Jos Jobson de Andrade Arruda Vera Lucia Amaral Ferlini
Maria lzilda Santos de Matos Fernando de Sousa
[orgs.]
DE COLONOS A IMIGRANTES I(E)migrao portuguesa para o Brasil
Copyright 2013 Jos Jobson de Andrade Arruda/ Vera Lucia Amaral Ferlini/ Maria Izilda Santos de Matos/Fernando de Sousa
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
PUBLISHERS: Joana Monteleone/Haroldo Ceravolo Sereza/Roberto Cosso
EDIO: Joana Monteleone
EDITOR ASSISTENTE: Vitor Rodrigo Donofrio Arruda
PROJETO GRFICO, CAPA E DIAGRAMAO: Joo Paulo Putini
ASSISTENTE ACADMICA: Danuza Valim
ILUSTRAO DE CAPA: Bruno Ricardo Souza Vilagra
CIP-BRASIL. CATALOGAO NA PUBLICAO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, R)
D266c
DE COLONOS A IMIGRANTES: I(E)MIGRAO PORTUGUESA PARA O BRASIL Jos Jobson de Andrade Arruda/ Vera Lucia Amaral Fcrlini/ Maria Izilda Santos de Matos/ Fernando de Sousa (orgs. ) So Paulo: Alameda, 2013 6 02p .
Inclui bibliografia ISBN 978-85-7939-206-1
1. Histria - Brasil e Portugal. 2 . Movimentos migratrios -Brasil e Portugal. 3 Estudos populacionais . 1. Jos Jobson de Andrade Arruda et al.
lJ-01274 CDD: 981.05 C D U: 94(81)
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Ao fim de uma bela poca : mig rao ibri ca , tra ba lho e redes socia is em Belm no lim ia r do scu lo XX1
Primeiras pa lavras . . .
Maria de Nazar Sarges Daniel Souza Barroso U n ivers i dade Federa l d o Pa r
PENSAR A AMAZNIA da passagem do Oitocentos ao sculo xx remete-nos a um perodo em que a
regio ocupava grande ateno internacional, em razo dos excelentes resultados que a exportao
da borracha trazia economia regional. Um complexo econmico dedicado exportao da goma elstica, conformado ainda nos meados do sculo XIX, acarretou em profundas transformaes na
estrutura demo-econmica de Belm, em particular, e do Par, em geral. Nesse bojo, pensar a regio
naquele perodo tambm pode nos remeter presena de indivduos migrados de outro lado do
Atlntico ou do nordeste brasileiro que aportavam em Belm e em Manaus, na busca da melhoria de
sua condio social, fruto do trabalho na lavoura ou nos seringais .
Entre esses sujeitos que vieram parte deles, procura das possibilidades de ascenso socioe
conmica ensejadas pela maior liquidez econmica existente naquele contexto, estavam os portu
gueses e os espanhis, que ao chegarem Amaznia reconstruram suas vidas entre as sombras das
mangueiras e a gua das chuvas vespertinas que at hoje marcam sua presena na cidade de Belm.
Encontramo-los caminhando pela cidade com tabuleiros de peixe, vendendo ovos e frangos ou carregando pianos, mas tambm se divertindo, se al imentando ou mesmo em momentos de tenso, resul
tantes da aspereza da sobrevivncia cotidiana . Ainda podemos encontr-los em documentos arqui
vados nos acervos do Centro de Memria da Amaznia,2 do Arquivo Pblico do Estado do Par, nos
romances e nas crnicas de jornais, o que nos possibilita revisitar sua presena no cotidiano de Belm .
O presente artigo fruto de d iscusses desenvolvidas no grupo de pesquisa "Populao, Famlia c Migrao na Amaznia'; da Faculdade de Histria da Universidade Federal do Par. Articula-se, igualmente, ao projeto de pesquisa "Imigrao portuguesa e al ianas matrimoniais: patrimnio, casamento e famlias em llelm (c .18so-C.1920'; financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) e coordenado pela Prof." Dr." Cristina Donza Cancela (PPHIST/UFPA).
2 O Centro de Memria da Amaznia (CMA) um rgo suplementar da Universidade Federal do Par (uFPA), que possui a guarda do acervo histrico do Tribunal de Justia do Estado do Par, abarcando aproximadamente 35 quilmetros lineares de documental notarial, compreendida do final do sculo xvm at 1970.
524 JOS JOBSON DE. A. A R R U DA V E RA LUCIA A . F E R LI N I MARIA I Z I LDA S . DE MATOS F E R N A N D O DE S O U SA (ORGS. )
No presente estudo, analisamos comparativamente a insero dos migrantes de origem portuguesa e espanhola no mercado de trabalho de Belm nas primeiras dcadas dosculo xx. O artigo
encontra-se estruturado em trs sees. De incio, empreendemos um esforo de contextualizar os fluxos migratrios direcionados Amaznia, entre o final do sculo XIX e o alvorecer do xx. A seguir,
expomos algumas das principais caractersticas do mercado de trabalho de Belm em 1920, sem per
der de vista tratar-se de uma poca de crise da economia da borracha. Portanto, focamos nas profis
ses que os ibricos exerciam preferencialmente, sem deixarmos de perceber as possveis implicaes
daquele evolver nas suas experincias de trabalho. Por ltimo, a partir do estudo de casos, adentra
mos em parte de seu "cotidiano do trabalho", evidenciado sociabilidades e tenses que permearam a
insero desses imigrantes no mercado de trabalho da cidade de Belm.
Amaznia: o destino de migraes nacionais e i n ternacionais A partir de meados do sculo X I X , a Amaznia foi o destino de um intenso e contnuo fluxo
migratrio, constitudo principalmente por migrantes de origem ibrica (sobretudo deportugueses)
e "nordestin: e de predominncia masculina. Entre 1872 e 1920, a populao da cidade de Belm -
capital do Estado do Par, esse um importante polo social, poltico, econmico e cultural da regio
- praticamente quadruplicou. A cidade possua 61 .997 habitantes em 1872, 96 . 560 em 1900 e 236-402
no ano de 1920.3 Belm se expandia em muitos vetores: estrutura demogrfica, delimitao do espao urbano, importncia geopoltica, econmica e cultural.4 E, assim como outras capitais de uma nas
cente Repblica, assistia transformao do espao pblico e do modo de vida, propagao de uma
nova moral e montagem de uma nova estrutura urbana - o cenrio de controle das classes pobres e
do aburguesamento de uma classe abastada.5
Naquele perodo, a localizao estratgica de Belm - s margens da Baa do Guajar e prxima
ao Oceano Atlntico - e a importncia de seu porto, aliadas intensa dinmica e aos excelentes re
sultados que a borracha estava trazendo economia regional, transformaram, paulatinamente, o co
tidiano da cidade. O crescimento da extrao do ltex (matria-prima da borracha) e da importncia
de sua exportao na balana comercial do Estado ocorreu concomitante ao aumento da populao
por imigrao, o que torna difcil dissociarmos o aumento do nmero de habitantes do redimensio
namento produtivo e econmico da regio - isso sem desconsiderarmos outros fatores intervenientes
como o possvel aumento nas taxas locais de fecundidade e as secas no Nordeste, por exemplo.6
IBGE. Sinopse do Recenseamento de 1920. Rio de Janeiro: Tipografia de Estatstica, 1926.
4 Cf. PENTEADO, Antnio Rocha. Belm: estudo de geografia urbana. Vol. 1. Belm : Editora da UPPA , 1968. SARGES, Maria de Nazar. Belm: riquezas produzindo a Belle-poque (1870-1912). 3' ed. Belm: Paka-'Iatu, 2010 [2ooo] , p. 27.
6 Para uma viso geral da populao de Belm, entre o final do sculo XIX e o incio do xx, ver dentre outros: BARROSO, Daniel Souza. "Famlia e Imigrao: o casamento, em Belm, no incio do sculo xx". Anais do x vn Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu/MG: Associao Brasileira de Estudos Populacionais, 2010 .
DE COLO N O S A I M I G RANTES 5 2 5
Entre os vrios migrantes que aportaram em Belm naqueles anos estavam os ibricos . As mi
graes dos portugueses e dos espanhis tm, entre si, diferenas de contingentes e de perfil que
precisam ser destacadas. Em primeiro lugar, a migrao portuguesa para o Par foi desde sempre
muito mais expressiva que a espanhola. Em segundo lugar, comparativamente, a migrao portugue
sa era mais seletiva quanto ao gnero. A grande maioria dos migrantes dessa naturalidade era do sexo
masculino, sendo a migrao espanhola bem mais equilibrada no que diz respeito a esseaspecto. Os
Recenseamentos de 1872 e de 1920 podem nos ajudar a demarcar melhor essas diferenas.
Em 1872, segundo os dados do Censo, havia 3 .361 portugueses na cidade de Belm. Eles repre
sentavam, proporcionalmente, 77,3% dos estrangeiros habitantes na cidade, 6,32% dos livres e 5,42%
de sua populao total. Os espanhis, por seu turno, tinham uma presena mais modesta, perfazendo
apenas 89 indivduos oficialmente arrolados/ Em 1920, o nmero de habitantes da cidade passou a
ser constitudopor 92,5% de brasileiros e 7,s'Yo, estrangeiros; desses 68% eram de origem portuguesa. Representativamente acabou sendo uma mudana aparentemente pouco expressiva, mas cujos efeitos
reais podem ter sido eclipsados pela Grande Naturalizao de 1891 e pela intensificao da migrao
interestadual . A razo sexual da populao migrante apoia ofato da migrao direcionada ao Par ter
sido majoritariamente masculina. No mesmo ano, enquanto a razo de masculinidade da populao
total de Belm era 104,1, a razo de masculinidade especfica da populao migrante era 402,4.8
O mercad o de tra balho em Belm nos meados do scu lo XX Ao longo dos anosde 1910 e 1920, a economia amaznica enfrentou uma grave crise. A queda
no preo bruto da borracha decorrente da concorrncia internacional, somada ainda dinmica da arrecadao federal no Brasil, que s no ano de 1910 se apropriou mais de 6o% de todos os lucros obtidos com a exportao do produto, tiveram impactantes consequncias para a economia regional.
Inclusive, os outrora competidores estados do Amazonas e do Par tiveram de se unir na busca por
uma soluo para contornar a crise.9 Esse o cenrio em que buscamos visualizar os portugueses e os
espanhis inseridos no mercado de trabalho da capital paraense. O Recenseamento de 1920, por meio de seu quadro socioocupacional, evidencia as principais
atividades econmicas presentes na cidade de Belm, mesmo que se trate apenas de um mercado de
trabalho, com a licena do termo, "formal' O quadro apresentado pelo Recenseamento claramente
7 As i nformaes u ti l i zadas do Recenseamento de 1872 foram retiradas de uma base de dados d igital d isponibilizada pelo Cebrap. Nessa base, alguns dados da verso original do Recenseamento foram corrigidos, o que pode fazer com que certos "nmeros" apresentados ao longo de nosso texto no coincidam com aqueles presentes nos quadros originais do Censo de 1872.
8 l!lGE. Recenseamento de 1920. Tomo IV: Populao do Brasil segundo o sexo, o estado civil e a nacionalidade. Rio de janeiro: Tipografta de Estatstica, 1926, p. 712 .
9 SARGES, Maria de Nazar & NASCIMENTO, Wilson Brito. "O Par e Amazonas so irmos: a Amaznia unida na crise da borracha e a imigrao estrangeira". ln: SOUSA, Fernando de et ai (orgs . ) . Um passaporte para a Terra Prometida. Porto: Fronteira do Caos, 2011, p. 273-286.
526 JOS JOBSON DE A. ARRUDA VERA LUCIA A. FERLI N I MARIA I/ i LDA S . D t MATOS FERNANDO DE SOUSA (ORGS.)
enviesado por uma perspectiva geracional e, sobretudo, por uma perspectiva de gnero. Primeiramente, haja vista algumas ocupaes, de acordo com o Censo, no estarem disponveis aos mais jovens, como
evidente os trabalhos mais especializados, sejam eles mecnicos ou no. Alm disso, o arrolamento
das ocupaes femininas acaba por invisibilizar a efetiva atuao das mulheres no mercado de trabalho
formal de Belm, sendo a grande maioria delas colocada como "sem profisso defini d: Essa indefinio da ocupao de determinados indivduos, que ser retomada mais adiante, pode ser indicativa de que
algumas ocupaes eram socialmente aceitas como "trabalhos': e outras no.
Consoante o Recenseamento de 1920, a agricultura, a construo civil, o comrcio, os transpor
tes (em especial, os martimos) e o vesturio eram as cinco atividades mais exercidas pelos homens de
Belm. J entre as mulheres, o vesturio, a agricultura, o magistrio e os servios domsticos eram suas
atividades mais comuns. Esse quadro, de carter mais geral, evidencia uma cidade ainda caractersti
ca do Brasil oitocentista, onde os espaos urbanos e rurais, decerto mais bem delimitados a altura do
Censo, confluam no espao de Belm. No obstante, particularmente o que concerne s ocupaes
masculinas, podemos observar uma cidade cada vez mais votada ao setor tercirio da economia, onde a
prestao de servios, o comrcio e as profisses liberais passavam a ter cada vez mais destaque.10 Essa possvel tendncia a um rearranjo no mercado de trabalho de Belm, conquanto no possa
ser dissociada da tendncia maior de urbanizao presente nas principais capitais do Brasil, natu
ralmente um reflexo do evolver econmico vivenciado pela regio desde os anos do Oitocentos . O
dinamismo econmico e o crescimento demogrfico acentuado (decorrente, em grande parte, desse
intenso fluxo migratrio), podem ter transformado paulatinamente o mercado de trabalho em Belm
no s com a abertura e a intensificao de novas atividades econmicas, como tambm pelo perfil
cada vez mais cosmopolita das pessoas e dos servios englobados nele.
Esse panorama mais geral, por mais que permita-nos apreender o mercado de trabalho de
Belm como um todo, no nos possibilita perscrutar vrias de suas nuances. Para alm da compreen
so das particularidades das ocupaes de acordo com a gerao, o sexo e a origem brasileira ou es
trangeira, pouco podemos extrair do Recenseamento. Nesse sentido, para o propsito deste artigo sua
utilizao limita-se perspectiva de contextualizar as caractersticas do mercado de trabalho da cida
de, no qual portugueses e espanhis estavam imersos. Com vistas a analisarmos a presena desses mi
grantes, lanamos mo de uma srie composta por 5 - 792 registros de casamento civil. Diferentemente
de seus congneres paroquiais, os registros civis apresentavam, tanto para o noivo como para a noiva,
referncias s ocupaes. a partir deles que a anlise de desenvolver. importante destacarmos, logo de incio, que o trabalho com os casamentos possui como o tra
balho qualquer outra fonte histrica, potencialidades e limites. Se por um lado, eles do ensejo a um
trabalho mais detido com marcadores sociais, ao apontar com maior preciso as idades e a naturalidade dos sujeitos em questo, por outro lado, acabam impondo anlise um recorte socioeconmico
e, por mais paradoxal que possa parecer, igualmente geracional. No apenas nem todas as pessoas
10 IllGE. Sinopse do Recenseamento de 1920. Rio de janeiro: Tipografia de Estatstica, 1926, p. 136-137-
DE. COLO N O S A I M I G RANTES 5 2 7
tinham acesso ao casamento, com tambm permaneciam no mercado matrimonial por um perodo
especfico de suas vidas, no sendo comum contrarem npcias nem muito jovens, nem muito velhos .
Posto isso, vejamos a Tabela 1 :
TABELA 1 . Cod i ficao sociop ro fi ss i ona l dos n u b e n tes homens em Be lm ( 1 908 - 1 9 2 5)
SETOR PRIMRIO
Agricu ltu ra 151 2,6% f----------- - -- - -- - - ------!------Pecu r ia 01
Pecur i a e Agricu ltu ra 32
Pesca 07 ------ - --- - - -------- --Extrativi smo 09
SETOR SECUN DRIO
01 - --- - ---
0,6%
0, 1% ---0,2%
Mine rao
Meta i s 20 0,3%
Made i ra e mob i l i r io 50 0,9% - - -------------------------+----+-----Txti l , vestu r io e a l imentao
Construo civ i l
Me ios de tra nsporte (Man ufatu ra )
Outros a rtesa natos
SETOR TERCIRIO
Profisses l i bera is
Servio Pb l i co
Educao
Sade
Segu ra na
Mar timos
Igreja
73
95
43 - --625
238
556
46
121
292
1,3%
1,6%
0,7%
10,8%
4, 1%
9,6%
0,8%
2,1%
5%
567 9,8%
02 r-- -- ---------- - - ---------- ----Comrcio 1 .883 32,5%
------------+---+--------Transportes e comun i caes 274 4,7%
Outros servios 263 4,5% ! -- - - - - ! - +
J o rna l e i ro 115 2% - ---------- --- --- - ------- Desemp regado 01
Ocupao ignorada 327 5,6%
Total 5.792 100%
Fonte : CMA/U FPA. Cartrio P riva tivo de Casa m e n tos d a Comarca d a Cap i ta l ( 1 908- 1 9 2 5)
528 JOS J03SON DE A. ARRUDA VI'RA LUCIA A. F I' RUN I MAR IA I Z I LDA S . D E MATOS FERr'>I ANDO DE SOUSA (ORGS.)
A Tabela 1 sinaliza, logo em um primeiro olhar, a expressiva concentrao das profisses masculinas em atividades ligadas ao setor tercirio. Ainda evidenciado que as atividades ligadas ao
comrcio aglutinavam grande parte dos nubentes, sendo significativo tanto em relao ao setor terci
rio, quanto no cmputo geral das ocupaes. Outras atividades, a exemplodos martimos, dos em
pregados na administrao pblica e dos artistas tambm eram recorrentes. Embora os casamentos
pesquisados sejam provenientes de um cartrio que abrangia espacialmente toda a regio da comarca
da capital, incluindo seus permetros rurais e urbanos, e as localidades adjacentes Belm, observa
mos que, em linhas gerais, as profisses predominantes apresentavam um perfil essencialmente urba
no; as atividades ligadas ao setor primrio perfaziam somente a 3 ,5% do total das ocupaes exercidas
pelos nubentes. As ocupaes vislumbram, em certa medida, parte da lgica urbana e econmica de Belm
no perodo, porm destoam da expressiva presena das atividades agrcolas na cidade. Praticamente
um tero dos homens maiores de idade que habitavam Belm, em 1920, estava diretamente ligado a
atividades agrcolas ." Isso sem contarmos com os envolvidos com a pecuria, a caa e a pesca. Alm
disso, devemos considerar, de antemo, que ao momento do casamento grande parte dos nubentes
muito possivelmente ainda no estaria em seu estado de maior amadurecimento profissional, uma
vez que a idade de casamento daqueles indivduos comumente oscilavaentre os 20 e os 35 anos. Mas,
tambm no podemos deixar de destacar que quase todos eles estavam empregados, o que denota a
importncia de um trabalho estvel para a contrao de npcias. Conquanto a exposio desta codificao seja importante no sentido de demonstrar parte do
mercado de trabalho de Belm acessvel para pessoas, em sua maioria, entre os 20 e os 35 anos de idade, algumas ressalvas precisam ser feitas. Em primeiro lugar, cabe-nos analisar as classificaes pro
fissionais encontradas. Tomemos, por exemplo, as ocupaes ligadas ao comrcio. Essas ocupaes
compreendiam um rol amplo de atividades que poderia abranger: empregados do comrcio; guarda
livros; caixeiros; comerciantes, negociantes etc. Como essas atividades foram arroladas por cartor
rios, cujos critrios desconhecemos, torna-se difcil mensurarmos com exatido as diferenas entre
uma e outra. Tambm o caso da categoria "artista", utilizada para designar um grupo essencialmente
heterogneo que exercia atividades manuais e artesanais . As terminologias empregadas para designar
as profisses dos nubentes eram imprecisas e analiticamente limitadas. Uma limitao que, certamen
te, se fazia ainda mais manifesta no designar das atividades femininas.
Provavelmente, os cartorrios responsveis pelo registro dos casamentos, assim como os recen
seadores da poca, no possuam demasiada preocupao em descrever, detidamente, as atividades
exercidas pelas mulheres, o que ainda agravado pelo diminuto mercado de trabalho formal acessvel
aos segmentos femininos da populao. O Recenseamento de 1920 aponta que 83,7% das mulheres habitantes em Belm ou no possuam uma profisso declarada, ou no possuam profisso algu
ma. Com expressividade menor, h referncias a mulheres na confeco de vesturio, em servios
11 Ibidem.
DE COLO N O S A I M I G R A N T E S 5 2 9
domsticos, na agricultura e no magistrio - nesta ordem de relevncia. As demais ocupaes fe
mininas so bem menos representativas.12 A limitao do mercado de trabalho formal disponvel s
mulheres no se aplicava, de igual maneira, ao mercado de trabalho informal.'3 Em relao aos casamentos, as ocupaes femininas mais recorrentes eram as prendas e os
servios domsticos. Outras ocupaes no raro encontradas foram: alunas e professoras da Escola
Normal ; costureiras; lavradoras; farmacuticas, comerciantes e proprietrias. Embora o cmputo
geral das ocupaes femininas aponte ao exerccio de atividades ligadas ao lar, isso no significa
que todas as atividades desenvolvidas pelas mulheres se restringissemto- somente ao espao pri
vado. Essa perspectiva deve ser matizada em dois aspectos. Em primeiro lugar, porque poderia
haver uma congruncia entre os espaos de moradia e de trabalho, a exemplo da coexistncia de
residncias e casas comerciais no mesmo prdio, ou mesmo de pequenos ateliers no espao do
mstico. Em segundo lugar, porque o termo "servios domsticos" no alude, necessariamente, o
desenvolvimento de atividades no lar de residncia da nubente, afinal, os servios poderiam bem
ser realizados na casa de outrem.
A incluso de um repleto rol de atividades femininas na categoria genrica "ocupaes domsticas" restringe, em muito, a anlise destas atividades, vislumbra uma multiplicidade de peque
nas tarefas de autossuficincia exercidas cotidianamente/4 inseridas em uma infra-economia, ao que
Braudel denominou de vida ou civilizao material.'5 Como desconsiderar, por exemplo, as mes
solteiras e vivas chefes de famlia, ou ainda aquelas "atividades de improviso"?'6 De qualquer modo,
no podemos nos esquecer dos papis sociais idealizados s mulheres, no limiar do sculo xx. As "boas esposas" e "boas mes" deveriam cuidar da manuteno do lar, se no no sentido de prov-lo
materialmente, pelo menos no sentido de preservar a boa ordem do espao domstico.
12 Ibidem.
13 Em Belm, no nal do scu lo xrx, o mercado de trabalho era permeado por relaes de gnero que estabeleciam, entre homens c mulheres, hierarquias e alteridades nas definies das profisses. Para as mulheres, o mercado de trabalho era baseado em servios de casa; raramente havia ofertas de emprego para mulheres fora do espao domstico. Cf. FONTES, E. "Prefere-se portuguesas: mercado de trabalho, racismo e relaes de gnero em Belm do Par ( lSSo-1896) ': Caderno do Centro de Filosofia e Cincias Humanas, Belm, 12 (1!2), p. 67-84, j an ./dez. 1993.
14 SAMARA, Enide Mesquita & MATOS, Maria lzilda Santos de. "Manos femeninas: trabajo y resislencia de las mujeres brasileflas ( 1890-1920)". In: DUBY, G. & PERROT, M. (dir. ) . Historia de las mujeres en Ocidente. Tomo s : E/ siglo xx. Madri: Taurus, 1993, p. 709-7 17.
15 BRAUDEL, Fernand . Civilizao material, economia e capitalismo: sculos xv-xvw. (V o!. 1 : Os jogos das trocas) . So Paulo: Martins f-ontes, 2009 [ 1 967 J , p. 12 .
16 No clssico Women, work and family, Louise Tilly e Joan Scott cunharam o conceito de "the economy of makeshift': Trata-se do desempenho, por pane de mulheres casadas, de pequenas atividades (costura, cozinha, limpeza etc . ) com o objetivo de complementar a renda famil iar. Ao utilizarmos o termo "trabalhos de improviso" (que tambm poderia ter sido traduzido como "trabalhos provisrios" ) , fizemos referncia ao conceito proposto e analisado pelas autoras (TILLY, Louise & SCOTT, Joan. Women, work and family. Nova York: Rinehart anel Winston, 1978) .
530 JOS JOBSON DE A. ARRUDA VERA LUCIA A. F ERLI N I MARIA IZ I L DA S . D E MATOS FERNANDO DE SOUSA (ORGS.)
Os migra n tes ibricos no mercado de tra balho de Belm Entre 1908 e 1920, 769 homens portugueses casaram-se em Belm. Os espanhis, de 1908 a
1925, perfaziam 260 sujeitos. A diferena entre esses nubentes, existente no mercado matrimonial de Belm, refletia a prpria diferena de contingente que portugueses e espanhis apresentavam na populao da cidade. Os lusitanos faziam-se em maior quantidade e, por esse motivo, casavam-se tambm em maior nmero que os hispnicos . No caso particular desses migrantes a proporcionalidade
entre a cifra de nubentes e sua representatividade na populao total de Belm, no se dava apenas
em termos contingenciais, mas, igualmente, em funo da maior ou da menor presena de mulhe
res. Enquanto no caso dos portugueses, como j se demonstrou em estudos anteriores,'7 havia uma
quantidade muito maior de homens casando, embora entre os espanhis o quadro fosse equilibrado,
balizando uma tmida maioria entre as mulheres.
No constituindo uma exceo, os casamentos dos ibricos tambm invisibilizavam as ocupa
es femininas, adjudicando a praticamente todas as nubentes, os servios domsticos. Em rarssimos
casos, encontramo-las no exerccio do magistrio ou em atividades ligadas agricultura ou ao comr
cio. No caso dessas duas ltimas, suas atividades coadunavam com a de seus futuros cnjuges. Longe
de representar mera casualidade essa "coincidncia" pode ser um indcio de certas questes de fundo,
dificilmente apreensveis sem documentao histrica suficiente. Um olhar mais acurado sobre esses
casos evidencia que no apenas as ocupaes, como tambm os endereos dos nubentes eram os mes
mos. possvel, ou melhor, provvel, que os noivos j coabitassem antes mesmo do casamento, e que trabalhassem conjuntamente, talvez mesmo em seu espao de moradia, nas atividades destacadas.
De todo modo, mesmo que casos como esses desnudem algumas nuances do trabalho feminino
em Belm, no limiar do Novecentos, trata-se apenas de referncias fragmentadas, no passveis de
tratamento serial. Destarte, por mais que possamos apontar aqui ou ali do que as mulheres se ocu
pavam, no podemos delinear claramente suas principais atividades, ainda que suponhamos que a
maioria delas fosse atinente ao trabalho domstico, ao magistrio ou ao trabalho familiar (como pode
ter sido o caso das mulheres que trabalhavam no comrcio e, sobretudo, na agricultura) . No sendo
as abordagens (com o perdo do termo! ) "qualitativas" o mote de discusso deste artigo, centramos
as reflexes na presena de homens portugueses e espanhis no mercado de trabalho de Belm; alm
disso, homens que, como j destacamos, estavam em sua grande maioria entre os 20 e os so anos de
idade. Vejamos a Tabela 2:
17 CANCELA, Cristina D. & BARROSO, Daniel S. "Casamentos portugueses cm urna capitaldaArnaznia: perfil demogrfico, normas e redes sociais (Belm, 1891-1920)': Histria Unisinos, So Leopoldo, 15(1) , j an./abr. 2011, p. 60-70.
DE COLO N O S A I ."-1 1 G R A N T ES 531
TAB E LA 2. Cod i ficao soc iop rof i ss ion a l dos homens portu g ueses ( 1 908- 1 9 2 0)
SETOR PRIMRIO
Agr icu l tu ra e pesca 12 1,6% -------------L
SETOR SECUNDRIO
Txti l , vestu r io e a l imentao 26 3,4%
Construo civi l os 0,7%
I n dustr ia l 0 7 0,9% ---------------- -----------
Made i ra e mob i l i rio 10 1,3%
Outros a rtesanatos 75 9,8%
SETO R TERCIRIO
Comrc io 529 68,8%
Profisses l i bera i s 12 1,6% - --------Transporte e comun i caes 30 3,9%
Igreja 01 0, 1%
Outros servios 28 3,6% --- ----- -----------Ocupao ignorada 34 4,4%
------Tota l 769 100,0%
- -
Fonte : CMA/U FPA Cartr io Pr ivat ivo de Casa m e n tos da Coma rca da Cap i ta l ( 1 908- 1 9 2 5)
A Tabela 2 revela uma grande concentrao dos homens portugueses pesquisados em atividades ligadas ao setor tercirio, essencialmente no comrcio. Aproximadamente 70% de todos eles tiveram suas ocupaes descritas claramente como comerciais, desde auxiliares do comrcio a grandes
negociantes, passando por guarda-livros e vendedores ambulantes. Em um segundo plano, destacam
-se as atividades que, em menor intensidade, poderiam tambm estar associadas praa mercantil de
Belm, como aquelas englobadas nas categorias "Outros artesanatos': "Transporte e comunicaes e
"Txtil, vesturio e alimentao': As demais ocupaes eram rarefeitas, sendo muito pouco represen
tativas no geral. O quadro ocupacional dos portugueses apresenta, em relao ao quadro ocupacional geral, algumas aproximaes e distanciamentos que precisam ser considerados.
No que diz respeito s aproximaes, apontamos que, ora com maior ora com menor variao
percentual, o quadro dos portugueses e o quadro geral, so certamente semelhantes . As diferenas
entre um e outro residem na macia participao dos lusitanos nas atividades correlacionadas ao
comrcio e da pouca presena desses migrantes em determinados setores - a exemplo do servio
pblico ou dos martimos, que perfaziam cada um deles, cerca de 10% de todos os casos. Se, por um lado, no conseguimos precisar o porqu da quase ausncia dos portugueses nesses setores, por outro lado, a sua efetiva participao no setor mercantil, em suas mais variadas escalas, pode ser mais fcil
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de justificar. Para alm da simples associao portugueses/ comrcio, o amlgama da grande maioria dos migrantes lusitanos em atividades mercantis pode ter razes ainda mais profundas.
A insero dos migrantes portugueses no mercado de trabalho formal de Belm, no limiar do sculo xx, estava diretamente associada ao carter do processo migratrio que os levou Amaznia
e, de igual maneira, s caractersticas particulares que pautaram as relaes sociais entre portugueses
e paraenses naquele perodo. A sociedade local tinha fortes laos com Portugal, os lusos eram os
imigrantes em maior quantidade e o fluxo migratrio ocorria em cadeia, ou seja, era marcado pela "predileo" de gnero e pela existncia de indivduos, em geral parentes, que davam apoio logsti co migrao.'8 E eram esses indivduos, os quais aqui denominaremos de " intermedirios sociais",
que tornaram a migrao lusa um caso bem especfico dentre as outras migraes direcionadas Amaznia entre o final do sculo xrx e o incio do Novecentos .
Por "intermedirios sociais" apreendemos, tal como Renato Pinto Venncio, pessoas que
poderiam interceder social, poltica e economicamente diante de indivduos de condio social mais
elevada, em prol daqueles menos favorecidos.'9 Eram, portanto, responsveis pelo dinamismo de ex
tensas redes sociais que poderiam interligar pessoas nos extremos da hierarquia social. Mas de que
modo a noo de "intermedirios sociais" poderia nos ajudar a compreender no apenas a insero
dos portugueses no mercado de trabalho de Belm nas primeiras dcadas do sculo xx, mas, princi
palmente, os meandros e as diversas nuances que permearam aquele processo migratrio?
Num interessante balano da produo historiogrfica sobre as migraes, o socilogo ame
ricano Douglas Massey apresenta um quadro em que ganha destaque o importante papel exercido
por parentes ou demais pessoas conhecidas da articulao de uma migrao.20 Ora, esses parentes ou
pessoas conhecidas nada mais so do que os j referidos " intermedirios sociais': Em alguns casos,
as articulaes poderiam incluir tanto o auxlio na partida,21 quanto no seu estabelecimento no novo
local de moradia. Considerando as relaes existentes entre o Par e Portugal, plausvel pensarmos
que alguns indivduos de origem portuguesa tenham, muito possivelmente, organizado a migrao de
seus conterrneos a Belm, assegurando-lhes todo um apoio logstico onde se incluiria, naturalmente,
um emprego no setor mercantil, onde os lusitanos faziam-se presentes de modo expressivo. Mas, e
quanto aos espanhis? Vejamos a Tabela 3 :
18 Sobre essa classifteao ver: TILLY, Charles. Migration in Modem European History (mimco) . Disponvel em: . Acesso em: 20 ago. 2011 .
19 VENNCIO, Renato Pinto et al . "() Compad re Governador: redes de compadrio em Vila Rica em fins do sculo xv m". Revista Brasileira de Histria, So Paulo, 26(52) , 2006, p. 287.
20 MASSEY, Douglas et al. "Theories of intcrnational m igration : a rcview and appraisal". Population and Development Review, Nova York, 19(3) , set. 1993, p. 431-466.
21 Quanto imigrao portuguesa para a Amaznia, j foi analisado um caso nesse sent ido cm : VIEIRA JUNIOR, Antnio Otaviano & BARROSO, Daniel Souza. "Histrias de 'movimentos': embarcaes e populao portuguesas na Amaznia joanina". Revista Brasileira de Estudos de Populao, So Paulo, 27(1) , jan . -jun . 2010, p. 193-210.
DE COLO N O S A I M I G R AN T E S 533
TAB E LA 3. Cod i fi cao soc io p ro fi ss i ona l dos homens espa n h i s ( 1 908 - 1 9 2 5)
SETOR PRIMRIO
Agr icu l tura
--- - . j_ 04__1_ 1,5%
SETOR SECU N DRIO
-dea -;b 1 l 1-o------- l Cou ro 06 2,3% f--------------------t-------' Txti l , vestu rio e a l ime ntao 10 3,8%
Construo civ i l 02 0,8%
Outros a rtesanatos 63 24,2%
SETOR TERCIRIO
Profisses l i bera i s
Emp regados pb l icos
Educao
Comrc io
Transporte e comun i caes
Foras Pb l i ca s f----- .. ------
---
Jo rna l e i ros
04 1,5%
os 1,9% = .....
-----
------
01 0,4%
94 36,2% '
2 1
02
18
8, 1%
0,8%
6,9% 1--------------- ----- -- t-------------Outros servios 14 5,4%
Ocupao ignorada 14 5,4%
Tota l 260 100%
Fonte: CMA/U FPA. Ca rt r io Priva tivo de Casa m e n tos d a Com a rca d a Cap i ta l ( 1 908- 1 9 2 5)
A Tabela 3 revela que assim como entre os portugueses, entre os espanhis ocorria tambm uma concentrao ocupacional nas atividades ligadas ao comrcio, mesmo que em menor proporo.
Pelo menos u m em cada trs dos espanhis pesquisados estava ligado ao setor mercantil. Podemos destacar, igualmente, entre os espanhis, aimportante presena deles na categoria "Outros artesana
tos". Outras categorias, a exemplo da dos "Jornaleiros" e a de "Transporte e comunicaes", tambm aglutinavam um bom nmero desses imigrantes . importante salientarmos que o quadro ocupacional dos espanhis era ainda mais parecido com o quadro socioocupacional geral, do que o dos portu
gueses. Ainda assim, h entre eles uma tendncia geral a empregarem-se em ocupaes ligadas, direta ou indiretamente, ao comrcio, mesmo em menor intensidade que os portugueses.
Era no setor mercantil que havia uma grande rivalidade entre os ibricos; portugueses e espanhis envolviam-se em embates na busca por melhores locais na praa mercantil e pelo monoplio do comrcio. A notria presena majoritria dos ibricos que atuavam no setor do comrcio, especialmente no retalhista, causou um desconforto aos brasileiros que os viam como exploradores e
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concorrentes em um mercado de trabalho que deveria ser nacional, assim acreditavam os brasileiros, no caso, os paraenses. Essa disputa no mundo do trabalho gerou uma tenso constante entre os "ga
legos" e os nativos, sobretudo no espao pblico onde os vendedores ambulantes das mais diferentes
nacionalidades obtinham meios para a sua sobrevivncia. medida que o processo migratrio se acentuava o espao pblico da cidade era tomado pelos trabalhadores de ruas, conforme se pode
observar pela Tabela 4:
TABELA 4. Vendedores a m b u la n tes reg i s t rados na I n tendncia de Be lm ( 1 902- 1 903 )
Ms Nmero Variao ----------\-------+-------
Dez. de 1902
Jan . de 1903
Fev. de 1903 ----- --------!----
Mar. de 1903
Abr. de 1903
Ma io de 1903
228
292 64
250 -42 1 -- -------------
294 44
256 -38
321 65 1--------- -- - - ------- ------------J u n . de 1903 335 14
-----------r------- ----- -- -J u l . de 1903 269 -66
Fonte: LEMOS, Antn io . Relatrios apresentados ao Conselho Municipal de Belm na sesso de 15 de novembro de 189 7- 1902. Belm: A. A. S i lva, 1 902, p. 1 25
Era nesse espao do comrcio ambulante intenso e bastante difcil de ser controlado que os
trabalhadores disputavam a sua insero no mundo do trabalho. Nele, encontramos vendedores de
flores, carregadores, e vendedores de peixe, de legumes e de verduras, que vendiam suas mercadorias
em tabuleiros improvisados e desprovidos de qualquer higiene; vendedores de leite que iam com suas
vacas de casa em casa; vendedores de tecidos em "lojas ambulantes que vendiam, em carros e tabulei
ros, fazendas francesas, inglesas e diversas miudezas':22 enfim, uma gama de produtos que tornavam a
cidade uma grande tenda colorida. nesse cotidiano da cidade que vamos encontrar uma notcia que bem espelha a situao de crise econmica resultante da queda dos preos da borracha.
22 SARGES, Maria de Nazar. Belm: riquezas produzindo a bel/e poque . . . op. cit. , p. 28.
DE COL O N O S A I M I G RA N T E S 535
J no a primeira nem a segunda vez, que s portas da nossa redao aparecem moos patrcios a implorar um bolo para comer, pois o trabalho lhes falta para que por ele possam conseguir o dinheiro necessrio ao seu sustento.
Alguns, com as lgrimas nos olhos, tm-nos tambm implorado para intercedermos junto do Consulado de Portugal a fim de poderem conseguir uma passagem que lhes d direito a voltar s terras ptrias.''
Essa apenas uma das muitas tenses que se impem aqueles que chegaram ao Par na con
dio de imigrante, mas tantas outras situaes do cotidiano se esparramam nos papis dos arquivos
policiais, como o caso de Alfredo e Delfina :
Alfredo Cid e Delfina Alves moravam prximo: ele, na Rua Manoel Barata, 90 ; ela, Rua Tiradentes, 32. Em 1920, eles tinham, respectivamente, 19 e 18 anos de idade. Haviam comeado a namorar dois anos antes, em 1918, no bairro onde moravam: o Reduto. Menores de idade e ainda no emancipados, Alfredo e Delfina precisariam de autorizao paterna para poder contrair npcias. O pai de Alfredo, com quem o mesmo trabalhava numa sapataria de propriedade familiar, consentia com o casamento de seu filho. Por sua vez, Jos Rodrigues Alves opunha-se ao casamento de sua filha Delfina, declarando ser "pobre, mas honrado" e que se sacrificava ao mximo para dar educao a sua prole. Segundo Jos Alves, o pretendente de sua filha era um "precoce perdido social': um "vagabundo, sem profisso alguma". Alfredo Cid refutava essa "acusao" alegando que possua "profisso honesta e definid', com rendimentos suficientes para constituir famlia.'4
Esse relato nos remete a pensar que dentro de uma relao conjugal, o marido e a esposa exer
cem papis familiares inerentes ao grupo social que pertencem, sob influncia de valores morais espe
cficos.25 Entretanto, no final do sculo XIX e o limiar do sculo xx, assistiu-se a uma reconfigurao
do "pacto matrimonial", que acarretou uma mudana do papel social do marido passando de admi
nistrador de bens para provedor e protetor do lar/6 Portanto, o provento ao lar era um papel social de
gnero associado especificamente ao masculino, o que aj uda-nos a melhor entender a preocupao de Jos Rodrigues Alves com o casamento de sua filha com Alfredo Cid, um "vagabundo, sem profisso
23 jornal Lusitano, 24 de setembro de 1921, p. 2 .
24 CM A . 2" Vara Cvel (Cartrio Odon) . Suprimento de consentimento para casamento, onde foi requente Alfredo Rodrigues Cid e requerido Jos Rodrigues Alves. 1920.
25 SAMARA, Eni de Mesquita. "Casamento e papis familiares em So Paulo no sculo x1x". Cadernos de Pesquisa da Fundao Carlos Chagas, So Paulo, no 37, 1981 , p. 17-25 .
26 NAZZARI, M. O desaparecimento do dote: mulheres,famlias e mudana social em So Paulo, Brasil, 16oo-1900. So Paulo: Companhia das Letras , 2001 ( 19 91 ] .
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alguma'; e a refutao desse quela acusao, confirmando possuir uma "profisso honesta e definida'' que lhe permitiria constituir e sustentar uma famlia.
O imbrglio em que se envolveu Alfredo Cid apenas um exemplo de algumas das tenses que
permearam as relaes de trabalho dos migrantes de origem espanhola e paraense no mercado de
trabalho de Belm, nas primeiras dcadas do sculo xx, ainda que na esfera familiar e da intimidade.
O dinamismo econmico e o crescimento demogrfico acentuados (decorrente, sobretudo, de um in
tenso fluxo migratrio) , associados ao que a historiografia convencionou de chamar de a "Economia
da Borracha", transformaram paulatinamente o mercado de trabalho em Belm no s com a abertura
e a intensificao de novas atividades econmicas, como tambm pelo perfil cada vez mais cosmopo
lita das pessoas e dos servios englobados nele.
Consideraes fina is A vivncia dos estrangeiros em solo amaznico deve ser entendida no contexto de uma eco
nomia que precisava de mo de obra para atender o mercado internacional, embora as cidades no
estivessem em condies de abrigar um contingente cada vez maior de imigrantes. Essa parcela sig
nificativa de estrangeiros ao se deparar com um novo ambiente enfrentava alguns obstculos quase
que "naturais" a esse processo migratrio, como a diversidade cultural e as dificuldades de insero
no mercado de trabalho, entre outros. A tentativa de compreender a complexidade das relaes de
trabalho entre os imigrantes portugueses e espanhis com a sociedade paraenseleva-nos a delinear
um quadro geral dessa questo que abre possibil idades de novas investigaes.
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