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EXPRESSÃO ECONÔMICA DA RES FURTIVA NO CRIME DE RECEPTAÇÃO
Joel Bezerra da Silva¹
RESUMO: Este artigo científico tem por objetivo estudar a aplicação do princípio da insignificância nas infrações de natureza criminal menos relevante dentro de uma perspectiva legal doutrinária e jurisprudencial. Busca verificar a possibilidade normatizada, a posição dos doutrinadores e a aplicação através da análise da jurisprudência dos tribunais, abordando os seguintes aspectos: conceito, previsão legal, fundamento, finalidade, a insignificância do bem patrimonial furtado, princípios gerais de direito penal, cumprimento da pena, competência para processar e julgar os crimes de receptação da res furtiva, transação penal nas infrações penais simples, e, finalizando, busca-se demonstrar uma interação científica do estudo, especificamente, a insignificância do bem tutelado e o direito penal, enfocando: segurança jurídica, legislação criminal, a doutrina, e a jurisprudência. Este artigo científico é baseado em pesquisa realizada em livros editados por doutrinadores e revistas periódicas, bem como artigos especializados publicados na rede Web.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Penal. Res Furtiva. Insignificância. Receptação.
1. Introdução
Entendemos que a nossa produção legislativo-penal é confusa; exemplo desse
fato é a Lei Federal nº. 10.259, de 12 de julho de 2001 que dispõe sobre a instituição
dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, que
regulamentou os procedimentos para julgar os feitos de competência relativos às
infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência
naquela justiça. A par disso, a falta de interpretação e clareza de entendimento na
aplicação da norma pelos operadores, deixa passar detalhes que influem
drasticamente no tratamento jurídico de situações de reprovabilidades jurídicas
distintas, tornando por equiparar sua reprimenda. Colidindo às vezes princípios
constitucionais da isonomia, da individualização da pena, dentre outros, resultando
numa prestação jurisdicional falha e passiva de severas críticas por parte da
sociedade.
________________________¹Servidor Público – Câmara Municipal de São Paulo – Assistente Parlamentar – Secretaria de Infraestrutura – Email: [email protected]
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Relativamente Lei Federal nº. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 que dispõe
sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o sistema
nacional de armas - SINARM tem seus méritos, mas sua operacionalização é
dificultosa. Entretanto, não é esse o foco da nossa análise; portanto deixaremos de
abordar esta perspectiva. Preocupamo-nos com o tratamento dado ao crime de porte
de arma de fogo, quando a aquisição da arma não é idônea; até porque os crimes
envolvendo armas devidamente cadastradas no Sinarm são, em tese, de mais fáceis
elucidação, processamento e julgamento.
É certo que existe possibilidade de haver concurso de crimes entre porte ilegal
de armas e outro(s) de natureza jurídica diversa. Por outro lado, também é certo que
existe hipótese de conflito aparente de normas entre alguns dispositivos. A colocação
acima (acerca da possibilidade de concurso de crimes entre receptação e porte ilegal
de armas) foi trazida intencionalmente nestas considerações. Nosso objetivo é discutir
esta idéia, tentando ampliar a visão do operador do Direito, para que a aplicação das
disposições que se referem ao tema não fique aquém do necessário, sempre
primando pela mais acurada técnica jurídica. Certo é, portanto, que, se uma arma não
foi adquirida de forma lícita, tal circunstância não deve ser visualizada tão-somente no
campo da dosimetria da pena cabível, mas também em sua tipificação penal; note-se
que a lesividade e a reprovabilidade das condutas são sensivelmente diversas,
merecendo, por isto, tratamentos legais diferenciados entre si.
2. Aspectos históricos da receptação
A palavra receptação tem origem no Direito Romano e surgiu em meados do
século XVII, não sendo um delito específico contra o patrimônio, mas todo e qualquer
delito que causasse uma anormal situação patrimonial em favor do indivíduo
praticante. A ideia central é no sentido de que é ilógica a participação em crime já
consumado.
Segundo ARAÚJO, Francisco Fernandes de, (1988), relata que o Código Penal
Toscano e Bávaro (1813), este último de autoria intelectual de Ludwig Feuerbach,
filósofo Alemão (1804 – 1872), foram praticamente os primeiros a adotar a receptação
como um delito autônomo, e essa figura jurídica bifurcou-se aqui no Brasil, em relação
aos critérios anteriores para crime de “favorecimento real” artigo 349, e de
“receptação” artigo 180, código penal, sendo o primeiro classificado como crime contra
a administração da justiça, e o segundo como crime contra o patrimônio.
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3. Núcleos dos tipos penais
Segundo NUCCI, (2008), o caput do artigo 180 do Código Penal, que prevê o
crime de receptação simples, vem constituído de dois focos, de modo a formar duas
condutas autônomas, ambas puníveis. A primeira seria a receptação própria,
constituída pela aplicação alternativa dos verbos adquirir (obter para si, comprar),
receber (aceitar em pagamento ou simplesmente aceitar), transportar (levar de um
lugar a outro), conduzir (tornar-se condutor, guiar), ocultar (encobrir ou disfarçar),
tendo por objeto material coisa produto de algum delito. A segunda conduta,
denominada receptação imprópria, é formada pela associação da conduta de influir
(inspirar) alguém de boa-fé a adquirir (obter ou comprar), receber (aceitar em
pagamento ou somente aceitar) ou ocultar (encobrir ou disfarçar) objeto produto de
crime.
Já as condutas típicas previstas no parágrafo primeiro do artigo supracitado,
onde está prevista a receptação qualificada, consistem em adquirir, receber,
transportar, conduzir e ocultar (que já foram analisadas acima), além das condutas de
ter em depósito (colocar algo em local seguro), desmontar (arruinar ou desarrumar
peças de alguma coisa, tornando-a inútil à sua finalidade original), montar (encaixar ou
arrumar algo para funcionar), remontar (montar novamente ou consertar), vender
(alienar por determinado preço) ou expor à venda (colocar em exposição para atrair
comprador) e utilizar (fazer uso, empregar de qualquer modo) coisa que deve saber
produto de crime.
Vale ressaltar que o parágrafo segundo do artigo 180 equipara à atividade
comercial, para efeitos de verificação da ocorrência de receptação qualificada,
“qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em
residência”. Tal dispositivo tem o afã de atingir os conhecidos “desmanche” de
veículos, atividade que geralmente não é desenvolvida em uma empresa, mas sim na
clandestinidade, de modo informal, em um terreno, um galpão ou até mesmo em uma
casa. A previsão contida no parágrafo mencionado faz com que ainda que a atividade
seja exercida no domicílio do agente, por exemplo, reste configurado o delito.
Nesse caso da receptação qualificada, o legislador inovou ao empregar a
elementar “deve saber”, por intermédio da Lei nº 9.426, de 24/12/1996.
Segundo DAMÁSIO, (2006), o uso desse termo determina que a origem ilícita
do objeto material passa pela mente do sujeito, porém subsistem dúvidas, incerteza,
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insegurança. Ainda segundo o renomado doutrinador, o “deve saber” é interpretado
em sentido estrito, como convém ao processo de adequação típica, não envolvendo
pleno conhecimento e sim probabilidade, ou seja, o agente provavelmente sabe da
origem criminosa da coisa, o que não conduz à crença de seu conhecimento, como na
elementar “sabe”, contida no caput do artigo em comento.
Observa Damásio, que o caput do artigo 180 prevê o conhecimento pleno da
ilicitude do meio pelo qual foi obtida a coisa, eis que usa a elementar "coisa que sabe
ser produto de crime", elementar que a doutrina e a jurisprudência conectam ao dolo
direto, ao passo que o parágrafo terceiro (que será visto adiante) descreve a forma
culposa, onde incide no ilícito o agente que ignora seu dever de diligência. Assim, o
parágrafo primeiro só pode tratar de crime doloso com o plus do chamado
conhecimento parcial da origem ilícita da coisa (dúvida, insegurança, incerteza), ligado
pela doutrina ao dolo eventual. Ademais, se o parágrafo primeiro definisse modalidade
culposa do delito em testilha, a figura típica nele contida não teria sentido em face do
que prevê o parágrafo terceiro do mesmo artigo, que, como já dito, enuncia a
modalidade culposa da receptação. Portanto, quando o comerciante ou industrial devia
saber que a coisa era produto de crime, e mesmo assim incide em qualquer dos
núcleos do tipo previstos no parágrafo primeiro, fala-se em dolo eventual, não em
culpa, estando o agente sujeito às penas cominadas (3 a 8 anos de reclusão, e multa).
No mesmo ínterim, aduz que a figura típica do parágrafo primeiro do artigo 180
tem por escopo atingir os comerciantes e industriais, pois estes têm facilidade de atuar
no comércio, prestando maior auxílio na receptação de bens de origem criminosa.
Afirma o doutrinador que a inserção de alguns novos verbos como “desmontar”,
“montar” e “remontar” demonstra claramente a intenção de abranger no tipo penal a
ação dos conhecidos “desmanches” de carros.
Por fim, no parágrafo terceiro temos a figura da receptação culposa. De acordo
com NUCCI, (2008), assevera que as condutas típicas previstas no tipo penal
mencionado desencadeiam seis hipóteses alternativas, quais sejam: 1) adquirir bem
que, pela sua natureza, deve presumir-se obtida por meio ilícito; 2) receber coisa que,
pela sua natureza, deve presumir-se obtida por meio ilícito; 3) adquirir coisa que, pela
desproporção entre seu valor e o preço pago, deve presumir-se obtida por meio
criminoso; 4) receber coisa que, pela desproporção entre seu valor e o preço pago,
deve presumir-se obtida por meio criminoso; 5) adquirir coisa que, pela condição do
sujeito que a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso; e 6) receber coisa
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que, pela condição do sujeito que a oferece, deve presumir-se obtida por meio
criminoso.
Os três casos, tratando de elementos do tipo (os dois primeiros, subjetivos, o
terceiro normativo), apresentam uma graduação da censurabilidade da conduta
(escala normativa), partindo da forma típica mais grave ("sabe"), passando pela
intermediária ("deve saber") e descendo a menos reprovável (culposa). Nas duas
primeiras hipóteses, quando o legislador reúne em tipo único o "sabe" e o "deve
saber", o juiz considera, para fixar a pena concreta, ter o sujeito agido com
conhecimento pleno ou parcial da situação de fato ou jurídica ("sabendo" ou "devendo
saber") ou com simples culpa.
No primeiro ("sabe"), há plena certeza da origem delituosa da coisa (BENTO DE
FARIA, GALDINO SIQUEIRA, NÉLSON HUNGRIA, MAGALHÃES NORONHA e
HELENO CLÁUDIO FRAGOSO). Nessa hipótese, diz a jurisprudência, "entende-se
não uma vaga noção que oscila entre a suspeita e a certeza, mas, sim, a plena
certeza da origem ilícita das coisas receptadas. A suspeita e a dúvida não bastam"
(SILVA FRANCO, Julgados do TACRIMSP, 81:541). Empregando a interpretação
gramatical, a expressão sabe, na literatura, leva ao pleno conhecimento: "sabe
fiscalizar todo o serviço" (ALVES REDOL, Anúncio, Lisboa, Portugália Ed., 1994, pág.
177), "ele sabe manejar garrucha" (TAUNAY, Inocência, SP, Melhoramentos, 31a. ed.,
pág. 203), "Augusto sabia construir corsários" (GUSTAVO CORÇÃO, Lições de
abismo, RJ, Agir, 1952, pág. 199), significando pleno conhecimento da fiscalização, do
manejo de arma e da construção de navios (JOÃO DE ALMEIDA, Introdução ao
estudo das perífrases verbais de infinitivo, ILHPA-HUCITEC, 1978, pág. 176).
No segundo ("deve saber"), a origem ilícita do objeto material passa pela mente
do sujeito, porém subsiste dúvida, incerteza, insegurança. Para nós, o deve saber é
interpretado em sentido estrito, como convém ao processo de adequação típica, não
envolvendo pleno conhecimento e sim probabilidade. Como ensina JOÃO DE
ALMEIDA, a construção com o verbo dever mais infinitivo, "quando serve à categoria
modal da possibilidade", "traduz essencialmente a noção da probabilidade" (op. cit.,
pág. 173). Ele deve saber quer dizer "é provável que ele saiba", mas não conduz à
crença de seu conhecimento, como na elementar sabe. A consciência de a coisa ser
produto de crime sai do plano do dever, obrigação, para revestir-se de característica
hipotética: "em face das circunstâncias, ele devia ter pleno conhecimento da
proveniência ilícita do objeto material", mas não se sabe com certeza se tinha ou não.
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Utilizando-se a interpretação gramatical, a literatura traduz essa probabilidade:
"Prenda o primeiro que encontrar, se possível os três. Já devem estar bêbados"
(FERNANDO SABINO, O encontro marcado, RJ, Ed. Sabiá, 1968, pág. 59), "Achei
que deviam ser ricos" (Lygia Fagundes Telles, O cacto vermelho, RJ, Ed. Mérito, 1949,
pág. 74), "Devia pois estar pronta para sair" (Clarice Lispector, Laços de família, SP,
Livraria Francisco Alves, 1960, pág. 52), "Para vir na companhia de Augusto, que deve
passar o dia conosco" (Joaquim Manuel de Macedo, A moreninha, SP, Ed.
Melhoramentos, 7ª ed., pág. 157). Nas quatro situações, não se tem certeza de que as
pessoas efetivamente estejam bêbadas, estavam prontas para sair, sejam ricas ou
que Augusto realmente passará o dia inteiro conosco: parece que sim, tudo leva a crer
que sim. Não há, porém, certeza absoluta.
No terceiro, na forma culposa, a ilicitude da proveniência da coisa não passa
pela mente do receptador. Ele, entretanto, a adquire, recebe ou oculta sem o devido
dever de diligência.
Nesse contexto, em face das inovações na descrição do crime de receptação
introduzidas pela Lei nº 9.426/96, entendemos que:
1. o "sabe" do caput indica conhecimento pleno da origem ilícita da coisa;
2. o "deve saber" (§ 1º) indica incerteza: o receptador não "sabe", não tem certeza de
que o objeto material é produto do crime, agindo na dúvida. Para ele, pouco importa
que a coisa tenha ou não origem ilícita. É por isso que a doutrina liga a expressão ao
dolo eventual;
3. a cláusula coisa "que deve presumir-se obtida por meio criminoso" (§ 3º) contém
modalidade culposa.
Os três casos, tratando de elementos do tipo (os dois primeiros, subjetivos; o
terceiro, normativo), apresentam uma graduação da censurabilidade da conduta
(escala normativa), partindo da forma típica mais grave ("sabe"), passando pela
intermediária ("deve saber") e descendo à menos reprovável (culpa). Nas duas
primeiras hipóteses, quando o legislador reúne em tipo único o "sabe" e o "deve
saber", o juiz considera, para fixar a pena concreta, ter o sujeito agido com
conhecimento pleno ou parcial da situação de fato ou jurídica ("sabendo" ou "devendo
saber") ou com simples culpa (HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, Lições de Direito
Penal, coment. ao art. 130 do CP).
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O § 1º do art. 180 do CP, com redação da lei nova, descrevendo crime próprio,
pune o comerciante ou industrial que comete receptação, empregando a expressão
"que deve saber ser produto do crime". Como o caput prevê o conhecimento pleno
("coisa que sabe ser produto de crime"), que a doutrina e a jurisprudência conectam
ao dolo direto, e o § 3º descreve a forma culposa, o § 1º só pode tratar de crime
doloso com o chamado conhecimento parcial da origem ilícita da coisa (dúvida,
insegurança, incerteza), que a doutrina liga ao dolo eventual (ou à culpa). Se o § 1º
definisse modalidade culposa, a figura típica nele contida não teria sentido em face do
§ 3º, que enuncia o crime culposo. Dessa forma, de acordo com a lei nova, se o
comerciante devia saber que a coisa era produto de crime (dúvida, incerteza,
desconfiança, dolo eventual), a pena é de 3 a 8 anos de reclusão (§ 1º).
4. Sujeito ativo e passivo: Conceito
Tanto nas condutas previstas no caput como no parágrafo terceiro do artigo 180
do Código Penal, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, tratando-se, assim, de
crimes comuns quanto ao agente. Já o sujeito passivo obrigatoriamente será o
indivíduo proprietário ou possuidor do bem produto de delito e objeto da receptação.
5. Elemento subjetivo
Nas condutas previstas no caput do artigo 180, o elemento subjetivo é o dolo,
do tipo específico configurado na nítida intenção de tomar, para si ou para outrem,
coisa alheia oriunda de prática delituosa. NUCCI, (2008), esclarece, que no contexto
das duas condutas criminosas alternativas “adquirir, receber, transportar, conduzir ou
ocultar” e “influir para que terceiro a adquira, receba ou oculte”, somente pode incidir
os dolos diretos, que fica claro pelo uso da expressão “que sabe ser produto de crime”,
de outra banda, ressalta o ilustre professor ser indispensável que o dolo seja
percebido juntamente, ao mesmo tempo em que a conduta, não sendo possível a
ocorrência do chamado “dolo subsequente".
Por outro lado, nas condutas mencionadas no parágrafo primeiro do artigo em
debate, o elemento subjetivo consiste no dolo nas modalidades direta e eventual.
Nucci aduz que também são exigidos os dolos específicos, consistentes em agir com a
nítida vontade de se apossar da coisa alheia. Com a alteração legal trazida pela Lei
9.426/96, uma discussão nasceu na doutrina e na jurisprudência para interpretar e
aplicar a receptação qualificada prevista no parágrafo primeiro, eis que no caput é
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exigido o dolo direto, e a modalidade qualificada, que é um crime próprio e mais grave
porque praticado pelo comerciante ou industrial, exige o dolo eventual. Assim, a
contradição seria a razão de o crime mais grave (praticado com dolo direto), ter pena
menor, e o crime menos grave (praticado com dolo eventual), ter pena maior.
Segundo Damásio, (2006), sugere que a solução “menos danosa” seria a
desconsideração do parágrafo primeiro, deixando somente aquela prevista no caput,
pois, para ele, tal previsão legal ofenderia os princípios constitucionais da
proporcionalidade e da individualização da pena. Entretanto, o autor, entende que tais
violações ocorrem somente em caso de uma interpretação extremamente literal do
dispositivo legal, mas que o correto seria fazer a interpretação extensiva do
dispositivo, o que permitiria entender que a pena para o comerciante ou industrial que
pratica a receptação (ainda que com dolo eventual na conduta) é maior pelo fato de
que a atividade profissional dessas pessoas fornece-lhes a infraestrutura necessária
para facilitar o cometimento de receptações. A conduta prevista no parágrafo terceiro
(modalidade culposa) não tem elemento subjetivo, mas sim normativo. A elementar
“deve presumir-se” indica suspeita, desconfiança, o que segundo o autor, torna a
figura compatível com a falta de dever de cuidado objetivo, caracterizando a
imprudência do agente, logo, a culpa.
6. Classificação do crime de receptação
Segundo NUCCI, (2008), o delito do caput do artigo 180 classifica-se como
crime comum (não necessita de um sujeito ativo qualificado ou especial); material
(exige resultado naturalístico, que é a diminuição do patrimônio da vítima) no caso da
receptação própria, e formal (delito que não exige resultado naturalístico) na
receptação imprópria. É, ainda, delito de forma livre (pode ser cometido de qualquer
modo); comissivo (é necessário que o agente pratique uma ou mais ações), ou em
casos excepcionais comissivos por omissão (conforme artigo 13, parágrafo segundo
do Código Penal); instantâneo (o resultado ocorre de maneira instantânea), salvo na
modalidade “ocultar”, que é permanente (prolonga-se no tempo); unissubjetivo (pode
ser praticado por uma só pessoa) e plurisubsistente (vários atos integram o delito).
Admite tentativa. Já o crime previsto no parágrafo primeiro é crime qualificado próprio
(exige que o agente tenha determinada qualificação); material (exige resultado
naturalístico); de forma livre (pode ser cometido de qualquer modo); comissivo (é
necessário que o agente pratique uma ou mais ações), ou em casos excepcionais
comissivos por omissão (conforme artigo 13, parágrafo segundo do Código Penal);
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instantâneo (o resultado ocorre de maneira instantânea) e permanente nas
modalidades “ter em depósito”, “expor à venda” e “ocultar” (a consumação prolonga-se
no tempo); de dano (consuma-se somente após a efetiva lesão ao bem jurídico
tutelado pela lei penal); unissubjetivo (pode ser praticado por uma só pessoa) e
plurisubsistente (vários atos integram o delito). É cabível a tentativa.
Na modalidade culposa, este crime é classificado como crime comum (não
necessita de um sujeito ativo qualificado ou especial); material (exige resultados
naturalísticos, que é a diminuição do patrimônio da vítima); de forma livre (pode ser
cometido de qualquer modo); comissivo (é necessário que o agente pratique uma ou
mais ações), ou em casos excepcionais comissivos por omissão (conforme artigo 13,
parágrafo segundo do Código Penal); instantâneo (o resultado ocorre de maneira
instantânea); de dano (consuma-se somente após a efetiva lesão ao bem jurídico
tutelado pela lei penal); unissubjetivo (pode ser praticado por uma só pessoa) e
plurisubsistente (vários atos integram o delito). Tendo em vista tratar-se de crime
culposo, obviamente não é cabível a tentativa.
7. Aspectos gerais da receptação
A insignificância ou bagatela originou-se no Direito Romano, e possui cunho
civilista.
Para CAPEZ, (2008), tal preceito determina que não cabe ao Direito Penal
preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos
incriminadores que descrevam condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar
o bem jurídico penalmente tutelado.
A questão também traz outro problema à tona que é a impossibilidade de punir
todos os praticantes do "delito", uma vez que esse ocorre de forma massificada,
nesse caso, percebe-se uma nítida desvalorização do Direito Penal, pois devido à
grande quantidade de praticantes do delito, torna-se inviável uma reação intimidadora,
o que resulta na eliminação do efeito ameaçador da pena, pois a maioria dos
delinqüentes sequer é identificada. Qualquer tentativa de punição pode resultar num
processo discriminatório de caráter social, abalando o princípio da igualdade.
Não se pode esquecer que para se caracterizar o delito como bagatela, ele tem
que ser considerado como um ataque tão ínfimo que seja incapaz de causar efetivo
dano ao bem jurídico. Sem falar que o bem jurídico em questão também deve ser
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analisado para que possa ser comparado ao ataque sofrido. Ou seja, o furto de um
palito de fósforo, é um ato que pode, abstratamente, ser qualificado como crime de
acordo com o artigo 155 do Código Penal, porém é irrisório seu resultado quanto ao
bem jurídico tutelado que seria o patrimônio, pois ninguém fica mais ou menos pobre
pela falta de um palito de fósforo. Assim também se tem um exemplo quanto ao crime
de descaminho, onde o bem jurídico protegido é o erário público, logo a sonegação de
imposto deve atingir um valor mínimo para que se justifique o início do processo de
execução fiscal para sua condenação.
Quanto a valores, nos casos de furto, alguns juízes vêm estabelecendo como
insignificante o fato, quando a res furtiva é de valor inferior a 10 % (dez) por cento do
salário mínimo vigente na época do fato. Ou seja, no delito de bagatela o resultado
constitui em um déficit tão insignificante, que não se justifica a ativação de todo o
aparelho estatal, o qual tem um custo bem elevado, para a solução de um caso tão
banal.
Hoje em dia a intervenção penal do Estado só se justifica na medida em que é
necessária e indispensável para a manutenção de sua organização política, dentro de
uma sociedade. Isso porque a sanção penal é a arma mais poderosa que o Estado
dispõe para a proteção de seus bens jurídicos, só se justificando seu uso quando
nenhum outro ramo do Direito puder realizar esta proteção de forma eficaz. Ou seja,
"não devemos utilizar o canhão para matar um passarinho”. Portanto, o que distingue
uma ação considerada de bagatela ou insignificante, de outra penalmente relevante e
que merece a persecução criminal, é a soma de três fatores: o valor irrisório da coisa,
ou coisas, atingidas; a irrelevância da ação do agente; e a ausência de ambição de
sua parte em atacar algo mais valioso ou que aparenta ser. Só com a somatória
destas condições pode-se dizer que o ato se reveste de ínfima gravidade, não
justificando a necessidade de invocar proteção penal.
Da análise das características da criminalidade de bagatela, podem-se retirar
suas principais conseqüências, caso fosse este tipo de fato tratado como qualquer
outro crime, cabendo destacar: a) sobrecarga do Poder Judiciário, constituindo uma
ameaça para o funcionamento da Justiça criminal, devido a sua prática em escala
massiva; b) falta de proporção da pena, muitas vezes aplicada de forma injusta; c)
pouca ou nenhuma eficácia intimidatória derivada da cominação penal, tendo em vista
que a grande maioria da população pratica a pequena e média criminalidade; d) pouca
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ou nenhuma eficácia ameaçadora da pena, tendo em vista a enorme quantidade de
infrações que não são apuradas.
Porém, alguns autores vêm afirmar que o princípio da insignificância não
poderia ser adotado em sistemas penais que expressamente criminalizem condutas
menores, como faz a nossa Magna Carta em seu artigo 98, I, quando institui os
Juizados Especiais Criminais para o julgamento de infrações penais de menor
potencial ofensivo, assim também como na instituição da Lei de Contravenções Penais
(Decreto-Lei nº 3.688, de 03.10.1941).
Trata-se de conclusão equivocada, pois não há impedimento de que o intérprete
faça a ordinária valoração normativa da ofensa e reconheça que de tão ínfima, não se
subsume sequer aos tipos privilegiados e contravencionais, pois delito bagatelar é
aquele cujo resultado é tão mínimo, que não se enquadra nem mesmo nesses casos.
Para “Sanguiné, (1990), a disposição constitucional só vem a confirmar a
validade do princípio da insignificância, a qual estaria afirmando que não se devem
criminalizar casos de bagatela”.
Conforme o mesmo autor, o artigo 98, I encerraria penas uma diretriz destinada
a regular o processo de julgamento de ofensas menores, não impedindo que a
apreciação do Ministério Público e dos juízes conclua quanto ao caráter insignificante
do fato, optando por não dar prosseguimento à acusação. Assim o princípio em tela
estaria abrindo espaço a uma espécie de "discricionariedade regulada", permitindo
que se rompa com a adoção dos princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade da
ação penal pública. Isso, somado ao fato de que o princípio da insignificância não é
adotado expressamente por nossa legislação, vem a ser usado como munição para
aqueles que são contra a adoção do princípio, alegando que sua aplicação pode
resultar numa sensação de insegurança jurídica.
É claro que um conceito indeterminado e aparentemente vago como é a
característica de todo princípio, pode implicar em certa margem de risco para a
segurança jurídica. Porém o que se nota é que a própria práxis jurisprudencial vai
estabelecendo seus próprios limites, determinando uma espécie de contorno do
âmbito de incidência do princípio, o que é construído mediante a análise de caso a
caso. Assim, o temor de ausência de tutela jurídica se mostra injustificável, pois a
experiência demonstra que os autores de pequenos furtos, por exemplo, são pessoas
que normalmente não cometem outros crimes, inexistindo razão para submetê-los à
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experiência traumatizante do sistema penal, observando-se que nesses casos, a
aplicação da pena criminal não redunda em qualquer benefício para a sociedade ou
para o autor da infração.
Logo, não há que se falar em insegurança na aplicação de uma regra que nada
mais faz do que reproduzirem no campo jurídico valores vigentes na sociedade,
tornando mais atual e compatível com a realidade o Direito Penal a ser aplicado ao
caso concreto.
Esta possível ideia de insegurança jurídica é produzida pelo costumeiro
emprego indiscriminado do Direito Penal que se verifica na atitude cada vez mais
lassa da população sobre o âmbito do punível, o que acaba sobrecarregando as varas
criminais de minudências sem nenhuma importância, que muitas vezes só fazem
atrapalhar a persecução e julgamento de fatos puníveis realmente graves.
Nesse ínterim, se o objetivo da tipificação penal é assegurar a proteção de um
determinado bem jurídico, naquelas hipóteses em que a lesão é insignificante a ponto
de se tornar incapaz de afetar o interesse tutelado, não se fala em adequação típica.
É de suma importância que não se confunda delito insignificante ou de bagatela
com crimes de menor potencial ofensivo, que são definidos pelo art. 61 da Lei nº.
9.099/95 e são submetidos à apreciação dos Juizados Especiais Criminais. Nesses
casos, a conduta do agente não pode ser entendida como insignificante, pois possui
um grau de lesividade ao menos perceptível socialmente, o que por si impede a
aplicação do princípio em comento.
Capez (idem), ressalva que o mencionado princípio não pode ser aplicado no
plano abstrato. Logo, por exemplo, não se pode afirmar que todas as contravenções
penais são insignificantes, pois, dependendo do caso concreto, isto não se pode ser
verdade. Andar pelas ruas armado com uma faca é um fato contravencional que não
se reputa insignificante, mas sim de menor potencial ofensivo, subordinando-se ao
procedimento sumaríssimo e beneficiando-se de institutos despenalizadores
(transação penal, suspensão condicional do processo etc.). Entretanto, não são em
uma primeira análise considerada insignificante.
O mesmo autor ainda prossegue afirmando que, “(...) referido preceito deverá
ser verificado em cada caso concreto, de acordo com as suas especificidades. O furto,
abstratamente, não é uma bagatela, mas a subtração de um chiclete pode ser. Em
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outras palavras, nem toda conduta tipificada no artigo 155 do Código Penal é
alcançada por este princípio”. Nesse caminhar, é de grande valor mencionar que o
Supremo Tribunal Federal reconheceu que algumas circunstâncias que devem orientar
a aferição do relevo material da tipicidade penal, quais sejam: a mínima ofensividade
da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da
lesão jurídica provocada”. (STF, 1ª Turma, HC 94439/RS, Rel. Min. Menezes Direito, j.
03/03/2009). É facilmente perceptível que o Pretório Excelso já considerou que não se
deve levar em conta apenas e tão somente o valor do bem material objeto do delito
como parâmetro para aplicação do princípio da insignificância, mas sim as
circunstâncias que cercam a conduta do agente”.Do contrário, por óbvio, deixaria de
haver a modalidade tentada de vários crimes, como no próprio exemplo do furto
simples, bem como desapareceria do ordenamento jurídico a figura do furto
privilegiado (CP, art. 155, § 2°). (“...) O critério da tipicidade material deverá levar em
consideração a importância do bem jurídico possivelmente atingido no caso concreto”
(STF, 2ª Turma, RHC 96813/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31/03/2009). No caso no
qual foi exarada a decisão em debate, a lesão revelou-se significante embora o bem
subtraído fosse inferior ao valor do salário mínimo, mas havia a informação nos autos
de que o numerário furtado representava todo o valor encontrado no caixa, tratando-se
do fruto do árduo trabalho da vítima que, passada a meia-noite, ainda mantinha seu
estabelecimento aberto para assim garantir uma sobrevivência honesta.
Outro detalhe digno de nota é que o reconhecimento da insignificância da
conduta praticada pelo réu não implica a extinção da punibilidade da conduta do
agente, mas sim conduz à atipicidade do crime e à consequente absolvição do
acusado, conforme já decidiu a Suprema Corte (STF, 2ª Turma, HC 98.152-6/MG, Rel.
Min. Celso de Mello, j. 19/05/2009).
Fica claro por todo o demonstrado que o mencionado princípio tem encontrado
ampla acolhida na jurisprudência pátria, como no crime de descaminho, onde já se
considerou que falta justa causa para a ação penal por tal delito quando a quantia
sonegada não ultrapassar o valor previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/02, onde está
determinado o arquivamento das execuções fiscais, mas sem baixa na distribuição, na
hipótese de os valores inscritos como dívida ativa da União forem iguais ou inferiores a
dez mil reais, valor este que foi determinado pela Lei nº 11.033/04 (STF, 2ª Turma, HC
96374/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31/03/2009).
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Também nos crimes ambientais já é possível encontrar jurisprudência no
sentido de que surgindo a insignificância do ato em razão do bem protegido, impõe-se
a absolvição do acusado, inclusive em julgados da Suprema Corte (STF, Tribunal
Pleno, AP 439/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 12/06/2008). Também já foram
proferidas decisões divergentes de tal entendimento, onde se afirma que “(...) a
preservação ambiental deve ser feita de forma preventiva e repressiva, em benefício
de próximas gerações, sendo intolerável a prática reiterada de pequenas ações contra
o meio ambiente, que, se consentida, pode resultar na sua inteira destruição e em
danos irreversíveis” (TRF, 1ª Região, ACR 2003.34.00.019634-0/DF, Terceira Turma,
Re. Des. Olindo Menezes, j. Em 14.02.2006).
Sem dúvida, o crime no qual a aplicação do princípio da insignificância mais
aplicado é o furto. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que “tratando-
se de furto de dois botijões de gás vazios, avaliados em 40,00 (quarenta reais), não
revela o comportamento do agente lesividade suficiente para justificar a condenação,
aplicável, destarte, o princípio da insignificância” (STF, AgRg no REsp 1043525/SP,
Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 16/04/2009, DJe 04/05/2009). No mesmo caminhar, a
conduta levada a efeito pelo agente de tentar de furtar qualificadamente dois frascos
de xampu, no valor total de R$ 6,64 (seis reais e sessenta e quatro centavos), insere-
se na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela (STJ, 5ª Turma,
HC 123981/SP, Rel. Min. Laurita Vaz. J. 17/03/2009, DJe 13/04/2009). Tem-se, por
fim, que “a subtração de gêneros alimentícios avaliados em R$ 84, 46, embora se
amolde à definição jurídica do crime de furto, não ultrapassa o exame da tipicidade
material, uma vez que a ofensividade da conduta se mostrou mínima; não houve
nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de
grau reduzidíssimo e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva, porquanto os
bens foram restituídos” (STJ, 5ª Turma, HC 110932/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves
Lima, j. 10/03/2009, DJe 06/04/2009).
Por fim, nos crimes praticados contra a Administração Pública existe uma
grande discussão sobre a questão, onde se argumenta que a norma busca tutelar não
somente o aspecto patrimonial, mas também moral da Administração. Nesse contexto,
já se manifestou o Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em tais casos
“descabe agasalhar o princípio da insignificância - consoante o qual hão de ser
levados em conta à qualificação do agente e os valores envolvidos - quando se trata
de prefeito e de coisa pública” (STF, 1ª Turma, HC 88941/AL, Rel. Min. Marco Aurélio,
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j. 19/08/2008). Em sentido oposto, tem-se decisão do TRF da 1ª Região no Inquérito
9301242141, Corte Especial, Rel. Mário César Ribeiro, julgado em 26/09/1996.
Por todo o apontado no presente trabalho, percebe-se que o princípio da
insignificância representa um instrumento de grande valia no Direito Penal moderno,
pois possibilita ao operador do direito avaliar se determinada ação prevista como crime
revestiu-se, no caso concreto, de conteúdo ontológico que a possa caracterizar como
tal. Entende-se, nesse sentido, que delitos que se limitem a descrever formalmente
infrações penais, sem considerar sua efetiva potencialidade lesiva, atentam contra a
dignidade da pessoa humana.
A norma penal em um Estado Democrático de Direito não pode somente focar-
se na descrição de um fato como infração penal, pouco importando se ele ofende ou
não o sentimento social de justiça, ao contrário. É mister que o tipo incriminador
selecione dentre todos os comportamentos humanos somente aqueles que realmente
causem dano relevante ao meio social do indivíduo. Qualquer tipo penal cujo conteúdo
contrarie e/ou afronte o princípio fundamental da dignidade humana é, de plano,
materialmente inconstitucional, pois viola o próprio fundamento da existência de um
Estado Democrático de Direito.
Inclua-se nesse raciocínio, também, o princípio da intervenção mínima do
Estado. Como a intervenção do direito penal é requisitada apenas em casos de uma
necessidade mais elevada de proteção à coletividade, o delito deve consubstanciar-se
em um injusto mais grave e revelar uma culpabilidade mais elevada do agente, ou
seja, deve ser de fato uma infração que mereça a sanção penal. Caso não seja,
descabido mover todo o aparato estatal para intervir em algo sem relevância suficiente
para tanto. Tal raciocínio serve para inspirar o aplicador do direito, no sentido de
norteá-lo de que deve buscar na realidade fática o substancial para tornar efetiva a
tutela dos bens e interesses considerados relevantes.
8. Requisitos para aplicação do princípio: insignificância ou bagatela
Vale dizer que não é grande a discussão sobre a aplicabilidade ou não do
princípio da bagatela ou da insignificância no delito de receptação, recaindo a grande
celeuma sobre quais seriam os requisitos autorizadores da concessão de tal benesse
em favor do réu.
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Aqueles que entendem não ser possível a aplicação de tal principio sustentam
que ele não pode ser aceito em sistemas penais que expressamente criminalizem
condutas menores. No Brasil, por exemplo, a legislação prevê as figuras privilegiadas,
entre outras, do furto (art. 155, parágrafo segundo do Código Penal), do estelionato
(art. 170 do Diploma Penal) e da receptação (art. 180, parágrafo terceiro, do
mencionado códex). Ademais, encontra-se em vigor o estatuto das contravenções
penais, que nada mais são do que infrações penais consideradas de menor gravidade
pelo legislador. É o posicionamento de Celso Delmanto (Código Penal Comentado,
2007 – 7ª edição, Ed. Renovar).
Os corolários dessa tese entendem que, em tais hipóteses, a interpretação
restritiva dos respectivos dispositivos legais, com a consequente afirmação de
atipicidade material das condutas, significaria aplicação da analogia contra legem,
violadora, portanto, do princípio da legalidade penal. Com o devido respeito a tal
entendimento, comungo da opinião de que se trata de uma conclusão equivocada,
pois nada impede que, feita a valoração normativa da ofensa, nos moldes
anteriormente sugeridos, o intérprete reconheça que, de tão ínfima, não se subsume
sequer aos tipos privilegiados e contravencionais.
Realmente, não é somente o valor do bem receptado que é levado em conta no
caso concreto para tal verificação. Tanto a jurisprudência como as doutrinas apontam
que outros requisitos devem ser levados em conta. Nesse sentido, o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Norte manteve sentença que absolveu uma mulher que era
acusada pelo crime de receptação, com base na aplicação do princípio da
insignificância penal.
Nesse feito, aduziu o Ministério Público em suas razões recursais que não era
suficiente para a aplicação do princípio da insignificância o baixo valor da res furtiva. A
tese ministerial asseverava que não havia dúvidas no fato de que a conduta da
apelada em adquirir pertences, ciente de sua origem ilícita, ofereceu perigo real e
imediato ao patrimônio alheio, produzindo ofensa ao bem jurídico tutelado
penalmente. Assim, a intervenção do Direito Penal mostrava-se necessária eis que
houve desvalorização da conduta e do resultado, sendo o fato, portanto,
materialmente típico.
Em sede de contrarrazões, a Defensoria Pública pugnou pela manutenção
incólume da sentença recorrida, sob o fundamento de que "os objetos inseridos na
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conduta da receptação foram todos restituídos à vítima, sem que tivesse existido
qualquer prejuízo, não existindo periculosidade alguma na conduta da acusada. Além
disso, foi considerado que a mesma não era reincidente e nem tentou fugir do
flagrante". Finalizou asseverando que o princípio da insignificância foi utilizado
corretamente no caso concreto pelo juízo de primeiro grau, de acordo com os
parâmetros do Supremo Tribunal Federal, não surgindo, assim, qualquer razão para a
reforma da decisão recorrida.
No acórdão, os Doutos Desembargadores mantiveram a sentença por seus
próprios fundamentos, anotando que ela “(...) não merece qualquer tipo de reparo,
porquanto o fato imputado à apelada restou configurado como crime de bagatela, ou
seja, o fato não se amoldou ao conceito de tipicidade material necessário à
configuração da tipicidade penal”.
Discorrendo sobre o tema, o Mestre Rogério Greco (Código Penal Comentado,
4ª ed. rev., ampl. e atual., Rio de Janeiro, RJ: Impetus, 2010, pág. 04), afirma o
seguinte:
“Analisado em sede de tipicidade material, abrangida pelo conceito de tipicidade conglobante, tem a finalidade de afastar do âmbito do Direito Penal aqueles fatos que, a primeira vista,estariam compreendidos pela figura típica, mas que, dada a sua pouca importância, não podem merecer a atenção do ramo mais radical do ordenamento jurídico. Os fatos praticados sob o manto da insignificância são desconhecidos com de bagatela”.
Também merece menção o parecer do Excelentíssimo Ministro do Supremo
Tribunal Federal Joaquim Barbosa, onde muito bem aponta quais seriam os requisitos
para aplicação da bagatela no delito de receptação, ao julgar o Habeas Corpus 91.920
em 20 de julho do ano passado.
No caso, o réu foi condenado pela receptação de um walkman avaliado em
míseros R$ 94,00 (noventa e quatro reais). Embora o bem objeto do delito fosse de
pequeno valor, na sentença o Juiz de Primeiro Grau afirmou que o réu tinha o hábito
de receptar bens subtraídos por outro meliante, e que ele já possuía antecedentes por
receptação e furto qualificado. Não obstante tais fatos aduziram o Ínclito Ministro que o
entendimento sedimentado no Pretorio Excelso ensina que a aplicação do princípio da
insignificância depende da presença conjunta de quatro requisitos, que precisam ser
18
definidos pelo julgador com base no caso concreto, quais sejam: (a) a mínima
ofensividade da conduta do agente, que segundo Joaquim Barbosa estava
caracterizado no caso pelo valor irrisório do objeto receptado e a devolução do mesmo
ao seu dono, o que configurou, a seu ver, uma reparação do dano; (b) a ausência de
periculosidade social da ação. Mesmo tendo em vista as repetidas práticas da mesma
conduta pelo agente, com as mesmas características do caso concreto, o Ministro
entendeu que ainda assim não haveria ameaça ou dano tais à sociedade que
demandassem a intervenção do direito penal, especialmente porque o próprio paciente
contribuiu para a definição do autor do crime patrimonial anterior e entregou o objeto
às autoridades; (c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, que foi
verificado no caso em razão do pequeno valor do objeto de receptação e do fato de o
próprio acusado ter procurado a autoridade policial para devolvê-lo ao seu dono,
demonstrando, ao ver do Ministro, o desejo de restabelecer a situação da vítima ao
status quo anterior ao crime; e (d) a inexpressividade da lesão jurídica, tendo em vista
que a receptação envolveu a compra de um walkman de R$ 94,00, a preço de R$
20,00, que foi devolvido ao patrimônio da vítima, não gerando qualquer outro dano à
mesma. Por todos esses fatos, considerou o Ministro a conduta do agente
materialmente atípica. Veja-se o inteiro teor da mencionada decisão.
EMENTA: HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE RECEPTAÇÃO. OBJETO DE VALOR REDUZIDO. DEVOLUÇÃO ESPONTÂNEA À VÍTIMA. REQUISITOS DO CRIME DE BAGATELA PREENCHIDOS NO CASO CONCRETO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A incidência do princípio da insignificância depende da presença de quatro requisitos, a serem demonstrados no caso concreto: a) mínima ofensividade da conduta do paciente; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A via estreita do habeas corpus não admite um profundo revolvimento de provas nem o sopesamento das mesmas. A aplicação do princípio da insignificância só será permitida se os autos revelarem claramente a presença dos requisitos mencionados. 3. No caso, a receptação de um walk man, avaliado em R$ 94, 00, e o posterior comparecimento do paciente perante a autoridade policial para devolver o bem ao seu dono, preenchem todos os requisitos do crime de bagatela, razão pela qual a conduta deve ser considerada materialmente atípica. 4. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal de origem.Decisão: Concedida à ordem. Votação unânime. Ausente, licenciado, neste julgamento, o Senhor Ministro Celso de Mello, justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie. 2ª Turma, 09.02.2010.
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No mesmo sentido, tem-se julgado da Sétima Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, que aplicou o princípio da bagatela em crime onde o
agente receptou uma bermuda no valor de R$ 40,00 (quarenta reais), que foi restituída
à vítima depois.
EMENTA: RECEPTAÇÃO. EXISTÊNCIA DE FATO DE BAGATELA. Para a caracterização de uma ação considerada insignificante para os efeitos da incidência da lei penal, não basta apenas o valor irrisório da coisa subtraída. Deve-se admitir esta situação, bagatela ou insignificante, apenas quando houver a soma de quatro fatores: o valor irrisório da coisa, ou coisas, atingida, a irrelevância da ação do agente, a ausência de ambição de sua parte em atacar algo mais valioso ou com a aparência de ser e seus antecedentes. Só a somatória destes requisitos pode-se dizer que o ato do agente se revestiu de ínfima gravidade, não justificando a proteção penal. Foi o que ocorreu no caso em julgamento, como destacou o Magistrado: “Acolho a aplicação deste princípio ao caso em questão, em atenção ao valor do bem e à conduta do agente, que, no caso em tela, não possui relevância jurídica, o que se demonstra pelo fato da bermuda ter sido avaliada no valor de R$ 40,00 e a ‘res furtiva’ ter sido restituída à vítima. Reserva-se a aplicação deste princípio aos delitos que se apresentam com falta absoluta de potencialidade ofensiva à ordem social ou econômica, em razão desta insignificância, o caráter antijurídico capaz de justificar seu ingresso na órbita do interesse punitivo do Estado. Além do mais, o réu não é receptador contumaz, mas pessoa pobre, com dificuldade de aceso a bens de primeira necessidade, o que fez com que adquirisse por valor ínfimo a bermuda que havia sido furtada da vítima. Por certo, se fosse pessoa de posses não estaria passando por esta situação, em especial porque há uma imensa desproporção entre a pena aplica da ao delito (reclusão de 01 a 04 anos) e o valor do objeto (R$ 40,00) e o que foi pago (R$ 10,00)”. (Apelação Crime Nº 70015118045, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 17/08/2006).
Vale dizer, por oportuno, que tal discussão não é exclusividade da receptação,
mas sim sobre a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela para todos os
crimes contra o patrimônio. Tanto é que a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça,
ao julgar o Recurso Especial 746.854, devido às circunstâncias inerentes ao caso
concreto em análise, deu continuidade à uma ação penal envolvendo o furto de um
cheque no valor de R$ 60,00 (sessenta reais). A Douta Ministra relatora do caso,
Laurita Vaz, entendeu que, in verbis, "(...) A conduta perpetrada pelo agente não pode
ser considerada irrelevante para o Direito Penal. O delito em tela – furto consumado
de uma carteira com um talão de cheques e R$ 60,00 em dinheiro, no ano de 2001,
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muito embora não expresse intensa agressão ao patrimônio da vítima, não se insere
na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela”.
Anotou ainda a Ministra que a aplicação desordenada do mencionado princípio
nos crimes que atentem contra patrimônio de baixo valor apenas incentiva a prática de
pequenos crimes. “A subtração de bens cujo valor não pode ser considerado ínfimo
não pode ser tido como um indiferente penal, na medida em que a falta de repressão
de tais condutas representaria verdadeiro incentivo a pequenos delitos que, no
conjunto, trariam desordem social”. Adiante, anotou com brilhantismo que existe uma
grande diferença entre pequeno valor e bagatela. Segundo ela, enquanto este exclui o
crime em face da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, aquele eventualmente,
pode caracterizar o privilégio esculpido no parágrafo segundo do artigo 155 do Código
Penal, já prevendo a Lei Penal a possibilidade de pena mais branda, compatível com a
pequena gravidade da conduta. Entretanto, nessa última hipótese, a ação penal não é
extinta.
Com efeito, as únicas hipóteses que legalmente ensejam absolvição são
apenas as exaustivamente consignadas no caput do art. 386 da lei penal adjetiva,
onde não estão contemplados os casos que se convencionou chamar de “crimes de
bagatela”.
Subtrair coisa alheia móvel, qualquer que seja o seu valor (pois a lei não fez
alguma ressalva), é induvidosamente fato tipificado no Código Penal, porquanto
configura crime de furto, previsto no seu art. 155, caput, estando ali reunidos todos os
elementos da sua tipicidade, a que BELING conceituou como a “qualidade do fato, em
virtude do qual este se pode enquadrar dentro de alguma das figuras de crime
descritas pelo legislador” (apud NELSON HUNGRIA, in “Comentários ao Código
Penal”, Forense, 3ª ed., 1955, Vol. I Tomo II, pág. 18, nota 17). E provadas a
materialidade e a autoria (inexistindo excludentes), o agente deverá ser
obrigatoriamente condenado, não podendo ocorrer absolvição.
É evidente que, pelo pequeno valor, o agente haverá de obter alguma
vantagem, que, entretanto, será levada em conta apenas na aplicação da pena-base,
considerando-se, para isso, os “motivos, circunstâncias e consequências” (art. 59,
parte inicial, do CP), vantagem que, em se tratando de furto, admitirá até a
substituição da pena privativa de liberdade pela de multa (§ 2º do art. 155, c/c inc. IV
do art. 59, do CP).
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Destaque-se, por fim, que a insignificância não se confunde com infração de
menor potencial ofensivo, e a previsão desta não impede nem elimina a existência ou
reconhecimento daquela. O fato de determinada conduta tipificar uma infração de
menor potencial ofensivo não quer dizer que tal conduta configure, por si só, o
princípio da insignificância. Os delitos de lesão corporal leve, de ameaça, injúria, por
exemplo, já sofreram a valoração do legislador, que atendendo às necessidades
sociais e morais históricas dominantes, determinou as consequências jurídicas penais
de sua violação. Os limites do desvalor do resultado e ascensões correspondentes já
foram valorados pelo legislador. As ações que lesarem tais bens, embora menos
importantes se comparados a outros bens, como a vida e a liberdade sexual, são
social e penalmente relevantes.
9. Considerações finais
Sendo assim, é possível haver cumulação de crimes entre porte ilegal de
armas e receptação, tendo em vista que tanto o disposto na lei nº 10.826/03 como no
artigo 180 do Código Penal, são de conteúdo variado ou misto, podendo incidir cada
qual em núcleo distinto, além de que as objetividades jurídicas de ambos são diversas.
Assim, nas situações que trouxemos, não há conflito de normas entre os crimes de
receptação e porte ilegal de arma (na modalidade "adquirir"), dada a viabilidade de sua
coexistência. A modalidade de concurso de crimes poderá variar, dependendo da
situação; mas, no momento da aquisição (ponto central de nossa análise), o cúmulo
será material, tendo em vista a possibilidade de dissociação entre as condutas. Vimos
que nem toda aquisição ilícita configura receptação, dado que é a intenção da
aquisição que indicará a incidência ou não. Vimos também que a modalidade
"adquirir", da Lei de Armas, não foi criada inutilmente, pois existe hipótese(s) de
incidência isolada, sem acarretar concurso com o crime de receptação. A competência
para o processamento e julgamento destes crimes é do juízo comum, dado que o
crime mais grave passa a determinar o rito processual (ordinário, no caso em tela, o
que afasta o rito sumaríssimo, dos Juizados Especiais Criminais, em razão da
conexão).
Por este motivo, a tipificação jurídico-penal para a conduta inicialmente
proposta é artigo 180, § 3o, do Código Penal e a lei federal nº 10.826/03, combinados
com artigo 69, caput, do Código Penal. Saliente-se que o fato de a arma encontrar-se
com o número de série ilegível ("raspado") não importa na incidência automática da lei
nº 10.826/03; para tanto, necessária constatação da vinculação do agente à conduta
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de raspar o tal número, sob pena de responsabilização objetiva (inadmissível em
nosso sistema jurídico-penal).
Ademais, pelo princípio da proporcionalidade das penas, não poderia ser
diversa a solução, dado que se assim não fosse, a primeira situação seria apenada (in
abstrato, inclusive) igualmente à segunda; o que significaria um incentivo à prática de
citados crimes.
Portanto, nem toda aquisição ilícita será receptação. Se alguém furta uma arma
(independentemente da idoneidade de sua aquisição prévia), e passa a portá-la, este
responderá por furto em concurso com porte ilegal de arma, já que o fato de subtrair
despreza a idoneidade da procedência do bem; o que o agente quer é a posse da
coisa, independentemente da vontade do antigo possuidor de transferi-la. Portanto,
como não há transferência voluntária, mas sim apoderamento, configura-se o furto.
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STF, 1ª Turma, HC 94439/RS, Rel. Min. Menezes Direito, j. 03/03/2009.
STF, 2ª Turma, HC 98.152-6/MG, Rel. Min. Celso de Mello, j. 19/05/2009.
STJ, 5ª Turma, HC 123981/SP, Rel. Min. Laurita Vaz. J. 17/03/2009, DJe 13/04/2009.