ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
■ues
SOBRE O
CARBÚNCULO HUMANO DISSERTAÇÃO INAUGURAL
APREENTADA Á
Escola Medico-Cirurgica do Porto
S^>
P O R T O TYPOGRAPH1A DE A. E. VASCONCELLOS, SUC.
Rua de Sá Noronha, 51
1903
JHJ5 TH£
ESCOLA MEDICO-eiRUMICA DO PORTO
D I R E C T O R
A N T O N I O J O A Q U I M DE MORAES C A L D A S
LENTE SECRETARIO
Clemente (Joaquim dos Santos Pinto
C o r p o G a t h e d r a t i c o Lentes Cnthedraticos
1.* Cadeira —Anatomia descripti-va geral Carlos Alberto de Lima.
2." Cadeira — Physiologia . . . Antonio Placido da Costa. S." Cadeira—Historia natural dos
medicamentos e materia medica Illydio Ayres Pereira do Valle.
4." Cadeira — Pathologia externa e therapeutica externa . .
5." Cadeira—Medicina operatória. 6." Cadeira —Partos, doenças das
mulheres de parto e dos re-cem-nascidos Cândido Augusto Corrêa de Pinho
7." Cadeira —Pathologia interna e therapeutica interna . .
8.a Cadeira—Clinica medica . . 9.a Cadeira — Clinica cirúrgica .
10." Cadeira —Anatomia patholo-gica
11." Cadeira —Medicina legal . . 12." Cadeira—Pathologia geral, se-
meiologia e historia medica. IH." Cadeira— Hygiene . . . .
Antonio Joaquim de Moraes Caldas. Clemente J. dos Santos Pinto.
Antonio d'Oliveira Monteiro. Antonio d'Azevedo Maia. Roberto B. do Rosário Frias.
Augusto H. d'Almeida Brandão. Maximiano A. d'Oliveira Lemos.
Alberto Pereira Pinto d'Aguiar. João Lopes da S. Martins Junior.
Pharmacia Nuno Freire Dias Salgueiro. Lentes jubilados
\ Secção medica .
Secção cirúrgica
Secção medica .
Secçio cirúrgica
Secção cirúrgica
José d'Andrade Gramaxo.
\ Pedro Augusto Dias. ' I Dr. Agostinho Antonio do Souto.
Lentes substitutos j José Dias d'Almeida Junior. ' José Alfredo Mendes de Magalhães. i Luiz de Freitas Viegas. I Antonio Joaquim de Sousa Junior.
Lente demonstrador . . . Vagi,.
A Escola n3o respondo pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições
{Regulamento da Escola, de 23 d'abiil de 1840, artigo 155.°>
meu£ Wac^
A M E U TIO
jfrJor "#$[anoe/ (iferrejra pontes
A meu irmão
Vujigario il oão JCj^odrtgues (-Hern 'err eira
Tudo o que aqui podésse dizer seria pouco para vos significar a minha profunda amizade e gratidão, por tantos sacrifícios,
minha
O teu amor e carinho foram o mais poderoso incentivo para chegar ao termo do meu curso. Acceita, pois, esta prova final como expressão do desejo que sinto de fazer-te feliz.
A MEUS SOGROS
Procurarei sempre corresponder a tanta bondade e extrema dedicação.
AO EX.mo SNR.
VK <£ino (íeixeira Pinte
Mil agradecimentos e protestos de estima do seu sobrinho
JJOSÉ.
tfk minima boa Irma
Conta sempre com a minha amizade.
A meus irmãos
Cy lCario-&C
U-vatisía-
U-ixzenco-
Como prova de verdadeira estima e profunda gratidão.
Jj minim tia— 0. Joanna Jl. ^mtka 3*miie4
A MINHA CUNHADA
A MEUS SOBRINHOS
Signal de muita dedicação.
fio MEU j3oM ;AMIG:>
Julio d'Andrade Obrigado por tantos favores
A> ME 31 O BI A
I»E MEU QUERIDO IRMÃO
Choro a tua perda.
fios TLL.M 0 3 E E X , M O S S N R S .
(^l/('Lair/.acx f/a Q2^/lata e t/e (^í/(>'Ci:<n/o-í/e
cl/n-fcootio oiòavzo&o
B I S P O DO P O R T O
Sianaf de iiviià-to wfc-pevto e a -iiumeoaua q&attaao.
Aos lll,mos e Ex.mos Snrs.
si)&. o>oí>é (yíwneò da 2-onte
sD-r,. Cin-tonio Q). cie <5>owza CV-uvuot>
(ííoz-one-C a - e n a e n n a t / i a ©otiza e © i i u a
Conde de wettcYicouit
QÙi. C l g o ô t i n n o a C l i m e t a a onego
C-ap i tão a-at-fciLneti-a G>o3o Cjowvêô a o
©2>piz.ito © a n t a
Testemunho de muita consideração e de profundo reconhecimento.
Aos III.'"05 e Ex.mos Snrs.
Capitão J^ntonio José de Sá Meão Cimentei. Meão dos Sj^eis.
Ouvidor Ddïanoef José Wires. Cónego Cfíristiano de Jesus ^Borges.
Vigário ®iniz ^ego da Ponte.
pOMO PROVA DE MUITA CONSIDfcR AÇÃO.
AO ILLUSTRE CORPO DOCENTE
"Escola Medica do Torto
O discipulo g"at :> .
^os mnn tondisiriplos
De todos conservo gratas recordações.
Aos meus contemporâneos
Ao meu talentoso e digníssimo Presidente
P JLL. M O E J£X.M O ^ N R .
t r r r *
j)i|. l/antUdo Ittjptato Corria àt fiinha
CAPITULO I
Definição — Etiologia
O carbúnculo ou doença carbunculosa é a infecção produzida pela bacteridia de Da-vaine.
E ' contagiosa, de natureza gangrenosa, deprimente ou asthenica, communicada, em geral, dos animaes ao homem, revestindo varias formas e d'uma terminação geralmente mortal, quando abandonada a si mesma.
A sua denominação, que seria difficil e pouco util substituir por uma outra, repousa sobre um antigo erro de diagnostico, sobre a confusão, commettida pela maior parte dos au-ctores primitivos, entre o carbúnculo propriamente dito e o anthraz.
Esse engano explica-se pelo calor ardente de que se acompanha esta ultima affecção, bem mais do que pela coloração negra, como
ao
o pensam ainda alguns medicos. Tal coloração, bastante rara no anthraz, no carbúnculo 6 muito pouco saliente, para que seja permit-tido appoiarmo-nos sobre este signal único e característico, para darmos o nome á doença. A confusão descriptiva ou nosograplúca tem seguido, por uma consequência natural, a confusão d'origem, c teem sido permittidas as designações, tão perigosamente conservadas durante tanto tempo, de carbúnculo ou anthraz benigno (anthraz simples ou propriamente dito) e de carbúnculo ou anthraz maligno (carbúnculo verdadeiro).
Sabc-se hoje que estas duas doenças são différentes, tendo cada uma a sua etiologia propria. O mesmo se pôde dizer do carbúnculo symptomatico, doença que não ataca o homem e que tem um agente bem conhecido — o bacillo de Chauvei — que é uma bacteria anaeróbia.
E t i o l o g i a — Este lado importante de todas as questões pathologicas, util quando se appoia sobre investigações cuidadosas e positivas, e que não illumina menos a pratica que a theoria, merecer-nos-ha toda a possivel at-tenção. Os différentes pontos que comporta serão examinados no homem, objecto principal d'esté estudo.
Causas predisponentes: A primeira de todas é incontestavelmente
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a existência, na região onde o homem habita, das affecçôes carbunculosas. Sabendo-se que os animaes são a fonte e centro d'irradiaçao da doença, vejamos agora o que a pratica e a sciencia nos ensina da influencia sobre o homem, da edade, sexo, da constituição, da hygiene privada, da profissão, para contrahir o mal.
EDADE — Não ha senão um período da vida, segundo a nossa opinião, que possa racionalmente ser accusado de predispor á affec-çao carbunculosa : é o de maior actividade. Não se veja aqui uma predisposição intrínseca physiologica, mas uma predisposição, que chamaremos de coincidência, pelo facto das relações maiores que ha entre os indivíduos e os animaes ou seus despojos. Esso período da vida vae dos 18 aos 50 armos; é edade do trabalho.
SEXO—Em idênticas circumstancias, um e outro sexo parece-nos que tem uma aptidão egual para a invasão do carbúnculo. E se é certo que as cstatisticas apontam o homem como mais predisposto para contrahir a doença, é porque elle, mais do que a mulher, está em contacto com os animaes ou seus despojos, origem do mal.
CONSTITUIÇÃO — As estatísticas e os aucto-res nada dizem sobre a constituição como causa predisponente para esta doença.
'J 8
Nós cremos, todavia, que devem applicar-se ao carbúnculo os dados geraes da epidemiologia e da observação medica que nos ensinam, se bem que em principio todos os géneros de constituição são próprios para contrahir as doenças contagiosas e virulentas, que os indivíduos fracos, debilitados, não deixam de offe-recer uma aptidão mórbida mais pronunciada.
HYGIENE PRIVADA. — Os vicios de regimen, exercendo uma influencia das mais decisivas sobre as forças e o desenvolvimento do homem, a joonto de transformar, pela sua accu-mulação e persistência, as condições de boa saúde em um estado opposto, julgamos dever applicar á hygiene privada as mesmas reflexões que á constituição.
PROFISSÃO. — Uni dos meios que mais predispõe o homem a ser contagiado pelo mal, não ha duvida que é o que o approxima pelas suas profissões dos animaes doentes ou seus despojos.
Os auctores, entre elles o Dr. Raphael, tem notado que as profissões que mais levam o homem a contrahir a doença, são, pela ordem da frequência, as seguintes:
Lavradores, habitantes das provindas,pastores, cortidores, carniceiros.
E o que dizem os auctores referindo-se ao que se dá no estrangeiro, observa-se também em Portugal.
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O agente da doença
(Bacillus anthracis Davaine)
0 estudo da bacteridia carbunculosa tem tido um interesse de ordem biológica geral e medica. Foi sob o primeiro ponto de vista que le Dantec a compulsou com o fim de deduzir noções sobre as três grandes leis da biologia— a assimilação, a variação e a selecção; para nós práticos, esses trabalhos são d'uma importância capital, mas não nos interessa menos o seu estudo medico, visto que foi a propósito d'esté agente que se começaram a abordar os grandes problemas da pathologia geral, os quaes nos occupant hoje ainda — estudo da virulência, da attenuação dos virus, da immunidade, da vaccinação preventiva, da serotherapia, etc. De maneira que expor os nossos conhecimentos sobre a bacteridia é mostrar a evolução da bacteriologia.
Em pura bacteriologia serviu ainda a bacteridia para pretender demonstrar, graças á sua extrema variabilidade conforme os meios de cultura, a possibillidade de se passar d'uni bacillo coli ao typhico por meras condições mesologicas. Tal é a base do estudo de Rodet, de Lião, o defensor da theoria unicista. De facto não ha bacteria que maior polymorphis-mo apresente, desde a sua forma inicial typica
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de bastonete até ás formas filamentosas, extremamente longas, onduladas, emaranhadas, torcidas.
Tomemos a bacteria do sangue d'uni animal inoculado ou do homem — bastonetes rectos, flexiveis, cylindricos, transparentes, immo-veis ; ora separados, ora articulados e divididos por septos transversaes, comprimento de 5 a 6 pi 1 a 1,5 p de largura.
CULTURAS — fáceis em todos os meios (caldo, gelatina, gélose etc.) No caldo, liquido floco-noso em 24 horas, turva depois c acaba em alguns dias por depositar flocos brancos, ficando o caldo límpido. Na gelatina liquefal-a em 6 dias ; antes da liquefação forma-se como que uma arvore, cujos ramos partissem da linha da picada. Na gélose, feita a cultura em estria, desenvolve-se bem sob a forma de massa branca opaca com bordos dentados. Na batata induto branco, muito espesso com finas dentaduras nos bordos. Levada ao microscópio um pouco da massa, esta mostra que o bacillo perdera já a sua forma primitiva para as formas emaranhadas de que fallei.
Além d'isso o bacillo esporulou c mostra d'onde a onde espécies de grãos ovóides, réfringentes, d'aspecto brilhante. Ao passo que o filamento se cora muito bem pelas cores usuaes, o esporo não as fixa eguahncnte.
Os esporos necessitam de três condições
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para a sua formação : presença do oxygenio, temperatura conveniente (entre 16° e 42°) e meio pobre em matérias orgânicas. A influencia da temperatura não é egual no filamento e esporo ; 58" durante 20 minutos matam os filamentos, mas não os esporos ; são precisos muitos minutos de ebullição para os destruir. Resistem á dissecação, á acção do alcool absoluto, ao oxygenio comprimido até á maior pressão que se pôde obter (Roger), ao CO2 e ao acido phenico a 5 °/o- No sangue do animal não ha esporos certamente pela falta de oxygenio, dizem; mas esse ponto não está estudado e muito bem pode ser que outras condições do meio exerçam a sua influencia no sentido d'uma vida asporogenica.
Formas involutivas apparecem nas velhas culturas. Notável propriedade: póde-se obter uma forma asporogenica definitiva pela addic-ção á cultura de bichromato de potássio ou acido phenico. O sueco gástrico tem acção destruidora, talvez não contra o esporo.
Antagonismos microbianos conheeem-se os de estreptococco, prodigiosus, bacillo de Frie-dlander, pyocyanico.
INOCULAÇÕES — ratinho e caviá. Subcutânea, empastamento, edema gelatinoso; morte em 36 lioi-as com lesões de septicomia hemorrhagica ; sangue agglutinado carregado de bactérias, sobretudo nos animaes.
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SOB QUE FORMA SE TRANSMUTE O CARBÚNCULO ? — 0 conhecimento dos esporos dá a chave da verdadeira etiologia do carbúnculo, sobretudo na sua transmissão aos animaes — Experiências de Pasteur, (Jhamberland e Roux, regando o alimento com culturas, a influencia de objectos picantes, como as praganas das gramíneas e emfim a demonstração da penetração do mal pela bocca e intestino, tudo isso combinado com a noção da presença do esporo na terra deixa comprehender bem a sua influencia na transmissão do carbúnculo.
Ora é sabido que nos campos malditos ha muitos esporos na terra; resta saber d'onde vêem e quem os traz.
Da celebre discussão entre Pasteur e Koch resulta que a influencia da minhoca é incontestável.
Também podem vehicular a bacteridia as moscas, os caracoes e as lesmas.
TRANSMISSÃO PLACENTARIA. — Davaine e Brunge negaram-na, mas foi confirmada por Strauss e Chamberland; parece que são precisas lesões da placenta para deixar passar o gérmen.
ATTENUAÇÂO DOS VÍRUS.—Pasteur, chimico, deu a explicação que se sabe da immunidade; julgou mais que a bacteria, um organismo definido, dava sempre a mesma doença ao mesmo animal. Enganara-se e elle mesmo observa
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que, em vez de doença mortal, pôde dar, com o carbúnculo, a immunidade, em certas condições.
£=. l.a Vaccina—15 a 20 dias, a 42°, mata y t ] o ratinho. ~ c j 2.:i Vaccina—10 a 12 dias mata o ra-2 *> < tinlio e o caviá.
TOXINAS — anthracina de Hoffa, do corpo dos bacillos ; Marmier retirou uma, das culturas em pep tona gel atinada.
SEROTHERAPIA — Marclioux vê no sangue de carneiros vaccinados propriedades curativas e preventivas para o coelho. O methodo daria o mesmo resultado no homem?
E' o que o estudo da doença nos animaes e n'este deveria mostrar. No homem a doença é muito tempo local, formando a clássica lesão pústula maligna. Começa por uma mancha como uma mordedura de pulga, depois vesícula e ao segundo dia escara, rodeada da aureola de Chaussier ou bordelete, e das vesiculas agrupadas em circulos concêntricos. Durante este tempo, tudo é local ; depois, com a progressão das lesões, chega o periodo de infecção, com a deflagração do mal; está dada a generalisação. Se a morte se dá, encontram-se lesões em todas as visceras — mucosa gástrica, intestino, etc.
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Raramente no homem a doença deixa de ter esta marcha; poucas vezes se observam as formas intestinal e pulmonar.
Ora nos animaes a doença não tem a mesma marcha c as formas intestinal e pulmonar são muito frequentes.
CAPITULO II
Symptomatologia, marcha e duração. Variedades
O carbúnculo do homem é uno no seu principio, na sua essência; é porém variável quanto á sua expressão mórbida, aos seus caracteres objectivos. O estudo, pois, dos seus symptomas, para ser exacto, deve ser feito não d'uma maneira geral, o que daria logar a duvidas e nos lançaria na confusão, mas d'uma maneira nitida e distincta em cada variedade principal, salientando, é bem de vêr, em seguida, o fundo commum sobre o qual repousam as descripçôes separadas.
Pustii la mal igna
A variedade dominante é a pústula maligna; é por ella, pois, que começaremos a des-
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cripção da doença carbunculosa no homem como sobre ella faremos a maior parte das considerações que julgamos devidas. A divisão dos svmptomas em quatro periodos, segundo Enaux e Chaussier, fundada sobre os caracteres apparentes da pústula maligna, não nos parece nem racional nem conforme a uma judiciosa observação; porque ha um grande numero de pústulas malignas que terminam pela morte ou pela cura sem completar o seu desenvolvimento. Não nos parece também boa a divisão de Bourgeois compreliendendo somente dois periodos, local ou de erupção e geral ou de intoxicação, aos quaes Raimbet julgou dever juntar dois — o primeiro ou de inoculação e um quarto chamado de incubação. Esta divisão não parece, na verdade, mais racional que a de Enaux e Chaussier; porque, em-quanto que estes últimos tomam a affecção tal como ella se lhes apresenta á vista, Bourgeois c Raimbet consideram como facto demonstrado e constante a inoculação que não é mais do que um dos modos de producção da pústula maligna, e vêem a intoxicação como uma consequência da erupção, quando ella é, em algumas circumstancias, o ponto de partida. A divisão symptomatologica que não prejudica de nenhuma maneira quer a causa, quer os caracteres physicos, mas que daria accesso a todos os factos, a todas as nuances sympto-
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maticas, seria em minha opinião a de Gruipon que parece ser a mais natural e a que está mais em relação com as exigências semeiolo-gicas. Assim dividiremos, na nossa descripção, a doença em três períodos: inoculação, invasão e terminação. O primeiro ou de incubação, applicar-se-ha tanto á pústula maligna inoculada como á pústula maligna resultante da simples embebição dos tecidos ou do contagio por absorpção interna. O segundo ou de invasão permittirá descrever a marcha e os différentes caracteres da affecção, o que queria Enaux e Chaussier e o que os seus successor s , Bourgeois e Raimbet, não podem obter nem exprimir fixando-se na denominação de erupção que não comprehende, evidentemente, senão uma variedade da pústula maligna. Em-fim o terceiro ou a terminação comprehenderá, ao mesmo tempo, e facilmente, os différentes modos de cura e de aggravamento até a intoxicação prompta, fulminante, e intoxicação lenta, progressiva.
IKCUBAÇÃO. — Os symptomas próprios a este período não variam menos pelo seu caracter que pela sua duração, consoante a doença provém d'uma inoculação exterior ou da absor-pção interna. No primeiro caso, no ponto onde se dá a inoculação e a absorpção se effectua, produz-se uma sensação de calor, de prurido, formigueiro e mesmo de entorpecimento ; exis-
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te, ás vezes, ao mesmo tempo um mal estar geral, fadiga, e o appetite diminuído. Este estado, que muitas vezes dura pouco tempo, apenas algumas horas, e dá logar a sympto-mas mais ou menos alarmantes, raríssimas vezes se prolonga além de cinco dias ; depois é substituído pelos signaes externos do segundo período. Ordinariamente lia, da parte dos doentes, uma grande dificuldade em determinar bem a duração d'estes symptomas primitivos; a mesma dificuldade, senão maior, experimentam em indicar a relação existente entre estes accidentes e a sua causa presumida, excepto, todavia, quando esta, é bem manifesta.
No segundo caso são as alterações geraes que predominam: inaptencia, nauseas, diminuição de forças, tornando-se pouco a pouco n'uma verdadeira prostração; depois desfal-lecimento, tristeza, algumas vezes ideias lugubres, receio e presentimento da morte ; abaixamento de temperatura, arrepios, oscillações febris, e manifestação dos phenomenos locaes. Acontece ás vezes mesmo que a doença se limita aos symptomas d'esté primeiro período, que se vão aggravando cada vez mais e constituem a febre carbunculosa propriamente dita; n'este caso a lembrança dos antecedentes do doente, taes como o uso de carne d'animaes carbunculosos, a cohabitação com anhnaes doentes ou com pessoas attingidas de pústula
3.9
maligna, e também os signaes microscópicos, auxiliam a determinar a natureza do mal ; mas é necessário reconliecel-a; os symptomas lo-caes raramente faltam e quando isso se dá, o diagnostico fica então indeciso. A duração d'esté período, quando o contagio tem logar por absorpção interna, por infecção, é geralmente mais prolongada; pôde ser de oito dias ou mais.
INVASÃO. — Raríssimas vezes acontece que as pessoas attingidas de pústula maligna recorram ao medico antes de se manifestarem os accidentes mórbidos que constituem este segundo período-.
Quando a affecção provém de causa externa no ponto onde o doente sentiu calor e prurido, apparece uma mancha vermelha de pequenas dimensões, análoga a uma mordedura de pulga (assim em alguns paizes, especial-^ mente na Borgonha, esta affecção era conhecida vulgarmente pelo nome de pulga maligna) muitas vezes difficil de constatar, tão fugaz ou fracamente pronunciada ella é; muito rapidamente essa mancha eleva-se sob a forma d'um botão, que nunca excede as proporções d'uma lentilha, apresentando na sua parte superior uma visicula; depois muda de coloração, torna-se livida, irisada, algumas vezes negra, achata-se, enruga-se, rodeando-se n'este momento d'um circulo ou aureola de côr
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mais clara, ora avermelhada, ora alaranjada, onde se elevam pequenas phlyctenas em numero variável, que sendo pouco perceptiveis a principies e desenvolvem depois justapondo-se, formando uma espécie de bordelete e dando salada, quando dilaceradas, a uma sorosidadc citrina que continua escorrendo. Desde então a mancha ou papula central endurece, depri-me-se e forma um ponto gangrenoso, que raras vezes falta, tomando um desenvolvimento rápido se a arte não intervém. Este estado não fica por muito tempo estacionário: o tecido cellular sub-jacente endurece, edematisa-se n u m raio ainda restricto, mas já considerável. Algumas vezes, mas raras, traços avermelhados, partindo da tumefacção e terminando nos "'anchos collectores, testemunham a participação dos lymphaticos no processo mórbido. O prurido augmenta e alterna com uma dôr aguda, o que excita o doente a levar constantemente a mão ao logar affectado. E' o momento por excellencia d'actuar e fazer parar o desenvolvimento do mal, como nós veremos ao tratar-se do terceiro período.
Segundo Enaux e Chaussier, 24 a 36 horas bastam para que a pústula maligna complete as suas différentes phases d'erupçao; mas nós cremos que esta regra, se realmente existe, não é isenta de muitas excepções.
De" facto Guipon, em numerosas observa-
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ções, notou que em muitas pessoas os signaes locaes, taes como a papula e aureola vesicular, ficavam estacionarias durante alguns dias, não tendo mais que um diâmetro de 3 ou 4 millimetros, e que não era senão lentamente e depois d'alguns dias decorridos, que adquiriam o seu completo desenvolvimento, podendo attingir até três centímetros. Pústulas ha ainda mais extensas, como as lia, também, mais restrictas e emfim, muito excepcionalmente, podem apparecer pústulas desprovidas de escaras ou de circulo vesicular, continuan-do-se sem linha de separação com as partes visinhas. Quando a aflecção provém d'absor-pção interna, os caracteres symptomaticos sof-frem uma modificação mais ou menos sensivel e são os symptomas geraes que precedem os accidentes locaes. Assim a febre de incubação, ainda pouco pronunciada, torna-se mais continua e mais intensa; o doente accusa uma sede intensissima, um calor interior geral ou limitado ao peito ou á cavidade abdominal; exteriormente os pontos vermelhos e dolorosos que apparecem, endurecem, ennegrecem e deprimem-se no centro, os bordos e sua base edematisam-se, tomam uma coloração vermelho-escura e recobrem-se de phlyctenas que ultrapassam muitas vezes os seus limites. Se a região onde apparece a tumefacção carbun-culosa é rica em tecidos extensiveis, como o
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pescoço, o seio, etc., ti lumefacção attinge em pouco tempo, em 24 horas, ás vezes mesmo n'uma noite, enormes proporções e muda de uma maneira extraordinária a configuração normal. Muitas vezes os pontos carbunculosos multiplicam-se : contam-se dois, três ou mesmo mais sobre uma superficie mais ou menos extensa, mas quasi sempre na mesma região do corpo, o que fez pensar a alguns observadores que o virus carbunculoso tinha tendência a accumular-se sobre os mesmos pontos em logar de se dissiminar, o que seria um elemento a ponderar no prognostico.
N'estas circumstancias, os systcmas lym-phatico e glandular tomam uma, parte maior ou menor na inflammação carbunculosa, obser-vando-se então, sobretudo se a sede da pústula se encontra sobre os membros, traços vermelhos que começam na pústula c se dirigem segundo o trajecto dos lymphaticos superfi-ciaes semelhantemente aos traços inflammatories que se encontram n'outras infecções.
Não é raro vêr-se na visinhança de glândulas ou de ganglios lymphaticos, manchas ecchymoticas e })ontos carbunculosos secundários.
TERMINAÇÃO. — A não ser a febre carbunculosa, que, progredindo rapidamente, mata o doente ou mais raramente termina pela cura, os dois typos de carbúnculo por causa exter-
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na e por cansa interna approximam-se por grandes traços de semelhança.
Abandonada a doença a si mesma, on tratada-por meios insuficientes, o que é peor, segue as phases seguintes: o ponto central negro, gangrena, separa-se das partes vermelhas e cahe; a inchação peripherica augmenta em profundidade e em extensão, notando-se, ainda que muito raramente, uma infiltração gazosa, signal certo, n'este caso, de uma decomposição intersticial já avançada; vesículas phlyctenoides apparecem abaixo ou acima do tumor, mesmo a distancia.
O edema chega a tomar grandes proporções ; a pelle das regiões visinhas torna-se li-vida, ecchimotica, distendendo-se demasiadamente, por vezes, de maneira a resultai-, para os órgãos, formas e dimensões monstruosas.
Esta inchação apresenta geralmente uma grande dureza, que augmenta da peripheria para o centro.
Junto do doente nota-se um cheiro infecto; o pulso, á medida que augmenta em frequência, perde em amplitude e força; o paciente geme, queixa-se d'uma sede devoradora, de dores agudas no peito ou no ventre, apesar de affirmai- que as suas feridas e as superficies carbunculosas são insensíveis ; tem insomnias ; conserva a intelligencia nitida e tem a consciência do seu estado ; apresenta-se muito
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excitado, procura levantar-se, desespera-se, deseja a morte, causa horror e piedade, suc-cumbe, emfim, n'uina lueta das mais dolorosas. Outras vezes acontece que o período ultimo é caracterisado por uma grande prostração e por um conjuncto de symptomas que Bourgeois comparou á algidez cliolerica.
Quando, pelo contrario, a cura deve sobrevir, os diversos symptomas que acabamos de referir, o edema sobretudo, retrogradam com uma grande rapidez ; as vesiculas e as phlycte-nas seccam, a coloração torna-se cada vez menos carregada, o calor local augmenta, a tu-mefacção carbunculosa e os pontos de engor-gitamento visinhos, lymphaticos, cellulosos ou glandulosos persistem e fazem saliência sobre as partes que os rodeiam e que se deprimem ; mas a pústula ou placa carbunculosa estende-se, alarga-se por consequência da perda de substancia resultante do esphacello das porções carbunculosas ou da destruição causada pelos agentes curativos; os tegumentos visi-nlios do tumor tomam uma cor rosea; uma suppnração de boa natureza, ás vezes, estabe-lece-se na visinhança, sob a forma d'abcesso, ordinariamente no próprio tumor, apparecen-do, finalmente, gomos carnudos. Ao mesmo tempo o pulso diminue de frequência, torna-se mais amplo e mais forte, o estado moral melhora, a esperança volta, o appetite renasce, a
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sede extingue-se e, a não ser que sobrevenham accidentes secundários, devidos a uma suppu-ração ou trabalho de reparação irregular, a resolução opera-se natural e rapidamente e não ficam vestígios d'estas lesões senão uma cicatriz pouco visivel, a não ser que órgãos importantes taes como pálpebras, nariz e lábios tenham sido invadidos pelo mal ou destruídos pelos agentes therapeuticos.
O carbúnculo tem, todavia, ás vezes, uma marcha e caracteres différentes dos precedentes, dando-se-lhe o nome de fulminante. Acontecendo assim, os différentes periodos são muito curtos, quando não chegam a faltar. O estado geral, emfim, aggrava-se rapidamente, annunciando-se os signaes da intoxicação, taes como a cephalalgia, o delirio com agitação ou uma prostração extrema, havendo apenas tempo de constatar a natureza do mal, antes que a morte sobrevenha.
Esta terminação funesta pôde mesmo ter logar sem agonia ; em plena consciência, sem que o doente, a familia e o medico esperem um fim tão repentino. Menos de 24 horas, ás vezes, ou o máximo cinco dias, marcam o principio e o fim d'esta terrível affecção, seja ella de causa externa ou interna.
DURAÇÃO E MARCHA.—A duração e a marcha d'esta doença não tem nada de fixo nem de determinado, pois que pôde ser d'uma bre-
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vidade e d'uma rapidez extremas, ou, pelo contrario, d'uma duração lonara e d'uma lentidão muito grande.
Sem invocar uma differença na natureza da doença, para nos dar a razão d'estas irregularidades mórbidas, admitte-se com mais verdade que o mesmo virus tem mais ou menos concentração de força, ou que os indivíduos teem mais ou menos predisposição, de potencia de reacção; é o que quiz exprimir o Doutor Boursier, dizendo que a rapidez tão variável da marcha do carbúnculo «está na natureza mais ou menos corrompida (virulência?) do principio inoculado e na susceptibilidade do individuo attingido». De facto, na maior parte das doenças contagiosas e virulentas não se observam as mesmas differenças, não implicando isso, de nenhuma maneira, uma differença de natureza?
A variola, por exemplo, não é muitas vezes rápida e das mais graves na sua evolução? A febre typhoide não é ora muito lenta, com períodos bem traçados, ora, pelo contrario, promptamente grave e mesmo mortal?
Considerando bem o que se passa em pa-thologia, epidemica sobretudo, deixamos de vêr na doença carbunculosa uma excepção, pois n'ella se reconhece o caracter próprio e todas as affecçôes d'esté género ; a excepção seria consideral-a como antigamente, isto c,
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que as doenças carbunculosas se mostravam sempre idênticas, não só pelo tvpo, mas ainda pela sua marcha e duração.
A marcha da doença, conhecida a sua causa, é em geral regular e suficientemente apreciável. A duração, pelo contrario, não tem nada de fixo, nada de certo, nem para nenhum dos períodos admittidos pelos auctores ou por nós, nem para o todo da doença; pode estabelecer-se approximadamente e- nada mais.
Para auctores que não querem senão sym-ptomas visiveis ou materialisados, d'alguma maneira, o período d'incubaçao limita-se a muito pouco, quando mesmo não é jâ o período da invasão. Este período de invasão que os auctores, que não acceitam francamente a possibilidade da doença por absorpção interna do virus, chamam período de erupção, não é também exactamente limitado, pois que, se esses auctores lhe dão uma duração de nove dias, Guipon reconheceu, em numerosas observações, que podia em duração ser menor ou superior ; quanto ao terceiro período ó, ou muito curto, em caso de morte, ou muito longo, em caso de cura e de lesões profundas.
Ha, pois, d'mrra parte, a difficuldade de determinar o começo, os primeiros sympto-mas da doença, e, d'outra, a maneira arbitraria como os práticos consideram a terminação. Para uns a doença termina, quando a
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febre d'intoxicaçao ou os progressos do mal tenham parado; para outros a doença só termina no fim do trabalho de reparação ou no decurso do mesmo período. A nossa opinião é a de Guipon e de muitos outros, que consideram a doença como terminada, quando pararam os accidentes geraes c que a resolução dos órgãos invadidos se pronuncia e se estabelece d'uma maneira certa. O resto conside-ramol-o como um trabalho de reparação e por assim dizer de convalescença cirúrgica, exactamente como o da terminação das doenças agudas, taes como pneumonia, febre typhoïde e outras, no momento em que a medicação activa é suspensa e a convalescença se confirma.
Em concordância com a nossa maneira de ver e com as numerosas observações de Grui-pon que, clinicamente julgamos ser o medico, que mais profundamente estudou esta doença, fixaremos a sua duração total de 10 a 30 dias, certos de que assim nos approximaremos, tanto quanto possivel, da verdade.
Esta duração total, ainda d'accordo com os factos observados por Guipon, julgamos poder ser exprimida em cada um dos periodos, que adoptamos, pelos algarismos seguintes:
Periodo de incubação. . . 1 a 6 dias » » invasão . . . 8 a 15 » » » terminação . 3 a 9 »
12 a 30 »
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V A R I E D A D E S
A pústula maligna pôde ter os caracteres physicos mais différentes: ser saliente ou deprimida, secca ou humida, larga on estreita, rodeada d'uma larga superficie inflammada, erysipela tiforme ou isolada no meio d'uma região sã na apparencia, sem que estes signaes exteriores possam influir sobre a sua natureza, sempre a mesma, ou na sua denominação. Sem querermos, como Enaux e Chaussier, admit-tir tantas variedades de doença carbunculosa quantas as differenças symptomaticas, pois assim teríamos que variar até ao infinito, devemos considerar as variedades segnintes: edema maligno, e a febre carbunculosa sem manifestações externas, e que correspondem : a primeira, ao que se chamou o carbúnculo branco dos animaes ; a segunda, á febre carbunculosa ou carbúnculo interno, sangue do baço, doença do sangue, que se observa principalmente nas raças ovina e bovina.
Edema maligno
Esta forma foi admittida por M. Bourgeois e pela maior parte dos medicos que tem publicado trabalhos sobre as doenças carbuncu-losas.
M. Bourgeois pensou a principio que esta 4
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variedade tinha por sede única as pálpebras, porque é a região onde se encontra de preferencia; nias a experiência mostrou-lhe mais tarde que cila pôde encontrar-se em outras regiões, c que apresentava além d'isso, caracteres bastante nítidos para que não se confunda com a pústula maligna propriamente dita, de que partilha, de resto, a mesma natureza e dos principaes attribuctos.
ETIOLOGIA. — O edema maligno, tendo sido encontrado sobretudo nas pálpebras, nos lábios, em volta dos seios, sobre as partes superiores e lateraes do peito, e, em geral, nas regiões onde os tecidos profundos são recobertos por uma epiderme tenue, por uma mucosa facilmente permeável, concluiu-se que o virus devia ser absorvido mais por embebição do que por inoculação, e que era isto uma das causas d'esta variedade. Encontron-se outra razão na diluição do virus n'um liquido de fácil absorpção, tal como a saliva, o suor; emfim, perguntou-se, em face da insuficiência d'estas explicações, se o edema maligno não proviria algumas vezes da infecção prévia da economia, por introducção do principio séptico nas vias digestivas ou respiratórias. Examinemos rapidamente a questão.
Não vemos em primeiro logar que diffe-rença bastante radical exista entre a absorpção por simples embebição dos tecidos ou por
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inoculação, para nos dar uma explicação sa-tisfactoria dos caracteres tão oppostos nos resultados da absorpção. Por um e outro processo, o principio contagioso chega ás camadas absorventes e deve produzir os mesmos effeitos. De resto nos consideramos, entre as causas externas, a inoculação como menos frequente do que a embebição por simples deposito, por attrito, por contacto repetido. A analogia, pelo menos, parece combater victo-riosamente esta interpretação : assim, a syphilis é porventura différente em caso d'inocula-ção ou d'absorpçao intersticial, isto é, d'embe-bição, que é o seu modo de propagação mais habitual? Que se escolhesse uma superficie recoberta d'uma mucosa ou d'uma epiderme muito delgada para dar a explicação e fazer comprehender a maior frequência da doença carbunculosa n'estas espécies de regiões, 6 muito natural; mas o fundo das coisas não deixa de ser o mesmo.
A explicação da diluição do virus pela saliva, etc., não é menos hypothetica e insuffi-ciente. Com effeito, não se comprehende bem a razão porque o virus carbunculoso mais ou menos diluido, ou absorvido, sem esta cir-cumstancia, dê n'este ultimo caso pústula maligna e no outro edema maligno, que é mais grave e mais rápido na sua marcha que a simples pústula.
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Resta a theoria da infecção prévia ou a introducção do virus, quer pela ingestão, quer pela respiração. Esta theoria, admittida corn timidez por muitos auctores, julgamol-a in-sufficiente como as outras.
Na nossa opinião a inoculação, a embebição intersticial poderão também dar logar ao edema maligno ; mas, para que isso se dê, será necessário admittir da parte do viras uma força d'expansao, de contagio maior, ou uma diminuição de resistência da parte do individuo attingido.
SYMPTOMATOLOGIA. — O edema maligno principia geralmente por um simples prurido, imniediatamente seguido d'um engorgi-tamento da pálpebra, do seio, da axilla, segundo elle se manifesta n'uma ou n'outra d'estas regiões. 24 a 36 dias depois d'apparecer o edema, a sua superficie cobre-se de pequenas vesiculas irregularmente dispostas e cheias d'uma serosidade citrina ou amarellada, ao mesmo tempo que o prurido se torna mais intenso. Estas vesiculas não tardam a abrir-se, e debaixo d'ellas, a derme posta a nú ê a principio cinzenta e depois negra, formando escaras. O edema, continuando na sua marcha, torna-se cada vez mais considerável, es-tende-se ao longe, deforma a região invadida e mesmo as partes visinhas, tomando dimensões monstruosas. Se a morte não sobrevem,
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antes que estes symptomas sejam completos, as partes mais duras, que são a sede de placas escuras, recobertas, muitas vezes, de pnly-ctenas, ainda que em pequeno numero, espha-celam-se, cahem, dando logar a deformidades incuráveis, por cicatrisação irregular, no caso de obter-se a cura.
Mas o modo de terminação mais frequente é a morte do individuo no meio dos symptomas geraes d'intoxicaçao, os quaes sobrevem, em geral, no segundo ou terceiro dia da ap-parição do edema.
Febre carbunculosa sem manifestações externas
Esta doença é de causa interna, isto é, a penetração do virus dá-se quer pela mucosa respiratória nas pessoas que respiram um ar carregado de emanações carbunculosas, quer pela mucosa digestiva, em seguida á ingestão de carnes carbunculosas.
Os symptomas tem relação com os d'um envenenamento geral e são os seguintes :
A doença principia por um curto quadro prodromico, que ás vezes parece fazer falta, e reveste d'emblée um caracter grave; o pulso torna-se amplo e muito frequente; o doente tem oppressão, a custo respira, queixa-se de fadiga, de dores abdominaes, de diarrhea, d'anorexia com nauseas e sede intensa; muitas
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vezes a face injeeta-se, ha agitação, delírio; outras vezes, iiota-se uma prostração profunda e continua, lipothymias e mesmo syncopes, com conservação da intelligencia até á morte, a qual sobrevem, depois d'uni suor frio mais ou menos abundante e a cyanose da face, no espaço de 36 a 48 horas, e raras vezes no fim de 8 dias.
Esta variedade, admittida e observada por um grande numero de medicos, não é sem analogia com algumas doenças, taes como a variola, escarlatina e sarampo por exemplo, as quaes também podem apparccer sem manifestações exteriores. Gruipon cita muitos casos d'estas doenças, por elle observados.
CAPITULO III
Anatomia pathologica
Este ponto da doença foi abordado d'uma maneira conscienciosa, por M. Raimbert, para a pústula maligna, e por M. Debrou, cirurgião director do Hôtel-Dieu d'Orléans, para o edema maligno.
Não sabendo quem melhor tratasse d'esté assumpto, seguimos estes auctores, na narração d'esta parte do nosso estudo.
ASPECTO CADAVÉRICO.— Signaes de putre-facção numerosos e rápidos; côr violácea das partes declives do corpo, atraz sobretudo e na direcção das veias sub-cutaneas. Transudação frequente do sangue pela bocca e narinas.
SEDE DA PÚSTULA. — O exame não pode geralmente fazer-se senão no vivo ; porque á
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autopsia ella encontra-se quasi sempre des-truida pelos meios therapeuticos empregados.
A mancha negra ou escura central deprimida tem 2 a 3 millimetres de expessura; é dura, sêcca, resiste ao bisturi, e á incisão não dá sangue. Examinada ao microscópio, a pústula maligna não tem mostrado senão a appa-rencia granulosa dos tecidos gangrenados.
O liquido das vesículas aureolares contém glóbulos sanguineus mais ou menos alterados. O tecido cellular subjacente á escara e á aureola vesicular é vascularisado, d'uma densidade ás vezes muito grande, d'uma côr vermelha carregada, desigualmente espalhada, mais notada á superficie, e sendo substituida por uma côr cinzenta, quando o tumor é considerável e apresenta uma grande resistência. O sangue que corre d'esté tecido cellular endurecido é ora seroso, ora normal e quasi sempre abundante. Emfim, nas partes afastadas do tumor e que teem sido a séde d'edema durante a vida, encontra-se o seu tecido depois da morte, d'uma consistência e aspecto gelati-niformes, justamente comparado, ao corte, a um goramo de limão ou de laranja.
Em casos de gangrena externa, a pelle, o tecido cellular sub-cutaneo e intermuscular são mortificados, acontecendo o mesmo, mas mais raramente, aos músculos e ossos. O tecido cellular visinho do tumor é amollecido,
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polposo, fétido e infiltrado de liquido seroso e avermelhado.
APPARELHO CIRCULATÓRIO.—A cavidade do coração encontra-se quasi exangue, estando, pelo contrario, as veias engorgitadas de sangue negro e viscoso. Este liquido, sobretudo no baço, contém bastonetes, que não são o resultado d'uma decomposição post mortem, como pensaram muitos medicos, pois tem-se constatado já no sangue vivo, assim como bem o demonstrou Davaine.
APPARELHO RESPIRATÓRIO. — Encontra-se serosidade hemorrhagica na cavidade pleural; indícios de congestão dos pulmões, sobretudo na parte posterior, e os vasos pulmonares distendidos por um sangue negro. Os bronchios conteem também, ás vezes, um liquido espumoso e hemorrhagico.
APPARELHO DIGESTIVO.— Na cavidade peritoneal observa-se ordinariamente um liquido amarellado e viscoso e os vasos do epiploon e do mesenterio cheios de sangue.
0 tubo digestivo, desde o esophago até ao cecum, offerece no exterior e sobretudo nas partes declives, uma côr violácea, mais pronunciada nos intestinos; os vasos são geralmente injectados. Na superfície interna do estômago nota-se, ás vezes, uma infiltração serosa sob a forma de pequenos tumores de 1 a 2 centímetros de diâmetro, muitas vezes se-
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meados de manchas negras. Estes tumores são muitas vezes amollecidos, ulcerados ou gangrenados no seu vértice e podem estar reunidos no estômago ou encontrar-se separados.
Observam-se os mesmos caracteres anatómicos na face interna do intestino delgado, no bordo livre das válvulas coniventes, principalmente na parte superior das vísceras. Notam-se também no intestino grosso, porém são muito mais raros.
Muitos auetores consideram estes tumores e lesões do -tubo digestivo como análogos da pústula maligna, porém nós não pensamos assim e cremos, com Raimbert c Guipon, «que esses tumores são antes os effeitos locaes d'um estado geral, d'uma viciação do sangue pelo virus carbunculoso, análogos de resto aos que se vêem desenvolver sobre a pelle, em consequência d'uma alteração expontânea (?) do sangue, sob a influencia de causas geraes, ou consecutivamente á absorção do principio carbunculoso pelas vias respiratórias ou pelas vias digestivas, depois da ingestão de substancias provenientes d'animaes mortos de carbúnculo «.
BAÇO.—Este órgão é augmentado de volume e amollecido.
FÍGADO E R I N S . — Como a maior parte das visceras, apresentam uma congestão pronunciada.
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APPARELHO NERVOSO.— Os vasos que o alimentam são igualmente engorgitados de sangue, apresentando-se a polpa cerebral também, pontilhada pelo mesmo liquido.
APPARELHO MUSCULAR.—A consistência dos músculos é geralmente diminuida, e a sua côr muito variável, sendo n'uns pontos escura e n'outros violácea.
Para se conhecerem os signaes necroscopi-cos do edema maligno e mais uma vez nos convencermos da identidade da natureza do edema maligno e de pústula maligna, basta-nos narrar o caso notado com precisão pelo Dr. Debrou, o qual é o seguinte:
Trata-se d'um operário curtidor, de 47 ânuos d'edade, morto ao quarto dia d'um edema maligno da face, não obstante ser tratado o mais enérgica e promptamente. Pela autopsia, praticada trinta e seis horas depois da morte, constata-se uma injecção das veias da superficie anterior do corpo ; atraz, infiltração san-guinea sub-cutanea, dando á pelle a coloração d'um azul livido. Não ha phlyctenas em nenhuma parte do corpo; a epiderme descolla-se nas pálpebras. O cadaver exhala um cheiro acido penetrante.
Dissecando as pálpebras do olho esquerdo, por onde principiou a doença, não se encontra nem esphacelo nem outra coisa que indique a presença d'uma pústula ; nenhum pus á
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incisão das pálpebras ou da face. O olho, examinado com cuidado, é isento de toda a alteração.
Coloração d'uni vermelho pallido, uniforme, do interior da laryngé, da trachea e dos bronchios; nada de arborisaçôes nem de pro-ductos de secreção. Serosidade hemorrhagica nas cavidades plcuraes. Tecido pulmonar de um vermelho escuro, molle, friável, sem hepa-tisação e sem ecchymoses.
A superficie do coração, que é lisa, não apresenta manchas ecchymoticas ; os ventrículos conteem uma fraca quantidade de sangue liquido, negro ; a sua face interna a custo perde a côr negra depois da lavagem; as válvulas, sobretudo, parecem ter sido embebidas por maceração n'um liquido análogo a summo d'ameixas.
A aorta e as carótidas conteem também sangue negro; a sua face interna tem uma côr mais clara que as válvulas auriculo-ventrículares. Nada digno de menção na bocca nem no esophago.
O estômago e os intestinos, vistos por transparência, offerecem manchas escuras, que parecem estar no seu interior. Piritoneo no estado normal. Vacuidade de veias abdomi-naes. Nada de arborisações á superficie do tubo digestivo.
Aberto, o estômago aj)resenta: um líquido turvo, escuro, sem alimentos ; uma côr cin-
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zenta adiante da mucosa, vermelha atraz; não ha distensão nem arborisações vasculares, mas placas ou manchas escuras em numero de 14 ou 15, arredondadas, muito regulares e salientes, distribuídas no fundo do sac-co e sobre as curvaturas. Raspando com o bisturi obtem-se uma borra semelhante á materia melanica que se vomita em casos de cancro do estômago. Se se fazem cortes perpendiculares encontra-se uma substancia escura, homogénea, quasi negra.
A membrana fibrosa subjacente á mucosa é tinta d'um vermelho escuro ; a membrana muscular é sã. A lavagem e mesmo a raspagem não fazem desapparecer as manchas, que fazem corpo com a mucosa. A parte não attin-gida da mucosa conserva a sua côr e aspecto ordinários.
No intestino delgado encontram-se 25 a 30 manchas ou placas, irregularmente distribuídas a partir d'alguns centímetros abaixo do duodeno ; são menos largas e menos salientes que no estômago. No intestino grosso não existem. Baço pequeno, amollecido. Fígado e rins, molles e friáveis, d'uma côr muito escura.
No dia da autopsia, um bocado da pálpebra inferior e do baço d'esté homem, embebidos em sangue, foram introduzidos sob a pelle d'um gato e mantidos por uma sutura.
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0 animal, que durante três dias não parecia softer, morreu ao quinto dia. Emfim, o exame microscópico, feito por Davaine, ao quarto dia depois da morte, deu os resultados seguintes : glóbulos não distinctes ; numerosas bacteridias, curtas e sem movimentos, distin-ctas dos microorganismos da putrefacção.
Um caviá inoculado immediatamente com este sangue e examinado no dia seguinte, mostrou de novo bacteridias, que a potassa e o acido sulfúrico deixaram intactas.
O baço continha um numero considerável d'estes corpúsculos, e bolhas negras, unicamente constituídas por sangue, no qual se reconheciam ainda hemacias e um numero considerável de granulações amorphas d'hematoidi-na. O sangue estava infiltrado na expessura da camada mucosa superficial e não havia gangrena.
O edema maligno é, pois, evidentemente, sob o ponto de vista clinico e microscópico, uma doença de natureza carbunculosa, e o microscópio não fez senão confirmar a identidade d'esta doença com as outras variedades do carbúnculo humano, principalmente com a pústula maligna, a melhor estudada e a mais frequentemente observada.
CAPITULO i \
Diagnostico
O estudo dos symptomas, da marcha da doença, dos seus caracteres, auxilia-nosmuito o diagnostico, única base solida do tratamento.
Uma das coisas que é preciso não esquecer é que a doença carbunculosa, se bem ca-racterisada na maior parte dos casos, é uma das que dão logar aos mais perigosos enganos. U m bom diagnostico d'esta doença é pois, indispensável ao medico consciencioso e honesto, que receie intervir intempestivamente : oxi muito cedo, sujeitando o paciente a uma therapeutica activa, inutil, ás vezes mesmo prejudicial; ou muito tarde, quando já seja impossivel a sua salvação.
Nós vamos expol-o d'uma maneira geral;
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depois approximaremos e distinguiremos a doença das différentes affecções que podem assemelhar-se-lhe; emfim, terminaremos este capitulo, dizendo algumas palavras sobre a inoculação aos animaes e sobre o exame microscópico, sob o ponto de vista do diagnostico.
O carbúnculo do homem, revelado pela sua forma mais frequente, a pústula maligna, traduz-se pelos signaes seguintes: prurido, sensação mais incommoda que dolorosa, sobre um ponto muito restricto, sem rubor nem calor; entorpecimento geral da região attingida, as mais das vezes picadas passageiras parecendo ao doente que tem alfinetes debaixo da pelle; apparecimcnto d'uma pequena mancha vermelha, immediatamente transformada em vesícula, a qual, lacerada pelo attrito, se reforma, depois de ter dado sahida a um liquido seroso, amarellado, que pôde tornar-se turvo, hemorrhagico, mas nunca purulento.
Esta mancha, logo em seguida a estas modificações, deprime-se, endurece, ao mesmo tempo que á volta d'ella se vão formando a principio vesículas finas e depois grossas. Lancetando quer a parte central, negra e dura, quer a aureola vesicular, não se obtém piís, circumstancia importante a notar, mas um liquido seroso, mais ou menos turvo e hemorrhagico. Estes signaes, que se acompa-
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nham habitualmente d'apyrexia, de diminui* ção de forças, d'anorexia, de nauseas, são já sufficientes para esclarecer o medico ; mas a duvida só deixa de existir, quando, pelos com-memorativos se descobre, d uma maneira positiva, que o doente, pela sua profissão, pela sua permanência intima e prolongada com animaes carbunculosos ou cohabitação com individuos attingidos d'esta doença, pela demora n'uma região onde reinem affecções car-bunculosas, teve probabilidades de contratar o carbúnculo.
O signal mais palpitante, mais geral e o mais característico é a ausência de dores lo-caes propriamente ditas.
Os symptomas locaes e geraes comple-tam-se e desenham-se cada vez mais: com effeito, a mancha central da pústula torna-se completamente negra e assemelha-se a uma escara produzida por um cáustico, tomando lima dureza lenhosa; a aureola vesicular en-contra-se augmentada de volume e mais sombria ; os tecidos subjacentes engorgitam-se, notando-se na visinhança já edema também. Ao mesmo tempo, o doente accusa diminuição accentuada de forças, as nauseas, a anorexia augmentant, entristece e tem arrepios.
N'este momento, ainda propicio, não é possivel o engano, e se não se apressa o tratamento, os signaes da intoxicação, que co-
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meçam a pronunciar-se, vão marchar rapidamente; os accidentes locaes desenvolver-se-hão e a infecção carbnnculosa tornar-se-ha manifesta, tão manifesta como a impotência da arte.
O edema maligno, independentemente do auxilio dos conhecimentos anamnesticos que acima referimos, em relação á pústula maligna, reconhece-se pela presença bastante frequente d'uma pequena pústula, d'alguma maneira abortada, da visinhança, e, em todos os casos pelos signaes seguintes : o edema principia, ordinariamente, pela pálpebra, pelo pescoço, pelo seio ou pela axilla; do começo pal-lido, pequeno, augmenta rapidamente com in-duração no seu centro; o doente experimenta a principio, também, prurido na região invadida, um formigueiro intermittente, e depois uma insensibilidade completa.
As alterações gástricas, a prostração geral e a acceleração do pulso depressa se pronunciam, acontecendo mesmo não serem precedidos, estes symptomas, de accidentes locaes, continuando na sua marcha, d'uma maneira assustadora e sem que pela medicação, muitas vezes, por mais activa que seja, se possa obter um bom resultado.
Tem-se proposto vários meios de assegurar o caracter carbunculoso do edema maligno ; mas o que nos pareceu mais acceitavel
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foi o de M. Monguet, confirmado com muitas observações por Gruipon, o qual consiste no seguinte: fazer uma incisão, segundo o maior diâmetro, em todos os botões suspeitos; no caso de apparecer o mais leve vestígio de pús, poderemos, d'uma maneira segura, pôr de parte a ideia de carbúnculo.
Quanto á febre carbunculosa sem pústula, nem edema, felizmente muito mais rara que as precedentes variedades que temos estudado, poderá reconliecer-se pelos seus caracteres insólitos, pela grande prostração do doente, pelo grande ardor que sente interiormente, pelas dores que accusa no ventre, pela sede intensíssima, ainda pelo pulso que é relativamente regular; mas sobretudo, devemos dizel-o, pelo conliecimento dos precedentes do doente, taes como profissão, sua promiscuidade intima e prolongada com os animaes carbunculosos, ou sua cohabitação com individuos attingidos d'esta doença, pelo uso, emfim, que terá feito de carnes d'animaes mortos de carbúnculo.
Diagnostico differencial
Exposto o diagnostico geral, e d'alguma maneira absoluto, da doença carbunculosa do homem, auxiliados por estes dados importantes, vamos fazer o estudo comparado dos différentes typos mórbidos que podem induzir o
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pratico em erro, isto é, vamos traçar o diagnostico differencial do carbúnculo e das doenças que mais se assemelham com elle, pelo menos na apparencia.
FURÚNCULO.—O furúnculo, pela variedade das suas formas, da sua sede, pela sua maior ou menor intensidade, pela sua depressão e gangrena centraes ou pela presença d'uma vesícula no seu vértice, o que não é muito raro, pela inflammação e engorgitamento edematoso da região sobre a qual repousa, pôde muito facilmente dar logar a um engano, que os práticos, mesmo os mais experientes, nem sempre podem evitar. Porém ha caracteres differen-ciaes, que nos tirarão de embaraços, os quaes são os seguintes: o furúnculo tem uma forma cónica, ao contrario da pústula maligna que é lenticular; á pressão, produz clôr muito aguda; na sua base não apresenta aureola vesicular; pela incisão exploradora, encontra-se uma pequena collecção de liquido amarellado, p u rulento; emfim não ha furúnculo sem carni-cão central e a presença d'esté signal bastará para nos tirar de duvidas.
EDEMA SIMPLES.—O edema simples, muito frequente nas pessoas lymphaticas e nas crean-ças, de fácil confusão com o edema maligno, clistingue-se pela rapidez da sua formação, pelas suas relações, sempre fáceis de apanhar, com a causa que o produziu, pela ausência de
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phlyctenas, de symptomas geraes, d'induraçao central.
EEYSIPELA. — Em algumas pessoas, como os velhos, as pessoas novas e lymphaticas, en-contra-se uma forma de erysipela sub-aguda, pouco inflammada, alastrando-se muito rapidamente, acompanhando-se de phlyctenas, de febre, de nauseas, de prostração, e que, em certas circunstancias, n'uma resfião invadida pelo carbúnculo, por exemplo, poder-se-hia tomar pela pústula maligna ou pelo edema maligno. Eis os meios de diagnostico que se podem invocar: na erysipela, as pldyctenas são espalhadas irregularmente em volta d'uni núcleo central, e cheias d'um liquido claro, que depressa se turva e se torna purulento; não ha escara nem engorgitamento considerável; além d'isso a erysipela sub-aguda ou ato-nica principia, as mais das vezes, pela orelha ou pelo nariz, invadindo somente depois as pálpebras, e fronte; provoca uma sensação de queimadura constante e dôr á pressão; emfim. ha ordinariamente recidivas d'esté género de doença e, em todos os casos, a sua marcha é muito menos rápida.
ANTHRAZ BENIGNO.—Esta affecção, de natureza furunculosa, ás vezes grave, distingue-se da pústula maligna, pelos signaes seguintes: attinge geralmente os velhos, as pessoas lymphaticas ou de fraca constituição, os dia-
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beticos ; principia por um pequeno furúnculo, ao qual se juntam outras, que se reúnem e formam um tumor vermelho, fortemente in-flammado, muito doloroso, sem febre a principio, tomando uma côr violácea quando abandonado aos accidentes que lhe são próprios, empallidecendo e calmando-se quando tratado pelos emolientes, antiphlogisticos ; diminuindo pelo desbridamento, pelas incisões cruciaes ou subcutâneas ; emfim, distingue-se pelo appare-cimcnto rápido de pontos de suppuração, que se confundem pouco a pouco, e dão sahida a um enorme carnicão, dando logar consecutivamente a uma suppuração abundante, accidentes últimos que constituem precisamente os principaes perigos da doença.
A's vezes, todavia, o anthraz approxima-se da pústula maligna pela sua forma hemisphe-rica, pela coloração violácea no centro e sobretudo pela presença de plilyctenas na visi-nhança ou á sua superficie. Apezar de tão grande semelhança, ha signaes que nos podem servir para evitar a confusão, coin a pústula maligna.
A pústula maligna, distingue-se pela sua vesícula na placa negra central, pela aureola vesicular, pelo edema dos tecidos visinhos, pelo seu estado indolente, pela depressão central e, emfim, pela ausência de suppuração superficial ou profunda.
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Eiufim, para não desprezar nenhuma das doenças, (pie possam offerecer alguma analogia com o carbúnculo humano, juntamente com as que passamos em revista, terminaremos esta parte do nosso estudo pelo quadro que segue e que nos dâ os signaes differen-ciaes de cada uma d'ellas.
QUADRO SYNTHEXICO E SYNOPTICO DOS SIGNAES DIFEE-KENCIAES DA DOENÇA CARBUNCULOSA DO HOMEM COM AS DOENÇAS QUE MAIS SE ASSEMELHAM.
1.° Entre a pústula maligna e o furúnculo: Pústula maligna
Aureola vesicular A' pressão, indolente Não dá pus Ausência do carnicão
Furúnculo
Aureola inflammada A' pressão, muito doloroso Liquido purulento na base Presença constante de
carnicão
2.° Entre o edema pies ou benigno :
Edema maligno
Symptomas geraes
Ausência de causa externa apreciável
Induração central Phlyctenas disseminadas Inefficacia dos tópicos
maligno e o edema sim-
Edema simples
Ausência de symptomas geraes
Causa externa fácil de constatar
Ausência d'induraçâo Ausência de phlyctenas Successo prompto com os
tópicos emolientes ou adstringentes
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3.° Entre o edema maligno e a eiysipela sub-aguda:
Edema maligno
Principia pela pálpebra ou seio, o pescoço, a axilla
Indolente á pressão Tumefacção considerável,
irregular, molle, exce-to sobre um certo ponto
Erysipela sub-aguda
Principia pela orelha ou nariz
Dôr á pressão Tumefacção moderada,
uniforme, e dura em toda a superficie
4." Entre a pústula maligna e a herpes :
Pústula maligna
Ausência de febre antes da erupção
Insensibilidade á pressão
Serosidade clara das vesículas
Herpes
Febre antes da erupção
Viva sensibilidade á pressão
Serosidade tenue, depois purulenta, das vesículas
5.° Entre a pústula maligna c a acne:
Pústula maligna E' ordinariamente única Insensibilidade á pressão Aureola vesicular
Serosidade clara
Aone Geralmente múltipla Sensível á pressão Ausência de vesículas pe-
riphericas Materia sebacea ou puru
lenta
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6.° Entre a pústula maligna e ecthyma:
Pústula maligna E' precedida de prurido
Principia por urna vesícula
Não suppura O ponto central negro é
precedido da vesícula serosa
Ecthyma E' precedido de dores la-
cri mantes Principia por uma eleva
ção da epiderme dura Depressa suppura O ponto central negro é
precedido de suppura-ção
7.° Entre a febre carbunculosa e a febre typhoide:
Febre carbunculosa Ausência de caracter ty
phoïde Ausência de manchas ró
seas Dores abdominaes, cons
tantes, geraes, espon taneas
Marcha rápida Medicação incerta, pouco
util.
Febre typhoïde Symptoniastyphoïdes pro
nunciados Manchas róseas
Dores na fossa illiaca direita, constante, provocada
Marcha lenta Medicação bem indicada
e ordinariamente util.
* * *
Inoculação e exame microscópico sob o ponto de vista do diagnostico do carbúnculo humano
A sciencia possue hoje mais dois meios de diagnostico : a inoculação do virus carbuncu-
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loso do homem aos animaes ou do animal car-bunculoso a um animal não doente, e o exame microscópico das partes carbunculosas e do sangue.
Não indispensáveis nos casos bem nítidos da pústula maligna e do tumor carbunculoso para demonstrar o seu caracter, a sua natureza, são necessários comtudo para reconhecer todos os casos duvidosos e para assentar definitivamente os nossos conhecimentos a propósito da febre carbunculosa, do edema maligno, que já tem por si a triplico saneção da analogia, da inducção e da experiência clinica. Comprehende-se que seja d'uma necessidade mais poderosa ainda quando se trate de fazer adoptar ou prevalecer um notável agente the-rapeutico, que não pódc admittir-se sem que o diagnostico seja certo.
Todavia, qualquer que seja a utilidade d'estes dois processos d'investigaçao, tão pouco apphcaveis na pratica, tem qualidades e um valor différentes que merecem a nossa at-tenção e a nossa critica.
A inoculação parece-nos mais segura e mais ao alcance de cada um que o exame microscópico, que suppõe, no maior numero dos profissionaes, a posse e o habito d'um instrumento dispendioso e difficil de manejar.
Pelo contrario, emquanto que a inoculação, excepto para a pústula, não seria fácil de
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fazer- se seguramente sem autopsia, isto é, sem a morte do doente, algumas gottas de sangue bastam para, pelo microscópico se constatar as bactérias que n'elle possam existir. As objecções não param aqui. Com effeito, quando ha duvida, mas que os signaes objectivos e indirectos do carbúnculo fazem suppôr a sua existência, quando, principalmente, pela incisão exploradora não se encontra nenhum vestígio de pús, não seria expôr-nos a graves successos, esperar para actuar, pela luz fornecida pela inoculação, a qual pôde falhar, embora feita convenientemente, ou não dar resultado senão tardiamente, ás vezes no fim de 3, 5, 7 dias e mais?
Achamos mais razoável, em casos de diagnostico duvidoso, mas affirmativo, expôr-nos a recorrer a um meio de tratamento inoppor-tunamente enérgico do que, confiados na forma de inoculação, deixarmos que a doença marche e se aggrave. Ora, quem não preferiria o primeiro inconveniente ao segundo?
líesumindo, diremos que a inoculação é excellente em principio, como processo scien-tifico, mas não como meio de diagnostico pratico, corrente, por apresentar o inconveniente de não ser facilmente applicavel.
Além do que, devemos concluir que, se o successo da inoculação é uma prova decisiva em favor do caracter carbunculoso, a sua fa-
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lha implica a probabilidade, mas não a certeza da completa ausência d'esté caracter.
Pelo que diz respeito ao exame microscópico, faz-se, quer directamente sobre o sangue, sobre a serosidade da pústula, sobre as porções carbunculosas do doente, quer indirectamente sobre os órgãos do animal inoculado. N'estas duas circumstancias, este modo de investigação é prompto, fácil, para quem o saiba empregar, e pôde servir-nos para verificar e completar os resultados da inoculação. Mas além dos inconvenientes que apontamos, se inconvenientes se podem chamar, este processo possue outros que não podem passar em silencio : o primeiro e o mais importante, é que os bastonetes, encontrados no sangue e nos produetos carbunculosos, não differem d'uma maneira bastante sensivel das bactérias encontradas n'outros j^roduetos mórbidos.
Apresentando estas ligeiras objecções, não queremos de maneira nenhuma, devemos de-claral-o, nem despresar, nem fazer diminuir de valor estes processos de investigação ; pelo contrario, applaudimos com todo o enthusias-mo os esforços dos medicos, que mais tem contribuído a iniciar estas nossas fontes de diagnostico verdadeiramente scientifico, progresso a que ninguém negará a importância.
Julgamos, pois util, c outra coisa não temos em vista, darmos algumas indicações
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que possam guiar o experimentador na sua applicação.
INOCULAÇÃO.—A observação, tão bem como as différentes investigações experimentaes, diz-nos d'uma maneira evidente que o carbúnculo é essencialmente inoculavel. Os caracteres, de resto, que Salmon e Maunouiy reconhecem na pústula inoculavel, differem pouco d'aquelles que temos admittido para a pústula grave; exiguidade das suas dimensões, forma umbili-cada, côr negra e dureza coreacea do ponto central, aureola vesicular, sensação antes pru-riginosa que dolorosa, engorgitamento do tecido cellular subjacente, grande vascularisa-ção d'esté tecido, o ponto negro central exangue, insensível e rude ao bisturi ; marcha rápida dos accidentes locaes e geraes.
Para praticar a inoculação dispõe-se de vários processos, que são: 1.° a simples intro-clucção de lanceta na pelle, contendo os pro-duetos suspeitos; 2.° injecção sub-cutanea ou n'uma veia, com o auxilio da seringa de Pra-vaz, d'estas mesmas substancias convenientemente diluídas em caldo ou soluto physiolo-gico, operação hoje familiar a todos os práticos, tão vulgarisada está, na therapeutica e medicação hypodermica; 3.° introducção, debaixo da pelle d'uma região bastante vascular, de fragmentos triturados e emulsionados, da pústula, de borra splenica, para o que,
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uma simples incisão e uma sutura bastam para assegurar a execução ; 4.° introducção das mesmas substancias, solidas ou liquidas, no estômago, fazendo comer ao animal porções de vísceras cruas e não putrefactas; 5.° podemos também, introduzir as substancias no pulmão, insufflando ou fazendo respirar ao animal porções carbunculosas seccas e pulve-risadas.
E ' necessário, para que a inoculação dê resultado, operar com produetos recentemente recolhidos, pois que a putrefacção destróe promptamente, segundo Davaine, a bacteri-dia. Em caso de duvida, recorrer-se-lia á inoculação suecessiva, a qual consiste em inocular, a um oil vários anhnaes, o sangue ou os outros produetos da primeira inoculação, podendo o resultado obtido ser indefinido ou mesmo tomar uma energia crescente pela renovação do virus em cada organismo novo. Segundo Davaine, os animaes preferidos para a experiência são o caviá, e as regiões, em que deve praticar-se a inoculação, as que sejam mais ricas em tecido cellular e sobretudo em vasos, taes como por exemplo : a face interna da coxa, prega da virilha, a axilla, etc.
Feita a inoculação, a morte do animal sobrevem ao G.° dia, raramente mais tarde.
Supérfluo será lembrarmos que os instrumentos destinados a esta operação devem
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usar-se segundo os rigores da asepsia e anti-sepsia.
EXAME MICROSCÓPICO. — O que se propõe constatar n'este exame, é a presença das bactérias. Ora, como ellas se encontram no sangue, onde se multiplicam com uma incalculável rapidez, é n'este liquido que devemos pro-cural-as. Encontral-as-liemos, com mais segurança e em maior abundância, segundo Da-vaine nas vísceras, onde o curso do sangue é retardado, como o baço, o figado e o pulmão.
CAPITULO V
Prognost ico
A conmiuni cação da doença carbunculosa ao homem 6 o fim essencial que temos em mira n'este nosso trabalho.
Considerando, pois, a doença sob este ponto de vista, podemos dizer d'uma maneira geral (pie o seu prognostico é sempre grave, e que esta gravidade tem graus correspondentes ás circumstancias que vamos expor succinta-mente e por assim dizer parallelamente, de maneira a melhor serem gravadas no espirito sob a tríplice rubrica de «Prognostico muito grave», «Prognostico mediamente grave» e «Prognostico favorável ».
PROGNOSTICO MUITO GRAVÉ. — Quando a doença apparece, nas épocas extremas da vida,
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na mulher edosa sobretudo, nas estações frias e húmidas ; quando resulta do contagio interno, ou quando a intoxicação tem logar quasi ao mesmo tempo que a inoculação ou contagio externo ; quando o tratamento tem sido appli-cado tarde, no ultimo período, ou d'uma maneira muito pouco enérgica, no começo; quando se trata d'uma pústula maligna restoicta, indolente, sem sensibilidade nem reacção local, ou da pústula maligna múltipla, do edema maligno, da febre carbunculosa.
PROGNOSTICO MEDIAMENTE GRAVE.—Appa-recimento da doença no periodo médio da vida, sobretudo dos 10 aos 30 annos; na estação quente; nas constituições fortes; depois do contagio externo ; quando os symptomas ge-raes tardem em pronunciar-se; quando o tratamento tem sido convenientemente enérgico e combinado logo no começo, na 1." metade do 2.° periodo pelo menos; quando se trate d'uma pústula maligna desenvolvida, dolorosa, inflammada; emfim, quando occupe partes resistentes, pouco depressiveis, isto é, pobres em tecido cellular, taes como o mento, a fronte, etc.
PROGNOSTICO FAVORÁVEL.— Quando ha ausência ou cessam os symptomas geraes ; quando ha delimitação nitida da escara central; quando apparece um liquido purulento na linha de demarcação ou abaixo das partes morti-
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ficadas; nos casos em que deixa de desenvol-ver-se e resolve o edema peripherico.
Mas, não obstante estes signaes tranquilli-sadores, o pratico deve estar de sobre-aviso, porque a morte pôde sobrevir bruscamente, sem que nenhum symptoma alarmante a tenha feito prever.
Será, pois, conveniente esperar que a convalescença seja bem confirmada, para se tomar uma resolução, e n'isto não se faz mais do que seguir a regra da prudência, imposta para o prognostico, como também para o tratamento, em todas as doenças de marcha insidiosa.
CAPITULO VI
Tratamento
Dividiremos este capitulo, por conveniência d'estudo, ordem e clareza, em três secções: «Tratamento cirúrgico»; «Tratamento medico»; «Tratamento prophylatico».
Tratamento cirúrgico
Este tratamento consiste na destruição da bacteridia carbunculosa no logar, nos tecidos onde se depositou e produziu os seus primeiros effeitos.
E' d'um valor incontestável e, na opinião de todos os homens experimentados, é preferível este methodo, em certeza e promptidão, a todos os outros, quer locaes quer geraes, con-
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tra o carbúnculo. Os meios empregados são a cauterisação pelo ferro ao rubro e a cauterisa-ção potencial ou pelos cáusticos conhecidos, líquidos ou sólidos. Como cáusticos liquidos figuram principalmente os ácidos sulfúrico, nítrico e clilorliydrico, e como sólidos o nitrato de prata, a potassa cáustica e o sublimado corrosivo.
A acção do thermocauterio ou de qualquer dos cáusticos, poderia bastar para destruir o mal ; mas nós julgamos, com a maior parte dos cirurgiões, que a destruição da bacteria, para ser mais completa, mais regular e mais prompta, deve ser precedida de escarificações com a tesoura curva, quando a pústula é superficial e facilmente atacavel ; de incisões mais completas, de dissecção e resecção tão radical quanto possivel, quando a pústula é dura, deprimida e repoisa sobre uma base profunda e resistente.
Modo d'applicaçao dos meios cirúrgicos indicados
O grande preceito, que não deixamos de repetir, é, em toda a doença carbunculosa por contagio externo, revelando-se sob a forma de pústula ou de edema, destruir sem hesitar as partes carbunculosas, consideradas, com justa razão, como o foco d'onde irradiarão os accidentes consecutivos.
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CAUTERISAÇÃO LIGEIRA. — Quando a contaminação é recente, uma pequena incisão, destinada a favorecer o escoamento do sangue e facilitar a acção d'um catheretico simples, tal como o acido nítrico, ou o nitrato de prata, basta ordinariamente.
Se, porém, o período d'incubaçao passou e a pústula começa a apparecer, teremos que empregar meios mais enérgicos ; assim, é necessário fazer-se a incisão crucial e a applica-ção immediata e prolongada dos cáusticos líquidos ou sólidos, com a cautela que requerem estes agentes chimicos.
CAUTERISAÇÃO PELO FERRO AO RUBRO.— Este processo é o mais seguro, simples e expedito.
No dia immediato ao da sua applicação, no caso d'insuccesso ou de successo duvidoso, o que se reconhece se a escara resultante da cauterisação não é bem caracterisada, se a dor, a infiammação e sobretudo a tumefacção não tem feito progresso, tirar-se-ha com a pinça e o bisturi as partes escarificadas, assim como as novas porções carbnuculosas e renovar-se-ha com mais rigor a operação.
Quando a doença não é recente e se revela sob a forma d'uni tumor desenvolvido, duro, enterrando-se no meio dos músculos, mesmo dos vasos, é necessário recordar o preceito tão bem traçado, em poucas pa-
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lavras, por Celso: Nihil melius est quàm pro-tinùs addurere, e, para attingir o fim mais seguramente, circumscrevel-o por incisões me-thodicas, dissecal-o, poupando o mais possi vel os órgãos importantes, que tem conservado quasi sempre o seu aspecto e caracteres ordinários e fazer em seguida a applicação, demorada, e repetidas vezes, do thermocauterio por toda a escavação resultante. Algumas compressas frias devem ser applicadas em seguida.
No caso da pústula ser completa ou o tumor bastante desenvolvido e sendo já pronunciados os symptomas geraes, a cauterisação ainda tem logar, senão para destruir d'uma maneira completa a bacteria que se encontra em parte absorvida e espalbada no organismo, para destruir alguma que fique no logar, para exercer uma revulsão activa e poderosa, e contrabalançar a influencia séptica sobre a economia.
Prooesso mixto pelo tbermo-cauterio e os cáusticos
Nas pústulas malignas muito graves, de marcha rápida, quando não haja a certeza de, somente pelos cáusticos ou só pelo ferro ao rubro, dominar a situação, é racional e de boa pratica combinar estas duas espécies de tratamento. Alguns cirurgiões empregam con-
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currentemente, ou antes successivamente, o thermo-cauterio e o sublimado; outros, o primeiro d'estes agentes e o acido azotico ou um cáustico liquido qualquer.
Os que optam pelo sublimado, enchem d'esté medicamento, grosseiramente pulveri-sado, a exeavação resultante d'applicaçao do ferro ao rubro, desembaraçado, se é possível, do sangue ou restos viscosos que a obstruam, e manteem-no no logar por meio d'um penso apropriado. Os que adoptam os cáusticos líquidos enchem a cavidade, produzida pelo thermo-cauterio, d'algodao embebido d'estes agentes chimicos, retirando-o no fim d'um numero maior ou menor d'horas, segundo a resistência do mal, isto é, segundo a extensão e a profundidade dos tecidos que se querem destruir. 0 inconveniente, que parece resultar d'esté tratamento, é a dôr prolongada durante a presença do agente destruidor. Depois de levantado o penso, julgamos conveniente fazer a applicação demorada de fomentações frias ou emollientes, para acalmar a dôr e moderar os effeitos da reacção.
Applicação dos meios precedentes segundo as variedades da doença
As considerações, que temos feito, dirigem-se ás affecções carbunculosas com manifesta-
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ções externas, especialmente á pústula maligna. Nâo será, pois, de mais indicar o tratamento cirúrgico que melhor convém ao edema maligno e em que elle diffère. Pelo que diz respeito á 3." variedade, ou febre carbun-culosa, admittida e observada por muitos au-ctores, não nos podemos occupai' d'ella n'este momento, visto não ser cirúrgico o seu tratamento .
EDEMA MALIGNO.—Esta forma muito grave do carbúnculo marcha, a maior parte das vezes, em concomitância com uma intoxicação geral, quando não é a consequência d'ella.
O seu tratamento externo não pôde, pois, ser senão incerto e mediocremente satisfacto-rio. A cauterisação não tem aqui o mesmo rigor d'applicaçao e não obedece a regras tão bem definidas. Todavia Bourgeois mostra alguma confiança na propriedade abortiva ou substitutiva da tintura d'iodo e sobretudo do nitrato de prata diluído em agua, applicado em pincelagem nas pálpebras, quando a tume-facção é recente. Guipon aproveitando este tratamento, indicado com fé por Bourgeois, fez a experiência em 15 casos, obtendo excellentes resultados. Mas quando a doença tem marchado, está generalisada, como attingir e destruir o virus espalhado já na economia? Formadas as phlyctenas, as placas ecchymo-ticas, o núcleo duro central, é sobre estes
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pontos, depois de desnudados, que convém actuar, ou seja com o thermo-cauterio, que, segundo alguns auctores, tem uma acção mais viva e franca, ou com um cáustico potencial, de preferencia o sublimado, grosseiramente pulverisado e mantido no logar por meio d'uni emplastro agglutinativo. Em seguida á cauterisaçâo, recommendam os práticos largas e frequentes fricções com a pomada mercurial camphorada, as fomentações de quinina muitas vezes renovada. Se o edema é pouco desenvolvido e o estado geral não é grave poderá usar-se de pincelagem com o nitrato de prata, aconselhada por Bourgeois e experimentada por Guipon com algumas curas promptas e sem deformidade; mas parece-nos que, se alguns resultados bons se tem obtido, só excepcionalmente, comparando a fraca actividade do meio empregado com a gravidade e a marcha rápida do mal.
Tratamento medico
D'uma maneira geral, é necessário não perder de vista que a doença carbunculosa é rápida na sua evolução e d'uma natureza essencialmente deprimente. Nos casos mesmo mais simples, está pois indicado prescrever os tónicos e uma boa alimentação. Se, não obstante a operação cirúrgica, os symptomas
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d'intoxicaçao se pronunciam ; se, desde o principio, estes mesmos symptomas existem, isto é, desde que se suppõe a infecção, devemos procurar eliminar o virus por todas as vias, empregando os purgantes, sudorifícos e diuréticos, e neutralisal-o quanto possivel pelos an-tisepticos, tónicos, por uma alimentação e bebidas generosas.
E ' este o tratamento que achamos racional no caso de doença carbunculosa por absorpção interna ou febre carbunculosa, em que o tratamento cirúrgico é impossivel, ou quando se trata das outras variedades com symptomas geraes d'intoxicaçao.
Segundo Debove, dar-se-ha ao doente, como tratamento interno : a tintura d'iodo (2 a 4 gottas de 2 em 2 horas), os tónicos, o alcool em alta dose e as inhalaçôes d'oxygenio.
Tratamento prophylactico
Este tratamento tem por fim, empregando todos os meios, todas as medidas proprias, prevenir o carbúnculo, atacal-o, impedir o seu desenvolvimento.
Os principaes são os seguintes: a diminuição da quantidade do gado junto n'um mesmo logar, a sua disseminação ou deslocamento frequente; a moderação do trabalho, sobretudo em tempo de epidemia; a ventilação e boa
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limpeza dos curraes ou cavallariças onde se recolhem os animaes. Quanto a alimentação, que é a causa predisponente mais certa, deve ser variada, de boa qualidade, secca, substancial, alternada com a nutrição verde, aquosa.
Desde que a epidemia se annuncie, a ap-plicação d'estas diversas medidas hygienicas deve ser a mais rigorosa, e é então sobretudo que é necessário recorrer exclusivamente á alimentação reconhecida como a mais natural e a mais sã. proceder á limpeza dos curraes e cavallariças com extremo rigor, desinfectan-do-as mesmo por meio de vapores ammonia-caes; emfim, moderar quanto possivel o trabalho dos animaes, como também proceder-se ao isolamento dos individuos doentes, á destruição pela combustão ou o enterramento, prom-pto e o mais profundo, dos animaes mortos e de todas as substancias que possam conter e communicar o virus.
* *
Por ultimo, para terminar este capitulo, quero referir-me ás tentativas de serotherapia e de immunisação.
E ' este o caminho mais scientifico da thera-peutica ; foi por elle que se chegou á cura da diphteria; foi por elle que, muito antes, se
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chegara empyricamente á immunisação anti-variolica ; e, seguindo na mesma esteira, Behring parece estar em via de descobrir o processo de immunisaçào contra a tuberculose.
Contra todas as doenças infecciosas se teem feito tentativas, mais ou menos coroa das de êxito, de serotherapia e de immunisaçào.
O carbúnculo não esqueceu e foi até contra o bacillus anthracis que primeiramente se trabalhou com affinco.
Resumirei, em breves palavras, o que ha assente a respeito das alterações bacillares, cel-lulares e humoraes, que se dão, quando o ba-cillo de Davaine entra em lucta com o or«'a-nismo vivo, e do partido que os bacteriologis-tas teem tirado e esperam ainda tirar do conhecimento d'essas alterações.
A bacteridia carbunculosa soffre modificações notáveis na sua morphologia, quando sobre ella reagem os soros sanguíneos de diversos animaes.
Na cobaya, o bacillus anthracis desenvolve-se á vontade, com a forma de bellos filamentos regularmente segmentados, como se pullulasse n'um caldo de cultura apropriado ; no coelho apresenta-se sob a forma de bastone-tes, isolados ou reunidos dois a dois; na rã dispõe-se em cadeias muito longas e finas e irregularmente segmentadas ; no soro do gato
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e do cão, ao fim de 24 lioras vêem-se bastone-tes longos, expessos e isolados ou reunidos aos pares.
Vejamos agora que acção exercem os diversos' soros sobre a virulência do bacillo de Davaine.
Introduzindo uma cultura virulenta d'esté micróbio debaixo da pelle d'uma lesma, Kar-linski. passados vinte minutos, retirou outra vez o liquido e semeou-o em placas. Essas placas, ou ficaram estéreis, ou appareceram inquinadas com raras e pequenas colónias de bacillus anthracis. Inoculou-as em cobayas e ratos e notou que estes animaes não reagiram contra a bacteridia. No corpo_ da lesma os micróbios foram em parte destruidos, e os que ficaram perderam toda a sua virulência.
Fizeram-se também experiências relativamente á acção de certos vertebrados, sobre a virulência d'esté micróbio, mas os resultados por emquanto teem sido contradictories. Parece, comtudo, estar demonstrado que o soro do rato branco tem uma acção nociva sobre a sua acção patliogenica.
Foi Behring o primeiro que fez ensaios sobre a serotherapia do carbúnculo, lembrando-se da acção que o sangue de rato tem sobre o seu agente* O soro de rato aniquila os effei-tos d'uma inoculação, no murganho, da bacteridia não esporulada. Para que a acção favo-
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ravel se manifeste, é preciso pôr o soro em contacto com a cultura e inocular a mistura.
Inoculaudoos separadamente, o animal morre; dada esta circumstancia, a therapeu
tica não pôde aproveitar com esta propriedade bactericida do soro de rato.
Por isso os experimentadores dirigiram a sua attcnção para o soro dos animaes vacci
nados. Uom o soro de carneiro vaccinado, Sclavo
conferiu a immunidade ao coelho. Este bacteriologista estudou a acção the
rapeutica d'aquelle soro e reconheceu que, uma dose de 2 a o centímetros cúbicos, inje
ctada 12 horas depois da inoculação, impede a morte do animal; se a injecção do soro for feita mais tarde, o animal morre.
As experiências de Sclavo teem sido verifi
cadas por outros bacteriologista s, que chega
ram a dosear a acção antitoxica do soro. Foi Toussaint o primeiro que fez tentati
vas de vaccinação anticarbunculosa, attenuan
do as culturas, por meio d'uma temperatura dysgenesica.
Pasteur repetiu as experiências de Tous
saint, dando uma explicação mais plausível da acção immunisante dos produetos inocula
dos. Cultivava o bacillus anthracis a 12", tem
peratura a que elle se desenvolvia sem espo
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rular; passado algum tempo, transportava-a para uma temperatura eugenesica.
A bacteridia ganhava então esporos, mas tinha perdido a sua virulência.
Por meio de variações de temperatura, de pressão, de meio, emfini, tem-se chegado a obter culturas inoffensivas e capazes de conferir a immunidade a animaes.
Os resultados em veterinária são já verdadeiramente brilhantes.
De 1882 até 1884 vaccinaram-se em França 1.788:677 carneiros, e a sua mortalidade pelo carbúnculo desceu de 10 °/„ a 0,94 °/o. Para os bois o resultado tem sido também muito animador.
Eis o estado actual da questão. Se, para o homem, ainda não se pode con
tar com a serotheraphia do carbúnculo, temos o direito de esperar, que talvez não venha muito distante o tempo, em que esta doença, bem como todas as demais, que teem como causa um micróbio, possam ser triumphantemente atacadas por este processo.
Proposições
Anatomia—A conjunctiva é uma bolsa serosa.
Physiologia— Considerando os trabalhos de Atwater, sou levado a crer que o alcool não é tão perigoso alimento como se dizia.
Fathologia geral-O que o berço dá, a cova o tira.
Therapeutica—A composição chimica das aguas mi-neraes não pôde explicar a sua acção therapeutica.
Anatomia pathologica—h falsa membrana diphte-rica é clinicamente característica.
Fathologia externa—Não acho conveniente o uso do tampão depois do avivamento e sutura das fistulas vesico-vaginaes.
Operações—Acho racional a operação de Talma em certas cirrhoses hepáticas.
Fathologia interna—O repouso, ar puro e super-alimentação, tanto estão indicados na tuberculose como nas ulceras da perna.
Hygiene-Os trabalhos de Behring, acerca da vaccina-çáo anti-tuberculosa, levam-me a acreditar que a sciencia ha de achar meio de debellar tão grande mal.
Fartos-Paia o tratamento da infecção puerperal, o melhor medicamento é o collargol.
Medicina legal—Não ha signaes pathognomonics da morte por asphyxia.
Visto, Pode imprimir, Cândido de Pinho. Moraes Caldas.
f RESIDENTE. D I R E C T O R ,
Erratas mais importantes
IP AO. LINHA ONDE 31 L Ê : LldA-SB
27 l8 é edade é a edade ^9 i5 dos virus do virus 31 28 septicomia septicemia 32 26 dos virus do virus 3? 5 inoculação incubação 3g 3 reconhecel-a reconhecel-o 40 4 princípios e principio se 46 28 e todas a todas 49 6 erysipela tiforme Erysipelatiforme
24 a 36 horas 5a 18 24 a 36 dias Erysipelatiforme 24 a 36 horas
70 2 outras outros 73 3 lacrimantes lancinantes 75 '9 forma prova 77 2 0 de lanceta da lanceta