RE SIGNIFICAÇÃO DO LUGAR: Revitalização do Antigo Leprosário de Itapuã/RS. Os primeiros passos
GRIENEISEN, Vera (1); NEUTZLING, Simone R. (2)
(1) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura
Rua Riachuelo 933, 90010-270 Porto Alegre [email protected]
(2) Universidade Federal de Pelotas. Programa de Pós-Graduação em
Memória Social e Patrimônio Cultural Rua Lobo da Costa, 1877
RESUMO O objetivo do presente trabalho é a apresentação do projeto cultural de revitalização do conjunto do antigo Leprosário do estado do Rio Grande do Sul. A primeira etapa deste processo, referente ao projeto de restauração do prédio da igreja luterana Igreja de Cristo, vem sendo elaborada pelas autoras. O estágio atual é de captação de recursos para a finalização do projeto executivo. O antigo Leprosário está localizado no distrito de Itapuã, na cidade de Viamão/RS. De propriedade do Governo Estadual, possui acesso restrito, sendo uma parte do conjunto atualmente usado pelos últimos moradores que sofreram hanseníase e um grupo de pacientes do Hospital Psiquiátrico São Pedro de Porto Alegre. A restauração da igreja luterana foi elencada como prioridade em função do precário estado de conservação e do valor histórico e arquitetônico da edificação. Ela foi projetada por Theodor Wiederspahn, arquiteto de origem alemã, que imigrou para o Brasil em 1908, e já tinha assinado mais de 500 projetos na capital e no interior do estado do Rio Grande do Sul, quando foi chamado pelo conselho do Sínodo rio-grandense para a elaboração deste projeto. As pranchas arquitetônicas originais foram tombadas em nível estadual em 2011 e estão sendo utilizadas como referência para a elaboração do projeto de restauração do prédio. No que se refere ao projeto de revitalização do antigo Leprosário, a devolução deste importante patrimônio histórico, arquitetônico e ambiental promete um impacto positivo incomparável para o desenvolvimento socioeconômico e cultural da região.
Palavras chave: Lagoa dos Patos; hospital colônia; revitalização
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A história do hospital colônia de Itapuã
Durante o período colonial, no Brasil, as ações públicas de saúde ocorriam baseadas
principalmente no processo de quarentena, comuns para quase todas as doenças
epidêmicas. Somente a partir da vinda da corte para o Brasil começou-se a procura e o
combate das supostas causas das doenças, incorporando o espaço urbano ao pensamento e
às ações médicas.
No início do século XX, para muitas doenças já existia imunização por vacinas e surge a
Educação Sanitária – desenvolvida nos Estados Unidos e disseminada pela Fundação
Rockefeller (CAMPOS, 2002). Em 1923 foi fundada a Inspetoria de Profilaxia da Lepra
(1923), que se transformou em Departamento de Profilaxia da Lepra (1935), definindo leis
distintas de ação espacial para a doença (MONTEIRO, 1995).
No início dos anos 1930, a iniciativa para a criação de um Leprosário em Itapuã partiu, no
entanto, ainda de uma sociedade beneficente chamada Sociedade Pró-Leprosário, criada em
Santa Cruz do Sul, município gaúcho localizado a 155 km de Porto Alegre. A sociedade
Pró-Leprosário comprou, em segredo, um terreno localizado em Belém Velho, bairro situado
na periferia de Porto Alegre onde, posteriormente, se instalaria o Amparo Santa Cruz,
instituição que teria a sua história ligada à do futuro Hospital Colônia Itapuã. Em 1936, foi
inaugurado o Hospital de Emergência para Leprosos, localizado no terreno do Hospital São
José1 . Mas mesmo com terreno comprado, as dificuldades enfrentadas pela sociedade
Pró-Leprosário na realização da sua meta, diminuíam somente a partir do dia 8 de março de
1937, quando foi emitido o decreto nº 1.473 que declarava de utilidade pública a Federação
das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra. Este decreto,
finalmente, facilitava os acordos e parcerias entre as instituições não-oficiais e o então
Departamento Nacional de Saúde, mesmo se em boa parte, tal medida visava simplesmente
amenizar o fato de o estado ainda não contar com um hospital específico para hansenianos,
enquanto já o Decreto Federal nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923 tinha definido como
deveriam ser estruturadas os hospitais colônia para hansenianos:
“As colônias, agricolas, sempre preferíveis, deverão ter bastante amplitude
para nelas de poder estabelecer uma verdadeira villa de leprosos, e, além
das condições que assegurem do melhor modo os seus fins, deverão ter
1 Em substituição de um conjunto de pavilhões no arraial de São José, denominado Hospital de Isolamento São
José, lá instalado em 1909.
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hospitaes para os que necessitem cura de doenças e affecções intecurrentes,
crèche, orphanato e asylo para os incapazes”.
Em Porto Alegre, sensível às dificuldades da Sociedade Pró-Leprosário, formou-se um grupo
liderado por d. Luiza Aranha, mãe de Oswaldo Aranha. Já um ano anterior ao decreto nº
1.4730 o governo estadual convenceu-se da necessidade de se envolver no projeto e
comprou no dia 31 julho 1936, uma fazenda de 3000 hectares em Itapuã, distrito do município
de Viamão. Técnicos do estado elaboraram o projeto arquitetônico, Dr. Luiz Osmundo de
Medeiros obteve o papel de supervisor das obras e o governo estadual se comprometeu com
a manutenção do asilo. As obras iniciaram-se em 1937.
Na medida em que houve uma lacuna geral de pessoas especializadas para atuar nas
instituições novas, criadas pelo governo estadual, as irmãs franciscanas da caridade e
penitência foram oficialmente convidadas a participar das atividades no futuro hospital. Elas
aceitaram e em 11 de maio de 1940 foi oficialmente inaugurado o Leprosário Itapuã. A opção
foi desenhar um espaço identificado com uma cidade, optando-se pela sua divisão funcional,
de forma que viessem a coexistir moradias com o trabalho, o lazer e com um atendimento
médico-hospitalar para os doentes nos diversos estágios da enfermidade.
Oriundos de vários municípios do Estado, os doentes encontraram em Itapuã um espaço
projetado para abrigá-los, e onde além da estrutura médico hospitalar havia uma organização
semelhante a uma pequena cidade, constituída segundo um esquema urbano baseado em
experiências recolhidas em construções de vilas operárias e subúrbios na Europa durante a
época da revolução industrial em diante. O conceito da cidade jardim, disseminado, entre
outros, através do livro Garden Cities of To-morrow, publicado por Ebenezer Howard em
1898, se bateu perfeitamente com as diretrizes higiênicas, estabelecidas para hospitais
colônia, tais como a procura de uma malha urbana com edificações isoladas, bem
ensolaradas e arejadas e o convívio com a natureza que foi reconhecido como fator
importante, até fundamental pelo melhoramento físico e mental dos habitantes
respectivamente pelos pacientes. No texto A Colonização dos Morphéticos escrito pelo
médico José L. de Magalhães em 1900, este alerta da necessidade de espaços onde os
internatos pudessem desenvolver atividades ao ar livre e aonde viessem a exercer um ofício,
já que continuariam produtivos a despeito da enfermidade, e a ociosidade só viria a agravá-la.
Para evitar rebeliões dos doentes, capazes de trabalhar, mas presos compulsoriamente
dentro da área do hospital, resolveu-se então, de organizar os hospitais colônia de tal forma
que as instituições hospitalares fossem economicamente e administrativamente
auto-sustentáveis. Foram construídos 33 Leprosários no país inteiro, dos quais vários
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seguiam o modelo urbano e arquitetônico da cidade de Carville, situado nas margens do rio
Mississipi. O hospital colônia de Itapuã é um destes. (Figura 1).
Figura 1: Localização dos leprosários no Brasil. Fonte: http://leprosyhistory.org
À época de sua inauguração já estava em construção uma igreja católica financiada com
verbas privadas, arrecadadas pelas irmãs franciscanas. Afastado da área residencial estava o
cemitério. Havia consultórios e gabinetes dentários, uma ampla enfermaria com bloco
cirúrgico para pacientes que apresentassem quadros mais graves ou outras complicações.
Completavam as instalações a cozinha com refeitório, uma escola, uma padaria e uma
lavanderia, além de uma praça com chafariz. Logo nos primeiros anos, iniciou-se um serviço
de olaria para a fabricação de tijolos que seriam utilizados nas futuras ampliações: cadeia,
sapataria, carpintaria, ferraria. Para a realização de bailes e apresentações teatrais, foi
construído ainda nos anos 1940 o Pavilhão de Diversões, e, em 1948, a igreja luterana Igreja
de Cristo, projetada por Theo Wiederspahn e sujeito de principal interesse do projeto que vem
sendo desenvolvido pelas autoras.
Em 1946, os Hospitais-Colônia de isolamento compulsório alojavam mais de 20 mil pacientes,
em todo Brasil. O presidente Eurico Gaspar Dutra assina a Lei nº610, de 13 em janeiro de
1949, oficializando o sistema de isolamento compulsório montado por mais de uma década
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por Getúlio Vargas. Na mesma época surge a cura para a doença, que em nada altera os
planos já traçados pelo governo brasileiro.
Com o avanço no tratamento da doença e a diminuição da incidência desta no Rio Grande do
Sul, no final da década de 1950, não se fazia mais necessário o internamento compulsório, o
qual foi abolido por lei em 1954. As altas tornaram-se frequentes, mas sem a possibilidade de
sobrevivência econômica ou pelo simples repúdio gerado pelo estigma, muitos acabaram
retornando para a colônia. A diminuição do número de pacientes gerou uma área ociosa
dentro do hospital, fazendo com que nos anos 1970, o estado buscasse uma nova utilidade
para o espaço. Foi então criada a Unidade de Internamento Psiquiátrico (UIP), que funciona
atualmente como uma unidade do hospital.
Hoje, a hanseníase tem cura e, quando tratada em fase inicial, não causa deformidades2.
A história da Igreja de Cristo e o arquiteto Wiederspahn
No Brasil, a confissão luterana foi reconhecida oficialmente somente em 1889, com a
proclamação da República, podendo desde então construir templos com torres e sinos.
(Figura 2).
Figura 2: Placa comemorativa e os sinos da Igreja de Cristo no hospital colônia de Itapuã, RS. Fonte: Acervo pessoal de Pastor Carlos Dreher, Porto Alegre.
No ano de 1946, a Ordem Auxiliadora das Senhoras da Comunidade Evangélica (Oase)
pertencente à comunidade da Igreja Senhor dos Passos em Porto Alegre, sede principal do
Sínodo Rio-grandense, decidiu presentear aos pacientes de religião luterana, internados no
2 Uma lei de 2007 dispõe sobre a concessão de pensão especial às pessoas atingidas pela hanseníase que foram
submetidas ao isolamento. O tratamento está disponível no SUS, gratuitamente. O Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de prevalência da doença e o segundo lugar em termos de números absolutos. De acordo com o Ministério da Saúde, 33.303 novos casos de hanseníase foram identificados no país em 2012. (wp.clicrbs.com.br)
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Leprosário em Itapuã, e até então somente atendidos pela igreja católica com a construção de
um templo luterano.
O projeto foi elaborado pelo arquiteto Theodor Alexander Wiederspahn (1878-1952) entre
1946 e 1948 e executado pelos próprios hansenianos. O primeiro culto na igreja acontecia em
19 de dezembro 1948. Os últimos cultos no templo Igreja de Cristo da Comunidade
Evangélica de Porto Alegre foram celebrados em 1984 pelo Pastor Douglas Wehmuth.
Restavam bem poucos leprosos membros desta igreja, na instituição hospitalar. Na
sequência, o Pastor Douglas celebrava mensalmente o culto na moradia de uma das famílias
de credo evangélico-luterana, que ainda permaneciam na área da instituição. Esta atividade
encerrou em 1987. A partir deste ano, com mudanças sucessivas de Diretoria da CEPA
(Comunidade Evangélica de Porto Alegre) o assunto ficou em suspenso.
Na época quando Wiederspahn foi chamado pelo conselho sinodal rio-grandense para
elaborar este projeto que, ia ser um dos seus últimos de maior porte, o arquiteto de origem
alemã, formado como arquiteto na Baugewerbeschule de Idstein em 1896, imigrado ao Brasil
em 1908, já tinha assinado mais do que 500 projetos na capital e no estado do Rio Grande do
Sul inteiro. Mas as movimentações em torno dos rumores da II Guerra Mundial tinham
hostilizadas as relações entre as comunidades estrangeiras e as nacionais. Conforme a nova
regulamentação profissional em vigor Wiederspahn tinha sido classificado como Construtor
Licenciado e suas relações comerciais estavam destruídas pelo fato de fazer parte das listas
negras. Conseqüentemente, o arquiteto vivia em condição precária, isolado das altas rodas
sociais de Porto Alegre, que sempre tinham sido sua principal clientela. Com o negócio falido,
abalado pela retração social, acabou vítima de uma doença nervosa e, em péssimas
condições de saúde, se recolheu na sua chácara na Ponta Grossa, cultivando abelhas. Foi
naquele momento, quando foi chamado pelo Sínodo para realizar uma série de obras, dentro
das quais a igreja do Leprosário, que o iam levar de volta à atividade profissional.
Hoje, há obras tombadas do arquiteto na Alemanha, no Uruguai e no Brasil.
O projeto original
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O arquiteto Theo Wiederspahn entregou 26 pranchas de qualidade extraordinária, tanto em
relação à representação gráfica, quanto em relação ao grau de apresentação da
complexidade volumétrica da edificação e do detalhamento técnico do projeto.
Esta legibilidade completamente fora do comum fazia-se necessária para garantir a qualidade
e conformidade da execução com o projeto arquitetônico mesmo sem fiscalização e sem
possibilidade de poder esclarecer dúvidas diretamente com os trabalhadores no canteiro da
obra, método normalmente adotado por Wiederspahn na realização de seus projetos. Após a
entrega das plantas no portal de entrada do hospital, as mesmas tinham que ser
abundantemente explicativas, devido ao perigo de infecção que impossibilitou o acesso do
arquiteto ao Leprosário.
Figura 3: Fotos da Igreja de Cristo no hospital colônia, em construção. 1946-1948. Itapuã, RS.
Fonte: Acervo pessoal de Pastor Carlos Dreher, Porto Alegre.
As pranchas relativas ao projeto da Igreja, hoje tombadas em nível estadual, encontram-se no
acervo do DELFOS na biblioteca da PUC-RS e servirão como base para a elaboração do
projeto de restauro. (Figura 4).
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Figura 4: Plantas desenhadas por Theo Wiederspahn em 1946. Fonte: Acevo da Biblioteca da PUC-RS, fotos das autoras.
A edificação
Possíveis referências para a igreja octogonal
O arquiteto Theodor Wiederspahn foi autor do projeto de uma dúzia de igreja protestantes no
Rio Grande do Sul. Entre os templos projetados em Canela, Costa do Rio Pardo, Candelária,
Novo Hamburgo, Não-Me-Toque, Beija-Flor, Estrela, Alto Feliz, Cachoeira do Sul, destaca-se
a Igreja do Leprosário de Itapuã em função do volume octogonal. Há uma igreja muito
semelhante em São Roque no vale do Rio Caí, mas não foi possível verificar quando foi
construído nem se ela é também de autoria de Theo Wiederspahn.
Figura 5: San Vitale, Ravenna. Fonte: www.printerest.com, acesso em 04.2015 Domo da pedra, Jerusalem.Fonte: www.sightseeingofmoschee.wordpress.com, acesso em 05.2016
Capela da ressurreição, Jerusalem. Fonte: www.regionalgeschichte.net, acesso em 09.2016
O octógono vem, já há séculos simbolizando a vida eterna. Até o século IV a planta octogonal
ficou reservada para capelas e igrejas sepultarias. Posteriormente foi usada também para
batistérios. Há uma série de referências importantes ao longo da história, tais como San Vitale
em Ravenna (sec.VI), a capela da ressurreição na Grabeskirche e o Domo da Pedra em
Jerusalém (sec.VII) e o Domo de Aachen (sec.VIII).
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No território alemão destacam-se as igrejas luteranas freqüentemente pela sua volumetria
octogonal com lanternim central. Três exemplares são localizados no reinado protestante da
Saxônia: em Seiffen, projetado em 1776 por Christian Gottheit Reuther, em Klingenthal e em
Lichtenberg na Lausitz. No reinado católico da Baviera, diferencia-se a Portiunculakirche
luterana de Miesbach das demais igrejas no estado também pela planta octogonal.
Há mais três referências com espaço octogonal interno que recolhe a comunidade em volta do
altar que são a igreja de Ottmarsheim (monastério de irmãs Beneditinas, construído no início
do século XI), a igreja protestante de Uelversheim de 1722, e a Rochuskapelle de Offheim,
construída em 1904 no local de uma capela medieval erigida em homenagem ao São Rochus,
padroeiro da peste, todas situadas na região de Wiesbaden, cidade natal e de atuação
profissional de Wiederspahn. (Figura 6)
Figura 5: Igrejas de Ottmarsheim e Uelversheim, fonte www.wikipedia.de, acesso em 04.2015, Rochuskapelle Offheim, fachadas frente e fundos, fonte: www.wikiwand.com, acesso em 09.2016
Vale salientar, que o pastor Emil Veesenmeyer de Wiesbaden tinha proclamado já em 1890
na revista luterana Das evangelische Gemeindeblatt o conceito espacial centralizado como
composição ideal para um culto luterano, chamando-a de Wiesbadener Programm (programa
de Wiesbaden). Sua idéia veio se espalhando pelo Império inteiro através de uma publicação
na Deutsche Bauzeitung nº 43 de maio 1891, escrito pelo próprio editor da revista, Karl Emil
Otto Fritsch "Dritte evangelische Kirche für Wiesbaden”( terceira igreja evangélica para
Wiesbaden) que elogiou a Ringkirche, obra do arquiteto Otzen de 1892-94 em estilo
neo-românico.
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Figura 7: Lutherkirche Wiesbaden. Arq. Pützer, 1912. Em planta baixa e foto. Fonte: www.historisches-wiesbaden.de, acesso: em 04.2015
A Lutherkirche em Wiesbaden, que também seguia a composição espacial do Wiesbadener
Programm foi construída em 1911 pelo arquiteto Prof. Pützer, que ganhou o concurso lançado
em 1905, e é a referência mais recente que Wiederspahn deve ter conhecido. Se não a viu
pessoalmente ou através de publicações, muito provavelmente seu filho Willy a conhecia, pois
tinha estudado nos anos 1920 na Baugewerbeschule de Darmstadt e a obra do Prof. Pützer
da universidade técnica foi amplamente divulgada e elogiada, principalmente pelas suas
soluções construtivas e conceituais revolucionárias. Pützer (1871-1922) não fazia parte da
colônia de artistas da Mathildenhöhe, mas inspirava-se na vertente artística do Jugendstil
(arte nouveau) no que se refere à procura de superar o historicismo e achar uma linguagem
arquitetônica autônoma.
Willy trabalhou com seu pai na época do projeto para Itapuã.
Outras possíveis referências o arquiteto pode ter encontrado na revista Deutsche Bauzeitung
que Wiederspahn assinava. No I. volume de 1911, há uma publicação sobre a Ringkirche de
Wiesbaden, mas o artigo principal mostra obras construídas pelos Alemães em Jerusalém,
entre outros a Dormitiobasilika (imagem principal do artigo) e a Erlöserkirche (Igreja do
Salvador) de confissão luterana alemã, localizada no centro histórico da cidade. A
inauguração pomposa da última edificação pelo Imperador alemão Wilhelm II e sua esposa,
Auguste Viktoria tinha acontecido em 1898, 2 anos depois da formatura de Wiederspahn. A
torre quadrada da igreja luterana e a organização central da Dormitiobasilika (imagem
principal do artigo) em conjunto chegariam já perto da imagem da igreja em Itapuã.
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A situação atual
Figura 8: Fotos da Igreja de Cristo no hospital colônia de Itapuã, RS. 2014. Fonte: Fotos de Vera Grieneisen, 2014.
O prédio da igreja possuía planta irregular, com um polígono octogonal central ocupado pela
nave de onde se projetavam os demais volumes. Na parte frontal, hall de acesso com torre
sineira e dois alpendres laterais. Na parte posterior, espaço do altar e sacristia com planta
ortogonal. A edificação foi construída com paredes de alvenaria de pedra granítica e tijolos,
vitrais nas janelas e bandeiras das portas, cobertura em telha de barro do tipo francesa e
estrutura do telhado em madeira. (Figura 3 e 4).
A partir de 1984, com o término dos cultos na Igreja, o prédio começou lentamente a
apresentar sinais de degradação. A falta de uso e consequentemente manutenção levou à
edificação a um precário estado de conservação. Vários elementos construtivos originais
foram arruinados, entre eles: telhado, lanternim, sinos e assoalho da nave. As janelas e vitrais
foram quebrados. Os anexos laterais descaracterizados.
No ano de 2010, a antiga igreja evangélica foi tombada em nível estadual pelo Instituto do
Patrimônio Histórico Artístico e Estadual (IPHAE). Este ato foi uma forma de preservação de
uma das últimas obras deste importante arquiteto alemão, que muito contribuiu para a
qualidade do patrimônio arquitetônico do Rio Grande do Sul.
O projeto de restauração
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A elaboração de um projeto de restauração de uma edificação é sempre um desafio. A
execução do cadastro de um edifício transcende a simples atividade de levantamento de sua
documentação. Significa antes, uma ação que se confunde com a própria preservação da
memória, pois é capaz de conservar não só a imagem e a história do patrimônio constituído,
como também daquele, infelizmente, fadado ao desaparecimento (OLIVEIRA, 2008).
Conseguir “ler” o prédio e entender as escolhas feitas pelo autor do projeto, por materiais e
sistemas construtivos, consiste num minucioso trabalho de investigação e interpretação.
Normalmente trabalhamos não apenas com aquilo que “fala” a edificação, com a memória da
edificação, mas também com seus esquecimentos. Em muitos casos não é possível identificar
a autoria do projeto. Na maioria deles, não existe nenhuma documentação de projeto.
Somente através da iconografia conseguimos obter algumas informações sobre o objeto em
questão. Na elaboração do projeto executivo de restauração da igreja evangélica de Itapuã
trabalharemos com um elemento raro. O projeto original, completo, extremamente detalhado,
em bom estado de conservação e acessível para consulta. A partir deste fato, a metodologia
de trabalho e os conceitos referentes ao projeto de restauração precisam ser claramente
definidos.
Com relação a metodologia, o projeto de restauração será elaborado dentro das Normas
vigentes onde o estudo é dividido em três etapas: Identificação e Conhecimento do Bem,
Diagnóstico das Manifestações Patológicas e Proposta de Intervenção. A primeira consiste
em pesquisa histórica, levantamento físico, análise tipológica, identificação de materiais e
sistema construtivo, prospecções arquitetônica, estrutural e do sistema construtivo, e
arqueológica. A segunda etapa contempla o mapeamento de danos, análises do estado de
conservação, ensaios e testes. Na terceira etapa são desenvolvidos os projetos arquitetônico
e complementares.
Com relação aos conceitos, parte-se do pressuposto que o trabalho de restauração de um
prédio consiste no conjunto de operações destinadas a restabelecer a unidade da edificação,
relativa à concepção original ou de intervenções significativas na sua história. O restauro deve
ser baseado em análises e levantamentos inquestionáveis e a execução permitir a distinção
entre o original e a intervenção. A restauração constitui o tipo de conservação que requer o
maior número de ações especializadas. (GOMIDE; SILVA; BRAGA, 2005).
Após a finalização da etapa de levantamento cadastral, o registro realizado será comparado
ao projeto original para a verificação da similitude entre o projeto e a obra executada. A
riqueza dos detalhes construtivos e das especificações será fundamental para embasamento
das decisões do projeto de restauração. Com a singularidade do fato de termos um projeto
original completo, deverão ser estabelecidas premissas claras com relação à autenticidade
estética, histórica, dos materiais, dos processos construtivos e do espaço envolvente.
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Entre todas as facilidades que a disponibilidade do projeto original da Igreja possa trazer para
o projeto de restauração, o mais relevante talvez, seja a possibilidade de se trabalhar o
conceito de autenticidade de forma abrangente. Os projetos poderão ser elaborados
respeitando os valores estéticos e culturais do bem, com o mínimo de interferência na
autenticidade dos elementos originais.
Ações previstas para a revitalização A atualização das regiões turísticas realizada pelo Ministério do Turismo revelou que Viamão
está entre os municípios que adotam o turismo como um dos fatores para desenvolver a
economia local. O Mapa do Turismo Brasileiro é um instrumento de orientação para a atuação
do Ministério do Turismo no desenvolvimento de políticas públicas, tendo como foco a gestão,
estruturação e promoção do turismo, de forma regionalizada e descentralizada. Sua
construção é feita em conjunto com os órgãos oficiais de Turismo dos estados brasileiros.
Para garantir o nome de Viamão neste grupo, o município se mobilizou e providenciou os
documentos exigidos pelo Ministério do Turismo (Mtur) e constituiu o Conselho Municipal de
Turismo, entre outras exigências, para pleitear verbas e políticas públicas para o setor e
aguarda verba para contemplar a sinalização de rodovias, pleiteada junto ao Ministério por
conta da Copa de 2014. Com as sinalizações, Viamão pretende impulsionar a visitação a
locais como o Parque de Itapuã, que conta com trilhas e nove praias, o Parque Saint Hilaire, o
Refúgio da Vida Silvestre Banhado dos Pachecos, entre outros. O Parque de Itapuã apresenta
reserva natural com boa parte de seus limites em comum com a área do Leprosário. Qualquer
intervenção no espaço do antigo hospital colônia, até mesmo a restauração do prédio da
igreja, deve ser aprovada por um biólogo da Secretaria de Meio Ambiente.
A cidade de Porto Alegre está elaborando o primeiro plano de impacto e revitalização
ambiental para suas diversas regiões de patrimônio natural. Viamão até o presente momento
não possui plano ambiental.
Além da vocação turística, a ocupação da área está sendo pensada com a utilização dos
espaços para a instalação de atividades ligadas ao ensino e pesquisa.
Considerações finais A restauração do prédio da igreja evangélica é o ponto inicial de um processo maior de
revitalização do antigo Leprosário de Itapuã. O processo é complexo, envolve vários atores e
tem por objetivo promover a reabilitação das estruturas sociais, econômicas e culturais locais
através da re significação deste lugar. O projeto de revitalização do Leprosário através da re
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significação do lugar poderia ser baseado em uma reunião de vários aspectos: história, saúde,
turismo, tecnologias da informação, pesquisa ambiental, lazer, cultura, arte e educação em
forma de centro estadual, ainda mais que a Capital expande rapidamente em direção ao sul,
se aproximando cada vez mais da região de Itapuã e do Parque Nacional da Lagoa dos Patos.
Mas, é preciso direcionar este crescimento sob o critério do cuidado com o meio ambiente,
através de projetos como este, que procuram soluções sustentáveis, sobretudo,
ambientalmente e socialmente, impedindo, desta forma, que a expansão destruísse seu
próprio motivo: a lindeza bucólica da região.
Referências
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