TEMATIZAÇÕES DE PROFESSORES PAULISTAS SOBRE A “ARTE DA
LEITURA”, NO SÉCULO XIX
Franciele Ruiz Pasquim.
Mestranda em Educação (Bolsa FAPESP).
FFC-UNESP- Marília/SP
e-mail: [email protected]
Palavras-chaves: História do ensino de leitura e escrita; Antonio da Silva Jardim; História da
Educação.
Introdução
Com os objetivos de contribuir para a compreensão da história da formação de professores
primários e da história da alfabetização, nas décadas finais do século XIX, no estado de São
Paulo-Brasil, focaliza-se1, neste texto, a proposta: do professor Antonio da Silva Jardim
2
(1860-1891) para ensinar a ensinar a “arte da leitura”3; e o estudo sobre a “arte da leitura”
elaborado pelo professor José Affonso de Paula e Costa (187?- ?).
Mediante abordagem histórica, centrada em pesquisa documental e bibliográfica,
desenvolvida por meio da utilização dos procedimentos de localização, recuperação, reunião,
seleção e ordenação de fontes documentais, analisou-se a configuração textual de dois
documentos, que contêm aspectos relativos à formação do professor primário para o ensino da
leitura, na Escola Normal de São Paulo, a partir da década de 1880. São eles: Reforma do
ensino da lingua materna (1884), de Antonio da Silva Jardim; e Dissertação pedagogica:
ligeiro estudo sobre a arte de leitura (qual o methodo de leitura verdadeiramente
scientifico)?(1884), de José Affonso de Paula e Costa.
No livro Os sentidos da alfabetização: São Paulo/1876-1994, com base em rigorosa e extensa
pesquisa documental, Mortatti (2000) apresenta a história da alfabetização do Brasil com
ênfase no estado de São Paulo, no período entre 1876 e 1994. A autora divide esse período
histórico em “quatro momentos cruciais”, com ênfase na questão dos métodos de
alfabetização e classifica os documentos em:
a) tematizações – contidas especialmente em artigos, conferências, relatos de
experiência, memórias, livros teóricos e de divulgação, teses acadêmicas, prefácios e
instruções de cartilhas e livros de leitura;
b) normatizações – contidas em legislação de ensino (leis, decretos, regulamentos,
portarias, programas e similares); e
c) concretizações – contidas em cartilhas e livros de leitura, “guias do professor”,
memórias, relatos de experiências e material produzido por professores e alunos no
decorrer das atividades didático-pedagógicas. (MORTATTI, 2000, p. 29).
É com base nessa classificação de Mortatti (2000) que considero os documentos Reforma do
ensino da lingua materna (1884), de Antonio da Silva Jardim, e Dissertação pedagogica:
ligeiro estudo sobre a arte de leitura (qual o methodo de leitura verdadeiramente
scientifico)?(1884), de José Affonso de Paula e Costa, como “tematizações” sobre o ensino da
leitura, por se tratarem de documentos que contêm aspectos do modo como esses autores
compreendiam e propunham o ensino da leitura às crianças, no final do século XIX.
A opção por analisar esses documentos deveu-se ao fato de que neles há importantes
formulações sobre o ensinar a ensinar leitura na Escola Normal da Província de São Paulo, no
final do século XIX, às quais se disseminaram para outros estados brasileiros, sobretudo com
o advento do regime político Republicano.
Para a análise desses documentos que considero emblemáticos para a compreensão de um
importante momento da história da formação de professores alfabetizadores e da “arte do
ensino da leitura”, utilizo o conceito de configuração textual, proposto por Mortatti (2000), o
qual consiste em enfocar o:
[...] conjunto de aspectos constitutivos de determinado texto, os quais se
referem: às opções temático-conteudísticas (o quê?) e estruturais-formais
(como?), projetadas por um determinado sujeito (quem?), que se apresenta
como autor de um discurso produzido de determinado ponto de vista e lugar
social (de onde?) e momento histórico (quando?), movido por certas
necessidades (por quê?) e propósitos (para quê), visando a determinado
efeito em determinado tipo de leitor (para quem?) e logrando determinado
tipo de circulação, utilização e repercussão (p. 31).
Dentre os aspectos da configuração textual desses documentos, destaco, neste texto, os
seguintes: quem eram os professores Antonio da Silva Jardim e José Affonso de Paulo e
Costa; a quem destinava a Conferência e a Dissertação; com qual finalidade foram publicadas;
em que momento histórico educacional foram publicadas; quais eram os conteúdos que Silva
Jardim e Paula e Costa consideravam indispensáveis para o ensino inicial da leitura para a
formação do professor primário paulista.
1. Aspectos da Escola Normal de São Paulo no Império brasileiro (1884)
Durante o século XIX, a urgente necessidade de formar professores para ensinar as crianças
brasileiras a ler e escrever pode ser observada no o art. 170, da Constituição de 1824, que
prescrevia a instalação de escolas de primeiras letras nas províncias brasileiras. Passados 22
anos da publicação dessa Lei, foi criada, em 1846, a Escola Normal4 na capital da província
de São Paulo a fim de suprir a falta de professores para essas escolas de primeiras letras, à
época.
Desde a segunda metade do século XIX, a questão política da educação
popular envolveu, em todo o Ocidente, a discussão sobre a organização
administrativa e didático-pedagógica do ensino primário. Tratou-se de
definir as finalidades da escola primária e os meios de sua universalização.
Esse processo implicou debates acerca da democratização da cultura e da
função política da escola nas sociedades modernas. Dessa forma, a discussão
sobre o conteúdo da escolarização popular tornou-se uma temática central e
oscilou em decorrência de diferentes interesses políticos, ideológicos,
religiosos, sociais, econômicos e culturais. (SOUZA, 2000, p.9).
Durante o período imperial brasileiro foram criadas 15 Escolas Normais, a maior parte delas
nas décadas de 1870 e 1880. Durante o Primeiro Reinado, foram criadas as de Niterói-RJ
(1835) e Salvador-BA (1836). Durante o Segundo Reinado, foram criadas as de: Cuiabá-MT
(1842); São Paulo-SP (1846); Teresina-PI (1864); Porto Alegre-RS (1869); Curitiba-PR
(1870); Aracaju-SE (1870); Vitória-ES (1873); Natal-RN (1873); Fortaleza-CE (1878); Rio
de Janeiro-RJ (1880); Florianópolis-SC (1880); João Pessoa-PB (1883); Goiás-GO (1884).
(ARAÚJO; FREITAS; LOPES, 2008). Essas Escolas Normais tinham por objetivo alimentar
a formação de corpo docente que, no Império, se encontrava limitada e ineficaz para as
demandas sociais.
A Escola Normal de São Paulo, considerando a classificação utilizada por grande parte dos
pesquisadores da História da educação brasileira, passou por três fases, nos seguintes
períodos: 1846 a 1867 (Criação); 1875 a 1878 (Reabertura); e 1880 a 1890 (Reforma).
Ressalto que, destacarei, neste texto, aspectos relativos à terceira fase da Escola Normal,
período em que Silva Jardim lecionou nessa instituição e que, presumivelmente, deu aula para
José Affonso de Paula e Costa.
Na visão dos governantes do Império, a Escola Normal de São Paulo representava um local
no qual poderiam ser ensinados conteúdos eficientes no controle do povo, porém, para alguns
professores dessa instituição, a educação estava diretamente relacionada à formação de uma
nação, com a bandeira do consertar melhorando. Dentre esses professores que almejavam a
formação de uma nação, destacam-se professores Silva Jardim e Paula e Costa.
1.1 A reabertura da Escola Normal de São Paulo em 1880
A Escola Normal de São Paulo foi “[...] reaberta pelo presidente da província Laurindo
Abelardo de Brito5, liberal e ex-aluno da escola, a sancionar em 25 de abril de 1880, como lei
n°. 130, o projeto apresentado por Inglês de Souza, um deputado de seu partido”
(HILSDORF, 2008, p.6). Essa instituição de ensino “[...] deu origem ao Instituto de Educação
‘Caetano de Campos’, da Praça da República” (REIS FILHO, 1995, p.151).
Em 30 de junho de 1880, foi aprovado o Regulamento de 1880... , o qual estabeleceu que a
finalidade da Escola Normal de São Paulo era “habilitar”, gratuitamente, “[...] pessoas que se
destinam ao magisterio publico primario” (SÃO PAULO, 1880, p. 3).
A reabertura da Escola Normal de São Paulo representou uma tentativa de reorganização de
forma sistemática de muitos dos anseios previstos com a criação dessa instituição em 1846.
Segundo Reis Filho (1995), a organização dessa instituição era mais complexa que a anterior,
pois nela havia um diretor “[...] subordinado diretamente ao Presidente da Província, possuía
cinco cadeiras, distribuídas em três anos de curso” (p.151).
De acordo com Art. 84°., da Lei nº. 130, de 25 de abril de 1880, da província de São Paulo, ao
final do 3°. ano, uma semana antes de encerrar as aulas, o aluno, futuro professor primário,
deveria apresentar uma dissertação pedagógica, na qual defenderia um ponto de Pedagogia
indicado por um professor da Escola Normal de São Paulo.
Em relação a esse aspecto da formação dos normalistas na província de São Paulo, o Art. 88°.
dessa Lei, prescreve, também, que depois da aprovação dessa dissertação, por parte dos
examinadores, o aluno aprovado receberia da Secretaria do Governo a carta de Professor
Normalista.
No dia da entrega do diploma, de acordo com Art. 89°., estariam presentes o Presidente da
Província, o Inspetor Geral da Instrução Pública e os demais professores da Escola Normal de
São Paulo. Portanto, de acordo com o Art. 140º. seria considerado Professor Normalista
aquele que tivesse recebido a carta (diploma) de Professor pela Escola Normal de São Paulo.
1.2 O ensino da leitura na Escola Normal de São Paulo entre 1880 e 1884
As mudanças na legislação sobre a formação de professores, ocorridas após a reabertura da
Escola Normal de São Paulo em 1880, a Escola Normal de São Paulo tornou-se um dos polos
de anseio de modernização do Brasil por meio da formação de professores que ensinariam,
dentre outros aspectos, a leitura e a escrita para crianças.
Após a reabertura da Escola Normal de São Paulo em 1880, o ensino da leitura aos
normalistas passou a ocorrer por meio de aulas práticas, na chamada “Aula anexa” à Escola
Normal de São Paulo. Silva Jardim, nesse período, lecionava nessa “Aula Anexa” a fim de
completar sua renda e pagar as despesas quando ainda era estudante de Direito na Faculdade
de Direito de São Paulo.
Quanto à formação “prática” do futuro professor primário, ocorria no 3º. ano, em que os aluno
da Escola Normal deveriam aprender “[...] a conveniente aplicação das regras que devem ser
observadas na pratica dos methodos” (SÃO PAULO, 1880, p. 6) nas aulas anexas à Escola
Normal de São Paulo, uma vez por semana, sob a direção do professor da Cadeira de
Pedagogia e do professor da Aula Anexa, de acordo com o Artigo 6º. do Regulamento de
1880... .
Os alunos da Escola Normal de São Paulo aprendiam por meio das aulas práticas como
ensinar a leitura e escrita na “Aula anexa” à Escola Normal de São Paulo. A “Aula anexa”
ocorria no curso primário anexo à Escola Normal de São Paulo.
O curso primário anexo à Escola Normal de São Paulo era dividido em duas seções, uma
feminina e outra masculina. No curso primário as crianças da província aprendiam os
rudimentos do ler, escrever e contar.
Bauab (1972) enfatiza a atuação de Silva Jardim como professor da “Aula Anexa”, uma vez
que ele colaborou para a “renovação dos métodos didáticos” e para um modo de pensar o
ensino da leitura e escrita, por meio de um novo e revolucionário método da leitura, o método
da palavração6 concretizado na Cartilha Maternal ou Arte da Leitura
7, de João de Deus
8.
Principalmente num momento histórico educacional marcado pela utilização do
[...] método greco-romano de iniciar o ensino da leitura pela aprendizagem
das letras do alfabeto, seguida toda a combinação silábica possível, as lições
de Silva Jardim representavam de fato o ‘alvorecer da didática’ em São
Paulo, como a elas se refere João Lourenço Rodrigues (REIS FILHO, 1995,
p.154).
Segundo Reis Filho (1995, p.152), com a reorganização da Escola Normal de São Paulo, em
1880, foi dada ênfase à “inovação dos processos de ensino”, de modo que “[...] a atuação de
alguns professores renovava em suas disciplinas os métodos de ensino. Esse é o caso de Silva
Jardim”. A esse respeito, Hilsdorf (2008, p.93), ressalta que, a partir da
[...] década de 1880, de abertura do país às inovações pedagógicas que eram
associadas na Europa e nas Américas à educação escolar atualizada,
representadas aqui, entre outras aqui, entre outras, pela inclusão das matérias
científicas e a adoção e adoção do método intuitivo.
Em 1882, após a exoneração do professor Vicente Mamede de Freitas9, do cargo de professor
da 1ª. Cadeira da Escola Normal de São Paulo foi aberto concurso público para o
preenchimento desse cargo. Depois do encerramento das inscrições, em 1883, inscreveram-se
para concorrer ao cargo os professores: Manoel José da Lapa Trancoso10
, Silva Jardim e Júlio
Ribeiro. Após a realização das provas, ocorridas em 1883, Silva Jardim foi aprovado no
concurso (D’AVILA, 1946).
A Escola Normal de São Paulo, em 1884, passou a ter seis cadeiras de ensino. São elas: “1ª.
Grammatica e Lingua Nacional”- Antonio da Silva Jardim; “2ª. Arithmetica e geometria” –
Godofredo José Furtado; “3ª. Elementos de Cosmographia, Geografia e Historia”; “4ª.
Pedagogia, methodologia e instrução religiosa”- Antonio da Silva Jardim (substituto interino
em 1884) - Manoel José Trancoso da Lapa; “5ª. Noções de physica e Chimica”- Cypriano
José de Carvalho; e “6ª. Grammatica e Lingua Franceza”- Arthur Gomes; Carlos Marcondes
de Toledo Lessa” (SÃO PAULO, 1884).
2. Reforma do ensino da lingua materna (1884), de Antonio da Silva Jardim11
Devido a sua aprovação, em 1884, Silva Jardim foi empossado professor vitalício da 1ª.
Cadeira – “Grammatica e Lingua Nacional” – da Escola Normal de São Paulo. Após assumir
esse cargo, em atendimento ao Regulamento de 1880..., Silva Jardim proferiu, no dia 21 de
abril de 1884, a Conferência Reforma do ensino da lingua materna, na qual apresentou sua
proposta para o ensino da leitura e da escrita aos alunos da Escola Normal de São Paulo e às
demais autoridades escolares presentes.
A versão escrita do resumo da Conferência proferida por Silva Jardim em 1882 foi publicada
em formato de opúsculo pela Typographia a vapor Jorge Seckler & C.ª de São Paulo, em
1884, e foi divulgada aos alunos da Escola Normal de São Paulo. A versão escrita do resumo
da conferência proferida por Silva Jardim está organizada em três tópicos, indicados por
algarismos romanos (I, II e III). Pode-se perceber que, Silva Jardim apresenta aspectos
relativos à função social e sobre o ensino da língua, à formação do professor primário, ao
ensino da gramática e ao ensino da leitura pelo método da palavração.
Silva Jardim apresenta a função da língua materna que, segundo ele, “seu destino deve ser
social”, uma vez que possibilita a comunicação entre os homens (p.2). Por essa razão, Silva
Jardim considera que é pela linguagem “[...] que os entes colletivos, a familia, a pátria, se nos
revelam, influindo na nossa natureza: os esforços isolados dos sábios seriam incapazes de
formar uma lingua”. (SILVA JARDIM, 1884, p.9-10).
Contribuiriam, segundo Silva Jardim, para o aperfeiçoamento da língua, os futuros
professores primários (alunos da Escola Normal de São Paulo), que deveriam aprender “[...]
os meios de aperfeiçoar a expressão, oral e escripta” (SILVA JARDIM, 1884, p.10-11). A
atuação do professor primário quanto ao aperfeiçoamento da língua é um “serviço social”, por
isso a importância atribuída à Silva Jardim no tópico III da Conferência. Silva Jardim (1884)
buscou ensinar como os futuros professores poderiam auxiliar seus alunos no
aperfeiçoamento da língua. Segundo Silva Jardim, ensinar como ensinar a língua era “uma
necessidade urgente no magistério primario” (SILVA JARDIM, 1884, p.11).
De acordo com essas fases, Silva Jardim considera que o método da palavração é o mais
eficaz para o ensino da leitura e da escrita, uma vez que esse método é a fase científica e
definitiva. Silva Jardim compara o método da palavração para o ensino da leitura ao modo
espontâneo com que se aprende a falar, como se pode observar no seguinte trecho: “[...] meus
senhores, só se vence pelo aperfeiçoamento; como aprendemos a falar? falando as palavras;
como aprenderemos a lêr? é claro que lendo essas mesmas palavras” (SILVA JARDIM, 1884,
p.12).
Essas três fases da “arte da leitura”, apresentadas por Silva Jardim, estão diretamente
relacionadas ao Positivismo que
[...] admite uma lei fundamental que recebe o nome de lei dos três estados,
ou modo de pensar, que é a base de sua explicação da História: o estado
teológico-fictício, que tem diferentes fases (feitichismo, politeísmo
monoteísmo) e em que o espírito humano explica os fenômenos por meio de
vontades transcendentes ou agentes sobrenaturais; o estado metafísico-
abstrato, onde os fenômenos são explicados por meio de forças ou entidades
abstratas, como o princípio vital etc.; e o estado positivo-científico, no qual
se explicam os fenômenos, subordinando-os às leis experimentalmente
demonstradas (RIBEIRO, 1988, p.19-20, grifos do autor).
Porém, segundo Silva Jardim, não bastaria ensinar a leitura por meio da Cartilha Maternal,
seria necessário “[...] para sua efficacidade, além da maneira especial de seu ensino, esse
processo pede pronuncia clara e gradativa dos vocábulos, e a explicação dos sentidos das
palavras empregadas” (SILVA JARDIM, 1884, p.13). As palavras utilizadas deveriam estar
relacionadas com o cotidiano da criança, uma vez que Silva Jardim julgava necessária a
adaptação do método de acordo com as crianças de cada lugar.
Quanto ao professor primário, Silva Jardim era contrário à ideia de “[...] simplificação da
educação do mestre” (SILVA JARDIM, 1884, p. 20). Para ele, havia necessidade em melhor
preparar os mestres, uma vez que esses deveriam “[...] ensinar a elocução (fala, leitura,
expressão, etc.) e composição em seus multiplos ramos, prosa e poetica, que o mandar decorar
grammatica e analysar grammatical e logicamente” (SILVA JARDIM, 1884, p. 20, grifos do
autor).
Silva Jardim era contrário ao ensino mútuo prescrito no Artigo 4°. da Constituição de 1824.
Para ele, seria necessária a formação dos professores primários de acordo com o método de
ensino intuitivo12
.
Embora o método intuitivo somente tenha se tornado oficial com a Reforma “Caetano de
Campos”, em 1890, pode-se observar que Silva Jardim já apontava os benefícios desse
método para o desenvolvimento mental das crianças. Além disso, Silva Jardim ressaltava a
importância da função do professor no âmbito do ensino pelo método intuitivo, pois, segundo
ele, o professor bem preparado poderia melhor desenvolver exercícios e atividades, de acordo
com as necessidades de seus alunos.
3. Dissertação pedagogica: ligeiro estudo sobre a arte de leitura (qual o methodo de leitura
verdadeiramente scientifico)?(1884), de José Affonso de Paula e Costa13
Aluno da escola Normal de São Paulo (e de Silva Jardim), José Affonso de Paula e Costa, em
atendimento ao disposto na Lei nº. 130, de 1880, apresentou, para ser diplomado professor
normalista, a Dissertação Pedagógica Ligeiro estudo sobre a arte da leitura (Qual methodo
de leitura verdadeiramente scientífico). Essa dissertação foi publicada em versão escrita em
1884, também em formato de opúsculo, pela Typographia a vapor de Jorge Seckler & Cª.
(SP).
A dissertação está organizada em sete capítulos, a saber: “Considerações geraes sobre
educação”; “A escola primária e o professor”; “As tres phases da arte da leitura”; “A
linguagem e o apparelho de fonação”; “Analyse da falla”; “Plano da Cartilha Maternal”; e
“Conclusão”.
No tópico “Duas palavras” dessa dissertação, Costa (1884) enfatiza que a escolha por
dissertar sobre a arte da leitura se deveu ao fato de que “[...] é a parte do ensino escolar em
que e professor encontra mais recursos para o desenvolvimento mental e para a educação
moral das crianças” (COSTA, 1884).
Costa (1884) defende a ideia de que educação “[...] varia com o tempo, porque está
subordinada ao conjuncto de ideias que dominam uma ephoca” (p.2). Ao longo da história, os
povos passaram pelas épocas “fitichista, polytheica e monotheica”, dentre essas se destaca a
“epocha positivista ou epocha normal”, na qual as faculdades physica, intellectual e moral são
desenvolvidas por meio da educação.
Depois de apresentar a concepção de educação que obedece às leis científicas e a doutrina
positivista e que a educação dos filhos compete à figura feminina, a mãe. Além da educação
recebida no lar, Costa (1884) propõe uma reforma no ensino primário e da escola, pois
segundo ele, a educação de sua época é
[...] anti-scientífica e immoral porque accumula no cerebro da creança um
montão de absurdos e de erros que a sciencia nã sanciona; immoral porque
faz da creança um ser egoista e vaidoso: − atrophia-lhe a intelligencia (p.8).
Os professores deveriam ser aqueles que desenvolveram “[...] amor á Familia, á Patria e á
Humanidade; devem ser dotados de exemplar moralidades, possuindo uma certa intuição
social, a dedicação e o preciso desapego pessoal que leva o homem a viver para outrem”
(COSTA, 1884, p.9). Nesse sentido, o professor “[...] desempenha as funcções dos paes,deve
a escola ser uma representação do lar domestico, e o professor cuidar simultaneamente da
educação physica, intellectual e moral dos meninos” (COSTA, 1884).
Costa (1884) assim como Silva Jardim se baseia na lei dos três estados (ficticio, abstracto e
scientifico) para explicar os estágios que a Humanidade passou quanto ao ensino da arte da
leitura.
A arte da leitura, então, passou por três fases, são elas: a soletração, a silabação e a
palavração.Segundo Costa (1884) o ensino da arte da leitura é impossibilitado por meio da
soletração, uma vez que as crianças devem decorar as letras do alfabeto, o que torna, segundo
ele, o ensino vicioso, pois as crianças recitam as letras “sinais mortos, sem significação”.
Em relação ao ensino da arte da leitura pela silabação, Costa (1884) apresenta esse estado
como um período de transição, no qual o alfabeto é ensinado por parte, ou seja, posto que
“[...] ha palavras formadas de uma unica syllaba, e portanto essa syllaba já representa uma
ideia, d’onde uma certa concretisação no ensino” (p.13).
Por último é apresentado o ensino da arte da leitura pela palavração, que é a fase definitiva e
científica em que se ensina a leitura pela palavra, pelo valor das letras na palavra. Segundo
Costa (1884) é a Cartilha Maternal, do poeta João de Deus que melhor apresenta a fase da
palavração e esse método por sua vez “[...] é baseado na lingua viva, e isto por uma razão
natural: porque se o homem começa a fallar palavras e não syllabas e letras mortas, tambem a
litura deve ser palavrada, não syllabara ou soletrada” (p.15). Ainda, acrescenta que, a palavra
é a “representação da ideia e a combinação de sons” e que por esse motivo é científica, pois se
lê aquilo que se fala.
Costa (1884) apresenta aspectos da teoria cientítifica sobre a origem da linguagem
apresentada por Augusto Comte em que
[...] elle demonstra que a linguagem nasceu a inspirada pelo sentimento e
esclarecida pela intelligencia; filha da necessidade de expansão, de
communicabilidade com outrem, destina-se á manifestação de nossas
emoções; e de preferencia, dos nossos impulsos sympathicos, unicos
plenamente transmissiveis (COSTA, 1884, p.16).
Ainda acrescenta que, a palavra é uma “[...] superioridade intellectual de nossa especie, como
o mostram o exemplo dos idiotas e dos diversos animaes, nos quaes não existe verdadeira
linguagem, se bem que o apparelho de phonação seja completo” (COSTA, 1884, p.19).
Portanto, as ideias são expressas pela voz, por sua vez essas são compostas de
[...] phrases, formadas de um certo numero de palavras, que resultam de
uma reunião de varias syllabas, sendo estas constituidas pelo ajuntamento
determinado de letras subdivididas em vogaes e consoantes, ou, de modo
mais racional, em vogaes e invogaes, como passamos a demonstrar
(COSTA, 1884, p.21, grifos do autor).
Ao final da dissertação, Costa (1884) enfatiza a superioridade do método da palavração
concretizado na Cartilha Maternal, de João de Deus; e o prejuízo do método mútuo, posto
que nesse método de ensino o professor abdica de sua missão, que é a de ensinar. E acrescenta
que por meio de sua dissertação buscou apresentar
[...] a necessidade de uma reforma no ensino primario, e poder estabelecer
esta these: que o methodo da leitura verdadeiramente scientifico é o da
palavração applicado por João de Deus na sua utilissima producção- Cartilha
Maternal (COSTA, 1884, p.33).
Como aluno de Silva Jardim e disseminador das ideias de seu mestre, Paula e Costa também
defendia o método da palavração como o método mais científico e eficaz para o ensino da
leitura de acordo a lei dos três estados do positivismo.
Considerações finais
A partir dos resultados da análise da configuração textual dos documentos pude constatar que,
o pensamento do mestre Silva Jardim e do discípulo Costa sobre o ensino da leitura e escrita
está diretamente relacionado ao Positivismo em que se destaca o papel dos bons sentimentos
na formação da criança e na civilização do povo.
Os resultados obtidos por meio dessa análise têm contribuindo para a compreensão dos
aspectos que eram considerados necessários à formação de professores primários, no final do
século XIX, relativamente ao ensino da leitura. Dentre esses aspectos, como se pôde observar,
o método da palavração era defendido como o método mais eficiente na “arte da leitura” e
Cartilha Maternal ou arte da leitura, de João de Deus, como a concretização mais adequada
desse método. Por fim, destacam-se a atuação dos professores Silva Jardim e Costa na história
do ensino da leitura no Brasil, visto que, dentre outros, eles contribuíram para a disseminação
de uma concepção sobre ensino da leitura, segundo eles a que mais auxiliaria no
desenvolvimento mental e moral das crianças.
Fontes documentais
JARDIM, Antonio da Silva. Reforma do ensino da lingua materna (1884), de Antonio da
Silva Jardim. São Paulo: Typ. Seckler, 1884. (Conferência realizada no dia 22 de abril de
1884 na Escola Normal de São Paulo)
COSTA, José Affonso de Paula e. Dissertação pedagogica: Ligeiro estudo sobre a arte da
leitur ( Qual o methodo de leitura verdadeiramente scientífico?). São Paulo: Typ. Scklr, 1884.
( Apresentada a Comissão Examinadora da Escola Normal de São Paulo).
Referências
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BAUAB, Maria Aparecida. O positivismo na Escola Normal de São Paulo. IN: BOLETIM
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VALDEMARIN, Vera Teresa; SAVIANI, Dermerval. O legado educacional do século XIX. 2
ed. rev.e ampl. Campinas: Autores Associados, 2006. p. 86-127.
1Este texto resulta de pesquisa de mestrado em Educação (bolsa FAPESP), desenvolvida sob orientação da Profª.
Drª. Maria do Rosário Longo Mortatti. Essa pesquisa vem sendo desenvolvida junto ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da FFC-UNESP-Marília e ao GPHELLB – Grupo de Pesquisa “História do Ensino de
Língua e Literatura no Brasil”, coordenado pela professora mencionada. 2 Antonio da Silva Jardim nasceu em 16 de agosto de 1860, na cidade de Capivari (RJ), atual município de Silva
Jardim. Em 1874, com 14 anos, Silva Jardim foi estudar no Colégio Mosteiro de São Bento, em Niterói (RJ). No
ano seguinte, em 1875, estudou no Externato “Jasper”. Entre 1875 e 1878, Silva Jardim iniciou os estudos
preparatórios para o curso de Direito no Rio de Janeiro (RJ). Entre 1875 e 1878, Silva Jardim iniciou os estudos
preparatórios para o curso de Direito no Rio de Janeiro (RJ). No ano de 1878, mudou-se para São Paulo e
ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo (SP) e bacharelou-s em 1882. Durante o período no qual
permaneceu nessa faculdade fez importantes amizades esse e se tornou adepto do Positivismo e da Maçonaria.
Em 1882 foi professor da Aula Anexa da Escola Normal de São Paulo e em 1884 tornou-se professor da 1ª.
Cadeira “Grammatica e Lingua Nacional”. Na Escola Normal de São Paulo destacou-se pelo ensino pelo
“método João de Deus” e foi também divulgador desse método na província de Vitória (ES). Entre os anos de
1888 e 1889 foram marcados por um período de efervescência política na vida de Silva Jardim, nos quais ele
passou a desempenhar o papel de propagandista da República, propriamente brasileira. (PASQUIM, 2013). 3 De acordo com Silva Jardim (1884) e Costa (1884), a “arte da leitura” ao longo da história passou por três fases
(ficticia, abstrato e definitiva). Essas fases se referem à lei dos três estados de Augusto Comte. Percebe-se que a
arte de ensinar a leitura está diretamente direcionada a um método de ensino e ao professor bem formado, caso
contrário não haveria eficiência no desenvolvimento físico, moral e intelectual da criança. 4 A Escola Normal de São Paulo teve diferentes denominações: “Escola Normal da Capital”, “Escola Normal
Secundária”, “Escola Normal da Praça”. Em 1911, a Escola Normal da Capital passou, pela Lei n. 1341 de 16-
12, à denominação de Escola Normal Secundária. A respeito da história dessa escola, ver, especialmente, o
trabalho pioneiro de Tanuri (1979), Hilsdorf (2008). Reis Filho (1995) e Dias (2002, 2008). 5 Laurindo Aberlardo de Brito nasceu no ano de 1828 e faleceu em 1885. Foi um dos 19 alunos da primeira
turma de 1846, diplomado pela Escola Normal da capital. De acordo com Rodrigues (1930), ele foi o grande
“restaurador da Escola Normal”. Em 1851 bacharelou-se em Direito pela Academia de São Paulo (ROCCO,
1946, p. 86). 6 O método da palavração “[...] inicia-se esse ensino com palavras, que depois são divididas em sílabas e letras”
(MORTATTI, 2004, p.123). 7 A Cartilha Maternal ou arte da leitura foi escrita pelo poeta, pedagogo e republicano João de Deus (1830-
1896) e publicada, em 1876, em Portugal. 8 João de Deus nasceu em São Bartolomeu de Messines no Algarve, Portugal, em 8 de Março de 1830 e morreu
em Lisboa em 11 de Janeiro de 1896. Estudou Direito na Universidade de Coimbra entre 1849 e 1859. Foi poeta
e tinha Antero de Quental como amigo. Autor da Cartilha maternal ou arte da leitura que se baseava no método
da palavração (BRAGA, s.d). 9 Vicente Mamede de Freitas: Nascido em São Paulo, 1836, Vicente Mamede de Freitas bacharelou-se em
Direito em 1855, pela Academia de Direito de São Paulo. No ano de 1856, passou a dirigir o Colégio Culto à
Ciência, em Campinas-SP. Nesse mesmo período, fundou um colégio na cidade de São Paulo. No ano de 1859,
defendeu uma tese na área do Direito, pela qual recebeu o título de Doutor. Em 1860, atuou como promotor
público e, entre 1864 e 1866, atuou como Deputado da Assembleia Provincial de São Paulo. Entre os anos de
1880 e 1882, Vicente Mamede de Freitas foi Diretor da Escola Normal de São Paulo de São Paulo e Inspetor
Geral da Instrução Pública da Província de São Paulo. Após sua atuação na Escola Normal de São Paulo de São
Paulo, no ano de 1882, foi aprovado em concurso para o cargo de lente substituto da Academia de Direito de São
Paulo, passando, em 1887, ao cargo de lente catedrático. Ainda no âmbito de sua atuação junto a Academia de
Direito de São Paulo, foi nomeado, em 1902, vice-diretor dessa instituição, e, em 1904, diretor. Vicente Mamede
morreu em São Paulo, em 1908. (FACULDADE..., s.d.) 10
Júlio César Ribeiro Vaugham nasceu no dia 16 de abril de 1845 em Sabará (MG) e faleceu no dia 1° de
novembro de 1890 em Santos (SP). Foi professor na Escola Normal de São Paulo e ocupou a Cadeiras de Latim
no Curso Anexo da Faculdade de Direito. Além disso, teve publicado o livro Grammatica portugueza (1881)
(ROCCO, 1946). 11
Sobre a reforma do ensino da leitura proposta por Silva Jardim, ver especialmente, Mortatti (2000) e Pasquim
(2013). 12
Segundo Valdemarin (2004), o método de ensino intuitivo estava diretamente relacionado à observação e a
ideia de que a escola deveria ensinar os conteúdos vinculados ao cotidiano das crianças, ou seja, os elementos da
realidade do aluno eram trazidos para os exercícios da sala de aula. 13
Até o momento não foi possível localizar informações sobre esse professor.