferir-se certeza jurídica à existência ou inexistência do direito afirmado pelo
demandante em sua petição inicial. Para prolatar o provimento capaz de permitir que se alcance esta finalidade, é
preciso que o juiz examine e valore as alegações e as provas produzidas no processo, a fim de emitir seus juízos
de valor acerca das mesmas. A esta técnica de análise e valoração é que se dá o nome de cognição” (CÂMARA,
Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 15.ed., revista e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006, v. 1, p. 275). 69 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, v.l, p. 185. 70 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre: Fabris, 1988, p. 31-73.
59
A primeira onda data da representação legal do pobre: a pobreza (pobreza econômica
e seus efeitos culturais, sociais e jurídicos) como obstáculo ao acesso ao Judiciário.
A segunda onda tem a ver com a proteção aos interesses difusos. O problema social
reside não só nas hipóteses de consumo, fraude publicitária, adulteração de alimentos,
poluição, como também em relação a minorias raciais e outras minorias (idosos e jovens).
A terceira onda diz respeito ao risco da burocratização do Poder Judiciário,
propondo-se atuação mais humana do julgador e a simplificação do procedimento e dos atos
judiciais e do próprio direito substancial.
No Brasil, o estudo dessas ondas teve como consequência uma série de reformas,
desde a implantação da gratuidade de justiça, indo até a reestruturação do Poder Judiciário,
por meio da Emenda Constitucional nº 45, além da instituição de novo Código de Processo
Civil (Lei nº 13.105, de 16/03/15) e continua se desenvolvendo, com o propósito de se obter o
que se chama de ordem jurídica efetiva, sob os aspectos formal e substancial.
Mauro Cappelletti e Garth71, em seus estudos sobre o acesso à justiça, afirmam que
este é o mais básico dos direitos do homem e o centro da doutrina processual moderna.
O amplo acesso ao Poder Judiciário é condição primordial para a realização do Estado
Democrático de Direito, devendo o processo ser utilizado de forma a garantir às partes acesso
à justiça, ou seja, a uma ordem jurídica justa.72
Nesse sentido, o STF73 decidiu que: “A ordem jurídico-constitucional assegura aos
cidadãos o acesso ao Judiciário em concepção maior. Engloba a entrega da prestação
jurisdicional da forma mais completa e convincente possível.”
Nessa perspectiva, acesso à ordem jurídica justa corresponde ao meio de buscar a
tutela do Estado-Juiz e ter à disposição instrumentos constitucionais previstos para alcançar
essa meta, uma vez que se garante aos jurisdicionados o devido processo constitucional.74
71 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. 1988, op. cit., p. 12-13. 72 “A problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos
judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal, e sim de
viabilizar o acesso à ordem jurídica justa”. (WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e Sociedade Moderna. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido; WATANABE, Kazuo (org.). Participação e processo.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 128). 73 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª T. RE. n. 158.655-9/PA – rel. Min. Marco Aurélio, Diário da
Justiça, Seção I, 2 maio 1997, p. 16567. 74 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência,
3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 71.
60
Asseguram-se aos litigantes condições importantes ao acesso formal e efetivo à
justiça, amparado no direito de requerer e, como consectário, conseguir a resposta no tempo
razoável. Pressupõe ser necessária a instrumentalização do processo, como meio de
concretização do direito substancial, que não pode ser afastado da realidade da sociedade.
Conquanto seja conferida ao cidadão a solução de suas controvérsias no Judiciário,
vários obstáculos são impostos aos litigantes, que muitas vezes não apresentam condições de
travar a luta com paridade de armas. À guisa de informação, citam-se as altas custas
processuais, a ausência de defesa técnica, o excesso de formalismo e legalismo, o
desconhecimento dos precedentes judiciais e a morosidade na resolução do processo.
Vale deixar claro que para se atingir o objetivo do processo, os legisladores e
magistrados devem escolher, dentre as alternativas processuais possíveis, aquelas que
traduzem em eficiência e menor custo operacional.
O que quer comprovar com isso que a adoção dos precedentes vinculantes tende a ser
uma opção viável para que o processo se desenvolva de forma mais econômica, célere,
isonômica, sem argumentações desnecessárias, otimizando o tempo do magistrado para
apreciação de outros casos mais complexos. Tudo isso vai importar no amplo acesso à justiça,
como justificado neste capítulo.
Por isso, a se refletir o direito processual na ideia de novo paradigma de efetividade
ampla, é necessário romper uma vez por todas com entendimentos retrógrados, que não mais
respondem aos imperativos do Estado Constitucional contemporâneo, a exemplo de que o
sistema de precedentes viola a garantia do acesso à justiça.
Não se pode concordar com isso, pois o direito fundamental do acesso à justiça não
pode demonstrar desvinculação com precedentes judiciais. Quando os tribunais superiores
descortinam o sentido da norma jurídica, o Poder Judiciário como um todo deve decidir de
conformidade com esse precedente, em casos futuros análogos.
Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni75 leciona:
Assim, a vinculação aos precedentes, ao invés de negar, fortalece o direito de acesso
à justiça. Ora, não há como admitir decisões múltiplas e contraditórias a um mesmo
caso; a previsibilidade e a estabilidade são imprescindíveis. A previsibilidade
elimina a litigiosidade, evitando a propositura de demandas em um ambiente aberto
a soluções díspares, que, inevitavelmente, desgastam e enfraquecem o Poder
Judiciário [...] Afinal, se existe algo que viola o direito de acesso à justiça é a
75 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2016, p. 154-155.
61
imposição do ônus de a parte, desnecessariamente, litigar para ter seu direito
protegido. Isso viola, de forma inocultável, os direitos fundamentais à tutela
jurisdicional efetiva e à duração razoável do processo.
Necessário também evidenciar que a continuidade do movimento de acesso à justiça se
fez constar no novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015, atualizado pela Lei nº
13.256/2016), com a inclusão das técnicas de julgamento de recursos extraordinários e
especiais repetitivos e de incidentes de resolução de demandas em série e de assunção de
competência, além da instituição de um sistema vinculante de precedentes.
Por tudo isso, conclui-se que toda essa problemática exige do operador do direito
mudança de mentalidade e também mentalidade de mudança, forte na realidade social que se
apresenta em constante mutação, mormente se tratando de respeito à força obrigatória dos
precedentes.
62
3 A TEORIA GERAL DOS PRECEDENTES JUDICIAIS E SUAS
ESPECIFICIDADES
As mudanças recentes no ordenamento jurídico brasileiro, tanto constitucionais, como
na legislação, convergem para a prática dos operadores do direito de empregarem decisões
prévias dos tribunais, sejam pacificadas ou isoladas, como mecanismos de aferição e
motivação das teses e pretensões jurídicas no caso concreto.
Ressalta-se que o estudo a respeito da utilização de precedentes vem obtendo espaço
no meio jurídico nacional e internacional.
Necessário aportar neste escrito algumas características que distinguem o precedente
do costume, jurisprudência, ementa, súmulas, coisa julgada e das decisões judiciais, pois
ainda não se tem a adequada categorização e compreensão sobre o tema.
Como consequência, vê-se o crucial caos teórico, sem a sistematização racional,
mesclando-se conceitos e categorias trazidas de outras tradições jurídicas, além de se
evidenciar a presença do uso aleatório de aspectos hermenêuticos na solução do problema em
relação ao caso paradigma.
Na perspectiva teórica, a lei em si passou a ser considerada uma variável inicial da
atividade de interpretação do caso jurídico. A posição do Judiciário nesse mister é estratégica
por diligenciar a formulação do direito por meio do processo dialógico com a participação de
todos os sujeitos processuais no ônus argumentativo. Sobressaem-se, assim, os
pronunciamentos jurisdicionais com força de precedentes, que passam a regular os
comportamentos sociais, dando-lhes segurança e previsibilidade.
Pela perspectiva político-institucional, o Poder Judiciário alcançou um degrau a mais,
institucionalmente falando, anteriormente ocupado pelo Legislativo, que em face das
transformações sociais constantes, deixou de legislar sobre temas essenciais e urgentes,
trazendo para o Judiciário o papel atípico último de realização e efetivação do direito.
Por outro lado, vê-se também a praticidade no acesso às diversas decisões dos
tribunais pátrios e também estrangeiros, por meio de mídias físicas e virtuais, sites
pretorianos, além de revistas especializadas e farta doutrina, de forma que a popularização dos
precedentes em muito auxilia no desenvolvimento profissional e na cognoscibilidade da
sociedade como todo, fortalecendo o sistema precedencialista.
63
A atuação jurisdicional e o lugar dimensionado pelos seus decisórios são bastante
influenciados pelo sistema jurídico no qual o ordenamento está disposto. Cada país tem a sua
forma particular de operar com precedentes e sua funcionalidade diante dos ditames
constitucionais, da legislação respectiva e da hermenêutica utilizada.
No mundo atual existem duas tradições jurídicas que exercem grande influência nos
ordenamentos: a civil law e a common law. Ambas tem sido levadas para outros países,
divergindo por seu grau de eficácia.
Por outro lado, defende-se aqui neste escrito o entendimento de tratar o precedente
judicial como fonte do direito, porquanto ele é considerado um texto, de onde vai se
reconstruir a norma jurídica, da mesma forma que da lei se extrai um significado normativo.
As razões de decidir do pronunciamento judicial devem ser utilizadas pelos magistrados
subsequentes, de forma vinculante.
Não se vislumbra tratar o precedente como instituto isolado do ordenamento, como se
fosse um fenômeno estanque e não comunicável. Na realidade, os precedentes e as leis são
normas jurídicas e fontes distintas, que devem ser entendidas como parte de um sistema, que
respeitam iguais princípios e regras, devendo ambos conviverem de forma harmônica.
O sistema vinculante de precedentes sustenta vantagens e desvantagens que
necessitam ser aqui debatidas, de forma a legitimar democraticamente a opção adotada pelo
legislador e a evitar que seja mal aplicado pelos tribunais.
64
3.1 AS TRADIÇÕES JURÍDICAS DO COMMON LAW E DO CIVIL LAW: DIÁLOGOS E
CONVERGÊNCIAS
São reconhecidas várias tradições jurídicas pelo mundo. O direito ocidental identifica
as duas tradições principais e detentoras de maior influência, que são a common law e a civil
law (também chamada romano-germânica). Aqui, pelo objeto do estudo, interessa apenas
esses dois sistemas.
A common law é a tradição jurídica que se faz presente nos ordenamentos que vige na
Inglaterra, Austrália, Irlanda, Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia, além de fundamental
influência no direito de alguns países da África e Ásia.
A respeito da common law, afirma Miguel Reale76 que "[…] se revela muito mais
pelos usos e costumes e pela jurisprudência, do que pelo trabalho abstrato e genérico dos
parlamentos. Trata-se, mais propriamente, de um Direito misto, costumeiro e jurisprudencial".
A tradição da civil law encontra-se inserida na Europa, na América Latina, no Brasil,
em diversos países da Ásia e da África. É a mais antiga e também a mais conhecida, tendo sua
origem ligada a 450 a.C., com a publicidade das Doze Tábuas em Roma.
Sobre o civil law o autor acima assevera que "[...] caracteriza-se pelo primado do
processo legislativo, com atribuição de valor secundário às demais fontes do direito."77
Essas duas tradições não estão separadas um da outra, tendo vários contatos e
recíprocas influências. Reconhecem-se que existem diferenças grandes entre os sistemas
jurídicos inseridos nesses países, haja vista a diversidade de normativos legais,
procedimentais e institucionais.
John Merryman e Pérez-Perdomo78 conceituam o termo tradição jurídica não o
complexo de instituições jurídicas, procedimentos e enunciados normativos vigentes em um
país (a isso, eles denominam de sistema jurídico), sendo na verdade:
[...] um conjunto de atitudes historicamente condicionadas e profundamente
enraizadas a respeito da natureza do direito e do seu papel na sociedade e na
organização política, sobre a forma adequada da organização e operação do sistema
legal e, finalmente, sobre como o direito deve ser produzido, aplicado, estudado,
76 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 142. 77 REALE, Miguel. 2003, op. cit. p. 141-142. 78 MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. A tradição da Civil Law: uma introdução aos
sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Ed., 2009, p. 21-23.
65
aperfeiçoado e ensinado. A tradição jurídica coloca o sistema legal na perspectiva
cultural da qual ele, em parte, é uma expressão.
Nesse viés, entende-se a tradição enquanto processo de desenvolvimento e
conhecimento cultural de determinada sociedade, dando-lhe significado e contextualização.
Resulta significação para o direito a partir da cultura do lugar, inter-relacionando-se.
As tradições jurídicas se assemelham por utilizarem textos de lei, doutrina e decisões
judiciais como artefatos do direito. A divergência é notada na forma de operar com esses
elementos e a primazia que lhes é atribuída, possuindo modelos próprios que dão moldura aos
seus institutos legais.
Ao se importar elemento de determinada tradição para outra, ocorre a modificação e
adaptação pelo ordenamento em que é inserido. A importação não acontece de forma pura.
Essa interiorização de técnicas, modelos e definições alienígenas no espaço de outro
ordenamento é denominada de recepção jurídica ou circulação de normativos. A tradição do
Brasil é notoriamente particular, apresentando sinais característicos das tradições da Europa e
dos Estados Unidos, o que se afigura uma tradição híbrida.
É certo que os sistemas do commom law e civil law nasceram em meio a situações
políticas e culturais diferenciadas, ocasionando o surgimento de tradições jurídicas distintas,
caracterizadas por elementos específicos de cada um. As discrepâncias culturais entre os
países por si só não são óbices para a implementação do fenômeno da recepção do direito.
Como exemplo, cita-se o ordenamento jurídico do Japão que sofre muita influência do Direito
francês, alemão e dos Estados Unidos.
O sistema brasileiro incorporou vários aspectos jurídicos advindos dos Estados
Unidos, a exemplo da forma federalista e republicana, o controle incidental de
constitucionalidade e o próprio papel desempenhado pelo STF, com inspiração estadunidense.
O devido processo legal na seara processual pátria é outro instituto importado do common
law.
A tradição jurídica do civil law, com forte influência da Revolução Francesa,
descaracterizou-se com a evolução da sociedade. O magistrado, baseado na corrente
positivista, antes vetado de interpretar a legislação, foi aos poucos trazendo para si essa
função interpretativa, principalmente com as novas definições de direito e da jurisdição,
fundamentado pelas ideias do neoconstitucionalismo.
66
A forma de decisão a partir de precedentes, utilizando-os como fundamentos
argumentativos, constitui alicerce das tradições jurídicas anglo-saxônicas, com adesão ao
sistema do common law. No caso brasileiro, tem-se o sistema híbrido, com a feitura de
decisões judiciais baseadas em precedentes, com adaptação ao ordenamento previsto no civil
law. O Brasil é historicamente arraigado ao sistema jurídico romano-germânico, com feição
de civil law.79
Necessário entender que a segurança jurídica, muito forte no civil law por conta da
estrita aplicabilidade da lei, não tem como se afastar do sistema de precedentes, onde casos
iguais devem ser julgados do mesmo modo, dando racionalidade ao direito. Esse sistema não
é restrito ao desenvolvimento do direito do common law. O poder dos precedentes
obrigatórios é importante para manter coesão ao sistema jurídico, a isonomia, a estabilidade, a
previsibilidade e a efetividade das decisões das cortes supremas.
A jurisdição, antes com a sua característica declaratória da vontade da lei, destina-se
agora a levar o julgador a conformar todo o ordenamento jurídico aos direitos previstos na
constituição, fazendo valer a sua força normativa. Acrescenta-se que o magistrado não pode
agir como simples servo do Poder Legislativo. Sua função judicial vai muito além, devendo
adaptar as regras e os princípios às realidades sociais, com interpretação condizente com o
modelo de efetivação concreta dos direitos.
Luiz Guilherme Marinoni80 nesse mesmo sentido acentua:
A dificuldade em ver o papel do juiz sob o constitucionalismo impede que se
perceba que a tarefa do juiz do civil law, na atualidade, está muito próxima da
exercida pelo juiz do common law. Ora, é exatamente a cegueira para a aproximação
das jurisdições destes sistemas que não permite enxergar a relevância de um sistema
de precedentes no civil law.
O que pode variar entre os dois sistemas é a importância que se confere à legislação
codificada e a atividade que o magistrado leva em conta ao interpretá-la. O juiz tem a
79 Nesse contexto, segue o pensamento de Júlio César Rossi: [...] Nossos precedentes possuem características
muito peculiares que os afastam dos estadunidenses (common law), e também dos precedentes do civil law, não
porque os sistemas não interajam, mas pela existência da seguinte peculiaridade ou particularidade: pretendemos
construir um precedente que estabeleça uma série de soluções para abarcar as mais diversas peculiaridades
possivelmente existentes em qualquer espécie de lide (seja assemelhada, seja repetitiva), o qual possa ser fruto
de um único julgamento e cuja decisão seja de aplicação obrigatória a todos os demais, que se encontrem em
qualquer grau de jurisdição, sob pena de sua não aplicação gerar o cabimento de reclamação diretamente no
órgão judiciário criador da decisão-padrão, cabendo a ele verificar se é ou não caso de aplicação do seu
precedente. (ROSSI, Júlio César. Precedente à Brasileira: A jurisprudência vinculante no CPC e no novo CPC.
São Paulo: Atlas, 2015, p.152-153) 80 MARINONI, Luiz Guilherme. 2016, op. cit., p. 60.
67
incumbência de preservar a coerência do direito e de manter o respeito e a credibilidade do
Judiciário perante a sociedade. Ele não soluciona o caso para si, mas para o cidadão, que ali
aporta sua demanda. O julgamento do juiz de piso deve respeitar a autoridade das decisões
judiciais das cortes de vértice.
Necessário frisar que o reconhecimento da jurisprudência como fonte é decorrência,
principalmente, das interações entre as duas tradições jurídicas da common law e civil law. A
decisão jurisdicional, além de norma particular para o caso sob exame, também serve de
normativo geral para casos futuros semelhantes, dando ênfase à parte da fundamentação, de
onde se retira o precedente, com eficácia vinculante ou persuasiva.
Durante o curso do presente trabalho outras características serão vistas sobre as duas
tradições jurídicas, dentro do contexto apropriado ao tema.
68
3.2 PRECEDENTES JUDICIAIS: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E EFICÁCIA
Aloca-se o precedente como fazendo parte da Teoria Geral do Direito, a qual trata de
matéria jurídica que tem a diretriz de elaborar, organizar e desenvolver ideias essenciais à
intelecção do método jurídico e da análise do direito. Essa disciplina relaciona-se de igual
modo com a teoria das fontes.
Com o neoconstitucionalismo, diversas mudanças ocorreram nos últimos anos,
especialmente sobre a Teoria do Direito e consequentemente sobre a Teoria Geral do
Processo, que está contida na primeira disciplina.
Com relação ao Direito Constitucional, três significativas alterações: o
reconhecimento da constituição como fonte normativa principal, que produz eficácia e
aplicabilidade imediata; os direitos fundamentais que passaram a orientar a produção de
outras normas e também como direitos subjetivos; e o alargamento da jurisdição
constitucional, a exemplo de mecanismos de controle de constitucionalidade, do instituto da
repercussão geral, da constitucionalização do direito processual, entre outros.
Relacionando-se com a Teoria das Fontes, necessário afirmar três amplas mudanças: o
enquadramento dos princípios como norma jurídica; as cláusulas gerais; a jurisprudência
entendida como fonte normativa.
De acordo com Fredie Didier, há uma proximidade entre a cláusula geral e o
precedente judicial, revelando-se em duas facetas:
[...] Primeiramente, a cláusula geral reforça o papel da jurisprudência na criação de
normas gerais: a reiteração da aplicação de uma mesma ratio decidendi dá
especificidade ao conteúdo normativo de uma cláusula geral, sem, contudo,
esvaziá-la; [...] Além disso, a cláusula geral funciona como elemento de conexão,
permitindo ao juiz fundamentar a sua decisão em casos precedentemente julgados.
Continuando, Didier faz a distinção entre cláusula geral e princípio, onde expõe:
[...] Cláusula geral é um texto jurídico; princípio é norma. São institutos que
operam em níveis diferentes do fenômeno normativo. A norma jurídica é produto da
interpretação de um texto jurídico. Interpretam-se textos jurídicos para que se
verifique qual norma deles pode ser extraída. Um princípio pode ser extraído de uma
cláusula geral, e é o que costuma acontecer. Mas a cláusula geral é texto que pode
servir de suporte para o surgimento de uma regra [...].81
81 DIDIER JR., Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, essa desconhecida. Salvador: Juspodivm, 2012,
p. 160-161.
69
Essencial ressaltar que o princípio do devido processo é exemplo de norma que advém
de uma cláusula geral. O regramento de que a decisão deve ser fundamentada é exemplo
também da cláusula geral do devido processo.
É inegável que a subsistência de cláusulas gerais dignifica a criatividade jurisdicional,
onde o campo de atuação do juiz é mais fértil para a edificação do sistema jurídico, com a
resolução dos conflitos levados a sua apreciação.
O reconhecimento da força obrigatória do precedente é fenômeno que pode acontecer
em qualquer lugar, não sendo exclusividade deste ou daquele país. Todo sistema jurídico
reporta-se a precedentes, como parte de sua experiência metodológica, diferenciando quanto à
forma e quanto ao reconhecimento alcançado em cada sistema jurídico.
O stare decisis é uma linguagem latina que tem o sentido de “concordar com ou anuir
a casos já solucionados ou não perturbar coisas que estão estabelecidas”, o que no mundo
jurídico esta expressão está relacionada à cultura de respeito dos tribunais aos precedentes. A
regra jurídica estabelecida no caso paradigma deve ser seguida e empregada em todos os
casos posteriores em que há semelhança de fatos e de direito.
A doutrina do stare decisis, no pensamento de Toni M. Fine, estipula que, “uma vez
que um tribunal tenha decidido uma questão legal, os casos subsequentes que apresentem
fatos semelhantes devem ser decididos de maneira consentânea com a decisão anterior”.82
Esse princípio não prescreve total obediência às decisões pretéritas. Ele possibilita que
os tribunais aufiram benefícios da sabedoria do passado, mas não aceitem o que já esteja
superado ou errôneo, com a análise sólida e fundamentada sobre a aplicabilidade do
precedente. O stare decisis não proclama apenas estabilidade e uniformidade, deixando
patente a flexibilidade para o desenvolvimento do direito, se necessária for.
São expressões que não se equivalem – stare decisis e precedentes – bastante
utilizados na prática como equivalentes. O desenvolvimento prático do primeiro leva aos
precedentes judiciais, porquanto aquele garante a estabilidade das decisões pretorianas, dando
racionalidade ao sistema. Os precedentes dizem respeito ao procedimento do tribunal e juízes
de instâncias inferiores em segui-los, como decorrência da regra do stare decisis.
A existência de um padrão de stare decisis abarca dois requisitos: a) um sistema
organizado de magistrados e tribunais, de forma hierarquizada, tanto vertical (respeito aos
82 FINE, Toni M. O uso do precedente e o papel do princípio do stare decisis no sistema legal
norte-americano. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, vol. 782, 2000, p.90.
70
precedentes das cortes superiores pelos juízes de instância inferior) quanto horizontalmente
(observância dos precedentes pelos juízes da própria corte); b) publicidade e divulgação do
conteúdo dos padrões decisórios para consulta e acesso por toda a comunidade jurídica e
também da sociedade.
Nesse sentido, passa-se a discorrer sobre tópicos necessários ao entendimento do tema.
3.2.1 Conceito: Distinções Relevantes
É sabido que toda norma jurídica é alvo de ser interpretada, quer seja o ato normativo
escrito (seu foco mais abrangente), quer seja a decisão formada em juízo, como também o
direito relativo aos costumes ou ao tratado de ordem internacional. Isso é necessário para se
aclarar o verdadeiro sentido e alcance do texto normativo.
As normas representam o significado tirado de uma ou mais disposições legais ou de
atos normativos, de conformidade com o trabalho do intérprete na ocasião da aplicação. Por
isso, a norma traduz-se no resultado desse exercício interpretativo.
Cabe ao tribunal a incumbência de interpretar a norma jurídica para decidir um caso
concreto e, a partir daí, extrair o precedente que vai gerir os casos análogos posteriores. Há a
atividade de interpretação por parte do juiz, assim como o necessário contraditório com a
participação efetiva das partes sobre a maneira exata de se aplicar o pronunciamento, que terá
força vinculante.
Com o fortalecimento dos precedentes, desafia-se para o Judiciário a relevante função
de preservação dos princípios da segurança jurídica e da igualdade dos jurisdicionados, ambos
inseridos na constituição.
O CPC/2015 titubeia na utilização corrente de termos como “precedente”,
“jurisprudência” e “súmula”, de forma atécnica e inadequada, por vezes. Há, pois, uma
diferenciação entre essas expressões.
Inicia-se por definir o que seja precedente. Trata-se de decisão judicial, prolatada em
um processo prévio, que servirá como alicerce para formação de outro pronunciamento
jurisdicional, que vem a ser posteriormente proferido. A decisão anterior que serviu de base é
considerada o precedente.
71
Karl Larenz83, em enxuto conceito, afirma que os precedentes judiciais são
“resoluções em que a mesma questão jurídica, sobre a qual há que decidir novamente, já foi
resolvida uma vez por um tribunal noutro caso”.
Por outro lado, justifica-se também que a decisão pronunciada por um tribunal, nem
sempre se considera um precedente. A resposta estatal deve transcender o caso particular,
devendo gerar efeitos normativos para frente em casos análogos. Deve proporcionar conteúdo
com a característica de universalização e de dizer a regra jurídica.
Hermes Zaneti Jr84 assim propõe:
Os precedentes [...] não se confundem também com as decisões judiciais. Isso
porque as decisões judiciais, mesmo que exaradas pelos tribunais superiores ou
Cortes Supremas, poderão não constituir precedentes. Neste sentido, duas razões
podem ser indicadas para que nem toda decisão judicial seja um precedente: a) não
será precedente a decisão que aplicar lei não-objeto de controvérsia, ou seja, a
decisão que apenas refletir a interpretação dada a uma norma legal vinculativa pela
própria força da lei não gera um precedente, pois a regra legal é uma razão
determinativa, e não depende da força do precedente para ser vinculativa; b) a
decisão pode citar uma decisão anterior, sem fazer qualquer especificação nova ao
caso e, portanto, a vinculação decorre do precedente anterior, do caso-precedente, e
não da decisão presente no caso-atual [...] Assim como, não será precedente, a
decisão que apenas se limitar a indicar a subsunção de fatos ao texto legal, sem
apresentar conteúdo interpretativo relevante para o caso-atual e para os
casos-futuros.
Mesmo possível denominar todo precedente como uma decisão, o contrário não
acontece, porque nem todo decisório judicial será obedecido como precedente. Nem toda
decisão jurisdicional cuidará de circunstância que retornará ao crivo do Judiciário, por não
possuir caráter de construção de uma norma universalizante, qualidade fundamental para o
emprego de precedentes. Os precedentes são motivos generalizáveis que possibilitam a sua
identificação no cotejo com as decisões judiciais e são criados a partir desses decisórios, os
quais servem como matéria prima.
Júlio César Rossi85 assim define o que é precedente:
Entendamos o precedente como resultado (norma jurídica estabelecida para uma
dada situação concreta) de um único julgamento, de uma série de julgamentos,
oriundos de um tribunal local, federal, ou mesmo dos Tribunais Superiores e do
STF, o fato é que o precedente não é apenas e tão somente, por assim dizer,
‘julgado’. Ele representa a essência, o ponto central da discussão levado à
apreciação do Poder Judiciário para a solução de uma determinada lide. [...] Uma
83 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009,
p. 611. 84 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente
vinculantes. 3. ed. rev., amp. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 333-334. 85 ROSSI, Júlio César. 2015, op. cit., p. 159.
72
premissa parece clara: o precedente não se confunde com texto legal, de modo que
não traz em seu bojo as características da generalidade, abstratividade,
imperatividade, impessoalidade etc., todos esses elementos ínsitos à qualidade
normativa.
Para compreender melhor o sistema de precedentes, necessário estabelecer uma
diferenciação entre estes e a jurisprudência, aqui exemplificando o artigo 926 do CPC “Os
tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
Direito Jurisprudencial é um discurso empregado habitualmente nos países de civil
law. Conceitua-se jurisprudência como várias decisões judiciais, prolatadas pelos tribunais,
sobre determinado tipo de questão, no mesmo sentido.
Ela é constituída por precedentes vinculantes e de persuasão, que são empregados
como fundamentação jurídica em outros feitos, e também formada de simples decisões
reiteradas. No entanto, a jurisprudência não se caracteriza como uma fonte de força
obrigatória e que tenha validade, sob o aspecto dogmático, a exemplo da constituição e da lei,
as quais são reconhecidas como vinculantes.
Michele Taruffo, tratando de jurisprudência e precedente, explica que há uma
distinção entre ambos, tanto de caráter quantitativo, quanto de qualitativo. No aspecto
quantitativo, ao referir-se à formação do precedente seria necessária apenas a decisão inerente
a um caso específico, enquanto que a jurisprudência refere-se à pluralidade de decisórios
decorrentes de inúmeros casos concretos (às vezes dezenas ou centenas).
Quanto ao viés qualitativo, os precedentes identificam o regramento universalizável, o
qual é aplicado como critério que servirá de paradigma para a decisão no futuro caso
concreto, por conta da semelhança ou da análise comparativa dos fatos da causa anterior e do
subsequente. O magistrado do caso posterior que dirá se existe ou não precedente, dando-lhe
concretude.86
No sentido descrito pelo autor, constata-se diferença quantitativa importante entre os
dois institutos. O precedente trata-se de decisão judicial, que foi prolatada em um caso,
servindo de diretriz para casos análogos futuros. A jurisprudência, de outro modo, trata-se de
uma gama reiterada de decisões judiciais, com entendimento linear e constante sobre
determinado tipo de matéria, dando azo a demonstrar o pensamento do tribunal sobre a
interpretação da norma jurídica.
86 TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. Napoli: Editoriale Scientifica, 2007, p. 11-20.
73
O precedente é objetivo, pois se reporta à decisão que vai servir de suporte para
decisão de outras ações. A jurisprudência, no entanto, ela tem caráter abstrato, não estando
configurada de modo objetivo em julgamento algum, pois extraída da interpretação e
aplicação pelo tribunal de similar matéria jurídica, de forma majoritária em relação ao seu
entendimento, não tendo autoridade vinculante.
A jurisprudência predominante pode ser transformada em enunciado de súmula,
tradicionalmente chamada de súmulas, que é o resultado do precedente que se constituiu em
uma jurisprudência majoritária, ou seja, é a síntese da jurisprudência que predomina no
tribunal.
Adquire o nome de súmulas por advir de órgão fracionário de determinada corte. O
tribunal, ao verificar já ter constituído o entendimento majoritário, firme e constante acerca de
certa matéria jurídica, formaliza essa construção mediante verbete de súmula, materializando
objetivamente a jurisprudência dominante naquele sentido. Elas constituem método de
trabalho, não dispondo também de força vinculante.
Segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery87, a melhor definição de
súmula é:
O conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência reiterada e
predominante no tribunal e vem traduzido em forma de verbetes sintéticos
numerados e editados. O objetivo da súmula é fixar teses jurídicas in abstrato que
devem ser seguidas pelos membros do tribunal, de modo a facilitar o exercício da
atividade jurisdicional pelo tribunal que as editou.
Não se permite informar apenas o enunciado da súmula, mas de igual modo as
decisões judiciais oriundas dos processos em que tal assunto foi discutido e decidido
(referência aos precedentes anteriores), possibilitando o conhecimento das circunstâncias que
conduziram à construção daquele verbete e as razões jurídicas que alicerçaram tal
entendimento. 88
Somente dessa forma haverá a possibilidade de se demonstrar o alcance certo da
norma jurídica que se pretendeu arrematar no enunciado sumular.
87 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada. 2. ed. São
Paulo: RT, 2009, p. 529. 88 Esse requisito está disposto no art. 926, par. 2º, do CPC, que diz: “Ao editar enunciados de súmula, os
tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação”. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 25 fev.2018.
74
Cumpre registrar que os regimentos internos dos tribunais devem prever o
procedimento para construção de súmulas, bem como a sua alteração e eventual
cancelamento, com a previsão de realização de audiências públicas e intervenção do amicus
curiae, de forma que haja o contraditório substancial a respeito da rediscussão da regra
jurídica firmada.89
Sem o desejo de aprofundar o assunto, forçoso determinar a diferença entre súmula
vinculante e demais enunciados de súmulas das cortes.
A súmula vinculante está prevista no art. 103-A, da Constituição Federal, dando
legitimidade ao Supremo Tribunal Federal, de ofício ou a requerimento, para aprovar súmulas
que terão efeito vinculante aos órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nos âmbitos federal, estadual, municipal e distrital, de forma que esses entes
judiciários e administrativos não podem decidir em desconformidade com as referidas
súmulas. São, pois, de aplicação obrigatória, não podendo deixar de aplicá-las e decidir de
forma desigual.
Os enunciados de súmula, chamados persuasivos, não possuem eficácia vinculante,
sendo simplesmente argumentativos, permitindo aos juízes decidirem legitimamente de modo
diferente, desde que o faça de forma fundamentada, justificando o não emprego do enunciado
sumular. Essas súmulas indicam qual entendimento tem predominado em determinado
tribunal.
Quando o precedente é reiteradamente utilizado, transforma-se em jurisprudência que,
se predominante na corte, pode resultar na emissão do enunciado de súmula.
Ademais, distingue-se a ementa do precedente, porque aquela corresponde ao requisito
obrigatório que deve constar dos acórdãos proferidos pelos tribunais90, contendo resumo do
julgado, principalmente com o objetivo de publicidade e documentação. O precedente diz
respeito a todo o texto do decisório judicial. A ementa faz parte do texto decisório, não
devendo ser confundida com a norma que é edificada por meio do precedente.
89 Conferir art. 927, par. 2º, do CPC.
90 Ver art. 943, par. 1º, do CPC, que preceitua essa regra. “Art. 943. [...]. par. 1o Todo acórdão conterá ementa.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 25 fev.
2018.
75
Coadunando com o pensamento acima, Maurício Ramires reconhece que a ementa
“deve ser vista como não mais que um instrumento para proporcionar a catalogação da
decisão nos repertórios jurisprudenciais, facilitando o acesso à informação nela contida”91
Outra diferenciação que deve ser registrada diz respeito ao precedente e ao costume.
Aquele depende de um procedimento jurisdicional para que seja formado, enquanto o costume
não se submete a qualquer atividade judicante, sendo formado a partir de reiterados usos
sociais e reconhecidos pelo respectivo grupo. O precedente é fonte de direito oriundo do
Poder Judiciário, enquanto que o costume não advém de fonte estatal, podendo servir de base,
no entanto, para fundamentar a decisão judicial.
Por fim, também não se confunde coisa julgada com o precedente. Assemelham-se
por ambos preservarem a segurança jurídica, por estarem contidos na decisão judicial e por
vincularem os juízes subsequentes. Por outro lado, enquanto a coisa julgada tem eficácia entre
as partes processuais, o precedente está relacionado a todos os cidadãos, forte nos requisitos
da previsibilidade e confiança legítima.
A coisa julgada torna imutável e indiscutível o que foi decidido na sentença, com
efeitos extraprocessuais, impedindo que aquela mesma causa seja rediscutida em juízo,
envolvendo as partes litigantes, obrigando juízes hierarquicamente iguais ou superiores. O
precedente judicial põe fim à discussão das questões jurídicas, no que se refere à
constitucionalidade e/ou interpretação de uma lei, vinculando os magistrados
hierarquicamente inferiores, quanto à ratio decidendi daí extraída.
3.2.2 Natureza Jurídica
O vocábulo fonte significa nascente, procedência e atributo para diversas
manifestações jurídicas. Ao referir-se à fonte de direito, tem-se em evidência que se pretende
determinar a proveniência, onde se produz e se mostra o direito. A doutrina especifica as
fontes materiais ou substanciais e formais, mecanismos pelas quais o Direito se exterioriza no
ordenamento do país.
São exemplos de fontes formais a lei, o negócio jurídico, o precedente e o costume. Já
as fontes materiais dizem respeito às instituições ou grupos que detém competência para
91 RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 49.
76
emitir normas, por conta de sua autoridade, a exemplo do Congresso Nacional e do Poder
Executivo. Para o presente trabalho importam as fontes formais de direito.
Segundo TUCCI, a expressão fonte de direito, no âmbito do discurso jurídico, tem
significado o início do direito objetivo e, sob outra concepção, o veículo por meio do qual se
conhece o direito de certa experiência jurídica pretérita ou o local onde ele se apresenta. As
fontes formais de criação do direito são os modos pelos quais este último é manifestado.92
Assim, necessária a incursão sobre o tratamento dado aos precedentes enquanto
instrumento que emana normas jurídicas, delimitando-o como fonte, pois possibilitam a
extração de regras que fundamentarão novos julgamentos.
Conforme já visto, o precedente constitui a decisão primeira que formaliza a
tese/fundamentação jurídica, delineando de forma definitiva, tornando-a clara. Importante
justificar que o precedente pode assumir tecnicamente dois sentidos, extraído do magistério de
Lucas Buril93:
[...] Em sentido próprio, continente ou formal, é fato jurídico instrumento de criação
normativa, em outras palavras: é fonte de Direito, tratando-se de uma designação
relacional entre duas decisões. Já precedente em sentido impróprio é norma,
significado alcançado por redução do termo “norma do precedente”, que é
precisamente a ratio decidendi, esse sentido é também o substancial.
Os precedentes devem ser considerados fonte primária do direito, com caráter
vinculativo, no sentido próprio ou formal. É por meio da decisão que se identificará a norma
ou motivos determinantes do julgado. Trata-se de efeito anexo da respectiva decisão que dá
origem ao normativo que regerá casos futuros parecidos. O fato jurídico corresponde à
decisão formada em juízo.
Percebe-se que o segundo significado é o menos apropriado, pois confunde-se
precedente com a própria razão de decidir (ratio decidendi), que está contida no texto
decisório. Ele é referenciado pela própria norma extraída da motivação do julgado,
revelando-se como conceituação estrita. Neste caso, o precedente como sinônimo de ratio
decidendi configura princípio ou uma regra e não como fonte normativa do direito.
92 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2004, p.19-21. 93 MACEDO, Lucas Buril de. Precedentes Judiciais e o Direito Processual Civil. 2. ed. rev., atual. e ampl.
Salvador: JusPodivm, 2017, p. 73.
77
Assiste razão à Paula Sarno94, quando diz que a decisão judicial é, então:
[...] dupla fonte normativa, com a criação da norma individual que vincula as partes
do caso e da norma geral que vincula ou persuade também outros juízes e
jurisdicionados no bojo do julgamento de casos futuros, ainda mais quando
produzidas por tribunais superiores.
Os precedentes devem ser vistos, pois, como norma, sendo fonte formal primária e que
vincula os tribunais inferiores quanto ao que foi solucionado, haja vista a existência de uma
regra ou princípio com caráter universal.
Pelo fato de o Brasil ser compreendido pela doutrina dominante como país de tradição
civil law, é que decorre o papel da lei como critério principal para aplicação do direito,
especialmente o da subsunção. O juiz apenas declara a norma já existente para a resolução
correta do caso. Nesse compasso, extrai-se a negativa de que a jurisprudência não é fonte do
direito ou é caracterizada apenas como fonte secundária.
Mas não se pode pensar dessa forma, pois a interpretação legislativa não se resume
apenas em declarar o direito preexistente ou extrair um significado normativo. O processo
jurisdicional deve colaborar com a lei com o intuito de fornecer sentido ao direito, tornando-o
denso, objetivado e acessível aos jurisdicionados.
A observância dos precedentes é necessária ao Estado de Direito, muito embora tal
princípio não seja absoluto, a impor respeito de forma automática, sem algum senso crítico
por parte da comunidade jurídica e do juiz. A aplicabilidade sem motivação dos precedentes
gera a petrificação do direito, ocasionando, muitas vezes, injustiças na solução do caso.
Alterar os precedentes, não dar guarida a casos futuros e criação de novos
entendimentos judiciais fazem parte da desenvoltura da jurisprudência como fonte normativa.
Isso é normal, diante das mutações sociais, políticas, culturais e econômicas. O que não são
aceitáveis são mudanças arbitrárias, aleatórias, sem motivação e de forma constante, que
provocam instabilidade e insegurança ao sistema.
Assim, o respeito ao precedente por conta de sua obrigatoriedade ou o entendimento
de que é fonte formal não induz, por si só, que o Poder Judiciário tem força para criar o
direito, por sua própria vontade.
94 BRAGA, Paula Sarno. Norma de processo e norma de procedimento: o problema da repartição de
competência legislativa no Direito Constitucional brasileiro. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 57.
78
De outro ângulo, Pontes de Miranda, falando de incidência da regra e a eficácia, assim
afirmou:
A incidência da regra jurídica é sua eficácia; não se confunde com ela, nem com a
eficácia do fato jurídico; a eficácia da regra jurídica é a sua incidência; a do fato
jurídico, irradia-se, é juridicização das consequências dele, devido à incidência.
Cada regra de direito enuncia algo sobre fatos (positivos ou negativos). Se os fatos,
de que trata, se produzem, sobre eles incide a regra jurídica e irradia-se deles (feitos,
com a incidência, jurídicos) a eficácia jurídica. Já aqui estão nitidamente
distinguidos, apesar da confusão reinante na ciência europeia: a eficácia da regra
jurídica, que é de incidir, eficácia “legal” (da lei), eficácia nomológica (=da regra
jurídica); e a eficácia jurídica, mera irradiação de efeitos dos fatos jurídicos.95
Conquanto os precedentes já se encontrem presentes nos mais diversos sistemas
jurídicos, o grau de eficácia que contém é que é variável de acordo onde estão inseridos,
assunto que será abordado no próximo item.
3.2.3 Eficácia da Norma do Precedente
Necessário registrar que o precedente judicial é formado por duas partes: as
circunstâncias fáticas que nutrem a controvérsia e a tese ou razão jurídica (denominada de
ratio decidendi) figurada na fundamentação da decisão.
TUCCI96 sobre a ratio decidendi afirma:
[...] constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto [...].
É essa regra de direito (e, jamais de fato) que vincula os julgamentos futuros inter
alia. [...] Cumpre esclarecer que a ratio decidendi não é pontuada ou individuada
pelo órgão julgador que profere a decisão. Cabe aos juízes, em momento posterior,
ao examinarem-na como precedente, extrair a ‘norma legal’ (abstraindo-a do caso)
que poderá ou não incidir na situação concreta. [...] A submissão ao precedente,
comumente referida pela expressão stare decisis, indica o dever jurídico de
conformar-se às rationes dos precedentes [...].
Nesse mesmo diapasão, assume a ratio decidendi a feição de escolha hermenêutica,
com diretriz universal, repercutindo-se sobre todos os casos posteriores, aos quais são
pertinentes, disciplinando-os.
95 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 4. ed. São Paulo: RT, 1983,
tomo I, p. 16-17. 96 TUCCI, José Rogério Cruz e. 2004, op. cit., p. 175.
79
O que dá eficácia vinculante ao precedente são os fundamentos determinantes
(tradicionalmente chamados de ratio decidendi) do decisório judicial colegiado, que tenham
tido guarida ao menos pela maioria que integra a turma julgadora e que tenham passado pelo
crivo do contraditório.
Os fundamentos não determinantes da decisão, ou melhor, prescindíveis para o
deslinde do conflito e que também contribuem para o resultado revelado na parte dispositiva,
são chamados de obiter dictum ou dictum, não possuindo efeito vinculante.
O obiter dictum, apesar de não servir como precedente vinculante em caso similar, não
é desprezível, podendo orientar o futuro julgamento da corte, como argumento persuasivo.
Trata-se de simples opinião ou juízo acessório, dita de passagem no texto. Não apresenta
nenhuma eficácia e não tem a possibilidade de ser denominado de precedente nas decisões
subsequentes.
Cumpre ressaltar o pensamento de Daniel Mitidiero97 assim disposto:
A percepção de que o magistrado, ao apreciar uma demanda, (re) constrói duas
normas jurídicas é fundamental para que se possa entender, em primeiro lugar, a
diferença entre o efeito vinculante do precedente – na verdade, da ratio decidendi
contida num precedente -, [...], e o efeito vinculante da coisa julgada erga omnes,
presente em determinadas situações [...].
[...], é imprescindível perceber que a fundamentação da decisão judicial dá ensejo a
dois discursos: o primeiro, para a solução de um determinado caso concreto,
direcionado aos sujeitos da relação jurídica discutida; o outro, de ordem
institucional, dirigido à sociedade, necessariamente com eficácia erga omnes, para
apresentar um modelo de solução para outros casos semelhantes àquele.
Destarte, o juiz ao solucionar a causa dá azo a duas normas jurídicas, uma de
amplitude geral e outra de forma individual. Afirma-se norma geral porque o princípio
jurídico que se extrai do caso específico pode ser utilizado em outras circunstâncias concretas
semelhantes àquele anteriormente formado.
A norma geral, assentada pela jurisprudência, denomina-se de ratio decidendi
(também chamada de holding no direito estadunidense), que se encontra fincada na motivação
da decisão. Representa as razões jurídicas e substanciais que dão base à decisão (fundamentos
determinantes), devendo ter a sua interpretação e compreensão no exame do caso concreto.
A norma geral assentada pelo precedente constitui efeito secundário do decisório, com
efeito erga omnes, não dependente de manifestação jurisdicional nesse sentido.
97 MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente – dois discursos a partir da decisão judicial. Revista
de Processo. São Paulo: RT, 2012, n. 206, p. 61-69.
80
Por outro lado, a norma individual encontra-se presente na parte dispositiva do
decisório e rege apenas aquele caso concreto apreciado pelo juiz, onde este vai dispor se julga
procedente ou improcedente o pedido formulado. Caracteriza-se também pelo fato de ficar
protegida pela coisa julgada material.
O ordenamento jurídico brasileiro tem conhecimento de duas formas de precedentes
(vinculantes e não vinculantes, estes últimos também conhecidos como persuasivos). Os
primeiros prestam-se a garantir que casos similares tenham julgamentos iguais, com eficácia
vinculativa, dando vazão aos princípios da igualdade e da segurança jurídica, como antes
falado, comumente reconduzidos à tradição do common law.
O precedente vinculante ou obrigatório gera a obrigação de respeito à norma nele
exposta para o julgador futuro, que, ao não aplicá-lo corretamente, comete erro, objeto de
eventual recurso pela parte prejudicada.
Sendo precedente persuasivo, nenhum juiz tem a obrigação de segui-lo, não tendo
eficácia vinculante, rotineiramente atrelado à tradição do civil law. Se o utiliza como
precedente é porque convenceu-se de que está correto para o caso sob análise.
Não se defende aqui a ideia de força do precedente vinculado a essa ou àquela tradição
jurídica. Correto falar relacionando-a à medida de intensidade que o precedente pode
influenciar nos decisórios futuros de cada ordenamento, ou seja, diz respeito à autoridade ou
valor que o precedente assume naquele país.
Justifica-se tal assertiva exemplificando o sistema inglês (common law), referenciado
como de maior eficácia da força do precedente e verifica-se, no entanto, a utilização da
técnica interpretativa para distinguir ou superar entendimentos anteriores, possibilitando, com
isso, flexibilidade na vinculação ante a situação concreta sob análise, que não condiz mais
com a realidade.
Para Rupert Cross e J. W. Harris98, a sistematização dos precedentes no que tange a
sua autoridade está atrelada à hierarquização dos tribunais, ou seja, diz respeito ao
funcionamento do Poder Judiciário, dentro de suas respectivas competências, dispondo do elo
que envolve o órgão prolator da decisão do caso concreto e o juízo do precedente.
Interessante dizer que a forma como o Judiciário está estruturado tem sua relevância
no desenvolvimento do stare decisis, por consequência da competência recursal.
98 CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English law. 4. ed. Oxford: Claredon Press, 2004, reimpressão
da edição de 1991, p. 5.
81
Outrossim, classificam-se os precedentes vinculantes em verticais e horizontais, de
acordo com o critério sob qual órgão existe a vinculação, haja vista a conexão hierárquica que
permeia o órgão que proferiu o pronunciamento judicial e o juiz ou tribunal subsequente que
analisa o precedente.
Precedentes horizontalmente obrigatórios são aqueles que informam a força de
persuasão que a decisão anterior tem em comparação com os órgãos que se enquadram no
mesmo nível do que proferiu aquele primeiro decisório. Tem autoridade sobre o próprio órgão
que prolatou a decisão. Entre juízos do mesmo padrão não deve haver qualquer distinção de
autoridade.
Exemplo característico e relevante de precedente horizontal é o denominado
autoprecedente, quer dizer, daquele oriundo do mesmo tribunal que aprecia o caso posterior.
Nesse caso, resta à corte vincular-se ao próprio precedente, porquanto casos semelhantes
devem ser julgados de igual forma, de conformidade com o princípio da isonomia. No
entanto, deve-se registrar aqui a admissão do critério da flexibilidade quanto à manutenção ou
não desse precedente, diante de mudança de entendimento, devidamente fundamentado e de
forma racional.
Precedentes com força vinculante vertical são aqueles proferidos por tribunais que tem
grau de hierarquia superior na estrutura do Judiciário e que tem competência para dizer a
última palavra sobre determinada questão jurídica. Os juízes e tribunais inferiores a eles
devem obediência.
O precedente é uma decisão judicial, sendo que sua força, ora vinculante ora
persuasiva, será identificada em conformidade com a cultura de cada ordenamento jurídico e
também com a análise de sua legislação.
A seguir, passa-se a descrever o sistema de precedentes no direito alienígena, também
conhecido como estrangeiro, à guisa de comparação.
82
3.3 A VINCULATIVIDADE DOS PRECEDENTES NO DIREITO COMPARADO
O mundo inteiro assiste ao momento de ascendência do Poder Judiciário, desde o pós
2ª Guerra Mundial, onde as democracias deram-se conta da relevância de um sistema judicial
robusto e independente, com vista à proteção dos direitos fundamentais.
É nessa seara que a função da jurisprudência e a aplicação dos precedentes tornam-se
imprescindíveis para o exercício eficiente da jurisdição. De início, cabe reafirmar que
precedentes vinculantes acontecem em muitos ordenamentos, sofrendo variação apenas
quanto ao grau dessa vinculação.
Nesse mesmo pensamento, cita-se aqui TUCCI, por ter declarado que grande parte das
“[...] experiências jurídicas contemporâneas da civil law, contemplam, com diversificada
intensidade, o precedente judicial com força obrigatória, particularmente na esfera do controle
direito da constitucionalidade [..]” 99
É necessário deixar claro que todos os decisórios judiciais produzem efeitos com força
vinculativa. Há efeitos produzidos que apenas vinculam as partes litigantes. No entanto,
quando a razão jurídica consubstanciada no julgado servir de parâmetro para outros casos
sucessivos e semelhantes, deduzem-se que os efeitos produzidos tem eficácia erga omnes e
caráter universalizável. Neste último caso, a incidência da regra ultrapassa o processo sub
judice, podendo ser utilizado como caso-precedente, servindo como orientação geral.
De forma objetiva e tendo como premissa que o precedente veicula como realidade
presente em sistemas jurídicos com estruturas heterogêneas, passa-se a detalhar características
específicas em distintas legislações. Não se tem aqui como finalidade principal tecer críticas
ou defender um modelo padrão de precedentes judiciais.
Consideram-se que as tradições do common law e do civil law, conquanto façam parte
do sistema jurídico ocidental, resultam de culturas e políticas diferentes, originando institutos
e conceituações específicas inerentes a cada uma.
A primeira tradição com sua origem na Inglaterra e também presente nos Estados
Unidos, por conta de sua colonização, ao passo que a civil law com raízes nas tradições
romanísticas, com incidência nos países germânicos e latinos.
99 TUCCI, José Rogério Cruz e. 2004, op. cit., p. 250.
83
Destaca-se, no primeiro momento, a força dos precedentes no direito da Inglaterra.
Tem coincidência com a origem do common law, presente desde os anos de 1066, com
a conquista normanda, considerado berço da ideia de precedentes com força vinculante. O
ordenamento jurídico inglês jurisdiciona a Inglaterra e o País de Gales.
Com a formação da Corte Europeia de Direitos Humanos100, atraiu-se para este
Tribunal a competência para reapreciar alguns decisórios prolatados pelas instâncias últimas
superiores de todos os países que fazem parte da União Europeia (Reino Unido, Escócia,
Irlanda do Norte e País de Gales). As questões que são objeto de julgamento referem-se à
interpretação e aplicação dessa convenção e os seus protocolos, em matéria relacionada a
direitos humanos.
O sistema judiciário inglês tinha como órgão de cúpula a House of Lords (Câmara dos
Lordes), por meio da Appellatte Committee, enquanto suprema corte, embora seja órgão
parlamentar.
Com a Constitutional Reform Act, de 2005, criou-se a Supreme Court for the United
Kingdom, com independência em relação ao parlamento inglês, tendo a palavra final sobre
questões jurídicas, a partir de 01/10/2009, em casos cíveis advindos de todo o Reino Unido e
também feitos criminais da Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte. A Suprema Corte é o
maior tribunal do Reino Unido, reapreciando decisões prolatadas por tribunais desses países.
A House of Lords existiu por mais de 600 anos como casa revisora última para os
conflitos cíveis julgados pelos países que compunham o Reino Unido e a União Europeia,
além de outras competências.
Vale ressaltar que os julgados da novel Suprema Corte, que se encontram acessíveis
em seu site público101, remontam referências aos precedentes da House of Lords, não
significando ruptura com o sistema anterior, encadeada há séculos na Inglaterra.
Hierarquicamente inferior à Corte Suprema situa-se a Court of Appeal (Corte de
Apelação), composta por 37 membros, composição maior que a Suprema Corte (que tem 12
julgadores, sendo um deles o que preside e com divisão em turmas), com competência cível e
criminal. O direito de impetrar recursos tanto para o tribunal supremo quanto para a corte de
100 Disponível em: http://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf. Acesso em: 18 fev. 2018. 101 Disponível em: https://www.supremecourt.uk/. Acesso em:18 fev. 2018.
84
apelação sofre várias restrições em relação ao seu acesso. Nem todos os julgados podem ser
levados à reapreciação.102
Importante ressaltar a direção vertical dos precedentes vinculantes no direito inglês, no
que se refere à obrigação dos juízes inferiores prestar-lhes obediência. Assim, os precedentes
da Suprema Corte encontram-se no ápice do sistema jurídico e os precedentes da Court of
Appeal vinculam os juízos que lhe são abaixo da organização judiciária, desde que não
refutem os precedentes da Supreme Court.
Nas considerações de Cownie, Bradney e Burton103, no sentido supra, em sua obra
escrita à época da House of Lords:
Precedente não se resume a identificar a ratio. Também envolve considerações sobre
o status da corte. Precedente é um sistema hierárquico onde os Tribunais ficam
vinculados aos Tribunais acima deles. Deste modo a House of Lords é a corte
dominante. Suas decisões são vinculantes para todas as cortes abaixo dela, incluindo
a Court of Appeal.
A Supreme Court tem a faculdade de afirmar qual é o direito, de maneira vinculativa
para os demais tribunais e juízes do Judiciário inglês e galês. Já possui jurisprudência
consolidada sobre muitas matérias, a exemplo do direito à vida, terrorismo e liberdade.
Na Inglaterra, a adesão ao precedente foi prevista no caso Beamish vs. Beamish
(discussão a respeito da validade de matrimônio, onde fixou o entendimento que o casamento
somente tem validade se for realizado por um clérigo) e se consolidou em London Street
Tramways vs. London County Council (decisão da House prolatada a respeito de questão de
direito vincula o tribunal).104
É admitido por Duxbury105 que o segundo caso fez com que a House of Lords se
submetesse aos seus próprios precedentes.
A regra do stare decisis foi recepcionada no direito inglês, a partir da decisão acima e
até o ano de 1966, de modo absoluto, não podendo a própria House of Lords proceder
alterações de forma alguma.
102 Disponível em: https://www.supremecourt.uk/files/A-guide-to-bringing-a-case-to-The-Supreme-Court.pdf.
Acesso em: 18 fev. 2018. 103 COWNIE, Fiona; BRADNEY, Anthony; BURTON, Mandy. English legal system in context. Oxford:
Oxford University Press, 2007, p. 99. 104 CROSS, Rupert. op. cit. p. 106. Casos julgados em 1861 e 1898, respectivamente, pela House of Lords,
disponíveis na íntegra: http://www.uniset.ca/other/ths/11ER735.html e
http://www.bailii.org/uk/cases/UKHL/1898/1.html. Acesso em 18 fev. 2018. 105 DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008,
p. 42.
85
No common law essa regra de vinculação aos precedentes não resultou da lei, uma vez
que foi desenvolvida ao longo dos anos, de acordo com atuação dos órgãos jurisdicionais e
seus processos de mudança. A doutrina alienígena admite que o direito inglês é muito rígido,
mesmo não tendo norma escrita que informe que os precedentes da suprema corte tenham
caráter vinculante. O magistrado inglês fica submetido ao precedente, independentemente de
achar que a razão está errada ou mal decidida.
Com o advento, em 1966, do House of Lords Practice Statement, passou-se a colocar
em pratica a técnica de superação de seus respectivos precedentes até os dias atuais, dando
flexibilidade ao sistema. No entanto, somente em situações muito raras admite-se tal
mudança, a fim de evitar perpetuação de decisões injustas.106
O sistema inglês, com a catalogação de suas decisões judiciais, através de compilação
em Reports, fazendo com que as decisões pretéritas chegassem ao conhecimento dos demais
juízes, possibilitou, com isso, a argumentação por precedentes.
Marcelo Alves Dias de Souza107, quanto a isso, acentua:
Os law reports, num primeiro momento, servem como simples material de pesquisa
para os operadores do Direito, no sentido de saber qual a regra estabelecida para
determinada questão. Mas a principal utilidade dos law reports, sem dúvida, é
demonstrar, no bojo de uma contenda judicial, qual é o direito aplicável àquele caso
em julgamento.
Imprescindível destacar que o direito inglês aprovou recentemente alterações
relevantes, no que se refere à recepção de leis escritas, o que é considerado atípico.
Cita-se primeiramente a inclusão da Inglaterra na União Europeia, obrigando-a, por
consequência, respeito às normas da Convenção Europeia de Direitos Humanos, da qual é
signatária. Em 1998, o parlamento inglês sancionou o Human Rights Act – HRA108, cujo
desiderato dessa legislação é fornecer mais eficácia aos direitos protegidos por essa
convenção, dispondo também que se algum tribunal compreender que há regra de statute
inglês que seja contrária à convenção, pode afirmar a sua incompatibilidade.
106 O referido ato na íntegra disponível em: http://swarb.co.uk/practice-statement-judicial-precedent-hl-1966/.
Acesso em: 18 fev. 2018. 107 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à sumula vinculante. Curitiba: Juruá Editora,
2006, p. 110. 108 Disponível em https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1998/42/contents. Acesso em 18 fev. 2018.
86
Outra modificação, por fim, foi a criação do Código de Processo Civil inglês (Civil
Procedure Rules)109, que, a partir de abril do ano de 1999, fixa novos procedimentos para que
os juízes decidam de forma justa.
Passa-se aqui a relatar a força dos precedentes no direito da Itália.
O direito italiano não possui cultura de precedentes vinculantes, muito embora seja
considerada uma das primordiais fontes do processo civil pátrio e também celeiro do direito
romano. Esse país faz parte da tradição do civil law.
Michele Taruffo afirma que as decisões da Corte di Cassazione (Corte suprema
italiana) tem força obrigatória e que os pronunciamentos judiciais de outros tribunais podem
influenciar casos sucessivos, de alguma forma. O sistema de precedentes é alicerçado num
resumo que manifesta o core da interpretação da disposição normativa. Possui um instituto
denominado de mássima que se assemelha com as súmulas do Brasil, sem fazer referência às
circunstâncias fáticas que condicionaram o tribunal naqueles julgados.110
Outro fenômeno semelhante ao direito brasileiro diz respeito a grande quantidade de
julgados, ano após ano, pela Corte di Cassazione, decidindo casos parecidos várias vezes,
ocasionando distorções na prestação jurisdicional, uma vez que os precedentes são
empregados de forma errônea e excessiva, abarrotando àquele tribunal. A Corte di Cassazione
representa a última instância recursal quanto às decisões proferidas pela magistratura
ordinária.
A corte constitucional da república italiana (Tribunal Constitucional) tem dedicado a
sua atuação na órbita da jurisdição constitucional, com caráter criativo, principalmente quanto
à interpretação do texto constitucional e a espécie de sentença produzida nesse mister.
A principal incumbência do tribunal constitucional insere-se no controle de
constitucionalidade da legislação. Lá nenhum juiz tem competência para dizer
autonomamente que determinada lei é inconstitucional. Na dúvida quanto a isso, o magistrado
deve levantar exceção de inconstitucionalidade diante da corte. Esta não decide o caso
concreto, sendo que o controle é apenas abstrato. A decisão de inconstitucionalidade produz
força vinculante e erga omnes e ostenta-se irrecorrível. Esse controle incidental também pode
ser arguido pelas partes litigantes ou pelo Ministério Público.
109 Disponível em https://www.legislation.gov.uk/uksi/1998/3132/contents/made. Acesso em 18 fev. 2018. 110 TARUFFO, Michele. Precedentes in Italy. Precedent and the law. Reports to the XVIIth Congress
International Academy of Comparative Law – Utrechy, 16-22 July 2006. Edited by Ewoud Hondius.
Bruxelles: Bruylant, 2007, p. 178.
87
Nesse diapasão, lecionam FEREJOHN E PASQUINO111:
[...] No sistema jurídico italiano de adjudicação constitucional, a Corte
(Constitucional) ordinariamente decide uma questão abstrata. Por exemplo, se um
determinado texto legal é coerente ou consistente com a Constituição. Eles não
decidem o caso submetido a eles; isso é deixado para a corte de origem, muito
embora o caso concreto possa exercer um papel no julgamento em tese da Corte.
Tecnicamente a Corte é somente um juiz de direito. (tradução livre)
Por final, também relevante falar que a jurisprudência da Corte de Cassação prevalece
no sentido de que a jurisdição ordinária não se encontra vinculada à orientação interpretativa
dada pelo tribunal constitucional. O relacionamento deste último com os demais tribunais é
frágil, na dependência do grau persuasivo de seus decisórios.
O destaque agora é para Portugal, a respeito da vinculação aos precedentes, que
possui semelhanças com o Brasil.
A jurisdição superior de Portugal abrange o Supremo Tribunal de Justiça (instância
superior da hierarquia dos tribunais judiciais, com competência cível e criminal) e o Supremo
Tribunal Administrativo, que cuida dos litígios administrativos e fiscais, sendo órgão superior
na hierarquia. A constituição portuguesa prevê outros órgãos, a exemplo dos tribunais de
contas, militares, marítimos e arbitrais.
O Supremo Tribunal de Justiça aprecia os recursos que versam sobre questões apenas
jurídicas, com competência também para uniformizar a jurisprudência, de natureza
persuasiva.
O tribunal constitucional português tem atribuição específica de gerir a justiça em
questões de natureza jurídico-constitucional, com sede em Lisboa, devendo apreciar matérias
relativas à inconstitucionalidade e à legalidade, e ocupa-se também como tribunal eleitoral.
Segundo J.J. Gomes Canotilho, o tribunal constitucional não incorpora abertamente
nenhuma matriz teórica material ou de interpretação, porém os seus acórdãos são recheados
de forte ônus teórico, com grande atenção para a aplicação dos princípios na solução dos
casos que ali chegam.112
111 FEREJOHN, John; PASQUINO, Pasquale. Constitucional adjudication: lessons from Europe. Texas Law
Review, vol. 82, 2004, p. 1689. 112 CANOTILHO, J.J. Gomes. Tribunal Constitucional, jurisprudências e políticas públicas. Colóquio XX
aniversário do Tribunal Constitucional, 28 nov. 2003. Disponível em:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/textos030102.html. Acesso em 18 fev. 2018.
88
A fiscalização abstrata opera-se por meio da ação de inconstitucionalidade, onde
decide a questão, com força vinculante geral e efeito erga omnes. Também age de forma
concreta por ser uma instância recursal.113
Vê-se que essa corte constitucional detém competências semelhantes ao do Supremo
Tribunal Federal brasileiro, especialmente no que se refere à apreciação da
inconstitucionalidade das normas jurídicas, tanto de forma direta como incidentalmente,
pontuando algumas distinções no procedimento.
Pode-se recorrer para o Tribunal Constitucional tendo como objeto os decisórios dos
tribunais que recusem a aplicação de normativo com fundamento na sua
inconstitucionalidade.
Por último, será analisado o stare decisis nos Estados Unidos.
Os E.U.A., com forte influência do direito inglês, pertencem à tradição do common
law, ao passo que também contém traços específicos da civil law, situando-se numa fronteira
entre ambas.
Possuem constituição escrita, que representa a lei suprema do país, contendo sete
artigos e vinte e sete emendas, datada do ano de 1787. O papel das leis nesse país também o
distingue do common law inglês. Trata-se de texto constitucional estável, portanto.
René David114 pontua a ausência de uma constituição escrita no direito inglês:
O que os ingleses chamam Constituição é o conjunto de regras de origem legislativa
ou, na maioria das vezes, jurisprudencial, que garantem as liberdades fundamentais e
que concorrem para limitar o arbítrio das autoridades. O próprio parlamento não
encontra outros limites à sua onipotência que não seja o controle exercido pela
opinião pública, num país onde a tradição e o espírito democrático são uma poderosa
realidade.
Cada Estado da federação americana tem a sua organização judiciária própria,
prevendo suprema corte estadual, tribunais de apelação e justiça ordinária. Os tribunais dos
Estados vinculam-se aos precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos (com jurisdição
nacional), última intérprete, mas não exclusiva, da Lei Maior.
113 Ver Constituição de Portugal, disponível em:
http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx, Acesso em: 18 fev. 2018. 114 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 433.
89
Lawrence Baum115 fez a seguinte observação em relação à suprema corte dos EUA,
digna de nota:
Em certo sentido, é notável que um tribunal seja de tal interesse na arena política.
Contudo, o interesse despertado ultimamente pela Corte Suprema não é nada novo:
através da maior parte da história norte-americana desde a adoção da Constituição, a
Corte tem sido importante tópico de preocupação política. Este interesse não deve
surpreender, à luz do papel fundamental que a Corte desempenha através de suas
decisões. A Corte Suprema ajuda a resolver muitas das questões mais importantes e
mais controversas nos Estados Unidos e, ao fazer isto, molda a política do governo
em áreas tão diversas como os direitos civis e a proteção do meio ambiente.
Vê-se que valores e regras de comportamento da sociedade dos Estados Unidos
tiveram influência ou foram afirmados pela suprema corte, a qual tem a admiração pelo povo
que ali habita.
Por meio do julgamento do caso paradigmático Marbury v. Madison, no ano de 1803,
pelo juiz John Marshall, declarou-se a inconstitucionalidade do Judiciary Act, com a
institucionalização do judicial review (controle judicial de constitucionalidade das leis) na
suprema corte dos EUA. Esse precedente demonstra bem o sistema norte-americano de
respeito aos julgados pretéritos. Com o julgamento desse caso ficou assentada a supremacia
constitucional e também fora relevante para a consolidação do stare decisis.
O sistema jurídico americano teve como herança o emprego do precedente vinculante
inglês do common law, apesar de paulatinamente ter se distanciado dos precedentes ingleses,
fortalecendo um sistema jurídico interno alicerçado no direito que foi ajustado de outros
Estados da federação, por conta da ausência de alguma decisão vinculante inglesa.
Importante ressaltar que cabe ao Poder Legislativo produzir as leis, que de igual modo
na Inglaterra, superam os precedentes na hierarquia das fontes. Na realidade, embora estejam
numa posição superior, elas somente são criadas/aplicadas de forma residual, na ausência de
lacunas de precedentes. O princípio da isonomia, de onde se emana o tratamento igualitário de
casos análogos, tem forte influência no sistema de precedentes americano.
Basta verificar o pensamento de Charles D. Cole116 sobre o stare decisis nos EUA:
[...] simplesmente significa que uma vez que a Corte de última instância no sistema
judiciário federal ou estadual decida um princípio de direito para o caso em
julgamento, estabelecendo assim um precedente, a Corte continuará a aderir a este
115 BAUM, Lawrence. A Suprema Corte americana – uma análise da mais notória e respeitada instituição
judiciária do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985, p.11. 116 COLE, Charles D. Stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos: o sistema de precedente
vinculante do Common Law. Revista dos Tribunais. vol. 752, p.1. São Paulo: Ed. RT, jun. 1998 (versão online).
90
precedente, aplicando-o a casos futuros em que os fatos relevantes sejam
substancialmente os mesmos, ainda que as partes não sejam as mesmas.
O stare decisis americano funciona de forma mais flexível do que o sistema inglês,
uma vez que o magistrado americano tem mais liberdade ao decidir em seguir ou não o
precedente, dando azo às razões que entende relevantes para fundamentar a discricionariedade
judicial.
Com vistas a dar publicidade e acesso fácil aos julgados, vários repertórios públicos e
particulares existem no país com esses objetivos, de forma a promover uma busca fácil e
confiável.
Também se destacam a corte suprema estadual e as cortes de apelação federais que
podem produzir precedentes com força obrigatória (binding precedents) dentro de seu
território de atuação. In casu, a suprema corte americana detém jurisdição sobre todo o
território nacional e, por consequência, aptidão de vincular as demais cortes aos seus julgados.
Explicando o parágrafo anterior, Eduardo Cambi117 escreve:
[...] somente haverá observância obrigatória se a decisão for tomada pela maioria da
Corte também no tocante às razões fundamentais da decisão. Assim, a tomada de
decisões pela maioria ocorre nos EUA diferentemente da forma que é feita no Brasil.
Aqui, para que haja uma decisão tomada pela maioria, basta coincidência quanto ao
dispositivo. Assim, se um julgador chegar a mesma conclusão (dispositivo) a que
chegou outro, haverá, de todo o modo, maioria, independentemente se divergirem,
ou não, quanto à fundamentação. Nos EUA, a coincidência deve se dar, também,
quanto às razões fundamentais da decisão [...].
Na doutrina americana permeia uma decisão constitucional chamada de super
precedente, o qual se encontra tão incorporado ao direito (reiteradamente utilizado há tempos)
e ao desenvolvimento cultural da sociedade, que se torna quase impossível a sua superação.
Portanto, cita-se como exemplo o julgamento do caso Marbury v. Madison, que já
dura muito tempo e de grande aceitação no ordenamento jurídico da América, no que tange à
circunstância do judicial review.
No capítulo seguinte, pontuar-se-á um relevante debate sobre algumas razões que
justificam o seguimento ou que são contrárias ao sistema normativo de precedentes, a fim de
que essa discussão legitime democraticamente a opção feita pelo ordenamento do país.
117 CAMBI, Eduardo. Precedentes Vinculantes. Revista de Processo vol. 215, p.7-8. São Paulo, jan. 2013
(versão online)
91
3.4 FUNDAMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS AOS PRECEDENTES
OBRIGATÓRIOS
Observa-se que o sistema de precedentes é motivado por vários princípios e
regramentos constitucionais. A adoção do stare decisis em determinado ordenamento jurídico,
pautando-se na obediência à constituição do país, possibilita o exercício de atividade
jurisdicional atenta à concretização dos direitos e também mais sensível à otimização da
justiça. Valorizam-se os decisórios judiciais como forma de acelerar o processamento de
causas futuras atinentes à mesma matéria.
Muito embora o que foi afirmado acima, ainda se percebe a enorme dificuldade em se
empregar de forma competente a argumentação por precedentes, tanto da parte do Poder
Judiciário, quanto dos demais operadores jurídicos, seja por motivos de desconhecimento do
direito ou mesmo por resistência ao sistema precedencialista.
Por consequência, por vezes não tem acontecido aplicabilidade séria desse instituto,
pelo exercício de práticas forenses erradas, impossibilitando o desenvolvimento de forte
tradição institucional nesse sentido e a unidade do direito.
A dinâmica processual contemporânea vem mostrando que a opção é pelo método do
stare decisis, muito embora ciente das dificuldades decorrentes dessa escolha.
3.4.1 Razões para Seguimento e Críticas
Segurança Jurídica – Ela está atrelada à subsistência de normas e à estabilidade e
previsibilidade de cada ordenamento. Ausente a segurança, inexiste o Direito. Nenhum país
pode desenvolver-se de forma legítima tornando letra morta esse postulado. Ela dá
sustentabilidade ao ideal de justiça.
Coadunando com a ideia acima, Teresa Wambier118 assim leciona:
O fato de o homem poder viver segundo regras preestabelecidas e por ele conhecidas
pode ser considerado uma conquista da civilização. A simples circunstância de os
padrões de avaliação de sua conduta serem conhecidos, independentemente do juízo
de valor que a respeito destes padrões de avaliação se possa fazer, satisfaz e
tranquiliza. Pode-se dizer que uma das mais relevantes funções do direito é a de,
justamente, gerar previsibilidade.
118 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito. ______ (coord.). Direito
Jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012, p. 14.
92
Nesse sentido, o respeito aos precedentes e a uniformidade da jurisprudência são
fatores essenciais para a efetivação da segurança jurídica, garantindo-se previsibilidade ao
ordenamento jurídico e refutando padrões decisórios divergentes para circunstâncias jurídicas
semelhantes ou iguais. Não se aceitam resultados judiciais díspares para situações concretas
parecidas, pois essa divergência jurisprudencial configura atentado ao princípio da isonomia.
A segurança jurídica deve ser entendida como direito fundamental relativo e de caráter
flexível, pois na sua colisão com outros princípios será necessária a ponderação de valores no
caso concreto, com suporte no devido processo legal.
Para a efetivação da segurança, registram-se aqui três fatores essenciais, que são a
cognoscibilidade (direito conhecido e inteligível para servir de guia às condutas sociais), a
estabilidade (continuidade do direito e sua flexibilidade, diante de mudanças) e a
previsibilidade (segurança quanto ao futuro, de forma que os cidadãos tenham dignidade e
liberdade).
Como consequência também é o desestímulo ao ajuizamento de novos processos, por
conta da previsibilidade dos pronunciamentos judiciais. Quando a parte tem conhecimento
prévio das razões porque o Judiciário não ampara a sua pretensão, certamente não ingressará
com a sua ação em juízo, a fim de evitar tempo e dinheiro com uma demanda que não lhe dará
solução favorável.
Sobre mais detalhes deste princípio ratifica-se o que foi dito em tópico anterior desta
tese, que a pontuou como uma necessidade do sistema jurídico e enquanto valor essencial para
que se respeite precedentes, dando coerência e integridade ao direito. O stare decisis é
mecanismo para fortalecimento da segurança jurídica.
Igualdade – Trata-se de princípio de estatura constitucional, dispondo, como regra,
que todos são iguais diante da lei, sem distinção de qualquer natureza. Tal direito tem o
condão de clarear o entendimento e a construção do sistema jurídico, quando de sua aplicação
no caso concreto.
O aspecto teórico que se conforma ao método do stare decisis refere-se àquele que
entende a justiça atrelada à igualdade, ou seja, à concretização deste desiderato. O stare
decisis possibilita que a decisão tomada no caso paradigma resulte na obrigação de que os
julgamentos sucessivos sejam procedidos da mesma forma.
93
Gustavo Nogueira diz que:
[...] Com efeito, a partir do momento em que o Tribunal julga um caso
comparando-o com um anterior para que tenham a mesma solução, nos parece que
está tratando a justiça como igualdade, e quem primeiro expôs essa ideia foi
Aristóteles, em seu Ética a Nicômaco. 119
O uso das mesmas respostas a casos similares resulta em redução de decisões
colidentes prolatadas pelo Poder Judiciário e garante aos jurisdicionados que se encontram em
situação jurídica parecida igual tratamento, impulsionando a igualdade.
A doutrina do precedente é consubstanciada na isonomia substancial, ao possibilitar
que situações distintas alcancem soluções também diferentes. O direito à isonomia deve ser
protegido pelos Poderes institucionais do Estado de Direito (Legislativo, Executivo e
Judiciário), sendo tal conduta necessária à efetivação da igualdade em face da lei e na
aplicação das normas.
A igualdade é diretriz para identificar quais circunstâncias são parâmetros válidos para
qualificar a diferença jurídica, e a partir daí extrair a norma, com atenção para que não haja a
valoração arbitrária com desrespeito ao texto constitucional.
Persistindo iguais razões, os mesmos decisórios necessitam ser prolatados, porquanto
consequência lógica do princípio igualitário. No entanto, ao garantir o tratamento isonômico
formal aos cidadãos em decorrência da utilização de precedentes não induz assegurar que essa
conduta igualitária é a melhor opção possível, ou seja, que a justiça material tenha sido
concretizada.
A justiça que o precedente dispõe é a formal entre os cidadãos, com base na segurança
jurídica e na identidade inerente à interpretação do direito.
Eficiência Processual – Necessário proceder à diferenciação entre os termos
eficiência, eficácia e efetividade, que não raramente são confundidos pela doutrina.
A eficácia relaciona-se com a aptidão da norma de produzir efeitos no mundo jurídico,
revelando-se como um dos planos do fenômeno jurídico (o da eficácia do fato).
119 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e no direito brasileiro. 2ª
ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 59-60.
94
A efetividade diz respeito ao cumprimento dos comandos normativos pelos seus
destinatários, podendo ser empregados sanções e os meios executivos à disposição do Poder
Judiciário. Ela realiza os efeitos dispostos na norma.
A eficiência, aqui neste tópico tratada, tem uma relação direta entre os meios a serem
utilizados e os resultados almejados processualmente, sendo decorrente do devido processo
legal. Trata-se da obrigação de buscar o melhor resultado com o menor dispêndio possível de
tempo e de recursos financeiros.
Assim, o magistrado deve conduzir o processo com eficiência, de forma a engendrar
meios adequados e econômicos na resolução da demanda que ali aporta, proporcionando o
melhor gerenciamento do processo.
Nesse sentido, o tratamento com precedentes objetiva evitar que mova toda a máquina
judiciária para resolver questões paradigmáticas já solucionadas em casos pretéritos,
proporcionando, assim, redução de tempo e dinheiro nos casos sucessivos. Com isso, os juízes
e tribunais reconduzem sua atenção para novos casos problemáticos.
A economia advinda da argumentação por precedentes fortalece o acesso à justiça
substancial e a concretização do direito ao processo justo e efetivo.
Luiz Guilherme Marinoni120, nesse mesmo entendimento, defende que o respeito aos
precedentes “torna o uso do sistema judiciário mais barato, vindo ao encontro dos objetivos
perseguidos pela democratização do acesso à justiça e pela realização do direito fundamental
à tutela jurisdicional efetiva [...]”.
Respeitando-se os precedentes, consequentemente tem-se um processo célere e
econômico, repercutindo, assim, na eficiência do próprio Poder Judiciário e na racionalidade
do sistema, como um todo.
Duração Razoável do Processo – Defende-se aqui que o emprego sério de precedentes
pode contribuir com a celeridade processual, haja vista que a decisão judicial que serve de
paradigma para outros casos similares futuros encurta o tempo desse processo, dando-lhe mais
eficiência.
120 MARINONI, Luiz Guilherme. 2016, op. cit., p. 139.
95
Afirma-se também que haverá diminuição do labor dos magistrados quando a questão
jurídica já foi objeto de debate e que alcançou o nível de precedente, especialmente definida
pelos tribunais superiores. Além do que recursos serão evitados às cortes diante do
conhecimento prévio das razões determinantes contidas no caso precedente, com a adesão à
decisão, por entender que os argumentos valerão para todos, em situações parecidas, e não
exclusivamente para os litigantes.
Esse princípio de envergadura constitucional decorre também do devido processo legal
e do acesso à justiça, devendo-se buscar o equilíbrio no trâmite do procedimento, de forma
que o tempo do processo não prejudique o interesse das partes nem frustre a prestação
adequada e tempestiva da jurisdição.
Cândido Dinamarco121 assim leciona, justificando sobre a tutela tempestiva:
Os males de corrosão e frustração que o decurso do tempo pode trazer à vida dos
direitos constituem ameaça à efetividade da promessa de tutela jurisdicional, contida
nas Constituições modernas – e ameaça tão grave e tão sentida, que em tempos
atuais se vem afirmando que tal garantia só se considera efetiva quando for
tempestiva.
Esse tema é bastante discutido por toda a comunidade jurídica, seja nacional ou
estrangeira, ante a problemática que atinge o Poder Judiciário dos países, no que tange à
morosidade dos processos.
Justino Magno Araújo, ao discorrer sobre celeridade, assim observa: “problema dos
mais delicados e que deve merecer a mais profunda meditação por partes dos processualistas,
pois nem sempre a melhor justiça corresponde à rapidez nos julgamentos.”122
Interessante pontuar que a celeridade processual a qualquer custo pode comprometer o
julgamento do caso, com restrição de garantias processuais (a exemplo do contraditório,
ampla defesa, publicidade e da motivação dos julgados) e por consequência também de
direitos materiais.
Por fim, podem ainda ser citados outros argumentos que favorecem o stare decisis
(respeito aos precedentes judiciais), a saber: o sistema claro de hierarquização dos tribunais
para se estabelecer o grau de eficácia vertical e horizontal das decisões precedentes e a
121 DINAMARCO, Cândido Rangel. Aceleração dos procedimentos. Fundamentos do Processo Civil
Moderno. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, t. II, p. 892. 122 ARAÚJO, Justino Magno. Direito de defesa no processo civil e no processo penal. Revista da Ajuris, v. 26,
1982, p. 65.
96
publicidade desses decisórios, com o conhecimento pela sociedade da fundamentação do
julgado, de seus motivos determinantes e de como os tribunais decidem os temas polêmicos.
3.4.2 Argumentos Contrários e Críticas
Demonstrar-se-á, por ora, uma reflexão sobre alguns principais argumentos e críticas
que negam o sistema de precedentes.
Inflexibilidade - A crítica refere-se à rigidez do sistema e à inflexibilidade jurídica,
engessando o Direito. Isso aconteceu no direito inglês quando foi criado, porquanto a própria
House of Lords não detinha o poder de mudar seus próprios precedentes, sendo que tal
situação perdurou até os idos de 1966, época em que a Inglaterra passou a superar os seus
precedentes (técnica do overruling), diante de alteração de contexto social, político,
econômico, cultural e jurídico.
Não se pode dar crédito a essa crítica, pois o sistema precedencialista não é imutável,
indiferente à realidade social. Pelo contrário, ele veio complementar a inércia do Poder
Legislativo na feitura e alteração de textos normativos desconectados com as exigências
sociais. A atuação jurisdicional evita a petrificação das leis, dando-lhes interpretação mais
condizente com os ditames constitucionais, possibilitando a evolução do direito.
Segundo Aulis Aarnio, a relevância em se criar e manter precedentes resulta em ser
mais abundante nas áreas em que a transformação social, econômica ou jurídica é mais
dinâmica, célere, por conta de sua mobilidade na adaptação ao direito. Nenhuma legislação
promove reação tão rápida quanto as cortes na resolução dos conflitos.123
O método de superação do precedente é, na prática, mais fácil que mudar a lei, tendo
em vista que o Poder Legislativo impõe regras procedimentais de alteração da legislação ou
da constituição mais rígidas, exigindo-se quórum maior que o colegiado do tribunal, além dos
corporativismos políticos.
Causa lesão à independência dos juízes – Essa crítica está relacionada ao
impedimento dos magistrados julgarem de acordo com a sua própria consciência, mas de
forma motivada com a apreciação das provas e de tudo o que consta dos autos, pois a 123 AARNIO, Aulis. Precedent in Finland. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. Interpreting
precedents: a comparative study. Aldershot: Dathmouth, 1997, p. 83.
97
argumentação por precedentes tem por consequência a vinculação dos juízes e tribunais
inferiores àquilo que foi solucionado a respeito de determinada questão jurídica.
Com isso, os precedentes não teriam legitimidade, porque ceifariam a independência
funcional dos juízes de instâncias inferiores em sua tarefa típica de julgar.
Defende-se que não se deve dar guarida à opinião de parte da doutrina quanto à
violação da independência do juiz, pois este não deixará de decidir a demanda, apenas ficará
vinculado ao sistema jurídico, atuando de forma objetiva, obedecendo às leis e aos
precedentes na resolução do conflito.
A atividade de julgar deve levar em consideração todo o Direito, que abrange
princípios e regras. Os precedentes, enquanto fonte normativa, deve ser respeitado por todos,
observando-se a horizontalidade e a verticalidade da organização judiciária.
É incabível aceitar que o julgador aja de maneira solipsista ou arbitrária, como se fosse
o dono do processo, decidindo como bem entender, ao arrepio das questões já decididas pelos
tribunais responsáveis para dar unidade ao direito. A se permitir isso, ter-se-ia tratamento não
isonômico, com decisões divergentes em casos sucessivos similares, com a consequente perda
de credibilidade do Poder Judiciário e retrocesso na distribuição da justiça.
Marinoni discorre chamando a atenção para que não se confunda independência dos
juízes com falta de unidade, a fim de não se permitir um sistema irracional e incoerente, onde
a decisão divergente com o precedente mostra para a sociedade, por vezes, um desserviço.
Assim,
O juiz e os órgãos judiciários são peças dentro do sistema de distribuição de justiça.
Para que este sistema possa realmente funcionar em um Estado de Direito, cada um
dos juízes deve se comportar de modo a permitir que o Judiciário realmente possa se
desincumbir dos seus deveres perante os cidadãos, prestando a tutela jurisdicional de
forma isonômica e com coerência. [...] 124
A igualdade, portanto, deve ser alcançada perante o direito como um todo, com
respeito a todas as suas fontes. Se o Judiciário entender que determinado precedente não se
ajusta mais ao momento, resta a ele então decretar a sua revogação, dentro da competência de
cada órgão.
124 MARINONI, Luiz Guilherme. 2016, op. cit., p. 151.
98
Violação ao acesso à justiça – a crítica está relacionada com o impedimento de os
cidadãos ajuizarem as suas demandas, dentro da faculdade que a lei lhes assiste, justificando
que os precedentes obrigatórios restringem o irrestrito direito de ação, por falta de interesse de
agir, uma vez a existência de precedente contrário ao interesse do demandante em caso
similar.
Na realidade, os precedentes não impedem o acesso à justiça, como já registrado em
tópico específico deste escrito, pois todos tem o direito de demandar em juízo e de aviar os
recursos que entenderem necessários à defesa de seus interesses.
No entanto, esse acesso não é absoluto, pois a parte deve ter conhecimento do direito
do país, sob pena de ser taxado como litigante de má-fé. Se quer discutir argumentos ou
elementos novos, o acesso à justiça está legitimado. Não se quer, com isso, de forma alguma,
limitar ou restringir direitos, até porque o Judiciário é que prestará a tutela jurisdicional
reclamada.
Não se admite, pois, é a reiteração abusiva de processos que discutam a mesma
matéria, sendo que já existe resposta judicial anterior quanto a isso por um tribunal superior.
A movimentação da máquina judiciária poderá ser em vão, isso sem contar com o dispêndio
de tempo e dinheiro por parte do Estado.
Ofende a separação dos poderes – A crítica que se faz é que o sistema de precedentes
obrigatórios refuta à ideia de divisão de poderes, sendo que o Judiciário intervém na tarefa do
Legislativo, ao criar o direito (o precedente), invadindo na esfera de competência deste, que
tem a faculdade típica de criar leis. Ao Judiciário, cabe apenas a interpretação e aplicação das
normas criadas.
Esse argumento não é aceitável, porquanto o Legislativo em muitas situações fica
inerte na edição de normas, não acompanhando as mudanças constantes da sociedade, que
exige respostas urgentes para os temas polêmicos do dia a dia. O fato é que o Legislativo não
se desincumbe de seu dever constitucional a contento, o que conduz o jurisdicionado a
judicializar suas demandas.
In casu, cabe a esse último não apenas o papel de intérprete das leis, mas
principalmente o dever de concretizar os direitos à luz dos ditames constitucionais. Por conta
disso, sua atividade pode possibilitar a criação do direito, pois sua função não é apenas
declaratória do sentido da lei.
99
Claro que o stare decisis delimita o campo de atuação do juiz, pois impõe um ônus
argumentativo muito grande na fundamentação das decisões, como parâmetro de controle e
racionalidade, de forma que os seus pronunciamentos possam convencer a sociedade e a
comunidade jurídica, servindo como diretrizes universalizáveis.
Assim, não se teve aqui a intenção de dar cabo a esse assunto, pois existem outros
aspectos contrários à cultura de precedentes, a exemplo de que delineia obstáculo à isonomia
no tratamento dos casos; de que inexiste uma cultura de respeitabilidade a esses institutos e
que haveria um engessamento do direito, entre outros.
No próximo capítulo, travar-se-á discussão sobre como a técnica de precedentes tem
sido aplicada no sistema jurídico pátrio, compreendendo-se o direito e o processo
jurisdicional, e com apoio também em subsídios importados da tradição do common law.
100
4 O REGIME JURÍDICO DOS PRECEDENTES NO ORDENAMENTO
PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO
A cultura tradicional do civil law, decorrente da colonização pelos portugueses, é a
que prevalece historicamente em solo brasileiro e é inegável que não se pode afirmar que se
tem aqui uma cultura forte de valorização dos precedentes.
A crítica também vai ao ensino jurídico que não consegue refletir de forma
contundente em sala de aula o direito sob a órbita interpretativa das cortes, limitando-se à
dogmática de passar o direito positivado na legislação. Também é observado que os próprios
tribunais não se submetem aos seus decisórios, dando mau exemplo.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, enraizados na tradição do common law, já está
incorporado naquelas culturas a doutrina do stare decisis, mesmo com as dificuldades e as
mudanças porque passam no dia a dia. Os precedentes lá não são impostos pela lei,
diferentemente do que ocorre no Brasil.
Por outro lado, o direito pátrio tem demonstrado que está avançando na sua relação
com precedentes, principalmente com o advento da Lei 13.105, de 16/03/15, que trata do
Código de Processo Civil, reservando nas disposições da Parte Especial, no Livro III,
capítulos que tratam da uniformização da jurisprudência, súmulas e precedentes.
Um dos sustentáculos da novel lei processual civil brasileira assenta-se na organização
dogmática de um regime de precedentes judiciais vinculantes. Assim, afirma-se que não foi o
CPC/2015 o único responsável a recepcionar os precedentes obrigatórios no ordenamento.
Importante ressalvar que desde o Brasil-Império já se tratava sobre o emprego de
precedentes, particularmente por conta da emissão dos assentos dos Tribunais do Comércio
(Decreto nº 738, de 25/11/1850, especialmente os artigos 11, 12 e 13125).
Com isso, percebe-se euforia grande por parte do Judiciário, dos operadores jurídicos e
da doutrina quanto ao tema, com debates que ocorrem em todos os cantos do país, em busca
de compreensão maior sobre o discurso precedencialista, os julgamentos das cortes e suas
consequências na tutela dos direitos.
125 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/DIM738.htm. Acesso em: 22
fev. 2018.
101
Há uma tendência em padronizar decisórios como instrumento da estabilidade e
segurança jurídica do sistema, porque os precedentes exercem função relevante na dinâmica
dos pronunciamentos judiciais.
Sobre a padronização de decisão, tão relevante para se dar unidade ao direito e não
culminar com o empobrecimento do discurso jurídico, Dierle Nunes126 afirma que “o processo
é garantia e a padronização de julgados (precedentes) deve ser formatada e aplicada a partir
deste pressuposto.”
A padronização decisória deve ser delineada a partir do modelo constitucional do
processo. É certo que a eficácia do precedente obrigatório tem sua legitimidade atrelada à
constituição.
A assertiva que acaba de ser feita coaduna com as lições de Ronaldo Brêtas de
Carvalho Dias, que aponta:
[A] Legitimidade democrática das decisões jurisdicionais, comprometidas com o
princípio do Estado Democrático de Direito, está assentada na exclusiva sujeição
dos órgãos jurisdicionais às normas que integram o ordenamento jurídico, sobretudo
as normas constitucionais, emanadas da vontade do povo, porque discutidas, votadas
e aprovadas pelos seus representantes, no Congresso Nacional.127
A título de informação e em consonância com o tema aqui estudado, relevante
registrar o trabalho de pesquisa realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais, estando
à frente na qualidade de Presidente da comissão coordenadora, Thomas Rosa de Bustamante,
com o título “A força normativa do direito judicial: uma análise da aplicação prática do
precedente no direito brasileiro e dos seus desafios para a legitimação da autoridade do Poder
Judiciário”, contendo 180 páginas de relatório, o qual se encontra encartado na página do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ).128
O regime dos precedentes judiciais encontra-se positivado nos artigos 926, 927 e 928,
do Código de Processo Civil, que serão tratados nos tópicos seguintes.
126 NUNES, Dierle. Padronizar decisões pode empobrecer o discurso jurídico. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2012-ago-06/dierle-nunes-padronizar-decisoes-empobrecer-discurso-juridico. Acesso
em: 22 fev. 2018. 127 BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. 3.ed.
Belo Horizonte: Del Rey, 2015, p. 158-159. 128 Disponível no site do CNJ:
http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/881d8582d1e287566dd9f0d00ef8b218.pdf.
Acesso em: 15 jun. 2018.
102
4.1 OS DEVERES INSTITUCIONAIS DOS TRIBUNAIS: UNIFORMIZAÇÃO,
ESTABILIDADE, INTEGRIDADE E COERÊNCIA
Com o objetivo de valorizar as decisões dos tribunais, o art. 926, caput, inicia a
exposição da matéria destacando o dever das cortes de dar uniformidade a sua jurisprudência,
de forma a mantê-la estável, íntegra e coerente. Com isso, preconiza a obrigação legal e
genérica do Estado de proteger a segurança jurídica nas decisões jurisdicionais.129
Hermes Zaneti Jr.130 bem explica esse dispositivo legal fazendo alusão ao trabalho do
intérprete:
O CPC, no art. 926, caput, procura constranger o intérprete vinculando-o: a) à sua
própria interpretação do direito nos casos-precedentes (estabilidade, teste de
observância do stare decisis, pois os precedentes não devem ser mudados a cada
decisão – vinculação horizontal); b) a um teste de não-contradição, decorrente da
conferência entre o conteúdo da decisão-atual e o conteúdo das decisões anteriores,
dos casos-precedentes (coerência em sentido estrito, teste de consistência); c) e a um
teste de universalização, de verificação da racionalidade e unidade do direito,
conferindo se a decisão está adequada com a tradição jurídica – incluídos os demais
textos normativos – e com a unidade da Constituição, podendo ser aplicada no caso
e a partir de então ser repetida nos casos análogos ou similares (coerência em
sentido amplo, teste de universalização das razões).
A legislação esclarece de forma incisiva o comportamento que se espera dos tribunais
no exercício de formação e desenvoltura do direito, por meio do processo judicial. O requisito
da coerência dos pronunciamentos jurisdicionais, em sentido lato, é desmembramento da
atividade racional e universal no trato da matéria.
A partir do momento em que é estabelecido pela corte competente certo entendimento
sobre uma questão jurídica, esse posicionamento deve ser seguido/mantido na análise de casos
similares futuros, para que os cidadãos tenham consciência de que decisões tomarem e quais
recursos serão comprometidos, pois alicerçados nesses precedentes.
Segundo Thomas Bustamante131, com pensamento de igual modo, afirma que existe
“conexão incindível entre as ideias de justificação e universalização”.
129 “Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 22 fev.
2018. 130 ZANETI JR., Hermes. 2017, op. cit., p. 397. 131 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente Judicial. A justificação e a aplicação de regras
jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 111-112.
103
Independentemente da tradição jurídica adotada, a aderência à norma universal para o
deslinde de uma contenda particular é requisito inevitável da fundamentação do direito.
Justificar é esclarecer que o ato está correto e que pode ser praticado.
Prescreve-se também que o tribunal tem a obrigação de uniformizar a sua
jurisprudência, diante do dissentimento interno de seus órgãos fracionários acerca de idêntico
objeto jurídico. Por conta disso, a jurisprudência prevalecente será sumulada, sujeitando-se ao
alicerce fático dos precedentes que serviram de fundamento para sua criação, à luz do art.
926, parágrafos 1º e 2º, do CPC132.
Esse enunciado de súmula trata-se de norma geral que auxiliará o intérprete na análise
do caso concreto. O Judiciário não cria norma abstrata. A súmula, pode-se dizer, é uma norma
de caráter geral, vinculada à circunstância fática que a precedeu, que necessita ser contrastada
e apreciada no caso-futuro, com vista à verificação de equivalência das razões determinantes e
o juízo de adequação respectivo.
Com o requisito da estabilidade, visa-se a impedir que os tribunais decidam de
qualquer jeito, abandonando ou alterando sem qualquer fundamentação plausível suas
anteriores decisões e consolidadas sobre determinada matéria, sob pena de ferir os princípios
da segurança jurídica e da isonomia.
Ao aplicador do direito soaria estranho vincular-se ao precedente e constatar
diuturnamente mudança de pensamento de tribunais superiores, de forma aleatória, como se
estivesse diante de uma jurisprudência lotérica133, com o uso impróprio das técnicas
precedencialistas.
O tribunal deve respeitar a sua jurisprudência, os seus precedentes. Isso não quer dizer
que nada possa ser alterado. Caso não se ajuste mais à realidade social, pode ocorrer a sua
modificação, na forma do art. 927, par. 4º, do CPC134, exigindo-se, para tanto fundamentação
132 Art. 926. [...]. § 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os
tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2o Ao editar
enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua
criação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em
25 fev. 2018. 133 CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais, v. 786, 2001. 134 “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: [...] § 4o A modificação de enunciado de súmula, de
jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de
fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da
confiança e da isonomia.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 22 fev. 2018.
104
adequada. A motivação das decisões exerce função externa ao processo, servindo de norte ao
próprio Judiciário e para toda a conduta da sociedade.
Ressalta-se o Enunciado 316, produzido pelo Fórum Permanente de Processualistas
Civis (FPPC), alusivo ao assunto em tela, que diz: “A estabilidade da jurisprudência do
Tribunal depende também da observância de seus próprios precedentes, inclusive por seus
órgãos fracionários.”135
O tribunal, conquanto seccionado em vários órgãos, configura um só ente e deve agir
de forma una, precisando ter postura similar sobre determinada matéria jurídica. Não se
sustenta a argumentação por precedentes em que os órgãos que compõem o tribunal não
seguem os decisórios padrões do plenário ou da corte especial, conforme o critério do stare
decisis horizontal.
Nesse sentido, eis o pensamento de Humberto Ávila136 quanto ao valor segurança
enquanto estabilidade: “estabelece exigências relativamente à transição do direito passado ao
direito futuro. Não uma imutabilidade, portanto, mas uma estabilidade ou racionalidade da
mudança, que evite alterações violentas”.
O pressuposto da integridade diz respeito à historicidade das decisões aceitas na
interpretação e aplicação dos julgados que envolvem matéria similar, relacionando-se com a
noção de unidade do ordenamento. Deve-se evitar que a mesma questão jurídica seja vista de
maneira injustificada perante distintos órgãos e que sejam respeitados os julgamentos
anteriores, com justificação de alteração na posição anteriormente adotada. 137
Impede-se assim o voluntarismo do Judiciário, competindo ao magistrado analisar o
caso de acordo com o direito na sua complexidade, envolvendo disposições constitucionais,
civis e administrativas, respeitando-se a hierarquia do sistema normativo.
A coerência relaciona-se com o tratamento isonômico que é exigido na resolução de
casos análogos, de forma a impedir os tribunais de decidirem de forma contraditória às
135 Trata-se o FPPC de grupo de reunião de processualistas pátrios, com objetivo de revelar concepções
doutrinárias interpretativas do CPC de 2015, por meio de enunciados, aprovados de forma unânime. Ver
https://www.novocpcbrasileiro.com.br/enunciados-interpretativos-sobre-o-novo-cpc-do-fppc/. Acesso em: 25
fev. 2018. A título argumentativo, ver também enunciados 453, 454 e 455. 136 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência e realização no Direito Tributário. São Paulo:
Malheiros, 2011, p.124. 137 Ver os enunciados 456 e 457 do FPPC, que tratam desse dever.
105
decisões que antecederam, com exceção das técnicas de distinção ou superação dos
precedentes, que se encontram dispostas no art. 489, par. 1º, VI, do CPC138.
Thomas Bustamante139, quanto ao tema, informa que:
O postulado da coerência exige que todas as situações que puderem ser
universalmente formuladas e subsumidas nas mesmas normas gerais sejam tratadas
da mesma forma, a não ser que, em um discurso de aplicação dessas normas, surjam
elementos não considerados na hipótese normativa que justifiquem a formulação de
uma exceção ou a não aplicação das consequências jurídicas ao caso concreto.
Há uma obrigação de respeito aos próprios precedentes, isto é, os tribunais não podem
ignorá-los (dever de autorreferência). O discurso do Judiciário necessita ser coerente,
conquanto não implique um só pensamento, mas que justifique substancialmente a mudança
de orientação jurídica, dando solidez e confiança à atuação jurisdicional.
Ronald Dworkin assim se pronuncia metaforicamente a respeito da construção judicial
do direito, comparando-a a um romance em cadeia, onde cada juiz escreve um capítulo da
obra, conectado ao texto anterior e considerando ao que outrora fora solucionado
previamente. Optando por superar determinado precedente, o magistrado fará um esforço
interpretativo para conservar a linha da novela encadeada, de forma a possibilitar o
desenvolvimento do direito.140
Lênio Streck socorre-se dos ensinamentos de Dworkin, ao propor a integridade
próxima da justiça e da equidade enquanto princípios morais do direito. Faz-se um paralelo
entre os deveres da coerência e integridade:
Coerência significa dizer que, em casos semelhantes, deve-se proporcionar a
garantia da isonômica aplicação principiológica. Haverá coerência se os mesmos
princípios que foram aplicados nas decisões o forem para os casos idênticos; mas,
mais do que isto, estará assegurada a integridade do direito a partir da força
normativa da Constituição. A coerência assegura a igualdade [...] A integridade
exige que os juízes construam seus argumentos de forma integrada ao conjunto do
direito. Trata-se de uma garantia contra arbitrariedades interpretativas. A integridade
limita a ação dos juízes; mais do que isso, coloca efetivos freios, através dessas
comunidades de princípios, às atitudes solipsistas-voluntaristas. A integridade é uma
138 “Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...]§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão
judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: [...]VI - deixar de seguir enunciado de súmula,
jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 22 fev. 2018. 139 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. 2012, op. cit., p. 269-274. 140 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
2007, p. 271-286.
106
forma de virtude política. A integridade significa rechaçar a tentação da arbitrarieda-
de.141
O Judiciário retrata-se, pois, como uma instituição que exige decisões consistentes. A
consistência está relacionada aos deveres da coerência e da integridade. Nesse sentido, os
precedentes devem ser entendidos como forma de se presumir a correta aplicação do direito.
Outra norma importante para compreender o sistema vinculante de precedentes é o que
consta do artigo 927, caput e incisos e par. 1º, do CPC, que informa explicitamente a
obrigação de juízes e tribunais atentarem para as manifestações judiciais de força obrigatória,
devendo tal dispositivo ser conjugado em sintonia com os artigos 10, 489 e 926, todos do
Código de Processo Civil, de forma a torná-lo mais operante.142 É o que se verá no capítulo
que se segue.
141 STRECK, Lênio Luiz. Por que agora dá para apostar no projeto do novo CPC. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2013-out-21/lenio-streck-agora-apostar-projeto-cpc. Acesso em 25 fev. 2018. 142 Art. 10 do CPC “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito
do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual
deva decidir de ofício.” Art. 927. “Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal
Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os
acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de
recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em
matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do
plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto
no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.” Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 25 fev. 2018.
107
4.2 OS PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NA DOGMÁTICA NACIONAL
Essa inovação decorrente da Lei 13.105/2015, com vigência a partir de 18/03/2016,
remeteu-se ao material normativo imprescindível para o stare decisis brasileiro,
diferentemente daquele da Inglaterra e dos E.U.A. Isso é natural, pois cada ordenamento
apresenta suas peculiaridades sistêmicas. O legislador resolveu implementar uma novel
cultura ao Brasil, no que tange à obediência aos precedentes e à jurisprudência solidificada,
especialmente àqueles emitidos pelos tribunais supremos.
O artigo 927, da Lei 13.105/2015, por sua vez, de caráter exemplificativo, revela a
natureza do cumprimento do regramento anterior no direito pátrio, dispondo a relação de
decisões, com eficácia vinculante. Diz-se exemplificativo, pois não esgotam todas as formas
de pronunciamentos jurisdicionais que permitem declarar um precedente ou uma
jurisprudência, a exemplo dos decisórios do STF e do STJ em processos de competência
originária, em recursos ordinários, das seções ou câmaras dos tribunais.
No entanto, há discussão doutrinária a respeito do art. 927 do CPC, consubstanciada
nos seguintes problemas: a) Ocorreu a inserção de um modelo de precedentes obrigatórios no
Brasil, de forma cogente ou apenas tal artigo enumera as decisões, sem impor-lhes caráter
algum de vinculatividade? b) Apenas as Cortes Supremas formam precedentes vinculantes?
A resposta ao primeiro questionamento, que aqui se tutela, é que os julgadores devem
respeitá-los na solução do caso concreto, observando-os como preceitos jurídicos. Trata-se de
vinculatividade de natureza jurídica, qualificada pelo dever ser. Na verdade, o precedente é
uma fonte formal. Justifica-se tal afirmação conjugando com as disposições relativas ao
incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), ao incidente de assunção de
competência (IAC) e aos recursos especial e extraordinário repetitivos, as quais preveem
imperatividade aos decisórios judiciais ali proferidos.
Traz-se à tona o magistério de Hermes Zaneti Jr. ao afirmar categoricamente que o
aludido artigo e respectivos incisos enumeram precedentes formalmente vinculativos:
O CPC/2015 rompeu definitivamente com a tradição brasileira do direito
jurisprudencial e da jurisprudência persuasiva, elencando no art. 927 e incisos os
casos em que os precedentes no Brasil obrigam, portanto, são normativos e
vinculantes, e não meros exemplos de boas decisões. Daí falarmos, nestes casos, de
precedentes normativos formalmente vinculantes, uma vez que são normas
108
primárias, estabelecidas como tal pela legislação processual formal, que determina a
sua vinculação independentemente de suas boas razões.143
Destarte, o CPC arrolou no art. 927 um catálogo hierárquico de decisões com força
obrigatória visando à efetivação dos princípios da legalidade e da segurança jurídica, que
permitem o uso da ação de reclamação ou outras decisões monocráticas de relatores (tutelas
provisórias) que promovam celeridade em caso de inobservância pelos juízos inferiores. Todo
precedente, seja ele vinculante ou persuasivo, exige que seja observado e levado em
consideração à luz do aferimento hermenêutico no caso sob análise.
Essa mudança de paradigma visa garantir racionalidade ao sistema jurídico brasileiro,
com diminuição da discricionariedade dos juízes, objetivando evitar o decisionismo judicial,
vinculando-os aos próprios decisórios. O dispositivo legal reconduz ao entendimento o qual
deve ser aplicado à luz do texto constitucional, com interpretação operativa144, em especial
quando lida com princípios e cláusulas gerais.
Vale ressaltar, entretanto, que o dever de observância não traduz necessariamente em
obrigatoriedade às cegas, ou seja, em respeito absoluto, integral, sem nenhum critério.
Observar quer dizer atentar, levar em conta, no momento da apreciação do caso. Um
precedente permite ser observado, sem obrigatoriamente ser seguido ou reproduzido pelos
juízos de instâncias inferiores, haja vista a correta utilização das técnicas do distinguishing
(distinção de casos) e overruling (superação do entendimento), buscando-se a integridade do
direito, com a exposição de fundamentação apropriada.
Para Daniel Amorim Neves, o vocábulo observarão, no caput do art. 927 significa
“aplicarão de forma obrigatória.”145
Não se exige qualquer outra norma para imprimir efeito vinculante aos incisos
constantes do artigo 927, como contrariamente faz pensar Alexandre Câmara. Para ele o
termo observarão resulta simplesmente no dever do juiz de levar em consideração na
143 ZANETI JR, Hermes. Precedentes normativos formalmente vinculantes. In: DIDIER JR, Fredie et al. (coord).
Precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p. 421. Também é o pensamento de Fredie Didier, Paula
Sarno e Rafael Oliveira, que lecionam: “No Brasil, há precedentes com força vinculante – é dizer, em que a ratio
decidendi contida na fundamentação de um julgado tem força vinculante. Estão eles enumerados no art. 927,
CPC.” DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. Oliveira, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil. Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 10. ed. rev.
ampl. e atual. v. 2. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 455. 144 Essa atividade operativa deve perceber uma dubiedade na interpretação. A decisão que induz precedente
adiciona significado ao sistema jurídico, reconstruindo-o. FERRAJOLI, Luigi. Interpretazione dottrinale e
interpretazione operativa. Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto, 1, p. 290-304, 1966, esp. p. 291-292. 145 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo.
Salvador: Editora JusPodivm, 2016, p. 1492.
109
aplicação do direito. Caso não tenha um regramento explícito dando eficácia obrigatória ao
precedentes, considera-se como persuasivo apenas.146
Entendendo como precedentes obrigatórios, tem-se o enunciado 170 do Fórum
Permanente de Processualistas Civis, ao afirmar que “As decisões e precedentes previstos nos
incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos”.
Assim, não induz faculdade aos juízes seguir ou não tais decisórios.
Defendem a hipótese de não existir um sistema brasileiro de precedentes, Lênio Streck
e George Abboud147, sem negarem, contudo, a integridade e a coerência objeto da acepção
dworkiniana de problematização do direito. O direito desenvolve-se a partir da obediência a
esses últimos atributos. Alegam que a vinculação é jurisprudencial, e não de precedentes.
Em sentido contrário e em apoio a este escrito, vale trazer o pensamento de Aurélio
Viana e Dierle Nunes148, defendendo que o CPC/2015 instituiu, sim, um modelo
precedencialista (provimentos vinculantes), ao afirmar que esse sistema melhor se adequa ao
direito democrático, com a inserção de técnicas processuais e força teórica capazes de reduzir
os óbices que permeiam o direito jurisprudencial brasileiro.
Questão também prudente a destacar é a pecha de inconstitucionalidade que alguns
juristas149 querem imprimir aos incisos III, IV e V, do aludido artigo 927, o que será mais um
debate a aportar nos tribunais superiores. Alegam que somente a constituição pode fixar força
imperativa aos precedentes, a exemplo de decisões em controle concentrado de
constitucionalidade e súmulas vinculantes, todas com previsão no texto constitucional.
Alegam também que violaria o princípio da separação dos poderes, onde o Judiciário não tem
competência para legislar.
146 E Alexandre Câmara arremata: “Assim é que tem eficácia vinculante as decisões e enunciados sumulares
indicados nos incisos I a III do art. 927; e são meramente argumentativos as decisões e verbetes sumulares de
que tratam os incisos IV e V do mesmo artigo.” CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil
brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 434-435.
147 Assim dizem: “Por isso mesmo é que devemos tirar lições do sistema de precedentes do common law para
melhor compreensão do ‘sistema de vinculação jurisprudencial’ (e não de precedentes) criado pelo CPC no
Brasil”. STRECK, Lênio; ABBOUD, Georges. O NCPC e os precedentes – afinal, do que estamos falando? In:
DIDIER JR, Fredie et al. (coord). Precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p.176. 148 Os autores acentuam: “[...], a negativa da existência dos precedentes no CPC/2015 pode, inversamente,
colaborar para a continuidade da aplicação caótica e descomprometida dos provimentos vinculantes ou padrões
decisórios, quaisquer que sejam os respectivos nomes de batismo, algo que vem ocorrendo há décadas [...]”.
VIANA, Antônio Aurélio de Souza; NUNES, Dierle. Precedentes: a mutação do ônus argumentativo. Rio de
Janeiro: Forense, 2018, p. 221-222. 149 Ver NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São
Paulo: RT, 2015, p. 1912-1913; ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial. São Paulo:
RT, 2014, p. 392.
110
Esta tese não coaduna com a opinião de Nelson Nery Jr., Rosa Nery e Abboud, pois a
atividade jurisdicional não tem o condão de criar norma geral e abstrata, a exemplo do Poder
Legislativo. O que se extrai é que os precedentes são fontes normativas e que criam normas
particulares e concretas, de caráter universal, para situações futuras e iguais.
De igual modo, Hermes Zaneti Jr. não concorda com o pensamento de Nelson Nery Jr.
e Rosa Nery, por entender que:
A vinculação dos incisos III, IV e V do art. 927 do CPC é um desdobramento da
progressiva recepção do stare decisis no ordenamento jurídico brasileiro, iniciada
ainda com as reformas ao CPC de 1973 e com a EC 45/04. Não há
inconstitucionalidade porque não há ofensa aos princípios da separação de poderes e
da legalidade, uma vez que se vincula apenas aos órgãos do Poder Judiciário e se
observa a legalidade por ter sido a vinculação formalmente estabelecida por lei.
Trata-se, na verdade, de uma integração entre as funções exercidas pelo Poder
Legislativo e pelo Poder Judiciário, criar o direito como legislador dentro da
moldura da Constituição e reconstruir o direito como juiz dentro do processo de
interpretação, sendo que a vinculatividade formal dos precedentes reduz o espaço de
discricionariedade dos juízes e ao mesmo tempo garante mais racionalidade,
previsibilidade e igualdade no direito.150
A vagueza do conteúdo da lei faz com que o intérprete aja de maneira criativa,
conferindo àquela um sentido unívoco, dentro de certa racionalidade e controle
argumentativo, de forma a contribuir com a melhor distribuição da justiça.
Entende-se que fere a constituição o fato da existência de decisões judiciais
diuturnamente proferidas, por vezes divergentes entre si, desrespeitando-se a hierarquia
institucional e viciando o sistema pela instabilidade e insegurança jurídica. O stare decisis
torna-se imprescindível ao ordenamento jurídico brasileiro, por infundir mais
responsabilidades e ônus argumentativo aos juízes e tribunais ao lidar com precedentes,
jurisprudência e súmulas.
Quanto ao segundo questionamento a respeito de quais Cortes tem competência para
formar precedentes obrigatórios, há um dissenso doutrinário.
Cabe ao Poder Judiciário a solução de todas as contendas e a uniformidade do direito,
por meio de seus juízes e tribunais, sendo que a competência de cada órgão encontra-se
regulada na Constituição Federal de 1988.
150 ZANETI JR., Hermes. 2017, op. cit., p. 402.
111
Abre-se um parêntese para diferenciar qual o papel das Cortes de Justiça e das Cortes
Supremas na organização judiciária nacional, à luz do magistério de Luiz Guilherme
Marinoni, que também coaduna com o entendimento perfilhado neste escrito.
Os primeiros tribunais são aqueles preocupados com a análise da justiça no caso ali
recorrente. Tem a função de examinar as circunstâncias fáticas e a questão jurídica aplicável,
por meio de contraditório substancial e debate sobre a aplicabilidade da jurisprudência ou do
precedente constitucional ou federal ao caso sob análise, resolvendo, ao final, o conflito. Os
tribunais de justiça estaduais e os tribunais regionais federais estão incluídos nessa situação,
aqui tratados de cortes de justiça ou cortes de apelação.
As cortes supremas ou cortes de vértice, aqui consideradas apenas o Supremo Tribunal
Federal e o Superior Tribunal de Justiça, tem a função de conferir sentido e dar unidade ao
direito, possibilitando-se debate profícuo sobre as questões jurídicas e com o exercício
hermenêutico a partir do caso concreto, proclamando a última palavra a respeito de matéria
constitucional ou federal, respectivamente.
Com a apropriada deliberação a respeito dessas questões jurídicas e atingimento de
maioria na votação do colegiado, partilhando de idêntico fundamento na resolução do
problema, as cortes supremas emitem o precedente, identificando ali a ratio decidendi, que se
extrai da própria fundamentação do julgado. Claro que o STJ ou STF não reexaminam fatos
ou apreciam provas, em grau recursal, mas os seus argumentos levam em consideração a
existência do quadro fático e sua relação com a matéria de direito a ser resolvida.
Com a cognoscibilidade e o caráter universalizável desse precedente, a própria corte
suprema (stare decisis horizontal), as cortes de justiça e os demais juízes de primeira instância
(stare decisis vertical), ao analisarem casos futuros similares, tem o dever de promoverem a
racionalidade do ordenamento jurídico, com a observância obrigatória desse decisório,
pautando-se em critérios objetivos, forte nos princípios da segurança jurídica, da coerência e
da isonomia.
O atributo da universalização, ligado ao precedente, deve reconduzir o direito à
realidade social, ou seja, os decisórios relativos especificamente a litígios dizem respeito
apenas às partes litigantes, enquanto que as decisões que dão sentido ao ordenamento jurídico,
reconstruindo-o, beneficiam a toda a sociedade.
Com isso, parte-se da premissa de que os tribunais de apelação ou cortes de justiças
não criam precedentes (função apenas do STJ e STF, pois preocupados com o
112
desenvolvimento do direito). Aqueles tem a função de reexaminar a matéria objeto das
decisões proferidas pelos juízes de piso, permitindo com isso o debate colaborativo no sentido
de maturar a interpretação das leis e das questões jurídicas.
Reiterados julgados e várias interpretações legais no mesmo sentido desembocam no
pensamento uniforme dessa corte de justiça acerca de certa questão de direito, dano azo ao
que se chama de jurisprudência.
De igual modo corroboram Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Arenhart e Daniel
Mitidiero:
[...] Para uniformizar, é preciso conhecer o que é disforme: pressupõe-se justamente
a ausência de uniformidade na interpretação e aplicação do direito. Quando se pensa
no STF e no STJ como cortes de interpretação e de precedentes, porém, a partir do
exato momento em que esses tribunais dão determinada interpretação, constitui
grave infidelidade ao direito deixá-la de lado na aplicação dos casos concretos que
recaem em seus âmbitos de aplicação. Daí que o STF e o STJ – como Cortes
Supremas que são – devem dar unidade ao direito e não propriamente uniformizá-lo.
[...] Devem dar unidade ao direito a partir da solução de casos que sirvam como
precedentes para guiar a interpretação futura do direito pelos demais juízes [...].
Nessa linha, uniformizar é tarefa das Cortes de Justiça, que tem o dever de controlar
a justiça da decisão de todos os casos a elas dirigidos – o que obviamente inclui o
dever de aplicação isonômica do direito.151
A uniformização do direito cabe às cortes de justiça, pois a partir de vários casos
similares que ali chegam devem impor a mesma opção jurídica, de forma a não ferir o
princípio da igualdade.
Também Daniel Mitidiero152, de igual modo, propõe a separação da tutela jurisdicional
em duas esferas judiciárias diferenciadas, que abarcam as dimensões de resolução dos
conflitos. No seu pensar, ter-se-ia uma corte que cuidaria apenas de proferir decisão justa na
resolução da controvérsia (cortes de Justiça ou órgãos judiciais ordinários), e outra corte
responsável pela adequada interpretação de forma proativa e pela criação do precedente,
enriquecendo o depósito de preceitos jurídicos universalizáveis, visando à unidade do direito
(cortes supremas ou órgãos jurisdicionais extraordinários).
A técnica interpretativa do direito é o objetivo das cortes supremas, dispondo o caso
concreto simplesmente como meio a desafiar a função jurisdicional. A lesão à interpretação
151 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O Novo Processo Civil. 2ª
ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 548-551. Ver também
MARINONI, Luiz Guilherme. 2016, op. cit., p. 289-292. 152 MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência
ao precedente. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 36-39.
113
dada pelas cortes de vértice deve ser encarada como erro institucional grave, inadmissível no
sistema hierárquico judiciário brasileiro. É necessário que se busque entender o STF e o STJ
como tribunais de interpretação e de precedentes, de forma a viabilizar espaço estável de
desenvolvimento social.
No entanto, essa assertiva de que somente o STF e o STJ produzem precedentes não é
corrente pacífica na doutrina, senão veja-se.
Hermes Zaneti Jr. discorda ao afirmar que não é prudente atrair para as cortes de
vértice a função única de criadora de precedentes, a partir do que dispõe o art. 927 e incisos,
do CPC. São considerados precedentes as decisões de outros tribunais, dentro de seus âmbitos
de atuação, respeitando-se os pronunciamentos decisórios dos tribunais categoricamente
superiores em sentido contrário. Assim, o autor conclui:
Afirmar que as cortes estaduais e os tribunais regionais federais vinculam por
‘jurisprudência’, nos casos de incidente de assunção de competência e de incidente
de resolução de demandas repetitivas, representa deixar de perceber o papel desses
tribunais na formação, aplicação e alteração do modelo de precedentes assinado pelo
Código e deixar de separar claramente o que nós tínhamos antes dele: um modelo de
jurisprudência persuasiva; do que agora se formou: um modelo de precedentes
normativos formalmente vinculantes. 153
Não se pode dar guarida a tal argumento, por dois motivos. Quando se diz que o STJ e
o STF tem poder de criar precedentes, isso não quer dizer que o ministro do tribunal exerce
função mais relevante do que o juiz de piso ou dos demais tribunais. Na realidade, há uma
diferença no exercício da jurisdição, especialmente no que tange às suas competências
constitucionais.
O segundo motivo diz respeito ao grau hierárquico na estrutura da organização
judiciária, sendo que os efeitos de seus decisórios atingem a todos, a respeito da tese advinda
daquele precedente, com a finalidade precípua de atribuir unidade a todo o ordenamento. Se
assim não fosse, haveria tumulto interpretativo ou anarquia decisória, em que cada juízo
proferiria decisões a seu bel prazer, de forma arbitrária e aleatória.
Dierle Nunes, Flávio Pedron e André Horta rechaçam a opção teórica de Marinoni e
Mitidiero, por não aceitarem a concentração no STF e STJ da autoridade de formar
precedentes, uma vez que esses tribunais tem vacilado na interpretação de temas polêmicos,
principalmente por não haver unanimidade, por exemplo, na aplicação do princípio da
153 ZANETI JR., Hermes. 2017, op. cit., p. 407.
114
proporcionalidade, que tem sido utilizado pelo STF como válvula de escape para orientar uma
decisão.
Continuam os autores na crítica às cortes supremas, pois no Estado Democrático de
Direito não se pode aceitar protótipo ultraestatalista, com todo o poder interpretativo
concentrado em mãos de duas cortes, haja vista que o Direito não é desenvolvido apenas nos
tribunais supremos, deixando de lado a relevância institucional dos demais tribunais nacionais
nesse mister. A persistir esse entendimento, ocorreria a sujeição irrestrita aos tribunais de
vértice, limitando, por consequência, a uniformização do direito ao pequeno conjunto de casos
que aportariam para julgamento no STF e STJ.
E concluem dizendo:
O modelo proposto por Mitidiero e Marinoni defende, sob viés socializador e
estatalista, um protagonismo judicial concentrado nas Cortes Supremas incapaz, em
nossa opinião, de oferecer espaço processual deliberativo (comparticipativo) para a
formação e aplicação dos precedentes judiciais.154
Não se pode dar apoio integral ao que pensam Dierle Nunes, Flávio Pedron e André
Horta, pois partem do pressuposto de que o STF e STJ são cortes que querem se autolegitimar
no poder, esquecendo-se de que a competência deles é legitimada pela própria Carta Magna,
os quais são detentores da interpretação última em matérias constitucional e direito federal,
respectivamente.
Claro que esses órgãos de vértice não tem dado exemplos, com formação de padrões
decisórios incoerentes, por vezes, o que será melhor avaliado mais à frente. Mas isso não pode
ser óbice para o desenvolvimento do direito. Aposta-se também na decisão colegiada, com
critérios objetivos, forte na fundamentação do comando jurídico, buscando-se decisão justa
para o caso paradigmático.
O procedimento de formação de precedentes parte-se de um processo judicial, com a
participação e ouvida de partes, Ministério Público, Defensoria Pública e Juiz, o que refuta a
ideia de que o procedimento não é comparticipativo. Havendo necessidade, de ofício ou a
requerimento, pode ocorrer a intervenção de amicus curiae e também audiências públicas, que
contribuirão para a formação/superação da tese jurídica.
154 NUNES, Dierle. PEDRON, Flávio Quinaud. HORTA, André Frederico de Sena. Art. 926 do CPC e suas
propostas de fundamentação: um diálogo com concepções contrastantes. In: NUNES, Dierle. MENDES, Aluísio.
JAYME, Fernando Gonzaga (coord.). A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 336-361.
115
Eduardo Cambi milita em defesa do STF e STJ enquanto cortes supremas, assim se
pronunciando:
Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça não podem
ser compreendidos como Cortes de Correção. Não constituem terceira ou quarta
instância. Por isso, a atuação desses Tribunais não deve se basear na tutela dos
direitos subjetivos nem estar centrada no interesse particular ou com a justiça do
caso concreto, mas se preocupar com a unidade do direito objetivo federal ou
constitucional.
Cabe ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça a função de
unificar a interpretação da Constituição e do direito federal. Por isso, são
consideradas Cortes de Precedentes, não Cortes de correção, o que significa que não
tem a função precípua de dizer a última palavra sobre a legalidade e a legitimidade
dos casos concretos, mas a de governar a orientação jurídica do Poder
Judiciário.155
Conclui-se, assim, esse sucinto e sólido debate doutrinário, por afirmar que o
desrespeito aos precedentes judiciais resvalam na negativa do próprio direito. São vinculantes
porque tem a responsabilidade de conferir unidade, especialmente porque é resultado da
atividade interpretativa do texto constitucional e da legislação federal pelos tribunais
supremos.
De outra banda, as hipóteses previstas nos incisos do art. 927, do CPC, as quais devem
ser observadas por magistrados e tribunais em seus pronunciamentos, merecem, neste
primeiro momento, uma breve análise:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade
Essas decisões produzem efeito erga omnes, em relação à coisa julgada, na medida em
que a ratio decidendi (motivos determinantes) dos decisórios prolatados pelo STF em controle
concentrado de constitucionalidade possui natureza vinculante, exigindo postura obrigatória
no seguimento dessas orientações por parte de todos os juízes e demais tribunais.
II e IV – Os enunciados de súmula vinculante e de súmulas do STF e STJ
A observância a tais enunciados consubstancia-se nos motivos determinantes dos
precedentes que lhe antecederam.
155 CAMBI, Eduardo. 2016, op. cit. p. 196-197. Conferir também TARUFFO, Michele. Cinco Lecciones
mexicanas: memoria del taller de drecho processual. Cidade do México: Escuela Judicial Electoral, 2003,
p. 40.
116
Afirma Monica Sifuentes156 que as “súmulas vinculantes podem ser hoje qualificadas
como verdadeiras fontes do direito”, pois possuem imperatividade coercitiva aos órgãos
jurisdicionais, à administração pública e à sociedade em geral, além de conterem requisitos
parecidos com a norma jurídica, ou seja, os critérios da generalidade e abstração.
Outrossim, viável o instrumento processual da reclamação (art. 103-A, § 3º, da CF e
art. 7º, da Lei 11.417/2006) com o objetivo de anular ou cassar a decisão judicial que for
contra o entendimento preceituado na súmula vinculante ou que a tenha aplicado de forma
indevida, sem prejuízos de outros meios jurídicos de impugnação de decisões à disposição do
interessado.
III – Os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos
O Código de Processo Civil, em seus artigos 489, par. 1º, 984, par. 2º e 1038, par. 3º,
prevê procedimentos com o objetivo de formação de preceitos jurídicos, em que os motivos
contrários e favoráveis à tese de direito discutidos incidentalmente serão apreciados pela
corte. Tem-se aí o contraditório substancial, passível de ingresso do amicus curiae e
realização de audiência públicas, com a oitiva de pessoas experientes e com conhecimento
acerca da questão sub judice.
Nesse sentido, traz-se aqui o incidente processual de assunção de competência,
previsto no art. 947, do CPC, que tem como objeto o julgamento e a fixação de tese jurídica
pelo órgão pleno, quando se tratar de recurso, reexame necessário ou feito de competência
originária do tribunal, envolvendo importante questão jurídica (de direito material ou
processual) e de real repercussão social (que transcende os interesses das partes envolvidas),
não repetida em múltiplas ações (feito específico ou quantidade mínima de processos e não
em causas repetitivas).
Tal incidente visa garantir a segurança jurídica, prevenir distorções e uniformizar a
jurisprudência, dando credibilidade ao Judiciário. Desperta-se com isso confiança nas
decisões prolatadas, em que casos semelhantes terão tratamento isonômico.
A sua instauração ocorre em qualquer tribunal, inclusive nas cortes supremas,
envolvendo qualquer demanda, enquanto o processo ou o recurso respectivo não for julgado.
Deve ser promovida real divulgação e publicidade quanto a esse instituto. Confere-se
156 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante – Um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 161.
117
legitimidade para promoção do incidente ao relator, a qualquer das partes litigantes, ao MP e
ao Defensor Público.
Com a formação do entendimento nesse incidente, caso seja ajuizada alguma ação
com fundamento que o contrarie, o magistrado julgará improcedente o pedido autoral, de
forma liminar, sem necessidade de citação do réu e de instrução probatória, nos termos do
art. 332, III, do CPC. Cabe também reclamação pela não observância da tese jurídica adotada
em determinado acórdão prolatado no incidente, de conformidade com o art. 988, IV, do CPC.
O julgamento será realizado pelo órgão designado no regimento interno do tribunal
respectivo, com a inclusão em pauta, observando-se a ordem cronológica de conclusão dos
feitos, à luz do art. 12 do CPC. O acórdão proferido pode ser objeto de recurso, sejam eles
embargos declaratórios, recursos especial e extraordinário, ordinário ou de revista, a depender
da situação concreta.
Necessário também registrar os decisórios criados na resolução de casos repetitivos,
com previsão no Código de Processo Civil, em seu art. 928, que abrange o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e os recursos especiais e extraordinários
repetitivos, gerando discussão a respeito de questões jurídicas de direito material ou
processual. Tais instrumentos objetivam dar uniformidade à jurisprudência, no que trata das
questões repetitivas.
Prioriza-se que se dê tratamento igual a processos distintos que contêm a mesma
questão jurídica, com realce à segurança jurídica. Exigem-se que tenham vários processos já
decididos, com relevante divergência de pensamento, gerando instabilidade jurídica.
Têm legitimidade para requerer o IRDR, na forma do art. 977 do CPC, o juiz ou
relator (por ofício), as partes, o MP e a Defensoria Pública (esses últimos mediante petição),
instruindo o pedido com a documentação necessária que demonstre os requisitos exigidos.
O julgamento ficará a cargo do órgão designado no regimento interno do tribunal de 2º
grau, que cuida de dar uniformidade à jurisprudência, de forma a mantê-la íntegra, una e
coerente. Para combater essa decisão de mérito, cabem recursos especial e extraordinário para
o STJ e STF, respectivamente, seguindo orientação do art. 987, caput, CPC.
O órgão colegiado que tem a função de resolver o IRDR e de proclamar a tese de
direito procederá também ao julgamento do recurso, do reexame necessário e da ação de
competência originária da Corte.
118
Com o julgamento desse incidente, a tese de direito terá aplicabilidade nas causas
individuais ou coletivas que cuidam de igual questão jurídica, com tramitação na área de
atuação do respectivo tribunal, alcançando inclusive os processos que correm nos juizados
especiais estaduais ou da região. Afetará tanto os casos pendentes como os futuros que ali
aportarem.
Passa-se a falar sobre o julgamento dos recursos excepcionais repetitivos, seja ele
especial ou extraordinário, que versem sobre a mesma matéria jurídica e multiplicidade de
processos. Tal faculdade está prevista no art. 1036 do CPC.
Existe autonomia nos tribunais de 2º grau e superiores na escolha dos recursos
especiais e extraordinários, que servirão como paradigmas nesse tipo de julgamento. A
suspensão dos demais processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre
semelhante questão de direito, é obrigatória.
Considerando as particularidades atinentes aos recursos especial e extraordinário,
apenas matérias de direito federal e constitucional, respectivamente, são objeto desse
incidente. Diferentemente do IRDR, que tem objeto mais extenso, abrangendo outras
questões, a exemplo de direito local.
Após a seleção dos recursos, cabe ao relator, no tribunal superior, a afetação daqueles
escolhidos como objeto da controvérsia, além de delimitar de maneira precisa a matéria que
será submetida a julgamento, com a fixação do objeto em litígio. Ordenará a suspensão de
todos os feitos pendentes, que ocupam-se da mesma questão e que tramitam no território
pátrio. O prazo para julgamento dos recursos é de 1 (um) ano, tendo precedência sobre os
demais processos, à exceção daqueles relativos a réus presos e de habeas corpus.
O relator também tem a faculdade de requerer ou admitir a presença de outras pessoas,
órgãos ou entidades especializadas, com representatividade adequada, assim chamados de
amicus curiae (art.138 c/c art. 1038, I, ambos CPC), que tenham interesse no julgamento, ante
a importância da matéria a ser julgada e de grande repercussão social. Poderá determinar
audiências públicas, com o depoimento de outras pessoas (art. 1038, II), a fim de melhor
instrução do procedimento.
Com a decisão dos recursos afetados, ocorre a sua eficácia sobre os feitos sobrestados,
aplicando-se a tese firmada. O acórdão proferido na técnica resolutiva de recursos especiais
119
ou extraordinários repetitivos possui eficácia obrigatória, após a sua publicação, por atração
do art. 1040 do CPC.157
V – A orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados
Por último, como o órgão jurisdicional não possui caráter consultivo, a palavra
“orientação” deve ser compreendida como uma decisão, dotada de eficácia vinculante aos
demais juízes e tribunais correspondentes.
Com as considerações supra, é imperioso dizer que a criação de precedentes,
jurisprudência e enunciados de súmulas tem o objetivo principal de oferecer unidade ao
direito e coesão ao sistema. Ampliam-se o debate e a discussão jurídica, com participação
mais qualificada de todos os envolvidos.
Apenas a título informativo, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados (ENFAM) em parceria com o Superior Tribunal de Justiça desenvolveu o
Projeto Corpus927158, com o objetivo principal de reunir e tornar acessível a toda a
comunidade jurídica e acadêmica, além da sociedade em geral, os decisórios vinculantes, os
enunciados e as orientações do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça,
bem como as respectivas jurisprudências consolidadas, de que cuida o art. 927 do Código de
Processo Civil. As consultas dizem respeito ao controle de constitucionalidade, súmulas
vinculantes, repercussões gerais, recursos repetitivos, súmulas, jurisprudências em tese e a
pesquisa jurisprudencial em si.
Iniciativa digna de aplauso, pela transparência dos tribunais superiores ao lidarem com
relevante assunto, demonstrando o conteúdo de todos decisórios que correspondem ao artigo
927 do CPC.
Assim, intencional é perquirir o que pode ser considerado vinculante no precedente e
quais conteúdos decisórios servem de diretrizes jurídicas para seguimento pelo Poder
Judiciário no enfrentamento de novos casos. Como se opera a atividade de verificar a simetria
entre o processo atual e a decisão-paradigma?
As respostas a esses questionamentos o direito brasileiro, de origem ligada à tradição
do civil law, deve responder progressivamente por dizer respeito à eficácia, interpretação e
157 Os artigos citados do CPC estão disponíveis em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 28 fev. 2018.
158 A consulta ao Corpus927 (C927) poderá ser efetuada por meio do link: http://corpus927.enfam.jus.br/. Acesso
em 21 jun 2018.
120
dinâmica do sistema precedencialista. É necessário amadurecimento cultural e raciocínio
jurídico crítico quanto ao modo de lidar com o tema, porquanto a obediência aos precedentes
não se encontra inserido na cultura. É o que se verá no capítulo seguinte.
121
4.3 A DINÂMICA DAS TÉCNICAS DE UTILIZAÇÃO DOS PRECEDENTES NO
DIREITO BRASILEIRO
Viu-se que a profundidade da eficácia vertical dos precedentes encontra-se calcada no
critério da autoridade. Magistrados e tribunais de apelação estão vinculados à infraestrutura
organizacional do Judiciário, o que lhes é facultado dissentir de tais julgados com o propósito
de demonstrar a necessidade de eventual alteração pelas cortes supremas, responsáveis pela
unidade e desenvolvimento do direito.
Eduardo Cambi e Renê Hellman, quanto a esse aspecto de insubordinação, afirmam
que se trata de uma jurisimprudência159, hipótese que se caracteriza como arbítrio judicial,
gerando incoerência e insegurança jurídica ao sistema. Excetuam-se os casos em que se
procede à distinção ou à superação do entendimento, com a demonstração de carga forte de
argumentação nesse sentido.
Para tanto, como forma de elucidar a dinâmica do stare decisis no ordenamento
jurídico e também responder aos questionamentos iniciais desse tema, é indispensável trazer à
discussão alguns institutos fundamentais: ratio decidendi (ou holding), obiter dictum,
distinguishing (distinção) e overruling (superação). Os dois primeiros já foram objeto de
conceituação no capítulo anterior, que serão aqui abordados de forma mais contextualizada.
Esclarece-se que para se identificar a ratio decidendi (razões de decidir) e o obiter
dictum (considerações de passagem) de uma decisão, passa-se pela análise criteriosa da parte
da fundamentação do julgado-precedente, tarefa esse afeta aos juízes do caso-sucessivo.
Muito embora seja tranquilo dizer que a ratio decidendi (termo predominante no
direito inglês) ou holding (terminologia norte-americana) seja o elemento do precedente que
obriga a interpretação em determinado sentido, a conceituação exata desse instituto expõe a
problemática teórica dos países da tradição common law.
José Rogério Tucci traz ao contexto a seguinte afirmação, que aqui é acolhida:
Cumpre esclarecer que a ratio decidendi não é pontuada ou individuada pelo órgão
que profere a decisão. Cabe aos juízes, em momento posterior, ao examinarem-na
como precedente, extrair a “norma legal” (abstraindo-a do caso) que poderá ou não
incidir na situação concreta.160
159 CAMBI, Eduardo. HELLMAN, Renê. Jurisimprudência – a independência do juiz ante os precedentes
judiciais como obstáculo à igualdade e à segurança jurídica. Revista de Processo, v. 231, maio/2015, p. 349-366. 160 TUCCI, José Rogério Cruz e. Parâmetros de eficácia e critérios de interpretação do precedente judicial.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012, p. 123.
122
Assim, o que vincula é a norma do precedente, a qual é extraída da fundamentação do
julgado, sendo delineada e tornada cognoscível em casos subsequentes, servindo como
comando universal. Então norma do precedente e fundamentação não se confundem. Esta
permanece ilesa, enquanto que a primeira trata-se de motivo determinante, que servirá de
norte para julgamentos futuros.
Há uma controvérsia doutrinária quanto ao método mais empregado nas cortes ou
aquele considerado o mais eficaz.
O primeiro método é o chamado fático-concreto161, onde a razão de decidir deve
conformar-se com os fatos materiais relevantes que influenciaram na solução do caso e
serviram de definição para o regramento jurídico. A crítica que se faz a esse método é que ele
é restritivo e adstrito à peculiaridade do caso.
O segundo método é o abstrato normativo, em que a decisão do caso-precedente
considera o normativo mais apropriado para resolver eventuais processos que são similares. O
que consta da fundamentação do julgado como preceito expresso ou implícito é fundamental
para chegar a ratio decidendi, de forma que alcance maior quantidade de casos que serão
regrados.
Patrícia Perrone Mello e Luís Roberto Barroso, sobre o tema, assim discorrem:
Algumas formulações acima seriam aceitáveis como holding. Outras, claramente
exorbitariam do entendimento realmente afirmado pela corte para decidir. Por isso,
ambos os métodos - fático-concreto e abstrato-normativo - são fundamentais para
chegar a uma formulação adequada da norma emergente do precedente. A
identificação da ratio decidendi pressupõe, em verdade, a avaliação de alguns
aspectos essenciais: i) os fatos relevantes, ii) a questão jurídica posta em juízo iii) os
fundamentos da decisão e iv) a solução determinada pela corte. Em tribunais em que
a definição da decisão se dá pelo sistema de votação em série é preciso identificar
qual foi a posição adotada pela maioria dos julgadores sobre tais aspectos. Com base
nestas considerações, afirma-se que a ratio decidendi de uma decisão corresponde a
uma descrição do entendimento adotado pela corte como a premissa necessária ou
adequada para decidir o caso concreto, à luz das razões invocadas pela maioria.162
Vê-se, com isso, que procurar saber a ratio decidendi e compreender se ela é adequada
à resolução da demanda exige do operador jurídico exercício de interpretação, com a
161 Conferir em: GOODHART, Arthur L. Essays in jurisprudence and the common law. Cambridge:
Cambridge University press, 1931, p. 1-26. 162 MELLO, Patrícia Perrone Campos. BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão
dos precedentes no direito brasileiro. Revista da AGU. Brasília: AGU, ano 15, n. 3, jul./set. 2016, p. 27.
Disponível em: http://seer.agu.gov.br/index.php/AGU/article/view/854/730. Acesso em 01 mar. 2018.
123
identificação de similitudes e diferenciações que envolvem os casos. Cabe ao intérprete
pormenorizar e valorar as circunstâncias fático-jurídicas para depois decidir de forma
consistente. O juiz, nesse contexto, não pode agir de forma robotizada ou simplesmente
mecânica, atitude essa que pode possibilitar a involução do direito.
A ratio é a argumentação judicial em que o precedente está diretamente alicerçado,
por isso de sua vinculatividade, podendo ter ainda a natureza jurídica de princípio ou de
regra, a partir do caso concreto. O requisito vinculante não se encontra na parte dispositiva do
decisório, a qual a sua eficácia está relacionada apenas àquele caso julgado.
Nesse sentido, Edward D. Re confirma que “apenas os fundamentos da decisão
merecem reconhecimento e acatamento com força vinculativa”.163
No direito brasileiro é possível precedente com diversas rationes decidendi, a exemplo
das questões processuais, como fixação de competência e a configuração de repercussão
geral, desde que levadas ao debate e decididas corretamente.
O que se percebe na praxe brasileira é que no resultado de um julgamento o normal é
somar a conclusão da votação, de forma que se considera prevalecente entendimento quando
ao final é demonstrado pela maioria dos votos ou de modo uníssono.
Não se admite isso como correto quando, apesar de a conclusão ter ocorrido por
maioria ou unanimidade, ficar registrado que os juízes se valeram de fundamentos totalmente
distintos. Assim, entende-se não considerar vinculante o fundamento que nesse acórdão não
tenha ocorrido resultado no mínimo por maioria e que não foi objeto de ampla discussão entre
os seus pares.
Os argumentos que servem de reforço e que não são imprescindíveis para a conclusão
do decisório são chamados de obiter dictum (aquilo que é dito para morrer). Não são
necessários ao desfecho do conflito. Tem serventia normalmente como simples auxiliar da
interpretação jurídica, como simples opinião, sem efeito vinculante para julgamentos futuros e
não se trata de razão determinante do precedente.
No entanto, é importante registrar que os dicta podem influenciar no desenvolvimento
do direito, podendo ser a ratio decidendi do futuro.
163 RE, Edward D. Stare Decisis. Trad. brasil. de Ellen Gracie Northfleet. Revista de Processo, São Paulo: RT,
v. 73, 1994, fl. 49.
124
Na atividade de verificação de semelhança e distinção entre o caso-precedente e o
caso-subsequente, cabe ao juiz identificar os fatos materiais importantes, as normas que
recaem sobre esses fatos, os motivos determinantes que influenciaram a decisão anterior e
promover a discussão acerca da questão de direito envolvida e sua aplicabilidade ao processo
atual.
Considerando que o Código de Processo Civil/2015 adotou o sistema de precedentes
obrigatórios, de igual modo recepcionou algumas técnicas, compondo o que se chama de
dinâmica do precedente, preconizada no instituto da distinção (termo inglês: distinguishing ou
distinguish) e da superação (locução inglesa: overruling).
Todo ordenamento baseado em precedentes necessita, para o regular funcionamento,
estar atento para a constante mudança do pensamento jurídico, de forma que se preveja a
existência de distinções e superações.
Dessa maneira, a utilização de um precedente para dirimir novos casos acontece por
meio de atividade associativa (argumentar por meio da analogia) ou através de diferenciação
entre os casos (motivar por intermédio de contra-analogia). Se as circunstâncias forem
distintas, não incide o decisório padrão pelo juiz, com a fundamentação adequada para tanto.
Diz distinguishing quando sucede a distinção entre o caso concreto atual e o caso
paradigma, não coincidindo os fatos essenciais discutidos e os que foram utilizados para dar
sustentação à ratio decidendi ou tese jurídica revelada no precedente. Caso não seja hipótese
de afastamento do precedente, o magistrado tem a possibilidade de utilizar-se da interpretação
restritiva ou ampliativa.
Assim, cabe ao juiz, em sua atividade cognitiva, a interpretação de forma restrita, por
convencer-se que as especificidades do caso concreto vetam o emprego da regra jurídica
exposta no precedente, podendo julgar o caso de forma livre, sem eficácia vinculativa. Incide
aí que se chama de restrictive distinguishing. O magistrado, estendendo à hipótese sob exame
igual solução jurídica dos casos anteriores, por achar aplicável, recai naquilo comumente
chamado de ampliative distinguishing.
Claro que é necessário, em qualquer situação, o julgador expor os motivos pelos quais
decidiu, com a interpretação da lei conformando-a ao texto constitucional e procedendo à
verificação das hipóteses fáticas de ambos os feitos.
125
Fredie Didier Jr, Paula Sarno e Rafael Oliveira164 explicam:
Sendo assim, pode-se utilizar o termo ‘distinguish’ em duas acepções: i) para
designar o método de comparação entre o caso concreto e o paradigma (distinguish-
método) – como previsto no art. 489, §1º, V, e 927, § 1º, CPC; ii) e para designar o
resultado desse confronto, nos casos em que se conclui haver entre eles alguma
diferença (distinguish-resultado), a chamada ‘distinção’, na forma em que
consagrada no art. 489, § 1º, VI, e 927, §1º, CPC.
Estando o caso sub judice a revelar alguma particularidade que o separa do paradigma,
ainda assim pode-se aplicar aquela ratio decidendi, pois não se exige identidade absoluta
entre as circunstâncias fáticas, trazendo para o juiz o trabalho de séria argumentação para
comprovar tal hipótese. O labor da técnica distintiva recai ao se aplicar qualquer precedente,
sem exceção. O direito à distinção é decorrente do princípio da igualdade.
O Código de Processo Civil pátrio, em vários de seus artigos, traz previsão expressa da
técnica distintiva, às vezes como dever operacional dos magistrados, por vezes como ônus
argumentativo para as partes e seus causídicos, o que contribuirá para a evolução do
raciocínio jurídico desses operadores e para o emprego racional e coerente do distinguishing.
Esse comando distintivo pode ser dinamizado por qualquer juiz, seja ele de primeira
instância ou do tribunal, que tem por objeto verificar se o caso atual adequa-se à decisão
pretérita, seja qual for o juízo do precedente em análise (STF ou STJ).165
Outra situação é a possibilidade de o juiz da causa atual aplicar o precedente
obrigatório, mesmo discordando do conteúdo decisório, procedendo-se à ressalva de seu
entendimento166 contrário à tese exposta pelos tribunais. Com isso, preserva-se a eficácia
vinculante vertical e promove a coerência e estabilidade da jurisprudência.
Por outro lado, esse dissenso tem importância prática, pois ocorre a injeção de novos
parâmetros ao crivo jurídico, possibilitando o contraditório e a revisão do precedente em
momento posterior pelos tribunais competentes.
As técnicas de superação são duas, que possibilitam o sistema jurídico evoluir, a saber:
overruling e overriding. Acontece a primeira quando se revela a superação total do
164 DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. Oliveira, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil. Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 10. ed. rev.
ampl. e atual. v. 2. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 491. 165 O Enunciado 174 do FPPC em igual pensamento: “A realização da distinção compete a qualquer órgão
jurisdicional, independentemente da origem do precedente invocado.” 166 Assim também preceitua o Enunciado 172 do FPPC: “A decisão que aplica precedentes, com a ressalva de
entendimento do julgador, não é contraditória.”
126
precedente, com a revogação do anterior, exigindo-se poder maior de argumentação, com
motivos até então não enfrentados. Pode ser de forma expressa, quando a corte impõe
expressamente nova orientação, revogando a anterior. Também de maneira tácita ou implícita,
atribuindo orientação que contradiz com a anterior, conquanto não a afirme de forma
expressa.
O ordenamento jurídico brasileiro não recepcionou a forma tácita, uma vez exigir
motivação adequada e particular para a superação de um entendimento jurisprudencial, com
base nos princípios da segurança jurídica, da igualdade e da proteção da confiança depositada
no precedente (art. 927, par. 4º, CPC).
Necessário registrar o pensamento de Thomas Bustamante ao entender que o
overruling “apresenta-se como resultado de um discurso de justificação em que resulta
infirmada a própria validade da regra antes visualizada como correta”.167
Propõe-se que a superação, embora importante para o desenvolvimento do direito,
deve ser a derradeira alternativa a ser tomada pela corte suprema, de forma a não
comprometer a estabilidade jurídica. A mudança, por si só, simplesmente porque os
magistrados resolveram modificar as suas opiniões, sem quaisquer razões adequadas que
demonstrem cabalmente o equívoco do precedente ou erro manifesto, pode dar por fim com a
lógica do stare decisis.
O STF já se manifestou nesse sentido, demonstrando cautela quanto a essa técnica,
com decisão encartada na ementa do acórdão do Tribunal Pleno, AgR ADI 4.071, a saber
“[...] 3. A alteração da jurisprudência pressupõe a ocorrência de significativas modificações
de ordem jurídica, social ou econômica, ou, quando muito, a superveniência de argumentos
nitidamente mais relevantes do que aqueles antes prevalecentes [...]”.168
Ao revogarem um precedente, as cortes devem revelar os sérios motivos que levaram à
ausência de consistência sistêmica. Além do mais, as cortes supremas devem promover o
diagnóstico prévio das perdas e ganhos a serem auferidos pela revogação. O que não
representa atribuição de fácil alcance, vale frisar.
167 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. 2012, op. cit., p. 388. 168 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão não unânime do Tribunal Pleno, AgR na ADI 4-071/DF, rel.
Min. Menezes Direito, j. 22/04/2009, DJe de 16/10/2009. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=604046. Acesso em: 02 mar. 2018.
127
Outro aspecto a ser observado é sobre a edição de nova lei em sentido contrário, a qual
possibilita automaticamente a revogação do precedente, com a ressalva de essa lei ser julgada
inconstitucional posteriormente. Não se tem aqui superação, no sentido técnico falando, mas
mudança na legislação. Os tribunais e juízos de piso tem a faculdade de não aplicar o
precedente, a partir da entrada em vigor daquela norma, que permitiu a pronta revogação.
Deve haver, no entanto, compatibilidade entre o grau hierárquico que originou o precedente e
o nível do produtor da modificação legislativa.
No overriding ocorre somente a parcial superação do precedente, onde o tribunal
restringe o campo de sua incidência, por conta de outra regra ou princípio.
Imperioso destacar também a técnica da sinalização, que tem muito a ver com o
princípio da segurança jurídica. O tribunal tem sentido que é necessário superar o precedente,
por perda de sua consistência, mas não quer fazer isso de surpresa, preparando toda a
comunidade jurídica e sociedade quanto a esse fato, de forma a assegurar a confiança que o
cidadão tem acerca de determinada interpretação jurídica.
Com isso, sinaliza-se que fará em momento posterior a mudança de entendimento
sobre a questão, se necessário ainda for, sendo que até lá abre-se caminho para discussão
prévia do assunto, de forma dialética. 169
Essa técnica ainda é de duvidosa consistência, em princípio, pois deixa os
jurisdicionados na dúvida sobre qual momento a superação vai ocorrer, se vai realmente
acontecer e quais os requisitos prévios necessários para tanto, pois o tribunal não fica
vinculado por conta disso. Por outro lado, não deixa de ser um avanço na evolução do direito.
Pretende-se nos capítulos seguintes contextualizar a dinâmica de formação e aplicação
dos precedentes no âmbito do Supremo Tribunal Federal, com ênfase no processo
hermenêutico e no ativismo jurisdicional, procedendo-se à análise crítica de seu discurso
jurídico, proposta fundamental desta tese.
169 Enunciado 320 do FPPC: “Os tribunais poderão sinalizar aos jurisdicionados sobre a possibilidade de
mudança de entendimento da Corte, com a eventual superação ou a criação de exceções ao precedente para casos
futuros.”
128
5 OS PRECEDENTES NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
CONTEXTUALIZANDO O PROCEDIMENTO HERMENÊUTICO E APLICAÇÃO
EM PROL DA CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS
Já foi aqui defendido anteriormente que para o funcionamento regular do sistema de
precedentes no território brasileiro é preciso, antes de tudo, sua conformidade com o texto
constitucional, dando-lhe legitimidade, além de requerer dos operadores do direito mudança
comportamental ao lidar com o stare decisis e também alteração na forma como se produzem
as decisões judiciais, especialmente no âmbito do STF, para que todo o sistema seja permeado
de coerência, estabilidade e segurança jurídica.
A partir do Código de Processo Civil/2015, houve um incremento no debate acerca
dos precedentes vinculantes, porém ainda persiste uma confusão enorme no meio jurídico
brasileiro de como operacionalizá-los na prática forense, já de antemão sabendo que o Brasil
não dispõe de forte cultura precedencialista, o que muito necessita amadurecer nesse ofício. O
CPC traz para si o compromisso de proporcionar organicidade ao sistema, à luz da integridade
dos decisórios judiciais.
A Constituição Federal de 1988 estimula a garantia dos direitos individuais e
transindividuais dos cidadãos. Nesse contexto, o processo tem o condão de proporcionar
decisão justa e efetiva às partes, a formação e a obediência ao precedente judicial para todo o
corpo social. O discurso do Poder Judiciário nessa dinâmica argumentativa precisa ter
coerência e ser estruturado de forma racional, de maneira que haja prestação jurisdicional
adequada, tempestiva e eficaz.
Assim, apresenta-se o STF como tribunal imprescindível para a proteção de direitos
por meio da interpretação congruente, última e realista a respeito dos fatos e das questões que
ali chegam. Nesse sentido, percebe-se uma afluência gradativa entre a função nomofilácica
dessa corte suprema e os precedentes, ambos recepcionados no direito pátrio.
A experiência jurídica modificou-se muito a partir da segunda metade do século XX,
principalmente com o pensamento neoconstitucionalista, com enorme repercussão no direito
constitucional, na teoria da norma e na ciência hermenêutica, esta última a ser tratada no
tópico seguinte.
129
5.1 HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO: CAMINHOS METODOLÓGICOS PARA A
COMPREENSÃO DO DIREITO E ARGUMENTAÇÃO POR PRECEDENTES
Citam-se aqui algumas modificações que merecem atenção, no campo da
hermenêutica, porque tem passado o ordenamento jurídico brasileiro, as quais contribuem
para a concretização da justiça e para a resolução dos conflitos que são levados ao crivo
jurisdicional.
São elas: a compreensão da diferenciação entre o texto e a norma, o que faz esta
resultar da atividade interpretativa do primeiro; a utilização pelos tribunais, especialmente do
STF, dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade como fundamentação dos
decisórios; a convivência do método subsuntivo com a metodologia da concretização dos
comandos normativos em conformidade com o que prega o Estado Constitucional de direitos;
por fim, a ênfase que é atribuída à criatividade judicial na produção de suas decisões.
O processo civil brasileiro tem demonstrado dificuldades quando esbarra no manuseio
indevido da legislação, de caráter ainda formalista e seu procedimento permeado por regras
obscuras e dúbias na aplicação do direito. Para tanto, a utilização da hermenêutica para
superar essa crise processual e linguística é medida que se impõe, conferindo ao intérprete o
sério papel de desvendar a vontade da norma e em especial na formação do precedente.
A palavra hermenêutica provém do grego, Hermeneúein, e significa revelar, traduzir,
compreender e interpretar, e deriva de Hermes, deus da mitologia grega, filho de Zeus e de
Maia, considerado o intérprete da vontade divina, o qual tinha a incumbência de levar as
mensagens dos deuses aos homens, esclarecendo-as, fazendo o papel de intérprete. Habitando
a terra, era um deus próximo à humanidade, o melhor amigo dos homens.
Para Carlos Maximiliano, a hermenêutica jurídica tem por objeto o exame das normas
prescritivas (regras e princípios) do direito, estabelecendo seu sentido e alcance170.
Trata-se, assim, da ciência que estabelece as regras e os métodos que servirão de uso
na interpretação da norma, objetivando determinar-lhe o sentido real esperado pelo
ordenamento jurídico em que se encontra incluída tal norma jurídica. A hermenêutica é o
caminho, o elo que traz coesão e que faculta o processo de comunicação entre a lei e o
intérprete.
170 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
130
Nas palavras de Celso Bastos171, a hermenêutica trata das regras jurídicas, de seu
alcance e validade, investigando sua origem e seu desenvolvimento, preordenando-se a uma
atividade ulterior de aplicação, existindo autonomamente do uso que depois se vai fazer delas.
Conclui afirmando que a hermenêutica é a responsável pelo fornecimento de subsídios e de
regramentos utilizados na atividade interpretativa.
A definição de hermenêutica foi assim delineada por Vicente Raó172,
A hermenêutica tem por objeto investigar e coordenar por modo sistemático os
princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do
sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do
direito, para efeito de sua aplicação e interpretação; por meio de regras e processos
especiais procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas; a
aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas
contidos assim interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam.
Afirma-se metaforicamente que interpretação e hermenêutica reproduzem as duas
faces da mesma moeda, pois, embora distintos os conceitos, acham-se interligadas.
Gadamer173 retoma a ideia circular de Heidegger do processo de entendimento em
geral, para narrar o modelo de que a hermenêutica jurídica se socorre no que tange à
interpretação e aplicação de textos normativos vinculadores, o denominado círculo
hermenêutico:
Quem quiser compreender um texto, realiza sempre um projetar. Tão logo apareça
um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do todo.
Naturalmente que o sentido somente se manifesta porque quem lê o texto lê a partir
de determinadas expectativas e na perspectiva de um sentido determinado. A
compreensão do que está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse
projeto prévio, que, obviamente, tem que ir sendo constantemente revisado com base
no que se dá conforme se avança na penetração do sentido.
Assim, os estudos da hermenêutica levam a compreender a diferença entre norma e
texto, sendo aquela resultante da interpretação deste, bem como permite diferenciar
interpretação de aplicação. Quanto à diferença entre os primeiros, passou-se da concepção
objetivista, que encarava a norma como alguma coisa extraída do texto, em seu estado pronto
e acabado, para uma concepção subjetivista, onde é imprescindível o papel do intérprete na
feitura da norma jurídica, que não é tirada simplesmente, mas moldada pelo sujeito.
171 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3. ed. ver. amp. São Paulo: Celso
Bastos, Editor, 2002, p. 33-34. 172 RAÓ, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: Max Limonad, 1952, v.2, p. 542. 173 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 8. Ed.
Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes. Bragança Paulista: Universitária São Francisco, 2007, p. 356.
131
Mesmo que o texto não apresente dúvidas de qualquer espécie, é necessária a atividade
interpretativa por outras razões. Ao intérprete cabe ser a ponte entre o que está para ser
interpretado (aquilo que é objeto da interpretação) e os destinatários da referida interpretação.
Interpretar é a ação de esclarecer o sentido de alguma coisa. É tornar claro o
significado de uma enunciação verbal, de um gesto ou postura. Busca-se o sentido real das
coisas e para tanto o sujeito se esmera em diversos recursos, observa os elementos, recorre aos
conhecimentos da lógica, da área psicológica e de definições técnicas, com o objetivo de
revelar a mensagem.
Del Vecchio já dizia que: “A justa aplicação da norma requer do intérprete a
descoberta do significado intrínseco, que ele não fique parado ante a letra da lei, mas lhe
colha o sentido próprio, o espírito.”174
Com isso, cabe ao juiz utilizar-se do raciocínio coerente e sistemático no
procedimento hermenêutico, inspirado no ideal de justiça recepcionado pelo texto
constitucional.
O intérprete decodifica, percorrendo contrariamente à via seguida pelo codificador. A
interpretação é ato de intelecção, conhecimento da realidade e sensibilidade.
No entendimento de Paulo Nader175, para a formação do intérprete é exigível algumas
qualidades como conhecimento técnico, probidade, serenidade, equilíbrio e diligência. O
autor continua explicando:
Além dessas qualidades, o intérprete deve possuir curiosidade científica, interesse
sempre renovado em conhecer os problemas jurídicos e os fenômenos sociais.
Precisa estar em permanente vigília, atento à evolução do Direito e dos fatos sociais.
Deve ser um pesquisador, pois ninguém conhece o suficiente, em termos de ciência.
Não se deve prender definitivamente a velhas concepções. O intérprete necessita de
um espírito sempre aberto, preparado para ceder diante de novas evidências. O
conhecimento do Direito é essencial, bem como o da organização social, com seus
problemas e características.
O labor hermenêutico deve encontrar-se o mínimo possível sujeito à ideia ou ao
capricho pessoal daquele que interpreta, fixando nos métodos e em julgamentos objetivos o
mecanismo de superação dessas mudanças individuais do intérprete.
174 VECCHIO, Giorgio Del. Lições de filosofia do direito. Tradução de Antônio José Brandão; revista e
prefaciada por L. Cabral de Moncada; atualizada por Anselmo de Castro. Coimbra, Portugal: Sucessor Ceira,
1979, p. 377. 175 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 262.
132
Por outro lado, o processo de feitura das normas resulta na interferência criadora,
valendo-se de princípios gerais ou de fatos retirados da realidade para complementar e
desenvolver dados normativos primários, visando obter a norma decisória do caso concreto.
Segundo o pensamento de João Pedro Gebran Neto176,
É imprescindível que se reconheça a existência de limites para a atividade
interpretativa, e eles são fundamentalmente dois: a) a realidade fática, porque não há
como modificá-la, devendo o intérprete reconhecer essa limitação como forma de
fazer uma interpretação possível e adequada; b) o princípio da legalidade, impondo o
respeito ao próprio texto constitucional e estabelecendo segurança aos cidadãos.
O intérprete, ao declarar o sentido dos textos da área jurídica, não se atém à vontade
do legislador, pois a dinâmica da vida desafia a necessidade de ajustar as velhas concepções
aos tempos modernos.
A tal propósito, Karl Larenz177 escreveu:
O juiz, de modo semelhante ao legislador, é de acordo com a sua própria ideia
descobridor e ao mesmo tempo conformador do Direito, que ele traz sempre de novo
para a realidade num processo interminável a partir da lei, com a lei e, caso
necessário, também para além da lei. O Direito (realmente vivo, existente) é o
resultado deste processo, no qual colaboram a ciência do direito e finalmente todos
aqueles também que exprimem publicamente a sua opinião sobre questões jurídicas
e contribuem assim de qualquer modo a definir a consciência jurídica geral [...].
Não é demais falar que o Direito é comunicação na sociedade, obra do homem, que
procura manifestar ideias em palavras, visando a tornarem significativas, sujeitando-se a
diversas compreensões e sentidos.
Nesse sentido, afirma Ricardo Maurício Freire Soares178 que “[...] todo objeto
hermenêutico é uma mensagem promanada de um emissor para um conjunto de receptores ou
destinatários.”
Importante ponto a assinalar é se existe um método interpretativo de modo a guiar o
jurista a agir com segurança toda vez que se põe frente à situação que demande habilidades
interpretativas. De outro modo, como a norma é destinada a todos, por seu cunho de
generalidade, lógico reconhecer que todos precisam necessariamente interpretá-las.
176 GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais: a busca de uma
exegese emancipatória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 71. 177 LARENZ, Karl. 2009, op. cit,, p. 50. 178 SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e interpretação jurídica. 2. ed. atual., rev. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 33.
133
Uma das propostas consiste também em evitar o decisionismo, muito claro no julgado
do STJ, AgReg em ERESP n° 279.889-AL, onde o Min. Humberto Gomes de Barros assim se
manifestou:
Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior
Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento
daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles,
porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos
Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer
nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso
consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e
Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide
assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o
pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É
fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos
aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente
assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico - uma imposição da
Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é,
mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim
seja.179
Não se tem como anuir com o pensamento do ministro Humberto de Barros, onde
demonstrou que o Poder Judiciário pode interpretar a legislação e os fatos de qualquer forma,
sob o manto da independência jurisdicional. Claro que não se pode prescindir dos
ensinamentos doutrinários, até porque a evolução do direito depende também desse suporte
intelectual e não se pode admitir que o direito seja fruto apenas de pensamento do intérprete,
na sua faceta individualista, a exemplo da fala do ministro.
Se os magistrados do STJ ou de qualquer tribunal, a luz do pronunciamento do
ministro, podem manifestar-se como querem sobre o real significado dos textos legais, para
que então a existência destes no mundo jurídico? Qual a utilidade das leis? Fazer uso do
método interpretativo no interesse do juiz é dar vazão à arbitrariedade, a qual deve ser
expurgada do processo hermenêutico de interpretação. Defende-se, por isso, o diálogo
permanente entre a doutrina e a jurisprudência.
Para tanto, o exegeta pode chegar a três caminhos diferentes (quanto ao resultado),
depois da interpretação das expressões jurídicas, a saber: a) Interpretação declarativa, em que
as palavras são dosadas com adaptação aos sentidos que a lei deseja imprimir. As palavras
dizem, com exatidão, o espírito da lei; b) Interpretação restritiva, quando o legislador não
179 A respeito do referido pronunciamento, Lênio Streck fez alguns críticos apontamentos, que vale a pena
conferir. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2006-jan-05/devemos_importar_sim_doutrina. Acesso em:
03 mar. 2018. Ver julgado em:
https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=+279.889-
al&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO. Acesso em: 22 jun 2018.
134
andou bem ao formular o ato normativo, falando mais do que queria dizer, devendo o
intérprete eliminar a amplitude dos vocábulos; e c) Interpretação extensiva, onde o legislador
utilizou-se dos termos, dizendo menos do que desejava declarar, permitindo ao intérprete
alargar o foco de incidência normativa, com referência aos seus termos.
Continuando, quanto à fonte, a interpretação do direito pode se dá de três formas:
autêntica, doutrinária e judicial.
A interpretação autêntica, acostumada a chamar também de legislativa, que é a oriunda
do próprio Poder com competência para a produção do ato interpretado, ou seja, emanando-se
do Executivo, por decreto ou medida provisória, essa interpretação será a que for feita por
novo decreto ou medida provisória, dando esclarecimentos sobre o teor do ato editado
anteriormente.
Se o ato objeto da interpretação foi uma lei, caberá à casa legislativa a explicação.
Procedendo-se dessa maneira, há a retroatividade ao começo de vigência do conteúdo
interpretado. Caso tenham ocorrido modificações no texto anterior, estas não poderão ser
empregadas de forma retroativa, com exceção de situações já estipuladas no ordenamento.
A interpretação doutrinária é aquela encontrada em obras científicas, em tratados
qualificados, em pareceres de juristas e em livros de mestres do Direito.
A interpretação judicial, também chamada jurisprudencial, que interessa
especificamente a este estudo, é aquela feita pelos juízes ou tribunais. O juiz declara o sentido
e o limite contidos na norma, dando aos textos sob exame interpretação atualizada, proibindo
a ele mudar o critério do legislador pelo seu individual.
Nesse ponto, Sálvio de Figueiredo Teixeira180, ex-ministro do Superior Tribunal de
Justiça: “Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando contra legem,
pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça
e do bem comum.”
O trabalho exegético deve considerar todo o acervo normativo que diz respeito a um
assunto. Considera-se anticientífico o procedimento feito pelo intérprete, ausente a visão do
conjunto de dispositivos legais referentes à matéria, ao interpretar artigos de forma isolada,
correndo o risco de auferir resultados não verdadeiros.
180 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Revista do Superior Tribunal de Justiça, nº 26, p. 384.
135
Na hermenêutica moderna, o elemento teleológico exerce um papel de grande
importância. Sabe-se que tudo o que o ser humano faz é em função de objetivo a ser atingido.
O texto legal é criação humana e está nela contida a ideia de algo a ser buscado. Esse
elemento investiga os fins que a lei pretende alcançar. Os interesses da sociedade a proteger
dão a inspiração na elaboração dos textos legislativos.
Nesse sentido, corrobora Paulo Nader181:
A ideia do fim não é imutável. O fim não é aquele pensado pelo legislador, é o fim
que está implícito na mensagem da lei. Como esta deve acompanhar as necessidades
sociais, cumpre ao intérprete revelar os novos fins que a lei tem por missão garantir.
Esta evolução de finalidade não significa ação discricionária do intérprete. Este, no
afã de compatibilizar o texto com as exigências atuais, apenas atualiza o que está
implícito nos princípios legais. O intérprete não age contra legem, nem
subjetivamente. De um lado tem as coordenadas da lei e, de outro, o novo quadro
social e o seu trabalho se desenvolve no sentido de harmonizar os velhos princípios
aos novos fatos.
No ato de interpretar procuram-se tornar vivos os fins que ocasionaram a edição da lei,
revelando a mens legis. Com o desenvolvimento da teoria da interpretação, demonstrou-se o
papel do intérprete, o qual deve valorar e decidir, escolhendo entre uma das respostas
interpretativas possíveis. A norma não vem antes da interpretação, mas decorre desta, sendo
edificada a começar dos elementos contidos no texto da lei e de toda a ordem jurídica.
Ricardo Maurício Freire Soares explica essa operação hermenêutica salientando que
“[...] Quando o operador do direito estiver diante de várias interpretações possíveis para uma
norma, ele deverá optar por aquela que melhor se harmonize com a afirmação de uma vida
digna.” 182
Qualifica-se também como um elemento utilizado na técnica de ponderação ou
balanceamento, quando estão em jogo interesses constitucionais divergentes, pautado pelos
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Para Morrison, “[...] A natureza argumentativa do direito e a natureza inconclusa do
direito e da atuação jurídica determinam que os advogados e juízes são parte de um processo
ininterrupto; o modo como abordam suas tarefas é crucial.”183
181 NADER, Paulo. 2011, op. cit, p. 280. 182 SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca
do direito justo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 144. 183 MORRISON, Wayne. Filosofia do Direito: dos gregos ao pós-modernismo. Tradução Jefferson Luiz
Camargo; revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 517.
136
Para a adesão da norma jurídica abstrata à realidade dos fatos requer-se do hermeneuta
atenção especial, em cada caso concreto, devendo o intérprete separar o que é fundamental ou
juridicamente importante daquilo que nada acrescenta. Um exercício constante do senso
crítico a exigir do jurista nesse trabalho interpretativo.
Tem as supremas cortes (STF e STJ) o poder de dar sentido ao direito, desvendando a
interpretação certa do texto da lei, sendo que as suas decisões devem ser legitimadas por
fundamentos racionais aceitáveis por toda a comunidade jurídica e pela sociedade. Nesse
sentido, o direito passa a ser interpretação e exercício argumentativo constante.
No momento em que as decisões dessas cortes informam o sentido ao direito,
otimizando-se a sua estabilidade e previsibilidade, tutelam-se a igualdade e a segurança
jurídica, elaborando, assim, o precedente judicial, com a outorga de unidade ao ordenamento
jurídico.
Por serem textos, frise-se também que os precedentes são objeto de interpretação.
Compreende-se que não é simplesmente utilizar-se do método da subsunção ao se aplicar o
precedente ao caso presente. Muito mais do que isso.
De igual modo pensa Ricardo Maurício Freire Soares ao sustentar que lidar com
precedentes não é simplesmente aplicá-los mecanicamente, exigindo cuidados do intérprete
no momento de confrontar se há similitude das circunstâncias fáticas e das questões jurídicas
entre as situações objeto das controvérsias.
E ao final, o autor arremata:
[...] Sendo assim, sobreleva o papel construtivo e criativo da experiência
jurisprudencial, visto que decisão judicial reflete não apenas as concepções, os
costumes e a personalidade do julgador, mas, sobretudo, o peso que ele atribui a
certos valores sociais contemporâneos que o levam a dar ênfase ou a ignorar um
dado precedente.184
Utilizar o precedente é fazer uso da conclusão hermenêutica extraída anteriormente
para aplicação no caso atual, interpretando-o. O juiz deve decidir edificando significados
normativos por meio da justificação de seus atos. A séria motivação dos decisórios judiciais
traz legitimação à jurisdição.
Para melhor compreensão, indispensável trazer ao contexto a clássica distinção entre
texto e norma, muito bem descrita por Humberto Ávila. Isso porque, ao longo texto, ver-se-á
184 SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e interpretação jurídica. 2. ed. atual., rev. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 142.
137
que interpretar é compreender o significado da norma jurídica vertida em um texto. Daí que
definir um e outro tornam-se relevantes à sistematização das ideias aqui apresentadas.
Afirma Humberto Ávila que texto e norma são coisas distintas. Texto é o dispositivo
legal, o escrito, a proposição, ao passo que norma é o sentido construído a partir da
interpretação sistemática de textos normativos. Nessa ótica, há texto (dispositivo) sem norma
e norma sem texto. Não há correspondência biunívoca entre texto e norma. Pode-se ter norma
sem texto, como se dá com o princípio da segurança jurídica; texto sem norma, como o
preâmbulo da Constituição Federal que invoca a proteção de Deus, duas normas derivadas de
um único texto e dois textos para uma norma. Em suma, não há relação biunívoca entre texto
e norma, o que atesta a necessidade de se entender claramente a sua distinção185.
Eros Grau186, ao distinguir norma de texto, conclui que a ação de interpretar é um
processo intelectivo, através do qual, originando-se de fórmulas linguísticas encontradas nos
atos normativos (disposições, textos, prescrições), chega-se à determinação de seu teor
normativo. A norma é feita pelo intérprete, a partir dos enunciados, desvencilhando-se de seu
invólucro (o texto), produzindo-se, assim, a regra normativa.
Müller187 informa a diferença entre norma e texto, afirmando que não são sinônimos,
como quer acreditar a teoria conservadora. Texto, no seu entender, é apenas a ponta do
iceberg, diferente de norma que é todo o volume oculto que dá base àquele texto. Encontrar
esse volume e suas várias maneiras possíveis de interpretação é o trabalho do intérprete, que
alcançará no texto a forma que limita as possibilidades de realização material do arcabouço
constitucional.
A propósito, Müller188 esclarece que a teoria estruturante do direito trata-se de uma
nova concepção da teoria do direito, resultando o conceito pós-positivista da norma jurídica,
sendo que esta não se acha já acabada nos textos legais, uma vez que nestes se encontram os
enunciados normativos. A norma só será editada em cada caso concreto, através da decisão
judicial.
185 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. ed. ampl. e
atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 30-34 186 GRAU, Eros. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros,
2009, p. 84-89. 187 MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. 2. ed. Tradução: Peter Naumann. São
Paulo: Max Limonad, 2000, p. 53-54. 188 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. Tradução Peter Naumann, Eurides Avance de Souza.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 305.
138
Nas palavras de Marcos de Aguiar Villas Boas189, define-se que:
A norma jurídica é o resultado da atividade de construção de sentidos por parte do
operador do direito. Os signos colocados no texto, nos enunciados, servem de base
para que o intérprete construa significações, para que ele molde a norma a ser
aplicada. Os textos, de uma forma geral, não revelam sentidos prontos e acabados.
Os textos são suportes para a construção de sentidos. Não é diferente com os textos
jurídicos, também chamados de direito positivo, textos positivados, enunciados
prescritivos etc.
Texto, assim, é o enunciado linguístico, o comando normativo dotado de signos, o
qual produzirá efeitos se e quando ocorrer a hipótese de fato prevista. Ocorrida esta, deverá
surgir a norma jurídica que irá ter incidência na situação fática relacionada. O texto seria,
nesse contexto, a norma jurídica geral e abstrata. A norma jurídica, em sentido estrito, seria
aquela individual e concreta, que conforma o fato verificado.
Como se sabe, o Direito não existe por si só. Ele subsiste na sociedade. A sua causa
encontra-se nas relações vitais, nos acontecimentos mais consideráveis para a vida em
sociedade. Esta é fonte que cria e local onde o direito age, seu foco de afluência. O Direito
visa a regulamentar as relações intersubjetivas, dando-lhes segurança, estabilidade e
previsibilidade.
Ao existir em função da sociedade, o Direito reflete os fatos sociais, que representam,
segundo Émile Durkheim190, “maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo e
dotadas de um poder coercivo em virtude do qual se lhe impõem”. O Direito, como meio de
ajuste social, não pode conduzir-se alheio a esses fatos. As normas jurídicas devem se
encontrar em conformidade com as manifestações do povo.
A conduta humana no meio social é o objeto das normas jurídicas. As normas
regulamentam as relações na sociedade. Os comportamentos intersubjetivos são a constante
preocupação da linguagem normativa, em seus diferentes compartimentos. As relações sociais
trabalham de forma dinâmica provocando uma semiose constantemente.
Os intérpretes das normas verificam se as condutas sociais coincidem com as
referências inseridas nas proposições chamadas antecedentes das normas jurídicas. Quando a
subsunção acontece, fala-se que ocorreu a incidência da norma.
189 BOAS, Marcos de Aguiar Villas. A Interpretação, a Aplicação e a Argumentação Jurídica. Livro
Metodologia da Pesquisa em Direito da UFBA, Salvador, 2012, v. II, p. 389. 190 DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin
Claret, 2006, p. 33.
139
Segundo o entendimento de Paulo de Barros Carvalho191,
A norma jurídica é a significação que obtemos a partir da leitura dos textos de
direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como resultado da
percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos. [...] A norma jurídica é
exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso
espírito. Basta isso para nos advertir que um único texto pode originar significações
diferentes, consoante as diversas noções que o sujeito cognoscente tenha dos termos
empregados pelo legislador.
Em uma determinada ordem jurídica, a linguagem que informa a respeito do que se
está falando é a do fato jurídico, sendo tal linguagem com aptidão para instituir os fatos
sociais em jurídicos.
Norberto Bobbio192, assim se manifesta:
Quando dizemos que uma norma jurídica é uma proposição, queremos dizer que é
um conjunto de palavras que têm um significado. [...] a mesma proposição
normativa pode ser formulada com enunciados diversos. O que interessa ao jurista,
quando interpreta uma lei, é o seu significado. Como uma proposição em geral pode
ter um significado, mas ser falsa, também uma proposição normativa pode ter um
significado e ser – não digamos falsa – mas, [...], inválida ou injusta. Também para
as proposições normativas, o critério de significância pelo qual se distinguem as
proposições propriamente ditas de um conjunto de palavras sem significados se
diferencia do critério de verdade ou validade, pelo qual se distinguem proposições
verdadeiras e válidas de proposições falsas ou inválidas.
Essa distinção é importante para a interpretação jurídica visto que esta, de modo
singelo, nada mais é do que a compreensão do significado dos textos, que na sua
corporificação transforma-se em norma jurídica. Ou seja, o intérprete alcança o sentido do
texto transformando-o em norma na sua atividade compreensiva de identificação do
significado de algo.
Assim, dada a amplitude dos fatos postos à frente do exegeta, a interpretação
geralmente é feita de modo a selecionar todos os fatos que dizem respeito à norma que será
analisada. O intérprete não trabalha com fatos brutos, mas construídos. E a sua construção
está pautada em determinados parâmetros.
Importante aqui a distinção de Jürgen Habermas193 entre fatos e objetos da
experiência. Os fatos seriam os enunciados linguísticos sobre as coisas e os acontecimentos,
191 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 192 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. São
Paulo: Edipro, 4 ed. revista, 2008, p.74. 193 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa: complementos y estudios previos. Madrid:
Ediciones Catedra, 1994, p. 117.
140
sobre as pessoas e suas manifestações. Os objetos da experiência são aquilo acerca do que se
fazem afirmações, aquilo sobre que se emitem enunciados.
A importância dos fatos para a interpretação foi muito bem sentida por Pontes de
Miranda ao afirmar que o suporte factual que está no mundo “[...] não entra [...], todo ele. [...]
despe-se de aparências, de circunstâncias, de que o direito abstraiu; e outras vezes se veste de
aparências, de formalismo, ficando estranhas a ele, para poder entrar no mundo jurídico”194.
Não há interpretação dos textos com posterior interpretação dos fatos, numa operação
equivocada de subsunção. No ponto, a observação de Eros Grau é meritória195:
O intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado
caso dado; a interpretação do direito consiste em concretar a lei em cada caso, isto é,
na sua aplicação [Gadamer]. Assim, existe uma equação entre interpretação e
aplicação: não estamos, aqui, diante de dois momentos distintos, porém frente a uma
só operação [Marí]. Interpretação e aplicação consubstanciam um processo unitário
[Gadamer], superpondo-se.
Mas não fica apenas aqui a interpretação, numa mera compreensão dos textos e dos
fatos. Vai além, pois, partindo-se dessa correlação, constrói normas que devem ser
ponderadas para a solução de casos concretos e finda-se com solução presente geralmente
numa decisão judicial, que dita o direito. Daí afirmar-se, em suma, que direito não é problema
apenas de interpretação, mas de qualificação, de relevância e de prova. No entanto, na esteira
deste trabalho, ater-se-á apenas ao problema da interpretação.
Diante do apresentado, pode-se afirmar que a interpretação do direito tem caráter
constitutivo e não meramente declaratório. É dizer, a interpretação não pode ser considerada
como a mera descrição do significado de texto mesclado com um fato, mas a construção,
ainda que atrelada à moldura previamente fixada pelo direito, até porque todo texto possui
traços de significado mínimos incorporados ao uso da linguagem, de modo que não se pode
deles afastar-se completamente.
Logo, o intérprete está sempre reconstruindo sentidos, consistindo nesse reconstruir o
sentido de interpretação.
Nesse ponto, a posição interpretativa de Hans Kelsen assume coro quando afirma
inexistir única resposta correta196, uma vez que a atuação do intérprete se dá sempre diante de
194 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Vol. I. 1954, p. 20.
195 GRAU, Eros. 2009, op.cit., p. 10. 196 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2009, p. 396
141
um plexo de opções, de modo que a escolhida seja a mais suportada pelo direito ou a mais
adequada.
Por isso afirma-se que interpretar é escolher uma entre várias interpretações possíveis,
podendo a interpretação eleita nem sempre ser a mais correta, na visão de quem a analisa, até
porque a ideia abstrata do justo não comporta única solução.
A resposta dada pelo direito é sempre dinâmica, até porque aquele, na visão de Eros
Grau197, “é um organismo vivo, peculiar, porém, porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo”.
E aqui a peculiaridade da interpretação, pois sempre se adapta à realidade e aos seus
conflitos, corroborando a tese acima de que não existe a única solução plausível, porém a
mais consentânea com a realidade dos fatos e das normas, aliada à conjuntura de fatores que
interferem na interpretação e na construção do direito.
João Pedro Gebran Neto198 arremata:
Dessa distinção entre texto e norma sobressai a figura do intérprete, a quem cumpre
fazer a ponte entre esses dois elos. O papel do intérprete é de suma importância,
porquanto poderá formular a norma segundo a carga de conhecimento, de cultura, de
vivência e, até mesmo, da ideologia que professe. Não se está dizendo, com isso,
que tenha absoluta liberdade para declarar a norma, a ponto de poder até mesmo
negá-la, mas que, com base nas limitações do próprio texto e do sistema, poderá
realizar, em cada texto em forma de crisálida, a metamorfose da norma, tal qual a da
borboleta.
Tal atividade é por demais relevante no Direito, porque as palavras não são geralmente
evidentes, unívocas, mas, na sua maioria, plurissignificativas, de modo que requerem sempre
interpretação, não apenas pela sua ambivalência, mas porque são construídas e reconstruídas
no emaranhado dos fatos que o direito visa a ordenar, de modo a existir uma relação
constitutiva de sentidos à medida em que se interpreta os fatos.
Partindo-se de tais premissas, e também incluindo aí o papel dos precedentes, Luís
Roberto Barroso observa que:
[...] o sistema jurídico (i.e., os enunciados e demais elementos normativos) sempre
desempenhará um papel decisivo. É que a interpretação constitucional estará
limitada pelas possibilidades de sentido oferecidas pelas normas jurídicas e pelas
diferentes categorias operacionais do Direito. Ao lado do sistema jurídico, no
entanto, também o intérprete tem papel de destaque, pois sua pré-compreensão do
197 GRAU, Eros. 2009, op. cit., p. 59. 198 GEBRAN NETO, João Pedro. 2002, op. cit., p. 67.
142
mundo, do Direito e da realidade imediata irá afetar o modo como ele irá apreender
os valores da comunidade [...].199
Nesse diapasão, visando a efetividade do processo, o STF desponta de forma
inovadora no seu posto de tribunal constitucional, devendo assumir incontestavelmente o seu
munus de guardião principal e detentor da interpretação última da Carta Magna. A CF/1988 é
documento que proporciona unidade ao ordenamento jurídico, haja vista a propagação de sua
matiz principiológica a toda seara infraconstitucional.
Com isso, revelam-se injuriosos alguns posicionamentos de juízos de grau inferior ao
fazer vista grossa aos decisórios proferidos pelo STF, mitigando-se a força normativa do texto
constitucional e a eficácia de suas decisões. Por conta disso, a corte deve proceder à
valorização de seus precedentes, procurando dar a correta interpretação dos casos à luz da
efetividade da norma constitucional.
O capítulo seguinte tem o objetivo de demonstrar a atividade e o papel jurisdicional do
Supremo Tribunal Federal, o qual possui a missão de regular a uniformidade de interpretação
do texto constitucional em todo o território brasileiro.
199 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e
a construção do novo modelo. 1. ed. 3 tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 287.
143
5.2 O STF COMO CORTE DE PRECEDENTES E GUARDIÃO DA ORDEM
CONSTITUCIONAL
O Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Judiciário, traz para si a
responsabilidade principal de manter intangível a constituição, com a sua competência
originária e recursal prevista no art. 102 da Carta Maior.200 Exerce, pois, importante papel
político em colaboração com os demais Poderes da república, no que se refere à promoção e
desenvolvimento do direito, diante das reais necessidades sociais.
Tribunal constituído por onze Ministros, por nomeação do Presidente da República,
após aprovação por maioria absoluta do Senado. Todos os julgadores são cidadãos com mais
de trinta e cinco anos de idade e menos de sessenta e cinco, e que tenham notabilidade no
conhecimento jurídico e idoneidade moral justificados.
Esses requisitos são necessários tendo em vista que compete ao STF exprimir a última
palavra201 sobre temas constitucionais, com o trabalho hermenêutico diário muito intenso,
sobretudo no que se refere à valoração e a escolha da norma correta a ser extraída da
legislação, dentre várias opções disponíveis, a fim de dar interpretação uniforme ao Direito. A
tomada de decisões não é tarefa fácil, exigindo de tais ministros muita prudência e dever
argumentativo, por conta de seu papel de prestar contas à sociedade.
Considerando que este escrito defende a divisão entre o trabalho das cortes de justiça e
cortes supremas, não cabe ao STF reapreciar a prova dos autos em recurso extraordinário,
dando-lhe novo entendimento quanto ao arcabouço fático, a não ser no caso de
inadmissibilidade da prova, por ser ilícita, por exemplo, velando pela interpretação
constitucional. Em regra, é sua atribuição examinar questões de direito constitucional.
200 Conferir trabalho “A Constituição e o Supremo”, com apontamentos imprescindíveis sobre julgados do STF,
artigo por artigo e ADCT, no que tange ao controle de constitucionalidade, aos precedentes, súmulas vinculantes,
enunciados de súmulas e repercussão geral reconhecida. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp. Acesso em: 04 mar. 2018. 201 Em sentido contrário, Daniel Sarmento e Cláudio Pereira Neto chamam atenção sobre essa visão tradicional
afeta ao STF no sentido de proclamar a última palavra. Eles não concordam com essa premissa, por achar um
erro tanto do aspecto descritivo como prescritivo. Assim se posicionam: “Sob a primeira perspectiva, não é
verdade que, na prática, o Supremo Tribunal Federal dê sempre a última palavra sobre a interpretação
constitucional, pelo simples fato de que não há última palavra em muitos casos. [...] Sob o ângulo prescritivo,
não é salutar atribuir a um órgão qualquer a prerrogativa de dar a última palavra sobre o sentido da Constituição.
Definitivamente, a Constituição não é o que o Supremo diz que ela é [...]. É preferível adotar-se um modelo que
não atribua a nenhuma instituição – nem do Judiciário, nem do Legislativo – o ‘direito de errar por último’,
abrindo-se a permanente possibilidade de correções recíprocas no campo da hermenêutica constitucional, com
base na ideia do diálogo[...]”. (SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel. 2016, op. cit., p. 405-
406).
144
Nesse sentido, compete ao Supremo Tribunal Federal proteger a jurisdição
constitucional, ou seja, a esse órgão cabe a formação de precedentes quanto ao sentido que
deve ser dado à matéria constitucional. O controle de constitucionalidade final está afeto ao
STF, considerado corte suprema de precedentes constitucionais. 202
Luiz Guilherme Marinoni alerta quanto ao papel das cortes supremas no país, em que
embora “[...] não tenham mais a tarefa de corrigir decisões, podem resolver os casos sem ter
que, necessariamente, elaborar precedentes, mas não podem deixar de se guiar por um modelo
de julgamento comprometido com a sua função perante o Estado de Direito.”203
Frise-se quanto a isso que o STJ e os demais órgãos jurisdicionais devem submeter-se
ao STF quanto a esse controle, ao passo que eles também possuem a obrigação de interpretar
os enunciados normativos à luz do texto constitucional.
Os tribunais e juízes inferiores, ao recusarem aplicar o entendimento das cortes
supremas na solução de casos similares, configura com essa conduta grave desvinculação à
própria ordem jurídica, sendo uma afronta ao Estado de Direito. Necessário fidelidade ao
princípio do stare decisis, enquanto condição precípua para o soerguimento do Estado
Constitucional.
Daniel Mitidiero quanto a esse ponto assevera:
[...] Portanto, do ponto de vista institucional, que é justamente aquele que deve ser
levado em consideração pelo sistema encarregado de tutelar judicialmente os
direitos, o Direito encontra sua expressão na interpretação que é dada à
Constituição e à legislação pelas Cortes Supremas a partir de casos concretos. Essa
é a razão pela qual os arts. 926 e 927, CPC, reconhecem o valor vinculante do
precedente.204
A observância aos precedentes requer magistrados cautelosos, sensíveis e diligentes
quanto ao raciocínio interpretativo realizado no confronto dos casos, visando tutelar o direito,
com a apreensão das razões determinantes advindas da justificação judicial realizada pelo
tribunal supremo. O stare decisis deve ser respeitado horizontal e verticalmente pelos órgãos
202 Em sentido diverso, pensam Nelson Nery Jr e Georges Abboud: “Por óbvio que não ignoramos a necessidade
de o STF e o STJ uniformizarem entendimento sobre questões jurídicas de natureza constitucional e federal,
respectivamente. O que não pode haver, venia concessa, é a minimalização da tarefa constitucional desses
tribunais à objetivação dos processos que se encontram a seu cargo, notadamente porque a Constituição Federal
lhes imputou a obrigatoriedade de decidir lides, consoante expressa competência recursal estatuída, por exemplo,
na CF 102, III e 105, III.” (NERY JR., Nelson. ABBOUD, Georges. Recursos para os tribunais superiores e a
Lei 13.256/2016. Revista de Processo, vol. 257/2016, p. 217-235, jul/2016). 203 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas: precedente e decisão do recurso diante do
novo CPC. 1. ed. 2.tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 15. 204 MITIDIERO, Daniel. 2017, op. cit., p. 119.
145
de cúpula, inclusive os fracionários, e demais órgãos da estrutura organizacional do Poder
Judiciário, de primeira e segunda instâncias.
O Direito submete-se ao procedimento de interpretação e de aplicação. O precedente
do STF adquire eficácia extraprocessual vinculante, ou seja, com âmbito de atuação para além
do processo em que foi proferido, pois representa enriquecimento ao ordenamento jurídico,
uma vez que a sua função é dirimir a equivocidade da legislação. O precedente, enquanto
fonte do direito, deve ser observado por ocasião da aplicação da norma ao caso sub judice.
É imperioso lembrar que a norma jurídica (ratio decidendi) a ser seguida não se
encontra em todo decisório prolatado pela suprema corte, mas, em princípio, apenas naquele
em que o resultado da votação colegiada ocorreu por maioria de votos de seus membros, em
relação ao fundamento determinante. Em um tribunal de precedentes justificam-se os motivos
e não os votos.
Precisa-se compreender que as justificativas judiciais devem ter o caráter
universalizável, de forma que as suas razões possam ser aplicadas nos demais casos futuros
que possuam as mesmas circunstâncias fáticas materiais importantes.
Por outro lado, é notório que a suprema corte tem se esbarrado cada dia mais com o
aparecimento de casos difíceis (também conhecidos como hard cases), relacionados a temas
polêmicos, de forte interesse público, com grande mobilização da sociedade e a incessante
cobertura da imprensa, além do diálogo com os demais Poderes, que se manifestam a favor ou
contra, exigindo posição judicial sobre o assunto.
O STF atualmente é grande protagonista político, tornando-se palco de debate sobre
temas de grande repercussão social, política, econômica e financeira, demonstrando maior
ativismo desse tribunal na forma de interpretar e aplicar as leis, ao impor, por vezes,
condições à sua aplicabilidade.
Citam-se como exemplos as decisões sobre pesquisas com células-tronco, interrupção
de gestação de fetos anencéfalos, união homoafetiva, terras indígenas, condução coercitiva de
investigados, execução provisória de sentença penal condenatória sem trânsito em julgado,
nepotismo, greve no serviço público, dentre outros.
Nesses temas, vê-se a preocupação da corte em formar logo o seu entendimento sobre
as contendas, de forma que sirva de diretriz normativa para casos futuros análogos. Para
alcançar legitimidade maior em sua atividade jurisdicional, os ministros tem, por vezes,
demonstrado cautela quanto aos argumentos utilizados em seus votos, além de, a
146
requerimento ou de ofício, procederem audiências públicas e admitirem a presença de amicus
curiae ao processo, incentivando o contraditório e a ampla defesa.
Destarte, a prestação jurisdicional realizada pelo STF revela o ponto mais alto e o
termo final da atividade judiciária no que tange à intelecção de todo o texto constitucional,
alcançando sempre a definitiva palavra sobre o seu significado. As decisões dessa corte tem o
condão de criar direito, tendo a natureza constitutiva, no sentido de constituir um enunciado
normativo prescrevendo comportamentos futuros e de dar integridade ao sistema jurídico
federativo. Tem-se aí o exercício de seu munus de forma prospectiva.
Frise-se também a intervenção incessante do Poder Judiciário, especialmente do STF,
que tem sido cada vez mais requisitado em solucionar as demandas judiciais, haja vista a crise
porque vem passando os demais Poderes, que se encontram envolvidos em denúncias diárias
de corrupção, a forma arbitrária e desidiosa no manejo das políticas públicas de efetivação de
direitos fundamentais e também a política partidária pátria.
Necessário registrar também acerca da atuação da corte, no exercício de duas
funções205 que desempenha na realidade institucional brasileira, aparentemente contrapostas, a
saber: a contramajoritária, em que o Judiciário é chamado a resolver uma causa, envolvendo
a atuação dos Poderes Legislativo e Executivo, no sentido de proceder à invalidação,
modificação ou implementação de alguma política pública ou decidir sobre a
inconstitucionalidade de uma lei, por exemplo. Necessária muita cautela pelo tribunal, uma
vez que pode extrapolar os seus poderes definidos constitucionalmente.
Nesse entendimento, pontua Tércio Sampaio Ferraz Júnior206:
Em suma, com base em condições sociopolíticas do século XIX, sustentou-se por
muito tempo a neutralização política do Judiciário como consequência do princípio
de divisão dos poderes. A transformação dessas condições, com o advento da
sociedade tecnológica e do estado social, parece desenvolver exigências no sentido
de uma desneutralização, posto que o juiz é chamado a exercer uma função
socioterapêutica, liberando-se do apertado condicionamento da estrita legalidade e
da responsabilidade exclusivamente retrospectiva que ela impõe, obrigando-se a
uma responsabilidade prospectiva, preocupada com a consecução de finalidades
políticas das quais ela não mais se exime em nome do princípio da legalidade (dura
lex sed lex).
205 Sobre esse assunto, forçoso conferir no noticiário Consultor Jurídico o que o ministro Luís Roberto Barroso
falou sobre a atuação do STF e a evolução do direito, na conferência realizada em Belo Horizonte, na data de
10/02/2014, com o tema “Grandes transformações do direito contemporâneo e o pensamento de Robert Alexy”.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-fev-13/stf-exerce-papeis-contramajoritario-representativo-
afirma-barroso. Acesso em 15 jun 2018. Toda a palestra dele disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/palestra-barroso-alexy.pdf. Acesso em 15 jun 2018. 206 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência?
Revista Trimestral de Direito Público. Malheiros Editores, n. 9, 1995, p. 40-48.
147
Os ministros não são escolhidos por voto popular e as decisões políticas devem
originalmente ser tomadas pelos Poderes competentes, o que não é o caso do STF. Claro que
se a ação ou omissão dos referidos Poderes contrariar inequivocamente a constituição, cabe ao
tribunal exercer o seu mister.
A função contramajoritária é relativamente atual e o seu exercício é consequência da
desneutralização do magistrado, que deve se libertar da legalidade estrita, ante as velozes
mudanças sociais, as quais exigem do juiz uma hermenêutica bem fundamentada e
consentânea com os valores constitucionais.
O segundo papel diz respeito à seara representativa, que é exercido com mais
intensidade, quando em determinadas situações confere direitos aqueles que ajuízam
demandas sociais, porque tais interesses fundamentais não foram satisfeitos pela
administração pública. Como exemplos em que o tribunal agiu de forma mais ativista
citam-se a equiparação de uniões homoafetivas e a interrupção da gravidez de fetos com
anencefalia.
Quanto ao modo e alcance como são resolvidos os casos que ali ancoram e o discurso
pretoriano utilizado para tal mister, se coerente ou não, serão objeto de análise em momento
posterior.
No capítulo seguinte, promover-se-á discussão sobre alguns aspectos relevantes
inerentes à formação e aplicabilidade de decisões judiciais vinculantes na suprema corte.
148
5.3 ASPECTOS RELEVANTES DE DECISÕES DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E
SUA APLICABILIDADE NA SEARA DO PROCESSO
A partir do presente momento serão arrolados alguns institutos descritos na legislação
federal e constitucional, formados e aplicados em processos decisórios de alçada do Supremo
Tribunal Federal, cuja discussão será sob o prisma da dogmática jurídica e seus reflexos no
processo, prestigiando-se o stare decisis. Falar-se-á apenas de alguns aspectos considerados
necessários, no que tange ao sistema de precedentes.
5.3.1 O Controle de Constitucionalidade
Prescreve o art. 102, parágrafo 2º, da Constituição Federal, redação conferida pela
EC nº 45/2004, o qual foi regulamentado pelo art. 28, parágrafo único, da Lei nº
9.868/1999207:
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de
constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Os juízes e tribunais devem sujeitar-se aos precedentes da suprema corte em controle
concentrado de constitucionalidade, conforme dispõe o art. 927, inciso I, do Código de
Processo Civil, textualmente atribuindo a tais decisões efeito vinculante, sendo dispensável a
emissão de enunciado de súmula para tanto.
No campo do controle da constitucionalidade, o precedente vinculante tem a função de
especificar os motivos determinantes quanto à inconstitucionalidade das leis, a partir da
fundamentação do decisório, notoriamente por meio da criação ou determinação de regras
207 Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará
publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.
Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação
conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia
contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal,
estadual e municipal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm. Acesso em 07 mar.
2018.
149
constitucionais. A ratio decidendi da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade é que
tem o efeito de vincular. 208
A esse respeito, imperioso trazer aqui a diferenciação feita por Lucas Buril entre
decisão e precedente em sede de controle de constitucionalidade por ação, ao afirmar que
“[...] Enquanto o precedente determinará normas constitucionais, explicitando razões para o
controle, a decisão elimina dispositivos normativos, certifica sua constitucionalidade ou,
ainda, determina sua interpretação constitucionalmente adequada.”209
Nos dias atuais, observa-se que tem havido aplicabilidade do controle judicial de
verificação da constitucionalidade das leis muito maior que o controle político. Isso tem
afetado a democracia, exigindo interferência diuturna do Judiciário nesse campo, o que tem
trazido ao debate jurídico e político a questão da legitimidade desse Poder.
Quanto a isso, John Ferejohn tem assegurado que “desde a 2ª guerra mundial, tem
havido uma profunda transferência de poder, das legislaturas em direção aos tribunais e outras
instituições jurídicas ao redor do mundo.”210
Sendo assim, uma lei ou qualquer norma oriunda do poder público passam pelo crivo
judicial da constitucionalidade pelo STF, a exemplo de emendas constitucionais, leis
complementares e ordinárias, medidas provisórias do Poder Executivo e regimentos internos
dos tribunais. Excetuam-se as leis municipais e estaduais diante das constituições estaduais,
cujo controle abstrato compete ao Tribunal de Justiça.
É da competência do STF o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade
(ADIN) ou das ações declaratórias de constitucionalidade (ADC), de atos legislativos
estaduais e federais. O STF realiza controle repressivo no exame dessas ações.211
208 Nesse sentido, conferir ementa da ação de reclamação 1.987-0/DF, Pleno STF, relator ministro Maurício
Corrêa, DJ 21/05/2004, o qual acolhe os efeitos vinculantes. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=87272. Acesso 21 mar. 2018. 209 MACÊDO, Lucas Buril de. 2017, op. cit., p. 375-376. 210 FEREJOHN, John. Judicializing politics, politicizing law. Law and Contemporary Problems, vol. 65, n. 3,
2002, p. 41.
211 Conferir na Constituição Federal: Art. 102 “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de
lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal [...]”; Art. 125 “Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição. § 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para
agir a um único órgão [...]”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em 20 mar. 2018.
150
Vale registrar que os tratados e convenções internacionais, integrados ao sistema
jurídico brasileiro, também são objeto de controle judicial de constitucionalidade, seja de
forma direta ou incidental.212
No sistema jurídico pátrio o controle de constitucionalidade pode ocorrer de forma
direta (controle abstrato ou concentrado) ou de forma incidental em qualquer processo
(controle difuso ou controle concreto). A primeira acontece por meio de ação direta ao
próprio Supremo Tribunal Federal, enquanto que a segunda é examinada em processo
conflituoso, que envolve partes, onde o exame da constitucionalidade é feito de forma prévia
ao mérito da ação judicial, servindo de pressuposto à solução da demanda. O controle
incidental é realizado pelo juiz condutor do procedimento litigioso e sempre ocorre no caso
concreto.
Nesse entendimento, segue o magistério de Luiz Guilherme Marinoni:
No controle concreto, [...] A constitucionalidade da norma, em outras palavras, não é
o objeto ou mesmo o fim do processo. Ou seja, o processo não é instaurado em
virtude de dúvida acerca da legitimidade da norma nem objetiva definir a sua
constitucionalidade [...]. O controle abstrato, ao contrário, considera a norma em si,
desvinculada de direito subjetivo e de situação conflitiva concreta. Busca-se, no
controle abstrato, apenas analisar a validade constitucional da norma,
independentemente de ser ela imprescindível, ou não, à tutela jurisdicional de um
direito.”213
Frise-se, no entanto, que o mandado de injunção trata-se de ação constitucional
endereçada ao STF (art. 102, I, q, da CF214), cujo controle de constitucionalidade por omissão
é exemplo de forma concreta e de competência originária, visando a proteger interesse
constitucional inerente à circunstância particular e concreta demandada em juízo.
O controle de constitucionalidade é também realizado mediante técnicas de
interpretação conforme a constituição e declaração parcial de nulidade, sem diminuição de
texto, por meio de ação direta ou incidental, a luz do art. 28, parágrafo único, da Lei nº
9868/1999, mencionado anteriormente.
212 O que tem decidido o STF na MC ADIn 1480, relator Ministro Celso de Mello. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347083. Acesso em 20 mar. 2018. 213 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. 2015, op. cit., p. 932-933. 214 Art. 102 CF: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente: [...] q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma
regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados,
do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos
Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 20 mar. 2018.
151
O recurso extraordinário é o instrumento pelo qual o STF opera o controle incidental
da constitucionalidade da matéria ali envolvida no caso concreto. Já se tem decidido no STF
que nos casos de decisões tomadas em recursos extraordinários, pelo plenário do órgão, elas
usufruem de efeitos extraprocessuais, vinculando tanto as partes do processo quanto os
demais órgãos da Administração e do Judiciário. Doutrinariamente tem-se nominado essa
conduta de objetivação do recurso extraordinário.215
Nesse sentido, Gilmar Mendes assevera que:
A natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e
aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não
mais parece legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no
controle direto e no controle incidental. 216
Considerando que o juiz de piso da jurisdição nacional, ao resolver as demandas
concretas, pode decidir pela inconstitucionalidade de lei ou atribuir significado judicial à
legislação mediante técnicas interpretativas conforme e proclamação parcial de nulidade,
confere-se a ele poder de grande destaque no cenário da tradição civil law. Ressalta-se que
esse magistrado, no seu munus de controle judicial, deve respeitar os decisórios do STF,
mesmo em controle difuso.
É imperioso realçar a função que o controle de constitucionalidade exerce como meio
técnico de uniformização do direito. Nesse aspecto, exsurge a necessária argumentação por
precedentes, no âmbito do controle da constitucionalidade afeta ao STF, por afirmar
judicialmente o sentido último da matéria constitucional. O Judiciário exerce o papel de
intérprete final do texto constitucional, cabendo a ele afirmar a desconformidade da lei.
A ratio decidendi daí extraída transcendem para além das questões individuais e
devem vincular os órgãos do Judiciário e da Administração Pública.217
215 Consultar RE nº 376.852/SC, relator ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno do STF, DJU 24/10/2003, p.
65. 216 MENDES, Gilmar Ferreira. O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade: um caso clássico
de mutação constitucional, Revista de Informação Legislativa, nº 162, abr/jun. 2004, p. 164. De igual modo,
Pedro Miranda de Oliveira diz que “[...] Em suma, a repercussão geral e a consequente objetivação do recurso
extraordinário refletem o reconhecimento de que as decisões do STF devem ser sempre paradigmáticas e
relevantes”. (MIRANDA DE OLIVEIRA, Pedro. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão geral.
São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 377.) 217 “Com a expressão ‘eficácia transcendente da motivação’ se pretende significar a eficácia que, advinda da
fundamentação, recai sobre situações que contêm particularidades próprias e distintas, mas que, na sua
integridade enquanto questão a ser resolvida, são similares à já decidida, e, por isso, reclamam as mesmas razões
que foram apresentadas pelo tribunal quando da decisão. Embora os casos tenham suas inafastáveis
particularidades, a sua substância, vista como questão de direito a ser solucionada pelo tribunal, é a mesma.
Assim, se a norma x foi considerada inconstitucional em virtude das razões y, a norma z, porém
152
A ideia de eficácia vinculante das razões determinantes já encontrou eco218 no
Supremo Tribunal Federal, haja vista o papel desempenhado por esse órgão em proteger o
esforço normativo da Carta Magna, além de cooperar com a prevenção e desdobramento da
ordem jurídico-constitucional. O sistema deve proporcionar previsibilidade às condutas, de
modo que permita a evolução dos indivíduos no Estado de Direito.
Diante de mudança recente de pensamento do STF, de rejeição da tese da eficácia
transcendente, aguarda-se como esse órgão deve se posicionar doravante quanto à
abrangência do art. 927, I, do CPC e também do art. 988, III, uma vez que ambos os artigos
cuidam da eficácia obrigatória das decisões do Supremo em sede de controle concentrado de
constitucionalidade, admitindo-se reclamação para tal mister.219
Assim, na corte de precedentes devem-se apresentar as justificativas dos fundamentos
(motivos concorrentes e contrários) e não as dos votos obtidos no julgamento. As razões
devem ser compartilhadas por maioria, para que se obtenha a ratio decidendi e o precedente
constitucional.
substancialmente idêntica a x, exige a aplicação das razões y.” (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz
Guilherme; MITIDIERO, Daniel. 2015, op. cit. p. 1017). 218 Conferir com a ação de Reclamação nº 1.987-0/DF, julgada procedente por maioria, Pleno, relator ministro
Maurício Corrêa, publicado DJ 21/05/2004, por contrariedade à decisão prolatada pelo STF na ADIn nº
1.662/SP. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=87272. Acesso
em 20 mar. 2018. Ver também Reclamação nº 2.363-0/PA, relator ministro Gilmar Mendes, Pleno, DJ
01/04/2005, que afirmou que os motivos determinantes de decisório prolatado em ADIn possui eficácia
vinculante. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=365588.
Acesso em 20 mar. 2018. Ver enunciado 168 do FPPC que também proclama a transcendência: “Os
fundamentos determinantes do julgamento de ação de controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo
STF caracterizam a ratio decidendi do precedente e possuem efeito vinculante para todos os órgãos
jurisdicionais.” Disponível em: http://www.cpcnovo.com.br/wp-content/uploads/2017/05/FPPC-Carta-de-
Florianopolis.pdf?inf_contact_key=d7cef03802afe2c25acb93ce56a44e47. Acesso em 21 mar. 2018. 219 Conferir Reclamação nº 7.672 AGR/GO, relator ministro Edson Fachin, 1ª Turma, DJe 19/08/2016, assentada
no item 1 da ementa do acórdão: “1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assentou a ser incabível
reclamação que trate de situação que não guarda relação de estrita pertinência com o parâmetro de controle ou
quando fundada na teoria da transcendência dos motivos determinantes de acórdão com efeito vinculante.”
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=11525034, Acesso em 21
mar. 2018. Ver também Emb. Decl. no Ag. Reg. na Reclamação nº 6.416/SP, ministro relator Luiz Fux, 1ª
Turma, DJe 11/09/2014, conforme item 3 da ementa do acórdão: “3. Não há identidade ou similitude de objeto
entre o ato impugnado e a decisão tida por desrespeitada, sendo certo que esta Corte já se manifestou no sentido
da rejeição da aplicação da teoria dos motivos determinantes.” Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6694486. Acesso em 21 mar. 2018. Em
sentido contrário, ver posicionamento de Luís Roberto Barroso, ministro do STF, disponível em: MELLO,
Patrícia Perrone Campos. BARROSO, Luís Roberto. 2016, op. cit., p. 47. Disponível em:
http://seer.agu.gov.br/index.php/AGU/article/view/854/730. Acesso em 01 mar. 2018.
153
5.3.2 Enunciados de Súmula Vinculante e Demais Súmulas em Matéria Constitucional
As súmulas são utilizadas no direito pátrio a partir da década de 1960, recepcionadas
pelo STF por meio do ministro Victor Nunes Leal, idealizador de tal instituto. A sua
construção tem raízes nos assentos portugueses da Casa de Suplicação e nos prejulgados, em
que o referido ministro afirmava que as súmulas objetivavam encontrar o meio-termo
necessário de estabilização da jurisprudência.220
O Código de Processo Civil preceitua em seu art. 927, incisos II e IV, a observância
obrigatória pelos juízes e tribunais das súmulas vinculantes e enunciados de súmulas emitidos
pelo STF tratando de matéria constitucional.
As súmulas vinculantes são editadas pelo STF, de conformidade com o art. 103-A, da
Carta Magna e disciplinadas pela Lei nº 11.417/2006, no que tange à edição, revisão e o
cancelamento desses enunciados. Além do próprio Supremo Tribunal Federal, tem o
propósito também de vincular os demais órgãos julgadores e a administração pública direta e
indireta, no âmbito federal, estadual e municipal.
Na forma do art. 103-A, par. 1º, CF221, existem requisitos específicos para sua criação,
como a controvérsia iminente a respeito da matéria constitucional, que ocasione forte
insegurança jurídica e relevante multiplicidade de feitos sobre questões similares.
Tais súmulas são produzidas após decisões reiterativas do STF acerca de matéria
constitucional, sendo este o seu objeto, velando pela sua interpretação, dando unidade ao
direito. A eficácia vinculante acontece imediatamente, a partir do ato da publicação no Diário
da Justiça e Diário Oficial da União, que ocorre no prazo de 10 (dez) dias posterior à sessão
em que foi aprovada a edição, revisão e cancelamento do enunciado sumular. Existe a
possibilidade de o Supremo modular os efeitos da súmula, considerando motivos de
segurança jurídica ou interesse público (art. 4º, Lei 11.417/2006222).
Os demais tribunais pátrios tem a legitimidade para propor ao Supremo a criação de
súmulas vinculantes (art. 3º, XI, Lei 11.417/2006), o que reserva aos enunciados sumulares
220 LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. In: Revista de Direito Administrativo. V. n. 145.
jul./ set. 198, p. 5. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43387/42051.
Acesso em 21 mar. 2018. 221 “Art. 103-A. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em:
28 fev. 2018. 222 Ver Lei nº 11.417, de 19/12/2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11417.htm. Acesso em: 28 fev. 2018.
154
viés mais democrático. No entanto, cabe apenas ao STF a competência para edição, revisão e
o seu cancelamento.
Não se deve confundir súmula com precedente judicial, eis que este compõe o suporte
fático do normativo que possibilita a formação da súmula, a qual possui vinculatividade
singular. Compete apenas ao Supremo, de forma exclusiva, estabelecer o seu sentido.
Acredita-se que a súmula vinculante tem engessado o ordenamento jurídico, por vezes, de
forma acentuada, por comprometer a atividade de interpretação e criativa dos demais órgãos
judiciais, assumindo viés autoritário.
Nessa perspectiva, segue o pensamento de Bruno Dantas223:
A instituição da súmula vinculante tenta amenizar os problemas interpretativos de
ordem constitucional por meio de um rígido esquema vertical, que compele órgãos
jurisdicionais e Administração Pública à estrita observância da interpretação fixada
pelo Supremo Tribunal Federal. É certo que isso trará uma elevada dose de
segurança ao sistema, mas o trade-off apresenta-se imediatamente: o cerceamento da
tão propalada atividade criativa do juiz, não obstante a possibilidade de revisão e
cancelamento de súmulas vinculantes.
Acresce-se a isso o fato de que os precedentes, quando prolatados, se não ocasionarem
dúvidas em seus destinatários quanto ao sentido da ratio decidendi, propõe-se então a
desnecessidade de editar súmulas vinculantes, por não demonstrar insegurança jurídica,
requisito este último necessário para a formação de súmulas.
Luiz Guilherme Marinoni224 responde satisfatoriamente quanto aos motivos que
entende importantes para a edição de súmula vinculante:
[...] Esta nova ‘modalidade’ de súmula surgiu da percepção de que as súmulas
vinham sendo tratadas como enunciados gerais e abstratos, destituídas de qualquer
intenção de tutelar a coerência do direito e a segurança jurídica. Ora, um enunciado
que não objetiva garantir a unidade do direito não tem razão para ser vinculante ou
obrigatório. A súmula passa a ter eficácia vinculante quando aflora a consciência de
seu significado, ou seja, da sua função de espelho e síntese da realidade
jurisprudencial e da sua imprescindibilidade para a garantia de tratamento igual a
casos semelhantes.
Mesmo em controle difuso de constitucionalidade, em sede de recurso extraordinário,
não se permite ao STF descuidar-se de sua tarefa institucional de guarnecer o sistema jurídico
de igualdade, coerência e de segurança. Aliás, não se revelará a unidade do direito, com
223 DANTAS, Bruno. Súmula Vinculante: o STF entre a função uniformizadora e o reclamo por legitimação
democrática. Revista de Informação Legislativa, a. 45 n. 179, jul/set, 2008, p. 180-181. Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176543/000843878.pdf?sequence=3. Acesso em 22 mar.
2018. 224 MARINONI, Luiz Guilherme. 2016, op. cit., p. 312.
155
afirmação do texto da constituição, enquanto ainda os precedentes da corte suprema estiverem
sendo desrespeitados pelos juízes e tribunais em seus decisórios judiciais.
Por outro lado, Fredie Didier Jr. tem demonstrado preocupação com a criação de
súmulas pelo STF, por atecnia na elaboração desses institutos, ao utilizar termos vagos e
ambíguos, a exemplo da Súmula Vinculante nº 11. Segundo ele, o enunciado é tão grande,
que mais se assemelha a uma lei, com a consequente dificuldade de intelecção do texto
sumular.225
Correto o posicionamento de Fredie Didier Jr., pois as súmulas devem ser elaboradas
de maneira clara e objetiva, a fim de que possam ter aplicabilidade prática, por simples
dedução subsuntiva em casos futuros semelhantes. Não devem ocasionar dúvidas quanto à sua
interpretação, especialmente quanto ao campo de sua incidência. As súmulas devem ter
caráter normativo geral.
O Código de Processo Civil empresta relevante papel aos enunciados sumulares, ao
estabelecer que os tribunais possam, na medida do possível, editar súmulas de sua
jurisprudência pacificada (art. 926, par. 1º), além de permitir sumarização de procedimentos
na seara dos recursos. A súmula deve ser interpretada em correspondência aos precedentes
que lhe antecederam, para fins de validade de sua eficácia no caso concreto. O papel da
súmula é, principalmente, catalogar esses precedentes, dando compatibilidade e integridade ao
sistema.
As demais súmulas do STF diferenciam-se das vinculantes, por não se dirigirem em
face da administração pública e não ensejarem ação reclamatória, à luz do art. 103-A, par. 3º,
da Constituição Federal. A título de informação, o STF editou 56 súmulas vinculantes226 e
736 súmulas persuasivas227, algumas já superadas/revogadas.
225 Conforme Editorial nº 49 do site do Prof. Fredie Didier Jr. Disponível em:
http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-49/. Acesso em 26 mar. 2018; Conferir aplicabilidade da
Súmula Vinculante 11 do STF: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga
ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a
excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e
de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1220. Acesso em 26 mar.
2018; Lênio Streck e Georges Abboud afirmam que a análise feita por Didier Jr é contraditória. (STRECK,
Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3. ed. rev.
atual. de acordo com o novo CPC. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015, p. 84). 226 Conferir disponibilidade no site do STF:
http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante. Acesso em 26 mar. 2018. 227 Ver disponibilidade no site do STF: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula.
Acesso em 26 mar. 2018.
156
Vale ressaltar que, de igual modo, detém caráter obrigatório a observância dos
enunciados sumulares do STF, relativos a questões constitucionais, e das súmulas do Superior
Tribunal de Justiça, acerca de disposições infraconstitucionais.
Cabe ao STF, portanto, impedir pronunciamentos decisórios conflitantes acerca de
igual questão de direito constitucional, constituindo precedentes com eficácia obrigatória as
decisões proferidas em seu campo de atuação.
5.3.3 Recursos Extraordinários Repetitivos
É sabido que a decisão que resolve o recurso extraordinário constitui ocasião adequada
para que o Supremo Tribunal Federal possa desincumbir-se efetivamente de seu munus de
proclamar adequada compreensão do direito, pautando sentido aos textos constitucionais, de
forma a reduzir o grau de indefinição ou imprecisão do ordenamento jurídico.
A partir daí, pode se formar o precedente, com a exposição da ratio decidendi,
projetando-se eficácia vinculante para os casos futuros análogos, à luz do art. 927, III, do
Código de Processo Civil. Agindo dessa forma, o STF coopera com o Poder Legislativo, na
sua função precípua e paradigmática de proporcionar unidade ao direito.
Nesse diapasão, aduz-se aqui o pensamento de Eduardo Arruda Alvim ao afirmar que
“o recurso extraordinário, portanto, sempre teve como finalidade, entre outras, a de assegurar
a inteireza do sistema jurídico, que deve ser submisso à Constituição Federal”.228
Esse recurso serve de meio para a resolução do caso da parte recorrente e também para
a determinação do precedente obrigatório a respeito da matéria constitucional ali ventilada,
proporcionando a uniformização de entendimento.
A parte que ajuizar o recurso extraordinário tem o dever de mostrar em suas razões
recursais a matéria constitucional que objetiva ver analisada pelo Supremo, ou seja, deverá
informar a equivocidade da decisão recorrida. Chama-se a isso de prequestionamento, ou seja,
a matéria constitucional já objeto de decisão.
Essa exposição de motivos é necessária para fins de demonstrar o requisito da
repercussão geral (relevância econômica, social, política e jurídica que transcendem os
228 ALVIM, Eduardo Arruda. O Recurso Especial na Constituição Federal de 1988 e suas origens. In: Teresa
Arruda Alvim Wambier (coord.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso
extraordinário. São Paulo: RT, 1997, p. 46.
157
interesses discutidos na causa), preliminarmente ao mérito. Inexistindo repercussão geral229, o
recurso extraordinário não será admitido pelo STF. A repercussão da matéria deve contribuir
para construção da unidade do direito, com a elucidação de problemas interpretativos de
ordem constitucional, haja vista a presença do binômio relevância da questão e sua
transcendência ao caso concreto.
Caso seja aceita a repercussão geral, o ministro relator no âmbito do STF ordenará que
se suspenda o prosseguimento dos demais processos individuais ou coletivos que estejam
pendentes e que tratem sobre igual objeto, tramitando em todo território nacional, a fim de
evitar decisões conflitantes. Isso não impede que ocorra distinção de casos, se existir
requerimento de parte interessada nesse sentido.
Apraz ressaltar que há previsão no ordenamento jurídico brasileiro do julgamento de
recursos extraordinários em bloco230, ou seja, tratando-se de recursos repetitivos que discutem
a mesma matéria de direito. O Supremo julga a questão, com ênfase no contraditório,
definindo a tese jurídica aplicada, que servirá de precedente paradigma, irradiando-se os seus
efeitos para os demais casos pendentes e futuros. Podem ser admitidos e ouvidos nos
processos outras pessoas ou entidades que tenham interesse na resolução da demanda, além de
realização de audiências públicas, com vista a influenciar na decisão do tribunal, tornando-a
mais democrática possível.
229 Conferir com o art. 1035 do CPC: “Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não
conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral,
nos termos deste artigo.§ 1o Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões
relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do
processo.§ 2o O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo
Supremo Tribunal Federal.§ 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que :I -
contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; II – Revogado (Redação dada pela
Lei nº 13.256, de 2016);III - tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos
do art. 97 da Constituição Federal.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 27 mar. 2018.
230 É o que preceitua os arts. 1036 e ss. do CPC: “Art. 1036 Sempre que houver multiplicidade de recursos
extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de
acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. § 1o O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de
tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão
encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação,
determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no
Estado ou na região, conforme o caso. § 6o Somente podem ser selecionados recursos admissíveis que
contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida. [...]; Art. 1.040. Publicado
o acórdão paradigma: [...] III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o
curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior.” Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 27 mar. 2018.
158
Os recursos que foram selecionados pelo tribunal de origem devem revelar
argumentação bem ampla, que propiciem a demonstração adequada das diversas opiniões que
tratam sobre a questão jurídica em debate e também devem ser admitidos pelo relator ministro
da corte suprema. O procedimento das demandas repetitivas requer que haja discussão e
exame de todos argumentos com vista à criação de precedente.
Vê-se assim a caracterização do interesse público no deslinde da questão, que está bem
além das pretensões subjetivas objeto do processo. Isso porque o exame do caso favorece ao
Estado, ao dispor de sua função jurisdicional, bem como a todo o corpo social, haja vista que
se fixará a interpretação adequada e balizadora que será aplicada nos demais casos similares e
a consequente diminuição de novos feitos que deixarão de ser analisados pelo STF sobre igual
matéria.
Vale registrar que os acórdãos proferidos em recursos extraordinários com repercussão
geral admitida ou os acórdãos prolatados em casos de recursos extraordinários repetitivos têm
o condão de irradiar força vinculante para os demais tribunais e ao próprio STF. Quando uma
decisão prolatada em outro processo desrespeitar tais julgamentos, o instituto da reclamação
somente poderá ser utilizado pela parte interessada, após esgotados os juízos ordinários.
5.3.4 Reclamação Constitucional
Trata-se de ação judicial recepcionada pelo arts. 102, I, l e 105, I, f, ambos da Carta
Magna, com hipóteses legais e específicas de incidência, que tem como finalidade preservar a
competência e a autoridade dos decisórios oriundos do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça, respectivamente. É um procedimento legitimamente brasileiro,
pois se desconhece no direito alienígena medida similar.
Tem igualmente previsão constitucional (art. 103-A, parágrafo 3º) o cabimento da
ação reclamatória com a finalidade de se fazer respeitar a autoridade da súmula vinculante ou
nos casos em que se tem aplicado erroneamente231 referido enunciado sumular.
231 Tal permissão encontra-se guarida no art. 7º, da Lei nº 11.417/2006, que determina: “Da decisão judicial ou
do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo
indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios
admissíveis de impugnação.§ 1o Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será
admitido após esgotamento das vias administrativas.§ 2o Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo
Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra
159
O STF, no julgado nº Rcl 16487/MG AgR, assim definiu a ação reclamatória,
conforme assentado na ementa do acórdão:
A reclamação é ação autônoma de impugnação dotada de perfil constitucional,
prevista no texto original da Carta Política de 1988 para a preservação da
competência e garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal
(art. 102, “l”, da Lei Maior), e, desde o advento da Emenda Constitucional nº
45/2004, é instrumento de combate a ato administrativo ou decisão judicial que
contrarie ou indevidamente aplique súmula vinculante. 232
Trata-se de instrumento jurídico processual que tem como objetivo verificar atos
graves que desrespeitam normas de competência ou decisões da suprema corte. Caso julgue
procedente a reclamação, a decisão ou o ato administrativo será cassado, estabelecendo a sua
adequada aplicação ou a negativa de utilização das razões de decidir, em conformidade com
as particularidades do caso concreto.
No mesmo caminho, tal ação foi delineada expressamente nos artigos 988 a 993, todos
do Código de Processo Civil, ampliando as situações de cabimento, além de regular o seu
procedimento. Com a alteração feita pela Lei 13.256/2016, o art. 988, inciso III, do CPC,
prevê o cabimento da reclamação quando ofender súmula vinculante e também ofensa à
decisão prolatada pelo STF em controle de constitucionalidade.
Rinaldo Mouzalas e João Otávio Terceiro Neto Bernardo de Albuquerque assim
lecionam:
[...] Se, no Brasil, não houvesse disposição de necessária obediência ao precedente e
a instituição da reclamação para garantir a vinculatividade, correr-se-ia o risco de
criar um sistema de precedentes obrigatórios sem muita eficácia perante o Judiciário,
que tem o hábito de frequentemente desrespeitar suas próprias decisões. [...] o
cabimento da reclamação não exclui os recursos previstos em lei, os quais podem e
devem ser interpostos independentemente do ajuizamento da ação constitucional
[...].233
seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.” Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11417.htm. Acesso em 27 mar. 2018. 232 Ver acórdão unânime STF na Rcl 16487/MG AgR, relatora Ministra Rosa Weber, Primeira Turma,
julgamento realizado em 26/08/2014, processo eletrônico Dje 174. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6683003. Acesso em 27 mar. 2018. De
outra banda, o STF compreende que “Não cabe reclamação para questionar violação à súmula do STF sem efeito
vinculante e a dispositivos constitucionais, que, aliás, são estranhos à fundamentação da decisão agravada e à
própria reclamação”. (Rcl 10900 ED, relator Ministro Luís Roberto Barroso, Primeira Turma, julgamento em
26/08/2014, processo eletrônico DJe 185). Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6796669. Acesso em 27 mar. 2018. 233 MOUZALAS, Rinaldo. ALBUQUERQUE, João Otávio Terceiro Neto Bernardo de. Reclamação
Constitucional. In: DIDIER JR, Fredie et al. (coord). Precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p.790.
160
Ressalta-se que tal instituto veio integrar o sistema dos precedentes judiciais abarcados
pelo Código de Processo Civil, precisamente em seus artigos 926 e 927, já mencionados em
capítulos anteriores. Tal ação veio assegurar o efeito vinculatório dos precedentes judiciais,
podendo ser ajuizada em face de qualquer tribunal, não somente no STF. Também se trata de
mecanismo direcionado a dar racionalidade ao ordenamento jurídico, não sendo admitido seu
uso após o trânsito em julgado do decisório que se propõe reclamar.
Por final, passa-se à criticidade de decisórios prolatados no âmbito do STF, avaliando
o discurso jurídico da suprema corte sob o prisma da (in)coerência de seus julgados.
161
6 EXAME CRÍTICO DE PADRÕES DECISÓRIOS DO STF À LUZ DO DISCURSO
JURÍDICO
Já foi aqui ventilado em momentos anteriores que a força dos precedentes oriundos da
suprema corte é essencial para o desenvolvimento da coerência do sistema jurídico,
assegurando-se previsibilidade e confiança nas decisões do Judiciário. A mudança de sua
jurisprudência dominante pode permitir surpresa indevida e injusta a toda a sociedade, a qual
nela assentou suas condutas e modos de viver.
O sistema jurídico do país – formado pelos decisórios jurisdicionais – principalmente
os prolatados pelo STF – ocasiona expectativa no jurisdicionado e deve gerar confiança,
assegurado pelo princípio da segurança jurídica.
Adota-se, assim, o entendimento de que o Supremo deve ter a liberdade de buscar o
maior alcance e significado ao texto normativo constitucional, sem extrapolar a sua
competência jurisdicional, com a exteriorização de discurso interpretativo sério, coerente e
devidamente fundamentado, de forma a cumprir a sua missão unificadora do direito pátrio.
Essa unidade perseguida pela corte necessita ser compreendida em seu viés
retrospectivo e prospectivo. Melhor dizendo, resolvem-se as questões jurídicas controversas,
sem esquecer-se do desenvolvimento do direito, conjugando-o aos recentes reclamos sociais,
sempre em prol do interesse comum.
Por outro lado, frise-se que a corte de cúpula destaca-se ativamente na garantia e
realização dos direitos fundamentais declinados no texto constitucional de 1988, configurando
os seus pronunciamentos judiciais em responsabilidade política. Necessário que sejam
avaliados previamente os efeitos extraprocessuais dessa atuação, especialmente na seara do
controle da constitucionalidade, de forma a não tumultuar o sistema jurídico-social.
Abriga-se a ideia de que a jurisdição constitucional não atua de forma impotente
perante os demais Poderes públicos (Executivo e Legislativo), podendo lançar mão de
diversas técnicas jurídicas para a realização dos direitos. Cumpre ao Poder Judiciário analisar
se a atuação dos demais Poderes tem levado à efetivação dos fins estabelecidos na
Constituição. O procedimento de interpretação e aplicação por meio dos pronunciamentos
jurisdicionais resulta na técnica de reconstituição contínua e de modernização do direito.
162
Nesse sentido, o Judiciário atua como alternativa à ineficiência dos demais Poderes,
dignificando assim a democracia. A omissão estatal é uma situação que não deve ocorrer,
devendo-se comprometer com os princípios resguardados no texto constitucional vigente.
Assim, traz-se para o enriquecimento desta tese, a título apenas ilustrativo e de
complementação ao seu conteúdo, o relatório de atividades da Suprema Corte no ano de 2017.
Tal informativo demonstra as audiências públicas realizadas (perfis genéticos de
condenados, direito ao esquecimento, marco civil da internet e suspensão do aplicativo
whatsapp), as reuniões institucionais (com presidentes de outros tribunais pátrios, autoridades
e com frente nacional de prefeitos), a prestação jurisdicional destacada em 283 sessões de
julgamento e 02 sessões plenárias solenes, 58 audiências de interrogatórios de réus e oitivas
de testemunhas, presencialmente ou por vídeoconferência, e o acervo de recebimento no total
de 103.650 novos processos, sendo distribuídos 56.257, média de 5.626 para cada ministro da
Casa.
O relatório informa também a quantidade de decisões prolatadas de forma monocrática
e colegiada e também as decisões do plenário, taxa de recorribilidade, quantitativo de
processos baixados, histórico da repercussão geral reconhecida e negada e seus respectivos
temas, as teses jurídicas firmadas e a liberação de processos suspensos no país e os
julgamentos de grande relevância, a exemplo do RE 580.252, RE 574.706, RE 760.931, ARE
654.432, RE 587.970, RE 597.854, RE 646.721 e RE 878.694, RE 612.043, ADC 41, ADPF
109/ADI 3.356/ADI 3.357/ADI 3.406/ADI 3.470/ADI 3.937/ADI 4.066, ADI 4.439, ADI
5.526 e ADI 5.763. Constatam-se também informações sobre o desenvolvimento informático
na prestação jurisdicional.
Digna de elogio essa atitude da corte de vértice em proporcionar aos jurisdicionados e
a toda sociedade transparência em números de suas atividades e na articulação institucional.234
Sob o aspecto da eficiência, Francisco Rosito tem debatido incessantemente sobre os
precedentes judiciais e sua repercussão na racionalidade da tutela jurisdicional, afirmando:
A operacionalidade da teoria depende da atividade exercida pelos tribunais
superiores, permitindo-se incrementar a prestação jurisdicional, seja em termos
materiais, seja em termos processuais. No primeiro aspecto, a teoria dos precedentes
judiciais vem contribuir para a modernização do processo civil brasileiro quanto ao
movimento de ‘universalização da jurisdição’, preocupado com a ampla admissão
em juízo e com a qualidade da prestação jurisdicional, a fim de otimizar a tutela
234 Dados extraídos do Relatório de Atividades 2017 do STF. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/centralDoCidadaoAcessoInformacaoGestaoEstrategica/anexo/RelatorioAtivid
adesSTF2017.pdf. Acesso em 28 mar. 2018.
163
jurisdicional para atender à massificação dos processos e ao número incessante de
conflitos. No segundo aspecto, a teoria normativa dos precedentes judiciais
representa economia, celeridade e eficiência na prestação jurisdicional, porquanto
proporciona melhor rendimento para o exame dos casos relevantes.235
Razão assiste ao autor, uma vez que o Poder Judiciário atuando de forma tempestiva,
com menor onerosidade e sendo mais eficiente, trará ao sistema maior modernização e
credibilidade.
Cumpre aqui registrar o comentário feito por Keith Rosenn sobre o sistema de controle
de constitucionalidade brasileiro, aqui traduzido:
O Brasil tem um sistema de controle de constitucionalidade extenso e complicado.
Tem também uma Constituição enorme, carregada de direitos individuais
específicos e de objetivos sociais e econômicos de longo alcance. Colocar direitos e
objetivos por escrito, no entanto, mesmo em uma constituição nacional, não
assegura seu respeito por aqueles encarregados de administrar as operações diárias
do governo. Em virtude da existência no Brasil de um sistema judicial acessível,
muitas dessas violações constitucionais estão nas secretarias dos tribunais esperando
solução judicial. Como o Brasil tem apenas um sistema mínimo de vinculação por
precedentes, as cortes decidem as mesmas questões constitucionais muitas vezes
seguidas. Além de isso consumir recursos judiciais valiosos, isso produz
interpretações conflitantes das disposições constitucionais.236
De outro norte, afirma-se, também, que juízes subjugados apenas à lei não se aceitam
nos dias atuais. Legislador e magistrados afluem na criação do direito, de forma a permitir a
esses últimos a produção de normas autônomas em face da lei, por conter conceitos jurídicos
indeterminados e cláusulas gerais, atuando supletivamente ao Poder Legislativo.
O juiz deve dar interpretação à lei a partir do texto constitucional e da normatividade
dos princípios. Nesse sentido, o precedente do STF deve ser entendido como ordem geral e
vinculante, além de ser fonte do direito, tendo assento no mundo jurídico. A eficiência do
Poder Judiciário está calcada também na existência dessa padronização decisória. A decisão
judicial deve dar ao sistema jurisdicional maior racionalidade, coerência, integridade e
eficiência, de forma a justificar e legitimar a atividade decisória dos magistrados.
235 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá,
2012, p. 453. 236 ROSENN, Keith S. Judicial Review in Brazil: Developments under the 1988 Constitution. Southwestern
Journal of Law and Trade in the Americas, v. 7, p. 291-320, 2000.Disponível em:
https://repository.law.miami.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://www.google.com/&httpsredir=1&article=1
169&context=fac_articles. Acesso em 28 mar. 2018.
164
O Supremo Tribunal Federal avançou muito em seu papel institucional de controle de
constitucionalidade das leis, acentuando o seu ativismo em temas de real repercussão política,
econômica, eleitoral, moral e social.237
E no exercício dessa função, o Supremo tem dado respostas a questões polêmicas,
alicerçado principalmente na linguagem dos direitos fundamentais e na compreensão de
regime democrático inclusivo, com argumentações criativas e de expansão das normas da
constituição, intervindo nas escolhas políticas dos demais Poderes, ante as omissões ali
aportadas.
Carlos Alexandre Campos assim escreve:
Os acontecimentos pré-1988 revelaram o poder político sempre procurando subjugar
o Supremo, castrando a independência e o poder decisório do Tribunal a cada
decisão que lhe fosse contrária. O ambiente político hostil constrangeu o Supremo e
implicou o passivismo judicial. Durante os primeiros anos de vigência da
Constituição de 1988, [...], o passivismo se manteve em boa medida, dentre outros
motivos, em função da cautela natural sustentada por juízes e cortes diante de
regimes políticos em fase de afirmação e de revelação. Porém, aos poucos, o
ambiente político pós-88, tanto no Congresso Nacional como no âmbito do Poder
Executivo federal, mostrou-se marcado por um discurso e por uma postura de
respeito e de tolerância com as decisões do Supremo, o que tem favorecido, sem
dúvida, a liberdade e assertividade decisórias.238
Verifica-se a modificação jurídico-cultural em seu discurso decisório, de forma a
implementar eficazmente a constituição, a exemplo da denegação do formalismo literal e
conservador de antes e com abertura atualmente à criatividade na interpretação dos textos
normativos, trazendo também os elementos morais como justificativas de seus julgados.
Vê-se também que a concentração de autoridade no âmbito de atuação do STF tem
mitigado o princípio da separação dos poderes, acumulando-se em único tribunal a
competência de guardião da constituição, além de ser corte de cúpula do Judiciário, com foro
delimitado constitucionalmente. Essa circunstância fez nascer o fenômeno da Supremocracia,
237 Sobre o tema, constatar os seguintes julgados do STF: AgRg em ADI 3.153/DF (2004); ADI 1.753/DF
(1998); ADI-MC 4.048/DF (2008); MI (s) 670-9/ES, 708-0/DF e 712-8/PA (2007); ADI 939/DF (1993); ADI
1.946/DF (2003); ADI 3.105/DF (2004); ADI 3.685/DF (2006); ADI 4.307/DF (2009); MS 26.602/DF (2006);
RE 631.102/PA (2010); ADPF 144/DF (2008); ADI 3.510/DF (2008); ADI 4.277/DF (2011); ADPF 54/DF
(2012); ADPF 186/DF (2012); ADI 3.330/DF(2012); PET 3.388/RR (2009); RE 579.951/RN (2008); ADI
2.240/BA (2007); ADI 875/DF (2010); ADPF 153/DF (2010); Extradição nº 1.085 (2009); ADI 4.638/DF
(2012); AP 470/MG (2013), entre outros. 238 CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense,
2014, p. 260.
165
palavra trazida por Oscar Vilhena Vieira239, representando o desenho institucional brasileiro, a
qual revela dois sentidos, a saber:
Em um primeiro sentido, o termo supremocracia refere-se à autoridade do Supremo
em relação às demais instâncias do judiciário. Criado há mais de um século (1891),
o Supremo Tribunal Federal sempre teve uma enorme dificuldade em impor suas
decisões, tomadas no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, sobre as
instâncias judiciais inferiores. A falta de uma doutrina como a do stare decisis do
common law, que vinculasse os demais membros do Poder Judiciário às decisões do
Supremo, gerou uma persistente fragilidade de nossa Corte Suprema. Apenas em
2005, com a adoção da súmula vinculante, completou-se um ciclo de concentração
de poderes nas mãos do Supremo, voltado a sanar sua incapacidade de enquadrar
juízes e tribunais resistentes às suas decisões. Assim, supremocracia diz respeito,
em primeiro lugar, à autoridade recentemente adquirida pelo Supremo de governar
jurisdicionalmente (rule) o Poder Judiciário no Brasil [...].
Em um segundo sentido, o termo supremocracia refere-se à expansão da autoridade
do Supremo em detrimento dos demais poderes. A ideia de colocar uma corte no
centro de nosso sistema político não é nova [...] Foi apenas com a Constituição de
1988 que o Supremo deslocou-se para o centro de nosso arranjo político. Esta
posição institucional vem sendo paulatinamente ocupada de forma substantiva, em
face a enorme tarefa de guardar tão extensa constituição. A ampliação dos
instrumentos ofertados para a jurisdição constitucional tem levado o Supremo não
apenas a exercer uma espécie de poder moderador, mas também de responsável por
emitir a última palavra sobre inúmeras questões de natureza substantiva, ora
validando e legitimando uma decisão dos órgãos representativos, outras vezes
substituindo as escolhas majoritárias [...].
Note-se que foi um avanço enorme alçar o Supremo Tribunal Federal como centro
político das discussões, à luz da CF/1988, uma vez que, por ocasião da ditadura militar, a
corte sequer era consultada acerca de matérias relevantes e polêmicas que aportavam o país.
A eficiência na prestação jurisdicional é dever estatal e também direito do cidadão,
uma vez que a sociedade muda a todo momento e o poder público deve estar mais perto dos
indivíduos, protegendo-os de qualquer injustiça.
Ao propósito, vê-se no documento Justiça em Números, estampado no site do
Conselho Nacional de Justiça, ano 2017:
O Poder Judiciário finalizou o ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em
tramitação, aguardando alguma solução definitiva. Desses, 13,1 milhões, ou seja,
16,4%, estavam suspensos ou sobrestados ou em arquivo provisório, aguardando
alguma situação jurídica futura. Durante o ano de 2016, ingressaram 29,4 milhões de
processos e foram baixados 29,4 milhões. Um crescimento em relação ao ano
anterior na ordem de 5,6% e 2,7%, respectivamente. Mesmo tendo baixado
praticamente o mesmo quantitativo ingressado, com Índice de Atendimento à
Demanda na ordem de 100,3%, o estoque de processos cresceu em 2,7 milhões, ou
seja, em 3,6%, e chegou ao final do ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em
tramitação aguardando alguma solução definitiva. [...] Os dados por segmento de
Justiça demonstram que o resultado global do Poder Judiciário reflete quase
239 VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista de Direito GV. São Paulo 4[2], 2008, p. 444-445.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v4n2/a05v4n2.pdf. Acesso em 14 jun 2018.
166
diretamente o desempenho da Justiça Estadual, com 79,2% dos processos pendentes.
A Justiça Federal concentra 12,6% dos processos, e a Justiça Trabalhista, 6,8%. Os
demais segmentos, juntos, acumulam 1,4% dos casos pendentes. [....] O número de
casos sentenciados registrou a mais alta variação da série histórica. Em apenas um
ano, entre 2015 e 2016, o número de sentenças e decisões cresceu em 11,4%,
enquanto o crescimento acumulado dos seis anos anteriores foi de 16,6%. Tal
incremento da produtividade dos magistrados e servidores chegou a 30,8 milhões de
casos julgados em 2016. [...] Analisando o Poder Judiciário como um todo, tais
diferenças significam que, mesmo que o Poder Judiciário fosse paralisado sem o
ingresso de novas demandas e mantida a produtividade dos magistrados e dos
servidores, seriam necessários aproximadamente 2 anos e 8 meses de trabalho para
zerar o estoque. [...] O tempo do processo baixado no Poder Judiciário é de 1 ano e 9
meses na fase de conhecimento e de 4 anos e 10 meses na fase de execução no 1º
grau de jurisdição e de 8 meses no 2º grau [...].240
Percebe-se que há preocupação dos órgãos superiores em solucionar os processos que
ali chegam, mas ainda não é o suficiente para enfrentar os gargalos processuais, por conta da
ausência das ferramentas necessárias para fazê-lo, a exemplo da falta de recursos humanos e
financeiros, de formação continuada de juízes e servidores, deficiência no acervo tecnológico,
cultura retrógrada ainda de profissionais do Direito e operadores jurídicos que tem revelado
dificuldades em operacionalizar o processo.
Celso Antonio Bandeira de Mello assim leciona:
As decisões jurisprudenciais têm, na intimidade da composição do que se entende
por Direito, uma importância peculiar e toda especial, pois são elas que produzem a
intelecção autêntica do Direito. Deveras, é a intelecção da norma que determina e
especifica seu conteúdo. [...] a intelecção jurisdicional há de ser irrefragavelmente
reconhecida como sendo o Direito no caso concreto [...].241
O pronunciamento judicial não deve apenas ser encarado como mecanismo de
resolução de uma demanda, uma vez que a solução do caso concreto em si não é o bastante
para desincumbir-se do dever de prestar a jurisdição. Pensa-se que a decisão judicial deve ter
o condão de promover a unidade do direito, diminuindo a indeterminação do discurso jurídico
ali implementado.
Nesse caminho, assenta-se que o desrespeito a precedentes, de forma sistemática,
tende a mitigar o Estado de Direito, uma vez que as realidades demonstram tratar-se de
inúmeras leis a orientar a mesma conduta, gerando total instabilidade e imprevisibilidade ao
sistema. Isso provoca um caos ao ordenamento como um todo, pois a inobservância da
240 Extraído do site do CNJ:
http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf., p. 67 e 134.
Acesso em: 23 maio 2018. 241 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Segurança jurídica e mudança de jurisprudência. Revista de Direito do
Estado, n. 6, Rio de Janeiro: Renovar, abr.-jun. 2007, p. 330-331.
167
jurisprudência dominante leva à enorme recorribilidade processual, o que sobrecarrega os
tribunais pátrios.
Cabe ao Judiciário, portanto, agir de maneira cautelosa, responsavelmente, haja vista
as diversas consequências e efeitos que o seu pronunciamento pode provocar na realidade que
o cerca. Esse é o papel do Supremo Tribunal Federal aqui proclamado.
168
6.1 PAPEL DA JURISDIÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E REPERCUSSÃO FRENTE AOS
DESAFIOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
O estudo sobre o tema jurisdição deve passar pelo cerne de sua evolução conceitual,
expondo o pensamento de alguns processualistas, até chegar aos tempos atuais, com a ideia de
que esse instituto deve atender aos reclamos da sociedade, com a prestação de tutela justa,
tempestiva e eficaz, respondendo às especificidades do direito buscado em juízo e utilizando
técnicas e procedimentos adequados para tal mister.
No Estado Liberal de Direito, erigiu-se a lei como seu fundamento, de forma a
expurgar o sistema jurídico do absolutismo, que vigia à época. A lei, aprovada com a
intervenção da representação popular, servia para impor limites à liberdade da pessoa. A
ordenação do rei não era suficiente. O princípio da legalidade constituiu-se o meio para
caracterizar o direito, sendo que este seria produzido por um poder com competência
legislativa. O Poder Judiciário aplicava apenas a lei, sem a interpretação ajustada ao caso
concreto.
Para Montesquieu242, que defendeu a teoria da separação dos poderes, o julgador
exercia atividade puramente intelectual, sendo apenas boca da lei, afirmando apenas o que
havia produzido pelo Legislativo, utilizando-se do critério da subsunção. A criação do direito
era função com exclusividade do Poder Legislativo. Observa-se daí que a teoria de
Montesquieu, mesmo voltando-se contra os abusos do antigo regime, não foi bem aceita, pois
aflorou a tirania do Legislativo, resultando impossível manter o controle dos abusos
decorrentes da lei.
A teoria do positivismo jurídico recepciona essa concepção de direito, limitando-se a
atuação jurisdicional à descrição legal, atendendo-se à vontade do legislador.
Ainda sob os auspícios ideológicos e assentados nos valores do Estado Liberal de
Direito e do Positivismo, no final do século XIX, passou-se a conceber a jurisdição como
atividade vinculada e dirigida a proteger os direitos subjetivos particulares lesionados,
242MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 158.
169
abolindo-se a tutela preventiva, ficando restrita a atuação do juiz à reparação do direito em
si.243
Não se conferia ao magistrado a tarefa de atuar previamente à violação do direito,
argumentando-se que essa conduta poderia violar o regramento normativo. O papel da
prevenção era inerente à Administração e ao Judiciário somente o papel repressivo.
Revela-se, em seguida, a conotação publicista defendida por Giuseppe Chiovenda, em
que a jurisdição dispõe de um poder direcionado a afirmar o direito objetivo, com a atuação
da vontade concreta da lei.
Foi de Ludovico Mortara244 a afirmação primeira da natureza pública do processo
civil, porém ele se manteve atrelado aos valores culturais e à ideologia do Estado Liberal.
Explicando,
Não obstante, ainda que o pensamento de Mortara tenha sido importante para
afirmar a natureza pública do processo, o fato é que a sua concepção de jurisdição,
ao frisar a defesa do direito objetivo, não se livrou do peso dos valores do Estado
liberal, mantendo-se absolutamente fiel à ideia de que o juiz, diante da sua posição
de subordinação ao legislador, deveria apenas atuar a vontade da lei.245
Chiovenda aplaudiu a iniciativa de Mortara, por este ter afirmado o Direito Processual
Civil com natureza publicista. Daí extraiu-se, por Chiovenda, a autonomia da ação processual
em relação ao direito subjetivo material, propagando o final do pensamento privatista do
processo. A ação tratava-se do poder de acionar a atividade jurisdicional, não se relacionando
com a efetivação do direito material.
Para Chiovenda246, a jurisdição é entendida como atividade inerente à atuação da
vontade concreta da lei. A atuação intelectual do juiz sobressai na análise do caso concreto,
com a declaração da existência ou não da vontade da lei em relação aos litigantes. Isso não
quer dizer que o magistrado dá azo à norma individual ao caso sub judice. Ao legislador,
conferia-se o papel de criador do direito e, ao magistrado, a aplicação da lei criada ou das
normas gerais. Nessa época, o direito confundia-se com a própria lei.
243 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 312 e ss. 244 MORTARA, Ludovico. Commentario del Codice e dele leggi di procedura civile. Milano: Vallardi, 1923. 245 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. 1ª
ed., 2ª tiragem, vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 40. 246 CHIOVENDA, Giuseppe. Príncípios del derecho procesal. Madrid: Reus, s/d, p. 365.
170
Vale ressaltar, de acordo com o pensamento de Cristina Rapisarda247, que a escola
chiovendiana, com seus princípios e valores, teve reflexos importantes na formação do direito
processual italiano e brasileiro, especialmente a doutrina relativa à criação do Código Buzaid
de 1973.
No entanto, a crítica que se faz à doutrina chiovendiana é que não houve
questionamento sobre o acesso à justiça, principalmente sobre a técnica procedimental
adequada a suprir os direitos da minoria. Por outro lado, permaneceu fiel ao pensamento
positivista clássico.
Traz-se ao contexto a doutrina de Carnelutti248, ao afirmar que no processo há
interesse privado em debate, revelando a jurisdição como a atividade voltada à justa
composição da lide. Segundo ele, a lide era vista como o conflito de interesses qualificado
pela pretensão de determinada parte, ao passo que de outro lado havia a resistência de outro
litigante.
Existia a ideia de litigiosidade para se conceituar a jurisdição, pondo-se a lide como
instituto imprescindível para a presença da atuação jurisdicional, ou seja, não se podia pensar
jurisdição sem a contenciosidade.
Enquanto Carnelutti preocupava-se com o interesse das partes, Chiovenda voltava-se
para a atuação do Estado-juiz, num prisma publicista do processo. Para Carnelutti249, a
sentença serviria para resolver a lide, tornando-se a lei individual entre as partes, integrando o
ordenamento jurídico, com a atividade cognitiva e intelectiva do juiz, sendo insuficiente a lei
por si só. A jurisdição também tinha a atuação declaratória da lei. Para Chiovenda, a atividade
jurisdicional é simplesmente declaratória, com o papel do juiz de declarar apenas a vontade
concreta do direito objetivo.
Calamandrei250, por outro lado, dizia que a lei geral se particularizava por atividade do
magistrado, por meio de uma sentença, que se tornava ao final do processo indiscutível e
imutável, com o manto da coisa julgada material. O ato sentencial tinha valor não porque era
justo, mas pela força de lei que lhe era conferida no caso concreto.
Outrossim, não se refuta aqui a contribuição da doutrina estrangeira para o
desenvolvimento da jurisdição. A atividade do Estado-Juiz tem caráter declaratório e o
247 RAPISARDA, Cristina. Profili della tutela civile inibitoria. Padova: Cedam, 1987, p. 70. 248 CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1936, v. 1, p. 40. 249 CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958, p. 18 e ss. 250 CALAMANDREI, Piero. Istituzioni di diritto processuale civile. Napoli: Morano, 1970, p. 156.
171
processo serve como meio de composição de conflitos. Esse pensamento perdura até hoje na
comunidade jurídica.
No entanto, contemporaneamente, tais modalidades de conceituar a jurisdição já não
se prestam a atender às exigências atuais de justiça e à efetividade do processo, onde a
interpretação e a aplicação do direito devem ser operacionalizadas à luz da concretização dos
direitos fundamentais e dos princípios norteadores da justiça, dando ênfase à força normativa
da constituição.
Essas teorias, por darem assento ao princípio da legalidade, com a soberania da lei,
negam a interpretação jurisdicional no momento decisório, pois a lei não é perfeita,
possibilitando-se, assim, considerações judiciais e fundamentadas no caso sob análise.
Nesse sentido, vê-se o entendimento de Marinoni251:
Diante da transformação da concepção de direito, não há mais como sustentar as
antigas teorias da jurisdição, que reservavam ao juiz a função de declarar o direito
ou de criar a norma individual, submetidas que eram ao princípio da supremacia da
lei e ao positivismo acrítico [...]. O Estado constitucional inverteu os papéis da lei e
da Constituição, deixando claro que a legislação deve ser compreendida a partir dos
princípios constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais[...].
Três aspectos são caracterizadores da jurisdição: poder, função e atividade.
O poder está relacionado com a imposição do direito, com a sujeição das partes àquilo
que foi julgado, buscando-se a satisfação da bem, onde o Estado-Juiz tem papel importante
em fazer cumprir a sua decisão, interferindo de forma concreta no âmbito jurídico da parte
vencida.
A função está relacionada à atribuição conferida pela constituição ao Poder Judiciário,
de prestar a jurisdição, quando provocada. Como atividade, materializa-se por meio da
atuação do juiz no processo, com a prática de atos processuais, que solucionará ao final a
demanda, dando a sua resposta por meio de decisão judicial.
Para Daniel Amorim Neves252, entende-se a jurisdição como:
[...] a atuação estatal visando à aplicação do direito objetivo ao caso concreto,
resolvendo-se com definitividade uma situação de crise jurídica e gerando com tal
solução a pacificação social. Note-se que neste conceito não consta o tradicional
entendimento de que a jurisdição se presta a resolver um conflito de interesses entre
as partes, substituindo suas vontades pela vontade da lei. Primeiro porque nem
251 MARINONI; ARENHART; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 156 252 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. 2016, op. cit., p. 37.
172
sempre haverá conflito de interesses a ser resolvido, e segundo porque nem sempre a
atividade jurisdicional substituirá a vontades das partes [...].
Razão assiste ao autor, uma vez que a lide não é de fundamental importância para
delimitar conceitualmente a jurisdição, pois existe processo que tramita sob os auspícios da
jurisdição voluntária, como também exemplificam-se outros feitos de natureza contenciosa,
sem a presença da lide, nos casos de ações de controle concentrado de constitucionalidade.
Citam-se também exemplos de jurisdição sem o caráter da substitutividade, como no caso das
ações constitutivas necessárias.
Segundo Alexandre Câmara253, somente se considera jurisdição aquela exercida pelo
Estado, excluindo de tal atividade a arbitragem, justificando tratar-se de equivalente
jurisdicional, por não ter o caráter puro de jurisdição. Quanto à natureza jurídica da
arbitragem, se é jurisdição ou não, não é objeto do presente estudo, até porque esse assunto
não está pacificado entre os doutrinadores.
O autor critica Carnelutti, por não entender que se trata de atuação do Estado de
composição de lide, afirmando que esta é um caractere simplesmente acidental, pois há casos
de jurisdição sem a presença da lide, exemplificando ação de anulação de casamento, onde
necessita do processo jurisdicional para dar os efeitos daí decorrentes. Entende que a
atividade do Estado é no sentido de impor solução ao caso concreto, certificando e
reconhecendo direitos.
Continua dizendo que trata a jurisdição da função do Estado-Juiz que dá solução ao
caso de conformidade com o direito, sem o exercício de qualquer tipo de discricionariedade,
em que para cada demanda ajuizada extrai-se a decisão legítima à luz da constituição e
somente ela pode ser prolatada em cada caso, ou seja, a resposta juridicamente apropriada. O
juiz não deve inventar o normativo jurídico para o caso. A solução dar-se-á no procedimento
em contraditório, com a participação das partes e do magistrado.
Também explica o autor, a contrário de Chiovenda, que a jurisdição não atua fazendo
a vontade da lei ou vontade do legislador. Assim esclarece:
[...] A lei, que não é um ser, não é dotada de vontade própria. E a vontade do
legislador é algo que, a rigor, não existe (e se existisse seria irrelevante). Qual a
relevância de se determinar por que uma lei foi feita com o texto que tem? Qual teria
sido a vontade dos autores da lei? Será que a lei foi aprovada pelo Legislativo por
unanimidade? O que terá levado os integrantes do Legislativo a votar por sua
253 CÂMARA, Alexandre Freitas. 2015, op. cit., p. 30-32.
173
aprovação? Será que todos o fizeram pelo mesmo motivo? E qual a importância
disso? Isso demonstra a irrelevância de se perquirir a vontade do legislador (ou da
lei).254
Necessário registrar que a atividade jurisdicional desenvolveu-se da aplicação do
direito à realização de direitos fundamentais. Solucionar demandas exige atitude mais ativa do
juiz, num critério prospectivo, com resposta adequada aos atos postulatórios no processo,
além de resolver as questões jurídicas ali discutidas.
Segundo Araken de Assis255, “O poder estatal de resolver os conflitos originados da
vida social [...], através de decisão autoritária, chama-se de jurisdição [...]. Constitui
importante serviço público a cargo do Estado [...]”.
Qualquer juiz, no exercício da jurisdição, deve proceder de forma imperativa na
observância das garantias constitucionais, especialmente o devido processo legal, pois assim
não agindo poderá mitigar os anseios do Estado Democrático de Direito, cometendo injustiças
e não prestando a tutela adequada.
Humberto Theodoro Júnior256 prefere definir a jurisdição como a função estatal e não
como um poder, assim conceituando-a “[...] é a função do Estado de declarar e realizar, de
forma prática, a vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida [...]”.
Esclarece o processualista que quando se reporta à vontade da lei quer dizer que vai
muito além de sua aplicação literal, buscando-se implementar a norma jurídica adequada ao
caso, de acordo com as garantias advindas da constituição, numa visão sistêmica do
ordenamento jurídico, ou seja, fundamentada em princípios e os valores políticos e sociais
envolvidos. A vontade da lei é concretizada realizando-se o direito em sua completude.
Correta a posição do autor, uma vez que não teria sentido falar-se em jurisdição sem
que se desincumba de seu papel essencial de tutelar os direitos, em um processo cooperativo,
assegurando-se a igualdade e a participação efetiva dos atores processuais. O Estado tem esse
dever por conta do direito fundamental à ordem jurídica justa e efetiva, decorrente do art. 5º,
inciso XXXV, da Constituição Federal, que trata do princípio da inafastabilidade de jurisdição
e do acesso à justiça.
254 CÂMARA, Alexandre Freitas. 2015, op. cit., p. 31 255 ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro: parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. v. 1. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 558-559. 256 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. v.1. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 106.
174
A tutela jurisdicional, que somente é conferida à parte que se encontra numa posição
jurídica de vantagem, ou seja, ao titular do direito violado ou sob ameaça, deve ser prestada
de forma adequada, protegendo-se eficazmente os interesses deduzidos em juízo.
Como contributo ao tema, tem-se a definição dada por Fredie Didier Jr257 que aduz:
[...] é a função atribuída a terceiro imparcial de realizar o Direito de modo
imperativo e criativo (reconstrutivo), reconhecendo/efetivando/protegendo situações
jurídicas concretamente deduzidas, em decisão insuscetível de controle externo e
com aptidão para tornar-se indiscutível.
Trata-se de conceito bem aprimorado levando em consideração o pensamento jurídico
da contemporaneidade, onde o processo deve ser interpretado e estruturado de forma que ele
sirva ao direito material, dando a tutela necessária à sua concretização.
Por conta da vedação da autotutela, o Estado-juiz substitui a vontade das partes
envolvidas na demanda, praticando os atos necessários ao exercício da jurisdição. Essa
atuação substitutiva é operacionalizada por meio de pessoa estranha ao conflito e imparcial,
que decide o feito através da técnica da heterocomposição no bojo do processo. A
imperatividade decorre da atuação do Poder Judiciário, como uma das funções do Estado. As
partes ficam sujeitas ao que foi decidido pelo juiz.
Além disso, essa função também é criativa, onde se tem o conhecimento dos fatos e as
questões de direito envolvidas, exigindo-se do magistrado conduta mais ativa, com
interpretação e aplicação das normas de forma fundamentada, de conformidade com a
constituição, formulando-se ao final a decisão, por meio do auxílio de regras e princípios e da
técnica de ponderação dos interesses, em parceria com as partes. O normativo jurídico criado
vai fundamentar a decisão contida no dispositivo do pronunciamento judicial.
Na opinião de Manoel Jorge e Silva Neto, o constitucionalismo moderno ou social
reveste-se “da modificação da postura do Estado em face dos indivíduos, já, agora, amparado
no princípio da não-neutralidade, e destinado a intervir no domínio econômico em ordem à
consecução de sociedade menos desigual.”258
A jurisdição se preocupa com a tutela dos interesses que ali chegam, certificando e
reconhecendo situações jurídicas (tutela de conhecimento), efetivando o que foi determinado
257 DIDIER JR., Fredie. 2015, op. cit., p. 153. 258 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 5.ed.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009,
p. 25.
175
em juízo, com a satisfação do bem da vida (tutela de execução), além de assegurar e proteger
direitos (tutela provisória de urgência e de evidência).
O Estado só age, em regra, se for provocado, por meio da instauração da demanda,
onde é convocado a solucionar o caso concreto. Tem-se configurado aí o princípio da inércia.
Uma situação concreta é levada à apreciação do Estado-Juiz.
Confere-se ao Judiciário o controle da função legislativa (com a verificação da
constitucionalidade das leis e integração das lacunas existentes) e administrativa (análise dos
atos da administração), dentro de seu munus típico de julgar, dando-se a derradeira palavra
sobre o caso judicializado.
Nesse sentido, Daniel Mitidiero259 afirma que a insuscetibilidade de controle externo é
característica do poder jurisdicional. No mais, a definitividade também se reflete numa das
roupagens da jurisdição, trazendo segurança às situações jurídicas, com a decisão transitada
materialmente em julgado, formando-se o título judicial indiscutível e imutável.
Luiz Guilherme Marinoni traz a seguinte problemática: “[...] como o juiz opera a
reconstrução interpretativa de uma norma jurídica para o caso concreto quando a norma geral
não existe ou é incompatível com os princípios constitucionais de justiça e com os direitos
fundamentais”.260
A norma reconstruída deve não apenas expressar o convencimento do juiz, mas
também conter a motivação de seu decisório, justificando-o racionalmente, observando-se as
provas produzidas e a participação democrática das partes no curso do procedimento.
Afirmam também que essa fundamentação deve apresentar condições de ser
universalizável, ou seja, a possibilidade de ser reaplicável para as situações jurídicas futuras e
similares, extraindo-se daí o exercício legitimado da jurisdição, com a racionalidade
argumentativa do direito.
Veja-se que os autores estão corretos nesse ponto. Não é demais anotar que a
fundamentação ou motivação dos atos judiciais trata-se de princípio elencado no art. 93, IX,
da CF, considerado direito fundamental, sob pena de nulidade dos atos jurisdicionais que se
distanciam desse ditame constitucional.
259 MITIDIERO, Daniel. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 83. 260 MARINONI; ARENHART; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 112-113.
176
Reforçando esse entendimento, afirma-se que: “A fundamentação proporciona
accountability às decisões e é pressuposto da sua legitimidade em uma democracia”.261
A motivação requer, no mínimo, a explicação sobre o porquê da circunstância concreta
subsumir-se ao ordenamento jurídico e qual a consequência jurídica advinda dessa operação,
orientando-se por razões públicas, independentemente de dogmas religiosos e ideologias
particulares. Isso reduz consequentemente o risco de equívocos judiciais.
Parte-se daí também a razão de observar precedentes dentro da realidade brasileira,
pela necessidade prática de racionalizar o sistema jurídico, mediante várias técnicas que
tendem a tornar menos complexa a aplicação dos normativos (por exemplo, enunciados de
súmulas, precedentes, súmulas vinculantes). A atividade do juiz, com atenção ao
desenvolvimento do direito, assume papel preponderante por meio de juízos deônticos,
assentados na constituição.
O emprego correto dos decisórios padrões pode ajudar sobremaneira o sistema jurídico
pátrio, especialmente no cenário jurisdicional de litígios de massa, haja vista a pouca
capacidade institucional e número elevado de causas que tramitam na jurisdição brasileira.
Derzi e Bustamante, sob esse aspecto, lecionam:
Devemos seguir precedentes não mais apenas porque eles constituem direito
positivo formalmente produzido por alguma autoridade institucionalmente
autorizada a criar direito, mas porque os precedentes passam a ser vistos como uma
exigência da própria ideia de “razão prática”. Não pode haver um sistema jurídico
racional sem um método universalista e imparcial de aplicação do direito positivo.
Podemos observar, na interpretação e aplicação dos precedentes, a tensão entre ratio
e autorictas que caracteriza o direito positivo de modo geral. Em um dos polos dessa
tensão há um elemento de autoridade no direito que se manifesta desde o início de
sua institucionalização até o ato final de sua aplicação [...] Mas no outro polo o
direito e a moral compartilham o fato de que ambos necessitam um do outro [...].262
A força da autoridade do Poder Judiciário está relacionada à maneira como
fundamenta racionalmente seus decisórios, atrelando-se ao ordenamento jurídico. Ele tem a
responsabilidade de promover a convivência harmônica e também o equilíbrio dos demais
poderes constitucionais. A sua legitimidade é decorrência do poder normativo constitucional.
261 MENDES, Gilmar Ferreira; STRECK, Lênio Luiz. Art. 93. In: CANOTILHO, J.J. Gomes et al. Comentários
à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1324-1325. 262 DERZI, Misabel de Abreu Machado. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. O efeito vinculante e o princípio
da motivação das decisões judiciais: em que sentido pode haver precedentes vinculantes no direito brasileiro? In:
Alexandre Freire; Bruno Dantas; Dierle Nunes; Fredie Didier Jr., José Miguel Garcia Medina: Luiz Fux: Luiz
Henrique Volpe Camargo; Pedro Miranda de Oliveira (org.). Novas Tendências do Processo Civil: Estudos
sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 351.
177
O Código de Processo Civil/2015 trouxe à tona o real problema que é constatado na
realidade forense brasileira, em que a jurisdição tem pecado muito ao dar respostas distintas a
casos similares. Para tanto, instituiu-se a necessária observância dos precedentes, objetivando,
com isso, a igualdade perante o direito. A jurisdição dos tribunais supremos deve ser atrelada
ao futuro, com a construção de critério que doravante vai regular as relações no seio social,
além de vincular os decisórios de todo o Judiciário.
Por outro lado, Luiz Guilherme Marinoni passa a explicar sobre o escopo da
pacificação social, que esse não é o fim último e principal da jurisdição, fazendo paralelo
sobre as seguintes questões:
[...] (i) a existência do juiz dá aos litigantes a consciência de que os seus conflitos
têm uma forma de resolução instituída e estatal, o que elimina as tentativas de
soluções privadas arbitrárias e violentas; (ii) a jurisdição acomoda as disputas,
evitando a potencialização e o agravamento das discussões; (iii) ainda que um dos
litigantes não se conforme com a decisão, ele sabe que, diante da impossibilidade de
levar novamente ao juiz a situação conflitiva já solucionada, nada mais lhe resta
fazer e que, portanto, seria improdutivo e ilógico continuar alimentando a sua
posição.263
Percebe-se, assim, que pacificar conflitos é consequência da atuação direta do poder
jurisdicional, no procedimento em contraditório, mas não faz parte da essência, do caráter ou
objeto precípuo da jurisdição em si.264
O processualista também reforça que a sentença em si não seria suficiente para que o
juiz possa se desincumbir de sua obrigação de prestar a tutela. É necessário utilizar-se do
meio de execução e técnicas processuais adequadas para cumprir satisfatoriamente o julgado.
Com efeito, não basta apenas proclamar a existência de direito por meio do comando
sentencial. A ideia de prestação jurisdicional efetiva passa-se pelo reconhecimento e também
pela satisfação do direito. Assenta-se que o juiz, na atual visão democrática do processo, deve
exercitar a jurisdição não somente como dimensão do poder estatal, mas com o compromisso
de proporcionar à parte, diante de uma ameaça ou violação, tudo o que seu direito o assegure,
dentro do panorama traçado pelo texto constitucional vigente.
263 MARINONI; ARENHART; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 123-124. 264 De igual modo, Nagibe de Melo Jorge Neto assinala que: “O Direito, já há algum tempo, não é mais visto
como mero instrumento de pacificação de conflitos, assumiu definitivamente o lugar de instrumento de
desenvolvimento econômico e social, instrumento de construção da sociedade com base nos valores idealizados
e positivados na Constituição.” (JORGE NETO, Nagibe de Melo. O Controle Jurisdicional das Políticas
Públicas. 2ª tir. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 19).
178
O desafio contemporâneo é o encadeamento de técnicas que neutralizem o poder
manipulador dos magistrados por conta da expansão tecnológica e por todas as formas de
poder que ela sugere.265
No entanto, entende-se que sem Poder Judiciário independente, a democracia não seria
promovida e o processo ficaria eivado de vícios. Propõe-se um Judiciário que defenda de
forma objetiva e independente a ordem jurídico-constitucional, servindo como contrapoder
capaz de refutar qualquer atitude ou manobra que possa lesionar os interesses dispostos
constitucionalmente.
Luigi Ferrajoli266 entende que o exercício da jurisdição, no Estado contemporâneo, não
se revela simplesmente na sujeição dos juízes à legislação, mas se consubstancia na análise
crítica de seu valor de acordo com os padrões legitimamente dispostos na constituição.
De igual modo, e complementado pelo entendimento de Ferrajoli, não se está aqui
sugerindo a criação de um superpoder, imune ao controle de abusos e eventuais desvios na
condução processual, pois assim comprometeria o princípio da separação de poderes. A
atividade judicial não se restringe na aplicação das leis, mas a de promover justiça de
conformidade com o direito.
Ferrajoli também assevera que o garantismo manifesta-se como o outro lado do
neoconstitucionalismo, justificando que independente da proclamação formal, direitos não
protegidos não são, de fato, direitos.267
Com razão o autor, pois o Estado Constitucional de Direito para ser concretizado
depende desse arcabouço de garantias políticas e institucionais, com o incremento de técnicas
idôneas de organização e de cunho procedimental, de forma a fomentar o maior grau de
efetividade dos direitos.
Cabe ressaltar que o legislador, na criação de técnicas processuais adequadas à
proteção dos direitos, deve levar em consideração a realidade atual, principalmente onde há
carência de tutela jurisdicional e o direito material envolvido, observando-se as garantias
constitucionais afetas ao processo.
As técnicas utilizadas no processo devem evoluir com vista a abrir caminhos para que
os jurisdicionados, individual ou de forma coletiva, tenham o poder de influenciar nos
265 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Direito Constitucional. Barueri: Manole, 2007, p. 409. 266 FERRAJOLI, Luigi. Diritti fondamentali. In: VITALE, Ermanno (coord.). Diritti fondamentali. Um
dibatito teórico. 2. ed. Roma-Bari: Laterza, 2002, p.36. 267 FERRAJOLI, Luigi. 2002, op. cit. p. 26.
179
decisórios políticos e jurídicos que possam afetar a vida em sociedade. Cabe ao Estado a
obrigação de prestar a jurisdição delineada pela existência de direitos coletivos ou individuais,
de acordo com as necessidades decorrentes da situação levada ao Judiciário.
Convergindo com esse pensamento, demonstra-se aqui o magistério de Luiz
Guilherme Marinoni268:
O dever de proteção ou de tutela dos direitos que identifica o Estado constitucional
nada tem a ver com a noção clássica de direito subjetivo. O Estado possui o dever de
tutelar determinados direitos, mediante normas e atividades fático-administrativas
em razão da sua relevância social e jurídica. Também tem o dever de tutelar
jurisdicionalmente os direitos fundamentais, inclusive suprindo eventuais omissões
de tutela normativa, além de ter o dever de dar tutela jurisdicional a toda e qualquer
espécie de direito [...].
A jurisdição traz para si a tarefa de tutelar todos os direitos, sejam fundamentais ou
fora dessa categoria. O tecnicismo processual deve ser capaz de proporcionar a tutela
adequada e tempestiva ao direito material buscado em juízo, por meio da ação, seja de forma
preventiva ou repressiva a atuação jurisdicional.
Reforça-se, nesse ínterim, o princípio do devido processo legal, visto no art. 5º, LIV,
da CF, “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”,
que serve de instrumento necessário para materializar e proteger, em uma ação judicial, os
direitos dos cidadãos.
Este postulado constitucional, validado como direito fundamental, abarca um conjunto
de garantias previstas na constituição (e.g., o contraditório, a ampla defesa, isonomia,
publicidade e razoável duração do processo), assegurando às partes e ao magistrado o direito
de participação ativa na ação, no processo dito cooperativo.
Segundo Radbruch269 “[...], o direito não é afinal senão a realidade que tem o sentido
de se achar ao serviço da ideia de justiça.”
Não se pode deixar de registrar como o valor justiça tem sido um dos objetivos
buscados na resolução do processo judicial, onde as pessoas clamam por tutela jurisdicional
justa, tempestiva e de resultados.
268 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. 2016, op. cit., p. 76. 269 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Trad. L. Cabral de Moncada. 6ª ed. Coimbra: Armênio Amado,
1979, p. 91.
180
Relacionado a isso, Rawls salienta:
Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem o bem-estar da
sociedade como um todo pode sobrepujar. Por esta razão, a justiça nega que a perda
de liberdade para uns seja justificada por um bem maior obtido por outros. Ela não
permite que o sacrifício imposto a poucos seja compensado por vantagens maiores
gozadas por muitos. Por isso [...] os direitos protegidos pela justiça não se submetem
a barganhas políticas ou a cálculos de interesse social.270
Se a norma é editada, ela deve ser, na medida máxima possível, materializada de
forma correta, atendendo ao dispositivo constitucional.
Convém ressaltar que o direito essencial à tutela jurisdicional eficaz tem como
destinatários o legislador (na edição das leis) e o magistrado (no exercício da jurisdição,
elegendo-se técnicas procedimentais adequadas à proteção do direito material particularizado
no caso concreto). Cabe à jurisdição, enfim, como atividade pública estatal, garantir a eficácia
social desses direitos, objetivando-se a convivência harmônica entre os indivíduos.
O Supremo Tribunal Federal, enquanto órgão do Poder Judiciário e garantidor último
de direitos fundamentais, tem a função de colmatar as ausências de políticas públicas, diante
das omissões dos outros Poderes, as quais restringem o núcleo qualificado do mínimo
existencial. A atividade precípua do Estado Constitucional encontra-se na concretização
desses direitos. 271
Nesse contexto, traça-se um paralelo entre a função jurisdicional e o ativismo judicial,
como necessidade de efetividade da garantia do acesso à justiça. Os operadores do direito
devem conhecer esse fenômeno ativista e estudar as suas vantagens e limites, ante a
importância do tema.
O ativismo superou os círculos acadêmicos, incorporando-se às lides judiciais, tendo
despertado não só a atenção dos juristas e de estudantes de Direito, com também do próprio
cidadão, que demonstra interesse nesse fenômeno, principalmente pelas dificuldades
encontradas para o exercício de seus direitos.
Esse movimento traz à tona a quebra de uma cultura jurídica até então ligada ao
positivismo, o qual impôs, durante muito tempo, grandes limitações ao direito pátrio, com a
270 RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 1971,
p. 3-4. 271 Cita-se como exemplo decisão no RE 482.611-SC, do Min. Celso de Melo, sobre caso de omissão
inconstitucional atribuída ao Município de Florianópolis. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28482611%2ENUME%2E+OU+4
82611%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/y9qho
7lf. Acesso em 06 mar. 2018.
181
aplicação mecânica das regras jurídicas e também restrita à frieza da lei, afetando, desse
modo, o efetivo acesso à justiça.
A origem do termo ativismo judicial deve-se aos Estados Unidos da América, com a
utilização massificada da expressão judicial activism em contraponto ao termo self restraint,
ambos utilizados como forma de mostrar as posições da suprema corte em relação aos temas
controvertidos e polêmicos, de grande notabilidade política, influindo na postura adotada
pelos Poderes Executivo e Legislativo relacionada aos indivíduos daquele país.272
Aléxis de Tocqueville, alertando sobre a atuação forte da suprema corte dos E.U.A.,
assim se manifestou: “[...] quase não há questão política nos Estados Unidos que não se
transforme, mais cedo ou mais tarde, em uma questão judicial.”273
Para Paulo Roberto Lyrio Pimenta, é lícita a intervenção do Poder Judiciário, em face
do não cumprimento pelos poderes Executivo e Legislativo do seu dever jurídico de satisfazer
direitos previstos no plano constitucional.274
Dirley da Cunha Júnior, enfrentando o tema, explica que é imprescindível permitir ao
magistrado conhecer das questões políticas e sociais porque passa a sociedade como um todo,
reivindicando-se, assim, o comportamento ativista do Judiciário.275
Afirma-se favorável ao ativismo judicial, cabendo ao juiz assumir o papel de também
atuar e não de apenas assistir às partes no processo, na busca da prestação jurisdicional de
resultados úteis. Revela-se, assim, o juiz politizado, fruto da conquistada independência
jurídica e criatividade na condução do feito.
272 Saul Tourinho esclarece que o termo judicial activism veio à tona no ano de 1947, numa análise da
composição da Suprema Corte, pelo jornalista norte-americano Arthur Schlesinger Jr, no artigo escrito na revista
Fortune, intitulado “The Supreme Court: 1947”. (LEAL, Saul Tourinho. Ativismo ou altivez?: o outro lado do
Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 24). 273 TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 1998, p. 317. 274 Ali Paulo Pimenta esclarece ainda: “Pensar de modo diferente equivale a negar a supremacia da Constituição
e admitir que esta veicula promessas vãs, como mero valor simbólico.” (PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. A
Efetivação de Direitos Fundamentais Sociais pelo Poder Judiciário: Cabimento e Limites. Revista Dialética de
Direito Processual. São Paulo: nº 108 - Março/2012 – p. 89-100). 275 Problematiza o referido autor, expondo que tal discussão envolve uma escolha. Assim: “Para a sociedade, o
que é melhor, um ativismo judicial ou uma auto-contenção judicial? Qual o juiz que queremos? Aquele que, com
argumentos racionais e associados à proteção da pessoa humana, aplica diretamente a Constituição,
concretizando os direitos fundamentais e extraindo da Lei Fundamental todas as suas potencialidades? Ou aquele
que, abstendo-se do exame das questões públicas, não se compromete com o discurso constitucional, sob o
fundamento de que Direito e Política não se relacionam e que é preciso aguardar a iniciativa do legislador
ordinário, como forma de preservar o jogo democrático?” (CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Ativismo Judicial e
Concretização dos Direitos Fundamentais. Revista Baiana de Direito. Salvador: n. 5, Jan/Jun 2010, p. 24-25).
182
Celso Campilongo descreve o papel político do magistrado, no sentido de que ele deve
“[...] necessariamente, decidir e fundamentar sua decisão em conformidade com o direito
vigente; mas deve, igualmente, interpretar, construir, formular novas regras, acomodar a
legislação em face das influências do sistema político.”276
Segundo José Carlos Barbosa Moreira, o comportamento tímido e acanhado do Poder
Judiciário certamente revelará uma “renúncia a extrair da Constituição as virtualidades que
nela palpitam”277, resultando falta de atendimento às expectativas que a sociedade idealizou
em torno desse Poder.
Luís Roberto Barroso define ativismo judicial como:
[...] uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos
valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos
outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas,
que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente
contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador
ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do
legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva
violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder
Público, notadamente em matéria de políticas públicas.
Continua o autor ao explicitar que judicialização e ativismo judicial não são
fenômenos iguais, apesar de próximos. Sustenta que a judicialização decorre da transferência
da decisão das questões de avançadas repercussões política e social para o crivo do Judiciário,
enquanto que o segundo instituto é a atitude do juiz de entender o sentido e alcance do texto
constitucional através de interpretação, em consequência da crise de representatividade do
Poder Legislativo.278
De fato, tem razão o autor ora citado, tendo em vista que o Judiciário não pode
renunciar ao diálogo entre os Poderes e a sociedade de modo geral. Ao operar dessa forma,
não se torna déspota ou usurpador de um poder. O juiz deve atuar com bastante cautela. Não é
suficiente que a lei seja consequência apenas da vontade popular. A Constituição Federal
exige muito mais que isso.
276 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. São Paulo: Max Limonad,
2002, p. 61. 277 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Poder Judiciário e a Efetividade da Nova Constituição. Revista Forense.
Rio de Janeiro, n. 304, out./dez. 1988, p. 154. 278 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo judicial e Legitimidade Democrática. Artigo
disponível em: https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf.
Acesso em 06 mar. 2018.
183
Evidencia-se o protagonismo judicial, que transfere poder aos juízes e tribunais para
criarem a norma diante do caso concreto, com alterações importantes na linguagem, ênfase na
fundamentação e na maneira de participação da sociedade, dando vida à constituição,
tornando-a presente, real e efetiva, além de colocá-la no ápice do ordenamento jurídico.
Deve-se observar, sim, todo o procedimento formal na feitura das leis, como também
ter em mente que existem matérias que não poderão ser objeto de afronta à Carta Política,
atendo-se principalmente as cláusulas pétreas explícitas e implícitas.
De outra banda e dentro desse contexto, outro ponto a registrar é que o Supremo
Tribunal Federal não deve alterar a jurisprudência, de forma aleatória, sem que nada tenha
havido de concreto para a mudança do precedente, como a alteração da norma ou a mudança
grande de algum aspecto da sociedade, seja de ordem social, política ou econômica. A
alteração de sua jurisprudência deve ser feita com muito rigor, de forma razoável e coerente.
Como salientado por Dworkin nesse mesmo sentimento: “O que não deve ocorrer é a
falta de coerência. Direito é integridade.”
O juiz Hércules, idealizado por Dworkin, autorizado a utilizar o ativismo (no sentido
de criação ampla do direito), entende o direito como integridade, procurando ajustá-lo à ética,
vinculado à história do constitucionalismo dos Estados Unidos da América, de caráter
notadamente democrático. Esse autor defende que a constituição tem sentido unívoco, sendo
necessário um tribunal ativista para determinar esse significado.279
Aqui não se ingressará no debate sobre os aspectos negativos da constitucionalização
excessiva, como pensa Daniel Sarmento.280
Mas é necessário registrar que a CF/88 disciplinou muitos fatos da vida, além de
designar o Supremo Tribunal Federal como guardião dessa Carta, o que merece a atenção
deste tribunal quanto a esses acontecimentos.281
279 DWORKIN, Ronald. 2007, op. cit., p. 271-331. 280 O autor leciona: “Portanto, entendemos que a Constituição não pode ser vista como a fonte da resposta para
todas as questões jurídicas. Uma teoria constitucional minimamente comprometida com a democracia deve
reconhecer que a Constituição deixa vários espaços de liberdade para o legislador e para os indivíduos, nos quais
a autonomia política do povo e a autonomia privada da pessoa humana podem ser exercitadas.” (SARMENTO,
Daniel. Ubiquidade constitucional: os dois lados da moeda. In: SARMENTO, Daniel. Livre e Iguais: Estudos de
Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 196). 281 O Tribunal estabeleceu que a utilização de algemas deverá ser feita de forma excepcional, devidamente
justificada, editando a Súmula Vinculante nº 11, na decisão tomada dia 07.08.2008, no julgamento do HC nº
91.952/SP, de relatoria do Ministro Marco Aurélio. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo do STF
nº 515/2008. Disponível em:
http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo515.htm#Uso%20de%20Algemas%20e%20E
184
De outro ponto, quando se debate a maneira de interpretar a constituição ou como a
democracia deve ser delineada, tem-se uma discussão teórica recorrente entre os denominados
substancialistas e os chamados procedimentalistas.
Para os substancialistas, o texto constitucional deve privilegiar direitos fundamentais,
consagrar princípios e objetivos públicos a fim de concretizar importantes valores inseridos
numa sociedade, como justiça, liberdade e igualdade, a serem implementados pelos
magistrados. Já os procedimentalistas pregam que os juízes devem apenas zelar pelo processo
democrático, a fim de que este concretize as aspirações do povo.
Retrata-se, assim, o Supremo Tribunal Federal de ontem, de caráter procedimentalista,
em época de regime ditatorial, com vários julgamentos polêmicos e com grande conotação
política, adotando uma jurisprudência omissiva, atribuindo aos Poderes Executivo e
Legislativo a missão de resolver o conflito relativo ao povo. O Poder Judiciário era refém do
Poder Executivo, com redução de seus quadros, ameaçado em seus vencimentos e
aposentadorias compulsórias impostas. Era um tribunal impotente àquela época.282
Luís Roberto Barroso entende que o STF mudou a sua política judiciária,
desempenhando um papel político, com índole substantiva.283
Com a promulgação da CF/88, trazendo à tona o regime democrático, o qual
sobreviveu bem a diversas crises, revela-se mesmo a postura substancialista adotada pelo
xcepcionalidade%20-%204. Acesso em 06 mar. 2018). Em outro julgado, o STF também declarou a
inconstitucionalidade da prisão civil por dívida, em caso de depositário infiel, mesmo o judicial e revogou a sua
súmula nº 619. Por maioria, o Plenário do STF procedeu ao arquivamento, no dia 03.12.2008, do RE nº
349.703/RS, de relatoria do Ministro Carlos Britto e, por unanimidade, negou provimento ao RE nº 466.343/SP,
tendo como relator o Ministro Cezar Peluso. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo do STF nº
531/2008. Disponível em:
http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo531.htm#Pris%C3%A3o%20Civil%20e%20D
eposit%C3%A1rio%20Infiel%20-%203. Acesso em 06 mar. 2018). 282 LEAL, Saul Tourinho. 2010, op. cit., p. 121-132. 283 E o jurista afirma: “O próprio papel do Judiciário tem sido redimensionado. No Brasil dos últimos anos,
deixou de ser um departamento técnico especializado e passou a desempenhar um papel político, dividindo
espaço com o Legislativo e o Executivo. Tal circunstância acarretou uma modificação substantiva na relação da
sociedade com as instituições judiciais. É certo que os métodos de atuação e de argumentação empregados por
juízes e tribunais são jurídicos, mas a natureza de sua função é inegavelmente política. Embora os órgãos
judiciais não sejam integrados por agentes públicos eleitos, o poder de que são titulares, como todo poder em um
Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. Essa
constatação ganha maior realce quando se trata do Tribunal Constitucional ou do órgão que lhe faça as vezes,
pela repercussão e abrangência de suas decisões e pela peculiar proximidade entre a Constituição e o fenômeno
político.” (BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: Exposição
Sistemática da Doutrina e Análise Crítica da Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 60).
185
Supremo, avançando em temas controvertidos e em questões da competência originária do
Poder Legislativo, a exemplo da fidelidade partidária.284
Não se está aqui defendendo o agigantamento do Poder Judiciário nesse processo de
tomada de decisões por parte dos entes públicos. Sabe-se também da tripartição de poderes
como exemplo clássico utilizado pelo Brasil, que não pode deixar de lado. O que não se
concorda é com o extravasamento de competências constitucionais.
Ronaldo Dworkin, defensor de um conteúdo substancialista da democracia, acentua
que o ativismo é uma modalidade ruim de pragmatismo jurídico.285
Luiz Guilherme Marinoni, ao referir-se a juiz do common law abordando se este cria o
direito, assevera que a decisão judicial não tem equiparação com a lei, pois esta foi produzida
pelo Poder Legislativo. Naquela tradição o precedente é considerado fonte de direito. Por
conta disso, o autor afirma:
A circunstância de o precedente ser admitido como fonte de direito está muito longe
de constituir um indício de que o juiz cria o direito a partir de sua própria vontade.
Nesta perspectiva, a força obrigatória do precedente, ou a admissão do precedente
como fonte de direito, não significa que o Judiciário tem poder para criar o
direito.286
O Supremo Tribunal Federal não deve inovar na ordem constitucional, a ponto de se
equiparar ao Poder Legislativo, a pretexto de efetivar os mandamentos constitucionais de
enunciação aberta. Não é isso que se prega e não é o que se deseja dessa corte no exercício de
sua função institucional e unificadora do direito.
A criatividade que se apregoa está relacionada à tarefa jurisdicional de completar o
significado da norma posta, em situações que exige do Judiciário a imediata ingerência,
quando provocado.
Preocupante, vale aqui destacar, é quando a alteração jurisprudencial ocorre devido à
mudança opinativa dos magistrados, a seu bem querer, sem consistência jurídica motivacional
284 Saul Tourinho Leal assevera que “Não temos um Tribunal ativista. Temos um Tribunal altivo. É diferente.
Mas e as falhas? Não há? Há, e não são poucas. Contudo, o STF é a grande instância de garantia aos exercícios
de direitos lançados na Constituição Federal de 1988.” (LEAL, Saul Tourinho. 2010, op. cit., p. 163). 285 E o autor continua dizendo: “[...] Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua
promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de
nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado seu próprio ponto de
vista sobre o que a justiça exige. O direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição
constitucional que lhe esteja próxima.” (DWORKIN, Ronald. 2007, op. cit., p. 451-452). 286 MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito – UFPR. Curitiba, nº 49,
2009, p. 19-20.
186
e sem transparência. Isso não é benéfico para a evolução e estabilização do direito, pois
corre-se o sério risco de criar teorias que não evidenciam previsibilidade jurídica.
Aduz-se o pensamento consonante de Teresa Arruda Wambier, asseverando que a
mudança de entendimento “[...] do direito decorrente de ‘fatores pessoais’ é extremamente
criticável e nociva, ainda mais porque normalmente ocorre em tribunais superiores, cuja
função (e razão de ser) é justamente a de orientar os demais órgãos do Poder Judiciário.”287
Por outro lado, não é função do Supremo Tribunal Federal afastar-se das regras
processuais e dos procedimentos integrados e exigíveis no ordenamento jurídico brasileiro.
Caso se marchasse nesse sentido, ter-se-ia um retrocesso na democracia.
Em comunhão com o pensamento acima, Saul Tourinho Leal afirma que: “O Supremo
pode muito, mas não pode tudo.”288
O compromisso do STF é com a defesa do texto constitucional federal, adequando-o
constantemente à evolução dos tempos e da sociedade. Não é que o Judiciário pode tudo, até
porque não se pode esperar a solução de problemas históricos através de simples decisões
judiciais. Mas a sua atuação, inegavelmente, tem o condão de alterar os rumos políticos
protetivos de direitos. As decisões do STF passaram a ser acompanhadas pela mídia289. A
corte ficou mais perto do jurisdicionado; e isso é um aspecto relevante e positivo para a
democracia.
Paradigmas existem e permitem ser rompidos em prol de outras referências que
suportem a evolução social. Entre a conduta ativista e a postura da autocontenção, cabe ao
Poder Judiciário trilhar conjuntamente com os Poderes Executivo e Legislativo rumo à
efetivação dos propósitos do Estado de Direito.290
A intervenção do Judiciário é desnecessária e carece de proteção jurídica quando os
demais órgãos atuam adequadamente dentro das competências atribuídas na constituição.
287 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A vinculatividade dos precedentes e o ativismo judicial. In: DIDIER JR,
Fredie et al. (coord). Precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p. 268. 288 LEAL, Saul Tourinho. 2010, op. cit., p. 106. 289 A título de informação, alguns decisórios do STF evidenciando o ativismo judicial: ADPF 45-9/2004; RE
628.159-AgR – Maranhão – 1ª Turma; RE 634.643 – AgR – Rio de Janeiro – 2ª Turma; RE 642.536- AgR –
Amapá – 1ª Turma; SL 47 – Pernambuco – Tribunal Pleno. 290 Segundo Elival da Silva Ramos, ao debruçar-se contrariamente sobre o tema: “[...] ao se fazer menção ao
ativismo judicial, o que se está a referir é a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em
detrimento principalmente da função legislativa, mas também da função administrativa e, até mesmo, da função
de governo.” (RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial. Parâmetros Dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010,
p. 116).
187
A seguir, serão analisadas a presunção de inocência e a execução provisória da pena, a
partir da controvérsia diagnosticada em torno do julgamento no STF do Habeas Corpus nº
126.292/SP, com o exame deste decisório e outros posteriores à luz de todo o repertório
teórico sistematizado neste e nos capítulos antecedentes.
188
6.2 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: CONTRIBUIÇÃO CRÍTICA A PARTIR DO
JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS Nº 126.292/SP
Passa-se aqui a avaliar decisões do STF à luz da teoria dos precedentes e do discurso
jurídico utilizado, notadamente no que tange aos aspectos da (in)coerência, in(flexibilidade) e
ao emprego do ônus argumentativo, sob a perspectiva da tutela efetiva de direitos.
Não se tem pretensão aqui de demonstrar uma sinopse esmiuçada dos decisórios
prolatados, envolvendo os argumentos e contra-argumentos empregados pelas partes e aqueles
perfilhados pelas respectivas decisões.
Assim, traz-se à colação o julgamento histórico e não menos polêmico da suprema
corte, em sede de Habeas Corpus nº 126.292/SP291, que debateu sobre a legitimidade de ato
do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual resultou, pois, na modificação de sua
jurisprudência, autorizando a execução provisória da pena após a decisão condenatória
ratificada pela segunda instância recursal.
O acórdão foi proferido em 17/02/2016, em votação na sessão plenária por maioria 7
votos a 4, vencidos os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo
Lewandowski, denegando-se a ordem de Habeas Corpus. O relator do processo foi o saudoso
ministro Teori Zavascki292, sendo acompanhados pelos demais integrantes Edson Fachin, Luís
Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
Segue excerto do referido acórdão:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII).
SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE
SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA.
POSSIBILIDADE.
1.A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de
apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o
princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso
LVII da Constituição Federal.
291 Conferir o julgamento do Habeas Corpus nº 126.292/SP, na sua íntegra, que se encontra disponibilizado em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246. Acesso em: 17 jun 2018.
292 Faz-se referência aqui ao texto do Professor Virgílio Afonso da Silva, o qual escreveu sobre o papel e a
influência do voto do ministro relator nas votações realizadas no Supremo Tribunal Federal, a partir de dados
colhidos dos próprios ministros que compõem esse órgão julgador e dos que já se aposentaram. O texto se
intitula “‘Um voto qualquer’? O papel do ministro relator na deliberação no Supremo Tribunal Federal”. Revista
Estudos Institucionais, v.1, nº 1, 2015. Disponível em:
https://www.estudosinstitucionais.com/REI/article/view/21. Acesso em: 15 jun. 2018.
189
2. Habeas corpus denegado.
A C Ó R D Ã O - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro
RICARDO LEWANDOWSKI, na conformidade da ata de julgamentos e das notas
taquigráficas, por maioria, em denegar a ordem, com a consequente revogação da
liminar, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Ministros Rosa Weber, Marco
Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente). Falou, pelo
Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-
Geral da República. Brasília, 17 de fevereiro de 2016.
Ministro TEORI ZAVASCKI - Relator
Compulsando os autos originais, verifica-se que a parte foi condenada à sanção penal
de 05 anos e 4 meses de reclusão, com regime inicialmente fechado, por ter praticado o delito
de roubo majorado (art. 157, par. 2º, I e II, do Código Penal), auferindo o direito de impetrar
recurso em liberdade. A acusação não apresentou recurso apelativo para o TJ/SP, apenas a
defesa, pelo seu inconformismo contra o julgamento de sua apelação, a qual determinou que
se expedisse mandado prisional contra o paciente. Não favorável ao mandado de prisão, a
defesa ajuizou Habeas Corpus junto ao STJ (HC nº 313.021/SP293), sendo indeferida
liminarmente a ordem, por não ser aceito o manejo de Habeas Corpus como remédio
substitutivo de recurso especial e também por não caracterizar hipótese de flagrante
ilegalidade sanável pela via do writ.
A ação em comento (HC 126.292/SP) foi ajuizada no STF em face da decisão do
ministro Francisco Falcão, Presidente do STJ, que não acolheu o pleito de liminar no HC
313.021/SP, com discussão a respeito das seguintes matérias: flagrante constrangimento ilegal
e a superação do enunciado sumular 691/STF; segregação do condenado sem esclarecimento
sobre necessidade de prisão preventiva, haja vista que o juízo de primeiro grau deu permissão
para que o sentenciado recorresse em liberdade; ausência de fato novo a justificar o
acautelamento do paciente e, por último, inexistência de trânsito em julgado do decisório
condenatório.
O ministro Teori Zavascki, em liminar monocraticamente proferida, resolveu
suspender a prisão preventiva que fora cominada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, sob o
fundamento de que o decreto prisional previamente ao trânsito em julgado apenas poderia
acontecer na forma de prisão cautelar, com os requisitos dispostos e objetivamente
293 Ver decisão STJ disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=43422493&num_r
egistro=201403439093&data=20150202 e
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=61357826&num_r
egistro=201403439093&data=20160527. Acesso em: 17 jun 2018.
190
comprovados do art. 312 do CPP, fazendo alusão ao precedente do plenário do STF advindo
do HC nº 84078-7/MG (julgamento ano de 2009), tendo como relator o ministro Eros Grau. A
motivação agasalhada pelo TJ/SP reporta-se a elementos executórios da pena, frisou este.
Eis parte da ementa do acórdão relativo ao HC nº 84.078-7/MG294, julgado pelo Pleno
do STF em 05/02/2009, por maioria dos votos, ao deferir a ordem ali almejada, até então
como jurisprudência predominante da Corte:
EMENTA: HABEAS CORPUS.INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA
"EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART.5o, LVII, DA CONSTITUIÇÃO
DO BRASIL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART.1°, III, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1.O art. 637 do CPP estabelece que "[o]recurso extraordinário não tem efeito
suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais
baixarão à primeira instância para a execução Da sentença". A Lei de Execução
Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado
da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º,
inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória".
2.Daí que os preceitos veiculados pela Lei n.7.210/84, além de adequados à ordem
constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no
art.637 do CPP.
3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada
a título cautelar.
4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases
processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da
sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do
direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a
pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. [...]
8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa
qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas
entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art.1°,
III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam
consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal,
o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a
condenação de cada qual. Ordem concedida.
Como voto na sessão colegiada de julgamento de 17/02/2016, o relator ministro Teori
Zavascki, arguiu que, em regra, à luz da Súmula 691/STF, não compete ao Tribunal dar
seguimento a Habeas Corpus ajuizado em face de decisório do relator pelo qual, em writ
pleiteado a tribunal superior, não se conseguiu a liminar, sob pena de eliminação de instância.
Ao mesmo tempo, deu pelo conhecimento do pedido em situações de excepcionalidade,
quando o pronunciamento judicial demonstra-se teratológica, claramente ilegal, justificando
294 Ver acórdão do HC nº 84.078-7/MG, na sua integralidade, no site do STF, disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=608531. Acesso em: 17 jun 2018.
191
como exemplos as ações de HC números 122670 (Segunda Turma, ano 2013), 121181
(Primeira Turma, ano 2014).
Relatou que o tema sobre execução provisória de pena traz questionamentos acerca do
alcance do princípio constitucional da presunção de inocência e a necessidade de busca de
equilíbrio entre a referida norma e a prestação jurisdicional penal efetiva, atentando-se para
valores atinentes aos acusados penais e à sociedade de um modo geral.
Discorreu que a execução provisória era orientação da jurisprudência pretoriana
vigente a CF/1988, trazendo à tona o julgamento proferido pela Corte Suprema no HC nº
68.726 (ministro relator Néri da Silveira, ano de 1991), onde ali ficou consignado que o
referido princípio não obsta a prisão oriunda de acórdão que, em recurso apelativo, ratificou a
sentença penal condenatória ainda recorrível.
Enfatizou que os recursos especiais e extraordinários não têm efeito suspensivo, em
regra (referiu-se também ao HC 74.983, min. Relator Carlos Velloso, ano 1997) e que as
mitigações ao direito de apelar em liberdade impostas pelo art. 594 (após revogado pela Lei
11.719/2008) do Código de Processo Penal foram recepcionadas pela CF/1988 (fez referência
ao HC 72.366/SP, ministro relator Néri da Silveira, ano 1999).295
O ministro relator assentou que, à exceção da revisão criminal, a análise de fatos e
provas sofre preclusão nas instâncias ordinárias:
[...]Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação,
ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos
ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF – recurso especial e
extraordinário – têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito.
Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do
acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância
extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria
inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então
observado. Faz sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos
extraordinários, como o fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, §
2º, da Lei 8.038/1990[...]
Fundamentou como forma de relativizar o princípio da presunção de inocência a Lei
Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), a qual abarca em seu artigo 1º, inciso I,
295 O ministro relator Teori Zavascki afirmou também em seu voto que em diversas ocasiões as turmas do STF
posicionaram-se no sentido de que o princípio da presunção de inocência não dificultava a execução antecipada
da pena determinada, ainda que dependendo de julgamento dos recursos excepcionais superiores. Fez alusão aos
HC números 71.723 (Primeira Turma, 1995), 79.814 (Segunda Turma, 2000), 80.174 (Segunda Turma, 2002),
91.675 (Primeira Turma, 2007), 70.662 (Primeira Turma, 1994), RHC 84.846 (Segunda Turma, 2004) e RHC
85.024 (Segunda Turma, 2004). A mudança dessa tradicional jurisprudência ocorreu com o julgamento do HC
nº 84.078-7/MG, no ano de 2009.
192
como hipótese de inelegibilidade uma sentença penal condenatória prolatada por órgão
colegiado.
Continuou argumentando que cabe ao Poder Judiciário fazer valer o jus puniendi do
Estado, de forma a tornar visível a efetividade da função institucional. Veja-se:
[...]10. Nesse quadro, cumpre ao Poder Judiciário e, sobretudo, ao Supremo Tribunal
Federal, garantir que o processo - único meio de efetivação do jus puniendi estatal -,
resgate essa sua inafastável função institucional. A retomada da tradicional
jurisprudência, de atribuir efeito apenas devolutivo aos recursos especial e
extraordinário (como, aliás, está previsto em textos normativos) é, sob esse aspecto,
mecanismo legítimo de harmonizar o princípio da presunção de inocência com o da
efetividade da função jurisdicional do Estado. Não se mostra arbitrária, mas
inteiramente justificável, a possibilidade de o julgador determinar o imediato início
do cumprimento da pena, inclusive com restrição da liberdade do condenado, após
firmada a responsabilidade criminal pelas instâncias ordinárias [...].
Encerrando o seu voto, o relator propôs orientação no sentido de restaurar a anterior
compreensão jurisprudencial do STF, em que “a execução provisória de acórdão penal
condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência”.
O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto do relator, asseverando que “A
execução da pena após a decisão condenatória em segundo grau de jurisdição não ofende o
princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade (CF/1988, art. 5º, LVII).”
Demonstrou que a CF/88 restringe a culpabilidade e não a prisão do condenado no que se
refere ao trânsito em julgado.
A presunção de inocência trata-se de um princípio constitucional e não de uma regra, o
que justifica fazer as ponderações necessárias com outras normas ou bens jurídicos
confrontantes, a exemplo da efetividade de lei penal. A execução da pena configura exigência
pública, relevante para garantir a credibilidade do Judiciário e direciona para a queda do
paradigma de um sistema penal falido.
A ministra Rosa Weber asseverou que tem seguido, como critério de seus votos, a
manutenção do pensamento jurisprudencial da Corte, especialmente em matérias
constitucionais, com apoio no princípio da segurança jurídica. No entanto, também deixou
claro que nada obsta que a jurisprudência seja superada, considerando a dinamicidade da vida
social. Votou contrariamente ao relator, pela concessão da ordem.
O ministro Luiz Fux, acompanhando integralmente os votos do relator, de Edson
Fachin e de Luís Barroso, fez constar que a presunção da inocência atualmente não ecoa mais
193
como sentimento constitucional, sendo crucial a superação do precedente, haja vista que não
se encontra mais congruente com os reclamos sociais.
Vale lembrar que o ministro Gilmar Mendes, no julgamento do HC nº 84.078-7,
orientação prevalecente da jurisprudência até então, votou com a maioria, quanto a ser
possível a execução da sentença, apenas após o trânsito em julgado. No entanto, consignou
em seu voto que tem refletido muito sobre aquela decisão proferida no citado Habeas Corpus
e que em alguns casos graves de crimes tem-se visto o comprometimento da efetividade da
justiça.
Com isso, o ministro Gilmar Mendes afirma que a constituição não precisou
objetivamente o que se entende pela expressão “culpado”. Trata a presunção de inocência
como princípio e não regra. Destacou a compatibilidade do cumprimento imediato da pena,
após vencidas as instâncias ordinárias, ao proferir que “Esgotadas as instâncias ordinárias com
a condenação à pena privativa de liberdade não substituída, tem-se uma declaração, com
considerável força de que o réu é culpado e a sua prisão necessária.”
Continuando, o ministro afirma que no direito comparado a garantia contra o regime
prisional antes do trânsito em julgado não é prevalecente. A inocência se presume até o
momento em que a culpabilidade está provada nos autos. Comprovada a culpa, cessa-se a
qualidade de inocente.
Nesse sentido, revisando o seu pensamento anterior a respeito dessa matéria, o
ministro Gilmar assevera que a legislação poderá imprimir tratamento diferenciado ao
condenado, com a prisão do réu após a decisão do tribunal apelativo. Em agindo assim, não se
configurará circunstância violadora do princípio da presunção de inocência. Votou pela
denegação da ordem.
O ministro Marco Aurélio manteve o seu posicionamento consubstanciado em que a
sentença apenas poderá ser executada com o seu trânsito em julgado, seguindo assim o voto
divergente. Mostrou-se bastante preocupado com a novo precedente criado pela corte no
julgamento sob exame e tem dúvidas se a constituição ainda poderia ser denominada de
constituição cidadã, haja vista a releitura pelo tribunal de sua jurisprudência a respeito do
tema. Afirmou que o presente caso não sugere alteração substancial no entendimento da corte.
Marco Aurélio sustentou que o texto constitucional é claro, sem necessidade de
interpretação, sob pena de editar a norma constitucional. Agindo dessa forma, o Supremo
194
estará extrapolando as suas funções, em prol de um ativismo sem limites. Votou pela
concessão da ordem.
O ministro Celso de Mello votou pelo provimento da ordem, seguindo também a
divergência. De início, assinalou que a presunção de inocência destaca-se por ser importante
conquista histórica da sociedade na sua luta diária contra o Estado opressor. Trata-se de
direito fundamental de qualquer indivíduo, seja qual for o crime praticado, seja grave ou
hediondo. Trouxe para justificar seu voto o contido nos julgamentos dos HC 96.095/SP e
96.219-MC/SP, que tem o próprio como ministro relator.
Asseverou que se revela inadequado trazer para o presente julgado as experiências da
França e dos Estados Unidos, além de outras nações democráticas, que não condicionam o
trânsito em julgado para o cumprimento das sentenças condenatórias penais. De outra banda,
justificou o seu voto fazendo menção ao que consta do art. 105, da Lei de Execução Penal, o
qual impõe como requisito inafastável o trânsito em julgado, fator este ensejador de
legitimidade da execução.
Por último, lamentou a sua preocupação quanto ao presente desvio hermenêutico
proposto pela maioria do STF, em nível de superação de precedente.
De igual modo, acompanhando os votos divergentes, votou o ministro Ricardo
Lewandowski, pelo provimento da ordem, mantendo-se o seu posicionamento de outrora no
HC 84.078-7/MG, prestigiando o princípio da presunção de inocência, taxativamente
estampado de forma absoluta no texto constitucional, não afeto à nova interpretação, segundo
ele.
Manifestou a sua perplexidade quanto à guinada paradigmática de posicionamento do
STF no que tange ao tema, ante o fato de o mesmo tribunal ter afirmado em julgamentos
anteriores (ADPF 347 e RE 592.581) que o sistema penitenciário nacional encontra-se falido
ou em estado de coisas inconstitucional. Lançou sua preocupação que a decisão do colegiado
vai repercutir em muito no aumento do quantitativo de presos provisórios.
Assim delineados os posicionamentos de vários ministros no julgamento do HC nº
126.292/SP, passa-se agora a proceder ao exame crítico, sob a perspectiva do discurso
jurídico empregado, considerando inclusive outros julgamentos que ocorreram posteriormente
sobre igual tema, a exemplo daqueles consubstanciados no HC nº 138.337/SP (ministro
195
relator Marco Aurélio, Primeira Turma, 2017)296, HC nº 142.173/SP (ministro relator Gilmar
Mendes, Segunda Turma, 2017)297, HC nº 147.957/RS (Decisão monocrática do ministro
Gilmar Mendes, 2017)298 e o HC nº 152.752/PR ajuizado em favor do ex-Presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva (ministro relator Edson Fachin, plenário STF, 2018)299.
Percebe-se que a questão da execução provisória da pena ainda não está pacificada na
corte constitucional, haja vista que os próprios ministros não respeitam os precedentes do
STF, que de forma colegiada assim definiu, mesmo por maioria de votos, conforme se
verificou no julgamento do HC nº 126.292/SP.
O direito deve evoluir com a sociedade, assim como o STF deve desenvolver-se
também, adaptando a sua jurisprudência ao fato que ecoa do seio social. Andou bem o
Supremo, ao decidir fundamentadamente o HC 126.292/SP, no seu papel de guardião
principal desse direito, o qual transcende os limites intersubjetivos da demanda.
A atuação do STF ocorreu de forma legítima, pois essa atividade não transcendeu à
funcionalidade da corte, nem atingiu o princípio constitucional da separação dos poderes. Não
houve usurpação do poder legiferante. Tratou-se de um caso difícil, polêmico e que a
sociedade cobrava do Judiciário medidas normativas estruturantes nesse sentido. Pensou-se o
direito à luz da hermenêutica e do caso concreto, sem deixar de lado o ônus argumentativo.
No entanto, vozes dissonantes levantaram-se contra o resultado desse julgamento, a
exemplo do texto escrito por Cezar Roberto Bitencourt e Vânia Barbosa Adorno Bitencourt,
que destacou o autoritarismo do STF (que não é proprietário da constituição), o qual
reescreveu a Carta Magna a seu bel prazer e ignorou direitos e garantias fundamentais,
gerando grande insegurança ao ordenamento jurídico. Asseverou quanto a isso que o Supremo
Tribunal Federal “escreveu a página mais negra de sua história ao negar vigência de texto
296 HC nº 138.337/SP disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14221942. Acesso em: 17 jun 2018. 297 HC nº 142.173/SP disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12998248. Acesso em: 17 jun 2018.
298 HC nº 147.957/RS disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28147957%2ENUME%2E+OU+1
47957%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/y9so7n
by. Acesso em: 17 jun 2018. 299 HC nº 152.752/PR disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5346092. Acesso
em: 17 jun 2018.
196
constitucional expresso que estabelece como marco da presunção de inocência o trânsito em
julgado de decisão condenatória.”300
Lênio Luiz Streck também discordou do julgamento, ao opinar que:
[...] o STF só esqueceu de discutir a constitucionalidade do art. 283 do Código de
Processo Penal [...] A decisão mostra que o STF fez uma efetiva alteração do texto
constitucional [...] Essa decisão, até mesmo por parte de seus fundamentos, é um
exemplo de ativismo judicial: não há fundamento jurídico constitucional que a
sustente [...] o STF errou. Reescreveu a Constituição e aniquilou garantia
fundamental. Gostando ou não, essa é a Constituição que temos. E todos sabem de
meu elevado grau de ortodoxia quando se trata da Constituição. Até de originalista
já fui chamado [...] Também pode haver quem diga, em defesa da decisão do STF,
que ele foi coerente em sua decisão, porque seguiu a linha de posicionamento que já
havia manifestado no julgamento sobre a constitucionalidade da lei da Ficha Limpa.
Isso seria uma visão frágil de coerência, sem levar em conta uma dimensão de
profundidade, principiológica [...] Esse julgamento foi um equívoco – julgou
inconstitucional o próprio texto constitucional [...] Os tribunais de segundo grau não
estão vinculados a essa decisão; não existe nenhum dever jurídico-constitucional de
obediência a ela [...] Enfim, esse é um entendimento recente, isolado, ainda não
amadurecido, portanto, precário. Penso que devemos levar a sério o texto
constitucional [...] penso que isso não é bom para a democracia.301
Não tem como dar guarida aos pensamentos dissonantes acima. Compete ao STF,
como intérpretes natos, a filtragem constitucional dos conceitos assentados nos dispositivos
infraconstitucionais, que não se amoldam ao momento presente, no que tange aos valores e
costumes sociais, justificando assim o fenômeno conhecido como constitucionalização do
Direito. Viu-se, com isso, que o tribunal não manifestou incoerência com seus precedentes,
quando do julgamento de tal ação. 302
Cabe consignar a diversidade de fundamentos colacionados pelos ministros, em seus
respectivos votos, não obtendo uma única ratio decidendi majoritária, apesar do resultado do
julgamento. Nesse sentir, mesmo assim, conferiu-se ao tribunal de vértice o poder e a
obrigação de dar unidade à jurisprudência, com a identificação correta da norma sob exame.
300 BITENCOURT, Cézar Roberto; BITENCOURT, Vânia Barbosa Adorno. Em dia de terror, Supremo rasga
a Constituição no julgamento de um HC. Texto disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-fev-18/cezar-
bittencourt-dia-terror-stf-rasga-constituicao. Acesso em: 19 ago. 2018. 301 STRECK, Lênio Luiz. Teori do STF contraria Teori do STJ ao ignorar lei sem declarar inconstitucional.
Texto disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-fev-19/streck-teori-contraria-teori-prender-transito-
julgado, Acesso em: 19 ago. 2018. 302 Conferir interessante texto no qual demonstra que a Associação de Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a
Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação dos Magistrados Brasileiros
(AMB) comemoraram a decisão do STF sobre a prisão antes de trânsito em julgado, pois garante maior
eficiência e celeridade na prestação jurisdicional penal. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-fev-
17/ajufe-comemora-decisao-prisao-condenacao-grau. Acesso em: 19 ago. 2018. Por outro lado, ver também
texto escrito por Marcos de Vasconcellos, Felipe Luchete e Brenno Grillo, repórteres da Revista Consultor
Jurídico, onde ali expõem que, na opinião de vários advogados, o STF ouviu a voz das ruas, curvando-se à
opinião pública e que o Supremo “busca um lugar indevido sob os holofotes”. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2016-fev-17/advogados-stf-curvou-opiniao-publica-antecipar-pena. Acesso em: 19
ago. 2018.
197
Notou-se que houve discordância quanto a interpretação do caso sob exame, mas isso
não é motivo para cada integrante agir da forma como melhor lhe convém, mesmo depois de
decidida a matéria. Isso não é salutar para o Estado Democrático de Direito. O sistema
jurídico fica não confiável, imprevisível e o Judiciário só tem a perder sua credibilidade junto
à população. Afinal de contas, cabe ao Supremo a função central de padronizar os seus
decisórios acerca de matérias jurídicas controversas, ou melhor, constituir e manter a sua
jurisprudência estável, coerente e íntegra. O que às vezes, ressalta-se, tem vacilado nesse
campo.
Pontua-se que o ministro Marco Aurélio, com voto vencido no HC nº 126.292/SP, não
tem seguido a orientação do colegiado. Em seu voto no HC nº 138.337/SP, Primeira Turma,
julgado em 24/10/2017, na qualidade de ministro relator, mais uma vez tornou-se vencido
(único voto sucumbente, registra-se), o que o impossibilitou de redigir o acórdão respectivo.
A redação coube ao ministro Alexandre de Moraes, que por maioria de votos, acordaram em
não aceitar a impetração do writ, revogando a liminar que suspendeu a execução provisória da
pena. Presentes à sessão os Senhores Ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso
e Alexandre de Moraes. A presidência coube ao ministro Marco Aurélio.
O discurso dissonante utilizado pelo relator Marco Aurélio consubstanciou-se nos
seguintes fundamentos:
[...] 2. Não se pode potencializar o decidido pelo Pleno no habeas corpus nº
126.292, por maioria, em 17 de fevereiro de 2016. Precipitar a execução da pena
importa antecipação de culpa, por serem indissociáveis. Conforme dispõe o
inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, ou seja, a culpa
surge após alcançada a preclusão maior. Descabe inverter a ordem do
processo-crime – apurar para, selada a culpa, prender, em verdadeira execução da
sanção [...].
[...] Ao tomar posse neste tribunal, há 27 anos, jurei cumprir a Constituição
Federal, observar as leis do País, e não a me curvar a pronunciamento que,
diga-se, não tem efeito vinculante. De qualquer forma, está-se no Supremo,
última trincheira da Cidadania, se é que continua sendo. O julgamento virtual, a
discrepar do que ocorre em Colegiado, no verdadeiro Plenário, o foi por 6 votos a 4,
e o seria, presumo, por 6 votos a 5, houvesse votado a ministra Rosa Weber, fato a
revelar encontrar-se o Tribunal dividido. A minoria reafirmou a óptica anterior – eu
próprio e os ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República! Que cada qual faça a
sua parte, com desassombro, com pureza d’alma, segundo ciência e consciência
possuídas, presente a busca da segurança jurídica. Esta pressupõe a
supremacia não de maioria eventual – segundo a composição do Tribunal –,
mas da Constituição Federal, que a todos, indistintamente, submete, inclusive o
Supremo, seu guarda maior. Em época de crise, impõe-se observar princípios,
impõe-se a resistência democrática, a resistência republicana. De qualquer forma, há
sinalização de a matéria vir a ser julgada, com a possibilidade, conforme noticiado
pela imprensa, de um dos que formaram na corrente majoritária – e o escore foi de 6
a 5 – vir a evoluir. (grifo nosso)
198
De forma clara, acertada e concisa, aplaude-se o voto do ministro Alexandre de
Moraes, que sequer fez parte do julgamento paradigma HC nº 126.292/SP, porém curvou-se à
decisão colegiada, reafirmando a jurisprudência do tribunal, assim fundamentado:
[...] No particular, entretanto, não se apresentam hipóteses de teratologia ou
excepcionalidade. Isso porque, no julgamento do HC 126.292/SP (Rel. Min.
TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe de 17/5/2016), o SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL concluiu que a execução provisória de condenação
penal confirmada em grau de apelação, ainda que sujeita a recurso especial ou
extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de
inocência. Esse entendimento foi confirmado no julgamento das medidas cautelares
nas ADCs 43 e 44 (julgadas em 5/10/2016 publicação ainda pendente), oportunidade
na qual se decidiu, também, pelo indeferimento do pedido de modulação dos efeitos.
No exame do ARE 964.246 (Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 25/11/2016),
pelo rito da repercussão geral, essa jurisprudência foi também reafirmada [...]
(grifo nosso)
Sem entrar no mérito sobre a relativização do princípio da presunção de inocência, se
a decisão colegiada vigente foi acertada ou não, o certo é que para os indivíduos se
autodeterminarem e que possam conviver protegidos pela confiança mútua, necessário que o
princípio da segurança jurídica seja critério de fundamentalidade do ordenamento
constitucional, a imprimir maior certeza no que decidem os tribunais brasileiros. Não se pode
exigir respeito e observância das suas decisões, sem que o próprio STF faça a sua parte, dando
exemplo de vinculação aos seus precedentes.
O ministro Marco Aurélio não foi muito feliz em afirmar que a decisão colegiada não
tem efeito vinculante e deixou dúvidas quanto ao papel do STF, se ainda representa o
guardião da última palavra em matéria constitucional ou tribunal cidadão. Quando um
ministro desabafa e os demais de forma omissa se calam, demonstra clara falibilidade do
sistema e a não seriedade nos julgamentos que ali acontecem. Cada uma julga ao seu alvedrio
e isso representa perigo à democracia.
Não se está aqui afirmando que os juízes não são independentes na sua maneira de agir
e votar, mas apenas sinalizando que o façam na forma de ressalva de pensamento (ônus
pessoal argumentativo), daquilo que entendem sobre a matéria, mas que observem os padrões
decisórios da alta corte, como premissa de sua atuação. O direito fundamental à segurança
requer observância ao precedente judicial.
Assim continuando a agir, de forma aleatória, o ministro Marco Aurélio ou qualquer
outro só contribuirão para o enfraquecimento do Estado Constitucional. A constituição impõe
observância aos precedentes judiciais e a obrigação de qualquer ministro e tribunal advém daí.
199
O tempo, as transformações e reclamos sociais são caminhos necessários para a superação de
pensamento da corte sobre o tema aqui debatido.
Em circunstâncias fáticas diferentes, mas tratando-se do mesmo tema de execução
provisória da pena, o ministro Gilmar Mendes, como relator do HC nº 142.173/SP, julgado
pela Segunda Turma do STF, na data de 23/05/2017, tornou sem efeito a prisão de um
cidadão condenado por tráfico de drogas, ao sustentar que a decisão condenatória não
especificou concretamente ser necessária a segregação cautelar. O processo originário que
tramita no Juízo da 6ª Vara Criminal da comarca da Capital/SP ainda aguarda julgamento da
apelação nº 0028031-94.2011.8.26.0050, o que não exauriu a instância recursal de 2º grau,
requisito prévio necessário para a execução provisória e mitigação do princípio da presunção
de inocência.
O objetivo aqui é verificar se a decisão da turma seguiu os precedentes da corte, que in
casu responde-se positivamente. Realmente a prisão provisória exige embasamento de fatos
concretos e comprobatórios. A medida de restringir a liberdade de alguém exige motivação
consistente.
Em seu voto, Gilmar faz referência aos julgados anteriores, como forma de reafirmar a
jurisprudência da Suprema Corte, tornando-a íntegra e coerente, como se comprova abaixo:
[...] Alterando o entendimento prevalecente desde o julgamento do Habeas Corpus
84.078/MG, Rel. Min. Eros Grau, em 2009, este Tribunal reconheceu também a
possibilidade de início da execução da pena após a confirmação da sentença
condenatória em segundo grau, ao indeferir a ordem no Habeas Corpus 126.292,
Rel. Min. Teori Zavascki, em 17 de fevereiro de 2016 [...]
[...] É notório que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 126.292 e das
medidas cautelares requeridas nas ADCs 43 e 44, decidiu pela viabilidade da
imediata execução da pena imposta ou confirmada pelos tribunais locais após
esgotadas as respectivas jurisdições[...]
[...] Nessa linha, não exaurida a instância ordinária, verifico a possibilidade de
assegurar-se ao paciente o direito de aguardar o julgamento de seu apelo em
liberdade[...]
[...] Apenas para fins de registro, destaco que, monocraticamente, os Ministros do
STF têm aplicado a jurisprudência do Supremo no sentido de que a execução
provisória da sentença já confirmada em sede de apelação, ainda que sujeita a
recurso especial e extraordinário, não ofende o princípio constitucional da presunção
de inocência, conforme decidido no HC 126.292/SP. Esse posicionamento foi
mantido pelo STF ao indeferir medidas cautelares nas Ações Declaratórias de
Constitucionalidade 43 e 44, e no julgamento do Recurso Extraordinário com
Agravo 964.246/SP, com repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual [...]
[...]No julgamento do HC 126.292/SP, o Ministro Dias Toffoli votou no sentido
de que a execução da pena deveria ficar suspensa com a pendência de recurso
especial ao STJ, mas não de recurso extraordinário ao STF [...]. (Grifo nosso)
200
Gilmar Mendes sinalizou tendência em acompanhar o voto do ministro Dias Toffoli de
que a execução da pena com decisão já exaurida na segunda instância deve esperar o
julgamento de eventual recurso especial no STJ. Tem-se aí já conhecimento prévio do
entendimento do ministro em casos futuros, mas sem perder a essência do fundamento
determinante do precedente, que se fixou na relativização do princípio da presunção de
inocência. Afirmou também que o colegiado decidiu pela possibilidade de prisão a partir do
exaurimento do segundo grau, mas sequer falou que ela fosse obrigatória em todos os casos.
Bom ressaltar que o ministro Dias Toffoli votou com o mesmo entendimento já
verbalizado na decisão precedente, objeto do HC nº 126.292/SP.
Em outro julgamento objeto do HC nº 147.957/RS, ocorrido em 23/11/17, o ministro
Gilmar Mendes, em decisão monocrática, denegou a ordem, ratificando a possibilidade de
execução provisória da sanção penal ao réu condenado à pena de 17 anos de reclusão, crime
de homicídio, com sentença confirmada em segundo grau. Para ele, a garantia da ordem
pública, nas hipóteses de delitos graves, chancela a segregação prisional depois do
exaurimento das instâncias ordinárias. A corte de apelação já havia decretada a prisão
provisória do condenado. Limitou-se a reafirmar a jurisprudência da corte e que a decisão
pretérita do HC nº 126.292/SP tem efeito vinculante, por se tratar de interpretação de texto
constitucional.
Apesar de mais uma vez sinalizar que está propício a acompanhar o pensamento de
Dias Toffoli, argumentou que esse entendimento não pode ser empregado de forma aleatória,
especialmente quando se discute condenação por delitos graves. As circunstâncias fáticas
processuais e a demonstração da culpa impõem uma solução diferenciada de tratamento. A
presunção de inocência pode ser conformada à aplicação no caso concreto. Enfatizou a
necessidade constante de manter a credibilidade das instituições e da efetividade da prestação
jurisdicional.
Digna de elogio essa decisão monocrática, principalmente por manter estável a
jurisprudência da corte, por estar fundamentada e principalmente pela preocupação
demonstrada na tutela efetiva dos direitos e no devido processo legal, além de revelar
comprometimento com o acesso à justiça.
Iniciativa louvável foi a da Procuradoria Geral da República (PGR), tendo como titular
chefe Raquel Dodge que, em 16/11/2017, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal
memorial em defesa da manutenção da atual jurisprudência (execução provisória da pena
201
depois que se encerra a discussão em segunda instância). Um dos objetivos da expedição de
tal documento foi a preocupação da PGR em vista dos recentes decisórios monocráticos
dissonantes com a tese firmada pelo Pleno do STF no ano de 2016, notadamente em sede de
Habeas Corpus.
Segundo ela, o precedente vinculante respeita o duplo grau de jurisdição e a análise de
todos os fatos e provas pelas duas instâncias inferiores. Os recursos excepcionais
subsequentes não suspendem a condenação e que a presunção de inocência mantém-se ativa e
obstaculiza os efeitos extrapenais da condenação antes da preclusão maior processual.
Traz-se aqui um trecho do referido memorial, ao qual se filia o subscritor deste escrito:
[...] 4. Se, por um lado, um sistema de precedentes vinculantes engessado e imutável
estaria fadado à falência por rapidamente se tornar obsoleto, um sistema que
permitisse a revisão súbita e acelerada de seus precedentes vinculantes, por outro
lado, estaria fadado ao mesmo destino por, também rapidamente, revelar-se despido
de credibilidade e utilidade. Não haverá sistema jurídico estável, coeso e previsível
se as Cortes Superiores não se submeterem a critérios especiais – formais e materiais
- para revogar os seus precedentes obrigatórios. 303
Vê-se com essa atitude que o Ministério Público Federal demonstrou preocupação no
combate ao sentimento de impunidade que permeia o país e também com a moralidade do
Poder Judiciário, caso suas decisões paradigmáticas não sejam respeitadas e aplicadas por
toda a magistratura.
Não menos polêmico foi o julgamento do HC nº 152.752/PR, aviado em favor do
ex-Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ocorrido em 04/04/2018, em sede de
tribunal pleno do STF, na sessão presidida pela ministra Cármen Lúcia e tendo como relator
Edson Fachin. A decisão ficou assim delineada, extraída do sítio eletrônico do STF304:
O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, denegou a ordem,
vencidos, em menor extensão, os Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, e, em
maior extensão, os Ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de
Mello. Em seguida, o Tribunal, por unanimidade, rejeitou questão de ordem,
suscitada da tribuna pelo advogado do paciente, no sentido de que, havendo empate
na votação, a Presidente do Tribunal não poderia votar. Ao final, o Tribunal
indeferiu novo pedido de medida liminar suscitado da tribuna, vencidos os Ministros
Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, e cassou o salvo-conduto anteriormente
concedido. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes na votação da
questão de ordem e do pedido de medida liminar. Presidiu o julgamento a Ministra
Cármen Lúcia. Plenário, 4.4.2018.
303 O referido memorial pode ser encontrado em:
http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/EXECUCAO_PROVISORIAVFINAL.pdf. Acesso em: 19 jun 2018. 304 Conferir extrato da decisão do HC nº 152.752 em:
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5346092. Acesso em: 18 jun 2018.
202
Deflui-se do caso que a defesa do condenado objetivava impedir a execução provisória
do julgado penal, que foi ratificado pela Tribunal Regional Federal da 4ª Região em sede de
apelação, onde o réu foi condenado pelos delitos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Verifica-se que o voto condutor atribui-se ao ministro relator, Edson Fachin, que
argumentou acerca da inexistência de ilegalidade ou anormalidade no decisório do STJ, que
possibilitou o início da execução provisória da pena, uma vez já condenado em segundo grau.
Sustentou a manutenção da estabilidade do entendimento da corte e da observância
obrigatória do precedente, uma vez inexistir superação do pensamento em sede de controle de
constitucionalidade.
Alexandre de Moraes, em sintonia com o relator, alegou que a presunção de inocência
trata-se de princípio que deve ser relativizado, à luz da jurisprudência do Supremo. O ministro
Luís Roberto Barroso assinalou os efeitos nefastos defendidos pela posição divergente e
adotada pelo Supremo nos anos de 2009 a 2016, repercutindo com isso na avalanche de
recursos manifestamente protelatórios e geradores da prescrição penal, além de ter
contribuído para a inefetividade da prestação jurisdicional penal no país.
A ministra Rosa Weber votou pela denegação da ordem, em consonância com o
entendimento do relator. Ressaltou a relevância de o tribunal conferir previsibilidade às suas
decisões e também sobre a ocasião apropriada para tal alteração de pensamento da corte. A
mudança de composição da Casa e os elementos conjunturais são insuficientes para dar
legitimidade à superação jurisprudencial. Votou pela manutenção do precedente delineado
pelo colegiado em momento pretérito, ressalvando, é claro, seu entendimento a respeito da
matéria.
Vale registrar que a ministra Rosa Weber, por ocasião do julgamento paradigma do
HC nº 126.292/SP, no ano de 2016, que permitiu a execução provisória da pena, votou contra
a alteração da jurisprudência vigente (voto vencido), com arrimo no princípio da segurança
jurídica, alegando a sua preocupação pela instabilidade do entendimento da corte.
Fazendo-se alusão ao julgamento do HC do ex-presidente da República, mais uma vez
mostrou-se coerente em seu voto, mesmo com suas ressalvas de mérito, porém deixou claro
que privilegia o decidido em colegiado, em se tratando de decisão paradigma, sendo esse seu
critério de votação.
203
O ministro Luiz Fux também votou pela denegação do writ, alegando que o trânsito
em julgado não se encontra estampado na constituição e que a interpretação literal do texto
constitucional resulta em objetar o direito fundamental do Estado-Juiz de efetivar a pena.
A ministra Cármen Lúcia manteve linha coerente em seus votos, desde os julgamentos
do HC nº 84.078-7/MG (ano de 2009, votando a favor da execução provisória, porém saiu-se
vencida) e também no HC paradigma nº 126.292/SP (ano de 2016, votando favorável à
mudança jurisprudencial) e no presente HC votou pela mantença do entendimento do pleno da
corte. Segundo ela, o cumprimento da pena, exauridas as instâncias ordinárias, não constitui
ruptura ou violação ao princípio da não culpabilidade. A Constituição Federal exige do Estado
atuação incessante contra a impunidade e a eficácia do Direito Penal.
O ministro Gilmar Mendes, em divergência parcial com o relator, mas em consonância
com o ministro Dias Toffoli, entende que o julgamento do recurso especial pelo Superior
Tribunal de Justiça demonstra ser o marco dirigente e seguro para a execução provisória da
pena, excepcionando, é claro, as situações de crimes graves, por conta da proteger a ordem
pública e a aplicabilidade da legislação penal.
O voto do ministro Gilmar nada de novo trouxe, uma vez que em julgamentos
anteriores ela já sinalizava por tal mudança de entendimento, conforme já descrito nesta tese
em momento pretérito.
O ministro Toffoli reafirmou os seus motivos já assentados na análise das medidas
cautelares nas ADCs números 43 e 44, com a condição de se aguardar a decisão final do STJ
no recurso ali impetrado para o início do cumprimento da pena. Para ele “como o recurso
extraordinário não se presta à correção de ilegalidades de cunho meramente individual, não há
razão para se impedir a execução da condenação na pendência de seu julgamento”.
O ministro Ricardo Lewandowski foi favorável à concessão da ordem, no sentido de
manter o condenado solto até que ocorra o trânsito em julgado da decisão penal condenatória,
destacando que o princípio da presunção de inocência constitui a mais relevante segurança
dos indivíduos, na medida em que o sistema judiciário pátrio mostra-se disfuncional e muito
congestionado.
O ministro Marco Aurélio deu seu voto pelo salvo-conduto do réu, nos termos
afirmados pelo ministro Lewandowski, fazendo referência que o princípio da presunção de
inocência não se revela letra morta da lei, condicionando o trânsito em julgado à execução
provisória.
204
Celso de Mello, decano do STF, deu seu parecer favorável à concessão da ordem,
sendo que há vinte e nove anos tem-se posicionado contra a execução da pena sem o trânsito
em julgado do decisório condenatório. Segundo ele “ninguém pode ser tratado pelo Poder
Público como se culpado fosse sem que haja como fundamento uma sentença condenatória
transitada em julgado”.
Os três últimos ministros supra mantiveram-se coerentes com o seu pensamento desde
o julgamento do HC nº 126.292/SP, sem trazer fatos novos aos seus esclarecimentos,
inclusive, com votos já esperados pela comunidade jurídica.
Lamentável afirmar que o presente julgamento descambou na segmentação interna da
alta corte no que tange ao entendimento do mérito em discussão, suscitando divergências
públicas dos ministros julgadores, o que foi assistido, ao vivo, por toda a sociedade através da
rede TV Justiça, sem compreender por vezes o que realmente estava acontecendo. Isso sem
contar que com composição desigual dos integrantes da Casa e também em ocasião política
diferente, esse mesmo Supremo já sustentou pensamentos diversos sobre o referido princípio
da presunção de inocência, quanto ao início de cumprimento da pena.
De igual pensamento e aqui se enquadra ao contexto, Luís Roberto Barroso em
entrevista ao Jornal O Estado de São Paulo, assim se pronunciou:
A vida na democracia é feita pelo processo político majoritário, que se desenrola no
Congresso, e pela proteção e promoção dos direitos fundamentais via Constituição e
Supremo Tribunal Federal. Quando o processo majoritário está azeitado, fluindo
bem, com grande legitimidade, a jurisdição constitucional recua. E quando o
processo político majoritário emperra ou enfrenta dificuldades para votar
determinadas matérias, o STF tem seu papel ampliado.305
Reforça-se que somente de maneira secundária cabe ao STF agir nessas circunstâncias,
o que ilustra necessário para o reforço da democracia. A partir do momento em que as
instâncias originárias de representação popular se omitem, abre-se a possibilidade de o
Supremo Tribunal assumir originariamente esse papel de decidir a respeito de assuntos morais
de grande sensibilidade social, devendo resolver qual o significado deve ser conferido às
cláusulas constitucionais abertas, a exemplo do direito à vida, à igualdade e à liberdade.
305 Entrevista que Luís Roberto Barroso concedeu ao Jornal Estado de São Paulo, na data de 08/04/12, p. A4,
com o título “Obrigar gestação de anencéfalo é torturar a mulher”. Disponível em:
http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/20120408-43272-nac-10-ger-a24-not. Acesso em 13 jun 2018.
205
Compartilha-se, outrossim, o pensamento de Rodolfo de Camargo Mancuso306, que
com bastante razão expõe sobre o modelo de magistrado que se espera no século vigente:
Para a consecução de todo esse renovado panorama a sociedade brasileira espera o
surgimento do juiz novo, engajado na solução não apenas da crise jurídica, mas
também atento aos aspectos sociopolítico-econômicos subjacentes, conscientizado
de seus elevados deveres como condutor do processo (case manager) e não apenas
como um estático destinatário da prova. Com essa renovada e corajosa conduta,
espera-se que a poeira do tempo recubra antigas e ultrapassadas posturas, tisnadas
do velho sentido majestático e corporativo da Justiça oficial que, durante largo
tempo, serviu para desgastar a instituição, decepcionar os jurisdicionados, e
desservir o ideal da justiça.
Adere-se à ideia de que o juiz no Estado Democrático de Direito não pode ficar
omisso diante da realidade, com atitude passiva, devendo comprometer-se com condutas
institucionais decisórias, atento aos princípios e às regras, em permanente diálogo com as
partes, onde todos os envolvidos na relação processual e também os seus argumentos sejam
levados em consideração e principalmente que exerçam influência nas decisões proferidas.
Não se espera do julgador contemporâneo apenas domínio do direito, mas que tenha
conhecimento de todo o sistema em que inserido, uma vez que as respostas às demandas
sociais não estão somente no ordenamento. Os novos direitos a cada dia apresentam-se como
protótipos da cultura globalizada instalada. Esse é o perfil de atuação que se vislumbra para a
corte suprema brasileira.
Assim, adverte-se que, com a síntese dos argumentos trazidos pelos ministros relatores
e daqueles que o acompanharam e também pelo conteúdo dos votos contrários à procedência
do pedido, pode-se verificar a dificuldade em se concluir pela melhor decisão ou melhor
resposta do Estado-Juiz ou pela mais aconselhável argumentação. Não se pode afirmar que
existe uma única resposta admissível para os imbróglios interpretativos, seja para casos de
fácil resolução como para os denominados casos difíceis.
Difícil argumentar que o sentimento de justiça prevaleceu em tais julgamentos, com
tantos pensamentos contrários à decisão tomada, seja da sociedade ou de parte dos ministros
divergentes. O certo é que os discursos formadores da decisão judicial, todos eles em seu
conjunto, tiveram influência na decisão final e consequentemente no próprio Direito, dando
integridade ao sistema jurídico.
306 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2011, p. 448-449.
206
Mauro Cappelletti ao se manifestar sobre a legitimação da conduta criativa dos juízes,
pretendeu argumentá-la ao afirmar que é inevitável a discricionariedade judicial e que em toda
atividade interpretativa a criatividade está presente, sob algum aspecto, principalmente
quando se está diante de leis imprecisas e vagas em seu conteúdo.
Nessa ordem, assim o autor assevera:
É manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária de
interpretação e de atuação da legislação e dos direitos sociais. Deve reiterar-se, é
certo, que a diferença em relação ao papel mais tradicional dos juízes é apenas de
grau e não de conteúdo: mais uma vez impõe-se repetir que, em alguma medida,
toda interpretação é criativa, e que sempre se mostra inevitável um mínimo de
discricionariedade na atividade jurisdicional. Mas, obviamente, nessas novas áreas
abertas à atividade dos juízes haverá, em regra, espaço para mais elevado grau de
discricionariedade e, assim, criatividade, pela simples razão de que quanto mais
vaga a lei e mais imprecisos os elementos do direito, mas amplo se torna também o
espaço deixado à discricionariedade nas decisões judiciárias. Esta é, portanto,
poderosa causa da acentuação que, em nossa época, teve o ativismo, o dinamismo e,
enfim, a criatividade dos juízes.307
Frise-se que o autor encontra-se com a razão. Fazendo-se um paralelo com as decisões
proferidas pelo STF nos HC sob análise, vê-se que não poderia o Judiciário manter-se inerte e
omisso quanto à resposta ao questionamento perfilhado em juízo. Os direitos fundamentais
requerem para sua efetivação a intervenção permanente e ativa do Estado, mesmo que de
forma secundária, como foi a atuação da suprema corte.
A questão julgada tem viés moral, político e bastante polêmica, porém o STF teve a
postura e coragem de resolvê-la, ante os constantes reclamos sociais. Com isso, o Supremo
tem-se esforçado em cumprir o seu papel de diminuir o distanciamento que existe entre os
valores alocados no texto constitucional e as grandes mutações sociais que giram ao redor dos
direitos fundamentais. A excelência da atuação de uma corte está configurada no equilíbrio de
suas decisões. Agiu, pois, com bastante acerto e principalmente com ativismo, dignificando o
princípio do acesso à justiça.
A corte constitucional é formalmente sede de interpretação de normas, com a missão
precípua de dar origem aos precedentes, que servirão de fio condutor para as futuras
interpretações, com eficácia vinculante, agindo assim de maneira proativa em prol da
unicidade do direito.
307 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 1993.
207
A divergência de pensamentos, como outrora ocorreu no contexto das votações dos
HC, não foi estabelecida de maneira aleatória, pois cada ministro procurou justificar de forma
lógica e argumentativa os seus posicionamentos, com a juntada de votos extensos, o que
garantiu atribuir um grau forte de legitimação as suas condutas.
Entender como os processos decisórios acontecem no STF não é matéria simplesmente
formal. Necessário compreender também como os votos são proferidos pelos ministros, de
forma a resultar no controle democrático mais profícuo nessa seara jurisdicional. Em regra,
deve-se buscar uma decisão parâmetro (a ratio decidendi) que sirva de precedente para a
solução de futuros casos.
Verifica-se que o processo decisório de argumentação no STF é personalíssimo, cada
ministro desenvolvendo sua esteira de argumentação a respeito da matéria questionada, e com
isso resulta no problema rotineiro de ausência de extração da fundamentação comum, como
parâmetro final e majoritário do colegiado da corte. Entende-se, com isso, que a pluralidade
de ratio decidendi pode postergar para o futuro a solução definitiva sobre qual viés
interpretativo deve prevalecer.
O que se cobra do Supremo Tribunal Federal é o diálogo constante e argumentativo
com as decisões anteriores, como critério imprescindível para dar maior credibilidade,
integridade e coerência ao ordenamento. A interpretação adequada conduz o tribunal a
entregar razões convincentes à sociedade, promovendo a igualdade, a segurança e o império
do Direito, e consequente outorga de significados apropriados e possíveis para a compreensão
da ordem jurídica.308
Os tribunais brasileiros, inclusive o STF, tem desenvolvido um método de deliberação
em que se somam as conclusões dos votos prolatados por cada participante de determinado
órgão, câmara, seção ou mesmo do pleno, com o intuito de saber o resultado da votação e do
processo, deixando de analisar a fundamentação de cada voto, se tem ou não coincidência
entre si. O diálogo entre os juízes integrantes e seus respectivos votos produz maior
legitimidade ao referido resultado. O que não tem acontecido esse diálogo na praxe forense,
de regra.
308 Importante registrar e também anuir com o pensamento de Mitidiero, quando diz que “a correção da
interpretação é assegurada, de um lado, pela racionalidade da atividade de justificação e, por outro, pela
capacidade de universalização e pela coerência do seu resultado”. MITIDIERO, Daniel. 2017, op. cit., p. 101.
208
Virgílio Afonso da Silva309 ratifica o proposto supra, assim sustentando que “(se) boas
práticas deliberativas são uma fonte de legitimidade da jurisdição constitucional, (a) Suprema
Corte brasileira tem um déficit de legitimidade”.
As decisões judiciais não podem ser visualizadas como uma soma aritmética de votos
divergentes, o que leva a afirmar que a técnica ideal é que se produza uma decisão que
represente fielmente a opinião consolidada da corte, de forma clara e consistente quanto aos
seus fundamentos determinantes, desenvolvido por meio de contraditório, o que ocasionará
com isso maior previsibilidade social e força vinculante.
Em igual entendimento, passa-se a descrever o que Alexandre Freitas Câmara310
manifestou sobre o tema:
[...] a legitimidade constitucional dos padrões decisórios vinculantes depende da
conjugação de um procedimento em que se observa uma comparticipação
qualificada não só do ponto de vista subjetivo, com a abertura para participação de
interessados, amici curiae e especialistas a serem ouvidos em audiências públicas,
mas exige, também, uma deliberação especialmente qualificada, com análise de
todos os argumentos trazidos por esses atores processuais, e com efetiva
colegialidade, de modo a permitir a identificação dos fundamentos determinantes do
padrão decisório. Só assim tais padrões poderão ser legitimamente empregados
como base para a construção de futuras decisões, sendo aplicados adequadamente.
Com uma conduta hermenêutica equilibrada e aliada aos poderes de decisão,
especialmente intensa vinculatividade de seus precedentes, ter-se-á um crescimento decisivo e
mais eficaz do papel desempenhado pela suprema corte na tutela dos direitos fundamentais.
Necessário frisar o papel legitimador da fundamentação na decisão judicial, a qual
proporciona conhecimento das razões de decidir do tribunal, tornando-as de fácil
acessibilidade ao público. Dessa maneira a motivação decisória tem o condão de servir como
instrumento efetivo de legitimação do Poder Judiciário.
Quanto a isso, registra-se que Cunha Rodrigues311 já chamava a atenção sobre a crise
de representação do Poder Judiciário no emprego do discurso jurídico:
[...] a Justiça utilizou tradicionalmente um discurso técnico e erudito e fórmulas
comunicacionais de baixa intensidade. Não se tratava apenas de uma cultura interior,
mas de uma forma de legitimação e de estruturação do poder baseada no
309 SILVA, Virgílio Afonso da. Deciding without deliberating. International Journal of Constitutional Law,
Oxford: Oxford Academic, vol. 11, 2013, p. 584. Tradução livre. Disponível em:
https://academic.oup.com/icon/article/11/3/557/789359. Acesso em: 17 jun 2018. 310 CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério: formação e aplicação de precedentes
e enunciados de súmula. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 267-268. 311 CUNHA RODRIGUES. Em nome do povo. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 303.
209
distanciamento, na natureza iniciática dos saberes e na imposição, sem retorno, do
discurso jurídico. Quando a justiça despertou, a sociedade de comunicação estava aí,
com a sua lógica e os seus mitos. Concluiu-se, a breve trecho, que a comunidade não
entendia o direito nem dominava a racionalidade da justiça. E que o hermetismo
judicial deixará de ser um sinal de fiabilidade para se transformar numa forma de
deslegitimação. As pessoas passaram a querer conhecer os métodos de formação da
decisão e a não se contentarem com um discurso meramente declarativo. Deixaram
de se persuadir sem acesso a razões.
Defende-se aqui que as decisões do STF sejam sempre claras, objetivas, bem
fundamentadas, em que se pode retirar a ratio decidendi, do próprio voto ou do tribunal, de
forma que haja mais transparência, coerência e melhor performance no diálogo com a
sociedade e no respeito aos precedentes.
Compete ao Supremo Tribunal proteger o texto constitucional segundo a finalidade a
qual ela se propõe. Não é possível à corte modificar as normas constitucionais a seu bel
prazer, sob pressão de qualquer pessoa ou Poder, o que o contrário impõe-se que deve manter
os referidos normativos de conformidade com os princípios sociais, sempre em prol da
segurança jurídica e preservando a coerência do direito, como limites ao ativismo judicial.
Ricardo Maurício Freire Soares, atento às alterações constantes promovidas pelos
tribunais acerca da jurisprudência reinante, assim apregoa:
O reconhecimento da mudança jurisprudencial só se afigura possível com a
constatação de que a jurisprudência desponta como fonte de direito justo, capaz de
acompanhar as exigências axiológicas da sociedade. Considerando o Direito como
um fenômeno histórico-cultural e o sistema jurídico como sistema aberto à realidade
social, deve-se reconhecer o papel criativo e construtivo do julgador, bem como a
capacidade de as decisões judiciais engendrar uma normatividade jurídica antenada
com os valores comunitários.312
O ativismo faz bem a democracia, sem os excessos nefastos, ressalta-se. Nos
decisórios em que se desponta mais de uma resposta aplicável, deve o magistrado ter o
cuidado de abarcar aquela que apresenta ser mais justa e eficiente no caso concreto, sem se
descuidar do princípio da legalidade.
As limitações à função de julgar existem e devem ser observados, especialmente
quando se trata de atribuições afetas a outros Poderes. No entanto, quando se trata de dar
efetividade aos direitos fundamentais, o Supremo Tribunal Federal tem que demonstrar
eficiência e tempestividade nesse sentido, por conta do papel guarnecedor que lhe toca.
312 SOARES, Ricardo Maurício Freire. 2015, op. cit., p. 137.
210
Pensa-se que o Supremo jamais poderá dar as costas para a lei, cedendo às pressões
externas, avalizando julgamentos populares, conquanto o Direito seja autônomo. A legislação
deve sempre ser interpretada, atento à evolução da sociedade e em conformidade com a carta
constitucional. O Estado-Juiz deve agir com tecnicidade ao aplicar a norma, sem ignorar o
trabalho interpretativo e fundamentado que daí decorre. Cabe ao tribunal dar aplicabilidade às
leis de maneira responsável e coerente.
Argumenta-se com a opinião de José Rodrigo Rodriguez, a qual aqui se adere, onde se
percebe que falta ao STF, como cúpula do Judiciário, desenvolver-se melhor como órgão
dotado de racionalidade, capaz de trazer para si a responsabilidade de promover eficazmente a
unicidade do direito, dentro de critérios transparentes e universalizáveis. Veja-se:
[...] afirmo que a jurisdição brasileira funciona com base em argumentos de
autoridade e, especialmente nos casos controversos, em função da agregação de
opiniões individuais. A justificação das decisões articula as razões pelas quais o
indivíduo que a redigiu foi convencido desta ou daquela solução e são irrelevantes
para o resultado final do julgamento. As decisões colegiadas são decididas por
votação sem que haja a redação de uma decisão oficial da corte. Por esta razão,
denomino a jurisdição brasileira de justiça opinativa e afirmo que sua legitimidade
está mais ligada ao funcionamento institucional do Poder Judiciário como um todo
do que à racionalidade de sua argumentação ou ao carisma individual dos juízes.313
Sendo assim, aduz-se que o papel do julgador, e aqui se enquadra perfeitamente o
ministro da suprema corte, não é meramente dá sentido a um texto, conformando-o dentro do
sistema constitucional em que se encontra inserido, mas além disso deve deixar clara a
intensidade da autoridade dessa decisão, como também o seu alcance, de forma a tornar a
norma extraída desse labor interpretativo exequível no mundo dos fatos.
Tem-se observado, também, na realidade jurídica pretoriana a articulação de decisões
acompanhadas simplesmente de citações jurisprudenciais, doutrinárias ou do direito
comparado, com vício de contextualização ou sem criticidade na análise do processo,
servindo como fundamentos de autoridade, aptos a influenciar diretamente no
pronunciamento judicial de mérito.
Abomina-se essa prática, por não contribuir com a criação de padrões decisórios
racionais, perenes e justos, ao passo que também favorece o enfraquecimento do discurso
jurídico, pois inexistente ou fraco o ônus argumentativo.
313 RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes?: Para uma crítica do direito (brasileiro). Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 62-63.
211
Nesse aspecto, ecoa de grande valia o que Robert Alexy argumentou sobre a
teorização do discurso, asseverando que “A teoria do discurso jurídico não é uma máquina
capaz de produzir respostas exatas e objetivas ou de atribuir pesos definitivos aos direitos,
mas apenas mostra que são possíveis deduzir argumentos racionais sobre os direitos.”.314
Necessário conter a insegurança jurídica proporcionada pela instabilidade de
determinadas decisões do STF, como no caso em comento, o que pode estar estimulando a
geração de processos temerários, recheados de incidentes processuais protelatórios, além de
contribuir com a inobservância do cumprimento voluntário das obrigações no mundo do
direito, resultando na inefetividade da jurisdição.
O desacordo na jurisprudência dos tribunais ocasiona repercussões negativas e
resultados imprevisíveis às condutas dos cidadãos, produzindo incongruência ao ordenamento
e fomentando a incerteza jurídica, o que pode ser evitado, sugere-se, imprimindo maior
respeito à cultura precedencialista.
314 ALEXY, Robert. Derechos, razonamiento jurídico y discurso racional. Isonomía: Revista de Teoria y
Filosofia del Derecho, 1994, p. 42. Podendo ser encontrado também em:
http://www.cervantesvirtual.com/obra/derechos-razonamiento-juridico-y-discurso-racional/. Acesso em: 18 jun
2018.
212
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo ficou demonstrado o papel ativo da jurisdição no contexto
contemporâneo, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, como necessário à
defesa e concretização da Carta Magna, garantindo a eficácia dos dispositivos normativos,
com a materialização de seus conteúdos, mormente no que tange à tutela dos direitos
fundamentais e à força vinculante dos precedentes criados.
Também foram fornecidos subsídios para melhor compreensão acerca dos decisórios
jurisdicionais da suprema corte, com o emprego racional, estável, íntegro e coerente de seu
discurso hermenêutico, atento à evolução da sociedade, sem perder de vista a legitimidade
democrática do processo e as consequências práticas daí decorrentes, fundamentado nos
princípios da segurança jurídica, do acesso à justiça, da dignidade da pessoa humana e do
Estado de Direito.
Sintetizam-se, assim, as principais conclusões extraídas do corpo deste trabalho:
1) Com o advento do neoconstitucionalismo verificou-se a reconfiguração do conceito de
jurisdição, exigindo-se do magistrado perfil mais proativo e dinâmico e menos
formalista, de forma que as técnicas procedimentais utilizadas sirvam para atender
eficazmente ao direito.
2) O processo deve ser visto não somente como meio de resolução de demandas, mas
também como mecanismo de operacionalização dos objetivos e valores do Estado
Democrático.
3) O Direito e o Estado devem estar a serviço do indivíduo e não o oposto. Sem a
realização e efetivação dos direitos, o ordenamento jurídico é letra morta e não passa
de boas intenções.
4) A globalização trouxe como consequência, no âmbito cultural, o encadeamento dos
sistemas jurídicos do civil law e do common law e com isso o fortalecimento dos
pronunciamentos judiciais no Estado Constitucional.
5) O Estado de Direito precisa estar apoiado na estabilidade do sistema jurídico, para que
não prosperem o abuso de direito processual e o crescimento da litigiosidade.
6) O aspecto hermenêutico encontra-se interligado ao campo da legitimidade do
decisório judicial e seus respectivos meios de controle, com repercussão direta no
ativismo jurisdicional.
213
7) O crescimento da dimensão do ativismo judicial no STF tem-se revelado um dos
principais temas incorporados ao debate jurídico-doutrinário e também às discussões
diárias da sociedade.
8) O precedente implementa uma dinâmica no sistema jurídico, por conta de sua
interpretação sistêmica.
9) O precedente enquadra-se como instituto da Teoria Geral do Direito, relacionando-se
diretamente com a teoria das fontes. É considerado fonte do direito e ainda possui
caráter vinculativo, haja vista sua utilização como elemento decisório.
10) A admissão do sistema de precedentes no Brasil requer muito mais do que a
importação de protótipos criados sob modelos diferentes. Será imprescindível um real
esforço de interpretação e de construção dessa cultura, o qual competirá
principalmente aos tribunais e à doutrina, visando reconhecimento de eficácia
vinculante aos precedentes judiciais.
11) O Código de Processo Civil brasileiro confere caráter vinculante aos precedentes,
sendo imprescindível a uniformização da jurisprudência, de forma a racionalizar o
sistema judicial.
12) O precedente obrigatório promove orientação aos jurisdicionados, informando-lhes
como devem se conduzir, além de dar-lhes a previsibilidade sobre as decisões
judiciais, enaltecendo os princípios da segurança jurídica e da igualdade perante a lei.
13) Muito embora deva ser respeitada a hierarquia, os precedentes vinculantes não são
considerados absolutos, onde os demais juízes devem cegamente segui-los sem análise
crítica e circunstancial do caso.
14) Efetivamente, por vezes, tem-se transportado da legislação a mesma problemática de
vagueza na linguagem e do sentido das palavras, com técnica de má qualidade na
elaboração dos precedentes pelo STF, o que gera dúvidas na atividade interpretativa.
15) Os princípios influenciam na criação das regras, sendo a sua base sistêmica,
fornecendo-lhes racionalidade e coerência jurídica, funcionando hermeneuticamente
como instrumento de compreensão, interpretação e aplicação das referidas normas.
16) Os elementos normativos (regras e princípios) devem ser interpretados e aplicados à
luz do discurso utilizado no processo e sempre atento às transformações sociais.
17) A decisão melhor se qualifica quando se emprega aprofundado raciocínio
argumentativo e pragmático nas teses jurídicas, motivo pelo qual tem o condão de
promover a unidade do direito, diminuindo a indeterminação do discurso jurídico.
214
18) A argumentação discursiva ocorre na relação processual e também deve transcender
para além do processo, por meio do sistema de precedentes, favorecendo à
racionalidade e unicidade do direito.
19) Os sentidos e valores das normas extraídas do texto legal, quando da formação da
decisão judicial, devem ser erigidos e compartilhados de forma coletiva, tornando-os
cognoscíveis para toda a sociedade.
20) A tarefa interpretativa envolve inegavelmente a atividade intelectiva do intérprete, de
modo que não pode haver subsunção automática ou correlação lógica entre fatos e
norma, como se a aplicação normativa fosse tarefa simplista e de fácil resolução.
21) Não se propõe aqui desprezar ou atropelar a legalidade. A interpretação e aplicação do
dispositivo legal, especificamente quando analisadas em situações concretas, devem
ser adequadas às circunstâncias fáticas do momento e em sintonia com os ditames
constitucionais.
22) É plenamente factível que algumas decisões fundamentadas e apresentadas pelo STF
não aparentem corretas, por não espelharem o melhor labor interpretativo e com real
defeito de legitimidade, sem representar os anseios da população.
23) O stare decisis constitui o regramento por meio do qual a segurança jurídica é
proporcionada no ordenamento que respeita os precedentes, principalmente pela
própria corte que os criou (dimensão horizontal) e por todos os juízes de instâncias
inferiores (dimensão vertical).
24) A decisão do STF deve manter-se coerente com os precedentes ali criados, decorrente
de procedimento que impõe respeito ao devido processo legal e que as respectivas
razões determinantes sejam universalizáveis.
25) A decisão pronunciada por um tribunal, mesmo o STF, nem sempre se considera
precedente. A ratio decidendi é que irá vincular os tribunais e os juízes de primeira
instância. Ela evidencia a hermenêutica proclamada no caso em estudo.
26) O Supremo Tribunal Federal, além de ser o guardião da constituição, deve manter
íntegro o sistema jurídico em seu conjunto. A razão de existir desse tribunal está
relacionada à interpretação adequada do ordenamento jurídico, daí decorrendo sua
função nomofilácica.
27) O Supremo Tribunal Federal possui a função de ser corte vocacionada à emissão de
precedentes, reconstruindo o ordenamento jurídico por meio de sério processo
hermenêutico lógico-argumentativo, a partir do caso sub judice.
215
28) As cortes supremas ou também denominadas cortes de precedentes, que são apenas o
Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, exercem a precípua função
de conferir sentido e unidade ao direito, com a proclamação da última palavra a
respeito de matéria constitucional ou federal, respectivamente.
29) Os tribunais estaduais e os tribunais regionais federais são cortes de justiça ou de
apelação, responsáveis pela uniformização da jurisprudência. Não fixam precedentes,
pois apenas solucionam litígios e não tem a competência de conferir unicidade ao
direito.
30) O desrespeito aos precedentes proferidos pelo STF ou STJ não pode ser entendido
como natural ou sem relevância, podendo promover a instabilidade do Estado
Democrático de Direito e a distribuição díspar e incerta da justiça.
31) A técnica da superação é útil para não deixar petrificar o direito, descongestionando o
sistema, mantendo-o em constante atualização.
32) Os enunciados sumulares, os incidentes de assunção de competência e de resolução de
demandas repetitivas, os julgamentos de recursos extraordinários e especiais
repetitivos e a ação reclamatória contribuem de forma sistêmica e eficiente para a
preservação de decisões coerentes, estáveis e íntegras, necessárias ao desenvolvimento
do direito.
33) Com o progressivo fortalecimento da doutrina do stare decisis brasileiro e dos
precedentes vinculantes, naturalmente as súmulas perderão seu sentido de existir e
raramente serão empregadas.
34) O Supremo Tribunal Federal revela-se como uma instituição representativa de
interesses e concepções da sociedade, motivo pelo qual se tem dado evidência ao
fenômeno cunhado como Supremocracia.
35) Nas deliberações do STF, necessário que o voto do ministro relator seja de
conhecimento prévio dos demais ministros que integram o colegiado, antes da
respectiva sessão de julgamento, de forma a conhecer os argumentos ali trazidos e a
promover maior diálogo e legitimidade à vinculação de seus precedentes.
216
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