UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP
INSTITUTO DE CINCIAS JURDICAS
CURSO DE DIREITO
PAULO SRGIO PIFFER
ASSDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO
Araraquara, Maro de 2014.
PAULO SRGIO PIFFER
ASSDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO
Monografia apresentada ao Instituto de
Cincias Jurdicas da Universidade Paulista,
campus de Araraquara, como requisito
parcial obteno do ttulo de Bacharel em
Cincias Jurdicas.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Nogueira
Monazzi
Araraquara, Maro de 2014.
PAULO SRGIO PIFFER
ASSDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO
Monografia apresentada no Instituto de Cincias Jurdicas da Universidade Paulista, campus de Araraquara, e aprovada, nesta data, pela comisso julgadora:
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Nogueira Monazzi
______________________________________
Professor (a):
1 membro:
___________________________________
Professor (a):
2 membro:
___________________________________
Data da Apresentao: ____\____\______.
AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus, por ter me dado pacincia para enfrentar os obstculos,
discernimento para enxergar o correto e, sobretudo, fora e coragem para chegar ao
final desta intensa jornada.
Dedico o presente trabalho a minha amada esposa,
Lrida Alcione, por sua companhia e por ser muito importante
em minha vida.
RESUMO
No presente trabalho de concluso de curso, visamos analisar o tema correlato ao
assdio moral no ambiente de trabalho. Atravs do mtodo bibliogrfico, procurou-se
demonstrar que o assdio moral um fenmeno to antigo quanto s relaes de
trabalho, posto que, durante muito tempo, assim como no havia qualquer proteo
sade fsica do trabalhador, tambm no existia uma proteo sua sade
psquica, haja vista que o obreiro, muitas vezes, deixa de ser visto como sujeito da
relao de emprego, para ser visto, por seu empregador ou superior hierrquico,
como um mero objeto. O estudo do presente tema se faz relevante, pois,
atualmente, inexiste no ordenamento jurdico nacional qualquer lei infraconstitucional
que discipline o tema, ficando a cargo do operador do direito fazer uso dos mtodos
disponveis em hermenutica jurdica para decidir cada caso posto sua anlise. De
fato, a prtica reiterada de assdio moral capaz de ocasionar graves danos
sade fsica e psquica do obreiro e, por isso mesmo, faz-se necessrio uma
reparao civil, na forma de indenizao, esta indenizao pauta-se, precisamente,
na preservao da dignidade da pessoa humana e visa recompensar o trabalhador
ferido moralmente, de forma monetria, alm de funcionar como uma espcie de
punio ao empregador para que o mesmo coba a prtica de assdio moral no
ambiente de trabalho.
Palavras-chave: Assdio moral; reparao civil; indenizao; dignidade da pessoa
humana.
SUMRIO
INTRODUO 01
1 FUNDAMENTOS DO DIREITO DO TRABALHO 04
1.1 Conceito de Direito do Trabalho e fundamento de sua existncia 04
1.2 Evoluo do trabalho e do Direito do Trabalho 05
1.2.1 Sentido etimolgico de trabalho 06
1.2.2 Evoluo do Direito do Trabalho no cenrio nacional 07
1.2.2.1 O Direito do Trabalho nas Constituies brasileiras 08
1.2.2.2 A Consolidao das Leis do Trabalho 11
1.3 Natureza jurdica do Direito do Trabalho 12
1.4 Fontes do Direito do Trabalho 12
1.5 Princpios 13
1.5.1 Princpios Gerais 14
1.5.1.1 Princpio da dignidade da pessoa humana 16
1.5.1.2 Princpio da razoabilidade 16
1.5.1.3 Princpio da boa-f 16
1.5.2 Princpios de Direito do Trabalho 17
1.5.2.1 Princpio da proteo 17
1.5.2.2 O princpio da irrenunciabilidade de direitos 18
1.5.2.3 Princpio da continuidade das relaes de emprego 18
1.5.2.4 Princpio da primazia da realidade 19
1.5.2.5 Princpio da inalterabilidade contratual 19
1.5.2.6 Princpio da intangibilidade salarial 19
1.6 Contrato individual de trabalho 20
1.6.1 Sujeitos do contrato de trabalho 22
1.6.1.1 Empregado 22
1.6.1.2 Empregador 22
2 ASSDIO MORAL 24
2.1 Origem 24
2.2 Conceito 25
2.3 Natureza jurdica 26
2.4 Caractersticas 27
2.4.1 Condutas que podem caracterizar assdio moral 29
2.5 Espcies de assdio moral 30
2.5.1 Assdio moral vertical ou descendente (assimtrico) 30
2.5.2 Assdio moral horizontal 31
2.5.3 Assdio moral misto 31
2.5.4 Assdio moral ascendente 32
2.6 Sujeitos do assdio moral 32
2.7 Assdio moral versus assdio sexual 33
2.8 A invaso de privacidade no trabalho 34
2.9 As consequncias do assdio moral no trabalho 35
3 ASSDIO MORAL NO CENRIO MUNDIAL 36
3.1 A Organizao Internacional do Trabalho OIT 36
3.2 Legislao no Direito Comparado 38
3.3 Tutela jurdica no cenrio nacional 40
3.3.1 Projetos de lei 43
3.3.2 Leis regionais e municipais 46
3.4 A viso jurisprudencial 47
4 A RESPONSABILIDADE CIVIL E O QUANTUM INDENIZATRIO 54
4.1 Responsabilidade civil pela prtica de assdio moral 54
4.2 As reparaes devidas e o quantum indenizatrio 57
4.2.1 Entendimento jurisprudencial 58
4.3 O combate ao assdio moral 61
CONSIDERAES FINAIS 62
Bibliografia 65
LISTA DE ABREVIAES
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
CID Cdigo Internacional de Doenas
CLT Consolidao das Leis do Trabalho
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
MTE Ministrio do Trabalho e Emprego
OIT Organizao Internacional do Trabalho
OMS Organizao Mundial da Sade
TRT Tribunal Regional do Trabalho
TST Tribunal Superior do Trabalho
1
INTRODUO
Desde os tempos mais remotos da histria da humanidade, possvel se
encontrar evidncias das relaes de trabalho. Essas evidncias histricas deixam
claro que o homem organizou-se em sociedades e delimitou os papis que cada um
dos integrantes desta sociedade iria exercer.
A primeira relao de trabalho, talvez, tenha surgido atravs da escravido
em que o senhor do escravo era dono da fora de trabalho de seu servo, sendo o
mesmo obrigado a sucumbir aos desgnios de seu senhor, podendo ser punido
quando se negava a empreender labor.
O regime escravagista foi implantado em diversos pases, dentre eles, o
Brasil. Durante este regime, no existia uma ordem jurdica que regrasse os direitos
trabalhistas e, os obreiros sequer eram considerados sujeitos de direitos, mas sim
coisa, objeto, apenas um instrumento de trabalho, no podendo pleitear qualquer
direito perante o seu patro.
O aumento populacional e a crescente complexidade das relaes humanas,
acabou por derrubar o regime escravagista. Em um primeiro momento, surgiu o
regime feudal, o qual, em verdade, era uma variante do regime escravagista, pois,
os servos no detinham terras e, tampouco, eram homens livres.
A crise no regime feudal acabou por expulsar os camponeses dos campos, os
quais passaram a migrar para as cidades. Surgiu, assim, o comrcio e, com ele, o
fortalecimento das indstrias.
A migrao da populao dos campos para a cidade era cada vez mais
intensa, aumentando-se mais e mais o contingente de pessoas que trabalhavam nas
indstrias, sejam homens, mulheres e crianas.
Ocorre que, na nsia de aumentarem cada vez mais os seus lucros, os
industririos exigiam cada vez mais esforo de seus trabalhadores, pagando-lhes o
mnimo e exigindo que os mesmos cumprissem jornadas dirias inumanas.
Este cenrio facilitou com que eclodisse a chamada Revoluo Industrial,
sendo esta o grande marco histrico nas relaes trabalhistas, podendo se verificar
com a mesma o surgimento de uma fora coletiva de trabalho, os quais,
posteriormente, vieram a se transformar em sindicatos.
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De fato, o que se extrai deste cenrio catico da histria das relaes de
trabalho que, o fenmeno da violncia moral, aqui tratada como assdio moral no
ambiente de trabalho, sempre existiu, desde os primrdios e est intrinsecamente
ligado s relaes trabalhistas.
Veja-se que, durante o regime escravagista o trabalhador era tratado como
um mero instrumento de trabalho, no sendo um sujeito possuidor de direitos, era
frequentemente acossado por seu senhor atravs de castigos fsicos e psicolgicos,
a prpria escravido pode ser considerada como um castigo psicolgico.
O regime feudal, conforme visto, no passava de uma variante do regime
escravagista, pois, embora os camponeses no fossem propriedades do senhor
feudal, no possuam direitos.
Posteriormente, com o fortalecimento das indstrias, os trabalhadores que
migraram do campo, vendo nas indstrias a soluo de sua pobreza, acabaram por
ser explorados ao extremo, submetidos a condies de trabalho desumanas,
pagamento miservel e jornada estafante.
Assim, conclumos que o fenmeno do assdio moral no ambiente de trabalho
, deveras, muito antigo, estando intrinsecamente ligado a prpria historia das
relaes de trabalho. Ocorre que, nos ltimos anos, temos assistido a um grande
contingente de trabalhadores que procuram a Justia Laboral requerendo, dos
aplicadores do Direito, que solucionem lides que envolvem o cometimento, por parte
do empregador ou de seus prepostos, do chamado assdio moral.
O assdio moral, por bvio, se trata da prtica reiterada de perseguio
insistente (constante) a um empregado ou um grupo deles, com vistas humilhao,
constrangimento e isolamento do grupo, prtica esta que provoca danos sade
fsica e psicolgica do trabalhador, ferindo sua dignidade; geralmente o objetivo do
assdio moral minar a resistncia do empregado, levando o mesmo a desligar-se
do grupo, pedindo demisso.
A prtica reiterada de ofensas deste gnero ao trabalhador acaba por ferir a
sua personalidade, a sua dignidade enquanto ser humano, bem como, a sua
integridade psquica, podendo, at mesmo, gerar consequncias fsicas
desastrosas.
Ocorre que, at o presente momento, no foi editada lei infraconstitucional em
nosso ordenamento jurdico que discipline o assunto.
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Entretanto, a Constituio Federal de 1988 estabeleceu como fundamentos
da Repblica a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa, especificamente em seu artigo 1, incisos III e IV; e, a Magna Carta
ainda estabelece em seu artigo 5, XXXV, que a lei no excluir da apreciao do
Poder Judicirio leso ou ameaa a direito. Exatamente por isso e, ante a ausncia
de lei especfica que discipline o assunto, cada vez que surge, perante a justia, um
problema desta natureza a ser resolvido, os aplicadores do direito so obrigados a
valer-se de institutos de hermenutica jurdica, com o fito de suprir esta lacuna legal
to gritante.
No pode o legislativo, o judicirio e nem a sociedade silenciar ante o
crescimento de condutas perversas nas relaes de trabalho, que reduzem o obreiro
a um simples objeto, retirando-lhe a condio de ser humano em prol do ganho
desenfreado de lucros.
No presente trabalho de concluso de curso, trataremos do tema correlato ao
assdio moral no ambiente de trabalho. O estudo sobre o tema no apenas se
mostra relevante como, tambm, necessrio, a fim de que, conhecendo-o melhor,
possa se encontrar solues eficientes para o seu combate, com o intuito de que o
ambiente de trabalho seja um ambiente sadio.
Para uma melhor compreenso do tema aqui exposto, em um primeiro
momento, trataremos de temas gerais inerentes ao Direito do Trabalho, ou seja,
seus fundamentos, evoluo, fontes, conceitos, princpios; legislao ptria, direitos
e deveres de empregadores e empregados; posteriormente, trataremos do cerne do
presente trabalho, ou seja, o assdio moral, apontando seus principais contornos no
cenrio nacional e mundial; feito isto, passaremos a tratar da responsabilidade civil
em decorrncia do assdio moral, bem como, do quantum indenizatrio; por fim,
apresentaremos concluso, onde apontaremos eventuais medidas preventivas
contra o assdio moral no ambiente de trabalho, quais as medidas que podem ser
adotadas pelo empregado, pelas empresas e, pelo prprio Estado, com o intuito de
que os efeitos do assdio moral sejam reduzidos.
O mtodo a ser utilizado ser o dedutivo, a partir da abordagem
fenomenolgico-hermenutico, que consiste em ensaio terico, razo pela qual ser
feita com base em levantamento e anlise de bibliografia pertinente ao tema, alm
do exame da jurisprudncia concernente ao tema.
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1 FUNDAMENTOS DO DIREITO DO TRABALHO
Conforme dito anteriormente, no presente trabalho trataremos do fenmeno
do assdio moral no ambiente de trabalho, entretanto, antes de abordarmos o
referido tema de forma mais aprofundada, discorreremos sobre questes gerais
inerentes ao Direito do Trabalho, as quais se mostram de grande relevncia para
uma melhor compreenso da temtica exposta.
No presente tpico, trataremos dos fundamentos do Direito do Trabalho, tais
como, evoluo, legislao, conceitos, fontes, princpios aplicveis, sujeitos da
relao de trabalho etc..
1.1 Conceito de Direito do Trabalho e fundamento de sua existncia
Antes de entrarmos em questes mais especficas relacionadas ao presente
trabalho, primeiramente, preciso se ter em mente o conceito de Direito do
Trabalho.
Sabemos que o Direito do Trabalho um ramo da cincia jurdica,
responsvel por estudar as relaes jurdicas entre trabalhadores e os tomadores de
seus servios, mais conhecidos como empregados e empregadores,
respectivamente.
O ramo do Direito do Trabalho nasceu, especificamente, para tutelar aquelas
relaes jurdicas de que o Direito Civil no foi capaz de tutelar. De fato, durante
muito tempo s relaes de trabalho passavam pelo crivo do Direito Civil, entretanto,
este ramo do direito no conseguia suprir as desigualdades econmico-sociais
existentes entre os sujeitos da relao de trabalho.
O empregado, por sua prpria natureza, hipossuficiente, isso equivale dizer
que ele depende, de alguma forma, de seu empregador, estando subordinado s
suas ordens e, por este motivo, por ser a parte mais fraca desta relao, no pode
negociar livremente sua fora de trabalho sem correr o risco, por exemplo, de perder
o seu emprego.
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Neste ponto, podemos mencionar a lio de Mauricio Godinho Delgado que
assim conceitua o Direito do Trabalho:
O Direito do Trabalho ramo jurdico especializado, que regula certo tipo de relao laborativa na sociedade contempornea. Seu estudo deve iniciar-se pela apresentao de suas caractersticas essenciais, permitindo ao analista uma imediata visualizao de seus contornos prprios mais destacados.
1
Desta forma, o Direito do Trabalho, no contexto histrico e em decorrncia da
Revoluo Industrial, nasceu com a finalidade de reduzir essas desigualdades
existentes nas relaes de trabalho, por meio da interveno estatal.
Disto se extrai que a principal qualidade do Direito do Trabalho proteger ao
trabalhador, sendo a referida proteo um dos princpios que norteiam s relaes
de trabalho, conforme se ver em momento oportuno.
1.2 Evoluo do trabalho e do Direito do Trabalho
Historicamente, o trabalho era encarado como uma penalidade, um castigo
fsico, aplicado aos escravos. Estes no eram sujeitos de direito, mas sim objetos de
produo.
Pouco a pouco, a mudana cultural social levou com que o trabalho deixasse
de ser uma atividade exercida exclusivamente por escravos e passasse a se
incorporar s atividades do homem mediano.
Em 1789 eclodiu a chamada Revoluo Francesa, sendo sedimentado em
sociedade o lema de Igualdade, Liberdade e Fraternidade e, o trabalho consagrou-
se, de uma vez por todas, como uma atividade livremente prestada.
Mas, foi s em meados do sculo XIX que o Direito do Trabalhou passou a
ser delineado. A crescente insatisfao dos operrios com as condies de trabalho
a que eram submetidos, levou a que os mesmos organizassem os primeiros
movimentos operrios, onde reivindicavam melhoria nas condies de trabalho,
1 DELGADO, Maurcio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6 e.d. So Paulo: LTR, 2007.
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limitao da jornada, proteo ao trabalho da mulher e da criana, dentre outras
reivindicaes. Esses movimentos operrios foram marcados pela Revoluo
Industrial, marco histrico para os direitos laborais.
A presso exercida pelos movimentos operrios, somada aos movimentos
internacionais em prol dos Direitos Humanos e atuao da Igreja, fez com que o
Estado acabasse por intervir nas relaes contratuais privadas, com o fito de
proteger a parte mais fraca da relao de emprego, ou seja, o trabalhador.
Este movimento normativo-regulador das relaes de trabalho se consolidou
na primeira metade do sculo XX, coincidindo com o reconhecimento dos Direitos
Humanos de segunda dimenso, ou Direitos Sociais, bem como, com chamado
welfare state ou Estado de Bem-Estar Social.
Na dcada de 1970, entretanto, o welfare state passou a enfrentar uma crise,
pois, o crescente desenvolvimento tecnolgico acabou por eclodir a globalizao. A
globalizao, sem dvida, facilitou a migrao de polos tecnolgicos para pases
mais pobres, objetivando um barateamento na mo de obra e nos custos de
produo e, consequentemente, uma maior flexibilizao das relaes de trabalho,
bem como, uma desregulamentao.
O Brasil, no entanto, seguiu na contramo da tendncia mundial e, em 1988
promulgou a Constituio Federal vigente at os dias de hoje, em que foi
consagrada a proteo aos direitos mnimos dos trabalhadores, orientados pelo
princpio e fundamento da Repblica da dignidade da pessoa humana.
Por sua prpria natureza, o Direito do Trabalho se sobrelevou como um ramo
autnomo da cincia jurdica, podendo ser dividido em Direito do Trabalho Individual
e Direito do Trabalho Coletivo. Na primeira espcie, so tratadas as relaes entre
empregado e empregador; na segunda espcie so tratadas as relaes de um
determinado grupo, classe ou categoria, assim abstratamente considerada,
geralmente, representadas por sindicatos.
Quanto ao Direito do Trabalho Coletivo, cabe observar que parte da doutrina
entende que este no um ramo autnomo.
1.2.1 Sentido etimolgico de trabalho
Etimologicamente, o sentido da palavra trabalho bastante controverso. Na
doutrina, alguns autores entendem que a palavra trabalho deriva do latim tripalium,
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ou seja, um cavalete de trs paus que era utilizado para domar cavalos no momento
de lhes colocar as ferraduras.
A expresso trabalho tambm j foi concebida como um castigo, uma pena,
traduzida pelo esforo, o cansao fsico, tanto que, durante muito tempo, o trabalho
era visto como coisa de escravos, os quais pagavam pelo seu sustento com a sua
fora de trabalho.
Este sentido de trabalho como castigo, atravessou toda a Idade Mdia e,
apenas no sculo XV que se comeou a ter o sentido genrico que hoje lhe
atribudo, deixando de ser considerado como uma forma de castigo para fazer parte
da vida do homem, integrando o homem sociedade, formando sua personalidade e
traduzindo suas manifestaes, formando um todo coeso.
Este novo sentido decorreu, tambm, da especializao das atividades
humanas, imposta, em parte, pela evoluo cultural da humanidade.
1.2.2 Evoluo do Direito do Trabalho no cenrio nacional
Em mbito nacional, desde o descobrimento do Brasil, no ano de 1500, at a
abolio da escravatura em 1888, o regime de trabalho adotado era, basicamente, o
da escravido, no qual ndios e negros eram tratados como propriedades, no
possuindo qualquer direito.
Assim, aps abolida a escravatura, abriu-se uma brecha para que as
primeiras discusses sobre os direitos dos trabalhadores e as formas de soluo de
conflitos entre patres e empregados surgissem.
De fato, o fim da explorao da mo de obra gratuita e a inevitvel
contratao de trabalhadores assalariados, impulsionou o surgimento de debates no
cenrio ptrio que j estavam em pauta h muitos anos no continente europeu o
qual, nesta poca, colhia as consequncias da Revoluo Industrial.
Na Europa, assistia-se ao surgimento das greves, pois, naquele continente, a
mecanizao dos meios de produo estava acelerando-se cada vez mais e,
cresciam nas cidades os nmeros de trabalhadores desempregados, os quais eram
substitudos pelas mquinas. As fbricas, por sua vez, funcionavam em condies
precrias e submetiam os trabalhadores ao confinamento em ambientes com
pssimas condies de salubridade e iluminao, alm disso, pagava aos mesmos
salrios miserveis e explorava, desmedidamente, o trabalho de mulheres e de
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crianas, submetendo-os a jornadas de trabalho de at 18 (dezoito) horas dirias e
pagando-lhes a metade do que pagavam aos homens.
Os empregados destas fbricas formaram os chamados trade unions, que
funcionavam como uma espcie de sindicatos, fortalecendo os movimentos
grevistas.
Estas manifestaes dos operrios europeus, por fim, acabaram por inspirar
os trabalhadores brasileiros a reivindicar os seus direitos. Entretanto, as primeiras
normas a proteger direitos trabalhistas apenas surgiram em nosso cenrio no ano de
1891, quando o Decreto n. 1.313 regulamentou o trabalho dos menores de idade.
Em 1903 foi promulgada a lei de sindicalizao rural e, em 1907 a lei que
regulou a sindicalizao de todas as profisses nasceu.
Em 1917, Mauricio de Lacerda tentou, pela primeira vez, formar um Cdigo do
Trabalho, mas sua tentativa fracassou. No ano seguinte, o Departamento Nacional
do Trabalho fez a mesma tentativa, mas tambm foi falha.
Em 1923 no mbito do Ministrio da Agricultura, Indstria e Comrcio, surgiu
o Conselho Nacional do Trabalho.
Mas, foi apenas depois da Revoluo de 1930 e do golpe de Estado, que
culminou com a subida ao poder de Getlio Vargas, que a Justia do Trabalho e a
proteo dos direitos dos trabalhadores despontou. E, em 26 de novembro de 1930,
atravs do Decreto n. 19.433, criou-se o Ministrio do Trabalho.
O governo de Vargas ainda foi responsvel por instituir as Comisses Mistas
de Conciliao para solver os conflitos coletivos e as Juntas de Conciliao Prvia
de Julgamento para solver os conflitos individuais.
1.2.2.1 O Direito do Trabalho nas Constituies brasileiras
A primeira Constituio do Brasil, chamada Constituio do Imprio, datada
de 1824, limitava-se a assegurar a liberdade de trabalho e a estabelecer, em seu
artigo 179, a liberdade de qualquer gnero de trabalho, desde que o mesmo no
afrontasse os costumes pblicos, a segurana e a sade dos cidados, abolindo,
ainda, as corporaes de ofcio.
A constituio de 1891, por sua vez, garantiu o exerccio de qualquer
profisso moral, intelectual ou industrial.
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Em 1930, o Brasil foi abalado por uma revoluo que culminou com o Golpe
de Estado, sendo que Getlio Vargas, naquela oportunidade, assumiu a chefia do
Governo Provisrio. Ocorre que, o referido movimento foi base para a chamada
questo social e, em 1934 nasceu uma nova Constituio, onde as questes sociais
ganharam grande relevncia.
A Constituio Federal de 1934 foi o passo decisivo para a criao da Justia
do Trabalho no Brasil, a qual passou a aplicar a chamada Consolidao das Leis do
Trabalho, a qual, embora tenha nascido com a constituinte de 1934, apenas foi
regulamentada no ano de 1940, conforme se ver oportunamente.
Alm disso, a Constituio de 1934 incluiu a Justia do Trabalho no captulo
que trata Da ordem econmica e social, atribuindo a mesma a funo de solver os
conflitos entre empregados e empregadores. Inicialmente, a Justia do Trabalho
estava atrelada ao Poder Executivo, mas, posteriormente, foi transferida para a
esfera de competncia do Poder Judicirio.
Inegavelmente, a Magna Carta de 1934 trouxe muitos avanos para os
trabalhadores, foi a responsvel por instituir o salrio mnimo, a jornada de trabalho
de oito horas dirias, o repouso semanal, o direito s frias remuneradas
anualmente e, a indenizao por dispensas arbitrrias, reconheceu, ainda, a
autonomia dos sindicatos e associaes.
Em 1937, j sob a gide do chamado Estado Novo, foi outorgada uma nova
Constituio, onde os direitos trabalhistas foram ampliados, estabelecendo-se
grande interveno Estatal nas relaes de trabalho, haja vista ser o trabalho um
dever social.
Em 1946, a Assembleia Constituinte convocada aps a derrubada do governo
Vargas, acrescentou uma srie de direitos antes ignorados legislao, dentre eles,
destacam-se o direito de greve, repouso semanal remunerado aos domingos e
feriados, alm de extenso do direito indenizao por antiguidade e a
estabilidade do trabalhador rural. Tambm integrou o seguro contra acidentes de
trabalho ao regime da previdncia social.
Em 1964 ocorreu mais um golpe em nosso pas, o chamado Golpe Militar,
instaurando no mbito nacional a Ditadura Militar. E, em 1967 foi outorgada nova
Constituio Federal. A Constituio de 1967 aplicou a legislao trabalhistas aos
empregados temporrios; valorizou o trabalho como condio da dignidade da
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pessoa humana; proibiu a greve de servidores pblicos em atividades essenciais ao
Estado; e, assegurou o direito de participao nos lucros das empresas.
Referido diploma constitucional tambm estabeleceu uma idade mnima para
o trabalho, como sendo a de 12 anos, proibindo aos menores o trabalho noturno.
Incluiu em seu texto o direito ao seguro desemprego, muito embora o instituto
apenas tenha sido criado em 1986; e, estabeleceu a aposentadoria para a mulher
aps 30 anos de trabalho, com direito salrio integral; prevendo, ainda, a criao
do Fundo de Garantia por Tempo de Servio FGTS.
Entretanto, foi apenas em 1988, com a promulgao da atual Constituio
Federal vigente que o trabalho humano foi valorizado plenamente, tambm neste
diploma, a dignidade da pessoa humana passou a ser um dos fundamentos da
Repblica e da ordem econmica, assim como os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa, que tambm foram alados ao status de fundamento da Repblica.
Podemos sintetizar que, os valores sociais do trabalho funcionam como
pilares, assegurando a todos uma existncia digna e, a valorizao do trabalho
humano confere aos trabalhadores um tratamento peculiar, em que, mesmo
situando-se em uma sociedade capitalista, possa se deferir ao trabalhador uma
proteo no meramente caridosa, mas tambm, politicamente racional2.
Dentre os maiores avanos introduzidos no ordenamento pela Carta de 1988,
esto a proteo contra a despedida arbitrria ou sem justa causa; piso salarial
proporcional extenso e complexidade do trabalho exercido; licena gestacional,
sem prejuzo do emprego e do salrio, com durao de 120 dias; licena
paternidade; irredutibilidade salarial e a limitao da jornada de trabalho para 8
horas dirias e 44 horas semanais; proibindo, ainda, a discriminao quanto a
salrio e critrios de admisso do trabalhador deficiente.
Em suma, a Magna Carta de 1988 realizou um feito indito, assegurando aos
brasileiros direitos sociais e essenciais ao exerccio de sua cidadania e, a palavra
trabalho passou a ganhar uma nova roupagem social, pois atrelou-se ao conceito de
dignidade da pessoa humana.
2
GRAU, Eros Robert. A ordem econmica na Constituio de 1988: Interpretao e crtica. 8 Ed.,
So Paulo: Malheiros, 2003, p. 178.
11
1.2.2.2 A Consolidao das Leis do Trabalho
Em 1 de Maio de 1941, durante o chamado Estado Novo, o ento presidente
Getlio Vargas, assinou a criao da Justia do Trabalho em um grande evento
realizado no Club de Regatas Vasco da Gama.
Posteriormente, em janeiro de 1942, Getlio Vargas e o seu ministro do
trabalho, Alexandre Marcondes Filho, manifestaram a inteno de criar uma
consolidao das leis do trabalho. convidou-se, ento, para fazer parte desta
elaborao os juristas Jos de Segadas Viana, Oscar Saraiva, Lus Augusto Rego
Monteiro, Dorval Lacerda Marcondes e Arnaldo Lopes Sssekind.
Como fontes materiais da Consolidao das Leis do Trabalho, foram
utilizadas as concluses do 1 Congresso Brasileiro de Direito Social, realizado em
maio de 1941 em So Paulo; as convenes internacionais do trabalho; e, a
Encclica Rerum Novarum (se traduz como Das coisas novas), documento do
pontfice Leo XIII, datado de 15 de Maio de 1891 que, nada mais era, do que uma
carta aberta a todos os bispos sobre as condies das classes trabalhadoras.
Alm dessas fontes, tambm foram importantes os pareceres dos consultores
jurdicos Oliveira Viana e Oscar Saraiva, aprovados pelo ento ministro do trabalho.
A CLT ainda foi fortemente influenciada pela Carta Del Lavoro, do governo de
Benito Mussolini, na Itlia.
J em novembro de 1942, apresentaram, ento, o anteprojeto da CLT, o qual
foi publicado no Dirio Oficial a fim de receber sugestes e, posteriormente, aps
estudar o projeto, Getlio Vargas o remeteu aos seus coautores para examinar as
sugestes e redigir o projeto final.
O projeto resultou na criao do Decreto-Lei n. 5.452 de 1 de Maio de 1943,
o qual foi assinado por Getlio Vargas em uma grande festa realizada no Clube de
Regatas Vasco da Gama, realizada para comemorar o feito.
A Consolidao das Leis do Trabalho foi responsvel por unificar toda a
legislao trabalhistas at ento existente no Brasil, representando um grande
marco na histria dos direitos trabalhistas brasileiros, pois inseriu, de forma
definitiva, estes direitos na legislao ptria. O objetivo central da CLT , justamente,
regulamentar as relaes individuais e coletivas do trabalho que esto em seu texto
previstas e, resta claro que surgiu como uma necessidade constitucional aps a
criao da Justia do Trabalho.
12
1.3 Natureza jurdica do Direito do Trabalho
Acerca da natureza jurdica do Direito Trabalho, no existe uma posio
pacfica na doutrina, sobrelevando-se quatro teorias diversas que visam estabelecer
a natureza jurdica deste ramo do Direito, so elas a Teoria do Direito Pblico; a
Teoria do Direito Social; a Teoria do Direito Privado e a Teoria do Direito Misto.
Consoante Teoria do Direito Pblico, a livre manifestao de vontade das
partes seria substituda pela vontade do Estado, o qual pode intervir nas relaes
entre empregado e empregador atravs de suas leis, que so imperativas e
irrenunciveis.
Na Teoria do Direito Social, o interesse da coletividade prevaleceria sobre o
interesse individual e, por este motivo, o ordenamento jurdico inerente ao Direito do
Trabalho tem a finalidade de proteger aquele que socialmente mais vulnervel, ou
seja, o trabalhador, fazendo com que, assim, o interesse social seja resguardado.
Para a Teoria do Direito Privado, o cerne do Direito do Trabalho se
encontraria no Direito Civil e, embora existam normas cogentes sobre a matria, a
sua natureza privada no poderia ser afastada, posto que as partes contratantes
seriam livres pactuar as clusulas contratuais.
A ltima teoria leciona que o Direito do Trabalho possui natureza mista, sendo
um complexo de normas pblicas e privadas.
A grande maioria dos doutrinadores entende, no entanto, que o Direito do
Trabalho se trata de um ramo da cincia jurdica de natureza privada. Para fins
didticos, nos filiamos a esta teoria.
1.4 Fontes do Direito do Trabalho
Por fonte de direito, entendemos a origem do direito e das normas que o
regem. As fontes podem ser divididas em materiais, ou seja, aquelas ligadas ao
contedo, ao fato social que d origem ao direito positivo; e, formais que, por sua
vez, so as ligadas forma jurdica utilizada como regulamentao do fato social.
13
As fontes formais podem ser divididas em autnomas e heternomas.
Autnomas so aquelas que derivam dos prprios destinatrios da norma, como, por
exemplo, as convenes coletivas de trabalho e os usos e costumes; heternomas
so aquelas que surgem a partir da atuao de uma terceira figura, normalmente, o
Estado, sem a participao direta dos destinatrios da norma jurdica, so elas as
leis, os decretos, as portarias, as instrues normativas e demais atos do Poder
Executivo; os tratados e convenes internacionais; as sentenas normativas;
laudos arbitrais; e jurisprudncia.
Ainda pode-se mencionar que, o artigo 8, da CLT, leciona que o Direito
Comum ser fonte subsidiria do Direito do Trabalho, naquilo que no for
incompatvel com os princpios fundamentais inerentes ao ramo juslaboral.
Certo que, entre as fontes normativas existe uma hierarquia que deve ser
respeitada. No topo dessa hierarquia piramidal, encontra-se a Constituio Federal,
seguida das Emendas Constitucionais, Leis Complementares, Leis Ordinrias, Leis
Delegadas, Medidas Provisrias, Decretos e, por fim, os atos normativos.
Entretanto, o Direito do Trabalho estabeleceu um critrio hierrquico prprio,
haja vista a especialidade deste ramo do direito. No h que se falar em hierarquia
de diplomas normativos, mas sim em hierarquia de normas jurdicas, sejam elas
heternomas ou autnomas; e, preciso, sempre, ter-se em vista o princpio da
proteo ao trabalhador, o qual orienta todo o Direito do Trabalho. Portanto, a
pirmide hierrquica no Direito do Trabalho ser construda de forma varivel,
ocupando o seu vrtice sempre a norma que mais se aproximar do maior objetivo do
Direito do Trabalho, ou seja, o equilbrio das relaes sociais.
Isso equivale dizer que, sempre preponderar a norma que mais for benfica
ao trabalhador, no sendo o vrtice da pirmide, necessariamente, a Constituio
Federal.
1.5 Princpios
O artigo 8, da CLT elenca os princpios como fontes integrativas do direito e,
por isso, consequentemente, seriam fontes materiais de direito.
14
No entanto, os princpios so mais do que fontes integradoras do direito, eles
se inserem na dialtica que dinamiza o direito na histria, exercendo uma funo
diretiva no direito, este o posicionamento de Amauri Mascaro Nascimento:
Principal a funo dos princpios na aplicao do direito na medida em que servem de base para o juiz sentenciar. No h dvida, contudo, que so, para o operador do direito, uma tcnica de integrao do direito. Porm, so mais do que isso. Inserem-se na dialtica que dinamiza o direito na histria. As alteraes do sistema legal, quando assumem uma dimenso relevante, devem atuar como base fundamental que se reflita sobre o raciocnio dogmtico. Devem ser pensados tambm em funo da nova realidade legislativa que se pe diante do doutrinador, soluo que nos parece, na perspectiva do direito positivo, coerente, a menos que se admita um abismo entre o sistema legal e o sistema dogmtico. Sob essa perspectiva, e ao contrrio da posio da nossa lei (CLT, art. 8o) que os reduz a uma tcnica para suprir lacunas, os princpios devem assumir uma funo diretiva do sistema
3.
Podemos concluir que os princpios tm vrias funes, sendo elas:
informadora, normativa e interpretativa. A funo informadora atua como inspirao
ao legislador e de fundamento para as normas jurdicas. A funo normativa se trata
de uma funo supletiva, ou seja, quando os princpios so utilizados para suprir
as lacunas no ordenamento jurdico, como por exemplo, no caso do presente
trabalho, em que o assdio moral no vem previsto em nenhuma norma
infraconstitucional, sendo que, os julgados que versam a respeito de tal matria, se
orientam atravs de princpios. Por fim, a funo interpretativa atua como um critrio
orientador aos interpretes e aplicadores do direito.
A CLT expressa quando, em seu artigo 8, leciona que, na ausncia de lei
especfica ou de clusulas contratuais expressas, o interprete do direito poder
valer-se dos princpios de Direito do Trabalho para solucionar o caso concreto.
No presente tpico, para melhor tratar dos princpios que regem as relaes
de trabalho, iremos dividi-los em princpios gerais e princpios de direito do trabalho,
os quais sero tratados em tpicos prprios.
1.5.1 Princpios Gerais
Alguns princpios so comuns ao Direito como um todo. Tais princpios, em
doutrina, so chamados de princpios gerais de direito. Por exemplo, preciso
3NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: histria e teoria geral do direito do
trabalho: relaes individuais e coletivas de trabalho / Amauri Mascaro Nascimento. 26 Ed. So Paulo: Saraiva, 2011. p. 453
15
sempre se respeitar a dignidade da pessoa humana, proibir o abuso de direito e o
locupletamento ilcito, dentre outros.
Os princpios gerais de direito so divididos por Miguel Reale em princpios
omnivalentes (vlidos para todas as formas de saber); princpios plurivalentes
(aplicveis a diversos campos de conhecimento); e, princpios monovalentes (valem
somente no mbito de uma determinada cincia). Segundo o autor, os princpios
gerais so enunciaes normativas de valor genrico, que condicionam e orientam a
compreenso do ordenamento jurdico, facilitando a integrao de normas, ou
mesmo, a elaborao de novas normas. Servem de base do ordenamento jurdico
ptrio, pois, informam o nosso sistema, independentemente de estarem ou no
positivados em norma legal4.
Luiz Regis Prado assevera em sua obra que os princpios gerais de direito
no so normas jurdicas stricto sensu e no integram o repertrio do ordenamento
jurdico, mas tomam parte em sua estrutura, isto , na relao entre as normas de
um sistema, conferindo-lhes coeso5.
Para Trcio Sampaio Ferraz Junior, os princpios gerais de direito, mesmo
podendo ser aplicados diretamente, no podem ser considerados como normas,
para o autor, a forma indefinida dos princpios gerais compem a estrutura do
sistema, no o seu repertrio. Desta forma, seriam regras de coeso que
constituem s relaes entre as normas como um todo e, dada a sua regra
estrutural, serviria para garantir a imperatividade de todo o repertrio normativo6.
Por fim, citamos o entendimento de Norberto Bobbio, segundo o qual os
princpios gerais de direito so, de fato, normas fundamentais ou generalssimas do
sistema7.
De fato, no existe uma uniformizao na doutrina acerca do conceito dos
princpios gerais, entretanto, para fins didticos, filiamo-nos a corrente que afirma
que os princpios gerais de direito so normas.
4 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27 ed. So Paulo: Saraiva.
5 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume I Parte Geral, arts. 1 a 120, 6 ed.,
rev., atual. e ampliada, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 188. 6 FERRAZ JR., Trcio Sampaio. Introduo ao estudo do direito Tcnica, Deciso, Dominao, So
Paulo: Editora Atlas, 1988, p. 223. 7 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurdico, Traduo: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. 10 ed., Braslia: Editora UnB, 1997, p. 158.
16
Em mbito de Direito do Trabalho, os princpios gerais de direito de maior
relevncia so o princpio da dignidade da pessoa humana, o princpio da boa-f e o
princpio da razoabilidade, os quais sero estudados a seguir.
1.5.1.1 Princpio da dignidade da pessoa humana
A Constituio Federal de 1988 elevou a dignidade da pessoa humana
condio de fundamento da Repblica em seu artigo 1, inciso III.
Em mbito juslaboral, a dignidade da pessoa humana de suma
importncia, pois, conforme visto em linhas anteriores, as relaes de trabalho ao
longo da historia foram pautadas por muita desigualdade e, por muito tempo, o
trabalhador foi enxergado como objeto e no como sujeito de direitos.
Desta forma, a dignidade da pessoa humana, enquanto um princpio geral
de direito e fundamento da Repblica, em mbito trabalhista, serve para impor
limites ao poder diretivo do empregador, seja vedando-lhe a despedida arbitrria, a
alterao unilateral do contrato de trabalho ou, ainda, vedando a discriminao do
obreiro em razo de raa, sexo, cor, origem etc..
1.5.1.2 Princpio da razoabilidade
Segundo o princpio da razoabilidade, o homem deve pautar as suas aes
de acordo com a razo, agindo tal qual agiria qualquer homem mdio ou comum.
Em mbito trabalhista, este princpio se mostra relevante, pois, em casos de uma
despedida, por exemplo, caber ao empregador comprovar a justa causa ou no,
pois presume-se que o homem mediano no daria azo a sua demisso. Nesta
mesma toada, deve o empregador fazer prova de que o empregado prestou servios
embriagado, por exemplo, afinal, o homem mediano no compareceria nessas
condies em seu local de trabalho.
A regra da razoabilidade um princpio geral de direito, pois no se aplica
apenas interpretao das normas de Direito do Trabalho, podendo ser aplicada
generalidade dos casos que envolvem a conduta humana.
1.5.1.3 Princpio da boa-f
17
O princpio da boa-f tem sua origem no Direito Contratual e, aplicvel em
qualquer contrato que seja, independentemente de sua espcie. Desta forma,
aplicvel, tambm, aos contratos de trabalho. Consoante este princpio, o
empregado deve cumprir com as obrigaes por ele assumidas, desempenhando
suas funes com zelo e abstendo-se de praticar atos ilegais. O empregador, por
sua vez, tambm deve cumprir com o quanto fora contratado, dando quitao s
suas obrigaes e respeitando a dignidade da pessoa humana do trabalhador.
Nasce disto a chama lealdade recproca.
1.5.2 Princpios de Direito do Trabalho
So princpios orientadores do Direito do Trabalho o princpio da proteo, o
princpio da irrenunciabilidade de direitos, o princpio da continuidade das relaes
de emprego, o princpio da primazia da realidade, o princpio da inalterabilidade
contratual e o princpio da intangibilidade salarial.
Dito isso, discorreremos, brevemente, sobre cada um deles.
1.5.2.1 Princpio da proteo
O princpio da proteo consiste em conferir parte mais fraca da relao de
trabalho, o empregado, uma maior proteo, capaz de garantir os direitos mnimos
constantes da legislao vigente.
Atravs deste princpio, cabe ao Estado estabelecer normas imperativas de
observncia obrigatria nos contratos de trabalho, impedindo a explorao
desmedida do capital sobre o trabalho humano, dando aos trabalhadores melhores
condies de vida e assegurando-lhes o seu bem-estar.
O princpio da proteo se subdivide em trs, sendo eles: o princpio do in
dubio pro operario, o princpio da aplicao da norma mais benfica e o princpio da
condio mais benfica.
De acordo com o princpio do in dubio pro operario o intrprete, ao analisar
um preceito que disponha sobre norma trabalhista, havendo duas ou mais
interpretaes possveis, deve ser adotada aquela que for mais favorvel ao
trabalhador.
18
O princpio da aplicao da norma mais favorvel, por sua vez, estabelece
que, independentemente da hierarquia existente entre diplomas, havendo duas
normas que disciplinem o mesmo assunto, deve prevalecer aquela que mais for
benfica ao trabalhador. Este princpio revelado, de forma irrefutvel, no artigo 620
da CLT, quando estabelece que, quando as condies estabelecidas em Conveno
forem mais favorveis, devero prevalecer sobre aquelas dispostas em Acordo.
Por fim, de acordo com o princpio da condio mais benfica temos que, as
condies mais vantajosas estipuladas no contrato de trabalho ou do regulamento
da empresa prevalecero independentemente de edio de normas supervenientes
dispondo sobre a mesma matria e, sobrevindo a criao de uma nova regra,
apenas produzir efeitos para os novos contratos de trabalho a serem firmados.
A este respeito, citamos entendimento sumulado do TST:
Smula 511-TST. I - As clusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, s atingiro os trabalhadores admitidos aps a revogao ou alterao do regulamento; II - Havendo a coexistncia de dois regulamentos da empresa, a opo do empregado por um deles tem efeito jurdico de renncia as regras do sistema do outro. Smula 288-TST. A complementao dos proventos de aposentadoria regida pelas normas em vigor na data de admisso do empregado, observando-se as alteraes posteriores desde que mais favorveis ao beneficirio do direito.
1.5.2.2 O princpio da irrenunciabilidade de direitos
Tambm chamado de princpio da indisponibilidade de direitos ou princpio
da inderrogabilidade, vem previsto no artigo 9, da CLT, onde o legislador fez
constar que sero nulos, de pleno direito, os atos praticados com o objetivo de
desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicao dos preceitos contidos na Consolidao
das Leis do Trabalho.
Por este princpio, os direitos dos trabalhadores so irrenunciveis,
indisponveis e inderrogveis, desta forma, protege-se o empregado contra a coao
exercida pelo empregador, o qual pode induzir o empregado a dispor, contra a sua
vontade, de seus direitos trabalhistas.
1.5.2.3 Princpio da continuidade das relaes de emprego
19
Em regra, os contratos de trabalho so firmados por tempo indeterminado,
passando o trabalhador a integrar a estrutura da empresa de uma forma permanente
e, apenas por exceo, admite-se o contrato de trabalho por tempo determinado ou
a termo certo.
Por este motivo, a Constituio Federal previu que, em casos de demisso,
o empregado ter direito a receber Fundo de Garantia por Tempo de Servio
FGTS, bem como, o Aviso Prvio em casos de dispensa injusta.
1.5.2.4 Princpio da primazia da realidade
Segundo o princpio da primazia da realidade, a verdade real dever
prevalecer sobre a formal, aplicado para impedir que o empregador adote
procedimentos fraudatrios tendentes a mascarar o vnculo de emprego existente
ou, ainda, para conferir ao trabalhador menos direitos do que o efetivamente devido.
1.5.2.5 Princpio da inalterabilidade contratual
O princpio da inalterabilidade contratual lesiva tem origem no Direito Civil no
chamado instituto da pacta sunt servanda, segundo a qual os contratos devem ser
cumpridos. A CLT apenas admite a alterao de clusulas e condies contratuais
em caso de concordncia mtua e, desde que desta alterao, no resultem
prejuzos ao obreiro, do contrrio, a clusula ser considerada nula.
permitido ao empregador que faa pequenas variaes no contrato de
trabalho, essas variaes fazem parte do jus variandi e decorrem do poder diretivo
do empregador, mas, essas variaes no podem prejudicar o obreiro.
1.5.2.6 Princpio da intangibilidade salarial
O salrio do obreiro possui carter alimentar, isso equivale dizer que, visa a
suprir s necessidades do trabalhador e de sua famlia. Por este motivo, o salrio do
obreiro deve ser protegido em face de condutas abusivas do empregador que visem
reter, atrasar ou sonegar o salrio ou, ainda, efetuar descontos indevidos. Como
exemplo, citamos os artigos 459, 462, 463, 464 e 465, todos da CLT.
20
O salrio do obreiro tambm protegido contras os seus credores, sendo
impenhorvel por fora do artigo 649, IV, do CPC. E, tambm, protegido contra os
credores do empregador, haja vista que o artigo 449, caput, da CLT, determina a
manuteno dos direitos oriundos da existncia do contrato de trabalho em casos de
falncia ou dissoluo da sociedade empresarial e, inobstante, a Lei n.
11.101/2005, em seu artigo 83, privilegiou os crditos trabalhistas no importe de at
150 salrios mnimos em casos de falncia.
Deriva do princpio da intangibilidade salarial o princpio da irredutibilidade
salarial, consagrado no artigo 7, inciso VI, da Constituio Federal de 1988, o qual
impe a impossibilidade de se reduzir o salrio do obreiro, salvo nos casos de
acordo ou conveno coletiva que reduzam, temporariamente, os salrios em casos
de crise no mercado econmico, privilegiando, assim, a continuidade das relaes
de emprego.
1.6 Contrato individual de trabalho
Segundo o artigo 442 da CLT, contrato individual de trabalho o acordo,
tcito ou expresso, correspondente relao de emprego.
Neste ponto, cabe fazermos uma breve diferenciao entre relao de
trabalho e relao de emprego, pois, as relaes de trabalho e de emprego diferem
entre si em funo da legislao aplicvel s mesmas e, consequentemente, em
funo da inteno do legislador ao tutelar o trabalho.
Na lio de Maurcio Delgado Godinho, podemos distinguir relao de
emprego e relao de trabalho da seguinte forma:
A primeira expresso tem carter genrico: refere-se a todas as relaes jurdicas caracterizadas por terem sua prestao essencial centrada em uma obrigao de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratao de trabalho humano modernamente admissvel. A expresso relao de trabalho englobaria, desse modo, a relao de emprego, a relao de trabalho autnomo, a relao de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuao de prestao de labor (como trabalho de estgio, etc.). Traduz, portanto, o gnero a que se acomodam todas as formas de pactuao de prestao de trabalho existentes no mundo jurdico atual. [...] A relao de emprego, do ponto de vista tcnico-jurdico, apenas uma das modalidades especificas de relao de trabalho juridicamente configuradas.
21
Corresponde a um tipo legal prprio e especfico, inconfundvel com as demais modalidades de relao de trabalho ora vigorantes.
8
Estabelecidas as diferenas entre relao de trabalho e relao de emprego,
podemos terminar de analisar o ponto concernente aos contratos individuais de
trabalho.
Conforme dito anteriormente, a CLT conceituou contrato individual de
trabalho em seu artigo 442 e, cuidou o legislador de observar, ainda, as formas
pelas quais o contrato de trabalho pode ser pactuado, ou seja, expressamente ou de
forma tcita.
Nos contratos individuais de trabalho, uma pessoa fsica, denominada
empregado, compromete-se, mediante pagamento de uma contraprestao salarial,
a prestar trabalho, de forma no eventual e subordinado, em proveito de outra
pessoa, seja ela fsica ou jurdica, denominada empregador.
O objeto do contrato de trabalho constituir uma obrigao e uma
contraprestao. Para o empregado, nasce a obrigao de fazer e de prestar o
trabalho e, para o empregador, em contrapartida, nasce o dever da contraprestao,
consubstanciada no pagamento de salrio.
No que tange natureza jurdica dos contratos de trabalho, destacam-se
trs teorias que pretendem deslind-la.
A primeira delas a chamada Teoria Acontratualista a qual nega a
manifestao de vontade do empregado e, por este motivo, no vigorou.
A segunda delas a Teoria Institucionalista, a qual considera a
manifestao de vontades, mas no lhe d muita importncia. Para esta corrente,
existe uma situao externa que obriga o empregado a trabalhar para o empregador,
sendo que a prpria sociedade cobraria a atividade produtiva do empregado e do
empregador. Os defensores desta corrente afirmam que o artigo 492, da CLT, que
estabeleceu a estabilidade decenal, deixaria clara a influncia externa sobre a
vontade das partes. Esta teoria tambm no foi aceita, pois ignora a liberdade
contratual.
Por fim, temos a Teoria Neocontratualista, a qual a que prevalece. Para
esta teoria, o contrato de trabalho possui natureza jurdica contratual, de Direito
8 DELGADO, Maurcio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6 e.d. So Paulo: LTR, 2007.
22
Privado e, o Estado apenas intervm para regular e normatizar as condies
bsicas, garantindo os direitos mnimos dos trabalhadores.
Muitas, ainda, so as espcies de contrato de trabalho, entretanto, por no
ser este tema relevante para o presente trabalho, deixaremos de abord-las,
1.6.1 Sujeitos do contrato de trabalho
So sujeitos do contrato de trabalho o empregado e o empregador. No
presente tpico, analisaremos cada um deles.
1.6.1.1 Empregado
O conceito de empregado vem estabelecido no artigo 3, da CLT, quando o
mesmo estabelece que empregado toda pessoa fsica que prestar servios de
natureza no eventual a empregador, sob a dependncia deste e mediante salrio.
Deste conceito legal, extramos quatro elementos caracterizadores do
contrato de trabalho, ou seja, o trabalho prestado por uma pessoa fsica, de forma
no eventual, sob a dependncia de um empregador, cujo obreiro receba uma
contraprestao em forma de salrio.
Ainda existem outros dois requisitos, dispostos no artigo 2, da CLT, sendo
estes a pessoalidade, ou seja, o servio deve ser prestado pessoalmente pelo
empregado e, a alteridade, cujos riscos da atividade econmica devem ser
suportados pelo empregador.
1.6.1.2 Empregador
O artigo 2 da CLT dispe que considera-se empregador a empresa,
individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econmica, admite,
assalaria e dirige a prestao pessoal de servios.
Ainda, no mesmo dispositivo, em seu 1, estabelece-se que, se equiparam
ao empregador, para os efeitos exclusivos da relao de emprego, os profissionais
liberais, as instituies de beneficncia, as associaes recreativas ou outras
instituies sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
23
Podemos sintetizar que, o empregador a pessoa fsica ou jurdica que,
assumindo os riscos da atividade econmica, admite, assalaria e dirige a prestao
pessoal de servios.
Superadas as questes introdutrias, necessrias ao deslinde do presente
trabalho, passaremos a tratar das questes centrais do mesmo.
24
2 ASSDIO MORAL
O tema objeto do presente trabalho bastante vasto, polmico,
interdisciplinar e, destitudo de lei especfica em nosso ordenamento.
Para a realizao do presente estudo, valemo-nos da pesquisa doutrinria e
jurisprudencial, alm disso, analisamos a posio do direito aliengena em relao
ao presente tema e os projetos de lei nacional que visam regulamentar o assunto.
Tambm foi realizada pesquisa em excertos de psicologia que tratam da matria,
haja vista tratar-se de um assunto bastante visado por esse ramo das cincias.
Sua relevncia se mostra, pois, o assdio moral est presente nos mais
diversos setores de atividade e, no ltimo decnio, ganhou ainda mais destaque
dado a frequncia com que vem ocorrendo, estimando-se que ao menos 42% dos
trabalhadores so vtimas de assdio moral nas empresas.
Nas linhas que seguem, trataremos da origem do assdio moral; seu conceito
e natureza jurdica; suas espcies; caractersticas e seus sujeitos; ainda faremos um
breve apontamento sobre as diferenas entre o assdio moral e outra figura
bastante frequente no cenrio juslaboral, denominada assdio sexual.
2.1 Origem
Muito embora o assdio moral seja um fenmeno bastante antigo,
juridicamente falando, bastante recente, pois passou a ser analisado pelo campo
do direito apenas na dcada de 1980.
A sua origem remonta a estudos realizados pelos mais variados ramos das
cincias, seja a etologia, a psiquiatria e a psicologia. O marco relevante dos estudos
acerca do tema foram os estudos realizados pelo psiquiatra alemo Heinz Leymann
na dcada de 1980, quando descreveu e analisou os mais variados comportamentos
hostis que se desenvolviam dentro das organizaes e, particularmente, nas
relaes de trabalho.
Para o estudioso e investigador da psicologia do trabalho, o assdio moral
poderia ser definido como uma interao social, atravs da qual um indivduo
25
(raramente mais do que um) atacado por um ou mais (raramente mais de quatro)
indivduos de forma diria e continuada durante meses, levando a pessoa assediada
a sentir-se numa posio completamente desprotegida e correndo um elevado risco
de excluso9.
O trabalho do referido estudioso se mostra de tamanha relevncia para o
estudo do tema, pois, hoje em dia, as caractersticas utilizadas para a configurao
ou no do assdio moral, derivam de seus estudos.
Leymann sintetizou mais de quarenta e cinco comportamentos que poderiam
caracterizar o assdio moral e, ainda afirmou que esses comportamentos devem ser
sistemticos, ou seja, devem ocorrer, pelo menos, uma vez por semana, tendo uma
durao razovel, prolongando-se, pelo menos, por seis meses.
Desta forma, a guisa de concluso, podemos dizer que, o fenmeno do
assdio moral sempre existiu em sociedade, sendo, deveras, to antigo quanto s
relaes de trabalho, mas a sua figura jurdica tal qual a conhecemos, comeou a
ser delineada na dcada de 1980, nascendo atravs de estudos de etologia,
psiquiatria e psicologia, sendo o trabalho do psiquiatra e estudioso Heinz Leymann o
de maior relevncia para a compreenso do assunto.
2.2 Conceito
A vitimloga francesa Marie-France Hirigoyen conceitua o assdio moral pode
como toda e qualquer conduta abusiva, manifestada atravs de gestos, palavras,
comportamentos ou atitudes, praticados de forma reiterada e sistematizada que
atentem contra a dignidade ou integridade psquica ou fsica de uma pessoa,
colocando em perigo o seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho10.
A jurista e advogada brasileira, Sonia A. C. Mascaro Nascimento, entende
que o assdio moral se caracteriza por ser uma conduta abusiva, de natureza
psicolgica, que atenta contra a dignidade psquica de forma repetitiva e prolongada, 9 LEYMANN, Heinz (2000a), Mobbing. Pgina consultada em 28 de Fevereiro de 2014, disponvel
em http://www.leymann.se/English/12100E.HTM. 10
HIRIGOYEN, Marie-France. A violncia perversa do cotidiano. Trad. Maria Helen Huhner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
26
e que expe o trabalhador a situaes humilhantes e constrangedoras, capazes de
causar ofensa personalidade, dignidade ou integridade psquica, e que tenha
por efeito excluir a posio do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de
trabalho, durante a jornada de trabalho e no exerccio de suas funes11.
Entretanto, existe na doutrina certa dificuldade para verificar as condutas
caracterizadoras do assdio moral e, por este motivo, sempre haver um grau de
subjetividade no julgamento do que considerado como uma conduta abusiva ou
no.
De uma forma geral, podemos dizer que so elementos caracterizadores do
assdio moral a abusividade de conduta intencional; repetio e prolongamento; e, o
ataque dignidade do trabalhador; tais elementos sero abordados em momento
oportuno.
2.3 Natureza jurdica
Conforme pode se extrair das linhas anteriores, a teoria do assdio moral
assenta-se no princpio da dignidade da pessoa humana, o qual, no Brasil, alm de
princpio , tambm, um fundamento da Repblica, consoante artigo 1, inciso III, da
Constituio Federal de 1988.
Alm disso, tambm estaria abarcado pelo direito sade mental, abrangido
pelo direito de sade previsto no artigo 6 da Magna Carta e, tambm, pelo direito
honra, previsto no artigo 5, inciso X, do diploma constitucional.
A prtica do assdio moral viola os direitos humanos da vtima e, a violao
destes direitos, causa danos de ordem moral na vtima o que, consequentemente,
nos levar ao campo da responsabilizao civil resultante do assdio moral.
Assim, embora situado no campo do trabalho, o assdio moral um ilcito
civil, o qual gera a reparao de um dano de natureza extrapatrimonial, desde que
identificada a responsabilidade do empregador.
O dano moral gerado pela prtica de assdio moral imaterial e, a
indenizao estabelecida , na verdade, uma reparao pecuniria com vistas a
11
NASCIMENTO, Sonia A. C. Mascaro. Assdio moral no ambiente de trabalho. resvita LTr, So Paulo, v. 68, n. 08, p. 922-930, agosto de 2004.
27
atenuar o sofrimento impingido ao empregado; o assdio moral ainda pode ser
capaz de ferir os direitos da personalidade do obreiro, tais como, a dignidade da
pessoa humana, sua honra, intimidade, vida privada, imagem, sade e, tambm, sua
integridade fsica e moral.
Em um segundo plano, a reparao pecuniria serve de desestmulo da
prtica de condutas lesivas ao empregado, assim, o pagamento de indenizao por
assdio moral, tem natureza jurdica de sano pela prtica de um ato ilcito.
Portanto, o que gera a indenizao por assdio moral a prtica de um ato
ilcito que provocou um dano de ordem moral o qual, muitas vezes, pode vir
acompanhado de um dano de ordem material como, por exemplo, quando o
empregado coagido a pedir demisso de suas funes, abrindo mo dos direitos
que tinha.
Desta forma, quando o dano moral vem acompanhado de um dano material,
concomitantemente, a vtima ter direito a receber duas indenizaes diversas. O
tema relativo indenizao por dano moral oriundo da prtica de assdio ser
tratado em tpico prprio.
2.4 Caractersticas
O assdio moral uma violncia pessoal; psicolgica e moral; multilateral
(podendo ser horizontal, vertical, descendente ou ascendente); podendo ser sentida
individualmente ou coletivamente; tendo carter interdisciplinar, pois, envolve as
reas da psicologia, medicina do trabalho, administrao e outras afins.
Se configura, basicamente, pela insistncia impertinente, com propostas,
perguntas ou pretenses indevidas, resultando de um conjunto de atos que podem
no ser percebidos pela vtima, em um primeiro momento, como intencionais ou
importantes, mas, a sequncia dos mesmos acabam por expor o obreiro a situaes
incmodas, humilhantes e constrangedoras.
A ocorrncia do assdio moral pode ser identificada atravs de
comportamentos omissivos ou comissivos, que acabem por constranger ou
desestabilizar uma determinada pessoa, afetando a sua autoestima e a sua sade
psicolgica, causando-lhe estresse dentre outras enfermidades.
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So muitos os comportamentos que podem ser praticados pelo ofensor com
inteno de prejudicar a vtima, passando desde a indiferena em relao vtima a
atitudes de desprezo, silncio, rigor excessivo, exigncia de tarefas desnecessrias
ou humilhantes, tratamento desrespeitoso ou humilhante, constrangimento,
ameaas, desestmulo, isolamento etc..; sempre com o fim de levar vtima a isolar-
se ou extino do contrato de trabalho por iniciativa do empregado.
Desta forma, o assdio moral se caracteriza pela inteno de prejudicar a
dignidade do trabalhador, praticada de forma repetitiva. Neste sentido, citamos o
entendimento de Hdassa Ferreira:
Em sntese, o assdio moral envolve a evidncia de intenes por parte do agressor. Apesar de tormentosa a demonstrao de intenes, possvel pressup-las mediante a constatao de dois elementos: a repetio e o prolongamento no tempo das condutas abusivas
12.
Maria Aparecida Alkimin sintetiza, de forma bastante sucinta, os elementos
caracterizadores do assdio moral:
a) Sujeitos: sujeito ativo (assediador) empregador ou qualquer superior hierrquico; colega de servio ou subordinado em relao ao superior hierrquico; sujeito passivo (vtima/assediado) empregado ou superior hierrquico no caso de assdio praticado por subordinado; b) Conduta comportamentos a atos atentatrios aos direitos da personalidade; c) Reiterao e sistematizao; d) Conscincia do agente
13.
Portanto, podemos afirmar que, o que caracteriza o assdio moral a
repetio das condutas ofensivas as quais, tomadas separadamente, podem parecer
inofensivas, mas, a sua repetio e sistematizao acabam por causar, ao obreiro
vitimado, danos morais de grande monta.
Outro ponto que chama bastante ateno que, o fenmeno do assdio
moral no ocorre apenas entre chefes e subordinados, mas pode ocorrer de
subordinados para chefes e entre colegas de trabalho, com vrios objetivos, entre
eles, o de forar a demisso, a aposentadoria precoce, uma licena para tratamento
de sade, uma remoo ou uma transferncia indesejada.
2.4.1 Condutas que podem caracterizar assdio moral
12
FERREIRA, Hdassa Dolores Bonilha. Assedio moral nas relaes de trabalho. 2 ed. Campinas: Russel Editores, 2010. p.49. 13
ALKIMIN, Maria Aparecida. Assdio moral na relao de trabalho. 2 Ed. (ano 2009), 2 reimpresso. Curitiba: Juru, 2010. p.43
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A comprovao da ocorrncia do assdio moral bastante complicada, pois,
na maioria das vezes, o assdio moral ocorre de forma velada, dissimulada, com
condutas empreendidas com o objetivo de minar a autoestima da vtima,
desestabilizando-a.
Muitas vezes, a prtica do assdio moral pode vir disfarada em uma forma
de brincadeira sobre o jeito de ser da vtima, suas caractersticas pessoais ou
familiares, ou ainda, atravs de insinuaes, humilhaes e discriminaes, cuja
sutileza acaba por tornar impossvel a defesa da vtima.
Na medida em que o assdio se intensifica, a vtima pode se isolar,
desenvolver patologias de ordem psicolgica, como depresso e sndrome do
pnico.
Abaixo, listaremos algumas das situaes/aes caracterizadoras do assdio
moral:
Dar instrues confusas e imprecisas;
Bloquear o andamento do trabalho alheio;
Atribuir erros imaginrios;
Ignorar a presena de funcionrio na frente de outros;
Pedir trabalhos urgentes sem necessidade;
Pedir a execuo de tarefas sem interesse;
Fazer crticas em pblico;
Sobrecarregar o funcionrio de trabalho;
No cumpriment-lo e no lhe dirigir a palavra;
Impor horrios injustificados;
Fazer circular boatos maldosos e calnias sobre a pessoa;
Forar a demisso;
Insinuar que o funcionrio tem problemas mentais ou familiares;
Transferi-lo do setor, para isol-lo;
No lhe atribuir tarefas;
Retirar seus instrumentos de trabalho (telefone, fax, computador,
mesa);
Agredir preferencialmente quando est a ss com o assediado;
Proibir os colegas de falar e almoar com a pessoa.
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Fora essas condutas, existem outras formas de presso exercida sobre o
obreiro, que podem caracterizar o assdio moral, dentre elas, citamos o controle
sobre as idas aos banheiros; constante vigilncia sobre o cumprimento de tarefas;
desvalorizao das atividades empreendidas pelo empregado; exigncia do
cumprimento de funes superiores aos conhecimentos do empregado ou muito
abaixo de suas capacidades, considerados degradantes; induo da vtima a
desacreditar de suas prprias capacidades; supresso de documentos ou
informaes importantes para as realizaes do trabalho; etc..
Todas estas condutas podem caracterizar o assdio moral e so capazes de
gerar o dever de indenizar em virtude de danos morais.
2.5 Espcies de assdio moral
O assdio moral dividido em quatro espcies: assdio moral vertical ou
descendente (assimtrico); assdio moral horizontal; assdio moral misto; e, assdio
moral ascendente. No presente tpico, trataremos de cada uma delas.
2.5.1 Assdio moral vertical ou descendente (assimtrico)
O assdio vertical descendente ou assimtrico aquele que vem da
hierarquia, ou seja, um superior hierrquico assedia um seu subordinado, com a
finalidade de levar a vtima a pedir demisso, o que causaria a perda, por parte do
trabalhador, de vrios direitos constitucionalmente garantidos (multa de 40% sobre
FGTS, aviso prvio, seguro desemprego etc.), alm de dificultar a propositura de
demandas judiciais e, ainda, h empresas que aprovam e incentivam o assdio
moral como meio de administrar seus empregados, uma espcie de tratamento com
rigor excessivo, visando a presso dos trabalhadores para que produzam sempre
mais.
Esta espcie de assdio emana da figura do empregador ou de um superior
hierrquico (diretor, gerente, assessor, chefe, supervisor etc.) que receba delegao
do poder diretivo da empresa.
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Nestes casos, o empregado pode invocar, em juzo, a resciso indireta do
contrato de trabalho, podendo invocar, a seu favor, quase todas as alneas do artigo
483 da CLT, incluindo o fundamento de tratamento com rigor excessivo pelo
empregador ou superiores hierrquico.
2.5.2 Assdio moral horizontal
O assdio moral horizontal um fenmeno que surge como uma combinao
de hostilidades dos colegas de trabalho de mesmo nvel hierrquico e a omisso dos
superiores hierrquicos em coibir esta prtica.
Esta espcie de assdio moral tambm pode ocorrer como uma
consequncia do assedio descendente, pois alguns funcionrios acabam por refletir
o comportamento dos superiores, passando a hostilizar, tambm, a vtima.
Tambm bastante frequente o assdio moral horizontal entre empregados
que disputam promoes ou cargos de maior importncia.
O colega de trabalho assediador o autor material do assdio moral e,
responder por perda e danos em decorrncia de sua conduta ilcita, alm de
incorrer na penalidade de demisso por justo motivo, consoante o que estabelece o
artigo 482, alneas b e j da CLT. Entretanto, a demisso do assediador no exime
o empregador de responder pelas perdas e danos, ainda que no tenha cincia do
ocorrido, pois, a legislao ptria adotou a teoria responsabilidade civil objetiva do
empregador, segundo a qual ele responde, independentemente de culpa, pelo ato
ilcito causador de dano praticado por seus prepostos.
2.5.3 Assdio moral misto
Esta espcie de assdio moral apontada pela doutrina como uma das mais
destrutivas, pois instala-se quando a vtima j se mostra fragilizada pelo assdio
moral vertical e, esperando obter apoio de seus pares, acaba sendo acossado pelos
mesmos. Aqui, a vtima passa a ser rejeitada por todo o grupo, ocorrendo uma
juno do assdio moral vertical e o assdio moral horizontal, exige, portanto, a
presena de trs sujeitos, ou seja, a vtima, o assediador vertical e o assediador
horizontal.
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Cabe ao empregador coibir este tipo de agresso, verificando a identidade do
agressor e, pelo poder diretivo, impor penalidades para aquele que praticou o
assdio moral.
Tambm aqui, o empregador responde de forma objetiva, pouco importando a
existncia, ou no, de culpa pelo fato.
2.5.4 Assdio moral ascendente
Nesta espcie de assdio, ocorre o inverso do que ocorre no assdio
assimtrico, ou seja, o superior hierrquico assediado por um ou mais
subordinados, seja atravs de falsas acusaes de assdio sexual, por exemplo,
seja atravs de boicotes etc..
2.6 Sujeitos do assdio moral
So sujeitos do assdio moral aqueles que agridem e a vtima, sendo que,
tanto o empregador, os detentores de cargos de direo e os subordinados, podem
ocupar o lugar do agressor ou da vtima.
certo que, na maioria das vezes, o agressor o empregador, mas tambm
pode advir do comando hierrquico (vertical), partindo de colegas de trabalho que
ocupam os mesmos status dentro da empresa, facilitada pela omisso do
empregador ou superiores hierrquicos diante das agresses perpetradas contra
uma determinada vtima.
Disto se extrai que, so sujeitos do assdio moral:
O agressor na pessoa do empregador: conforme dispe a lei, o empregado
est subordinado a seu empregador, entretanto, isto no quer dizer que
lhe retirado a condio de ser humano e o devido respeito. Quando o
empregador passa a ser o agressor, temos que, o mesmo passa a usar de
seu poder diretivo para valer-se de manobras medocres, cruis e, muitas
vezes, silenciosas, fazendo com que a vtima sinta-se incapaz;
O agressor na pessoa do colega de trabalho: geralmente, este agressor se
encontra no mesmo nvel hierrquico que a sua vtima, entretanto, o
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mesmo passa a tornar o ambiente de trabalho degradante para aquele que
ofendido. Este agressor pode ser motivado tanto por uma rivalidade
pessoal, uma competio profissional ou por diferenas ideolgicas,
acabando por gerar para a vtima uma insatisfao generalizada que
afetar a qualidade de seus servios;
A vtima do assdio moral no empregado: aquele obreiro que sofre as
continuadas agresses, tendo a sua dignidade enquanto pessoa humana,
comprometida, acaba por perder a satisfao pelo trabalho, tem a sua
produtividade quedada, alm de sofrer danos sua sade mental e, em
algumas vezes, fsica, gerando afastamento de suas funes ou, at
mesmo, incapacidade para desempenhar suas funes;
A vtima do assdio moral no empregador/superior hierrquico: embora
seja mais raro, nada impede que o empregador ou superior hierrquico
seja assediado moralmente por um empregado ou grupo de empregados,
conforme visto nas linhas anteriores.
Estudos apontam que as pessoas mais vitimadas de assdio moral horizontal,
so aquelas consideradas mais produtivas e perfeccionistas, ou seja, aqueles que
tm um perfil apropriado para as exigncias da empresa ou, ainda, aqueles que so
elogiados com frequncia pelos superiores hierrquicos, considerados capacitados
para assumir cargos de confiana, por exemplo.
2.7 Assdio moral versus assdio sexual
O assdio moral e o assdio sexual so figuras que no se confundem.
Embora ambas ocorram no ambiente de trabalho, no assdio sexual, a violncia tem
direo vertical e sentido descendente, portanto, ocorre em uma relao de sujeio
hierrquica, onde o superior hierrquico vale-se de sua posio para obter favores
sexuais da vtima.
O assdio sexual de mais fcil percepo e mais fcil de ser combatido que
o assdio moral. A figura do assdio moral, por sua vez, j foi tipificado em lei,
atravs da Lei 10.224/2001 que acresceu o artigo 216-A ao Cdigo Penal Brasileiro,
o qual prev que o agente que, valendo-se de sua condio hierrquica ou
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ascendncia inerentes ao exerccio de emprego, cargo ou funo, constranger
algum, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, estar sujeito
pena de deteno de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Portanto, embora ambas as figuras estejam situadas no campo das relaes
de trabalho e, embora ambas sejam graves, gerando s suas vtimas consequncias
nefastas, no se confundem, pois, ao passo em que o assdio moral tem por
objetivo humilhar a vtima, podendo ser praticado tanto verticalmente, quando
horizontalmente, no assdio sexual o agressor tem por objetivo obter vantagem ou
favores sexuais, e a figura do assediador ter, sempre, de ser um superior
hierrquico.
2.8 A invaso de privacidade no trabalho
Uma das consequncias da vida moderna no ambiente de trabalho, foi a
grande aderncia, por parte de empresas, de instalaes de cmeras. A instalao
de cmeras, a revista a funcionrios e o controle do uso da internet, fazem parte do
poder diretivo do empregador, entretanto, em algumas situaes, o empregador
pode exceder as formas de controle e expor o funcionrio a situaes
constrangedoras ou humilhantes o que, consequentemente, gera o dever de
indenizar.
O controle excessivo por parte do empregador, muitas vezes, acaba por
caracterizar uma forma de assdio moral, fazendo com que o empregado se sinta
constrangido todo o tempo em que permanece trabalhando.
A lei no conceitua o que intimidade e, tampouco, onde comea e termina o
poder diretivo do empregador. Tais fatos deixam brecha para que o aplicador do
direito, ao julgar casos concretos, lance mo de entendimentos subjetivos, mas,
exemplificando, podemos mencionar que o Tribunal Regional do Trabalho do Estado
de So Paulo j considerou que email correspondncia pessoal e, ainda que o
objetivo da empresa seja o de fiscalizar os servios, no poderia violar a intimidade
do empregado.
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O Tribunal Superior do Trabalho, no entanto, entendeu que, em se tratando
de email corporativo, pois o mesmo se trataria de uma ferramenta de trabalho
proporcionada pelo empregado para a consecuo do servio.
Em contrapartida, cabe ao empregado zelar por sua prpria imagem,
compreendendo que emails particulares devem ser lidos e comentados fora do
ambiente de trabalho, vez que os meios disponibilizados pelo empregador no so
para uso pessoal, mas sim para a consecuo do trabalho.
2.9 As consequncias do assdio moral no trabalho
Conforme vimos anteriormente, o assdio moral caracteriza-se por uma
conduta abusiva, seja do empregador que utiliza de sua posio hierrquica para
impingir aos seus subalternos um tratamento degradante, seja pelos prprios
colegas de trabalho que, motivados por ideologias pessoais ou competitividade,
insultam uns aos outros, dentre outras ofensas.
Essas prticas abusivas, na sociedade de hoje, so aceitas e at mesmo
incentivadas como parte de uma cultura de competitividade dentro das organizaes
ou empresas, isso porque, as empresas parecem se esquecer que este tipo de
comportamento gera responsabilidades civis, criminais e trabalhistas, vindo a
culminar com um processo judicial.
O terrorismo psicolgico pode gerar doenas psicolgicas dentre as quais se
destacam a sndrome do pnico, a depresso e o estresse o que, muitas vezes,
pode levar ao suicdio.
de extrema necessidade que as empresas se conscientizem destas trgicas
consequncias e estabeleam campanhas de conscientizao e de combate ao
assdio moral em suas dependncias, alm de aconselhar as medidas judiciais
cabveis e o tratamento psicolgico para a superao de traumas ocasionados.
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3 ASSDIO MORAL NO CENRIO MUNDIAL
No tpico precedente, tratamos das questes gerais relacionadas figura do
assdio moral, tais como, origem, conceito, natureza jurdica, caractersticas,
espcies, sujeitos e diferenciao do assdio sexual.
No presente tpico, passaremos a tratar do assdio moral em mbito jurdico,
trataremos do posicionamento da OIT em relao ao assdio moral, apontaremos o
tratamento do instituto no direito aliengena, bem como, os projetos de lei nacional e
das leis regionais e municipais que disciplinam o assunto.
3.1 A Organizao Internacional do Trabalho OIT
Em um primeiro momento, cumpre observar que a Conveno 155, de 1981,
elaborada pela Organizao Internacional do Trabalho OIT acerca da segurana e
sade dos trabalhadores no meio ambiente de trabalho foi ratificada pelo Congresso
Nacional no ano de 1992 e promulgada atravs do Decreto n. 1.254/1994; a referida
conveno dispe em seu artigo 3, que o termo sade, com relao ao trabalho,
abrange no s a ausncia de afeces ou de doenas, mas tambm os elementos
fsicos e mentais que afetam a sade e esto diretamente relacionados com a
segurana e a higiene no trabalho.
Alm disso, a OIT defende o direito dos trabalhadores a um trabalho decente,
conceituando o chamado trabalho decente como um trabalho produtivo e
adequadamente remunerado, exercido em condies de liberdade, equidade e
segurana, sem quaisquer formas de discriminao, e capaz de garantir uma vida
digna a todas as pessoas que vivem de seu trabalho.
Assim, ao priorizar o trabalho decente, a OIT rechaa o assdio moral, seja
ele coletivo ou individual, haja vista que esta prtica espria capaz de ensejar ao
trabalhador danos em sua integridade psquica e, em muitos casos, fsica tambm,
alm de afrontar seus direitos fundamentais mais bsicos.
Inobstante, em estudos da Organizao Mundial de Sade OMS apontou-se
que o nmero de doenas psicolgicas relacionadas ao trabalho cresce cada dia
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mais e, que esta ser uma das principais caractersticas do prximo sculo. Estima-
se que milhares de trabalhadores sero afastados de suas funes em virtude de
doenas provocadas pelo estresse no ambiente de trabalho e da chamada Sndrome
do Burnout.
A Sndrome do Burnout se trata de um distrbio psquico, descrito em 1974
pelo mdico americano Freudenberger como um esgotamento profissional, tendo
sido registrada no Grupo V da CID-10 (Classificao Internacional de Doenas e
Problemas Relacionados Sade).
Tentando coibir a prtica de assdio moral, em 27 de novembro de 2000, a
Unio Europeia elaborou a Diretiva 2000/78/CE, onde estabeleceu um quadro geral
de igualdade de tratamento no emprego e nas atividades profissionais, a proposta
da referida diretiva visa combater a discriminao direta, ou seja, a diferenciao no
tratamento baseada em especificidades particulares, bem como, a discriminao
indireta, composta por disposies, critrios ou prticas aparentemente neutras, mas
suscetveis de produzir danos imateriais em determinada pessoa ou grupo de
pessoas, alm de funcionar como estimulante para a discriminao.
A Diretiva 2000/78/CE ainda estabelece que atitudes persecutrias, geradoras
de um ambiente de trabalho hostil, so consideradas discriminao, caracterizando
uma espcie de assdio moral coletivo o que vedado pelo ordenamento jurdico da
Unio Europeia.
Alm disso, em 28 de maro de 2002 o Parlamento Europeu fez publicar a
Resoluo A5-0283/2001 acerca do assdio moral 2001/2339 (INI), a qual adverte
sobre as consequncias nefastas do assdio moral na sade fsica e psquica de
suas vtimas.
V-se, portanto, que ao passo em que a OMS atenta para o crescente
nmero de doenas psicolgicas relacionadas ao trabalho, a OIT e a Unio Europeia
j vm tomando providncias com o intuito de coibir a prtica do assdio moral, isso
porque vivemos em plena era da valorizao dos direitos humanos e, nada mais
justo que um fenmeno que atenta contra os mais comezinhos direitos
fundamentais, seja coibido.
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3.2 Legislao no Direito Comparado
Conforme citado em tpico anterior, o Parlamento da Unio Europeia adotou
a Resoluo A5-0283/2001, a qual previne acerca das consequncias nefastas da
prtica do assdio moral, alm disso, a referida resoluo insta os Estados membros
a prestarem ateno prtica de assdio moral no ambiente de trabalho e a
consider-la nas respectivas legislaes nacionais, pois, na poca em que foi
editada a referida resoluo, apurou-se que 8% dos trabalhadores da Unio
Europeia afirmavam terem sido vtimas de assdio moral no local de trabalho no ano
anterior sua formulao.
O item 10 da referida Resoluo dispe que:
10. Pede aos Estados membros que, com vistas a lutar contra o assdio moral e assdio sexual no lugar de trabalho, revisem a legislao existente e a complementem, assim como examinem a definio de assdio moral e elaborem uma definio uniforme.
Na Espanha, na Itlia e na Alemanha, entretanto, ainda no foi formulada
legislao especfica acerca do assdio moral laboral e, nesses pases a
jurisprudncia quem vem dando respostas s questes levadas a juzo.
Contudo, na Frana foi editada a Lei de Modernizao Social em 17 de
janeiro de 2002, a qual foi alterada por lei datada de 3 de janeiro de 2002. A Lei de
Modernizao Social disciplina o assdio moral individual e coletivo, tipificando a sua
prtica como crime contido no artigo 122-49 do Cdigo Penal daquele pas, estando
o agente sujeito s penas de priso e multa.
Na Sucia, em 1993, foi publicada a Lei Bsica de Prevenes de Riscos que
contm normas especiais de preveno ao assdio moral.
Na Gr-Bretanha foi editado Ato em 1997 o qual disciplina a conduta do
assediador e prev a pena de priso de at seis meses e multa.
Na Amrica do Sul, a Argentina se destaca, no por ter uma lei federal que
discipline o assunto, mas por ter uma lei provincial, a Ley 13.168 de la Provincia de
Buenos Aires, aprovada em fevereiro de 2004. A lei provincial de Buenos Aires visa
disciplinar a ocorrncia da violncia laboral, praticada por funcionrios ou
empregados da provncia de Buenos Aires exercida uns sobre os outros.
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O artigo 5 da Ley 13.168 cuidou, ainda, de prever aes que caracterizam os
maus tratos psquicos, elencando em 11 alneas os comportamentos associados ao
assdio moral, veja-se:
Articulo 5: Se define com carcter enunciativo como maltrato psquico y social a ls seguientes acciones: a. Obligar a ejecutar tareas denigrantes para la dignidad humana. b. Asignar misiones innecesarias o sin sentido com la intencin de humilhar. c. Juzgar de manera ofensiva su desempeo em la organizacin. d. Camibiarlo de oficina, lugar habitual de trabajo com nimo de separalo de sus compa