PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARCUS VINÍCIUS ANDRADE SANTOS
A NOVA EVANGELIZAÇÃO E O PROCESSO DE
SECULARIZAÇÃO
À
LUZ DO SÍNODO DOS BISPOS DE 2012
MESTRADO EM TEOLOGIA
SÃO PAULO
2014
MARCUS VINÍCIUS ANDRADE SANTOS
A NOVA EVANGELIZAÇÃO E O PROCESSO DE
SECULARIZAÇÃO
À
LUZ DO SÍNODO DOS BISPOS DE 2012
MESTRADO EM TEOLOGIA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em Teologia
Prática pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob a orientação do
Prof. Dr. Pedro Iwashita.
SÃO PAULO
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARCUS VINÍCIUS ANDRADE SANTOS
A NOVA EVANGELIZAÇÃO E O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO
À
LUZ DO SÍNODO DOS BISPOS DE 2012
MESTRADO EM TEOLOGIA
Banca Examinadora
______________________________________
______________________________________
______________________________________
2014
Agradecimentos
A Trindade Santa que se desdobra em amor e proximidade para com
humanidade.
A minha comunidade Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo, que
disponibilizaram compreensão e tempo para este estudo e como lugar teológico me
ajudam a viver a grandeza da fé nos pequenos detalhes que compõe a vida no cotidiano.
Aos professores Padre Sergio Conrado e Padre Pedro Iwashita que colaboraram
e acompanharam este trabalho, com preciosas observações e precioso discernimento.
A Adveniat que colaborou ajudando-me em parte dos custos para que
possibilitasse o avanço na elaboração do trabalho.
Ao apoio de pessoas que na vida pastoral pelas paróquias e comunidades em que
passeia me ajudaram a compreender com maior profundidade a corresponsabilidade
pastoral com aquele que é o Sumo e Eterno Pastor: Jesus Cristo.
A PUC Unidade-Ipiranga onde encontrei professores capazes de construir
sonhos e realidade que permitem proximidade com o Mistério de Deus e o mistério de
cada pessoa.
À minha Mãe, Vaneusa Viana de Andrade, que em muitas de
nossas manhãs através de suas orações, palavras e exemplos
pastoreou o meu coração e o colocou na direção de Deus.
Resumo
SANTOS, Marcus. A Nova Evangelização e o processo de secularização à luz do
Sínodo dos Bispos de 2012.
Ao apresentarmos as duas dimensões propostas pelo tema de abordagem deste
trabalho, buscamos dar um destaque a Nova Evangelização e como ela se coloca na
contemporaneidade. Conhecer por outro lado o processo de secularização e suas
distintas abordagens e desdobramento na história e no pensamento cientifico nos
permite olhar para o desafio evangelizador da Igreja com a devida sobriedade frente ao
necessário e permanente testemunho que a fé deve apresentar das razões que a animam.
Fazer a verificação destes dois mundos presentes no mesmo ambiente em que a vida
acontece permite-nos dialogar e até mesmo perceber, seja no que se refere à fé cristã,
seja o que se refere ao processo de secularização as dimensões que convergem em um
mesmo sentido e no que um coloca ao outro fronteiras conceituais.
Procuramos neste trabalho além da importante abordagem do processo de
secularização e o modo como os Padres sinodais refletiram sobre a presença do mesmo
nos ambientes eclesiais, abordar também uma nova compreensão do conceito de
evangelização e “nova evangelização” nesta atual etapa proposta e oferecida a toda a
Igreja a partir do Sínodo dos Bispos de 2012, e que culminou na Exortação Apostólica
Evangelii Gaudium do Papa Francisco. Sabemos que o resultado desta Exortação
Apostólica Evangelii Gaudium, reuni em si o “Sentire cum Eclesia”, não apenas a partir
de um epicentro institucional, mas um sentir eclesial a partir da universalidade
considerando o particular de cada experiência, cultura e vida dos diferentes rostos da
Igreja presente no mundo como um precioso contributo ao todo do tecido eclesial.
O Documento de Aparecida, assim como a V Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano e do Caribe foram sinais que levaram a Igreja a propor através de
dimensões maiores e não somente continentais, uma nova convocação universal a Nova
Evangelização tendo como referência o Sínodo de 2012.
A conclusão que apresento é que podemos adentrar mais profundamente neste
“novo paradigma” e nestes “novos conteúdos programáticos” que convocam a Igreja a
uma permanente conversão pastoral. Aprender a discernir os “sinais dos tempos” e se
fazer presente na história através de uma frutuosa atitude de resignificação de todos os
meios e estruturas, como de costumes ou tendências, para que a Igreja se veja menos
atada por elementos secundários, expressando sua força evangélica no mundo, e sendo
um sinal escatológico e histórico do Reino dos Céus em meio aos seus contemporâneos.
Palavras-chaves: Nova Evangelização, secularização, Conversão Pastoral.
Abstract
SANTOS, Marcus. “The New Evangelization and the secularization process in the
light of the Synod of Bishops in 2012”
When we aim to present the two proposed dimensions given by the approaching theme
from this work, we seek to highlight the New Evangelization and how it is inserted in
the contemporaneity.
On the other hand, knowing the secularization process, its distinct approaches and its
unfolding in History and in the scientific thought, it allows us to see the evangelizing
challenge of the Church with the right sobriety before the permanent and necessary
witness which faith must present on the reasons that motivate it.
Verifying these two worlds which are present at the same environment where life
happens, it permits us to dialogue and even to realize, concerning to Christian Faith or
to the secularization process the dimensions are converged into the same sense and how
each of them provide concept borders.
Besides the important approaches on the process of secularization and how the priest of
the Synod reflected on the present of it in the Ecclesial environments, this work also
aims to express a new comprehension of the evangelization concept and the “new
evangelization” in this current proposed stage that is offered to the whole Church
starting from the Synod of Bishops from 2012 which culminated in the Apostolic
Exhortation of Pope Francis Evangelii Gaudium.
We know that the result of this Apostolic Exhortation Evangelii Gaudium reunites on
itself the “Sentire cum Ecclesia” not only from an institutional epicenter but an ecclesial
feeling from the universality considering life, culture and each particular experience of
the Church which is present in the world as a precious contribution to a whole Ecclesial
tissue.
The Document of Aparecida, as well as the V General Conference of the Latin
American and Caribbean Episcopate were signs that led the Church to propose a new
universal convocation to the New Evangelization not only continental but also through
greater dimensions by having the Synod of 2012 as a reference.
The conclusion I present is that we can go deeper in this “new paradigm” and in these
“new programmatic contents” that convoke the Church to a permanent pastoral
conversion. Learning how to discern the “signs of the times” and being present in
History thought a fruitful attitude of reframing of all means and structures, such as
customs and tendencies, so that the Church may see Herself less tied by secondary
elements, expressing Her evangelic strength in the world, and being a eschatologic and
historical signs of the Kingdom of Heavens among the contemporaries.
Key Words: New Evangelization, secularization, Pastoral Conversion.
SIGLAS E ABREVIAÇÕES
AG Ad Gentes
CD Christus Dominus
CDF Congregação par Doutrina da Fé
CELAM Conferência Episcopal Latinoamericana
CFL Christisfidelis Laici
CIC Catecismo da Igreja Católica
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CV Caritas in veritate
CVII Concílio Vaticano II
DA Documento de Aparecida
DM Documento de Medellín
DP Documento de Puebla
DS Documento de Santo Domingo
DV Dei Verbum
EG Evangelii Gaudium
GS Gaudium et Spes
LG Lumen Gentium
NMI Novo Millenio Ineunte
PP Populorum Progressio
RM Redemptoris Missio
SC Sacrossanctum Concilium
VD Verbum Domini
9
SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................................12
CAPÍTULO I
O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO COMO DESAFIO A FÉ CRISTÃ
1. Secularização e processo de secularização..........................................................16
2. O Sentido Histórico da secularização..................................................................17
2.1 A Tensão entre secularização e secularismo........................................................19
2.1.2 A Fé cristã e o Estado..............................................................................21
2.3 O Sentido Filosófico da Secularização................................................................24
2.4 O sentido sociológico da secularização.............,.................................................27
2.4.1 O Hibrido e a liquefação da vida como cultural..................................................28
2.4.2 Modernidade, ambivalência e as rupturas sociais e culturais..................29
2.4.4 Pluralismo, crise da modernidade e da razão iluminista..........................32
2.5. O Sentido Teológico da Secularização................................................................34
2.5.1 A Teologia da morte de Deus: espelho de um ambiente secularizado.....35
2.5.2 O Homem emancipado.............................................................................38
2.5.3 A teologia política e o projeto secularizador...........................................38
3. Uma nova antropologia e eclesiologia secular....................................................41
3.1 Degeneração da religião e a mercantilização da Fé.............................................42
3.2 O Corpo como sujeito central da mercantilização...............................................45
4. O Pontificado de Bento XVI e o processo de secularização.....,,,,,,.....................47
4.1. A Antiga Europa Cristã e os novos desafios da secularização............................50
4.2 Sínodo: A nova evangelização e a Transmissão da fé Cristã: “A Igreja existe
essencialmente para evangelizar”....................................................................................52
4.3 Papa Francisco e a resposta testemunhal á secularização ...................................52
II CAPÍTULO
EVANGELIZAÇÃO E NOVA EVANGELIZAÇÃO
1. O Conceito de Evangelização e “Nova Evangelização”......................................56
10
1.2 A Nova Evangelização: “nova no seu fervor, nos seus métodos, nas suas
expressões”......................................................................................................................58
1.2.1 Fundamentos Teológico-Pastorais da nova evangelização......................60
12.2 Fundamento Antropológicos da Nova evangelização..............................62
1.2.3 Fundamentos Cristológicos da Nova Evangelização...............................63
1.2.4 Fundamentos Eclesiológicos da Nova Evangelização.............................64
1.2.5 Fundamentos Soteriológicos da nova evangelização...............................65
2. A Conversão: princípio fundamental para uma nova evangelização...................66
2.1 A Vida Eterna principiada nas bem-aventuranças...............................................68
2.2 A dimensão social da evangelização: O Reino de Deus e sua expansão no
mundo..............................................................................................................................71
2.3 A centralidade do ministério da pregação na nova evangelização......................74
2.4 Os novos evangelizadores-mistagogos................................................................76
3. A Igreja Particular, primeiro sujeito da missão...................................................78
3.1 A missão da pastoral orgânica como um desafio eclesial....................................79
3.2 A paróquia como lugar privilegiado para uma nova evangelização....................81
3.3 A Missão e a espiritualidade de comunhão.........................................................84
3.4 Novos movimentos eclesiais e nova evangelização............................................87
3.5 Nova evangelização e ecumenismo.....................................................................91
III- CAPÍTULO
CAMINHOS PARA UM NOVO PENTECOSTES
1. Conversão Pastoral: um novo paradigma e um novo programa de missão.........93
1.2 Missão Integral e evangelizadores com Espírito.................................................96
1.3 Auto-conversão eclesial.......................................................................................98
2. Discipulado e missão.........................................................................................104
2.1 Bispos, presbíteros, religiosos e leigos: discípulos missionários.......................108
2.1.1 O bispo discípulo Missionário..............................................................108
2.1.2 O sacerdotes discípulos missionários.....................................................109
11
2.1.3 A vida consagrada discípula missionária...............................................111
2.1.4 Leigos discípulos missionários..............................................................112
3. A Igreja diaconal como rosto autêntico da comunidade cristã..........................114
3.1 O Querigma: primeiro anúncio e novas perspectivas........................................115
3.2 A Igreja: uma comunidade a serviço do amor e da verdade..............................117
3.3 Kairós: Um novo encontro pessoal com Jesus Cristo na Igreja.........................118
3.4 Em torno da Palavra...........................................................................................121
3.4.1 O lugar da homilia na nova evangelização............................................122
3.4.2 O ministério catequético........................................................................126
3.4.3 Os meios de comunicação e a nova evangelização................................128
4. A Igreja: Uma comunidade do testemunho a favor e em defesa da vida...........128
4.1 Redescobrir a sacralidade da família.................................................................129
4.2 A família célula fundamental a ser valorizada.....................................................132
4.3 A nova evangelização e os caminhos da educação..............................................133
4.4 Jovens que evangelizam jovens..............................................................................135
4.5 Os Santos: testemunhas credíveis e modelos para os “novos
evangelizadores.”...........................................................................................................136
5. A Igreja: uma comunidade do mistério partindo do mistério do ser humano ao
mistério de Deus............................................................................................................137
5.1 A liturgia e a Contemplação de Deus e do outro como pedagogia mistagógica a
serviço da nova evangelização......................................................................................138
5.2 Veni Creator Espiritus: “Como um novo Pentecostes”.....................................141
5.3 A experiência de Deus na nova evangelização como experiência de
Sentido...........................................................................................................................143
Conclusão.....................................................................................................................147
Bibliografia...................................................................................................................154
12
Introdução
O objetivo central da pesquisa que procuramos aqui desenvolver é o de ressaltar
o sentido da nova evangelização dentro da missão e da natureza do próprio ser da Igreja
frente aos desafios postos pelo processo de secularização. A Igreja é essencialmente
missionária, ou seja, vive profundamente sua missão de evangelizar e de fazer presente
no mundo dos homens os valores do Reino de Deus. Dentro desta temática: Nova
evangelização e processo de secularização, encontramos o Sínodo dos Bispos como um
eixo importante de reflexão.
A partir do Sínodo ou sob a sua luz buscamos apresentar seja com os próprios
textos e discursos neles proferido, a Igreja na sua missão evangelizadora. Procuramos
aqui buscar compreender o fenômeno da secularização não apenas em seu sentido
contraditório, mas como um fenômeno que faz pensar a própria ação pastoral da Igreja
dentro desta configuração de mundo secularizado. Ao falarmos em nova evangelização
em nossos dias faz-se necessário compreender ao mesmo tempo as forças, as ideias e a
estrutura que a cada dia se faz sentir no grande tecido da sociedade e que traz marcas de
um mundo em acelerada transformação. A Nova evangelização com seus novos
evangelizadores são convidados a compreender este movimento e perceber quais são as
suas fronteiras conceituais e quais são os elementos que podem convergir para uma
preciosa colaboração para a própria obra evangelizadora.
A Igreja de Cristo está no mundo para ser sal da terra e luz do mundo. É
justamento dentro desta paisagem atual de paradoxos múltiplos que está mesma Igreja
composta de membros e de agentes de evangelização é convocada a ir de encontro com
o mundo contemporâneo e todas as suas conquistas e dramas. A Igreja é convocada a
sair, ir ao encontro vivendo o “Ide por todo mundo” como um “Indo” pelos caminhos e
estradas da história seja pessoal seja comum de todos os homens.
Tendo em vista o conjunto da dissertação, procurei no primeiro capítulo
apresentar um panorama comum sobre as grandes transformações operadas pelo
processo de secularização em algumas ciências humanas tais como a história, sociologia
e sociologia da religião, filosofia e teologia, buscando relacionar estes saberes e
compreender o processo de secularização como algo que permeia não só uma ciência de
13
modo isolado, mas comunica ao seu entorno um impacto conceitual de reflexão sobre o
pensamento e o agir humano.
Uma das instituições a sentir os grandes impactos do processo de secularização
foi justamente a Igreja. A Partir deste impacto a Igreja é convocada a refletir sobre a sua
ação no mundo. Aqui se faz necessário compreender um caminho que proponha a
construção de uma resposta que não seja apenas uma nova apologética, um novo
confronto de conceitos e ideias, mas uma dialética deste mesmo processo. O sínodo ao
analisar tal processo convoca num primeiro momento a própria Igreja a redescobrir o
que significa evangelização e Nova Evangelização. Este é o ponto fundamental que
procuramos abordar no segundo capítulo considerando a importância de fazer crescer a
compreensão sobre a ação evangelizadora da Igreja.
No capítulo segundo ao colocarmos as bases da evangelização, e, por
conseguinte apresentar o contexto da convocação da Igreja para um a nova
evangelização procuramos evidenciar a atualidade e os desafios, sejam dos pastores,
seja de cada agente de evangelização frente a nova configuração de mundo. Procuramos
apresentar alguns fundamentos teológicos, pastorais, cristológicos, antropológicos e
soteriológicos que nos permitissem avançar dentro do trabalho percebendo alguns
conceitos fundantes da mesma missão evangelizadora da Igreja. Também trabalhamos
neste capítulo o valor das Sagradas Escrituras em sua importância na nova
evangelização. O sínodo falou da importância de valorizar a homilia e o contexto
litúrgico como lugar excelente de praticar uma hermenêutica da fé assim como uma
formação mais sólida, seja do clero como da vida consagrada e laical dentro dos
conteúdos centrais que são transmitidos através da Palavra de Deus..
A nova evangelização dentro do mundo atual deve acontecer como ensinava o
Papa João Paulo II por meio de um “novo ardor”, de “novos métodos” e “novas
expressões”. Isto demonstra que esperar mudanças significativas sem uma dinâmica
interna de reavaliação da própria ação evangelizadora seria cair numa nova estagnação
ideológica. A Igreja para dar respostas significativa a sua missão no mundo deverá
propor a partir de suas estruturas internas uma maior coesão e uma espiritualidade de
comunhão que permita que sua ação pastoral e evangelizadora não seja uma atividade
isolada de alguns grupos ou uma atividade sem alma. O trabalho apresenta algumas
propostas oferecidas pelo Sínodo dos Bispos de 2012, através de um planejamento de
14
conjunto seja em nível de Igreja particular, seja em nível de Igreja universal
revalorizando a importância de todas as forças de evangelização dentro da Igreja e que
podem através de uma pastoral orgânica ser de grande valia a nova evangelização.
Dentro destas propostas verifica-se que a paróquia não é uma realidade ultrapassada,
mas uma presença viva em meio ao povo de Deus capaz de suscitar novas expressões
eclesiais, ao mesmo tempo às novas comunidades e os movimentos com seus carismas
específicos oferecem uma preciosa colaboração na ação evangelizadora da Igreja e
numa atitude de abertura podem melhor colaborar nas realidades paroquiais e
diocesanas em que estão inseridas. Para manter seja a força dinâmica da paróquia em
atividade, assim, como a colaboração dos novos movimentos e comunidade no seu
vigor evangelizacional é preciso uma auto-conversão eclesial, ou seja, uma conversão
pastoral. Este é o ponto que buscaremos abordar no terceiro capítulo a conversão
pastoral como uma pré-disposição da Igreja para viver um novo Pentecostes.
No terceiro capítulo, continuaremos a aprofundar os discursos do Sínodo tendo
como seu ponto culminante o texto da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium em que
o Papa Francisco oferece por meio deste documento uma síntese e um sentir comum das
necessidades centrais da Igreja universal considerando a riqueza das Igrejas particulares.
Percebe-se, também, a presença da grande experiência pastoral do continente latino
americano e do evento que culminou no Documento de Aparecida, assim como a
preciosa experiência pastoral vivenciada pelo Papa Francisco como Pastor de uma
Igreja particular e agora de toda Igreja Universal. Deste modo algumas balizas são
apresentadas por meio da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium para os próximos
anos. Uma das preciosas colaborações que estão em sintonia com o Sínodo e que a
Exortação Apostólica do Papa Francisco propõe é a necessidade de uma autêntica
conversão Pastoral. Conversão esta que deve ser fomentada pelo empenho de conversão
pessoal de cada membro do Corpo de Cristo, passando pela conversão das estruturas e
do modo de realizar a missão até atingir a vida dos pastores e ser um caminho de melhor
compreensão sobre o que significa ser pastor dentro dos atuais desafios. Como auxiliar
hoje os pastores a serem construtivos? Missionários em sua própria realidade pastoral?
São questionamentos importantes colocados aos pastores da Igreja. A Exortação propõe
colocar todas as estruturas da igreja em chave missionária. Compreender desde os
simples trabalhos cotidianos na comunidade até os que precisam de um melhor
discernimento e cuidado, dentro de um programa missionário. De tal forma que a
15
pastoral da Igreja se torne profundamente missionária vivendo sua vocação ad intra e
ad extra. Sendo capaz de edificar para dentro e sair ao encontro daqueles que mesmo
batizados estão for ou distantes da prática de sua fé batismal.
Dentro destas perspectivas o trabalho procurou apresentar cada membro do
Corpo de Cristo como um discípulo missionário, que busca através de seu testemunho e
de seu compromisso com Cristo e sua Igreja viver de modo diaconal a sua fé. Vimos por
bem apresentar a Igreja no seu rosto diaconal à serviço de Deus e dos irmãos, seja
através da celebração dos sacramentos, seja na defesa da vida através da caridade, seja
através do anúncio da Palavra de Deus de modo a fazer com que a fé seja transmitida
operando transformações significativas na vida pessoal, familiar e social.
A Igreja diaconal está a serviço da vida e uma das maneiras de proteger e
promover a vida é proteger e promover a família. A família como Igreja doméstica e
célula mãe da sociedade é um lugar onde a vida pode se desenvolver. A família é
convoca a ser sujeito da nova evangelização comunicando valores cristãos e humanos
no seu próprio interior.
Dentro deste conjunto observamos que uma nova evangelização no contexto de
mundo secularizado só será possível tendo como protagonista a Pessoa do Espírito
Santo. O Espírito Santo é o promotor de um novo pentecostes na Igreja. Ao estudarmos
sobre o sínodo dos bispos de 2012 percebemos que o Sínodo dentro da esteira do
Concílio Vaticano II, pretende ser como bem afirmou o Papa João XXIII na abertura do
Concilio Vaticano II, como que um novo Pentecostes para toda a Igreja. Ao Modelo do
primeiro Concílio de Jerusalém, o Concílio Vaticano II e os subsequentes sínodos gerais
tem como finalidade principal tirar todas as faixas que impedem com que a beleza da fé
resplandeça por meio da Igreja e assim ela possa propor aos seus contemporâneos uma
experiência pessoal com Deus que de sentido a cada ser humano. Renovando, assim, a
vida cristã e a presença da Igreja no mundo como sinal escatológico e histórico do
Reino em meio aos homens.
16
CAPÍTULO I
O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO COMO DESAFIO A FÉ CRISTÃ
1. Secularização e processo de secularização
O processo de secularização está profundamente ligado a modernidade e vem
penetrando na sociedade humana das mais variadas formas. Verifica-se que nos últimos
anos varias estâncias dos saberes sejam eclesiásticos ou seculares tem se ocupado com o
fenômeno da secularização. Este fenômeno tem sido um dos centrais objetos de estudo
recentemente na Igreja católica:
“A secularização se entende por um processo histórico pelo qual o
mundo toma consciência de sua consistência e de sua autonomia;
seria, portanto, um processo geral de libertação, pelo qual o homem,
a sociedade a cultura seriam libertados da tutela e do controle do
mito, da religião e da metafísica ou das normas ou instituições
dependentes do âmbito sacro ou religioso. As atenções são fortemente
voltadas contra o mito, (desmitização), contra o sacro,
(dessacralização), contra a metafísica, contra o sobrenatural e contra
a religião como tal”1
O processo de secularização hoje é um fenômeno que pode ser percebido e
notado não apenas como algo presente já no mundo, mas ele se coloca de tal forma que
se impõe como uma via existencial em busca de um humanismo que seja referencia para
o ser humano:
“À medida que a secularização avança, o caminho tradicional vai sendo
abandonado, a começar pelas elites intelectuais, pela classe operária e pela
juventude secularizada. Na origem, estão à virada cientifica, a crítica aos
mitos da natureza, o desfazimento da cosmologia ptolomaica, a entrada do
espírito cientifico de experimentação, a explosão da subjetividade, a
afirmação da autonomia.
1 KLOPPENBURG, Boaventura. O cristão secularizado. Petrópolis: Vozes: 1971, p. 21-22.
17
Este novo caminho corta as paragens já trabalhadas pela nova visão
cientifica do universo. Deixa-se para trás toda leitura mítica da natureza. Só
realmente existe aquilo que cai sob a explicação da razão cientifica. Se algo
lhe escapa não vem da natureza da realidade, mas da imperfeição dos
conhecimentos e instrumentos científicos presentes. “Posterga para o futuro
certo, nem sempre previsível, a solução ainda não conhecida.2
“Para melhor situar o conceito de secularização e secularismo o presente
trabalho buscou situá-los dentro de um panorama histórico, precisamente porque na
“secularização” temos um conceito político-ideológico”. Ou seja, um conceito que, no
embate das idéias, não mais vem a ser diferenciado, mas se fixa no símbolo da posição
própria ou do adversário, e impõe-se uma explicação tanto mais cautelosa e sopesada
dos seus níveis de sentido, como também o dos seus níveis de sentido dados à palavra
“secularização”, enfatizando também a diferença entre secularização e o conceito de
“secularismo”.
2 O Sentido histórico da secularização
No sentido de fazer justiça as dimensões históricas deste conceito e ao seu
emprego sistemático e pluriforme, recomenda-se a análise histórico-conceitual ou
histórico-linguistíca dos mesmos, requerendo-se também o levantamento sistemático
dos principais sentidos do conceito de secularização na atualidade.
“Acentuações histórico- linguísticas. O dado histórico-linguistíco
aponta, no que se respeita aos dois termos mencionados
(secularização e secularismo), para o mesmo campo vocabular
derivado de saeculum. A palavra saeculum _ originalmente idade do
homem e Idade do mundo, sofre decisiva mudança de modo particular
na teologia Paulina, no contexto-bíblico cristão, onde o vocábulo
passa a ser usado no sentido de mundo do aquém dominado pelo
pecado (a ítala e a vulgata traduzem o grego aiôn por saeculum).
Esta ênfase, que não se acha absolutamente desprovida de valor,
continua marcando o contexto patrístico e medieval de saeculum (
mundo ), de que seria necessário fugir. Mas fornece o fundo para a
compreensão que o direito eclesiástico faz do conceito: secularizatio
2 LIBÂNEO, J.B. Qual o futuro do Cristianismo. São Paulo: Paulus, 2008, p. 17.
18
é, conforme o CIC ( 684, 688, 691; 693), a dispensa de um membro de
ordem religiosa que rechaçou a profissão perpétua, do grêmio da
vida de clausura e o seu retorno definitivo ao “mundo”3.
Outras definições a respeito do conceito de secularização tentam encontrar em
acontecimentos históricos demarcações mais precisas sobre o conceito de secularização
tentando relacionar a figura da Igreja e o sua restrição no que diz respeito a expansão ou
a redução de seus bens onde este processo colocou limites ao processo de expansão
demográfica da própria Igreja:
O conceito de secularização adquire ênfase decisivamente nova e essencialmente
política na história da Igreja, que com este termo veio designar a expropriação por parte
do estado e o subseqüente uso para os fins profanos dos bens da Igreja, e na maioria das
vezes contra a sua vontade. No decorrer da história da Igreja muitas vezes se procedeu a
semelhantes confiscos de propriedades eclesiásticas para finalidades não eclesiais como
ocorrera, por exemplo, na época franco-carolíngia e posteriormente no tempo das
reformas. Neste contexto histórico e de modo mais específico nas tratativas que
antecede o tratado de paz de Vestfália, deve ter sido empregado pela primeira vez o
conceito de “secularização”, no sentido de passar do uso profano, em forte contraste
com o “espiritual”. A Intensificação desta linha de significado acarretam as
desapropriações dos bens dos mosteiros e das dioceses, como se levaram a cabo em
grande escala na Alemanha em 1803 pelo “Reich” alemão.
A partir deste fundo histórico, não admira que do ponto de vista dos
interessados, estes processos como tais tenha sido sentidos e julgados e condenados
como injustos. A categoria da ilegitimidade para caracterizar o conceito de
secularização torna-se, porém, problemática, quando este conceito passa a referir-se a
conceitos espirituais e culturais, ou seja, em sentido figurado. Somente com este
significado é que atinge aquele nível que possibilita o uso do conceito e a apreciação
respectiva de índole filosófica e teológica.4
Neste primeiro momento nos deparamos com o conceito de secularização que
encontrou na linguagem teológica um campo mais amplo de abordagem e de estudos.
3 DICIONÁRIO DE CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE TEOLOGIA. São Paulo: Paulus, 2005, p.
815. 4 Ibidem, p. 815.
19
Berger diz: “é possível também investigar suas origens históricas, inclusive sua conexão
histórica com o cristianismo, sem afirmar em um primeiro momento suas causas
positivas e uma degenerescência do mesmo. Este ponto deve ser particularmente
enfatizado, tendo-se em vista as discussões correntes entre os teólogos. Uma coisa é
sustentar que há uma relação de causalidade histórica entre o cristianismo e alguns
traços do mundo moderno. Outra completamente diferente é dizer que „portanto‟, o
mundo moderno, inclusive seu caráter secular, deve ser tido como certa realização
lógica do cristianismo. É saudável lembrar, a esse respeito, que a maior parte das
relações históricas tem um caráter irônico. Em outros termos, o curso da história tem
pouco a ver com a lógica interna das idéias, que nele aparecem às vezes como fatores
causais”.5 Outro aspecto do desdobramento histórico da secularização é que a guinada
antropológica fora interpretada de diversas formas sejam por aqueles que refletem as
mudanças que se deram na sociedade, ou seja, por aqueles que pretendiam se fazer os
sujeitos desta mudança colocando o homem no centro de todas as importantes e
possíveis transformações históricas que se deveriam efetuar. Por vezes este
antropocentrismo se verificou em sua fragilidade, por não saber conter ou direcionar
adequadamente toda a energia ideológica presente em si mesmo. É o que se verificou na
história da secularização, iniciada no século XVII, culminando no século XX com o
postulado da “morte de Deus” e com a exaltação do super homem. Os dois
totalitarismos mais assustadores da época, assim como as duas grandes guerras
mundiais são inexplicáveis sem estas duas teses que entram em crise depois de 1945
demonstrando assim, o lado doloroso do processo de secularização no que diz respeito
ao seu posicionamento radical e agressivo como se verificou em alguns momentos
históricos.6
2.1 A Tensão entre secularização e secularismo
Num segundo momento temos também a reflexão que se desenvolve sobre o
tema do secularismo que já é uma situação em que a secularização uma vez tendo
ganhado carta de cidadania procura se desenvolver como realidade inerente ao ambiente
5 BERGER, Peter. O dossel sagrado-Elementos para uma teoria sociológica da Religião. 1º Edição, São
Paulo: Paulus, 2004, p. 119. 6 L‟ Osservatore. Romano. sábado 10 de dezembro de 2012, número 45, p.10.
20
social, político, jurídico que já se encontra marcadamente definido através de uma
reflexão altamente secularizada que busca cortar o foco de um horizonte transcendente
sobre a vida, o mundo, o ser humano e focá-lo na imanência das realidades temporais:
1. A palavra “secularismo” indica a forma mais radical de
secularização ou respectivamente o seu “estado consumado”
enquanto definitivo desvinculamento da religião ou a atitude de
espírito em que a secularização levou e na qual o homem restringe-se
exclusivamente ao campo do profano (contradizendo a interpretação
religiosa ou transcendente do sentido).O conceito alcança aí o seu
mais extremado limite, visto que no significado de interpretação do
mundo como pura imanência elimina-se o seu correspondente, que
dele originariamente fazia parte, a saber, o conceito de religioso e
sagrado, visto que então o horizonte, em que antes se achava incluído
o conceito de secular e secularismo, surge como tendo sido ocultado.
O conceito de secularismo nos meados do século XIX entende-se no
sentido de cosmo visão ideologicamente delimitada e acentuadamente
anti-religiosa7
Ao tentarmos definir o significado dos termos e conceitos que se relacionam
com o secularismo nos deparamos com uma gama de definições:
Secularizar é tornar secular o que era eclesiástico. Sujeitar às leis
civis. Absolver (alguém) do voto de clausura; deixar de ser religioso.
A origem da palavra indica claramente que se trata de um processo
contra o clericalismo, contra a separação de um universo eclesial do
resto do mundo, contra uma legislação de isenção que beneficia
pessoas e bens da Igreja; e finalmente, contra a separação do
religioso e do civil, do sagrado e do profano8
Geralmente uma grande parte das referências a secularização cai
numerosamente sobre uma definição puramente de cunho religioso-clerical.
7 DICIONÁRIO DE CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE TEOLOGIA. São Paulo: Paulus, 2005, p.
816.
8 LEPARGNEUR, Hubert. A Secularização. 1ª edição. São Paulo: Duas Cidades, 1971, p. 36.
21
2.1.2 A Fé cristã e o Estado
A história narra que com a queda do império Romano o cristianismo alcança
uma importante vitória que iria principiar mudanças significativas nos futuros séculos
no mundo da política, economia, filosofia e toda a compreensão sobre o mundo, o
homem e sobre Deus nos séculos seguintes. Após milênios de gerência de várias partes
do mundo e de forma especial da Europa o cristianismo experimentará um poderoso
golpe através da revolução Francesa onde se inicia uma revogação de todos os
privilégios e extensão de domínio que pertencia ao sacro Império Romano liderado por
Sumos Pontífices a século. Contudo a expansão da revolução Francesa com propósitos
que futuramente feriram sua relação com a Igreja deslocou de maneira contundente a
Igreja e sua pretensão política secular, ou pelo menos na prática enfraqueceu
consideravelmente o estado católico modelo de governo para o grande desenvolvimento
social: “a secularização transformou-se no grande desafio do mundo contemporâneo
com relação a Igreja, causa determinante da diminuição da prática religiosa, da redução
das vocações, da perda dos valores éticos do catolicismo na vida individual e familiar, e
ainda, em particular, por tender a meta de uma organização de vida coletiva que
prescinde dos valores cristãos, reduzindo ou anulando a importância social da Igreja”.9
O Beato João Paulo II em contrapartida ao avanço da secularização apresenta
uma oportuna “Nova Evangelização” como caminho para restaurar na Europa cristã a
relevância da fé na qual a sociedade receba novamente da Igreja seus valores
fundamentais.10
No interior da Igreja contemporânea várias motivações impulsionam
aos diversos grupos ou correntes espirituais, intelectuais ou organizacionais no que se
refere a secularização. Para os neo-integristas a secularização representa a atual ameaça
a Igreja em nossos dias. A Secularização seria o sinônimo de descristianização. Permitir
a marcha deste processo de secularização seria o mesmo que perder a identidade cristã,
moldando-se ao mundo e assumir princípios que seriam destrutivos para os valores
católicos. Já em outros ambientes católicos pensa-se justamente num programa e numa
agenda que procure justamente englobar de maneira universal toda a estrutura política,
sindical, econômica buscando garantir a incidência da Igreja católica buscando superar
9 AAS – 80 (1988), PP. 1310-14; 81 (1989), PP 233 e 1335-36; (1991), p. 99, e em “La documentation catholique”, 70 (1988), p. 1038. 10 TESTA.B. Nuova Evangelizzazione Dell`Europe nel magistero di Giovanni Paolo II. Bolonha, 1991, p. 46.
22
por meio de uma “Nova Cristandade” os conflitos quanto aos limites conceitos no que
se refere à secularização e ao secularismo. Este movimento pretenderia concordar com
alguns postulados da modernidade tais como o pluralismo, os direitos humanos,
contudo, a Igreja deveria permanecer a ser a legitimadora última dos princípios da vida
social.11
Rosino Gibellini diz que a secularização tem dois significados: o jurídico, no
qual se vê a passagem de pessoas do estado clerical para o secular, o de bens
eclesiásticos a propriedade secular, e ainda o sentido cultural, que é bem mais tardio se
formando apenas por volta do final do século XIX e início do século XX, o qual aponta
para a emancipação da vida cultural da tutela eclesiástica.12
Portanto, desde os seus primórdios, o termo secularização, mostra-se já marcado
por um esquema antitético: o do dualismo de regular e secular que já contém em si
mesmo a metamorfose moderna dos pares “paulinos” celeste/terreno,
contemplativo/ativo, espiritual/mundano.
A teologia eclesial ainda não concebeu esta tarefa (ou seja: chamar o processo de
secularização, a partir de sua degeneração em secularismo, de volta até sua essência
verdadeira). Em vez disso, algumas linhas teológicas procuram reverter à secularização
como tal, na medida em que contrapõe a ela um modo de pensar baseado em realidades
sacrais, as quais pretensamente rompem e limitam a mundaneidade natural de todo o
existente.13
A distinção de conteúdo entre secularização e secularismo apresenta conotações
diferentes. Existe uma diferença entre a secularização e o secularismo. A palavra
"secularização" sugere um movimento, um processo, e não um estado essencial, o qual é
mais bem expresso pela palavra "secu1aridade".
Tendo verificado como Gogarten descreve a degeneração da secularização na
modernidade, cabe dar um nome a esta "degeneração". Isto Gogarten realiza ao
introduzir o conceito de secularismo. A tarefa necessária e possível da fé cristã é, para
11 BUTTIGLIONE, R. “Secolarizzazione e cristianitá”, em “La Chiesa Del concilio. Studi e contributi”, Milão, 1985, p. 165-184. 12 GIBELLINI, Rosino. A Teologia do século XX. 2ªEdição, São Paulo: Loyola, 2002, p. 123. 13 Wilfried JüEST, Verhangnis und Hoffnung der Neuzeit: Kritische Gedanken zu F..Gogartens Buch., 1966, p. 74.
23
ele, proteger a secularização de sua degeneração em secularismo.
Isso não se faz, como
no modelo de cristandade, buscando-se inverter o processo de secularização, o que é
contraproducente, ou procurando-se uma apropriação eclesiástica deste processo.
Tendo como pano de fundo todo este processo de secularização em andamento
desde o século XVI na Europa de forma específica se verifica também um processo de
desclericalização que é apresentado como um desafio empírico para a Igreja. Sendo que
a proposta deslocada do teocentrismo a cada dia apercebe-se como que colocada de lado
pelos que promovem o processo de secularização e reconhecem que o teocentrismo
promove a dominação de Deus, assim como a hierocracia a dominação dos clérigos.14
A secularização transformou-se no grande desafio do mundo contemporâneo em
relação à Igreja, causa determinante da prática religiosa, da redução das vocações, da
perda dos valores éticos do catolicismo na vida individual e familiar, e ainda, em
particular, por tender a meta de uma organização de vida coletiva que prescinde dos
valores cristãos, reduzindo ou anulando a importância social da Igreja.15
Contudo, na
prática o que se verifica é que ainda existe uma incidência verbal da Igreja sobre várias
dimensões da sociedade, entretanto, o impacto da seculariação fez a Igreja reconsiderar
sua presença na sociedade frente ao secularismo pessoal e ambiental que permeiam as
novas estruturas sociais.16
O historicísmo, como a secularização, é visto como um produto do próprio
cristianismo. Ressegurado dessa sua proveniência, ele pode abrir espaço para uma
compreensão da historicidade onde autonomia e a noção de uma dependência radical -
como filiação -podem ser reconciliadas.
Para Vattimo, porém, a secularização só é um fato interior ao cristianismo e ao
Ocidente porque Deus se debilita e recusa sua transcendência violenta.17 Afirma
schimitt que “Todos os conceitos concisos da teoria do Estado moderno são conceitos
teológicos secularizados”.18
14 CONGAR, Yves-Marie. Entretiens D`autonomne. Les editions Du Cerf, 29, bd Latour-Maubourg, Paris, p. 35. 15 MENOZZI, Daniele. A Igreja católica e a secularização. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 11. 16 L’Osservatore Romano. Sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p.07. 17 VATTIMO, Gianni. Acreditar em acreditar, p. 17-18. 50. 18 SCHMITT, Carl. Teologia Política. 1º Edição, Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 35.
24
2.3 O Sentido Filosófico da Secularização
O processo de secularização é uma tentativa de busca de autonomia por parte da
sociedade e das ciências que vendo-se atada ao mito e a religião ou qualquer esfera
normativa religiosa quer agora buscar a sua autonomia. Podemos verificar que o
processo de secularização produz na sua lógica interna um progressivo afastamento da
dimensão religiosa da vida, seja de Deus e de qualquer realidade sobrenatural que não é
empiricamente verificável. Contudo, o iluminismo não surge num primeiro momento
como rompimento com a fé cristã, mas como uma busca possível e mais ilustrada de
conhecimento. O Cristianismo desde a sua origem buscou ser também uma forma de
iluminismo.19
Alguns autores tentam apresentar o princípio da secularização no início do
iluminismo. Kant fora um dos primeiros a propor e a colocar a questão:
“O que é o Iluminismo? Kant inicia tal texto, esclarecendo que o
iluminismo é à saída do homem da menoridade da qual ele mesmo é
culpado, consistindo tal menoridade na incapacidade de se servir do
entendimento sem a orientação de outrem. O próprio homem seria
culpado por isso, pois não é que lhe falte o entendimento, mas o que
ele não teria seria a decisão e a coragem em servir de si mesmo, não
se valendo de tutores, daí resultando não só o preconceito, como a
opressão gananciosa ou dominadora. Sair da menoridade só seria
possível por meio do uso público da razão.”20
É importante aqui considerar que esta guinada estrutural por vezes leva em conta
os pressupostos cristãos, contudo, tentam superá-los:
Numa perspectiva sociológica, é possível dizer, inclusive, que as
formas de consciências modernas relacionadas com o direito
abstrato, a ciência e a arte autônoma, que gira em torno do quadro
profano, não poderiam ter-se desenvolvido sem as formas
19 RATZINGER, Joseph. D’ÁRCAIS, Paulo F. Deus Existe? São Paulo: Planeta, 2009, p. 24. 20OLIVEIRA, M.L.P. Filosofia do Direito. Modernidade e Religião. Revista Direito, Estado e Sociedade n. 31, Jul/dez 2007, p. 106-126
25
organizacionais do cristianismo helenizado e das igrejas cristãs, sem
as universidades, os conventos e as catedrais. E isso vale
especialmente para as estruturas mentais”.21
Na área do direito e da política várias são as formas e mecanismo pensados para
deslocar ou colocar a fé em uma dimensão não pertinente o que de fato gera um
estranhamento na pessoa, pois sendo cidadão pertencente a um estado tendo os seus
direitos e deveres convive também em uma “outra” sociedade humana que é a Igreja no
caso o cristão católico. O ordenamento jurídico universalista e moral social igualitário
precisam ser unidos, a partir de dentro, ao ethos da comunidade de tal forma que um
consistentemente, saiba conviver na alteridade com o outro.
Aqui é oportuno confrontar o pensamento de Kant com o de Gogarten. Entretanto
esta relação de dependência assume, para Gogarten, uma matiz que exclui por princípio
a heteronomia. A filiação não tem como modelo, a infância. O ser humano que é
pensado como filho é autônomo. O filho não é criança em sua menoridade, mas é filho
emancipado (mündig). Como filho emancipado, sua própria relação com o mundo é
redefinida. Este último, o mundo, passa a ser concebido como a herança do filho, pela
qual ele é responsável em sua autonomia. 31
A filiação do homem representa, no âmbito da fé, a afirmação originária de Deus
quanto à autonomia do homem. Diferentemente do que acontece na maioridade de Kant.
A autonomia é um dom. Somente através da filiação a autonomia pode ser alcançada e
preservada. Em outras palavras: não há autonomia autêntica à parte da filiação
originária, assim como não há responsabilidade (Verantwortung) autêntica pelo mundo
que não contenha constitutivamente a referência ao Pai em termos de resposta
(Antwort). É óbvio, nisto tudo, que o próprio falar de uma autonomia autêntica ou
legítima supõe uma forma da autonomia que se efetiva inautêntica ou ilegitimamente.22
Esta expectativa normativa, com a qual o Estado liberal se defronta com as
comunidades religiosas, coincide com os próprios interesses delas à medida que se abre
a possibilidade de desempenhar, para além do espaço público político, uma influência
própria na sociedade como um todo. Contudo, esta influência pode apresentar aspectos
21
HABERMAS, J. Era das Transições. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003, p. 53. 22
GOGARTEN, Der Mensch zwischen Gott und Welt. Stuttgart. Munique, 1956, p. 74.
26
contraditórios que beiram a indiferença como bem descreveu Kierkegaard e que fora
apresentada por Harvey Cox em seu livro a Cidade secular:
“Um circo ambulante ardia em chamas junto de uma aldeia
dinamarquesa. O diretor dirigiu-se aos artistas que estavam já
preparados para atuar e escolheu entre eles o palhaço para que
chamasse os aldeões e os avisasse do perigo que corriam, pois as
chamas através dos campos recém-ceifados podiam chegar à própria
aldeia. O pintalgado palhaço correu às pressas para a praça da
aldeia e gritou a todos que viesse ao circo a apagar as chamas. Os
aldeãos riam e aplaudiam esta nova e magnífica forma de atraí-los ao
grande espetáculo. O palhaço chorou e suplicou, insistiu que não
estava a representar um papel, mas que a aldeia estava realmente em
perigo mortal. Quanto mais implorava, mais os aldeões se riam... até
que o fogo, saltando através dos campos, chegou à aldeia: Isto é
também o que se passa quando os clérigos falam de Deus. A gente
escutá-os com curiosidade e condescendência, como a homens que
representam o seu papel. Mas pela coisa em si, com a íntima
convicção de que o que eles dizem pode ser ignorado sem perigo23
.
O iluminismo afirma que o olhar que merece consideração seria o olhar do
cientista imparcial que analisa friamente as questões correntes e os preconceitos do
vulgo. Mas descobriu-se que não era tão fácil assim. Como se podia estar seguros de
estar vendo as coisas como eram? Como se pode ultrapassar a distância entre a mente e
o mundo? Como se podia ter a certeza que o objeto ali em frente é de fato, idêntico à
minha percepção dele? Na sua busca de certeza, a mente tem de duvidar de tudo. Tem
de ser cética suspeitosa e desconfiada.
Bernard Williams caracteriza seu pensamento da seguinte maneira: “Há um
imenso empenho em face da verdade ou, de qualquer modo, uma suspeita generalizada,
uma disponibilidade contra ser enganado, uma ânsia de ver para lá das aparências as
estruturas reais e os motivos que estão por detrás delas”.24
Pode-se afirmar que o modo
de se produzir ciência em nossos dias é profundamente influenciado pela duvida,
contudo, além de toda a dívida que temos para com o iluminismo em seu sentido
positivo, mas “se este torna-se o modo prioritário de entender a procura da verdade, 23
HARVEY, Cox. La Ciudad secular. Barcelona, 1968, p. 265. 24
WILLIAM, B. Truth and Truthfulness: Na Essay in Genealogy, Princenton, 2002, p.1.
27
criaremos inevitavelmente uma sociedade que será desconfiada, marcada pela suspeita e
pela insegurança, e cujos laços sociais hão de desmoronar-se.”25
Dentro deste contexto e
quadro verificamos que o processo de secularização interpretado por teólogos como um
eclipsar do sentido de Deus26
na estrutura de sociedade atual e de forma específica
européia apresenta seus efeitos27
contra- dissentes a toda a cultura cristã até então
vigente.
O processo de secularização causou um impacto tanto na vida pessoal de vários
cristãos como em todo o tecido da comunidade eclesial, tornado nítido28
cada vez mais
sua influência e desafiador para os cristãos a tarefa de se manter fiel ao evangelho
nestas circunstâncias.29
2.4 O Sentido Sociológico da Secularização
A sociologia da religião procura compreender este fenômeno através de outras
abordagens descrevendo a religião como sub specie temporis e não como sub specie
aeternitatis como pretende a teologia aqui já temos uma configuração específica de
conceitos em que ciência plaina sobre seus referenciais teóricos:
O sentido de modernidade aqui trabalhado encontra
analogia com sua aplicação filosófica, que se traduz como
modernidade pós-renascentista. Um dos traços substantivos desta
modernidade refere-se à “iniciativa teórica, até agora inédita na
história humana, que propugna a imanentização dos termos da
relação de transcendência, com a abolição da sua dimensão
metafísica e a emergência do existente humano como fonte de
movimento de autotranscendência desdobrando-se na esfera da
imanência: nas instituições do universo político, na construção do
mundo técnico, na concepção autônoma do agir ético, na
fundamentação teórica, enfim, da visão de mundo”30
25 RADCLIFFE,Timothy. Por que ser cristão? São Paulo: Paulinas, 2011, p.193 26L’ Osservatore. Romano. sábado 13 de Outubro de 2012, número 41, p.21. 27L’ Osservatore. Romano. sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.17. 28L’ Osservatore. Romano. sábado 03 de Outubro de 2012, número 14, p. 44. 29 L’ Osservatore.Romano.sábado 03 de Novembro de 2012, número 44, p. 10. 30 VAZ, Henrique,C,L. Raízes da modernidade. São Paulo: Loyola, 2002, p. 16.
28
Entendemos ser pertinente destacar também os sentidos que podem ser
identificados em torno do conceito da secularização no âmbito das humanidades.
Segundo Marramao é possível identificar cinco acepções de secularização: 1) Como
ocaso da religião; 2) Como conformidade ao mundo; 3) Como dessacralização do
mundo; 4) Como descomprometimento da sociedade para com a religião, relegando a
religião ao âmbito privado; 5) Como transposição de crenças e modelos de
comportamento da esfera religiosa à secular.31
Aqui verifica-se que os atuais processos
sociais que tem se destacado nas atuais gerações trazem uma marca palpável do
processo de secularização verificado de maneira contundente nas sociedades
contemporâneas.32
Algumas característica da configuração do processo de secularização
apresentamos aqui dentro das formas de uma sociedade marcadamente híbrida,
ambivalente, e plural. Elementos estes que já carregam sementes para posteriores
situações estruturais da sociedade.
2.4.1 O Hibrido e a liquefação da vida como cultural
O hibridismo cultural desperta várias observações positivas e negativas a
respeito deste fenômeno cada vez mais crescente. A globalização é um permanente
convite a um posicionamento hibrido diante da história. O fenômeno cultural perpassa
as culturas e se entrelaça de modo mais freqüente e intenso. Vemos por exemplo como
este fenômeno se faz presente no mundo da música onde vários ritmos se misturam dos
mais variados cardápios musicais presentes em todo o planeta. Hoje o recurso técnico
usado nas gravações a “mixagem” onde se pode re-masterizar e se criar verdadeiras
novidades sonoras apontam para o potencial deste fenômeno.
No pensamento de Bauman vemos como ele tenta descodificar uma face da
cultura hibrida questionando a sua vulnerabilidade:
“...a imagem da “cultura híbrida” é um verniz ideológico sobre a
extraterritorialidade alcançada ou proclamada. Isenta da soberania
31 MARRAMAO, Giacomo. Céu e Terra: Genealogia da Secularização. São Paulo: Fundação editora da Unesp, 1997, p. 135. 32L’ Osservatore Romano. Sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 15.
29
de unidades políticas territorialmente circunscritas, tais como as
redes extraterritoriais habitadas pela elite global, “ cultura hibrida”
busca sua identidade na liberdade em relação a identidades
designadas e inertes, na licença para desafiar e menosprezar os tipos
de mercadores, rótulos ou estigmas culturais que circunscrevem e
limitam os movimentos e as escolhas do resto das pessoas, presas ao
lugar: os “locais”. 33
Frente a uma permanente dissolução dos laços de interdependência social e de
compromissos revogáveis existe uma luta simultânea contra a dissolução e a
fragmentação. O ser humano está sitiado entre o desejo de liberdade e a necessidade de
segurança. Contudo, a hibridação é apresentada como uma função que a torna louvável
e cobiçada no mundo a separação34
. Na busca identitária o ser humano é pressionado a
não pertencer definitivamente a nada de maneira que o ser humano encontra-se
conflitado e perturbado entre uma tendência cosmopolita de emancipação individual e a
participação numa coletividade nacional e regional. E desse conflito não há quem o
salve: é ele mesmo que deverá fazer todas as escolhas tornando-se responsável por
aquilo que venha a se tornar.
A Identidade na contemporaneidade é uma reinvidicação pela diferença. Na vida
líquida, a dissolução permanente dos valores sociais e das antigas referências do
passado, a identidade encontra como meio de afirmação a distinção e a diferença como
objetivos e metas a serem vivenciadas.
2.4.2 Modernidade, ambivalência e as rupturas sociais e culturais
Uma evidência importante que o processo de secularização traz e que se faz
verificável no que se refere a uma presença “totalizadora” do pensamento secularizante
é que ele não se restringiu em ser uma mera retórica, mas este pensamento se impôs
como uma forma de viver e de ser no mundo moderno. Forjou consciências e criou
33
BAUMAN Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, p 46. 34
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p.29-31.
30
estruturas jurídicas onde a vida e o pensamento tivesse uma emancipação cada vez
maior sobre as realidades da vida seja política, social e econômica.
Com o apogeu da modernidade nos deparamos com outro fenômeno que nos
chama a atenção que é justamente a ambivalência como lugar de sua residência. A
modernidade é de fato esta manifestação ou esta busca de luzes que por vezes apresenta
as mais variadas ambivalências. Queremos aqui analisar um pouco a dimensão
ambivalente da modernidade no período contemporâneo em que vemos as mais variadas
formas de tentativas de legitimação da modernidade.
Sabemos que um dos sonhos da razão legislativa se funda no auxílio em que ela
encontra por parte da filosofia. A filosofia na modernidade prestou e presta um papel
importante na fundamentação de todo o sistema do estado moderno que temos hoje.
Filósofos como Kant não são apenas artistas das palavras, que se ocupam de novas
concepções sobre o mundo e o ser humano, mas um doador de lei, que legisla para a
razão humana.35
A filosofia é na modernidade está força que possui autoridade legislativa. A
razão na modernidade não tolera desconexão no pensamento, mas por meio de várias
cognições claras e distintas procura se legitimar como autêntico conhecimento. O
conhecimento que se propõe procurar por parte da modernidade é aquele que transcende
o senso comum, constituído de meras opiniões e crenças (opinião: Juízo insuficiente
tanto subjetivo como objetivamente; crença o tipo mais pérfido de juízo, “reconhecido
como objetivamente insuficiente”, mas subjetivamente aceito como convincente), só
pode e deve “ser revelado pelos filósofos”.
Define-se como modernidade o conjunto de rupturas sociais e culturais que se
desencadeia no mundo a partir de várias mudanças verificáveis. O humanismo e o
renascimento que se desencadeia no século XVI, assim como as diversas batalhas
intelectuais vão configurando o mundo moderno, contudo esta gestação da modernidade
acontece mediante uma tensão entre o tradicional e o novo. Esses acontecimentos
terminaram por desfazer a imagem do mundo antigo, o valor das tradições, a matriz
hegemônica da natureza dando lugar ao primado da razão teórica e prática, á
subjetividade, à história, às experiências, ao fenômeno de secularização. A teologia
européia, ao defrontar-se com tal realidade complexa, empenhou-se, num primeiro
35
ZYGMUNT, Bauman. Modernidade e ambivalência, Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 45.
31
momento, numa atitude de defesa e depois em amplo diálogo crítico e interpretativo da
Tradição da Fé.
A complexidade das relações que vão se fazendo presente neste novo mundo
moderno é configurada no século XVII e XVIII através de elaborações científicas que
dão fundamentos políticos e filosóficos a modernidade. A modernidade acaba por se
tornar um valor transcendental, uma moral e um mito de referência presente em toda
parte36
.
Apresentamos aqui os três planos que a modernidade busca de forma geral
desenvolver na sociedade:
1) Plano técnico-econômico: A modernidade define o tipo de relação com a
natureza que leva à procura sistematizada de produtividade. Na era moderna, A
natureza já não é a matriz de toda ordem social e moral. Ela é um reservatório
das forças produtivas. O homem já não se situa na natureza, mas face à natureza,
não pensa como um elemento da natureza, mas como o seu mestre;
2) Plano jurídico-político: A modernidade reside na separação que se instaura
entre a esfera da vida pública e a esfera da vida privada. Kant desloca esta
dissociação entre esfera pública ( uso da razão sempre livre) e esfera privada (
uso da razão pode ser limitada)para o centro do processo pelo qual o homem sai
da menoridade e que ele é responsável. E desloca a religião para a esfera
privada. Esta dissociação do privado e do público é a pedra angular da
concepção moderna do político.37
Por um lado, há o estado, transcendente e abstrato, e o conjunto das regras
formais de direito que lhe correspondem; por outro lado, há o indivíduo e as sua
liberdade. Esta dualidade era ignorada pelos sistemas políticos anteriores.
Esta separação do estado político da vida privada pertence aos tempos
modernos. As hierarquias, os grupos intermediários, as comunidades primárias
da sociedades tradicionais desaparecem ou perdem a sua consistência para dar
36
J.CHESNEAUX, De La modernité, Paris: Découvert, 1984, p.71. 37
KANT, E. Philosophie de l`histoire. Les Orígenes de La pensée de Hegel. Paris: Denoel-gonthier, Coll.
Méditations, 1947, p. 46.
32
lugar ao burocrático do estado, modelando, segundo a sua própria racionalidade,
todos os setores da vida social.
3) O sujeito como plano: A hegemonia do estado esvai-se para dar lugar a
modernidade filosófica, plenamente realizada com Kant, que separa o sujeito e o
objeto, a consciência deslocada para o centro e o universo. A este duplo processo
poder-se-a chamar a modernidade psicológica, isto é, certa maneira de o homem
pensar a sua individualidade e conquistar a sua identidade.38
2.4.4 O pluralismo e crise da modernidade e da razão iluminista
A quebra de paradigmas e as diversas manifestações do pluralismo religioso,
impõem-se a cada dia de forma a tender o ser humano a valorizar as diversas idéias,
normas pensamentos, símbolos, instituições que o circundam. A Europa principalmente
encontra-se afetada por um pluralismo intercontinental.
Todo Europeu é atirado para uma pluralidade de valores, modelado por uma
pluralidade de normas, comprometido por uma pluralidade de referências, emergido
numa pluralidade de sensibilidades, solicitado por maneiras diversas de levar a sua
existência a se organizar socialmente39
.
A pluralização institucional da modernidade provoca uma instabilidade das
estruturas de plausibilidade. No lugar das antigas certezas religiosas, instaura-se a
dúvida. O tempo da cristandade cedeu e hoje estamos vivendo em um mundo pluralista.
É mister que tenhamos uma chave de leitura de um mundo plural e não mais como uma
realidade monolítica, estática e hierarquicamente organizada. Em uma sociedade
dinâmica o “pluralismo consiste essencialmente num regime de competitividade
cultural, que vê todos os valores em competição, primeiro através da conquista do
direito de cidadania e depois pela formação de hierarquia em que são ordenados”40
. Ao
mesmo tempo em que o pluralismo não descarta a religião e os seus valores culturais ele
a nivela e a coloca em uma situação de relativização.
38
BARBOSA, G. ADÉRITO. A nova evangelização. Lisboa: Paulinas, 1994, p. 256. 39
G.THILS, foi chretienne, p. 44. 40
GRUMELLI, A. La chiave di lettura della societá di oggi, “Quaderno di Studi Sociali” 1, Napoli:
Dehoniane, 1979, p. 11-26.
33
A diversidade acontece em um ambiente desprovido de preferências e
exclusivismos onde a persuasão pode tornar um ideal religioso pertinente através de sua
persuasão e não imposição. Aqui surge justamente o problema da plausibilidade cristã.
Uma vez que o pluralismo não admite qualquer tipo de monopólio e entra em crise a sua
plausibilidade diante da sociedade de um modo universal, a sua tradição eclética
enquanto se apresenta em suas pretensões entra em crise.
Em si mesmo, tal dissenso pode ser legítimo se considerado o fato que a
mensagem cristã não possibilita interpretações definitivas pautadas num único
referencial hermenêutico. Contudo, quando o dissenso manifesta controvérsias
doutrinais e de autoridade que acarretam divisões na comunidade cristã, ele é mais do
que um posicionamento hermenêutico diferenciado.
Se o pluralismo torna-se um problema para as religiões outro maior seria a
própria privatização da religião como um golpe fatal do secularismo frente a grande
pluralidade de afirmações ou hermenêuticas sobre a presença da religião no mundo. As
religiões não seria uma realidade pertinente na organização da sociedade por isso
deveria ser vivida de modo privativo. Isto dá-nos a impressão que a fé seria algo mais
simbólico ou até mesmo folclórico que não proporcionasse nada de claro aos novos
rumos históricos das sociedades.41
.
É verificável a forma clara e perceptível que os sintomas de crise da
modernidade. A primeira e a segunda guerra com seus rastros de destruição produzidos
pelas bombas atômicas. Os regimes totalitaristas como o nazismo, stalinismo,
comunismo com sua lógica de opressão e morte como jamais se tinha visto. Em épocas
mais recentes verificamos os regimes ditatoriais do terceiro mundo, a fome que assolou
mais de um terço da população mundial. A massa de excluídos nos países ricos, a
extensão do comércio de armas e o narcotráfico, a crise do mundo socialista e as guerras
da atualidade. Nota-se claramente que a razão que pretendia ser altamente desvinculada
de qualquer alienação política e ideológica tornou-se novamente uma razão
41L’ Osservatore. Romano. sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p.14.
34
instrumentalizada. A crise da razão iluminista fora reduzida a instrumento do poder e do
lucro42
.
A razão iluminista ao se dedicar aos vários aspectos da realidade por vezes,
descartou elementos importantes do ser humano, ou pelo menos quis apenas considerar
estas mesmas realidades somente a partir de seu ponto de vista, desconsiderando outros
saberes. Desta forma por vezes a razão se viu incapaz de dar conta de todos os fatores
da realidade e acabou por ser manipulada por interesses técnicos e científicos que
pretendem dominar a natureza e a história e colocar a razão como serviçal do poder
econômico, político e ideológico.
2.5 O Sentido Teológico da Secularização
A busca de sentido feita dentro do contexto da modernidade coloca o homem de
certa forma em um ambiente em que ele percebe certa decadência dos antigos projetos
de engajamentos em realidades que para ele seriam de vital importância como bem
descreve William Mc Namara:
“O meu lamento em relação à sociedade contemporânea é devido a
sua decadência. Há ainda uns poucos prazeres que ainda me atraem,
mas quase nenhuma beleza me cativa e nada de heróico me excita.
Não me sinto provocado ou desafiado por nenhum círculo ou posição
intelectual, nem por novas teologias e filosofias e não há nenhuma
arte que me prenda a atenção ou me desperte a mente. Tampouco
existem movimentos sociais, políticos ou religiosos que me
entusiasmem ou me animem. Não há homens livres a quem possa
submeter-me, nem santos em quem possa encontrar inspiração. Não
há pecadores descontrolados o bastante para me impressionar ou
com quem eu possa compartilhar a minha infeliz condição. Ninguém
suficientemente humano para validar o estilo de vida “corrente”. É,
portanto, muito difícil viver neste enfadonho mundo sem se sentir
dominado pelo tédio.
O futuro está, nas mãos daquela minoria de coração humilde e
compassivo, que apaixonadamente busca a Deus no mundo
42 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Evangelização e missão profética da Igreja, Novos desafios. Texto aprovado pela 43ª Assembléia Geral, Itaici. Indaiatuba (SP), 9 a 17 de agosto de 2005. São Paulo: Paulinas, p. 38.
35
maravilhoso e ao mesmo tempo confuso de realidades redimidas e
interligadas que se estende diante de nosso nariz43
.
É justamente dentro deste ambiente da religião que o indivíduo trava sua
peregrinação de fé, ora sitiado por um ambiente profundamente hostil a sua fé ora,
encontrando nas antigas estruturas religiosas uma medicinal dose de sentido oferecido
pela mesma religião. Abordamos aqui o pensamento teológico nascido no contexto da
teologia protestante como do ambiente da teologia católica, assim como alguns de seus
expoentes.
2.5.1 A Teologia da morte de Deus: espelho de um ambiente secularizado
Outro ponto importante é o discurso a respeito da morte de Deus que foi
engendrado no campo filosófico e que penetrou também nas ciências teológicas. A
secularização fora apresentada como uma perda do sentido religioso e metafísico do
mundo e do homem e uma concentração neste mundo e neste tempo.44
Hubert Lepargneur conseguiu muito bem captar as diversas mudanças ocorridas
pelo processo de secularização, percebendo as grandes mudanças ocorridas nas
estruturas:
“A secularização que aos poucos abrange todos os domínios da cultura
comporta: 1) Um elemento positivo que corresponde ao termo largamente
utilizado de maturidade do homem (homem adulto), da sua libertação dos
mitos, da magia, das alienações do sagrado e das assombrações do além, da
prepotência abusiva daqueles que tinham pretensões ao poder espiritual
para dominar as formas terrestres da vida social dos homens. Este aspecto
só é possível em favor de um crescente domínio do homem sobre a natureza,
muito tempo considerada, como enigmático habitável de forças
sobrenaturais. Neste sentido a secularização é uma reação cultural global,
aos progressos específicos das ciências e das técnicas, da industrialização e
da urbanização. 2) Um elemento destrutivo das religiões, se não da
religiosidade, da humanidade, assim como da própria noção de Deus. Deus
não existe porque a nossa maneira pragmática de pensar, hoje em dia, não
nos permite mais conceber um conteúdo concreto atrás desta palavra „Deus‟.
Este aspecto abre o caminho para a crítica radical da religião e para seu
desaparecimento histórico, com a possível conservação da fé cristã, para
43
MCNAMARA, William. The Human Adventure. Garden City: Image Books, Doubleday, 1976, p. 9. 44
COLOMER, Eusebi. A morte de Deus. Porto: Tavares Martins, Porto, 1972, p. 143.
36
alguns (teólogos da morte de Deus), ou sua eliminação, para a maioria dos
homens radicalmente secularizados. Desde já podemos situar a questão do
movimento teológico da „morte de Deus‟ (movimento sem nenhuma
estruturação, muito diversificado e até contraditório) com o nosso tema
secularização: 1) Esta chamada „teologia da morte de Deus‟ constitui um
esforço - um tanto desesperado - para interpretar „de maneira cristã‟, o
fenômeno da secularização, representativo no mundo atual. Essa
interpretação poderia ser resumida da seguinte maneira: Deus morreu em
Jesus Cristo; eis a Boa Notícia do Evangelho. Jesus libertou o homem
religioso do constrangimento imposto às gerações anteriores pelo
imperialismo do Deus transcendente. Jesus representa a redução da
transcendência divina à pura imanência histórica (re-interpretação da
kenosis de São Paulo): eis a que se reduz o fato da Encarnação. Não há
Reino dos Céus a não ser o reino terrestre da humanidade. Ser cristão é
compreender este significado da pessoa e da vida de Jesus, e imitar sua
dedicação aos outros homens. 2) O definhamento da religião e o repúdio
cultural da divindade (que tem um dos seus pólos no movimento da „morte de
Deus‟), não são somente interpretação de um fenômeno de secularização que
lhe seria exterior; eles fazem parte, inclusive o referido movimento
„teológico-ateu‟, deste fenômeno total de secularização. A razão disto é
simples: a secularização é uma verdadeira práxis que engloba o processo
sociológico e sua elaboração ou auto-justificação teórica. A „teologia da
morte de Deus‟ constitui a ponta avançada do movimento de secularização
tomando consciência de si e refletindo ainda sobre sua possível ligação com
o que se chamava anteriormente cristianismo.45
Filósofos como Nietzsche acreditam que todo o processo de niilismo pode ser
resumido na morte de Deus, ou, também, na “desvalorização dos valores supremos”.
Para Heidegger, o ser se aniquila na medida em que se transforma completamente no
valor. É importante aqui tentarmos retomar o movimento ateu que ocorre em toda a
Europa e outros países do ocidente como um movimento que aparece cheio de
ambigüidades e que por vezes buscou fundamentar-se em conceitos cristãos.
Outra ambigüidade gerada pela pretensa concepção da morte de Deus é o
fatalismo que se degenera em desespero. A figura do niilismo como uma forma de
autonomia esvazia o esquecimento secularista da filiação, do cuidado e do encargo de
uma herança. Assim, também o secularismo carece de purificação. Esta purificação
exige uma justa distinção entre Deus e o mundo. O conceito de salvação aparece na
modernidade encapado de um engajamento na mundaneidade o que permite voltar
novamente a uma divinização do mundo sem uma justa diferenciação das realidades que
o constituem. É preciso retomar de modo equilibrado a presença do divino no mundo.
45
LEPARGNEUR, Hubert. Secularização. São Paulo: Duas cidades, 1971, p. 13-14.
37
Ratzinger afirmou que a incredulidade no pensamento e a humildade ante o
desconhecido parecem aconselhar ao agnosticismo, entretanto o ateísmo declarado
pretende saber demais e leva consigo claramente um elemento dogmático.46
Vemos hoje na modernidade uma vasta tentativa de secularização ou
“racionalização” da religião Cristã. Um problema visível que aparece nesta afirmação
da morte de Deus é justamente uma acentuada crise do humanismo tentando colocar o
homem novamente no centro do universo fazendo dele o senhor do ser. Entretanto, com
o desenvolvimento técnico-cientifíco que se verifica nas últimas décadas o homem
novamente é lançado em uma situação marginal.
Harvey Cox consegue de maneira precisa e pontual apresentar o caminho pelo qual
pode melhor trabalhar para manter-se consciente de sua dignidade e empenho no
mundo:
As principais teses do meu livro mostram que o processo estrepitoso
de modernização não é algo que os cristãos devem temer. Devemos
festejá-lo. Trata-se de uma das maneiras pelas quais Deus trabalha
para libertar os homens do cativeiro. Não é uma maldição negra nem
uma bênção pura. É, antes, uma oportunidade, um chamado à
maturidade, exigindo dos indivíduos e das sociedades que escolham,
em plena consciência, onde desejam ir e o que desejam ser. Sou da
opinião de que o lugar em que surge este senso de resposta humana é
também, o lugar em que o cristianismo está atingindo na história.
Deus é mais plenamente Deus onde o homem se torna mais
plenamente homem.47
O homem secular, emancipado, já não é dependente ou imoral Seria ingenuidade
tentar submetê-lo a um Deus cuja força depende da fraqueza e da ignorância do homem.
O evangelho cristão ensina que o homem é responsável assustadoramente responsável
na sua liberdade em relação a um Deus cuja força atinge a perfeição na fraqueza e no
sofrimento.48
46
RATZINGER, Joseph. Mirar a Cristo. Exercícios de fé esperança e amor. Valência: Ediap, 1990,
p.17. 47 COX, Harvey. Ciudad secular, Barcelona 1971, p. 8.
48 ROBINSON, John A.T. Pesquisa em torno de Deus. 1ºEdição, Rio de Janeiro: Moraes Editores, 1968,
p. 38.
38
2.5.2 O Homem emancipado
A secularização é um processo e não um estado de coisas”49
Sabemos que este
processo tende a querer transformar o processo nas coisas em si. Aqui se encontra um
perigo eminente que é justamente o de transformar o ser humano num arranjo
existencial uma vez que valores que perduram podem ser descartados displicentemente.
Tal coisa é simplesmente impossível. O simples fato de dizer “não há valores”
por si só já é um valor. Como afirma Cox: “A secularização coloca a responsabilidade
pela formação de valores humanos, bem como pela elaboração de sistemas políticos, nas
próprias mãos dos homens. Isto exige uma maturidade que nem o niilista nem o
anarquista desejam assumir”.50
A proposta de Bonhoeffer é aplicar aos apologistas teístas que se gabavam de ter
um trunfo contra o homem emancipado no que diz respeito às “questões últimas” o
mesmo princípio que eles aplicaram ao homem emancipado. Deus foi relegado somente
para as questões derradeiras pelo homem emancipado, pois para este, Deus não é mais
necessário nas outras questões de sua vida. Se Deus também tornar-se desnecessário
para as questões derradeiras, então o homem religioso se encontrará num desespero
ainda maior que o do homem emancipado.
2.5.3 A teologia política e o projeto secularizador
O pensador italiano Giorgio Agamben tem elaborado uma original leitura da
tradição política ocidental, privilegiando, porém, a modernidade. Ele entende que a
tradição política ocidental é tributária de dois registros teológicos: a teologia política e a
teologia econômica. A primeira vinculada a uma perspectiva ontológica e a segunda à
primazia da pragmática. Na política lembramos a Carl Schmitt quem afirma que “Todos
os conceitos concisos da teoria do Estado moderna são conceitos teológicos
secularizados”.51
49 COX, 1971, p.40. 50
Ibidem, p.47. 51
SCHMITT, Carl. Teologia Política. 1º Edição Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006, p. 35.
39
A teologia econômica constitui-se a partir da elaboração do problema da relação
entre as três pessoas da Trindade, que resultou na teoria do homoousious, unidade de
substância entre Pai, Filho e Espírito Santo, porém com três expressões distintas.
Agamben entende que o maior entrave para a elaboração do aparato teológico cristão foi
de ordem administrativa, o gerenciamento da casa divina, das relações entre as pessoas
da Trindade. A oikonomía divina é a marca distintiva da teologia econômica, que torna
evidente o primado da pragmática neste registro. Esse dispositivo permite que se torne
possível o início de algo como a história designada pela escatologia cristã, tornando a
história ocidental e cristã história da salvação. Nesse contexto, torna-se decisiva a
orientação divina para o agir humano através da Divina Providência, a saber: pronóia.
Na teologia econômica, a vida e seu gerenciamento também são centrais, porém na
forma da operosidade, do agir humano para a glória de Deus, que oculta o caráter
sabático da condição humana.
Este construto teológico, que opera articulado com a teologia política, como uma
máquina governamental, triunfou na modernidade. Esse fato permite entender o
primado da economia, ou de forma mais ampla, da pragmática, nesse período histórico.
Novamente, neste caso, a relação com a vida torna-se ambígua. Se neste registro a vida
é marcada pela operosidade, pelo imperativo da ação orientada pela providência divina,
é justamente nesse espaço que reside à possibilidade da experiência da condição
inoperosa do humano. Vários teólogos tentaram pensar os novos desafios da teologia
em um ambiente profundamente secular. Teólogos como Harvey Cox tentaram
apresentar um intento de levar a teologia à política e de encarnar a missão da Igreja nas
realidades da promoção do homem e na construção da cidade Secular. Harvey não pensa
que o homem secular tenha perdido o sentido da transcendência, mas como Unamuno
afirma e se questiona: “Está o homem só no Universo ou não”?52
.
O projeto secularizador apresenta várias dificuldades no seu processamento
prático. Um dos riscos que ele corre é justamente o de converter a secularidade em
secularismo, isto é, numa visão irreligiosa do mundo com visos de nova religião que
anule totalmente a liberdade do indivíduo e se interponha como um muro absoluto entre
a humanidade histórica e a chamada a transcendência.
52
COX Harvey. La ciudad secular. Barcelona, 1968, p. 265.
40
A visão eclesiológica da Igreja ainda tem dificuldade de desenvolver uma visão
positiva do processo de secularização que se degenerou em secularismo a sua essência
verdadeira. Em vez disso ele procura reverter à secularização como tal, à medida que
contrapõe a ela o seu modo de pensar baseado em realidade sacral, as quais
pretensamente rompem e limitam a mundaneidade natural de todo o existente.53
Aqui
verifica-se uma necessária tarefa da fé cristã que é justamente de proteger a
secularização de sua degeneração em secularismo. Este acontecimento não deve tomar
como referência o modelo de cristandade invertendo o processo de secularização e
procurando absorve-lo numa apropriação eclesiástica.
A fé deve distinguir-se radicalmente das realizações da razão autônoma,
entretanto a razão autônoma não pode converter-se em ideologia, ou seja, não deve
reinvidicar fé e um caráter salvifico.54
Harvey Cox tenta apresentar de forma sucinta como a fé bíblica se manifestou
como uma secularização para o mundo até então compreendido em suas estruturas
cósmicas quando ele afirma juntamente com Friedrich Gogarten que a secularização é
“a conseqüência legítima do impacto da fé bíblica na história humana”55
,e assim, o
desencantamento da natureza começa com a criação, a dessacralização da política, com
o Êxodo, e a desconsagração dos valores, com o pacto do Sinai, especialmente com a
proibição dos ídolos”.56
Isto é, a criação distingue decididamente entre Deus e a natureza: o mundo não é
Deus. Com isso acaba a concepção sacral ou mágica da natureza, vigente até então nas
sociedades primitivas e até mesmo nas grandes civilizações.
O mundo deixa de estar cheio de forças divinas imanentes para converter-se na
obra do Deus Criador transcendente. Este desencantamento da natureza é o que depois
tornará possível o desenvolvimento da ciência e a técnica que estão na base da ciência
moderna. Em segundo lugar, Deus revela-se ao seu povo ao tirá-lo do Egito, isto é,
através de um “ato de desobediência civil” contra a monarquia estabelecida. Com isso
dessacraliza-se a política: o Faraó não é Deus. De novo nos encontramos com o
53
Wilfried Jüest. Verhangnis und Hoffung der Neuzeit: Kritiche Gedanken zum Gogartens Buch,
Munique, p. 74. 54
GOGARTEN, Der Mensch zwischen Gott und Welt. Stuttgart. Munique, 1956, p.195. 55
Ibidem, p. 39. 56
Ibidem, p. 135.
41
primeiro passo de uma ordem política sagrada para um mundo como o atual em que a
chefia política depende da capacidade individual e da eleição do povo e não de uma
pretensa prerrogativa divina. Finalmente, a aliança do Sinai, ao condenar absolutamente
a Idolatria, relativiza os valores religiosos consagrados e mostra o que realmente são,
isto é, pura elaboração humana. Desde este ponto de vista, a moderna secularização, ao
levar até as últimas conseqüências a distinção entre Deus e tudo o que não é Deus, que é
a alma da fé bíblica, ajuda a realçar a afirmação central desta fé: Tu solus Sanctus! (a
morte de Deus citação bibliografia da página).
3. Uma nova antropologia e eclesiologia secular
Quando verificamos escritos como os de Harvey Cox, Paul Van Buren vemos
um grande esforço por tentar colocar ao cristianismo importantes questionamentos
humanos que poderiam fazê-lo representar um pensamento mais amplo a respeito da
vida humana e seus dramas.
A secularidade da fé cristã é apresentada como elemento imprescindível no fazer
teológico de teólogos como Harvey Cox e Paul Van Buren. “A secularidade autêntica
pede que nenhuma concepção de mundo, nenhuma tradição, nenhuma ideologia se
converta jamais na concepção oficialmente imposta fora da qual não se tolera nenhuma
outra.”57
De modo cada vez mais intenso se aperceba a presença do profano na
compreensão de mundo por parte de muitos homens. Podemos até mesmo afirmar que
o homem secular está profundamente marcado por uma profanidade e este “homem
profano é um homem que percebe a si mesmo como a fonte de qualquer significação
que possa ter impressão humana”58
. Escritores como Albert Camus expressam um
pouco da presença desta profanidade presente na vida humana tentando dar ao seu modo
uma resposta ao problema de “como viver com um fim e com uma integridade num
mundo sem Deus”59
.
57
COX, p. 92. 58
Ibidem, 95. 59
Ibidem, 93.
42
Uma atual releitura da dimensão eclesiológica dentro do plano da salvação
coloca a igreja uma responsabilidade importante no que se refere ao seu papel não
apenas de outra sociedade dentro de uma sociedade, mas procura colocar a Igreja
justamente dentro de uma missão que é justamente a presença do Reino dentro ou no
coração do mundo. A Igreja é aquela que procura levar a cabo uma verdadeira
revolução no mundo, e para J.C. Hoeckendijk, a Igreja é a “vanguarda de Deus no
mundo”.
Ora a Igreja só estará nesta vanguarda de Deus se, em continuidade com a
missão histórica de Jesus se levar a cabo neste nosso mundo esta quádrupla função.
Primeiro, a função do kerigma: a Igreja há-de proclamar a liberdade e a adultez do
homem que recebeu de Deus a responsabilidade do mundo. Depois, a função de
Diakonia: a Igreja há de conceber a sua missão como serviço ao homem no tratamento
de suas feridas e fraturas individuais e coletivas. A seguir, a função de koinonia: A
Igreja há-de ajudar a criar a comunidade entre os homens, colaborando com todos os
movimentos que se esforçam por caminhar para uma meta nova e melhor da história.
Finalmente, a função dos exorcismos: a Igreja há-de assumir a tarefa de tirar da
humanidade atual os maus “demônios” que a possuem tanto no campo do trabalho como
do sexo e da cultura.60
A nova eclesiologia que deve marcar o agir e a missão da Igreja deve se inserir
nesta cotidianidade dos desafios que se fazem presente na realidade dos dramas
humanos sejam coletivos e individuais. Assim, a Igreja torna-se cada vez mais a
presença do Reino no mundo, pois, o Reino é Jesus e Jesus é a conjunção de homem e
Deus. Nele se reúne ao mesmo tempo o que deve reunir-se na Igreja: iniciativa divina e
resposta humana.
3.1 A Degeneração da religião e a mercantilização da Fé
Enquanto o desencantamento do mundo fala da ancestral luta da religião contra a
magia, sendo uma de suas manifestações mais recorrentes e eficazes a perseguição aos
feiticeiros e bruxas levada a cabo por profetas e hierocratas, vale dizer, a repressão
60
Ibidem, p. 149.
43
político-religiosa da magia 61
a secularização, por sua vez, nos remete à luta da
modernidade cultural contra a religião, tendo como manifestação empírica no mundo
Moderno. O declínio da religião como potência in temporalibus, seu disestablishment
(vale dizer, sua separação do Estado), a depressão do seu valor cultural e sua
demissão/liberação da função de integração social.
O mercado é, para Ortiz, a outra instituição que concorre com o estado-nação
moderno. Neste caso o autor se vale dos teólogos que analisam a “religião do mercado”,
como Harvey Cox. No mercado fazem-se presentes as duas qualidades outrora já
verificadas na religião, a transcendência e a onipresença. Para o autor o mercado seria
uma “falsa religião”, porque carece de um fundamento ontológico. O mercado global
contém duas qualidades freqüentemente associadas à herança religiosa: transcendência e
onipresença.
A universalidade do mercado, ou seja, sua extensão confere-lhe a dimensão de
totalidade (e muitas vezes de totalitarismo). A transcendência é, contudo, sempre
abstrata, algo latente; para se realizar ela deve manifestar-se no mundo, afirmar sua
onipresença. A transcendência do mercado perpetua-se através do consumo, este é o ato
que a situa e a singulariza, inserindo o indivíduo no seu ser. Metaforicamente eu diria
que o consumo torna coetânea a presença na transcendência62
. O consumismo como tal
apresentado pela secularização radical desvela-se de um modo devastador banindo toda
a possibilidade de uma transcendência que não se funde no mercado ou no consumo.63
O reavivamento religioso é entendido como uma prova viva do vigor do
processo da secularização; diferentemente dos defensores da tese da dessecularização
que somente atentam para o aumento da oferta religiosa, sem considerar que essas novas
instituições religiosas precisam ser autorizadas pelo Estado e reguladas por este para seu
funcionamento, isto é, sem considerar que o Estado (supostamente) laico regula o
mercado religioso. O livro é constituído de uma série de ensaios, um dos mais
instigantes, de autoria de Theodor Adorno, intitulado “A indústria cultural – o
iluminismo como mistificação das massas”, é referência obrigatória para a compreensão
da reprodução da cultura enquanto mercadoria. Esse ensaio inicia com uma contundente
61
SZASZ, Thomas. La teología de la medicina. Barcelona: Tusquets, 1981,p. 237. 62
COX, p. 72. 63
L‟Osservatore. Romano. Sábado, 03 de novembro de 2012, número 44, p. 22.
44
afirmação sobre o caráter religioso da cultura moderna, colonizada pela indústria
cultural:
Na opinião dos sociólogos, a perda do apoio que a religião objetiva
fornecia a dissolução dos últimos resíduos pré-capitalistas, a
diferenciação técnica e social e a extrema especialização levaram a
um caos cultural. Ora, essa opinião encontra a cada dia um novo
desmentido. Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de
semelhança. O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema.
Cada setor é coerente em si mesmo e todos o são em conjunto. Até
mesmo as manifestações estéticas de tendências políticas opostas
entoam o mesmo louvor do ritmo do aço.64
Já nos anos 70 um perspícuo sociólogo como Alain Touraine declarava que: “É
perigoso falar de secularização quando as sociedades industrializadas, como todas que
as precederam são orientadas por um modelo cultural. Ora, este modelo é “prático” e
não mais metassocial, mas nem por isso é menos sacro. O progresso é um modelo
cultural mais prático de quanto o sejam Deus ou o soberano; todavia, tudo que ele toca
torna-se sacro65
”. Oliveira entende que a sacralidade do mercado distingue-se da
sacralidade das religiões porque a primeira é de caráter imanente, enquanto a segunda se
ancora na transcendência. Entretanto, esses dois registros, longe de serem
contraditórios, se complementam. Dado que o “ethos” do mercado rege a esfera pública
e a vida material, enquanto as religiões regem apenas a vida privada e funcionam mais
como sistemas simbólicos para a produção do sentido das biografias individuais, essas
duas formas de sacralidade –a sacralidade imanente e a sacralidade referente à
transcendência- não se opõem. Antes, se completam e se apoiam mutuamente. O
“ethos” do mercado só entra em contradição com as antigas religiões cuja dimensão
ética as proíbe de abandonar a esfera pública ao mercado e, caminhando na contramão
do processo de modernização e de secularização, propõem a existência de uma
sociedade não regida pelo mercado. Mas este já é outro problema para a sociologia da
religião66
.
64
ADORNO, HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p.
256. 65
TOURAINE, 1974 apud MARRAMAO, 1997, p. 74. 66
Ibidem, p.75.
45
3.2 O Corpo como sujeito central da mercantilização
Os “novos clérigos” são os profissionais da cura, seja do corpo ou da alma. Essa
fronteira se torna na atualidade (européia, burguesa) mais porosa e os antigos problemas
reputados à alma são considerados agora problema relativos ao corpo. Assim, o antigo
monopólio pela cura das almas e pela administração dos bens simbólicos de salvação
não se restringe mais aos especialistas formados nas diferentes denominações religiosas,
mas se tornaram também objeto dos profissionais da medicina, da psicologia, da
Educação Física, dentre outros.
Para Giacomo Marramao, o “teorema da secularização” estaria pautado por duas
questões-chave: a compreensão de tempo moderna e a relação do homem com o
mundo67
. Este autor entende, seguindo os passos de Karl Löwith, que a concepção de
tempo moderna, calcada na noção de progresso, Fortschritt, é a versão secularizada da
escatologia cristã. Porém, na medida em que a modernidade avança, aconteceu uma
“segunda secularização” que, diferentemente da primeira, já não mais se pauta pela
idéia de progresso enquanto processo que tem uma meta salvífica, redentora, mas pela
idéia de progresso enquanto destino, enquanto pathos moderno.
Trazemos para o debate a fala lapidar que se registra no final da “Ética
Protestante e o espírito do capitalismo”: Um dos elementos componentes do espírito
capitalista moderno, e não só deste, mas da própria cultura moderna: a conduta de vida
racional fundada na ideia de profissão como vocação, nasceu – como queria demonstrar
esta exposição – da ascese cristã.
O puritano queria ser um profissional – nós devemos sê-lo. Pois a ascese, ao se
transferir das celas dos mosteiros para a vida profissional, passou a dominar a
moralidade intramundana e assim contribuiu com sua parte para edificar esse poderoso
cosmos da ordem econômica moderna ligada aos pressupostos técnicos e econômicos da
produção pela máquina, que hoje determina com pressão avassaladora o estilo de vida
de todos os indivíduos que nascem dentro dessa engrenagem não só dos
67
Ibidem, p. 75-118.
46
economicamente ativos e talvez continue a determinar até que cesse de queimar a última
porção de combustível fóssil.68
Em outra passagem em que Weber já discute o ascetismo intramundano do
protestantismo ascético como legado cultural do homem moderno, expressa de maneira
resignada o quadro que se apresenta:
A idéia da obrigação do ser humano para com a propriedade que lhe
foi confiada, à qual se sujeita como prestimoso administrador ou
mesmo como “máquina de fazer dinheiro”, estende-se por sobre a
vida feita uma crosta de gelo. Quanto mais posses, tanto mais cresce
se a disposição ascética resistir a essa prova – o peso do sentimento
da responsabilidade não só de conservá-la na íntegra, mas ainda de
multiplicá-la para a glória de Deus através do trabalho sem
descanso69
. (Ibid., p. 155)(77)
Nas palavras de Weber:
Eis, porém algo ainda mais importante: a valorização religiosa do
trabalho profissional mundano, sem descanso, continuado,
sistemático, como o meio ascético simplesmente supremo e a uma só
comprovação a mais segura possível da regeneração de um ser
humano e da autenticidade se sua fé tinha que ser, no fim das contas,
a alavanca mais poderosa que se pode imaginar da expansão dessa
concepção de vida que aqui temos chamado de “espírito” do
capitalismo70
.
Todavia, os efeitos da “segunda secularização” são radicalmente diversos dos da
primeira: de fato, se extingue toda e qualquer resídua utopia do “homem novo” e em seu
lugar entra a idéia de uma evolução constantemente adaptativa do sistema social,
garantida pela “cooperação”.
68
WEBER, 2004, p. 164-165. 69
Ibid., p. 155. 70
WEBER, 2004, p. 156-157.
47
A secularização na política é condição necessária para a constituição do campo
religioso e a consequente pluralidade religiosa, na medida em que se desvincula a
relação simbiótica entre a Igreja Católica e o Estado. O Estado passa a ter entre suas
funções a regulação da religião, o que leva a incluir como duas das suas prerrogativas
determinarem se uma entidade poderá ou não ser considerada religiosa, e, uma vez
reconhecida como religiosa, garantir as condições de livre profissão da sua fé, bem
como garantir aos cidadãos a liberdade de escolha e prática da religião.
O grande desafio da fé cristã frente a mentalidade hedonista pseudo-religiosa
que enfraquece os valores da fé na vida cotidiana é o de justamente questionar aquilo
que se coloca como a única ou preferencial busca de finalidades possíveis pela
sociedade, ou seja, o dinheiro e o que advêm de sua presença.71
4. O Pontificado de Bento XVI e o processo de secularização
Queremos abordar dentro deste tema o estudo que o Papa Bento XVI faz desta
temática seja dentro do seu pontificado, seja dentro de seu contexto teológico inicial
como professor de várias faculdades na Alemanha, assim como o movimento de seu
pensar em seus escritos enquanto teólogo e antigo Cardeal presidente da atual
Congregação para Doutrina da Fé.
O atual pontífice no ultimo livro de entrevistas sal da terra demonstra de forma
incisiva qual é sua atual abordagem da relevância da fé e do mundo secularizado quando
com grande propriedade procura captar a situação do mundo atual no que se refere ao
secularismo:
“Encontramo-nos diante do confronto entre dois mundos espirituais,
o mundo da fé e o mundo do secularismo. A questão é: em que o
secularismo tem razão? Em que coisa, portanto, a fé deve apropriar-
se de formas e imagens da modernidade, e em que deve, ao contrário,
opor resistência? Esta grande luta atravessa hoje o mundo inteiro. Os
bispos do Terceiro milênio dizem-me: “Também entre nós existe o
secularismo; aqui, porém, mistura-se a estilos de vida ainda arcaicos.
71
L’ Osservatore. Romano. Sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 22.
48
Muitas vezes nos perguntamos como é possível que cristãos, que são
pessoalmente crentes, não encontrem a força para tornar a sua fé
politicamente operante. Devemos buscar sobretudo que as pessoas
não percam de vista Deus; que reconheçam o tesouro que possuem;e
que, além disso, elas mesmas, a partir da própria fé, no embate com o
secularismo, possam praticar o discernimento espiritual. Este
processo enorme é a verdadeira, a grande tarefa do momento
presente. Podemos apenas esperar que a força interior da fé que
existe nas pessoas adquira vigor também na opinião pública,
formando a opinião pública, e, ao agir assim, impeça a sociedade de
cair em um poço sem fundo72
É importante perceber que o esforço feito pelo teólogo Joseph Ratzinger muito
antes de ser Bento XVI ou o anterior cardeal Ratzinger sempre esteve presente em seus
escritos uma preocupação com o processo de secularização.
Queremos aqui destacar que estes dois mundos espirituais se fazem sentidos
através de diversos porta-vozes do mundo da ciência em nossos dias e que não apenas
falam a respeito da religião, mas justamente buscam conhecê-la e fazer um juízo a
respeito de sua afirmação e seus porta-vozes é o que encontramos nas afirmações de
Richard Rorty principalmente quando ele descreve seu conceito de espiritualidade:
Se por espiritualidade se entende uma aspiração pelo infinito, esta
acusação é perfeitamente justificada, mas ela não se justifica quando
se vê a espiritualidade como um sentido elevado de novas
possibilidades que se abrem para os seres finitos. A diferença entre
estes dois significados do termo espiritualidade é a diferença entre a
esperança de transcender a finitude e a esperança num mundo em que
os seres humanos tenham vidas muito mais felizes dos que as que
vivem atualmente”73
No primeiro momento o tema da secularização aparece nos escritos de Joseph
Ratzinger como um inimigo antigo que fora combatido com toda a veemência. A
tentativa que o processo de secularização realiza de tornar a fé meramente um
72 BENTO XVI. O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos. Uma conversa com Peter Seewald. São
Paulo:Paulinas, 2011, p. 70.
73 RORTY, Richard. Uma ética laica. São Paulo: editora Martins Fontes, 2010, p.22.
49
departamento privado da vida humana inquieta o cardeal Ratzinger que afirma que Deus
se encontra marginalizado no mundo moderno:
“... N a vida política, parece quase indecente falar de Deus, como se
fosse um ataque à liberdade de quem não crê. O mundo político segue
as suar normas e os seus caminhos, excluindo Deus como uma
realidade que não pertence a esta terra. O mesmo acontece no mundo
do comércio, da economia e da vida privada. Deus fica a margem. No
entanto, parece-me necessário voltar a descobrir[...] que também a
esfera política e econômica têm necessidade de uma responsabilidade
moral, de uma responsabilidade que nasce do coração do homem e
que, em última análise, tem a ver com a presença e a ausência de
Deus. Uma sociedade que Deus esteja absolutamente ausente
autodestrói-se.”74
O início do Pontificado de Bento XVI é marcado pela encíclica: Deus caritas
est. Esta é justamente uma tomada de posição do Papa frente ao ambiente secularizado
presente na Europa que não apenas se contenta em avançar em todas as esferas da
sociedade, mas procura fazer-se presente também no âmbito teológico utilizando-se de
conceitos que até então são usufruídos pela teologia, e que são utilizados através de uma
abordagem secular. Analisaremos como a Igreja propõe caminhos diante deste
fenômeno de proporções mundiais que se faz presente hoje em várias esferas do mundo
intelectual e espiritual de nosso tempo.
O Papa Bento XVI reconhece que é necessário repensar o sentido dos valores
morais que norteiam nossa própria existência e que a cada dia estão como que entrando
em colapso na sociedade:
“Esta catarse é um apelo a todos nós, a toda sociedade mas,
naturalmente, acima de tudo, à Igreja, a que voltemos a reconhecer os
valores que nos orientam, a reconhecer os perigos que nos ameaçam
não somente os sacerdotes, mas profundamente toda a sociedade. A
consciência da ameaça de toda a estrutura moral de nossa sociedade
deveria ser, para nós, um apelo a purificação. Devemos voltar a
74
PABLO, Blanco. Joseph Ratzinger uma bibliografia. Porto: Zenit, 2004, p. 155.
50
reconhecer que não podemos viver na indiferença, e que é importante
aprender uma liberdade que seja responsabilidade”75
O êxodo da catarse é uma missão importante pela qual a Igreja deve atravessar.
Reconhece o Papa que a liberdade enquanto conquista, é também uma tarefa e uma
responsabilidade que deve percorrer caminhos que conduzam o ser humano ao ser
humano naquilo que realmente torna relevante a sua dignidade. Para o Papa Bento XVI
a modernidade não é uma realidade a ser ignorada ou descartada , mas acolhida naquilo
que apresenta toda sua realidade positiva de busca de sentido por parte do ser humano:
“É importante que busquemos viver e pensar o cristianismo de maneira tal que assuma
a modernidade boa e justa e, portanto ao mesmo tempo, afaste-se e se distinga daquela
que se está transformando em uma contra-religião”.76
Dentro desta perspectiva a liberdade tão cara ao ser humano não aparece como
uma oposição a verdade, fazendo assim pender a liberdade a uma ditadura do
relativismo e nem mesmo fazer da verdade um meio de impor um autoritarismo que
também tenha seus desdobramentos clericais. A modernidade aparece aqui como
possibilidade da verdade ser buscada e proposta na liberdade. “Em uma direção
contrária, a modernidade fora apresentada e pensada como a emancipação e liberdade
do homem que caminham pari passu para o seu distanciamento de Deus e da fé.77
5.1 A Antiga Europa Cristã e os novos desafios da secularização
O grande desafio enfrentado em nossos dias por parte da fé cristã diz respeito
justamente aos fundamentos apresentados pela secularização negativa no que se refere
em pensar a moralidade a partir da subjetividade e da autonomia do sujeito
desencantando de modo contundente o aspecto religioso até se tornar abertamente anti-
religiosa a nova forma de pensar sobre os novos caminhos da humanidade.
75
BENTO XVI. O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos. Uma conversa com Peter Seewald. Ed:
Paulinas, São Paulo. 2011, p. 60. 76
Ibidem, p.78. 77
DEL NOCE, Augusto. B. La legitimazione crítica Del moderno. Genov – Milano: Marietti, 2011, p.
368.
51
O cardeal Ratzinger pode vivenciar em diferentes gerações as grandes mudanças
que se operou no mundo nos decênios anteriores a partir da ditadura nazista passando
pela segunda guerra mundial, vivenciando o Concílio Vaticano II e o 4 de maio de 1968
momento em que se operou uma grande revolução cultural em muitos países da Europa.
Ratzinger esta vivenciando este período de grande turbilhão de revoluções que se opera
no mundo moderno. Na missa Pro Eligendo Romano Pontífice Celebrada pelo Cardeal
Ratzinger e posteriormente Bento XVI visualizamos um pouco do contexto eclesial que
o então Cardeal descreve historicamente:
“Quantos ventos doutrinários conhecemos nestes últimos decênios,
quantas correntes ideológicas, quantos modos de pensamento.O
pequeno barco do pensamento de muitos cristãos foi, não raro,
agitado por essas ondas e jogado de um extremo ao outro: do
marxismo ao liberalismo, até a libertinagem; do coletivismo ao
individualismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso;
do agnosticismo ao sincretismo, e assim por diante. A cada dia nasce
novas seitas e se realiza o que diz São Paulo sobre o engano dos
homens, sobre a astúcia que tende a induzir ao erro. Ter uma fé clara,
segundo o credo da Igreja, muitas vezes é rotulado como
fundamentalismo. Enquanto o relativismo, ou seja, o deixar-se levar
“para lá e para cá por qualquer vento doutrinário”, aparece como
única atitude diante dos tempos atuais. Vai-se constituindo uma
ditadura do relativismo, que não conhece nada como definitivo e que
deixa como última medida somente o eu e suas vontades”78
Esta crise gerou um fastio grande com relação principalmente a Igreja Católica. A
partir da revolução francesa o conflito trono e altar se acirraram. Uma procura por parte
do poder civil de um desligamento de sua relação de proximidade e acordos substâncias
com a fé católica. Uma das saídas possíveis ao desafio do processo de secularização
seria a atitude da fé adulta capaz de dialogar com os novos questionamentos que são
apresentados a fé cristã.79
78
RATZINGER, Joseph. Ditadura do relativismo. Veja. São Paulo, 27 de abril, 2005. Pg.36-37. 79
L‟Osservatore Romano. Sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.11.
52
5.2 O Sínodo: Nova Evangelização e Transmissão da Fé Cristã; “A Igreja existe
essencialmente para evangelizar”.
A Igreja possui uma missão intransferível que é a de ser um sinal histórico do
Reino dos Céus na terra. Este legado abrange a valorização da vida humana e tudo
aquilo que por meio dela e de seu legado faz resplandecer sua visão de homem. A Igreja
que não tivesse a valentia de evidenciar o valor, inclusive publicamente, de sua visão
antropológica, haveria deixado de ser sal da terra e luz do mundo, cidade sobre o
monte.80
Aqui faz-se mister compreender a missão da Igreja a partir de seu envio para
ser no mundo expressão dos valores do Reino de Deus. Valores estes que são
transmitidos há séculos por meio da fé crista de modo mais situado através do
cristianismo e por meio de uma transmissão que hoje compreendemos como
evangelização ou “Nova Evangelização”.
Os Padres sinodais reunidos recentemente no XIII sínodo dos Bispos bobre a
nova evangelização e a transmissão da fé cristã afirmaram a necessidade de uma
autêntica renovação espiritual. Seja da Igreja e ao mesmo tempo do mundo. O
compromisso de fé por parte dos cristãos seria capaz de lançar os primeiros germes
desta possível renovação espiritual: “O compromisso de renovação espiritual da própria
Igreja, para poder renovar espiritualmente o mundo secularizado81
. Constatou-se que a
secularização modelou duas gerações de católicos que não conhecem as orações
fundamentais da Igreja82
e nem a sua missão no mundo. Necessário se faz em propor
como tarefa fundamental uma profunda conversão pastoral que possa aproximar e dar a
compreender melhor ao mundo qual é a tarefa e a missão da Igreja.
4.3 Papa Francisco e a resposta testemunhal à secularização.
80
RATZINGER, Joseph. Mirar a Cristo. Exercícios de fé esperança e amor. Valência: Ediap, 1990,
p.82. 81
L‟Osservatore Romano. Sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p. 12-13. 82
L‟Osservatore Romano. Sábado 13 de outubro de 2012, número 41, p.21.
53
Ao Lançarmos um olhar sobre o atual pontificado exercido na pessoa do Papa
Francisco, ou como ele mesmo gosta de ser cognominado Jorge M. Bergoglio, vemos
que o processo de secularização também ocupa um lugar de reflexão. O Papa Francisco
constata através de um olhar sinodal que o “processo de secularização tende a reduzir a
fé e a Igreja ao âmbito do privado e íntimo”83
. Para Francisco quando o homem perde
ou não leva em conta a sua dimensão espiritual a transcendência a sua visão
antropológica mergulha no vazio, desembocando em um relativismo progressivo. O
olhar do Papa Francisco não se situa somente na preocupação secular do homem
moderno de se emancipar de toda e qualquer instituição, mas o Papa percebe que ao
perder a referência, ou não considerar a dimensão transcendental presente na vida
humana a desorientação se generaliza na sociedade e a adolescência e a juventude torna-
se joguete de um relativismo moral84
incapaz de propor ao ser humana caminhos que
promovam a verdadeira pessoa em sua dignidade.
Outro aspecto que é destacado pelo Papa Francisco é justamente a atual crise
cultural profunda pela qual passa a família. O matrimonio na visão do Papa deve
superar o nível da afetividade e das necessidades ocasionais do casal e por outro lado
deve conduzir o casal a uma dimensão da dimensão matrimonial que apresente este
compromisso como uma união de vida total85
.
Outra dimensão que deve ser considerada ao referir-se ao processo de
secularização como compreende o Papa Francisco é justamente o individualismo pós-
moderno e globalizado. Este tipo de individualismo como compreende o Papa Francisco
somente debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre as pessoas e
distorce os vínculos familiares.
Ao levantarmos alguns traços do olhar do Papa Francisco sobre o processo de
secularização destacamos aqui outra realidade que é justamente os caminhos
apresentados pelo mesmo Papa para encontrar caminhos que possam mudar esta
paisagem negativa gerada pelos frutos de uma secularização que não considera o ser
humano em sua diferentes dimensão. Um dos pontos ou dos caminhos que o Papa
Francisco apresenta é uma ação pastoral que promova e incentive uma comunhão
83
PAPA FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. São Paulo, Ed: Loyola, 2013, II, §
64, p. 45. 84
Ibidem, II, § 64, p.45. 85
Ibidem, II, § 66, p. 46.
54
salutar, que promova e fortaleça os vínculos pessoais: “Enquanto no mundo,
especialmente em alguns países, reacendem-se várias formas de guerras e conflitos,
nós, cristãos, insistimos na proposta de reconhecer e ajudar o outro, de curar as
feridas, de construir pontes, de estreitar laços e de nos ajudarmos “a carregar as
cargas uns dos outros” (Gl 6,2).86
O caminho pelo qual o Papa Francisco se propõe a percorrer e indicar como
caminho comum para toda a Igreja é um caminho testemunhal. A Igreja compreendida
como estrutura de serviço humilde aos irmãos e a humanidade. É principalmente no
testemunho da pessoa de Jesus e de modelo supremo.
O desafio atual da Igreja na contemporaneidade não se situa unicamente no
confronto de idéias, ou no apresentar um conceito que seja mais sólido do que aquele
que o processo de secularização apresenta, mas a urgência que se encontra hoje no
tecido eclesial é o de buscar caminhos para que a caridade de Cristo continue sendo um
evento por meio do qual a Igreja encarnado os valores do Reino de Deus em meio aos
seus contemporâneos apresente melhor o rosto de Deus aos seus contemporâneos.
Redescobrir o aspecto acolhedor do evangelho, o olhar do bom samaritano, para
o qual pessoa alguma é invisível, será o começo para que se iniciem novas mudanças
dentro das estruturas eclesiais, superando assim á atitude burocrática, onde o aspecto
administrativo sufoca a ação pastoral, desembocando em uma sacramentalização que
não visualize outros caminhos oportunos a evangelização.
Procuramos aqui nesta primeira parte da dissertação apresentar algumas
dimensões que consideramos necessária para situarmos um pouco o sentido do Processo
de secularização. Apresentamos algumas abordagens científicas por parte de algumas
ciências humanas e trouxemos reflexões por parte da XIII Assembleia ordinária do
sínodo dos Bispos sobre a nova evangelização e a transmissão da fé cristã. Por último
demos um acento seja nas propostas colocadas pelo sínodo, contudo já adentrando com
sua síntese na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco que sintetiza
o pensamento dos padres sinodais.
A partir do próximo capítulo apresentaremos a visão de alguns pontos de
reflexão sobre o conceito de evangelização e “Nova evangelização” dentro dos novos
86
Ibidem, II, § 67, p. 46.
55
desafios atuais da Igreja. Também dentro deste segundo capítulo continuaremos a fazer
dos textos Sinodais um caminho para a compreensão da ação evangelizadora da Igreja
buscando assim acolher de modo mais universal aquilo que valioso será para a vivência
local e de toda Igreja. O testemunho e a experiência, e até mesmo as dificuldade
daqueles que evangelizam e do caminhar das diversas Igrejas locais acrescentam e
enriquecem consideravelmente a visão e a ação evangelizadora da Igreja na sua
universalidade.
O segundo capítulo colhendo os desafios postos pelo processo de secularização
apresentará caminhos de superação deste mesmo processo e alguns elementos
necessários para que se compreendam melhor as necessidades internas da Igreja de se
auto-estruturar na compreensão necessária do conceito de evangelização e Nova
evangelização, assumindo de maneira comum e caminhando na mesma direção
considerando a particularidade de cada experiência e cultura e ao mesmo tempo
utilizando da própria experiência para que numa dinâmica interna se abra a uma guinada
paradigmática dentro de um novo modo de olhar os horizontes missionários e pastorais
de toda a Igreja.
56
II CAPÍTULO
EVANGELIZAÇÃO E “NOVA EVANGELIZAÇÃO”
2. O Conceito de Evangelização e “Nova Evangelização”
A palavra “evangelium” “euangelisasthai” aparece já nos escritos de Homero
como o anúncio de uma vitória e, por conseguinte, é anuncio de bem, de alegria, de
felicidade. O segundo livro do Profeta Isaias (40, 9) como voz que anuncia a alegria de
Deus, como voz que faz compreender que Deus não se esqueceu de seu povo, que Deus,
o qual aparentemente quase se tinha retirado da história, existe, está presente.87
Neste
contexto sobressaem três palavras: dikaiosyne, eirene, soteria – justiça, paz, salvação. O
próprio Jesus retoma as palavras de Isaías, em Nazaré, falando deste “Evangelho” que
agora ele leva precisamente aos excluídos, aos encarcerados, aos sofredores e aos
pobres. Dentro do ambiente do novo testamento a palavra “evangelium” aparece
paralelamente ao uso da mesma que o Império Romano começando pelo Imperador
Augusto realizava.
A Igreja existe para evangelizar, ela é essencialmente missionária. A reflexão
sobre a dimensão missionária na Igreja com seus desdobramentos na pastoral encontra-
se em uma autêntica encruzilhada. Deparamo-nos com uma estrutura de mundo em
permanentes transformações e com o paradigma antropológico bem acentuado. O
mandato missionário do Redentor e a preocupação em ser autêntica com este mandato
leva novamente a Igreja a se concentrar em sua missão evangelizadora.
A teologia da missão encontra nos documentos do Concílio Vaticano II um
suporte teológico na missão ad gentes, que apresenta uma progressão na
corresponsabilidade missionária. A missão aparece como um acontecimento Trinitário é
o Pai que envia o Filho e o Filho por sua vez em Pentecostes envia o Espírito Santo e o
Espírito é que envia a Igreja por meio dos apóstolos e de todos aqueles que crendo e
sendo batizados são tocados pela experiência com o Ressuscitado.
87
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Meditação do Papa Bento XVI durante
a oração da Hora Tércia na inauguração dos trabalhos do Sínodo dos Bispos. A Nova Evangelização para
a Transmissão da Fé Cristã. São Paulo: CNBB. 2013, P.15.
57
A evangelização obedece ao mandato missionário de Jesus: “Ide, pois, fazei
discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado” (Mt 28, 19-20). Nestes
versículos, aparece o momento em que o Ressuscitado envia os seus discípulos a pregar
o Evangelho em todos os lugares e tempos e, para que a fé n‟Ele se estenda a todos os
cantos da terra.88
A Igreja reconhece que: “não pode haver verdadeira evangelização
sem o anúncio explícito de Jesus como Senhor e sem existir uma «primazia do anúncio
de Jesus Cristo em qualquer trabalho de evangelização».89
Hoje os agentes de evangelização enviados pelo espírito são os cristãos que
sendo por sua vez evangelizados tornam-se evangelizadores. A evangelização não é
uma propaganda ou uma estratégia de marketing, mas antes de tudo é a “arte de
viver”.90
Crer em Cristo e em seu evangelho não é apenas partirmos em busca de
realizar algo por nós mesmos, mas de acolhermos a graça que se apresenta como
caminho de vida e salvação. Os profetas anunciaram e transmitiram a Palavra de Deus
impelido pelo Senhor a situações concretas do peregrinar do povo de Israel. Grandes
personalidades e mestres conferiram saberes aos seus discípulos que eram verdadeiras
instruções para o seu agir e ser. Ser evangelizado é acolher o Reino na sua proximidade.
O Reino que se faz presente “em” e “entre nós”. O Reinado de Jesus transforma a vida
em um servir. Este servir os outros com o anúncio explícito da pessoa de Cristo e uma
vida que se coadune com a mesma mensagem e fé.
Os anunciadores e missionários da nova evangelização deverão superar
distâncias ideológicas de igual modo imensas, muitas vezes ainda antes de sair fora do
bairro ou da própria família.91
O sínodo por sua vez constatou que três fases devem estar presentes no novo
empenho da ação evangelizadora da Igreja:
88 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, I, § 19, p. 19. 89 Ibidem, III, § 110, p. 69. 90 http://www.vatican.va/roman curia / congregations/cfaith/documents/rc con cfaith doc 20001210 jubillcatechists-ratzinger po. Html. 22-06-2014/ 9:00hs. 91 L’ Osservatore Romano. Relatório do Cardeal William Wuerl, relator-geral, antes do debate geral, por ocasião da primeira congregação geral do sínodo dos bispos, sábado 13 de outubro de 2012, número 41, p. 21.
58
1. A primeira fase: corresponde à renovação ou o aprofundamento da nossa fé a
nível intelectual e afetivo. Abraçando com alegria a mensagem evangélica e
podo-a em prática na própria vida92
;
2. A segunda fase: refere-se a uma nova confiança na verdade da nossa fé e na
própria mensagem que vamos anunciar. Aqui temos como referência o próprio
Jesus que ensinava com autoridade (Mc 1, 21-22). Ensinou do fundo de sua
identidade. Jesus tem autoridade por saber que Ele é: “Eu sou o caminho, a
verdade e a vida”93
;
3. A terceira fase: deve ser à vontade e o desejo de partilhar a própria fé. O
testemunho pessoal se fará fundamental e se constituirá em si uma proclamação
da Palavra de Deus.94
A Igreja reconhece que guiar os homens e mulheres do nosso tempo a
Jesus, ao encontro com Ele, é uma urgência em todas as regiões do mundo, de
antiga e de recente evangelização:95
1.2 A Nova Evangelização: “nova no seu fervor, nos seus métodos, nas suas
expressões”
A Igreja reconhece que guiar os homens e mulheres do nosso tempo a
Jesus, ao encontro com Ele, é uma urgência em todas as regiões do mundo, de
antiga e de recente evangelização:96
As transformações sociais às quais assistimos nos últimos decênios
têm causas complexas, que afundam as suas raízes no tempo
longínquo e modificaram profundamente a percepção do nosso
mundo. Considerem-se os gigantescos progressos da ciência e da
técnica, o ampliar-se das possibilidades de vida e dos espaços de
liberdade individual, as profundas mudanças em âmbito econômico, o
92
SÍNODO DOS BISPOS. Instrumentum Laboris.A nova evangelização para a transmissão da fé.
Brasília: CNBB, 2012, § 24, 37, 40, 118,-119, 147-158. 93
Ibidem, 31,41,46,49,120. 94
Instrumentum Laboris, 33-34, 81. 95
L‟ Osservatore Romano. Sábado 3 de novembro de 2012, número 44, P. 6. 96
L‟ Osservatore Romano. Sábado 3 de novembro de 2012, número 44, P. 6.
59
processo de mistura de etnias e culturas causadas por maciços
fenômenos migratórios, a crescente interdependência entre os povos.
Tudo isto causou consequências também na dimensão religiosa da
vida do homem. E se por um lado a humanidade conheceu inegáveis
benefícios por estas transformações e a Igreja recebeu ulteriores
estímulos para dizer a razão da sua esperança (1 Pd 3, 15), por outro
se verificou uma preocupante perda do sentido do sagrado, chegando
até a pôr em questão aqueles fundamentos que pareciam indiscutíveis,
como a fé num Deus criador e providente, a revelação de Jesus Cristo
único salvador, e a comum compreensão das experiências
fundamentais do homem como nascer, morrer, viver numa família, a
referência a uma lei moral natural.97
Outra referência que amplia o conceito de evangelização é aquele apresentado
pelo Papa João Paulo II, quando propôs a toda Igreja uma nova evangelização, “nova no
seu ardor, nos seus métodos e nas suas expressões”.98
Este deve ser o primeiro e mais
necessário serviço que a Igreja deve oferecer a toda a humanidade. Aqui se faz ressoar
também as Palavras do Papa Paulo VI, em Evangelii Nuntiandi:
a) Uma evangelização nova em seu fervor (ardor):” Uma
evangelização inspirada no fervor que se pode sempre observar
sempre na vida dos grandes pregadores e evangelizadores, que se
consagraram ao apostolado”.[...]”Esta falta de fervor manifesta-se
no cansaço e na desilusão, no acomodamento e no desinteresse e,
sobretudo, na falta de alegria e esperança em numerosos
evangelizadores”(EN 80).
b) Uma evangelização nova em seus meios (método):”Este problema
de como evangelizar apresenta-se sempre atual, porque a maneira de
o fazer variam em conformidade com as diversas circunstâncias de
tempo de lugar e de cultura...”[...]” incumbe o cuidado de remodelar
com ousadia e com prudência e numa fidelidade total ao seu
conteúdo, os processos, tornando-os o mais possível adaptados e
eficazes para comunicar a mensagem evangélica aos homens de nosso
tempo”(EN 40).
C) Uma evangelização nova na maneira de expressar os conteúdos
(expressões); “ Na mensagem que a Igreja anuncia, há. certamente
muitos elementos secundários. A sua apresentação depende, em larga
escala das circunstâncias mutáveis. Também eles mudam”(EN 25).
[...] É por isso que a evangelização comporta uma mensagem
explícita, adaptada as diversas situações e continuamente
atualizada...”(EN 29).99
97
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/apost_letters/documents/hf_benxvi_apl_20100921_ubi
cumque-et-semper _po.html 29. 06. 2014./ 16:00hs. 98
JOÃO PAULO II. Discurso á XIX Assembleia do CELAM, Porto Príncipe, Haiti, 9 de março de 1983,
3; AAS 75 I, 1983, 778. 99
BRIGHENTI, Agenor. Por uma evangelização realmente nova, Perspectiva Teológica, Belo
Horizonte, Ano 45, Numero 125, p. 83-106, Jan/ Abril, 2013.
60
A nova evangelização seguindo na esteira da proposta de atualização do
Concílio Vaticano II quer fazer novamente resplandecer a beleza da fé no hoje do nosso
tempo100
, sem sacrificar às exigências do presente nem a manter ligada ao passado: na
fé ressoa o eterno presente de Deus, que transcende o tempo e, contudo pode ser
acolhido por nós unicamente no nosso hoje irrepetível.101
Outro elemento que é importante compreender no que se refere ao conceito de
evangelização e nova evangelização abordado pelo sínodo é justamente de compreendê-
lo como um acontecimento testemunhal dos discípulos de Jesus frente aos novos
desafios que se apresentam através da realidade, e não um “sonhar com a volta de uma
cristandade, o que seria um engano, uma ilusão, pois se baseia na sacralização de uma
forma histórica da presença da Igreja Católica no mundo”. 102
1.2.1 Fundamentos Teológico-Pastorais da nova evangelização
Uma das particularidades importantes neste Sínodo fora justamente o
complemento apresentado pelo Papa Bento XVI: “para Transmissão da fé cristã” o que
100
“Novo fervor/ardor se refere ao mensageiro, que também é mensagem. Na evangelização não é
possível desvincular a mensagem do mensageiro, sobretudo, como dirá a Evangelii Nuntiandi, porque o
testemunho constitui” o momento primeiro de um processo de evangelização” (EN 21). Antes do anúncio
explícito do querigma, impõe-se à necessidade de uma prévia evangelização implícita, alicerçada num
falar de Deus sem falar, a exemplo de seu próprio modo silencioso de comunicar-se. Neste particular, Os
grandes pregadores e evangelizadores tem muito a nos inspirar, entre os quais, nossos mártires brilham
como modelo de zelo pela defesa e promoção da “vida em abundância”(Jo 10, 10), que Jesus veio trazer.
Para uma nova evangelização, um mensageiro novo, sintonizado com seu tempo e contexto é, sobretudo,
expressão da mensagem sempre nova do evangelho.
Novos meios/métodos aludem ao fato de que a evangelização, além do mensageiro, o método é também
mensagem. E como as meditações o mensageiro tira da cultura, sempre viva e dinâmica, inevitavelmente,
os métodos caducam e passam. Métodos e mediações que num determinado tempo e espaço mostram-se
inadequados, em outras circunstâncias, podem se revelar totalmente defasados. O mensageiro precisa
zelar para que os métodos que ele utiliza para evangelizar estejam sempre em congruência com o
conteúdo da mensagem veiculada. Não basta que o fim seja evangélico; também os meios precisam ser
evangélicos. Na evangelização, os meios são sempre o fim na gradualidade do processo. É preciso ficar
atento a meios que não são bom caminho, pois desviam do fim ao qual a mensagem se acena.
Novas expressões ou nova maneira de expressar o conteúdo dizem respeito à roupagem através da qual se
veicula o evangelho. E a roupagem é também mensagem. Além do mensageiro e do método, a instituição
é também mensagem, assim como estruturas, organização, configurações históricas, são também
mensagem dado que afetam o caráter de uma Igreja sacramento do Reino de Deus. Sacramento, além de
Instrumento, é também sinal que precisa mostrar ou visibilizar a mensagem na forma como se busca
explicita-la e atualiza-la nas novas circunstâncias.”(BRIGHENTI, Agenor. Por uma evangelização
realmente nova, perspectiva Teológica, Belo Horizonte, Ano 45, Numero 125, p. 83-106, Jan/ Abril, 2013
p, 89. 101
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/2012/documents/hf_bentoxvi_hom_2012101
1_anno-fede_po.html. 28.06.2013/ 14:00hs 102
L‟ Osservatore Romano. D. Pascal Wintzer, Arcebispo de Poitiers (França), 27 de outubro de 2012,
número 43, p. 7.
61
dá justamente a conotação de uma unidade entre a “nova evangelização” e a transmissão
da fé cristã que costuma a ser transmitida pela vivíssima Tradição da Igreja. Sem este
componente essencial a nova evangelização poderia consistir numa experiência que, por
conseguinte poderia se tornar mais uma experiência intimista e subjetivista do que algo
que direcionasse a um engajamento e a um ser no corpo de Cristo que é a Igreja
comunidade dos que creem. Conceito como a encarnação, a ressurreição, a redenção, os
sacramentos e a graça são temas fundamentais para compreensão da própria fé vivida
pela igreja.103
É de fundamental importância que o evangelizador esteja aberto a abordar
outras temáticas importantes sendo ele um grande responsável por socializar e clarificar
melhor pela vivencia do evangelho o que crê.
Aqui é importante compreender a nova evangelização dentro de sua profunda
relação com a pastoral. O termo “pastoral” deriva de pastor. No início de seu uso (finais
do século XVIII e princípios do século XIX) referia-se basicamente à doutrina e prática
de formar pastores (presbíteros), e ao modo de realizar o ofício da cura animorum
(cuidado das almas) próprio do pároco.104
Contudo dentro da eclesiologia do Vaticano
II, compreendemos a pastoral dentro de uma perspectiva de ministérios onde cada
membro do corpo de Cristo, dentro de seu carisma e vocação específica colabora para
uma auto-edificação da própria comunidade eclesial a partir do paradigma testemunhal
do próprio Jesus.105
Faz-se necessário a compreensão neste contexto da importante
relação entre evangelização e pastoral:
“Entendendo-se por evangelização o anúncio da Boa-Nova do Reino
e do amor do Pai, manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado,
para a salvação, podemos dizer que a pastoral e evangelização não se
identificam, mas são interdependentes e complementares; a
evangelização é a tarefa que deve ser realizada (o que), e a pastoral é
o modo necessário de concretizar tal tarefa (o como); a evangelização
é uma e única, a pastoral é diversa e com métodos variados. O
ministério pastoral é instrumento e canal, o Evangelho, a fonte. Daí
que o mais importante não seja realizar ações, mas evangelizar por
meio delas. Conclusão: se o ministério não fizer presente Jesus Cristo
103
L‟ Osservatore Romano. Relátorio do Cardeal William Wuerl, relator-geral, antes do debate geral,
por ocasiaão da primeira congregação geral do sínodo dos bispos, sábado 13 de outubro de 2012, número
41, p. 21. 104
FLORISTÁN, C. Teología práctica, teoria y práxis de La acción pastoral. Salamanca: sígueme,
1993. P. 108. 105
VALADEZ FUENTES, S. Espiritualidade Pastoral: Como superar uma pastoral “sem alma”? São
Paulo: Paulinas, 2008.
62
e sua práxis, não é evangelizador e não merece o qualificativo de
„pastoral‟.”106
Uma das atuais e oportunas definições sobre a pastoral encontra-se no discurso
do Papa Francisco no encontro que teve com o episcopado brasileiro por ocasião da
Jornada da Juventude em 27 de Julho de 2013:
“Pastoral nada mais é que o exercício da maternidade da Igreja. Ela
gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta, conduz pela mão. Por
isso, faz falta uma Igreja capaz de descobrir as entranhas maternas
da misericórdia. Sem misericórdia poucas chances temos hoje de
inserir-nos em um mundo de “feridos”, que têm necessidade de
compreensão, de perdão, de amor. ”107
1.2.2 Fundamento Antropológicos da Nova evangelização
A nova evangelização deve indicar a própria origem da nossa dignidade humana,
o conhecimento de si e a realização de si dentro de um horizonte antropológico mais
amplo. Evangelizar será o esforço de colocar o ser humano frente ao projeto de Deus
para sua própria vida. Abeirando-se dos direitos fundamentais a respeito da vida
humana da família e de tudo aquilo que pode promover integralmente a dignidade
humana:
“A nova evangelização deve basear-se sobre a compreensão teológica
que é Cristo que revela o homem ao homem a si mesmo, que a
verdadeira identidade do homem está em Cristo, o novo Adão. Este
aspecto da Nova evangelização tem um significado muito prático para
o indivíduo. Se é Cristo quem nos revela quem é Deus e, por
conseguinte, quem somos e como nos relacionamos com Deus, então
Deus não está distante ou incrivelmente distante.”108
106
Ibidem, p. 21. 107
PAPA FRANCISCO. Pronunciamentos do Papa Francisco no Brasil. São Paulo: Loyola, 2013, p.
54. 108
SÍNODO DOS BISPOS. Instrumentum Laboris.A nova evangelização para a transmissão da fé.
Brasília: CNBB, 2012, §19. P.30.
63
O fundamento antropológico da nova evangelização deve ser o desejo natural,
que todos sentimos, de comunhão com o transcendente- com Deus. Outro elemento é
que a compreensão antropológica sobre a abertura do homem a Deus o coloca diante do
drama do enfrentamento do mal e do pecado na própria vida. Frente a este drama o ser
humano tem o auxílio do próprio Cristo para empreender um peregrinar a uma vida
nova buscando superar e transcender o que lhe apequena sua dignidade. Esta é a tarefa
da nova evangelização, ajudar o ser humano a reconhecer que através da luz da fé que
tem sua visibilidade na encarnação e na humanidade do Filho de Deus, Ele também ser
humano torna o homem mais plenamente homem.
1.2.3 Fundamentos Cristológicos da Nova Evangelização
A nova Evangelização é a re-proposta da pessoa de Jesus Cristo. A apresentação
da pessoa de Jesus e sua relação com o Pai, a sua atividade e missão na humanidade e a
realidade de sua paixão, morte e ressurreição. O Cristo apresentado deve ser o Cristo da
revelação, da auto-comunicação de Deus. Jesus veio revelar a verdade sobre Deus e
sobre nós mesmos.109
O sínodo dos bispos ao tomar novamente os fundamentos cristológicos de todo o
ser e missão da Igreja está bem consciente que a fé cristã não diz respeito somente a
comunicação de saberes culturais cristãos que plasmaram por muitos séculos os
continentes beneficiados pela mensagem evangélica, mas o que a Igreja realmente
pretende é reconhecer e trazer a memória de cada um de seus membros que: “Ao início
do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um
acontecimento, com uma pessoa que dá a vida um novo horizonte e, desta forma, o
rumo decisivo.”110
Ao colocarmos a experiência com Cristo como evento testemunhal do envio
missionário ressaltamos aqui a importância de que os que se lançam na missão
evangelizadora assumam também o estilo evangelizador de Jesus Cristo, que é o
109
Ibidem, p. 18-21. 110
BENTO XVI. Deus caritas est . Carta Encíclica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2005, § 1, p.7.
64
primeiro e o maior evangelizador.111
Esta atitude renovada deve se fazer presente em
qualquer atividade que se realiza.112
1.2.4 Fundamentos Eclesiológicos da nova evangelização
A missão da nova evangelização deve também apresentar uma explícita
compreensão teológica sobre o lugar da Igreja para a salvação. De fato é um desafio
delicado, pois a cultura moderna é permeada por um sentimento de que a salvação é um
acontecimento unicamente do encontro com a pessoa de Jesus Cristo. Aqui é necessário
apresentar a Igreja na sua dimensão diaconal. A dimensão diaconal da Igreja não é
aquela que se coloca como a detentora de todos os meios sem o qual ninguém poderá
chegar à salvação, mas como aquela que deseja, reza e auxilia a cada crente para que
este vivencie a salvação e sinta-se como pertencente a este corpo eclesial, mesmo que
esta pertença por vezes não seja plena ou ainda não testifique uma plena unidade cristã
em diferentes aspectos, costumes e disciplinas internas seja das igrejas mais históricas,
ou seja, das nova comunidades eclesiais.113
. Os novos evangelizadores se esforçarão por
apresentar a Igreja como corpo de Cristo:
“Agora Vós sois o Corpo de Cristo e, cada um segundo a própria
parte, seus membros (I Cor 12,13). A base de nossos esforços na nova
evangelização deve ser o reconhecimento de que no batismo Cristo
deu a cada um de nós dons do Espírito Santo. É o Espírito, a alma da
Igreja, que nos liga numa unidade que supera qualquer tipo de
divisão (I Cor 12, 13). A nova evangelização deve falar da vontade
salvífica de Deus e ao mesmo tempo reconhecer que Jesus ofereceu
um percurso claro e único para a redenção e salvação. A Igreja não é
um entre os muitos modos para se alcançar a Deus, considerados
todos igualmente válidos. Enquanto Deus quer que sejamos todos
salvos, é precisamente por sua vontade salvífica universal que Deus
111
PAULOVI. Evangelii Nuntiandi . Exortação Apostólica. (8 de dezembro de 1075), 7: AAS 68 (1976),
9. 112
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola,
2013,§18, p. 17. 113
SÍNODO DOS BISPOS. Instrumentum Laboris.A nova evangelização para a transmissão da fé.
Brasília: CNBB, 2012, § 35-36.p. 44-45.
65
enviou Cristo para nos fazer filhos adotivos e leva-nos á eventual
glória eterna”.114
A nova evangelização é inseparável de uma renovação da comunhão eclesial na
relação entre dimensão carismática e hierarquia.115
1.2.5 Fundamentos soteriológicos da Nova evangelização
Uma justa compreensão da presença de Deus conosco é a consciência do que
entendemos como seu Reino. O novo testamento todo fala sobre o Reino de Deus. Já
desde o início da pregação evangélica Jesus diz que “reino de Deus está próximo” (Mt
4, 17). O coração do evangelho é o Reino de Deus. Se quisermos reivindicar o fato de
que somos seguidores de Jesus é essencialmente necessário que olhemos para o Reino
que Ele proclamou. Na terra o reino está misteriosamente escondido, mas pode ser
conhecido em toda parte de modo espiritual, contudo, o Reino que veio na pessoa de
Cristo, cresce no coração de quantos a ele são incorporados.116
O grande empreendimento da evangelização em nossos dias consistira em uma
organização aberta que deverá contar com alguns pontos fundamentais tais como a
necessidade de reafirmar a natureza essencial da evangelização em toda igreja. Outro
aspecto será a solidez dos fundamentos teológicos a serem colocados como balizas para
a nova evangelização.
O encorajamento de numerosas e atuais manifestações e iniciativas pastorais,
evangelizadoras, espirituais que fomentem um novo impulso evangelizador demonstra-
se de fundamental importância. Também será de grande importância sugerir meios
114
L‟ Osservatore Romano. Relátorio do Cardeal William Wuerl, relator-geral, antes do debate geral,
por ocasião da primeira congregação geral do sínodo dos bispos, sábado 13 de outubro de 2012, número
41, p. 21. 115
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Marc Quellet, P.S.S, Prefeito da Congregação para os Bispos
(Cidade do Vaticano), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p.19. 116
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Petrópolis: Vozes, 1993, I, § 865, p. 212.
66
concretos de se introduzir em toda Igreja iniciativas que permeiem tanto paróquias, e
movimentos num atualizado compromisso missionário.117
Destacamos aqui a importante da contribuição dada pela exortação Apostólica
Evangelii Gaudium que bem apresenta e sintetiza as dimensões particulares e universais
em que a nova Evangelização e a transmissão da fé cristã se preocupa em abordar:
“À escuta do Espírito, que nos ajuda a reconhecer comunitariamente
os sinais dos tempos, celebrou-se de 7 a 28 de Outubro de 2012 a XIII
Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, sobre o tema A
nova evangelização para a transmissão da fé cristã. Lá foi recordado
que a nova evangelização interpela a todos, realizando-se
fundamentalmente em três âmbitos. Em primeiro lugar, mencionamos
o âmbito da pastoral ordinária, animada pelo fogo do Espírito a fim
de incendiar os corações dos fiéis que frequentam regularmente a
comunidade, reunindo-se no dia do Senhor, para se alimentarem da
sua Palavra e do Pão de vida eterna. Devem ser incluídos também
neste âmbito os fiéis que conservam uma fé católica intensa e sincera,
exprimindo-a de diversos modos, embora não participem
frequentemente no culto. Esta pastoral está orientada para o
crescimento dos crentes, a fim de corresponderem cada vez melhor e
com toda a sua vida ao amor de Deus. Em segundo lugar, lembramos
o âmbito das pessoas batizadas que, porém, não vivem as exigências
do Batismo, não sentem uma pertença cordial à Igreja e já não
experimentam a consolação da fé. Mãe sempre solícita, a Igreja
esforça-se para que elas vivam uma conversão que lhes restitua a
alegria da fé e o desejo de se comprometerem com o Evangelho. Por
fim, frisamos que a evangelização está essencialmente relacionada
com a proclamação do Evangelho àqueles que não conhecem Jesus
Cristo ou que sempre O recusaram. Muitos deles buscam
secretamente a Deus, movidos pela nostalgia do seu rosto, mesmo em
países de antiga tradição cristã. Todos têm o direito de receber o
Evangelho. Os cristãos têm o dever de anunciá-lo, sem excluir
ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como
quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece
um banquete apetecível. A Igreja não cresce por proselitismo, mas
por atração.118
”
2. A Conversão: princípio fundamental para uma nova evangelização.
117
L‟ Osservatore Romano. Relátorio do Cardeal William Wuerl, relator-geral, antes do debate geral,
por ocasiaão da primeira congregação geral do sínodo dos bispos, sábado 13 de outubro de 2012, número
41, p. 21. 118
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, §
14, p. 14.
67
“Arrependei-vos, porque o Reino dos céus está próximo.”(Mt 3, 2)119
. A
mensagem da conversão é a mensagem que acessa a nova vida. O estilo de vida dos
discípulos de Jesus manifestam o projeto de Deus e dilata a presença de seu Reino em
meio ao mundo. A conversão é a abertura e um redimensionar integral do ser humano e
de sua potencialidade em direção ao mistério de Deus auto-comunicado através do
mistério do Verbo encarnado. O acontecimento da conversão não é apenas um
movimento ad extra que acontece para fora dos portões ou dos muros da própria Igreja:
“A conversão (metanoia), no seu significado propriamente cristão, é
uma mudança de mentalidade e de ação, como expressão da vida
nova em Cristo proclamada pela fé: trata-se de uma contínua reforma
do pensamento e de obras para uma mais intensa identificação com
Cristo(Gl 2, 20), que são chamados primeiro os batizados. Tal é, em
primeiro lugar, o significado do convite formulado por Cristo:
„convertei-vos e crede na Boa Nova‟(Mc 1, 15; Mt 4, 17).”120
Sabemos que a conversão pastoral, condição para uma autêntica evangelização
deve também passar pela conversão dos pastores para que eles sejam os primeiros a se
abrirem a uma nova primavera do Espírito Santo sobre a Igreja:
“Fechamo-nos em nós mesmos, mostramos uma auto-suficiência que
impede que nos aproximemos como uma comunidade viva e fecunda
que gera vocações, a tal ponto burocratizamos a vida de fé e
sacramental. Numa palavra, já não sabemos que ser batizados é
sermos evangelizadores. Incapazes de ser propositivos do evangelho,
tíbios na certeza da verdade que salva, e cautos no falar porque
estamos oprimidos pelo controle da linguagem, perdemos
credibilidade e arriscamos tornar vão o Pentecostes. Neste momento
não nos serve as saudades dos tempos passados nem a utopia para
perseguir os sonhos; ao contrário serve uma análise lúcida que não
esconde as dificuldades e nem sequer o entusiasmo de todas as
experiências que permitiram nestes anos realizar a nova
evangelização.121
120
CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ. Nota Doutrinal sobre alguns Aspectos da
Evangelização. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 17. 121
L‟ Osservatore Romano. D. Rino Fisichella. Durante a terceira congregação geral, intervenção dos
Padres sinodais, sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p.12.
68
A finalidade da evangelização é metanoia e a opção pela palavra de Deus,
através de uma mudança radical no modo de refletir, viver e estar no mundo.122
É
justamente esta Palavra, este falar de Deus aos homens que produzirá um modo de ser,
pensar e agir.123
A conversão é em si uma antecipação da vida nova sob as condições
deste mundo nas possibilidades do evangelho e que o Espírito de Deus põe a vigorar:
Conversão é vida na antecipação do Reino de Deus com base na proveniência desse
reino.124
Mesmo que o Reino de Cristo não tenha chegado na terra a plenitude ele faz-se
sinalizar através da presença da igreja. A Igreja é o meio pelo qual Cristo reina e dilata o
seu Reino em meio aos homens. Contudo, este Reino, encontra fecundidade quando
pessoas que assumiram viver uma conversão autêntica explicitam a vida nova em
Cristo.125
2.1 A Vida Eterna principiada nas bem-aventuranças
Um dos aspectos fundamentais do cristianismo é que ele abre o ser humano para
dimensões de eternidade. No início da pregação de Jesus está presente a pregação sobre
o Reino de Deus que se faz presente no “já” e no “ainda não” da Igreja peregrinante. Ao
caminhar na companhia de seu Senhor a Igreja reconhece-se como a discípula bem
aventurada que vive a beatitude de Deus já na cotidianidade das relações humanas. Este
entrar na vida já é um acontecimento existencial-ontológico de quem se abriu para a
vida que é comunicada pelo Senhor Jesus Cristo: “Eu vim para que tenham vida e a
tenham em abundância”(Jo 10,10), realiza-se só quando as pessoas entram na vida
eterna. É a ação da Igreja que indica o caminho rumo a vida em abundância.126
As motivações do alto é o que deve mover as iniciativas que tomamos no
cotidiano da nossa história. Afirma a Constituição Dogmática Lumen Gentium que: “...
122
L‟ Osservatore Romano. D. Mauro Semren, O.F.M. Auxiliar de Banja Luka (Bósnia e Herzegovina)
sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 18 123
123
L‟ Osservatore Romano. Relátorio do Cardeal William Wuerl, relator-geral, antes do debate geral,
por ocasião da primeira congregação geral do sínodo dos bispos, sábado 13 de outubro de 2012, número
41, p. 21. 124
MOLTMANN, JÜRGEN. O Caminho de Jesus Cristo. Cristologia em dimensões messiânicas,
Petrópolis: Ed; Vozes, 1993, p, 147. 125
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Evangelização e missão profética da
Igreja: Novos desafios, (n 80), São Paulo: Paulinas, 2006, p. 29. 126
L‟ Osservatore Romano. Sua Beatitude Baselios Cleemis Thottunkal, chefe no sínodo da Igreja Sírio
Malancar (índia).
69
enquanto consideramos a vida daqueles que seguiram fielmente a Cristo, somos
incitados a buscar por novas motivações a Cidade futura (cf. Heb 13, 14 e 11, 10)”.127
O crer é o acolhimento da vida que produz vida abundante no coração do
discípulo. A partir do batismo a vida eterna se faz presente na vida dos discípulos
levando a pessoa a um enraizamento no relacionamento com Cristo.
A bem-aventurada vida que propõe o evangelho é a amizade com a pessoa de
Jesus Cristo que se consolidando, se desdobra na missão como auto realização. A bem-
aventurança são os sinais daqueles que pelo amor ao Reino de Deus dão o melhor de si
e a si mesmo pela causa do evangelho. Não é trocar uma ideologia ateia por uma
ideologia religiosa, mas é a manifestação da presença do ressuscitado em meio aos
homens.128
Esta manifestação do ressuscitado nos aproxima daquele que conhece as
dores que atinge a alma e o corpo do ser humano. Ao tornar-se humano o Senhor Jesus
assumiu como suas chagas as chagas da humanidade, deste modo evangelizar para a
Igreja é se aproximar também das chagas de seu Senhor:
“Às vezes sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo uma
prudente distância das chagas do Senhor. Mas Jesus quer que
toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos
outros. Espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais
ou comunitários que permitem manter-nos à distância do nó do drama
humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente entrar em contacto
com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura.
Quando o fazemos, a vida complica-se sempre maravilhosamente e
vivemos a intensa experiência de ser povo, a experiência de pertencer
a um povo.”129
A nova evangelização deve ser um apelo a uma nova caridade: “Só seremos
portadores credíveis da alegria do evangelho se a proclamação for acompanhada da
127
CONCÍLIO VATICANO II. Constituições, decretos e declarações. Constituição Dogmática Lumen
Gentium, 135. Vozes, 1968. 128
L‟ Osservatore Romano. D. Luigi Negri, Bispo de San Marino-Montefeltro (Itália), sábado 3 de
novembro de 2012, número 44, p. 21. 129
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, V,
§ 270, p. 151.
70
mensagem inseparável da caridade. A caridade de Jesus é o dom de si. A caridade da
nova evangelização deve ser o dom de Jesus.”130
O homem é um ser pluridimensional. A boa nova da salvação deve assumir
todas as dimensões do humano para lhe fazer experimentar na vida terrena o bem-estar
como sacramento da beatitude futura.131
A evangelização deve partir das coisas práticas
e fundamentais da nossa existência: “Quando nós cristãos anunciamos este Deus
pessoal, que nos ama, que nos salvou, que nos convida a uma vida feliz e eterna em
comunhão com ele, não estamos a formular conclusões que derivam automaticamente
dos nossos conhecimentos sobre a natureza”.132
É dentro deste horizonte mais amplo e que abarca a missão dentro de sua
dimensão integral que os padres do sínodo buscaram apresentar respostas que fossem ao
mesmo tempo teológicas e pastorais, não deixando de tomar a existência concreta da
vida de cada ser humano e sua presença no mundo:
“Já não se pode afirmar que a religião deve limitar-se ao âmbito
privado e serve apenas para preparar as almas para o céu. Sabemos
que Deus deseja a felicidade dos seus filhos também nesta terra,
embora estejam chamados à plenitude eterna, porque Ele criou todas
as coisas para nosso usufruto (1Tm 6, 17), para que todos possam
usufruir delas. Por isso, a conversão cristã exige rever especialmente
tudo o que diz respeito à ordem social e sua consecução do bem
comum”133
A beatitude proposta pelo evangelho que procura sinalizar o Reino na busca de
uma “Magna” felicidade se desdobra como contributo a ética e a vida frente ao
próximo: “a ética leva a Deus que espera uma resposta comprometida que está fora
das categoria do mercado”.134
A proposta da vida beatifica não é somente uma utopia
em direção a qual caminhamos,mas já é o desdobramento do eterno no temporal, é o
130
L‟ Osservatore Romano. Dom Sócrates B. Villegas, Arcebispo de Lingayen-Dagupan (Filipinas),
sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p.15. 131
L‟ Osservatore Romano. D. Der Raphael Dabiré Kusiéle, Bispo de Diébougou ( Burquina Faso ),
sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 18. 132
L‟ Osservatore Roamano. Cardeal Peter Erdó, Arcebispo de Esztergom-Budapeste, Presidente da
Conferência Episcopal (Hungria), Presidente das conferências Episcopais da Europa (C.C.E.E.), sábado
17 de novembro de 2012, número 46, p. 18. 133
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013,§
182, p. 109. 134
CONCÍLIO VATICANO II. Lumen Gentium. Constituição Dogmática. Petrópolis: Vozes, 1968, §
57, p.41.
71
fundamento de uma “vida mais feliz” que nos coloca a caminho. Uma fé autêntica é
uma fé que se envolve com as grandes questões do mundo, porque envolve a vida de
seus contemporâneos:
“Uma fé autêntica que nunca é cômoda nem individualista comporta
sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores,
deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela.
Amamos este magnífico planeta, onde Deus nos colocou, e amamos a
humanidade que o habita, com todos os seus dramas e cansaços, com
os seus anseios e esperanças, com os seus valores e fragilidades. A
terra é a nossa casa comum, e todos somos irmãos. Embora a justa
ordem da sociedade e do Estado seja dever central da política, a
Igreja não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Todos
os cristãos, incluindo os Pastores, são chamados a preocupar-se com
a construção dum mundo melhor. É disto mesmo que se trata, pois o
pensamento social da Igreja é primariamente positivo e construtivo,
orienta uma ação transformadora e, neste sentido, não deixa de ser
um sinal de esperança que brota do coração amoroso de Jesus Cristo.
Ao mesmo tempo, une o próprio empenho ao esforço em campo social
das demais Igrejas e Comunidades eclesiais, tanto na reflexão
doutrinal como na prática.”135
2.2 A dimensão social da evangelização: O Reino de Deus e sua expansão no
mundo
O Reino de Deus é outro acontecimento importante como componente essencial
da evangelização. O Reino por meio dos sinais se faz presente como obra de Deus que
se opera no mundo. O Reino de Deus não é uma oposição radical a sociedade, mas é
sinal de tensão que sinaliza outra realidade que opera como fermento dilatando a
presença dos valores do Reino de Deus no mundo. A teologia do Reino é a teologia que
justamente se coloca de modo integral a serviço da vida humana e propõe a esta mesma
vida o Cristo total. Aqui é importante a compreensão do Reino não somente como
cristandade operando como uma força centrípeta e centrifuga, mas operando ao molde
de sementes, acolhendo “a multiplicidade e a evolução das culturas, penetra a fé, que é
135
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013,
IV, § 183, p. 110.
72
uma comunhão transcendente com Deus, e se múltipla em sua imanência”136
A
evangelização aparece através de várias facetas nos diversos campos missionários, por
exemplo em alguns países árabes ela é realizada de modo direto através das escolas,
universidades, nos hospitais, e nos institutos pertencente às ordens religiosas aberta quer
aos cristãos quer aos muçulmanos.137
A fé e a caridade são complementares na vida cristã de modo que se apoiam
mutuamente.138
A caridade permite que vejamos o rosto de Cristo expresso na opção
preferencial pelos pobres abraçada pela Igreja como uma opção que está “ implícita na
fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com a sua
pobreza”.139
A nova evangelização na Igreja em nossos dias é indispensável à dimensão do
social como componente a dimensão missionária, testemunha a caridade de Cristo
através das obras da justiça, da paz e do desenvolvimento humano integral que propõe
esta doutrina.140
Hoje, a cultura da mudança de época apresenta-nos desafios: “a
dificuldade de aceitar Deus como fundamento do comportamento humano, assim, como
fundamento da justiça, da paz, da fraternidade, a dificuldade de conciliar a experiência
democrática com o respeito pelos valores morais”.141
A nova evangelização trilhará
também o caminho de uma libertação integral do ser humano, ou seja, abordará desde as
dimensões e consequências pessoais do pecado até seus estragos na vida social.142
A dimensão social do evangelho toca várias dimensões da própria vida pública
dos cristãos que por sua vez evoca um testemunho público de toda a Igreja:
136
LECLERC, JEAN. O amor às letras e o desejo de Deus: Iniciação aos autores monásticos da Idade
média. São Paulo: Paulus, 2012, p. 05. 137
L‟ Osservatore Romano. Sua Beatitude Béchara Boutros Raí, O.M.M, Patriarca de Antioquia dos
Maronitas(Líbano), 3 de novembro de 2012, número 44, p. 19. 138
L‟ Osservatore Romano. D. José Luis Azuaje Ayala, Bispo de El Vigía-San Carlos Del Zulia,
Presidente da Conferência Episcopal (Venezuela), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 20. 139
DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto legislativo da V Conferência do Episcopado Latino-
Americano e do Caribe: 13-31 de Maio de 2007., Brasília-São Paulo: CNBB, Paulus, Paulinas, §3, p. 10. 140
BENTO XVI. Caritas in veritate .Carta Encíclica. São Paulo: Paulinas, 2009, I, § 15, p. 23. 141
L´Osservatore Romano. D. Benedito Beni dos Santos, Bispo de Lorena (Brasil), 27 de outubro de
2012, número 43, p. 9. 142
L‟ Osservatore Romano. D. Eduardo Lozano, Bispo de Gualeguaycitu (argentina), sábado 27 de
outubro de 2012, número 43, p. 19.
73
“Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo. Nenhuma
definição parcial e fragmentada, porém, chegará a dar razão da
realidade rica, complexa e dinâmica que é a evangelização, a não ser
com o risco de empobrecê-la e até mesmo de mutilá-la. Desejo agora
partilhar as minhas preocupações relacionadas com a dimensão
social da evangelização, precisamente porque, se esta dimensão não
for devidamente explicitada, corre-se sempre o risco de desfigurar o
sentido autêntico e integral da missão evangelizadora.”143
Em alguns continentes de minoria católica a ação caritativa da Igreja foi
apresentada como porta de evangelização para muitos não cristãos. O cuidado com a
vida realizado por meio de hospitais, ambulatórios, colégios são para adeptos de outras
tradições religiosas sinais eloquentes de amor a humanidade.144
O sínodo dos bispos
também procuro elucidar o aspecto diaconal da caridade no processo de evangelização:
“A relação intrínseca entre evangelização e diaconia manifesta-se,
como recorda a encíclica Deus Caritas Est, no fato de que juntamente
com a liturgia são as dimensões fundamentais e próprias através das
quais a Igreja se realiza a si mesma. A Igreja oferece ao mundo um
invejável testemunho de caridade, do qual nascem numerosas
conversões. A nossa pastoral de caridade é um grande instrumento de
evangelização, quer para quem presta, quer para quem recebe os
nossos serviços. É claro que a Igreja não se reduz a uma agência
social, mas o desafio para nós é exatamente ajudar a reconduzir
através das obras de caridade, ao Deus que é caridade. Com efeito, o
que chama a fé são a unidade e a caridade. Um elemento essencial da
encíclica Deus caritas est talvez tenha sido um pouco descuidado. A
chave que abre e fecha a porta do homem ao evangelho é a
experiência que Deus ama. Sem esta verdade simples o homem
moderno nunca poderá conhecer verdadeiramente a Cristo. A
atividade caritativa da Igreja, por conseguinte, pode oferecer-nos
uma oportunidade enorme para fazer entrar a luz no mundo.”145
A Igreja deseja ser como uma artéria da sociedade, para levar esperança,
encorajamento, conforto e infundir nova energia em toda a sociedade, como o corpo
humano é vitalizado pela ação das artérias e das vias que levam oxigênio e nutrimento e
143
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, IV,
§ 176, p. 105. 144
L‟ Osservatore Romano. D. Kyrillos William, Bispo de Assiutidcos Coptas (Republica Árabe do
Egito), 17 de novembro de 2012, número 46, p. 22. 145
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Robert Sarah, Presidente do Pontifício Conselho “Cor
Unum”(Cidade do Vaticano), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 18.
74
eliminam as escórias: “Se a Igreja se afastar da sociedade a evangelização não
produzirá fruto. É indispensável que através da evangelização, a Igreja infunda
abundantemente nova linfa na vida social e familiar”.146
A caritas desdobrada em amor a Deus e amor ao próximo sinaliza a presença do
Reino de Deus no mundo e viabiliza a sua presença:
“A proposta é o Reino de Deus (Lc 4, 43); trata-se de amar a Deus,
que reina no mundo. Na medida em que Ele conseguir reinar entre
nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz,
de dignidade para todos. Por isso, tanto o anúncio como a
experiência cristã tendem a provocar consequências sociais.
Procuremos o seu Reino: „Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua
justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo‟ (Mt 6, 33). O projeto
de Jesus é instaurar o Reino de seu Pai; por isso, pede aos seus
discípulos: „Proclamai que o Reino do Céu está perto‟ (Mt10, 7)”.147
A ética é um viés importante dentro do contexto de um testemunho social do
evangelho: “a ética leva a Deus que espera uma resposta comprometida que esta fora
das categorias do mercado.”148
Em síntese a dimensão social do evangelho nos remete a integralidade da
missão, isto é a totalidade do evangelho que a Igreja nos transmite e nos envia a pregar.
A sua riqueza plena incorpora acadêmicos e operários, empresários e artistas, incorpora
todos.149
2.3 A centralidade do ministério da Pregação na nova evangelização
Uma das verdades centrais no que se refere ao anúncio do evangelho é
justamente a renovação profunda do ministério da pregação no interior da Igreja. É
preciso que o clero e o laicato continuem se abrindo a um frutuoso ministério da
146
L‟ Osservatore Romano. D. Dominic Ryoni Miyahara, Bispo de Fukuoka (Japão), sábado 20 de
novembro de 2012, número 45, p. 11. 147
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, §
80, p. 108. 148
Ibidem, II, § 57, p. 41. 149
Ibidem,IV, § 237, p. 133.
75
palavra, onde a palavra de Deus ocupe a centralidade na vida cristã não apenas como
um dado na hierarquia de valores internos da própria Igreja, mas como uma realidade
em que a Igreja jamais deve se descurar. Podemos até mesmo afirmar que se faz
necessário em nossos dias uma verdadeira reforma ou uma autêntica renovação do
ministério da pregação. A pregação não pode somente ser um discorrer lógico sobre um
assunto ou um tema o que não significa que o discurso não deva aqui ter uma lógica
interna. Mas sabemos que de fato a grande missão da Igreja em nossos dias é ajudar a
fazer com que as pregações no interior do ministério dado pelo Senhor a sua Igreja
provenha da vivência de uma profunda intimidade com o Senhor por parte daqueles que
pregam o evangelho.
É Justamente dentro deste contexto que se insere o atual convite da Igreja para
anunciarmos o evangelho no transbordamento da alegria que surge da missão de
transmitir a fé: “A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que
se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado,
da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a
alegria.”150
Os verdadeiros frutos que devem surgir de conversão e de nova vida em Cristo
não é apenas fruto da eficácia humana com as estratégias próprias de empresas ou um
marketing sofisticado, mas o que de fato garante a eficácia da pregação são os bons
frutos a que dela advêm é justamente uma vida de fidelidade ao Senhor. É preciso que
Jesus volte a ser o centro de nossa pregação:
“Chegou a hora, para nós como bispos, de colocar Cristo no centro
de nossa pregação e de nossos ensinamentos, e de encorajar os
nossos sacerdotes e diáconos a fazer o mesmo. Devemos deixar as
pessoas serem arrebatadas pelo fascínio que o Jesus dos evangelhos
exerce sobre os corações e as mentes. O maior desafio que a Igreja
deve enfrentar hoje é o retorno da Igreja a Cristo e a restituição de
Cristo à Igreja, não para se tornar diversos, mas para ser de forma
mais plena quem somos e o que somos.151
”
150
CONCÍLIO VATICANO II .Lumen Gentium Constituição Dogmática. Petrópolis: Vozes, 1968, § 1,
p. 39. 151
L‟Osservatore Romano. D. Thimothy John, Quarta Congregação geral, sábado 20 de outubro de
2012, número 42, p. 24.
76
2.4 Os novos evangelizadores-mistagogos
Queremos destacar aqui algumas qualidades necessárias dos novos
evangelizadores na Igreja, e que o Sínodo destacou como sendo de fundamental
importância. Quatro qualidades deveriam ser evidenciadas nestes novos evangelizadores
que por sua vez devem também ser mistagogos.
A primeira qualidade encontra-se no livro dos Atos dos Apóstolos é a coragem.
A figura de São Pedro é apresentada corajosamente pregando o evangelho da
Ressurreição, mais tarde Paulo retoma o tema e se lançando-se numa corrida de gigante
pelo mundo vai anunciando esta mesma Palavra.152
Hoje a nova evangelização deve mostrar uma coragem nascida da confidência
em Cristo. Quando se fala de coragem pode nos reportar tanto a figuras de Santos
carismáticos como São Maximiliano Maria Kolbe, a beata Madre Teresa de Calcutá, os
mártires sejam da Coréia, Nigéria e Japão. Mas sabemos que várias pessoas cristãs
também hoje, vivendo nos mais diferentes ambientes institucionais como hospitais,
serviços sociais, escolas, universidades são convocados a continuar a sendo luz em meio
a estas realidades.
Os evangelizadores de hoje devem ser homens de fé capazes de descobrirem que
a nova evangelização exige um caráter profético. Pois, o “profeta é aquele que
interpreta as circunstâncias e os acontecimentos com o olhar de Deus, mas é também
aquele que antecipa de forma simbólica o caminho da história.”153
A segunda qualidade que deverão portar os novos evangelizadores será o
compromisso de realizarem a evangelização num “sentire cum Eclésia”. A unidade e o
testemunho de comunhão eclesial são fundamentais para que o mundo creia. A
solidariedade entre ministérios e carismas é de fundamental importância. O caminhar
em comunhão com os pastores da Igreja deve ser a marca de quem deseja anunciar o
evangelho “com”, “na” e junto à própria Igreja.154
152
SÍNODO DOS BISPOS. Instrumentum Laboris.A nova evangelização para a transmissão da fé.
Brasília: CNBB, 2012, II, §41, p. 51. 153
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Angelo Bagnasco, Arcebispo de Gênova, Presidente da
Conferência Episcopal (Itália), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p.17. 154
SÍNODO DOS BISPOS. Instrumentum Laboris.A nova evangelização para a transmissão da fé.
Brasília: CNBB, 2012, II, § 77-78, p. 76-77.
77
A terceira qualidade que deve portar os novos evangelizadores é a urgência. O
fato de serem urgente, ou seja, prontos para anunciar o evangelho. Talvez tenham a
necessidade de voltar ao Evangelho de Lucas da Visitação de Maria a Isabel, modelo
para o nosso sentido de urgência. O evangelho narra como Maria partiu as pressas para
uma longa viajem de Nazaré a uma aldeia nas colinas da Judéia.155
Não havia tempo a
perder porque a missão era muito importante. É justamente este sentido de urgência que
será o gerador de prontidão para os novos evangelizadores. Se o continuo sentimento de
não estar preparado para evangelizar permear a mentalidade de alguns cristãos, algo de
muito grave estará acontecendo na identidade do próprio ser cristão.
Por fim, a última qualidade que auxiliará os novos evangelizadores é a alegria.
Os evangelizadores dos tempos atuais devem lançar sementes de vida nova no campo
aberto do mundo de hoje, sabendo serem eles próprios alvos deste evangelho redentor.
A alegria deve caracterizar os novos evangelizadores. A mensagem que anunciamos é
uma mensagem de grande alegria, é a mensagem de que Cristo ressuscitou, Cristo está
conosco. Sejam quais forem as nossas circunstâncias, o nosso testemunho deve irradiar,
juntamente com os frutos do Espírito Santo, amor, paz e alegria (Gl 5, 22).
O Sínodo sinalizou que a tarefa dos novos evangelizadores é de promover uma
renovação espiritual que implique num renovado encontro com a pessoa de Jesus Cristo
e uma catequese que promova o crescimento espiritual.156
Contudo, “só seremos novos
evangelizadores, se nos renovarmos primeiramente”,157
somente assim, poderemos
comunicar aos de dentro e aos de fora do ambiente eclesial à alegria de evangelizar,
sabendo que: “o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as
testemunhas do que aos mestres, ou então, se escuta os mestres, é porque eles são
testemunhas”.158
O caminho proposto pela nova evangelização encontrará na celebração dos
mistérios de Deus uma fonte permanente que permitira amadurecer e fazer crescer a
155
Ibidem, IV, § 138, 149, p.123. 156
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Wuerl, O relatório post disceptationem, sábado 27 de Outubro de
2012, número 43, p. 5. 157
L‟ Osservatore Romano. Cardeal D. Gerarhard Ludwig Muller, Prefeito da Congregação para
Doutrina da Fé (Cidade do Vaticano), sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 13. 158
PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (8 de dezembro de 1975), n. 41: AAS 68
(1976) 31-12.
78
vida espiritual de cada cristão: “Guiar de modo pedagógico os fiéis nos percursos
mistagógicos que permitem que o crente entre na experiência do mistério de Deus”159
Quanto mais as Sagradas Escrituras e a mistagogia for elementos que
proporcionem uma frutuosa catequese, mais servirá a grandiosa causa do nova
evangelização.160
A escola dos Ícones são métodos também que trazem uma particular colaboração
no ensino sobre pontos fundamentais da fé cristã. É de fato parte de uma tradição antiga,
porém sempre pode ser revisto com um olhar renovado que contribui de modo singular
a nova evangelização.161
A catequese atualmente percebe a necessidade de integrar-se a uma dimensão
querigmática e mistagógica. A catequese e a educação é um serviço de crescimento.
Dentro deste percurso pedagógico a Igreja propõe novamente uma mistagogia que seja
ao mesmo tempo iniciática e permanente:
“A iniciação mistagógica, que significa essencialmente duas coisas:
a necessária progressividade da experiência formativa na qual
intervém toda a comunidade e uma renovada valorização dos sinais
litúrgicos da iniciação cristã. Muitos manuais e planificações ainda
não se deixaram interpelar pela necessidade duma renovação
mistagógica, que poderia assumir formas muito diferentes de acordo
com o discernimento de cada comunidade educativa. O encontro
catequético é um anúncio da Palavra e está centrado nela, mas
precisa sempre duma ambientação adequada e duma motivação
atraente, do uso de símbolos eloquentes, da sua inserção num amplo
processo de crescimento e da integração de todas as dimensões da
pessoa num caminho comunitário de escuta e resposta.”162
3. A Igreja Particular, primeiro sujeito da missão.
159
L „ Osservatore Romano. Relatório de D. Carlos Aguiar Retes, Arcebispo de Tlalnepantla, sábado 20
de outubro de 2012, número 42, p. 7. 160
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Quellet, Relátorio sobre a Exortação Apostólica Pós-Sinodal da
precedente Assembleia Ordinária, Atuação da “Verbum Domini”, sábado 20 de Outubro de 2012, número
42, p. 18. 161
L‟ Osservatore Romano. D. Virgil Berle, Bispo de Ordea Mare, Grão-Variano dos Romeno
(Romênia), sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 11. 162
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, III,
§ 166, p. 99.
79
Por força do mandato missionário cada um dos membros da Igreja deve assumir
a tarefa de ser discípulo missionário. O documento de aparecida afirma: A diocese
presidida pelo bispo é o primeiro espaço de comunhão e missão. Ele deve estimular e
conduzir uma ação pastoral orgânica e vigorosa deve fazer que a variedade de carismas,
ministérios, serviços e organizações se orientem em auxiliar este mesmo projeto
missionário para comunicar vida no próprio território. Este projeto surge de um
caminho de variada participação, torna possível a pastoral orgânica, capaz de dar
respostas aos novos desafios. Porque um projeto só é eficiente se cada comunidade
cristã, cada paróquia, cada comunidade educativa cada comunidade de vida consagrada,
associação e movimento se inserem ativamente na pastoral orgânica de cada diocese.
Cada uma é chamada a evangelizar de um modo novo e integrado no projeto pastoral da
diocese.163
Aqui se verifica de modo claro que a base da evangelização está, portanto, na
articulação da Igreja particular, enriquecida de carismas, ministérios e serviços,
diversificados presente no meio do povo de Deus. Uma catequese vigorosamente
alimentada pela palavra de Deus é meio imprescindível para gerar um sentido de
pertença dos convertidos. O compromisso e o sentido de pertença fazem parte do
processo que inclui os novos cristãos como novos agentes de evangelização no coração
da comunidade cristã.164
3.1 A missão da pastoral orgânica como um desafio eclesial
O grande desafio a ser observado na execução de uma missão que seja integral
na abordagem e na concretização da conversão pastoral é justamente a responsabilidade
de desenvolver em conjunto ações eclesiais que sejam como que um leimotiv para
direcionar toda a ação evangelizadora da Igreja.
A pastoral orgânica deve ser justamente o primeiro âmbito da missão e da
comunhão. O Bispo ao presidi-la deve estar aberto aos carismas e ministérios e procurar
163
DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto legislativo da V Conferência do Episcopado Latino-
Americano e do Caribe: 13-31 de Maio de 2007, Brasília-São Paulo: CNBB, Paulus, Paulinas, II, §166,
p.85. 164
L‟ Osservatore Romano. D. Cornelius Fontem Esua, Arcebispo de Bemenda (Camarões), sábado 27
de Outubro de 2012, número 43, p.17.
80
um caminho que seja frutuoso a todos os setores eclesiais envolvidos. Todas as
potencialidades pastorais e ministeriais, tanto quanto as carismáticas devem tender a um
projeto que seja comum onde se procurará produzir frutos positivos no próprio território
em que atuam.
A tomada de consciência a respeito da nova evangelização deve proporcionar
entre aqueles que pretendem fazer com que ela tome corpo e consistência a importância
de que este projeto pastoral não é apenas um lenitivo contra a crise presente que se
instala sobre a Igreja e o mundo. A nova evangelização é uma missão constante na
Igreja que deve fazer parte da agenda dos discípulos de Cristo.
O desenvolvimento do projeto pastoral não acontece apenas através de uma
modalidade. Aqui residiria o perigo de cair no uniformismo onde também as iniciativas
singulares e que partissem de grupos com índoles específicas se veriam tolhidas por tais
iniciativas tomadas. Mas é preciso, contudo que haja uma linguagem comum e de sinais
participados que fazem emergir mais o caminho de toda Igreja do que a originalidade de
uma experiência particular.165
O trabalho e o empreendimento missionário em prol de uma nova
evangelização devem levar em consideração e fundamental colaboração de uma eficaz
pastoral orgânica. A Igreja particular precisa de um programa pastoral para poder
cumprir em circunstâncias concretas de espaço e de tempo, à vontade salvifíca de Deus
Pai, plenitude cumprida no seu Filho Jesus.166
A organização de uma pastoral orgânica
demanda empenho de todos os fiéis no projeto de nova evangelização. O programa
missionário diocesano não é uma simples estratégia, mas uma ação conjunta de Pastores
e fiéis em atitude de abertura ao Espírito Santo, ao mesmo tempo discernindo e lendo os
sinais dos tempos.
O plano pastoral encontrará sempre uma solidez maior, quanto mais for uma
colaboração dos diversos setores da Igreja particular. Trata-se de organizar a missão de
evangelizar a Igreja diocesana, inspirando-se no discernimento do Espírito e com
participação autêntica e direta dos fiéis. Dedicando-se a oração e a contemplação,
porque nos dão a liberdade de espírito que nos permite superar os moralismos e
165
L‟Osservatore Romano. D. Rino Fisichella Intervenções dos Padres Sinodais durante a terceira
congregação geral. sábado, 20 de Outubro de 2012, numero 42, p.12. 166
L‟ Osservatore Romano. Durante a terceira Congregação Geral. D. Fabio Suescún Mutis, sábado 20
de Outubro de 2012, número 42, p. 16.
81
fundamentalismos doutrinais tão iníquos. Esta é a mística que nos convida a unir fé e
vida, fé e razão e, sobretudo, fé e amor.167
3.2 A paróquia como lugar privilegiado para uma nova evangelização.
Sabemos que a figura da paróquia em nossos dias sofre um desgaste muito
grande. Alguns chegam até mesmo a afirmar que a estrutura paroquial em que nos
organizamos em nossos dias seria já uma realidade ultrapassada e que não
corresponderiam mais os anseios missionários e pastorais de uma nova evangelização.
Aqui é preciso muito cuidado, pois, a paróquia assim como outros ambiente que
compõem o mandato missionário e que abrange também um território diocesano pode
ser um meio privilegiado para fomentar a nova evangelização e o surgimento de
inúmeros novos ministérios no interior das comunidades cristãs. É verdade, contudo que
as paróquias não podem se restringir em ser apenas um centro de serviços culturais e
administrativos, mas devem se tornar por sua vez como que casas da comunidade dos
cristãos e escolas de discípulos missionários.168
Este aprendizado do discipulado tem
como uma das metas principais tornar a paróquia em um ambiente missionário. É
justamente este estilo e consciência missionária que colocara as paróquias em um
continuo movimento evangelizador.169
Quando vemos as diversas iniciativas que vem sendo tomadas por parte da Igreja
no que se refere a um novo empenho evangelizador é preciso atentar para um
importante desafio a ser enfrentado em nossos dias que é justamente o de fazer com a fé
seja expressa e vivida num contexto missionário, isto significa, empenhar-se para que a
paróquia assuma um modo de ser pastoralmente missionária.
Em um primeiro momento alguns podem se questionar se este modelo de
paróquia missionária não seria um tanto quanto ingênua, contudo, verificamos que é
justamente isto o que as nossas paróquias devem se tornar: autenticamente missionária.
Sabemos que no passado toda a vida eclesial acontecia em torno das paróquias. Esta
167
L‟ Osservatore Romano. D. Pedro Mario Ossanron Bucjevic, Bispo titular de La Imperial- auxiliar
de Santiago (Chile), sábado 27 de outubro de 2012, número 43, p, 18. 168
L‟Osservatore Romano. D. Fábio Suescun Mutis. Terceira Congregação Geral. Sábado 20 de
Outubro de 2012, número 42, p. 16. 169
L‟ Osservatore Romano. D. Stanislav Lipovsek, Bispo de Celje (Eslovénia), sábado 17 de novembro
de 2012, número 46, p. 17.
82
consolidação da estrutura paroquial começou acontecer a partir do século V quando o
cristianismo tornou-se religião oficial do império Romano e recebera também a
incumbência de se fazer presente nas aldeias por meio de um presbítero residente. Com
o passar do tempo várias paróquias foram tomando um aspecto não apenas espiritual,
mas também a vida social, jurídica e política também aconteciam sob a sombra das
paróquias. Em alguns países o próprio presbítero não era apenas um membro do clero e
o seu representante, mas os presbíteros também eram vistos como funcionários do Rei o
do Estado.
O Concílio Vaticano II na Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a
Igreja nunca se verifica a palavra “paróquia”. Os pensamentos dos Padres conciliares
não estão fixados no conceito de paróquia, mas eles tentam resgatar a compreensão de
comunidade o que não diminui a responsabilidade e aquilo que de fato é positivo na
estrutura paroquial, contudo amplia consideravelmente a compreensão de igreja
enquanto “Communnio”. Sabemos, contudo que à obra da evangelização não é obra
apenas de alguns na Igreja, mas das comunidades eclesiais como tais, onde se tem
acesso a plenitude dos instrumentos do encontro com Cristo: a Palavra, os sacramentos,
a comunhão fraterna, o serviço da caridade, a missão.170
O sínodo denotou que as Paróquias continuam a ser designados aos quais se
realiza a maior parte da vida da Igreja. A importância das paróquias no desenvolvimento
da nova evangelização foi ressaltada muitas vezes, porque falta o lócus no qual se
realiza grande parte da experiência das pessoas na igreja. Tanto as paróquias e as novas
comunidades têm uma fundamental importância em nossos dias porque podem
promover uma organização e uma canalização oportuna de todas as energias de
renovação dentro do tecido eclesial.171
O grande desafio par dinamizar as paróquias é
justamente o de transformá-las não somente para uma ação pastoral e catequética, mas o
de transformá-las em um lugar de formação para a evangelização.172
O sínodo percebeu
a grande relevância da paróquia na vida eclesial, e percebe nesta estrutura eclesial uma
grande plasticidade:
170
L‟ Osservatore Romano. Sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p. 07. 171
L‟ Osservatore Romano. O relatório post disceptationem, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43,
p. 5. 172
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Kazimierz Nycz, Arcebispo de Varsóvia, Ordinário do próprio rito
(Polônia), sábado 10 de novembro de 2012, número 43, p. 20.
83
“A paróquia não é uma estrutura caduca; precisamente porque
possui uma grande plasticidade, pode assumir formas muito
diferentes que requerem a docilidade e a criatividade missionária do
Pastor e da comunidade. Embora não seja certamente a única
instituição evangelizadora, se for capaz de se reformar e adaptar
constantemente continuará a ser «a própria Igreja que vive no meio
das casas dos seus filhos e das suas filhas». Isto supõe que esteja
realmente em contato com as famílias e com a vida do povo, e não se
torne uma estrutura complicada, separada das pessoas, nem um
grupo de eleitos que olham para si mesmos. A paróquia é presença
eclesial no território, âmbito para a escuta da Palavra, o crescimento
da vida cristã, o diálogo, o anúncio, a caridade generosa, a adoração
e a celebração. Através de todas as suas atividades, a paróquia
incentiva e forma os seus membros para serem agentes da
evangelização. É comunidade de comunidades, santuário onde os
sedentos vão beber para continuarem a caminhar, e centro de
constante envio missionário. Temos, porém, de reconhecer que o
apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu
suficientemente fruto, tornando-as ainda mais próximas das pessoas,
sendo âmbitos de viva comunhão e participação e orientando-as
completamente para a missão. ”173
Nova evangelização é sinal de atualização, e mesmo se a Igreja crescesse até
alcançar dimensões colossais, ela deveria manter a estratégia do pequeno rebanho. É a
estratégia apostólica: “formar o pequeno rebanho com o fervor do grande rebanho”174
e
“pensar emocionalmente com a Igreja universal e agir com eficácia na Igreja local”.175
Sem um renovado impulso missionário da paróquia, e uma estrutura que
possibilite as paróquias serem comunidades fraternas176
do qual sejam protagonistas os
próprios agentes pastorais que nela trabalham, será difícil viver uma nova evangelização
radical:177
173
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I,
§ 28, p. 24. 174
L‟ Osservatore Romano. Sua Beatitude Gregóire III, B.S., Patriarca de Antioquia dos Greco-
Melquitas, chefe do Sínodo da Igreja Greco-Melquita católica (Síria), sábado 27 de Outubro de 2012,
número 43, p.10. 175
L´‟ Osservatore Romano. D. Joseph Vu Duy Thong, Bispo de Phnathiêt (Vietname), sábado 27 de
outubro de 2012, número 43, p.11. 176
L‟ Osservatore Romano. D. José Dolores Grullón Estella, Bispo de La Maguana (República
Dominicana),sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 11. 177
L‟ Osservatore Romano. D. Bruno Forte, Arcebispo de Chieti-Vasto (Itália), sábado 27 de Outubro
de 2012, número 43, p. 14.
84
“A renovação Pastoral das nossas paróquias inclui uma condição de
missão permanente, de modo que se tornem menos burocráticas.
Cremos na co-responsabilidade pastoral dos batizados, que colocam
a serviço da comunidade a própria fé, o seu tempo, talentos e
bens.[...] A nova evangelização significa reconstruir o tecido cristão
da sociedade humana, ajudando a Igreja a continuar a viver dentro
das casas dos seus filhos”.178
3.3 A Missão e a Espiritualidade de comunhão
Outro fator importante ao lançar-se diante do mandato missionário de Cristo é
justamente atentarmos para outra dimensão que será de fundamental importância e cujo
descuido viria a dificultar em muito o impulso missionário, o que tratamos aqui é
justamente a espiritualidade de Comunhão. Seria como que impermeável aos corações,
seja dos mais simples fiéis seja dos presbíteros e bispos em suas respectivas dioceses
falar de discipulado e missão sem que houvesse uma abertura verdadeira e sincera para
viver uma espiritualidade de comunhão que resultasse numa nova evangelização eficaz
para toda a Igreja. Falar de evangelização hoje é justamente atentar para a importância
da conversão de corações. Não se transmite uma experiência viva da fé se o transmissor
ou o comunicador não se dispõe a ser o primeiro a ser atingido pela mensagem que é
maior do que aquele que a anuncia.
Sabemos que evangelizar não é apenas uma iniciativa humana. Não é o homem
com sua própria iniciativa a fazer algo para Deus. Se o desejo de evangelizar emergiu
no coração humano é justamente uma chamada do próprio Deus. O ser humano aberto à
vontade Divina, e colaborando com a mesma pode ou não corresponder a este chamado.
A nova evangelização precisa de um chão, ou um fundamento seguro e sólido que só
pode ser encontrado na espiritualidade, senão seria apenas um corpo atuando sem alma
fadado ao fracasso ao passar o entusiasmo.
Um dos pontos de urgência no percurso da nova evangelização é de aprofundar e
fazer própria a autêntica espiritualidade cristã. Aos que se colocam neste
empreendimento pelo Reino lhes é pedido uma substancial busca de “viver em Cristo” e
178
L‟ Osservatore Romano. D. Juan José de Pineda Fasquelle, C.M.E., Bispo titular de Obori, auxiliar e
vigário-geral de Tegucigalda (Honduras), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 19.
85
“no Espírito” que se aceita na fé, se expressa no amor, e animada pela esperança, se
traduz no cotidiano da comunidade eclesial.179
O Papa João Paulo II bem descreveu o
sentido da espiritualidade de Comunhão:
Que significa isso concretamente? Também aqui o nosso pensamento
poderia fixar-se imediatamente na ação, mas seria errado deixar-se
levar por tal impulso. Antes de programar iniciativas concretas, é
preciso promover uma espiritualidade de comunhão, elevando-a ao
nível de princípio educativo em todos os lugares onde se plasmam o
homem e o cristão, onde se educam os ministros do altar, os
consagrados, os agentes pastorais, onde se constroem as famílias e as
comunidades. Espiritualidade de comunhão significa em primeiro
lugar ter o olhar voltado para o mistério da Trindade, que habita em
nós e cuja luz há de ser percebida também no rosto dos irmãos que
estão ao nosso redor. Espiritualidade de comunhão significa também
a capacidade de sentir o irmão de fé na unidade profunda do Corpo
místico, isto é, como “um que faz parte de mim”, para saber partilhar
as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e
dar remédio ás suas necessidades para oferecer-lhe uma verdadeira e
profunda amizade. Espiritualidade de comunhão é ainda a
capacidade de ver antes de tudo o que há de positivo no outro, para
acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus: um “dom para mim”,
como o é para o irmão que diretamente o recebeu. Por fim,
espiritualidade da comunhão é saber “criar espaço” para o irmão,
levando “os fardos uns dos outros” (Gl 6,2) e rejeitando as tentações
egoístas que sempre nos insidiam e gera competição, arrivismo,
suspeitas, ciúmes. Não haja ilusões! Sem essa caminhada espiritual,
de pouco servirão os instrumentos exteriores da comunhão. Revelar-
se-iam como estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que
como vias para a sua expressão e crescimento. 180
A nova evangelização é inseparável de uma renovação da comunhão eclesial. É
de fundamental importância para a Igreja que exista uma relação bem estabelecida da
dimensão carismática com a dimensão hierárquica da Igreja. Fora constatado que nas
relações entre hierarquia e vida consagrada surgiu bastante desentendimento: em alguns
casos devido a certa ignorância a respeito dos carismas e do seu papel na missão e na
comunhão da Igreja; noutros devido à inclinação de alguns consagrados à contestação
do magistério.181
Contudo, o que se verifica nos últimos decênios fora justamente um
grande crescimento da dimensão carismática na Igreja e o que deve ser revisto nos
179
Ibidem, § 6, p. 10. 180
JOÃO PAULO II. Novo Millennio Ineunte, Carta Apostólica. São Paulo, 2001, III, § 43, p. 65. 181
L‟Osservatore Romano. Cardeal Marc Quellet, Durante décima quinta congregação geral, sábado 17
de novembro de 2012, número 46, p. 19.
86
aspectos de relação entre hierarquia e carismas é justamente a oportunidade para ambos
crescerem e se renovarem superando divisões no corpo diocesano e paroquial em suas
relações sejam com os bispos, sacerdotes e as novas comunidades e novas formas de
consagração para que por meio desta comunhão aconteça uma nova primavera para uma
nova evangelização na Igreja. A Igreja é chamada a ser como bem expressara Dietrich
Bonhoeffer a “casa fraterna”, onde pelo testemunho visível de unidade ilumina as
dimensões da convivência humana.182
O que se pretende fomentar na espiritualidade de comunhão é a eclesiologia de
comunhão incentivando uma nova liberdade para a evangelização e o cuidado pastoral,
percorrendo o caminho de um permanente, e também oportuna comunhão com a Sé
apostólica e todas as outras expressões do tecido eclesial.183
Esta mesma Sé apostólica
consciente de ser um instrumento precioso para a unidade da fé deverá perceber a
urgência de uma nova relação entre Igreja católica e as outras Igreja e comunidades
eclesiais.184
A espiritualidade de comunhão é profundamente trinitária.185
O convite à
comunhão é mais que um slogan. É a conversão do coração. Os ministros e os agentes
de pastoral, assim como os movimentos eclesiais e as congregações religiosas, com a
espiritualidade formada e reavivada pelo mistério da Santíssima Trindade abrirão novos
caminhos ao diálogo com o mundo secularizado, dando uma contribuição à nova
evangelização.186
Ressaltamos aqui também outras dimensões da espiritualidade de comunhão que
se expressa constituinte de uma comunidade autenticamente cristã e que estão presentes
nos atos dos Apóstolos (At 2, 42. 46-47). O livro dos atos dos apóstolos apresenta a
comunidade que perseverava na fração do Pão e nas orações: A Eucaristia é fonte
inesgotável de vida cristã. Outro aspecto era a perseverança nos ensinamentos dos
Apóstolos, Anunciadores da Palavra de Deus em todos os âmbitos da existência
humana. Também a perseverança na comunhão: Tinham tudo em comum, partilhavam
182
LOEW, Jaques. Vocês serão meus discípulos. São Paulo: Paulinas, 1981, p. 142. 183
L´ Osservatore Romano. Cardeal George Alencherry, Durante a nona congregação geral, sábado 03
de novembro de 2012, número 44, p. 15. 184
L‟Osservatore Romano. Cardeal Francesco Coccopalmerio, Durante a décima primeira congregação,
sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p.22. 185
L‟Osservatore Romano. D. John Corriveu, O.F.M. CAP., Durante a Terceira congregação geral,
sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p. 13. 186
Ibidem, p.19.
87
os seus bens com todos irmãos porque antes partilharam o maior de todos os bens o
próprio Cristo. E por fim a alegria da atração, o Senhor juntava a comunidade novos
irmãos que desejavam viver o mesmo estilo de vida marcado pelo encontro com a
pessoa de Jesus Cristo que transbordava na alegria de ser salvo.187
O fruto da espiritualidade de comunhão que deverá sinalizar também a
comunhão eclesial não é uma tarefa somente a ser realizada dentro do âmbito do mundo
católico, mas é um convite a uma unidade entre os cristãos para que o mundo creia. O
grande obstáculo para a evangelização é a divisão entre os cristãos. A colaboração entre
igreja católica e outras comunidades eclesiais pode ser um recomeço para melhorar e
reforçar a confiança no cristianismo como caminho de unidade para o bem integral do
ser humana. A nova evangelização deve contar com todas as energias do mundo cristão
em todas as suas diversidades e especificidades, crendo na multiforme graça de Deus
que atua em todo o tecido eclesial seja no mundo católico, ortodoxo e protestante.188
Potencializar a comunhão nos leva a descobrir um caminho de cura originador de uma
oportuna fraternidade mística, contemplativa:
“Nisto está à verdadeira cura: de fato, o modo de nos relacionarmos
com os outros que, em vez de nos adoecer, nos cura é uma
fraternidade mística, contemplativa, que sabe ver a grandeza sagrada
do próximo, que sabe descobrir Deus em cada ser humano, que sabe
tolerar as moléstias da convivência agarrando-se ao amor de Deus,
que sabe abrir o coração ao amor divino para procurar a felicidade
dos outros como a procura o seu Pai bom. Precisamente nesta época,
inclusive onde são um pequenino rebanho (Lc 12, 32), os discípulos
do Senhor são chamados a viver como comunidade que seja sal da
terra e luz do mundo (Mt 5, 13-16). São chamados a testemunhar, de
forma sempre nova, uma pertença evangelizadora.Não deixemos que
nos roubem a comunidade”!189
3.4 Novos movimentos eclesiais e nova evangelização
187
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Angelo Scola, Arcebispo de Milão (Itália), sábado 3 de novembro
de 2012, número 44, p. 22. 188
L´Osservatore Romano. Cardeal Francesco Cocco Palmerio, Presidente do Pontifício Conselho dos
Textos Legislativos (Cidade do Vaticano), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 22. 189
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, III,
§ 92, p.59.
88
Podemos afirmar que um dos sinais de Pentecostes após o Concílio Vaticano II
que mais impressionam é justamente o do grande crescimento dos movimentos e novas
comunidades. É surpreendente como estes novos movimentos e novas comunidades
vem dar um novo impulso a todo o corpo eclesial. Contudo, por outro lado ainda se
verifica em muitos bispos e sacerdotes, que existe certa reserva quanto a dar confiança a
estes novos movimentos que surgem dentro da Igreja. Aqui também a Igreja é
convidada na pessoa de seus pastores a colocar primeiramente o desafio da conversão
pastoral dos bispos e sacerdotes, chamados a reconhecer que os movimentos são antes
de tudo um dom precioso, e não um problema.190
Uma grande colaboração fora dada pelo Cardeal Ratzinger para os catequistas e
professores de religião, por ocasião do grande jubileu de 2.000 e que encaixa muito bem
com a missão que devem desenvolver as novas comunidades e os novos movimentos no
interior da Igreja:
“Em primeiro lugar, a Lei da Expropriação, ou seja, não falar em
nome próprio, mas em nome da Igreja, tendo como ponto firme o fato
de que evangelizar não é simplesmente uma forma de falar, mas uma
forma de viver, isto é, a clara consciência de pertencer a Cristo e ao
seu corpo que é a Igreja. A segunda lei é a do pequeno grão de
mostarda, ou seja, a coragem de evangelizar com paciência e
perseverança, sem pretender alcançar resultados imediatos e
recordando sempre que a lei dos grandes números não é a lei do
evangelho. É uma atitude que podemos reconhecer, por exemplo, na
obra de evangelização empreendida por movimentos e novas
comunidades nas regiões mais secularizadas da terra. A terceira
“lei” é a do grão de trigo, que para dar vida deve morrer, deve
aceitar a lógica da cruz. Nestas leis estão encerrados os segredos
mais profundos da eficácia do compromisso evangelizador da Igreja
em todos os tempos.”191
Aprofundar a problemática dos carismas e remover os obstáculos que não
permitem integrar plenamente os carismas a fim de apoiar a nova evangelização seria
um descuido. No sínodo fora constatado que o primeiro obstáculo é que grande parte
dos sacerdotes não estão dispostos a ocupar-se dos novos grupos e dos novos
movimentos, porque não receberam uma preparação adequada para este governo de
190
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Stanislaw Rylko, Sábado 20 de Outubro de 2012, p.11. 191
Ibidem, p.12.
89
trabalho pastoral. Outro consiste que a maior parte dos líderes não tem uma preparação
teológica e facilmente erram sob o ponto de vista doutrinal. Com freqüência os
sacerdotes se mantêm distantes destes grupos. Encorajar os sacerdotes para se ocuparem
com estes grupos e movimentos seria auxiliá-los a exercer através do acompanhamento
e do discernimento um auxílio favorável a toda Igreja, pois estes mesmos movimentos e
grupos sempre foram vistos como um dom da providência divina por vários
pontífices.192
Um grande dom do Espírito Santo são os novos movimentos eclesiais, que
contribuem para o desenvolvimento de uma “cultura de Pentecostes”.193
Um dos
grandes e positivos aspectos destes novos movimentos e destas novas comunidades é o
acompanhamento espiritual que oferecem a cada irmão. Vemos o quanto é importante
acompanhar aqueles que vivem, por exemplo, o fenômeno migratório que ao saírem de
um ambiente, uma cultura, um modo específico de viver os valores familiares e ao se
encontrarem por vezes em ambientes hostis veem-se vivendo em realidades por vezes
hostis a sua própria fé e tem-na por vezes colocada a prova. A mobilidade humana que
se verifica nos grandes centros urbanos é hoje um desafio a fé cristã a se aproximar dos
homens que vivem nesta condição e oferecer a eles o seu auxílio fraterno e solidário.194
Outro desafio é o de acolher àqueles que também migram de religiões africanas
para a Igreja. Notou-se o crescimento de sacerdotes dedicados ao ministério de cura e
libertação em muitos ambientes eclesiais que tentam aliviar o sofrimento de muitos
através da aproximação, acolhimento e acompanhamento destes irmãos.195
A nova evangelização traz uma nova estação de evangelização para toda a
Igreja. Já apontada no Concílio Vaticano II:
“O dinamismo missionário dos movimentos e das novas comunidades,
representam um Dom de Deus para a nova evangelização e para a
192
L‟ Osservatore Romano. D. Zbig Ev Stakevics, Arcebispo de Riga (Letônia), sábado 17 de novembro
de 2012, número 46, p. 20. 193
L‟ Osservatore Romano. D. Christopher Charles Prowse, Bispo de Sale (Austrália), sábado 27 de
Outubro de 2012, número 43, p. 7. 194
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Antonio Maria Veglio, Presidente do Pontifício Conselho para a
Pastoral dos Migrantes e Itinerantes (Cidade do Vaticano), sábado 3 de novembro de 2012, número 44,
p.20. 195
L‟ Osservatore Romano. D. Nicodême Anani Barrigah-Bénissan, Bispo de Atakpamé (Togo), sábado
3 de novembro de 2012, número 44, p. 20.
90
atividade missionária propriamente dita. A Partir da conversão
Pastoral dos bispos e dos sacerdotes chamados a reconhecer que os
movimentos são antes de tudo um dom precioso, e não um
problema.”196
Os movimentos eclesiais as associações de leigos são forças necessárias que
somadas a Igreja particular dão um testemunho de evangelização baseados na
comunhão e unidade dos agentes de pastorais da diocese que, como sacramento de
Cristo, é sujeito da evangelização.197
Outra dimensão importante no que se refere a ajuda oportuna que os novos
movimentos e novas comunidades oferecem é preciso que seja profundamente eclesial.
Todo carisma autêntico surge na Igreja como uma nova resposta aos antigos e novos
desafios de sua própria ação evangelizadora, e não somente como “uma espécie de
clube espiritual aberto só a membros santos, mais fiéis a minúcias prescritas pelo
manual redigido pelo seu fundador do que pelas exigências de Jesus e de seu
evangelho.”198
Os novos movimentos são um grande dom para a Igreja mais a atenção a sua
eclesialidade será fundamental para autenticar um bom direcionamento daquilo que é
específico de sua missão e direcionar seu enfoque evangelizacional como uma preciosa
colaboração a pastoral orgânica da Igreja local: “Esta integração evitará que fiquem só
com uma parte do Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nômades sem
raízes.”199
A Igreja no seu materno exercício pastoral é mediadora e promotora de todos os
carismas autênticos no seu interior. O intuito profundo que sinaliza a autenticidade
operante do carisma no tecido da ação evangelizadora da Igreja é a sua eclesialidade:
196
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Stanislaw Rylko, Presidente do Pontifício Conselho para Leigos,
sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p. 11. 197
L‟ Osservatore Romano. D. Milton Luis T., Bispo titular de Munatiana, auxiliar de Montevidéu
(Uruguai), sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p, 22. 198
L‟ Osservatore Romano. D. Berhaneyesus De Merew Souraohiel, C.M, Arcebispo Metropolita de
Adis Abeba, Presidente da Conferência Episcopal de Etiópia e Eritreia, Presidente do Conselho da Igreja
Etíope, sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p, 10. 199
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I, §
29, p. 25.
91
“Um sinal claro da autenticidade dum carisma é a sua
eclesialidade, a sua capacidade de se integrar
harmoniosamente na vida do povo santo de Deus para o bem de
todos. Uma verdadeira novidade suscitada pelo Espírito não
precisa fazer sombra sobre outras espiritualidades e dons para
se afirmar a si mesma. Quanto mais um carisma dirigir o seu
olhar para o coração do Evangelho, tanto mais eclesial será o
seu exercício. É na comunhão, mesmo que seja fadigosa, que um
carisma se revela autêntico e misteriosamente fecundo.” 200
3.5 Nova evangelização e ecumenismo
A atenção a dimensão ecumênica é também um aspecto importante da nova
evangelização. O desafio da nova evangelização interpela a Igreja universal e pede-
nos também que prossigamos com o compromisso de buscar a plena unidade entre
os cristãos201
. A nova evangelização deve ser um acontecimento que encontra no
ecumenismo uma dimensão testemunhal importante de credibilidade frente ao
mundo. Somente por meio de provas significativas de comunhão será possível
caminhar em direção a uma superação das divisões no dom total de si pela causa do
evangelho.202
Três desafios a serem considerados e enfrentados pela nova evangelização são:
1) O desfio da Identidade: Que é Deus? A minha vida está em sintonia com as minhas
convicções?;
2) O desafio da alteridade: quem pratica uma religião diversa da minha, não é
necessariamente um inimigo, mas um peregrino da verdade;
200
Ibidem, II, § 130, p. 80-81. 201
L‟Osservatore. Romano. Cardeal Kurt Kocch, durante a décima terceira congregação geral, sábado
10 de novembro de 2012, número 45, p. 18. 202
Ibidem, p.18.
92
3) O desafio do pluralismo: Deus age em cada pessoa, através de vias que só ele
conhece (AG, 7).203
O caminho da unidade tem sido visto no interior da Igreja como um caminho
possível comum frente aquilo que nos une as outras Igrejas e comunidades cristãs frente
às tarefas comuns no mundo como sinal e testemunho do Reino de Deus. É preciso
olhar para o movimento ecumênico não apenas com algumas suspeitas como se tem
verificado em alguns setores eclesiais, mas como uma exigência de superar as nossas
representações, as quais muitas vezes, se resumem em conflitos bairristas.204
Ao abordarmos neste segundo capítulo a importância de uma profunda
compreensão no que venha a ser evangelização e nova evangelização e a pedra de toque
que é a espiritualidade de comunhão para que os organismos e projetos pastorais
caminhem como forças vivas e dinâmicas uma vez que são formados por pessoas que
compartilham da mesma fé e que devem sempre caminhar na direção de uma
permanente superação daquilo que são preferências pessoais que minimizam a ação do
todo buscando abraçar de modo mais amplo um desafio comum a todo o Corpo de
Cristo de tal modo que a disponibilidade e a abertura de cada discípulo missionário seja
uma predisposição essencial para que se realize um novo pentecostes sobre a Igreja e
nossas pastorais se tornem cada vez mais proféticas e missionárias.
No terceiro capítulo pretendemos abordar a proposta de um “novo paradigma”
que é a conversão pastoral, proposta para um novo Pentecostes em todos os setores da
Igreja. Este Pentecostes tem como finalidade desvelar de modo mais visível o “rosto”
diaconal da Igreja. Uma Igreja servidora de Deus e dos homens.Tendo diante dos olhos
o grande acontecimento de Aparecida em 2007, e que tomou proporções maiores uma
vez que inspirou em muitos aspectos o Sínodo da nova evangelização para a
transmissão da fé cristã e que culminou na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do
Papa Francisco trazendo valiosas contribuições para uma nova primavera de
evangelização na Igreja. Buscaremos fazer uma conexão entre a evolução do Conceito
de Conversão pastoral na proposta de uma identificação clara do cristão com o
discipulado missionário de Jesus Cristo.
203
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Jean-Louis Tauran, Presidente do Pontifício Conselho para o
Diálogo inter-religioso (Cidade do Vaticano), sábado 27 de outubro de 2012, número 43, p.6. 204
L‟ Osservatore Romano. Prof. Emmanuel [Adamakis], Metropolita de França, Presidente da
Conferência das Igrejas Europeias, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 15.
93
III- CAPÍTULO
CAMINHOS PARA UM NOVO PENTECOSTES
2. Conversão Pastoral: Um novo paradigma e um novo programa de missão
A missão continental é verdadeiramente um grande sopro do Espírito Santo que
trará tempos novos para o ambiente eclesial, partindo da América Latina e Caribe para
toda a Igreja. A conferência dos Bispos que se realizou em Aparecida foi de fato um
grande pentecostes para toda a Igreja e uma referência de como caminhar a luz dos
caminhos do Espírito para viver um novo pentecostes no interior da Igreja e fora de seus
muros físicos. O Acontecimento da V Conferência Geral do Episcopado Latino-
Americano e do Caribe realizado em Aparecida retomou com intensidade o termo
Ecclesia peregrinans natura sua missionária est. Como a Igreja Peregrina é, por sua
natureza, missionária205
, é a partir desta chave de leitura que se propõe uma renovada
ação evangelizadora e pastoral:
“Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para
que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a
estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à
evangelização do mundo atual que à auto-preservação. A reforma das
estruturas, que a conversão pastoral exige só se pode entender neste
sentido: fazer com que todas elas se tornem mais missionárias, que a
pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais
comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude
constante de «saída» e, assim, favoreça a resposta positiva de todos
aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade. ”206
A missão Continental realizada em Aparecida não termina com um documento,
mas é justamente referência para A Igreja Universal que se faz presente em toda face do
urbi e do orbe. A Igreja a partir da América Latina percebe que a missão continental é o
modo de levar a cabo o compromisso evangelizador dos pastores da Igreja em
comunhão com todo o povo de Deus.
205
CONCÍLIO VATICANO II. Decreto Ad Gentes, § 2; 5-6; 9-10; Constituição Dogmática Lumen
Gentium, § 8; 13; 17; 23; Decr. Cristus Dominus, § 6. Petrópolis: Vozes, 1968. 206
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, I §
27, p. 23.
94
O acontecimento de Aparecida empenha profundamente a Igreja no continente
Latino-americano, porém têm uma real significação para a Igreja em sua universalidade.
O acontecimento de Aparecida tomou proporções maiores através da convocação para o
Sínodo dos Bispos em 2012.
Queremos aqui apresentar alguns pontos que foram assinalados no Sínodo, e que
denotam justamente o grande sinal de esperança que foi para a Igreja todo o
acontecimento de Aparecida, agora remodelado em uma maior configuração. Este
acontecimento fora uma grande iniciativa do Papa Bento XVI e dos Padres Sinodais
para pensar e refletir mais amplamente o ano da Fé considerando de modo particular a
missão evangelizadora da Igreja.
A missão continental quer ser na Igreja uma missão universal que tira a Igreja de
uma ação de “simples administração” e a coloca num “estado permanente de missão”.207
Seja a missão ad extra, que por sua vez está intimamente ligada a missão ad intra. A ad
intra e a ad extra enriquecem-se mutuamente exortando a servir de forma única à
missão de evangelização.208
A missão continental destacou a importância da presença da ação pastoral no
interior da Igreja e na sua presença no mundo. De modo específico nos últimos duzentos
anos, o significado de Pastoral tem ampliado o seu raio de ação, de tal forma que, em
primeiro se refere ao trabalho dos pastores, depois ás tarefas intra-eclesiais e, por
último, ao diálogo com o mundo.209
A pastoral faz referência à sua ação de modo
específico tendo como referência a ação do próprio Deus na história por meio daqueles
que o Senhor escolhe para colaborar em seu pastoreio:
“Podemos, pois, dizer que a salvação de Deus em relação ao seu
povo apresentada a Israel em termos pastorais e esta salvação se
desenvolveu por meio de mediações humanas nem sempre fiéis como
deveriam. E como a fidelidade de Deus supera a resposta humana, o
seu pastoreio exige uma novidade no comportamento de seus pastores
e que expresse na radicalidade a ação de Deus. Isto nos mostra como
207
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I §
25, p. 22. 208
L‟ Osservatore Romano, D. Olivier Schitthausler, M.E.P. , Bispo Titular de Catabum castra, Vigário
Apostólico de Phnom-Penh (Camboja), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 22. 209
RAMOS, A., J, Teologia Pastoral, Madrid: BAC, 2001, p.18.
95
a ação Divina e ação humana caminham juntas na pastoral e esta
exigência está presente nos tempos messiânicos.”210
A conversão Pastoral é um convite à profundidade do encontro com a pessoa de
Jesus Cristo e o seu estilo evangelizador. Encontro este que é um convite a passar de
uma tradição fraca a uma vivacidade através da adesão pessoal da pessoa de Jesus
Cristo.211
A conversão Pastoral quer ser nos tempos atuais em que a Igreja vive a
oportunidade para renovarmos o grande acontecimento de pentecostes: “Precisamos de
um novo pentecostes para que a salvação de Jesus possa alcançar o mundo inteiro e
transforma-lo, a fim de que a Igreja possa ser renovada e a santidade prospere nela, e
por fim, para que nós, cristãos, procedamos com a nova evangelização.” 212
Outra dimensão importante que ressalta o Papa Francisco na Exortação Apostólica
Evangelii Gaudium é justamente levar a Igreja a viver esta conversão Pastoral por meio
de uma pastoral em chave missionária:
“Uma pastoral em chave missionária não está obsessionada pela
transmissão desarticulada de uma imensidade de doutrinas que se
tentam impor à força de insistir. Quando se assume um objetivo
pastoral e um estilo missionário, que chegue realmente a todos sem
exceções nem exclusões, o anúncio concentra-se no essencial, no que
210
CONRADO, S. O Planejamento Pastoral a Luz do Documento de Aparecida. Revista de Cultura
Teológica, São Paulo, v.16, n. 64, 75-88,- jul/Set 2008. 211
“A evangelização tem como finalidade a conversão dos homens, ou seja o acolhimento da novidade
de Cristo (cf. Instrumentum Laboris, n. 24) Esta conversão começa dentro da Igreja, realizando mudanças
pastorais. Trata-se, nos países de antiga tradição cristã, de passar de um cristianismo de tradição para um
cristianismo de adesão pessoal a pessoa de Jesus cristo e de um compromisso missionário. Esta conversão
pastoral diz respeito a todos os batizados e participantes da vida eclesial, mas sobretudo, aos pastores:
bispos e sacerdotes. A fim de que a nova evangelização não se reduza a um slogan, ou a uma ação a
cumprir, que não seja sufocada pelo imobilismo, da burocracia ou do clericalismo, é importante que
todos os pastores sejam bem mais preparado para a prática do governo pastoral.
Esta conversão dos pastores depende primeiramente de uma obra de santificação pessoal, acompanhada
de uma profunda releitura dos textos conciliares e do magistério da Igreja em vista de uma compreensão
eclesial e teológica da renovação missionária. Esta conversão requer ainda da aprendizagem de um novo
modo de exercer a responsabilidade pastoral; por em primeiro lugar na pastoral ordinária o anúncio direto
da fé, promover uma catequese de iniciação de tipo catecumenal para os principiantes e para os que
recomeçam os percursos apologéticos adequados, desenvolver uma eclesiologia de comunhão que
considere a complementaridade dos estados de vida e dos carismas, favorecer a criação de lugares de
acolhimento e de diálogo aberto às expectativas espirituais, suscitar nos cristãos o testemunho da
caridade. L‟Osservatore Romano, D. Dominique Rey, Bispo de Frejus-Toulon (França), sábado 3 de
novembro de 2012, número 44, p, 22.
212
L‟ Osservatore Romano. D. Gustavo Garcia-Siller, M.S.P.S., Arcebispo de Santo Antônio (Estados
Unidos), sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 14.
96
é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais
necessário. A proposta acaba simplificada, sem com isso perder
profundidade e verdade, e assim se torna mais convincente e
radiosa”.213
A conversão Pastoral é o novo desafio que a Igreja coloca a si mesma no intuito
de retomar um revigorador frescor evangélico:
“Para reencontrar este fervor primitivo do evangelho, aceitaríamos
nós uma segunda conversão? Por vezes temos dificuldade de aceitar a
expressão carregada de emotividade. Mas se trata de saber se nós,
adultos, aceitamos revisões tanto mais difíceis quanto os hábitos de
longos anos e o orgulho da vida que se opõe ao espírito de pobreza e
a espera de Deus? O orgulho da vida cria uma fissura pela qual se
escoa todo o frescor evangélico. Mas, se aceitamos esta conversão em
sua totalidade, em nós o Cristo penetrará as regiões da inteligência e
do coração. Ele atingirá mesmo nossa carne até as entranhas, de
modo que, por nossa vez, tenhamos “entranhas de misericórdia”.214
A urgência missionária de nossos dias exige uma renovada práxis pastoral, é
preciso convocar todas as forças vivas da Igreja para difusão do evangelho.215
1.2 Missão Integral e evangelizadores com Espírito
Esta opção missionária de viver a missão requer evangelizadores com Espírito.
Evangelizadores que se lancem com coragem na missão. Missionários que procuram
viver um permanente pentecostes em suas vidas:
“Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que se
abrem sem medo à ação do Espírito Santo. No Pentecostes, o Espírito
faz os Apóstolos saírem de si mesmos e transforma-os em
213
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica, I, § 35, p, 27. 214
SCHUTZ, R. Dinâmica do provisório. São Paulo: Duas Cidades, 1967, p, 34. 215
CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Carta circular sobre: A Identidade Missionária do Presbítero
na Igreja como dimensão intrínseca do exercício dos Tria Munera,. (Doc 5) Brasília: CNBB, 2011, p. 25.
97
anunciadores das maravilhas de Deus, que cada um começa a
entender na própria língua. Além disso, o Espírito Santo infunde a
força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia
(parresia), em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo
contracorrente. Invoquemo-Lo hoje, bem apoiados na oração, sem a
qual toda a ação corre o risco de ficar vã e o anúncio, no fim das
contas, carece de alma. Jesus quer evangelizadores que anunciem a
Boa Nova, não só com palavras, mas, sobretudo com uma vida
transfigurada pela presença de Deus.”216
Ao caminho pelo qual a evangelização pretende percorrer vivendo uma nova
estação ardorosa, alegre, generosa, e cheia de amor e vivida com uma atitude
contagiante, faz-se necessário imbuído deste mesmo fervor de espírito.217
Os novos
evangelizadores com Espírito abraçarão a missão na sua integralidade. Serão agentes
revestidos de um renovado impulso missionário:
“Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que
rezam e trabalham. Do ponto de vista da evangelização, não
servem as propostas místicas desprovidas de um vigoroso
compromisso social e missionário, nem os discursos e ações
sociais e pastorais sem uma espiritualidade que transforme o
coração.”218
Assumir a conversão pastoral como uma missão integral nos possibilita a
redescobrir algo novo sobre Deus no encontro com o ser humano. O reconhecimento do
outro como um dom alarga os nossos horizontes missionários:
“O amor às pessoas é uma força espiritual que favorece o encontro
em plenitude com Deus, a ponto de se dizer, de quem não ama o
irmão, que «está nas trevas e nas trevas caminha» (1Jo 2, 11),
«permanece na morte» (1 Jo 3, 14) e «não chegou a conhecer a
Deus» (1 Jo 4, 8). Bento XVI disse que «fechar os olhos diante do
próximo torna cegos também diante de Deus» e que o amor é
216
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica, v, § 259, p, 145. 217
Ibidem, V, § 262, p. 146. 218
Op. cit. 146.
98
fundamentalmente a única luz que «ilumina incessantemente um
mundo às escuras e nos dá a coragem de viver e agir”.219
A conversão pastoral como missão integral aproxima os pastores da vida do
povo, os coloca numa atitude de servidores. É justamente nesta atitude ontológico-
existencial que a Igreja na pessoa de seus bispos, sacerdotes, diáconos, leigos
redescobre a missão no coração do povo. A Igreja no contato com o seu ser mais
profundo recupera a sua misteriosa e operosa existência que acontece evangelizando,
“primeireando”, e envolvendo-se com o povo e com o mundo onde se encontra. A
missão dentro do mistério da Igreja não é simplesmente um eslogan, mas é o ser mesmo
da Igreja, se pudéssemos designar outro nome a Igreja seria missão220
, o que melhor
demonstraria esta aproximação com a sua vida e a sua ação, pois está só o é na medida
em que é enviada a anunciar Jesus Cristo:
“A missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou um
ornamento que posso pôr de lado; não é um apêndice ou um momento
entre tantos outros da minha vida. É algo que não posso arrancar do
meu ser, se não me quero destruir. Eu sou uma missão nesta terra, e
para isso estou neste mundo. É preciso considerarmo-nos como que
marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar,
levantar, curar, libertar. Nisto uma pessoa se revela enfermeira no
espírito, professor no espírito, político no espírito, ou seja, pessoas
que decidiram, no mais íntimo de si mesmas, estar com os outros e ser
para os outros. Mas, se uma pessoa coloca a tarefa dum lado e a vida
privada do outro, tudo se torna cinzento e viverá continuamente à
procura de reconhecimentos ou defendendo as suas próprias
exigências. Deixará de ser povo.”221
1.3 Auto-Conversão eclesial
Ao falarmos sobre o tema da conversão eclesial queremos aqui destacar que a
nova evangelização e sua tarefa de começar com um profundo sentido de resposta e de
219
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica, V, § 272, p. 152. 220
CHANTRAINE, G. Les Laics Chretiens Dans le Monde. París: Fayard, 1987, p. 97. 221
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica, V, § 273, p, 153.
99
reverência pela humanidade e pela cultura. A evangelização foi ferida e continua ser
obstada pela arrogância de alguns de seus agentes. A hierarquia deve evitar a
arrogância, a hipocrisia e o sectarismo222
:
“Se a fé de hoje se torna cada vez mais débil, não se podem
acusar os outros, mas a nós mesmos. Se a mensagem da fé não é
mais interessante nem atraente é talvez assim, porque a própria
mensagem já não o é para nós mesmos, porque já não nos
apaixona, porque não pregamos Cristo às nossas famílias e nas
ruas e nas nossas cidades.”223
O apelo à conversão que se torna para Igreja como que um conteúdo
programático é também uma interpelação interna de conversão que se dirige também em
primeira pessoa a própria Igreja: “O convite a evangelizar traduz-se num apelo a
conversão. Sentimos sinceramente que devemos converter em primeiro lugar a nós
mesmos ao poder de Cristo, o único capaz de renovar todas as coisas, antes de tudo as
nossas próprias existências”.224
Toda a conversão eclesial é conversão do coração dos evangelizadores. Anunciar
o evangelho é mudar de vida, metanoia. Esta mudança deve ser um trabalho motivado a
ser desenvolvido em todos os membros da Igreja, sejam os fiéis como os pastores, e de
modo acurado aos futuros pastores da igreja que precisam encontrar ambientes
favoráveis a esta formação mais sólida numa atitude de colaboração e indispensável
labor auto-formativo:
“Não é raro encontrar nas comunidades, quer as locais, quer as
provinciais, grupos que lutam para impor a hegemonia de seu
pensamento e de suas preferências. Isso costuma acontecer quando a
caritativa abertura ao próximo é suprida pelas ideias de cada um. Já
não se defende o todo da família, e sim a parte que me toca. Já não se
adere à unidade que vai configurando corpo de Cristo, e sim ao
conflito que divide parcializa, debilita. E, para os formadores e
superiores, nem sempre é fácil formar nessa pertinência o espírito de
família, especialmente quando é preciso formar atitudes interiores,
222
L‟ Osservatore Romano. Durante a terceira congregação geral. D. Socrates B. Villegas, Sábado 20 de
Outubro de 2012, número 42, p.15. 223
L‟ Osservatore Romano. D. Josef Michalik, Arcebispo de Przemysl dos Latinos, Presidente da
Conferência Episcopal (Polônia), sábado 27 de outubro de 2012, número 43, p, 19. 224
L‟ Osservatore Romano. Sábado 3 de Novembro de 1012, número 44, p. 6.
100
em si pequenas, mas que têm sua repercussão no âmbito do corpo
institucional.”225
Um dos auxílios sacramentais que temos neste caminho de mudança é o
sacramento da reconciliação. O sacramento da reconciliação evangeliza os
evangelizadores porque nos põe em contato com Jesus que nos chama a conversão do
coração e nos inspira a acolher o seu convite a arrepender-nos.226
Esta busca de novos caminhos já começara a ser uma atitude de profunda
delegação e distribuições de novos modos de viver antigas responsabilidades. Um dos
pontos interessantes que aconteceram na Assembleia geral dos bispos foram os
remanejamentos que vieram a acontecer através da pessoa do Papa Bento XVI em
alguns dicastérios da Cúria Romana:
“No contexto das reflexões do Sínodo dos bispos: A Nova
evangelização para a transmissão da Fé Cristã” e na conclusão
de um caminho de reflexão sobre as temáticas dos seminários e
da catequese, de bom grado anuncio que decidi, depois de rezar
e refletir, transferir a competência sobre os seminários da
Congregação para a educação católica para a congregação
para o clero e a competência sobre a catequese da
Congregação para o clero e a competência sobre a catequese
da Congregação para o clero para o pontifício Conselho para a
promoção da Nova Evangelização”.227
Este movimento que busca novos caminhos e novas experiências ajuda a ação
pastoral da Igreja investir em capacidades latentes presentes em todo o povo de Deus.
“Respeitando o que é específico de cada ministério mais avançando sem medo de rever
o que é necessário”.228
Faz-se necessário aqui uma tomada de consciência pelos vários setores da Igreja
de viver um novo estilo do seguimento de Cristo:
225
BERGOGLIO, J. M. Sobre a acusação de si mesmo. São Paulo: Ave-Maria, 2013,p.10. 226
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Timothy Michel Dolan, sábado 20 de Outubro de 2012, número 42,
P.13. 227
L‟ Osservatore Romano. 03 de Novembro de 2012, número 44, P. 5. 228
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I, §
43, p. 32.
101
“A tomada de consciência para gerar comunhão eclesial inicia com a
conversão pastoral (A conversão pastoral é a chave para a
evangelização nova e fervorosa), entendida como aceitação da
manifestação do Reino de Deus e do compromisso de se tornar
discípulo de Cristo para dar a conhecer o mundo (Mc 1, 15),
compromisso que requer a conversão pessoal permanente ( A
conversão pessoal desperta a capacidade de por tudo a serviço da
afirmação do reino da vida. Bispos, presbíteros diácono permanentes,
consagrados, consagradas, leigos e leigas, todos somos chamados a
assumir uma atitude de conversão pastoral permanente, que abrange
a escuta atenta e o discernimento „ do que o Espírito diz as igrejas‟
através dos sinais dos tempos no qual Deus se manifesta.(DA 366)” 229
A comunhão eclesial proposta por uma conversão pastoral é sempre um
acontecimento que coloca a Igreja em um caminho de autenticidade. Esta autenticidade
expressa a opção pelo reino como a preocupação central da decisão por uma vida
evangélica:
“Proponho que os sacerdotes e os bispos examinem constantemente a
própria vida pessoal à luz deste “simples” modo de ser, ou seja, do
ser “simples”. A simplicidade exclui o “auto-engano”, o colocar
“máscaras”, atos típicos de quem está dividido entre a realidade de
ser uma “personagem pública” muito respeitada e a de ser
aparentemente embaixador do Reino. Porque Jesus se sentia “tão à-
vontade” e se identificava perfeitamente com a maior parte do povo
de seu tempo, até com os pecadores? Simplesmente por que se sentia
profundamente à-vontade consigo mesmo, porque era livre como
pessoa radicada numa educação simples e humilde entre os seus
contemporâneos. Ele era mais conhecido como o “filho do
carpinteiro”. A coerência na reflexão pessoal pode evitar a tendência
a ser enviados inconscientemente no mundo superficial do
“protagonismo a qualquer preço” e da busca da visibilidade das
celebridades.”230
A conversão Pastoral quer ser um caminho para elevar o nível espiritual dos
sacerdotes e das comunidades reconhecendo ao mesmo tempo em que somente uma
229
L‟ Osservatore Romano. Relatório de D. Carlos Aguiar Retes, Arcebispo de Tlalnepantla. Missão
Continental para a América. Sábado 20 de Outubro de 2012, n°42, p. 06. 230
L‟ Osservatore Romano. D. Soane Patita Paini Mafi, Bispo de Tonga, Presidente da Conferência
Episcopal (C.E.P.A.C), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p.21.
102
realidade evangelizada é por sua vez evangelizadora.231
Esta dimensão atrai-nos a uma
vida simples dentro de uma frutuosa pobreza evangélica, onde aprendemos não apenas a
renunciar aos bens materiais, mas também a apreciar a simplicidade e a humildade dos
pobres, a sua felicidade baseada no pouco que tem e a sua solicitude para com os
outros.232
O cristão que acolhe viver sua dimensão discipular e missionária busca abrir-se a
convocação do Espírito Santo a sair das “catacumbas do medo” e da consciência de
“nós mesmos” para compartilhar mais Jesus com os outros: Os “espaços originais do
mass media”, ou seja, os campos de Jogos, as ruas, as cidades, os mercados, os night
clubs, os centros comerciais, ou até os bares e os guetos aspiram a ser em certa medida
“Igreja”.233
A auto-conversão eclesial evoca dimensões importantes para uma ação
consolidante da evangelização. Ser evangelizador e anunciar o evangelho é procurar
viver uma identidade profunda:
“O Concílio Vaticano II apresentou a conversão eclesial como a
abertura a uma reforma permanente de si mesma por fidelidade a
Jesus Cristo: „Toda a renovação da Igreja consiste essencialmente
numa maior fidelidade à própria vocação. (…) A Igreja peregrina é
chamada por Cristo a esta reforma perene. Como instituição humana
e terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma‟.á
estruturas eclesiais que podem chegar a condicionar um dinamismo
evangelizador; de igual modo, as boas estruturas servem quando há
uma vida que as anima, sustenta e avalia. Sem vida nova e espírito
evangélico autêntico, sem „fidelidade da Igreja à própria vocação‟,
toda e qualquer nova estrutura se corrompe em pouco tempo.”234
Um aspecto surpreendente também com relação à conversão pastoral que coloca
toda a Igreja em chave de leitura missionária apresenta uma tensão oportuna para uma
231
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Mauro Piacenza, Prefeito da Congregação para o Clero (Cidade do
Vaticano), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 17. 232
L‟ Osservatore Romano. D. Gervas Rozario, Bispo de Rajshsri (Bangladesh), sábado 20 de outubro
de 2012, número 42, p. 23. 233
L‟ Osservatore Romano. D. Emmanuel Adetoyse Badejo, Bispo de Oyo (Nigéria), sábado 10 de
novembro de 2012, número, p. 17. 234
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I, §
26, p. 23.
103
renovação interna da própria Igreja. O Papa Francisco reconhece que ao propor a
conversão pastoral aos Bispos e todos os setores da Igreja o papado também deve ser
alvo desta conversão, pode-se falar desta forma na conversão do papado:
“Dado que sou chamado a viver aquilo que peço aos outros, devo
pensar também numa conversão do papado. Compete-me, como Bispo
de Roma, permanecer aberto às sugestões tendentes a um exercício do
meu ministério que o torne mais fiel ao significado que Jesus Cristo
pretendeu dar-lhe e às necessidades atuais da evangelização. O Papa
João Paulo II pediu que o ajudassem a encontrar «uma forma de
exercício do primado que, sem renunciar de modo algum ao que é
essencial da sua missão, se abra a uma situação nova».Pouco temos
avançado neste sentido. Também o papado e as estruturas centrais da
Igreja universal precisam de ouvir este apelo a uma conversão
pastoral. O Concílio Vaticano II afirmou que, à semelhança das
antigas Igrejas patriarcais, as conferências episcopais podem
«aportar uma contribuição múltipla e fecunda, para que o sentimento
colegial leve a aplicações concretas» Mas este desejo não se realizou
plenamente, porque ainda não foi suficientemente explicitado um
estatuto das conferências episcopais que as considere como sujeitos
de atribuições concretas, incluindo alguma autêntica autoridade
doutrinal.Uma centralização excessiva, em vez de ajudar, complica a
vida da Igreja e a sua dinâmica missionária.”235
Uma das virtudes fundamentais que deve acompanhar todo caminho proposto
pela nova evangelização é a virtude da humildade. Afirmou o Arcebispo de Malinas D.
Luis Tagle nas Filipinas descrevendo um episódio pastoral vivenciado em sua
arquidiocese: “um jovem perguntou: “Somos nós que nos perdemos ou a Igreja que nos
perdeu”.236
Entre esta pergunta e a resposta apresentada por este episódio Sinodal há um
convite de que a Igreja continue a apreender a humildade de Jesus. A força e o poder de
Deus estão no esvaziamento de si através de seu Filho Jesus. A humildade, o respeito e
o silêncio podem recordar de modo mais claro o rosto de Deus em Jesus.
É de fundamental importância redescobrir hoje a Igreja no seu frescor
evangélico. A Igreja será tanto mais convincente quanto ela trazer em si os traços de seu
Fundador. A Igreja sacramento caminhando humildemente pelas estradas da vida será
235
Ibidem, I, § 32, p. 26. 236
L‟Osservatore Romano. Durante a terceira Congregação Geral. D. Luis Tagle. Sábado 20 de Outubro
de 2012, número 42, p.12.
104
uma Igreja que comove o coração. Uma Igreja simples. Uma Igreja hospitaleira. Uma
Igreja orante. Uma Igreja Jubilosa.237
3. Discipulado e Missão
É importante retomar no âmbito da vida eclesial o tema do discipulado cristão.
Como comunidade de fé é preciso procurar compreender melhor o que significa ser
discípulo de Cristo de forma que melhor conhecendo a própria identidade cristã opere-
se um movimento de crescimento e amadurecimento desta mesma identidade mesma.
Tivemos importantes contribuições de experiências no Sínodo sobre o
discipulado que melhor ajuda a compreender a experiência em alguns povos como, por
exemplo, da comunidade asiática:
“Para nós, a religião é mais o discipulado de uma pessoa do
que a adesão a uma doutrina ou a obediência a uma série de
regras. A pessoa de Jesus é profundamente fascinante: a sua
mensagem e a sua vida, a sua paixão, morte e ressurreição. A
adesão a uma doutrina nasce como fruto de ser discípulo de um
mestre. Foi deste modo que os primeiros cristãos proclamaram
a boa nova.”.238
Quando abordamos este tema do discipulado tendo sempre em mente a sua
complementaridade na missão percebemos que a Igreja necessita se preparar com toda a
energia de seus membros para o grande empreendimento da evangelização. Os leigos
são de fundamental importância nesta tarefa de comunicar a fé e os tesouros do
evangelho.
A exortação apostólica Evangelii nuntiandi recorda que “os leigos podem
também sentir-se ou ser chamados a colaborar com seus pastores no serviço da
237
L‟ Osservatore Romano. D. Olivier Schitthausler, M.E.P. , Bispo Titular de Catabum castra, Vigário
Apostólico de Phnom-Penh (Camboja), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 22. 238
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Oswald Gracias, Arcebispo de Bombaim, sábado 20 de Outubro de
2012, número 42, p. 10.
105
comunidade eclesial, para o crescimento e a vitalidade da mesma, exercendo ministérios
muito diversos, segundo a graça e os carismas que o Senhor quiser dispensar.”239
A exortação apostólica Christifidelis laici é assumida na conferência episcopal
latino americano de Santo Domingo, quando propõe:
“Que todos os leigos sejam protagonistas da nova evangelização, da
promoção humana e da cultura cristã. É necessário à promoção
constante do laicato, livre de qualquer clericalismo e sem redução ao
intra-eclesial. Que os batizados não evangelizados sejam os
principais destinatários da nova evangelização. Ela será efetivamente
cumprida se os leigos, conscientes do seu batismo, respondem a
chamada de Cristo a converter-se em protagonistas da nova
evangelização.”240
O sínodo fora um momento propositivo para que todos os bispos, sacerdotes,
diáconos, religiosos e leigos sejam renovados concretamente na fé e na vida cristã para
que aspirem um discipulado e a transmissão da Boa Nova, com referência ao magistério
da Igreja, á liturgia, a vida de oração, e a formação permanente.241
Muitos viram a
urgência de acompanhar de maneira progressiva a formação dos pastores locais e dos
leigos através da criação de seminários e de centros de formação, assim, como o
trabalhar em traduções bíblicas que ajudem em uma frutuosa compreensão das Sagradas
Escrituras.242
No caminho do discipulado é preciso compreender as escrituras em
conexão com os grandes questionamentos do coração humano:
“Hoje, a maioria dos cristãos fica feliz se ninguém lhe faz perguntas.
Entre cinco homens, que podemos encontrar na vida cotidiana, três
estão a percorrer o mesmo caminho do emissário etíope, ou seja,
estão a regressar depois de ter vivido um momento de socialização
religiosa na sua vida atual. Trazem consigo interrogações sobre o
sentido da própria vida, desde seu passado, limitando-se a lê-las
tristemente, sem compreender o que têm a ver com as suas próprias
vidas. Compraram até um documento da mensagem bíblica,
239
PAULO VI. Evangelli Nuntiandi. Exortação Apostólica, 1976. São Paulo: Paulinas, 22ª edição2011,
V, § 73, p. 92. 240
L‟ Osservatore Romano. D. Leonardo Ulrich Steiner, O.F.M. Bispo auxiliar de Brasília, sábado 3 de
novembro de 2012, número 44, p. 7. 241
L‟ Osservatore Romano. D. Francis Xavier Kriengsak Kovithavanij, Arcebispo de Bang-Kok
(Tailândia), sábado 3 de Novembro de 2012, número 44, p. 21. 242
L‟ Osservatore Romano. D. Jean-Baptiste Tiama, Bispo de Sikasso, Presidente da Conferência
Episcopal (Mali), sábado 3 de Novembro de 2012, número 44, p. 21.
106
exatamente como o viajante tinha comprado o trecho de Isaías, mas
não tem ninguém para orientá-los, ninguém para lançar uma ponte
entre a palavra da fé e sua vida cotidiana. [...] Muitas vezes, não nos
deixamos envolver pelos problemas das outras pessoas, porque os
temos medo de tê-los que resolver em seu lugar. Talvez ele precise
apenas de ser ouvido, de partilhar os seus pensamentos e de um ato
benéfico por parte de alguém capaz de se por em seu lugar, que sobe
a carroça de sua vida e leve a sério as suas perguntas. Isso significa
iniciar a refletir a partir do lugar onde o outro se encontra.”243
É importante retomar no âmbito da vida eclesial o tema do discipulado cristão.
Como comunidade de fé têm vários testemunhos importantes neste sentido, como por
exemplo, a inculturação do cristianismo nas dimensões asiáticas. O discipulado tornou-
se uma arte a se viver:
“para nós, a religião é mais o discipulado de uma pessoa do que a
adesão de uma doutrina ou a obediência a uma série de regras. A
pessoa de Jesus é profundamente fascinante: a sua mensagem e a sua
vida, a sua paixão, morte e ressurreição. A adesão a uma doutrina
nasce como fruto do discípulo de um mestre. Foi deste modo que os
primeiros cristãos proclamavam a boa nova”.244
Retomar o tema do discipulado é procurar compreender melhor a própria identidade
cristã:
“O dever de anunciar a verdade salvifíca não é só responsabilidade
do clero e dos religiosos. Aliás, o sínodo ressaltou o importante papel
de cada discípulo de cristo na missão de difundir a fé. O debate
acentuou a participação decisiva e vital de cada católico na missão
evangelizadora, sobretudo mediante o compromisso lícito e graças
aos dons dos fiéis leigos”.245
Vemos de modo claro que a convocação para viver o discipulado e a missão na
Igreja não é tarefa de um grupo de pessoas especiais, mas uma convocação a todo o
batizado:
243
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Joachim Meisner, Arcebispo de Köln (Alemanha), sábado 27 de
Outubro de 2012, número 43, p. 11. 244
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Oswald Gracias, Sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.10. 245
L‟Osservatore Romano. Cardeal Wuerl, relatório post disceptionem, sábado 27 de outubro de 2012,
número 43, p. 4.
107
“Em virtude do Batismo recebido, cada membro do povo de Deus
tornou-se discípulo missionário (Mt 28, 19). Cada um dos batizados,
independentemente da própria função na Igreja e do grau de
instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização, e seria
inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por
agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas
receptor das suas ações. A nova evangelização deve implicar um novo
protagonismo de cada um dos batizados. Esta convicção transforma-
se num apelo dirigido a cada cristão para que ninguém renuncie ao
seu compromisso de evangelização, porque, se uma pessoa
experimentou verdadeiramente o amor de Deus que o salva, não
precisa de muito tempo de preparação para sair a anunciá-lo, não
pode esperar que lhe deem muitas lições ou longas instruções. Cada
cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de
Deus em Cristo Jesus; não digamos mais que somos «discípulos» e
«missionários», mas sempre que somos «discípulos missionários»”.246
É dentro desta consciência e chamado universal ao discipulado que vai se
compreendendo que ser discípulo: significa ter a disposição permanente de levar aos
outros o amor de Jesus; e isto sucede espontaneamente em qualquer lugar: na rua, na
praça, no trabalho, num caminho.247
Dentro desta dimensão do seguimento de Cristo o
discípulo do Senhor vive sob o prisma de uma confiança em Deus frente à
imprevisibilidade dos novos cenários públicos que são para o discípulo lugares de
testemunho de sua fé e de seu seguimento da pessoa de Cristo:
“O discípulo é arrancado de sua relativa segurança de vida e
lançado à incerteza incompleta (isto é, na verdade, para a
absoluta segurança e proteção da comunhão com Jesus); de
uma situação previsível e calculável (isto é, na verdade, de uma
situação totalmente imprevisível) para dentro do imprevisível e
fortuito (na verdade, para dentro do único que é necessário e
previsível); do domínio das possibilidades finitas (isto é, na
realidade das possibilidades infinitas (isto é, na verdade, para a
única realidade libertadora”. 248
246
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, §
120, p.75. 247
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013,
III, § 128, p. 79. 248
BONHOEFFER, DIETRICH. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 2004, p. 21.
108
2.1 Bispos, presbíteros, religiosos e leigos: discípulos missionários.
Outro elemento importante na nova evangelização é a sua dimensão de suscitar
vocações. Uma autentica evangelização corresponde ao desejo de Jesus de “pedir ao
Senhor da colheita que envie operários para sua colheita. (Mt 9, 38). Evangelização e
vocação são dois elementos inseparáveis. Aliás, critérios de autenticidade de uma eficaz
evangelização é a sua capacidade de suscitar vocações, de amadurecer projetos de vida
evangélica de envolver inteiramente as pessoas que são evangelizadas, até os tornar
discípulos, testemunhas e apóstolos.
O despertar de vocações deve ser compreendido não como uma mera conquista,
mas como uma presença servidora.249
A vocação é sempre uma participação no mistério
pascal de Cristo, e de modo específico se formos co-relacionarmos a vocação com o
discipulado veremos que a na origem de toda vocação está o encontro com a cruz de
Cristo. Ser discípulo de Cristo assumindo por meio de uma vocação uma forma de ser e
estar operando na Igreja significa colocar-se nas sendas da cruz. A cruz é imprescindível
ao seguimento de Cristo por meio do discipulado: “Quando caminhamos sem a cruz e
buscamos um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos,
somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor”.250
2.1.1 O Bispo discípulo missionário
O Bispo discípulo missionário tem a missão confiada pelo seu Senhor de ir
visitar as suas ovelhas nas casas, nas praças onde se reúnem os jovens, nos campos
desportivos, nos lugares de festa, nas prisões, nos hospitais, nas escolas e em qualquer
outro lugar para lhes dizer que o caminho da felicidade, da verdade e da vida verdadeira
é Jesus Cristo. É muito importante que o primeiro anúncio e a aproximação dos pastores
não sejam um tanto quanto reprovativa, mas educativa ensinando e infundindo
positivamente valores, ao invés de simplesmente reprovar e não acompanhar aqueles
249
L‟ Osservatore Romano. Pe. Pascual Chávez Villanueva S.D.B., Reitor-Mor da sociedade salesiana
de São João Bosco, Presidente da União dos Superiores-Gerais (U.S.G), sábado 27 de Outubro de 2012,
número 43, P,17. 250
FRANCISCO, Homilia na Santa missa com os cardeais (Roma, 14 de Março de 2013), in: AAS 105
(2013), p. 365-366.
109
que necessitam de instrução religiosa. Verificou-se no sínodo que quando o bispo é
protagonista da evangelização na própria diocese, toda a sua Igreja o segue. Aqui esta
também a arte pastoral que é “catequizar, antes, durante e depois da celebração”.251
A evangelização como arte de viver será na vida do Bispo um caminho pelo qual
vivenciando a amizade com Cristo será ele também para sua comunidade diocesana um
amigo de Deus e um amigo de seu povo:
“O encontro com Cristo reveste um caráter profundamente pessoal,
de tipo amistoso. Os amigos são destinatários da dedicação redentora
do Senhor (Jo 15, 18), aos quais Jesus revela o Pai (Jo 15, 15). Nós
bispos corremos o risco de perder a humanidade e a sensibilidade
pastoral, se os outros compromissos não nos deixarem tempo para
cultivar relações de amizades concretas”.252
É nesta proximidade com o povo real que a vida pastoral vai tomando
tonalidades e sentidos importantes para o bispo. Que prosseguindo para além de um
funcionalismo empresarial ou de uma postura de generais derrotados, é mais oportuno
que os bispos se reconheçam como soldados preciosos no campo do Senhor.253
2.1.2 Os. Sacerdotes discípulos missionários
Onde trabalha um sacerdote zeloso, um homem de vida santa, a fé cresce,
enquanto que onde trabalha um sacerdote tíbio, tudo se extingue. Os bispos e os
sacerdotes devem ser homens da nova evangelização e este aspecto da sua vida deve ser
desenvolvido já desde a sua formação no seminário.254
O Sínodo apresentou caminhos importantes para serem trilhado por aqueles que
desejam tornar-se um pastor construtivo no desempenho de sua colaboração com o
Bispo Local no exercício de seu sacerdócio, assim, como reconheceu também a
importância de que alguns teólogos pode também desenvolver trabalhos relevantes em
251
L‟ Osservatore Romano. D. Juan de La Caridad Garcia Rodríguez(cuba), Sábado 20 de Outubro de
2012, número 42, p.10. 252
L‟ Osservatore Romano. D. Antonio Arregui Yarza, Arcebispo de Guayaquil, Presidente da
Conferência Episcopal do Equador, sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p. 15. 253
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, II,
§ 96, p. 61. 254
L‟ Osservatore Romano. D. Ján Bab Jack, S.J, Arcebispo metropolitano de Presov dos católicos de
rito bizantino, Presidente do conselho da Igreja Eslovaca, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p.
14.
110
prol do Reino de Deus, contudo por outro lado constatou algumas deficiências e alguns
obstáculos a nova evangelização advinda da má vivência do ministério sacerdotal:
“O maior obstáculo para se tornar teólogo ou pastor construtivo, e,
por conseguinte, eficaz na perspectiva da nova evangelização, é sem
dúvida alguma soberba com o seu aliado natural: o egoísmo. A mania
de se tornar grande, original, importante, levam não poucos a serem
„Pastores que apascentam a si mesmos e não o rebanho‟ (Ez 34, 8;
Santo Agostinho, Sobre os Pastores), na realidade tornam-se pouco
relevantes no Reino dos céus, contraproducentes para o crescimento
da Igreja e para a evangelização. Dado que em cada um de nós,
depois do pecado original, há uma dose de soberba, devemos fazer
constantemente nesta matéria um sólido exame de consciência e, aos
pés da cruz, aprender a humildade e o amor autêntico”.255
Um ministério presbiteral vigoroso exige o compromisso de cada presbitério na
sua formação permanente, mas exige também a proposta institucional das Igrejas
particulares, singularmente ou com as outras Igrejas da região ou do país.256
Promover
uma permanente formação dos presbíteros possibilitando uma melhor atualização
teológica-Pastoral-Espiritual mostra-se fecundo em todos os sentidos, uma vez que
muitos presbitérios se veem carentes de uma sólida e atualizada formação.
O sínodo constatou por várias experiências vividas no decorrer dos anos que a
ignorância, o cansaço, o desencorajamento, a indiferença, a rotina danificaram
imensamente o espírito presbiteral.257
Por outro lado é preciso ver o sacerdote hoje não
apenas como um “ministro do culto”, mas também um representante de Cristo-esposo,
que veio para desposar a humanidade.258
O sacerdote deve ser ele também, um
apaixonado pela humanidade. O múnus regendi vivido pelos sacerdotes diz respeito a
um governo que opera pelo serviço a Deus e a comunidade:
Não se esqueça que, quando falamos da potestade sacerdotal,
„estamos na esfera da função e não na da dignidade e da
santidade‟. O sacerdócio ministerial é um dos meios que Jesus
utiliza ao serviço do seu povo, mas a grande dignidade vem do
Batismo, que é acessível a todos. A configuração do sacerdote
255
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Zenon Grocholewski, Prefeito da Congregação para a Educação
Católica (Cidade do Vaticano), sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.13. 256
L‟ Osservatore Romano. D. Carlos Maria Franzini, Bispo de Rafaella (Argentina), sábado 20 de
Outubro de 2012, número 42, p, 15. 257
L‟ Osservatore Romano. D. Fábio Svescún Mutis, Bispo Ordinário Militar (Colômbia), sábado 20 de
outubro de 2012, número 42, p, 16. 258
L‟ Osservatore Romano. D. André Léonard, Arcebispo de Malina-Bruxelas, Presidente da
conferência Episcopal (Bélgica), sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p, 23.
111
com Cristo Cabeça – isto é, como fonte principal da graça –
não comporta uma exaltação que o coloque por cima dos
demais. Na Igreja, as funções „não dão justificação à
superioridade‟ de uns sobre os outros ”.259
O frutuoso anúncio do evangelho por parte do sacerdote discípulo-missionário
terá o desejado impacto frutuoso não apenas pelo discurso que este pode apresentar a
sua comunidade, mas principalmente através da presença de um pastor próximo que
caminha com o seu povo com a eloquência do bom exemplo.260
2.1.3 A vida consagrada discípula e missionária
A vida consagrada sempre foi uma preciosa ajuda a toda a Igreja no que se refere
a sua missão evangelizadora. Hoje mais do que nunca a Igreja percebe a necessidade de
um renovado testemunho na vida religiosa e a necessidade de continuar por meio de um
testemunho profético anunciando os valores do Reino de Deus que se faz presente em
meio aos homens. Isto implica em colocar Cristo no centro da própria vida e a coragem
de testemunhar abertamente a sua pessoa.261
O Sínodo procurou novamente convidar a
vida religiosa a fazer confluir as potencialidades de cada carisma específico da vida
consagrada a uma preciosa colaboração no programa diocesano de evangelização.
A vida Religiosa nesta dimensão de conversão pastoral é convocada a dar um
testemunho mais eloqüente de presença e de abertura e a lançarem-se em meio aos
novos desafios e a vencerem a tentação de se tornarem multinacionais, desempenhando
um trabalho bom e útil para responder as necessidades materiais esquecendo-se de seu
fim principal de anunciar o evangelho.262
A vida religiosa discípula e missionária deve recuperar o amor a evangelização e
o compromisso com o mundo:
Hoje nota-se em muitos agentes pastorais, mesmo pessoas
consagradas, uma preocupação exacerbada pelos espaços pessoais de
259
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, II,
§ 104, p. 65. 260
L‟ Osservatore Romano. D. Benjameim Phiri, auxiliar de Chipata, zâmbia, sábado 3 de novembro de
2012, número 44, p. 18. 261
L‟ Osservatore Romano. Pe. Mauro Johri, O.F.M.Cap, Ministro Geral da Ordem Fransciscana dos
Frades Capuchinhos, sábado 27 de outubro de 2012, numero 43, p. 17. 262
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Telesphore Placidus Toppo, Arcebispo Ranchi, Presidente da
Conferência Episcopal (Índia), sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 18.
112
autonomia e relaxamento, que leva a viver os próprios deveres como
mero apêndice da vida, como se não fizessem parte da própria
identidade. Ao mesmo tempo, a vida espiritual confunde-se com
alguns momentos religiosos que proporcionam algum alívio, mas não
alimentam o encontro com os outros, o compromisso no mundo, a
paixão pela evangelização. Assim, é possível notar em muitos agentes
evangelizadores não obstante rezem uma acentuação
do individualismo, uma crise de identidade e um declínio do fervor.
São três males que se alimentam entre si.263
É de fundamental urgência recuperar em muitas comunidades onde se vive a
vida consagrada o caráter profético da missão, sendo em primeiro lugar profetas nas
estruturas ad intra para serem também profetas e sinais do reino de Deus ad extra:
“Para quantos estão feridos por antigas divisões, resulta difícil
aceitar que os exortemos ao perdão e à reconciliação, porque pensam
que ignoramos a sua dor ou pretendemos fazer-lhes perder a memória
e os ideais. Mas, se virem o testemunho de comunidades
autenticamente fraternas e reconciliadas, isso é sempre uma luz que
atrai. Por isso me dói muito comprovar como nalgumas comunidades
cristãs, e mesmo entre pessoas consagradas, se dá espaço a várias
formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, a
desejos de impor as próprias ideias a todo o custo, e até perseguições
que parecem uma implacável caça às bruxas. A Quem queremos
evangelizar com estes comportamentos?”. 264
2.1.4 Leigos discípulos missionários
São de fato os leigos que, pela sua índole secular, têm a responsabilidade de
transformar a realidade social, cultural, política, e econômica dos nossos povos.265
É
preciso potencializar a missão dos leigos no interior da Igreja, e parar de vê-los apenas
objetos de evangelização. Na verdade os leigos são os primordiais sujeitos da nova
evangelização através de um testemunho eficaz no coração da sociedade.266
É preciso
263
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, II,
§ 78, p. 52. 264
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, II,
§ 100, p. 63. 265
L‟ Osservatore Romano. D. José Luis Azuaje Ayala, Bispo de El Vigía-San Carlos Del Zulia,
Presidente da Conferência Episcopal (Venezuela), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 20. 266
L‟ Osservatore Romano. D. José S. Palmo, Arcebispo de Cebu, Presidente da Conferência Episcopal
(Filipinas), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 21.
113
também com que estes mesmos leigos encontrem em seus pastores a presença e o
auxílio necessários para que sejam confirmados em sua missão dentro da vida secular.
A nova evangelização que deve ser tomada pelos leigos na Igreja não pode ser
um evento apenas a nível paroquial, mas deve ser um acontecimento que leva ao
encontro aqueles que se distanciaram da vida da fé. A autêntica evangelização procurará
encurtar caminhos e colocar-se a caminho e em direção aos nossos irmãos que ficaram
pelo caminho. É preciso ir até o encontro daqueles que não se identificam com a Igreja
em seus próprios ambiente como por exemplo; clubes , creches, hospitais, prisões,
shoppings. É preciso ir até a casa das mães e pais daqueles que se preparam para a
primeira comunhão, é preciso encurta e se por a caminho.
O sínodo foi também uma grande oportunidade para constatar que muitos leigos
na tarefa da evangelização desempenham um papel de verdadeiros protagonistas, muitos
dedicam a própria vida a missão evangelizadora da Igreja.267
A evangelização, a transmissão da fé passa principalmente de uma pessoa a
outra. Cada batizado é capaz de testemunhar aos parentes, vizinhos e colegas, a alegria
humilde de conhecer a Cristo.268
Hoje a Igreja precisa de leigos bem formados e bem
informados, capazes de renovar e frutificar a ordem temporal. Para tal, a formação dos
leigos deve estar no cimo da nossa lista de prioridades.269
O dinamismo missionário é
importante para um novo impulso à tarefa missionária:
“Quando mais precisamos dum dinamismo missionário que leve sal e
luz ao mundo, muitos leigos temem que alguém os convide a realizar
alguma tarefa apostólica e procuram fugir de qualquer compromisso
que lhes possa roubar o tempo livre. Hoje, por exemplo, tornou-se
muito difícil nas paróquias conseguir catequistas que estejam
preparados e perseverem no seu dever por vários anos. [...] Isto,
muitas vezes, fica-se a dever a que as pessoas sentem imperiosamente
necessidade de preservar os seus espaços de autonomia, como se uma
tarefa de evangelização fosse um veneno perigoso e não uma resposta
alegre ao amor de Deus que nos convoca para a missão e nos torna
267
L‟ Osservatore Romano. D. Benedito Beni dos Santos, Bispo de Lorena (Brasil), 27 de Outubro de
2012, número 43, p, 9. 268
L‟ Osservatore Romano. D. Yves Le Sux, Bispo de Le Mans (França), sábado 27 de Outubro de
2012, número 43, p, 11. 269
L‟ Osservatore Romano. D. Julian Winston Sebastian Fernando, S.S.S., Bispo de Badulla (Siri
Lanka), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p, 20.
114
completos e fecundos. Alguns resistem a provar até ao fundo o gosto
da missão e acabam mergulhados numa acédia paralisadora”.270
3 A Igreja diaconal como rosto autentico da comunidade cristã.
Não é o poder e nem mesmo a dignidade, mais a humildade e a disponibilidade
que constituem os ministérios na Igreja. As pessoas de nosso tempo estão ávidas de ver
o rosto diaconal da Igreja. Querem ver a Igreja diaconal a serviço do plano de Deus no
mundo. Uma Igreja serva que a exemplo de seu Senhor e mestre foi aos pés, e pode se
sentir próxima daqueles que vivem debaixo de inúmeras angustias e desesperos e falta
de sentido na própria vida. O serviço recíproco entre os cristãos e a comunidade local
faz refletir uma auto-comunicação da Igreja como servidora ao modelo de seu fundador
que soube servir e dar a sua vida por muitos. É a partir desta configuração que passamos
a refletir e a pensar nestas ultimas páginas que virão a Igreja vista como comunidade, a
Igreja em seu mistério diaconal.
O serviço diaconal da Igreja quer apresentar a paternidade de Deus como uma
aproximação amorosa do ser humano a partir da pessoa de seu Filho Jesus. O
testemunho diaconal da atenção as pessoas no mundo de hoje é muito bem
compreendido.271
Quem com a graça do Espírito Santo alcança esta experiência
fundamental e originária de Jesus; a filiação, encontrando esta experiência encontra a
vida e possui a força de realizar o projeto de Deus.
Outro ponto fundamental ao apresentarmos o rosto diaconal da Igreja é
justamente de vê-la como a servidora da comunidade e criadora de comunhão. Somente
que veio para servir pode criar laços verdadeiramente perduráveis. Dentro desta
perspectiva a família a paróquia, a Igreja doméstica, os novos movimentos e as novas
comunidades tornam-se ambientes de serviço e de doação humilde. A Igreja diaconal é
uma Igreja que comunica Deus pela pregação e pelas atitudes. Não pode existir maior
alegria para a Igreja de Jesus Cristo do que comunicar aquilo ou Aquele que a faz feliz.
270
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013,
II,§ 81, p. 53. 271
L‟ Osservatore Romano. D. Franz-Josef Hermann Dode, Bispo de Osnabruck (Alemanha), sábado 10
de novembro de 2012, número 45, p. 17.
115
Contudo a Igreja diaconal compreende que a verdadeira evangelização brota do
encontro com Deus e com os homens sob a Guia do Espírito Santo.272
O amor diaconal manifesta-se na paixão que o Filho de Deus manifestou aos
homens. Neste amor está o fundamento da paixão que a Igreja deve vivenciar por cada
ser humano.273
Uma linha teológica-pastoral para a reflexão e concretização da nova
evangelização se construa ao redor desta linha de “comunhão-testemunho-serviço.”274
É
dentro deste modelo diaconal que descrevemos aqui algumas observações feitas pelo
sínodo dos Bispos e que demonstram de modo claro que a tradição e a transmissão fiel
da Palavra de Deus, testemunhada no cânon das Escrituras, por meio dos profetas e
apóstolos e na leiturgia(liturgia), martyria (testemunho) e diakonia275
(serviço) da
Igreja.276
A transmissão da fé encontrará nesta tríade comunicante a expressão de uma
dinâmica continuada nos Actus Christi Testimonial, que convida a Igreja a uma
participação mais operosa enquanto esposa que convoca a humanidade a união com
Deus por meio das relações humanas por meios dos Actus Christi Relacional.277
3.1 O Querigma: O primeiro anúncio e novas perspectivas
O sínodo dos bispos foi um grande cenário para refletir sobre as novas
perspectivas e ações concretas para a nova evangelização. Uma das propostas foi
272
L‟ Osservatore Romano. D. Ricardo Antonio Tobón Restrepo, Arcebispo de Medellín (Colômbia),
sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 19. 273
L‟ Osservatore Romano, Pe. José Rodríguez Carballo, O.F.M, Ministro Geral da Ordem dos
Fransciscanos dos Frades menores, sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p.14. 274
L‟ Osservatore Romano, D. Mario Del Valle Moronha Rodríguez, Bispo de San Cristobál
(Venezuela), 27 de Outubro de 2012, número 43, p.19. 275
“O sentido de diakonía está estreitamente relacionado com o forte gesto de Jesus na última ceia – o
lava-pés. Contrapondo-se à “bacia da omissão de Pilatos” está a “bacia do serviço de Jesus” na quinta
feira Santa. Com toalha nas mãos, ele se faz o menor, quem serve, inaugurando uma nova ordem de
relação interpessoal, fundada no descentrar-se de si mesmo para “amar primeiro”, assim como Deus nos
amou: “Já não vos chamo servos, mas amigos” (Jo 15, 15); “quem não se fizer o menor, como as crianças,
não entrará no Reino dos Céus” (Mt 11, 11; Lc 7, 28; 9, 48).BRIGHENTI, AGENOR. A Pastoral dá o
que pensar: A inteligência da Prática transformadora da fé. São Paulo: Ed: Paulinas, 2ª Edições, 2011, p.
130. 276
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. Teologia hoje: perspectivas, princípios e critérios.
Brasília: CNBB, 2012, p. 16. 277
FERREIRO, FRANCISCO. Cristologia Del Testimonio en El Concilio Vaticano II. Búsqueda Del
“centro real” Del Concílio Vaticano II a partir Del estúdio Del Actus Christi. Madrid, Universidade San
Dámaso, 2011, p. 465.
116
justamente aproximar novamentente o querigma da catequese, potencializando estas
duas vias de transmissão da fé para melhor servir a causa da evangelização:
“A proclamação Querigmática exige a conversão ao Senhor
ressuscitado Jesus Cristo através do Batismo. A catequese de maneira
diferente mais não separada promove o crescimento e a instrução na
vida cristã. Ambos constituem dois aspectos de uma única ação
pastoral. O primeiro anúncio e a catequese devem cantar unidos ao
mundo, em harmonia perfeita, um dueto que responda novamente ao
mandato do Senhor Jesus: “Ide, por todo o mundo e anuncia o
evangelho a todas as criaturas” (Mc 16, 15)”278
Gera preocupação a escassez do primeiro anúncio na vida cotidiana.279
A
retomada atualidade do querigma faz-se necessário para uma evangelização no quadro
de prioridade em nossos dias. Anunciar a palavra de Deus em todas as ocasiões,
oportuna e inoportunamente, recuperando a voz profética da Igreja, buscando discernir
os sinais dos tempos.
O retorno a uma compreensão que auxilia a nova evangelização em chave
querigmática é fundamental importância. O Sínodo percebeu a necessária impostação
profética que a vida laical é chamada a dar através de um testemunho profético no
mundo:
“Cristo, o grande Profeta que, pelo testemunho de sua vida e pela
força da sua palavra, proclamou o reino do Pai, cumpre o seu múnus
profético até à plena manifestação da glória, não apenas por meio da
hierarquia, que ensina em seu nome e com o seu poder, mas também
por meio dos leigos, aos quais estabelece suas testemunhas e aos
quais dá o sentido da fé e a graça da palavra (cf. At 2,17-18; Ap
19,10), para que façam brilhar a força do Evangelho na vida
cotidiana, familiar e social. Eles apresentam-se como filhos da
promessa, quando, fortes na fé e na esperança, aproveitam o tempo
presente (cf. Ef 5,16; Cl 4,5) e com paciência esperam a glória futura
(cf. Rm 8,25). Não escondam esta esperança no interior da alma, mas
exprimam-na também através das estruturas da vida secular, por uma
renovação contínua e pela luta “contra os dominadores deste mundo
278
L‟ Osservatore Romano. D. Chistopher Charles Prowse, Bispo de Sale (Austrália), sábado 27 de
Outubro de 2012, número 43, p. 7. 279
L‟ Osservatore Romano. Pe. Julián Carrón, Presidente da fraternidade de Comunhão e libertação,
sábado, 3 de Novembro de 2012, número 44, p. 16.
117
de trevas e contra os espíritos do mal” (Ef 6,12). Lumen Gentium
(35)”280
3.2 A Igreja: Uma comunidade a serviço do amor e da verdade.
A Igreja é convidada em nossos dias a se fazer presente em meio ao mundo não
como realidade impositiva, mas propositiva e expositiva dos valores que tendem a
enobrecer a família humana. Para isso é preciso ter uma atitude importante de simpatia e
empatia para com o mundo. Neste aproximar-se do “mundo” a Igreja discerne a si
mesma em sua identidade fundamental de ser sinal histórico e escatológico em meio ao
“saeculum”, não somente através de uma contra-posição, mas discernindo os pontos
convergentes destas “duas cidades”:
A cidade de Deus, não é a Igreja visível: muitos das cidade celestial estão na
Roma pagã, e muitos da terrena, na Igreja cristã. As “cidades” são entidades
escatológicas: no juízo final, poderão visualizar-se com seus perfis definidos, como o
joio e o trigo depois da colheita. Até lá, aqui na história, estão intrinsecamente
entremeadas. O “secular” é a existência histórica das duas cidades. Se
escatologicamente elas são mutuamente excludentes, por sua vez no saeculum, o tempo
mundano, não podem ser adequadamente distintas e separadas. A linha divisória passa
pela liberdade dos seres humanos, pessoal e coletiva”.281
A Igreja diaconal é também dialogal não tem medo da diferença e nem teme o
que é humano, porque sabe que o Filho do homem veio trazer a plenitude a todos os
homens e a cada homem. Por isso a Igreja não pode ser vista como realidade poderosa
sempre a se impor, mas uma comunidade diaconal a partilhar a verdade no serviço do
amor.282
A diaconia da verdade é parte central da mensagem do evangelho e de sua
missão.283
280
CONCÍLIO VATICANO II. Lumen Gentium, Constituição Dogmática. Petrópolis: Vozes, IV, § 35,
p.81. 281
BERGOGLIO, JORGE MARIO. Educar: exigência e paixão. Desafios para educadores cristãos.
São Paulo: Ave-Maria, 2013, p.153. 282
L‟ Osservatore Romano. D. Santiago Silva Retamales. Secretário do Conselho episcopal latino-
americano, sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 18. 283
L‟ Osservatore Romano. D. Zygmwski, Arcebispo emérito de Radom (Polônia). Presidente do
Pontifício Conselho para a pastoral no campo de saúde (Cidade de Vaticano), sábado 10 de novembro de
2012, número 45, p. 20.
118
A nova evangelização a serviço do amor e da verdade priorizará a formação de
cristãos coerentes, capazes de responder sobre a própria fé, mediante palavra simples e
sem temor.284
A comunidade do amor e da verdade deve na sua ação apostólica transbordar as
torrentes e os rios caudalosos da graça de Deus de que dispõe. Isto somente irá
acontecendo saindo. Saindo para acolher, saindo pelas estradas da vida:
“Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo!
Repito aqui, para toda a Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos
sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: prefiro uma Igreja
acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma
Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às
próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o
centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e
procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e
preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que
vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo,
sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de
sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova
o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa
proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos
hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma
multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: «Dai-lhes vós
mesmos de comer» (Mc 6, 37).285
É dentro desta cultura do encontro que o caráter testemunhal da vida dos cristãos
torna-se um meio indispensável a nova evangelização pois a “evangelização não se
realiza só através da pregação pública do Evangelho, nem unicamente através das
obras de relevância pública, mas também por meio do testemunho pessoal, que é
sempre uma via de grande eficácia evangelizadora”.286
3.3 KAIRÓS: Um novo encontro pessoal com Jesus Cristo na Igreja
284
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Jean-Louis Tauran, Presidente do Pontifício Conselho para o
Diálogo Inter-Religiosos (Cidade do Vaticano), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 6. 285
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I,
§ 49, p. 34-35. 286
CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ. Nota Doutrinal sobre alguns Aspectos da
Evangelização. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 21.
119
O caráter pessoal do cristianismo se configura a partir do encontro pessoal com
Jesus Cristo e da relação com Ele. Esta dimensão do encontro tem sua especificidade na
experiência de conversão. A conversão é o chamado de Deus para que o homem
caminhe na sua companhia, e este caminhar se dá “com” e “na” Igreja. A Igreja é o
“Locus” do encontro com Jesus Cristo. Esta “communio” é a sinalização testemunhal
do serviço de amor que a Igreja realiza como meio eficaz na evangelização.287
É
justamente dentro desta comunhão eclesial que escutamos o convite da Igreja na Pessoa
do Papa Francisco: “Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se
encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo
menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de procurá-lo dia a dia sem
cessar”.288
A nova evangelização propõe uma hermenêutica de continuidade no que se
refere à vivência da própria fé e adesão a Pessoa de Jesus Cristo. Outro elemento
importante a ser enfrentado é a separação intelectual e ideológica de Cristo e de sua
Igreja. Algo que seria de difícil compreensão e o que dificultaria uma adesão plena ao
evangelho e ao programa apresentado por Cristo que passa pela sua Igreja, pois, “a
Igreja é em Cristo, o sacramento, ou seja, o sinal e o instrumento da união intima com
Deus e da unidade de todo o gênero humano”.289
Dentro desta mesma reflexão
encontramos uma abertura a superação de toda a forma de individualismo produzido de
modo exacerbado pela secularização como se cada pessoa tivesse que receber um acento
especial no que lhe é particular desconectando assim a pessoa do todo da sociedade o
que minimiza os relacionamentos pessoais.
Ao refletirmos sobre o conceito de evangelização devemos ter claro que este
conceito se esclarece à medida que cresce na pessoa o evento e o acontecimento do
encontro com a pessoa de Jesus Cristo. A dimensão eclesiológica da Igreja aqui se
demonstra em sua fundamental importância. O encontro com a pessoa de Jesus remete a
pessoa a sua família que é a Igreja. Tornar-se discípulo seguidor de Jesus significa
287
L‟ Osservatore Romano. D. Leo Laba Ladjar, O.F.M. Bispo de Jayapura( indonésia), sábado, 3 de
novembro de 2012, número 44, p, 16. 288
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, §
3, p. 8. 289
SÍNODO DOS BISPOS. Instrumentum Laboris.A nova evangelização para a transmissão da fé.
Brasília: CNBB, 2012, I, § 27, p.37.
120
inserir-se nesta grande família espiritual que tem como fundamento tornar de modo
claro a presença do Reino de Deus através da vida e da missão dos cristãos neste
mundo: “A obra de evangelização consiste em repropor ao coração à mente, não pouca
vezes distraídos e confundidos, dos homens e das mulheres do nosso tempo, antes de
tudo a nós mesmos, a beleza e a novidade perene do encontro com Cristo.”290
Este fortalecimento da própria vida cristã é um caminho eficaz e um instrumento
necessário para nova evangelização. Um caminho que se resumisse somente numa via
intelectual se demonstraria insuficiente, é necessário “um contato pessoal com o Deus
vivo”291
verdadeiro promotor da vida nova.
Para uma nova guinada na maneira de compreender a fé cristã e sobre sua
incidência na vida humana nos deparamos com dois dos problemas que são atualmente
claramente verificáveis que são justamente o limite entre abraçar a fé em Jesus Cristo e
o inteirar-se de uma fé que passa também pelo circuito institucional. Um fenômeno
aparentemente insignificante, mas que a cada ano toma proporções maiores é justamente
o fenômeno dos “novos cristãos”, ou seja, daquelas pessoas que até se propõe a iniciar
um caminho espiritual, contudo se veem profundamente perplexos quando este caminho
quase que necessariamente precisa passar pelo caminho da instituição. Sabemos, porém
que é necessário que existam alguns sinais para identificar a necessária eclesiologia para
um desenvolvimento harmônico da própria caminhada de fé dentro de um ambiente
favorável ao desenvolvimento da própria vivência cristã: A Igreja é o espaço em que
Cristo se oferece ao ser humano na história para o poder encontrar, porque ele lhe
confiou a sua Palavra, o Batismo que nos torna Filhos de Deus, o seu Corpo e o seu
Sangue, a graça do perdão do pecado, sobretudo no sacramento da reconciliação, a
experiência da Comunhão que é reflexo do próprio mistério da Santíssima Trindade, a
força do Espírito que gera caridade para com todos.”292
Entretanto, é importante
compreender que a dilatação do Reino de Deus acontece mesmo frente as fragilidade
humanas seja dos Pastores da Igreja, assim como as de todo o povo de Deus: “Sabemos
que devemos reconhecer humildemente a nossa vulnerabilidade ás feridas da história e
não hesitemos em reconhecer os nossos pecados pessoais. Estamos também
290
L‟ Osservatore Romano. Sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p. 06. 291
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Zenon Grocholewsk, Prefeito da Congregação para a Educação
Católica (Cidade do Vaticano), sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 13. 292
L´ Osservatore Romano. Sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 6.
121
convencidos de que a força do Espírito do Senhor pode renovar a sua Igreja e tornar
esplendorosa a sua veste, se nos deixarmos plasmar por ele.293
A igreja por sua vez como serva do evangelho não pode se omitir frente às
urgências que lhe são colocadas e que lhe evocam o cumprimento da sua própria missão
que é anunciar o evangelho: “A Igreja está envolvida neste movimento de Auto-
revelação Divina que começa com a Bem-Aventurada Virgem Maria quando sob a ação
do Espírito Santo, recebe no seu seio a Palavra de Deus que se encarnou nela para
poder se dar ao mundo inteiro”.294
3.4 Em torno da Palavra
O conteúdo programático da nova evangelização será tanto mais eficiente quanto
mais for capaz de se fazer em torno da Palavra de Deus. A nova evangelização terá
como auxilio fundamental o uso das Sagradas Escrituras, em unidade com os
sacramentos e os diversos aspectos da vida cristã.295
Fora recordado no Sínodo a grande paixão que tinham os Padres da Igreja pelas
Sagradas Escrituras e suas interpretações. Os seus comentários bíblicos são místicos,
totalizadores, mistagógicos, simbólicos e alegóricos. Sobretudo, suas homilias
catequéticas. Além disso, serviam da poesia como melhor instrumento de
evangelização.296
Um dos pontos fundamentais desta renovada aproximação da Palavra de Deus é
a atitude de escuta: “A evangelização não começa com a pregação, mas com a escuta.”
297 . É na escuta da Palavra que somos gerados: “A Palavra de Deus é o ventre do nosso
ser, e para encontrar a „novidade‟ tão desejada, para a evangelização do presente,
293
Ibidem, p. 6. 294
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Wuerl, O relatório post disceptationem, sábado 27 de Outubro de
2012, número 43, p.4. 295
L‟ Osservatore Romano. D. Ricardo Blasquez Péres, Arcebispo de Valladolid (Espanha), 27 de
outubro de 2012, número 43, p. 9. 296
L‟ Osservatore Romano. D. Joseph Kallarangatt, Bispo de Palai dos Sírios Malabares (Índia), sábado
27 de Outubro de 2012, número 43, p 8. 297
L‟ Osservatore Romano. Sua Excelência Leo Makkonen, Arcebispo de Karelia e de toda Finlândia,
Patriarcado Ecumênico, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 14.
122
devemos voltar a este lugar original do nosso ser. A Palavra tornada é „espírito e vida‟,
este é o lugar.” 298
A evangelização é a pregação da Palavra, a qual é a resposta á Palavra
transmitida por Deus e, portanto, é uma realidade Divino-humana expressa sob forma
interpessoal.299
A nova evangelização é um acontecimento que tem a Palavra de Deus como uma
referência insubstituível, pois é por meio desta palavra que a Igreja se consolida, pois
ela é o coração de toda atividade eclesial:
“Não é só a homilia que se deve alimentar da Palavra de Deus. Toda
a evangelização está fundada sobre esta Palavra escutada, meditada,
vivida, celebrada e testemunhada. A Sagrada Escritura é fonte da
evangelização. Por isso, é preciso formar-se continuamente na escuta
da Palavra. A Igreja não evangeliza se não se deixa continuamente
evangelizar. É indispensável que a Palavra de Deus «se torne cada
vez mais o coração de toda a atividade eclesial».A Palavra de Deus
ouvida e celebrada, sobretudo na Eucaristia, alimenta e reforça
interiormente os cristãos e torna-os capazes de um autêntico
testemunho evangélico na vida diária. Superamos já a velha
contraposição entre Palavra e Sacramento: a Palavra proclamada,
viva e eficaz, prepara a recepção do Sacramento e, no Sacramento,
essa Palavra alcança a sua máxima eficácia.”300
3.4.1 O lugar da homilia na nova evangelização
Na esteira do sínodo dos Bispos sobre a da Palavra de Deus na vida e na missão
da Igreja ocorrido em 2008, temos também uma preciosa contribuição, e no Sínodo de
2012 sobre a nova evangelização e a transmissão da fé cristã o relevante imperativo do
anúncio evangélico no mundo de hoje. O sínodo dos Bispos de 2008 ressaltou a
importância do contexto litúrgico como o lugar por excelência da proclamação da
Palavra de Deus, também o sínodo dos Bispos de 2012 ressaltou a importância de 298
L‟ Osservatore Romano. D. Vincent Ri Pyungi-ho, Bispo de Jeonju (Coréia), Sábado 17 de
Novembro de 2012, número 46, p. 18. 299
L‟ Osservatore Romano. D. Tarassenkiu, O.M., Bispo titular de Sccenna, Auxiliar Proto-sincelo e
administrador Apostólico “Ad nutum sanctae sedis” de Stryj dos Ucranianos (Ucrânnia), sábado 10 de
novembro de 2012, numero 45, p. 18. 300
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013,
III, § 174, p. 103.
123
potencializar a homilia: “Potencializar o a missa Dominical, a fim de que seja o ponto
de referência para a nova evangelização”.301
O anúncio do evangelho por meio da homilia no contexto litúrgico merece uma
atenção particular e uma renovação decisiva. As pregações nas nossas Igrejas com
frequência perdem o caráter querigmático, e, portanto, já não tem a força do evangelho
(Rm 1,16) e a eficácia da Palavra de Deus.302
A homilia capacita a Igreja a “ver” em
Jesus o mestre que ensina pela palavra e pelos gestos o estilo de Deus:
“A celebração do Domingo [...] Cada semana aprendemos palavras e
gestos do mestre, para viver em família, no bairro, no lugar de
trabalho e de estudo. Uma preparação atenta da liturgia e dos sinais
da celebração constitui a melhor catequese para os fiéis; por isso, a
proclamação bíblica e os cânticos devem conduzir-nos a uma
participação consciente, ativa e frutuosa que nos encha o espírito
para a missão.”303
A homilia fora vista como um local nuclear na Igreja de onde a Palavra de Deus
encontra toda uma eficácia e uma proposta pertinente aqueles que participam da
celebração eucarística, mas é também um modo de compreender a sintonia do Pastor
local com o coração de sua comunidade:
“A homilia é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a
capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo. De fato,
sabemos que os fiéis lhe dão muita importância; e, muitas vezes, tanto
eles como os próprios ministros ordenados sofrem: uns a ouvir e os
outros a pregar. É triste que assim seja. A homilia pode ser,
realmente, uma experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador
encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e
crescimento”.304
301
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Luiz Martínez Sistach, Arcebispode Barcelona (Espanha), sábado 3
de Novembro de 2012, número 44, p. 22. 302
L‟ Osservatore Romano. Sua Beatitude Sui Atolslav Sche Uchuuk, Arcebispo Mor de Hyiu-Halyc,
chefe do Sínodo da Igreja Greco-católica Ucraniana, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 16. 303
L‟ Osservatore Romano. D. Salvador Pineiro Gárcia-Calderón, Arcebispo de Ayacucho (Peru),
sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p. 11. 304
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013,
III, §135, p. 82.
124
Um dos temas programáticos na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium é
sobre a singular importância da homilia e também da pessoa do pregador. Isto sinaliza a
valor conferido pelo sumo Pontífice Papa Francisco a este ministério na Igreja que fora
minimizado ou por vezes encontrou-se desqualificado ou sem a pertinência oportuna,
também no que se refere à nova evangelização. A temática da Homilia, da pregação, da
pessoa do pregador é tomada de modo sentida pelo sumo pontífice o que o fez dedicar
25 parágrafos sobre o tema tentando trazer novamente o ministério da palavra ao centro
de importância no ambiente eclesial principalmente diante desta situação emergente em
que a Igreja se encontra diante do grande desafio de harmonizar o conteúdo
programático do grande mosaico de doutrinas e conteúdos, ou seja, o seu depósitum
Fidei dentro de uma síntese evangélica apropriada ao contexto de mundo em que
vivemos:
. O desafio duma pregação inculturada consiste em transmitir a
síntese da mensagem evangélica, e não ideias ou valores soltos. Onde
está a tua síntese, ali está o teu coração. A diferença entre fazer luz
com sínteses e o fazê-lo com ideias soltas é a mesma que há entre o
ardor do coração e o tédio. O pregador tem a belíssima e difícil
missão de unir os corações que se amam: o do Senhor e os do seu
povo. O diálogo entre Deus e o seu povo reforça ainda mais a aliança
entre ambos e estreita o vínculo da caridade. Durante o tempo da
homilia, os corações dos crentes fazem silêncio e deixam-No falar a
Ele. O Senhor e o seu povo falam-se de mil e uma maneiras
diretamente, sem intermediários, mas, na homilia, querem que alguém
sirva de instrumento e exprima os sentimentos, de modo que, depois,
cada um possa escolher como continuar a sua conversa. A palavra é,
essencialmente, mediadora e necessita não só dos dois dialogantes
mas também de um pregador que a represente como tal, convencido
de que «não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o
Senhor, e nos consideramos vossos servos, por amor de Jesus» (2 Cor
4, 5).305
Todo pregador consciente de sua instrumentalidade enquanto, meio pelo qual
Deus se comunica com o seu povo deve manter de modo profundo uma
intencionalidade de comunicar à vida que vem do Espírito Santo. A colaboração entre
pregador e a Pessoa do Espírito Santo deve ser uma abertura onde a co-responsabilidade
305
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013,
III, § 143, p. 86.
125
de se preparar não sufoca a abertura interior e a atenção ao mistério de Deus da parte do
mesmo pregador:
“A confiança no Espírito Santo que atua na pregação não é
meramente passiva, mas ativa e criativa. Implica oferecer-se como
instrumento (cf. Rm12, 1), com todas as próprias capacidades, para
que possam ser utilizadas por Deus. Um pregador que não se prepara
não é «espiritual»: é desonesto e irresponsável quanto aos dons que
recebeu”.306
Todo aquele que diante do chamado do Senhor se dispuser a anunciar o
evangelho deve manter uma contínua familiaridade com a Palavra de Deus para que o
próprio pregador seja o primeiro a estar embebido e de certo modo impregnado da
Palavra, por um contínuo estudo, meditação e leitura orante, desta mesma Palavra:
“O pregador «deve ser o primeiro a desenvolver uma grande
familiaridade pessoal com a Palavra de Deus: não lhe basta conhecer
o aspecto linguístico ou exegético, sem dúvida necessário; precisa de
se abeirar da Palavra com o coração dócil e orante, a fim de que ela
penetre a fundo nos seus pensamentos e sentimentos e gere nele uma
nova mentalidade». Faz-nos bem renovar, cada dia, cada domingo, o
nosso ardor na preparação da homilia, e verificar se, em nós mesmos,
cresce o amor pela Palavra que pregamos. É bom não esquecer que,
«particularmente, a maior ou menor santidade do ministro influi
sobre o anúncio da Palavra». Como diz São Paulo, «falamos, não
para agradar aos homens, mas a Deus que põe à prova os nossos
corações» (1 Ts 2, 4). Se está vivo este desejo de, primeiro, ouvirmos
nós a Palavra que temos de pregar, esta transmitir-se-á duma
maneira ou doutra ao povo fiel de Deus: «A boca fala da abundância
do coração» (Mt 12, 34). As leituras do domingo ressoarão com todo
o seu esplendor no coração do povo, se primeiro ressoarem assim no
coração do Pastor”.307
Outro passo importante sinalizado pela Exortação Apostólica Evangelii
Gaudium é que o pregador se deixe interpelar no profundo de sua consciência e de seu
306
Ibidem, 145, p. 87. 307
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013,
III, § 149, p. 89.
126
coração por esta mesma Palavra. Saber ambientar a Palavra dentro de seu contexto
confrontá-la com a própria vida e lançando um olhar sobre a realidade da própria
comunidade em que vive deve ele o pregador carregar a mensagem de Deus que ilumina
e dá sabor as realidades humanas e espirituais que habitam no pessoal e no coletivo das
circunstâncias eclesiais e sociais que o envolvem:
“Na presença de Deus, numa leitura tranquila do texto, é bom
perguntar-se, por exemplo: «Senhor, a mim que me diz este texto?
Com esta mensagem, que quereis mudar na minha vida? Que é que
me dá fastídio neste texto? Porque é que isto não me interessa?»; ou
então: «De que gosto? Em que me estimula esta Palavra? Que me
atrai? E porque me atrai?”.308
.
O ministério do anúncio do evangelho carrega em si outra dimensão significativa
que é a contemplação. A esfera contemplativa que permeia o conhecimento da
mensagem sagrada convida o pregador a ser ele também um contemplativo da Palavra
atento à vida concreta do povo a quem ele anuncia esta mesma palavra:
“Um pregador é um contemplativo da Palavra e também um
contemplativo do povo. Desta forma, descobre as aspirações, as
riquezas e as limitações, as maneiras de orar, de amar, de encarar a
vida e o mundo, que caracterizam este ou aquele aglomerado
humano, prestando atenção ao povo concreto com os seus sinais e
símbolos e respondendo aos problemas que apresenta”.309
3.4.2 O Ministério catequético
Notou-se desde o início das discussões de preparação e no desenvolvimento das
pautas do sínodo uma insistência em buscar uma compreensão mais profunda sobre uma
instituição de um ministério catequético na Igreja como uma forma de estabelecer uma
308
Ibidem, III, § 153, p. 92. 309
Ibidem, III, § 154, p. 93.
127
permanente tarefa onde houvesse um empenho maior na formação dos catequistas para
uma melhor realização do ensino da fé cristã.310
A Igreja reconhece o lugar específico e particular de cada catequista na tarefa de
transmitir a fé e educar para a vida cristã, e de modo totalmente especial podem os
catequistas oferecer uma importante contribuição para a nova evangelização. O Sínodo
procurou refletir sobre a profundidade desta tarefa e a urgência de dar a este ministério
maior estabilidade, visibilidade ministerial e formação.311
Essas mudanças poderiam
traduzir-se na formação de grupos pastorais compostos por presbíteros e leigos, como
reflexão e reconhecimento oficial dos ministros eclesiais leigos, também mediante uma
participação deliberada e sistemática das mulheres, conferindo-lhes ser designadas
como leitoras e ministrantes e constituindo o ministério do catequista.312
O sínodo foi contundente em reconhecer o possível ministério do catequista
como um precioso recurso para a transmissão da fé neste momento de evangelização em
que a Igreja vive.313
No livro Anunciar o Evangelho: Mensagens aos catequistas vemos
de modo contundente como o até então Cardeal Jorge Mario Bergoglio falando num
tom coloquial expressa a grandeza da vocação do ministro da catequese:
“Detrás de cada catequista, de cada um de vocês, há um chamado,
uma eleição, uma vocação. Esta é uma verdade fundadora de nossa
identidade: fomos chamados por Deus, eleitos por Ele. Cremos e
confessamos a iniciativa de amor que há na origem do que somos.
Nós reconhecemos como dom, como graça [...]”.314
3.4.3 Os meios de comunicação e a Nova evangelização
310
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Wuerl, O relatório post disceptationem, sábado 27 de Outubro de
2012, número 43, p. 5. 311
L‟ Osservatore Romano. D. Sérgio da Rocha, Arcebispo de Brasília (Brasil), sábado 27 de Outubro
de 2012, número 43, p. 8-9. 312
L‟ Osservatore Romano. D. Brian Joseph Dunn, Bispo de Antigunish (Canadá), sábado 27 de
outubro, número 43, p. 19. 313
L‟ Osservatore Romano. D. Patrick Christopher Pinder, Arcebispo de Nassau (Bahamas), Presidente
da Conferência Episcopal (Antilhas), 27 de outubro de 2012, número 43, p. 20. 314
BERGOGLIO, J.M. Anunciar o Evangelho (mensagem aos catequistas) .Campinas: CEDET, 2013,
p. 43.
128
Um dos novos métodos e expressões que a Igreja lança mão nos últimos
decênios fora justamente os meios de comunicação. O adentramento da presença da
Igreja na internet através do lançamento do documento Eclesia in Oceania constata que
a Igreja quis e quer se fazer cada vez mais presente através das vias eletrônicas para
levar ao coração do homem contemporâneo a mensagem do evangelho.315
É fundamental, para a eficácia da nova evangelização, um profundo
conhecimento atual na qual os meios de comunicação social têm grande influência.
Portanto, conhecer e usar estes meios quer nas suas formas tradicionais quer nas mais
recentes introduzidos pelo progresso tecnológico são indispensáveis:
“Os novos Mass Media mudam radicalmente a nossa cultura e
oferecem novos percursos para partilhar a mensagem do evangelho.
A arena digital não é um espaço „virtual‟ menos importante que o
mundo „real‟ e, se a boa nova não for proclamada também
„digitalmente, corremos o risco de abandonar muitas pessoas, para
as quais este é o mundo em que „vivem‟.A Igreja já esta presente no
espaços digitais, mas o próximo passo é mudar nosso estilo
comunicativo para tornar eficiente esta presença. Temos que
valorizar as „vozes‟ aos numerosos católicos presentes nos blogs,
para que possam evangelizar e apresentam o ensinamento da Igreja.
A Igreja é chamada a um diálogo no respeito de todos, explicando-
lhes a razão da própria esperança”.316
A Igreja para ser evangelizadora deve ser mediática. Na nova cultura
secularizada os meios de comunicação social devem ser capazes de ajudar a Igreja a ser
deveras evangelizadora e missionária, em correspondência dos tempos, quando é
necessário não só batizar os convertidos, mas também converter os batizados.317
4 A Igreja: Uma comunidade do testemunho a favor e em defesa da vida
315
L‟ Osservatore Romano. Relatório de D. John Atcherley Dew Arcebispo de Wellington, sábado 20
de Outubro de 2012, número 42, P.8. 316
L‟ Osservatore Romano. D. Claudio Maria Celli, Arcebispo Titular de Civitanova, Presidente do
Pontifício conselho de comunicações Sociais (Cidade do Vaticano), sábado 10 de novembro de 2012,
número 45, p. 19. 317
L‟ Osservatore Romano. D. Tadeusz Kondrusiewicz, Arcebispo de Minsk-mohilev (Bielo-Rússia),
sábado 27 de outubro de 2012, número 43, p. 14.
129
Queremos abordar aqui a importância que teve desde o início da Igreja as
manifestações elevadas de amor a vida que deram muitos dos cristãos que nos
precederam. O testemunho do martírio ilumina hoje a ação de cada cristão para que na
defesa da vida possa também ofertar a própria vida em causas que sejam elevada como
ensina-nos o Senhor no evangelho: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a
vida por seus amigos” (Jo 15, 13). É nesse amor aos irmãos que somos interpelados
como Igreja a irmos procurar o encontro com cada homem, de modo particular no
caminho do seu sofrimento.318
Na história a “profissão e a confissão” da fé são tangíveis na vida doada dos
pastores, sacerdotes e religiosos; mas também é precisos realçar dos fiéis leigos, das
suas famílias. Sendo o martírio a forma mais explícita e convincente de transmissão da
fé, devemos também nos questionar “Em que ponto a nossa não credibilidade se torna
contra testemunho para os outro? Com efeito, a fé nunca pode fechar-se na dimensão
pessoal, porque o testemunho do cristão por natureza é público.”319
4.1 Redescobrir a sacralidade da família
Um dos pontos cardeais que devem nortear a nova evangelização é a
redescoberta da sacralidade da família. A vida matrimonial apresentada na sua beleza
dos vínculos matrimoniais tem por outro lado a critica secularista das ideologias na
contemporaneidade que atacam de maneira frontal a santidade da família. O divórcio,
outrora, considerado um tabu, agora já não é tão insólito. Começaram a se levantarem
várias vozes contra a santidade do matrimônio.320
A Igreja reconhece que a família é o
lugar no qual se forja o futuro da humanidade e se concretiza a fronteira decisiva da
nova evangelização.321
A renovação da vida familiar deve ser tomada como uma das prioridades
principais para a conservação da família no mundo ocidental. O sacramento do
318
L‟ Osservatore Romano. Pe. Renato Salvatore, M.I, Superior-Geral dos clérigos regulares ministros
dos enfermos (camilianos), 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 11. 319
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Josip Boazanic, Arcebispo de Zagrábia (Croácia), 3 de novembro
de 2012, número 44, p. 20. 320
L‟ Osservatore Romano. Relatório do Cardeal Oswald Gracias Arcebispo de Bombaim, Sábado 20
de outubro de 2012, número 42, p.10. 321
L‟ Osservatore Romano. D. Nicolas John Lola. Sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.14.
130
matrimônio é precioso para a Igreja, pois as famílias não são apenas um lugar
privilegiado de missão, mas elas são também agentes de missão dentro do tecido
eclesial e social. São assim comunicadoras de valores de fé e humano para outras
famílias.322
O Sínodo percebeu que em grande parte o futuro da evangelização passa pela
família, ou seja, da Igreja doméstica. Isto apresenta a urgência de acompanhar as
famílias que passam por diversas dificuldades a ponto de desenvolver e fortalecer uma
pastoral do acompanhamento dos matrimônios e das famílias. Vemos que a família não
é posta em questão não só como modelo cristão. Foi-lhe tirado o valor ou colocada num
plano de concepções que obedecem a interesses ideológicos de alguns grupos.323
A valorização da vida após a concepção é uma causa na qual a Igreja reconhece
a importância primordial de proteger e promover a própria vida humana. Uma proposta
de valorização da própria vida é a sugestão que fora dada no sínodo de abençoar a
criança no ventre materno e orientar ao mesmo tempo um oportuno acompanhamento
até o batismo.324
Isto leva a Igreja como comunidade de fé a se colocar na defesa da
vida: desde sua concepção até o seu desfalecimento biológico.
O futuro de uma nova evangelização conta com o auxílio em grande parte da
família que verdadeiramente assumiram os valores da fé cristã, e propriamente dizendo
o ser cristão. É perceptível em nossos dias como a “deflagração da família surge como
o problema número um da sociedade contemporânea, mesmo se poucos se dão conta
disso”.325
Na contemporaneidade a Igreja é convocada a ter um rosto de família. A futura
evangelização depende em grande parte da Igreja doméstica. Em muitas partes do
mundo encontramos uma infecundidade pastoral, não é porventura porque nos tornamos
mais instituição do que família?326
322
L‟ Osservatore Romano. Pe. Heinrich Walter, Superior Geral dos Padres de Schönstt, sábado 3 de
novembro de 2012, numero 44, p. 17. 323
L‟ Osservatore Romano. D. Eusébio Ramos Morales, Bispo de Fajardo-Humacao (Porto Rico),
sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 22. 324
L‟ Osservatore Romano. D. Joseph Edward Kurtz, Arcebispo de Louisville, Vice-Presidente da
Conferência Episcopal dos Estados Unidos da América, sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 15. 325
L‟ Osservatore Romano. D. Vincenzo Paglia, Arcebispo Emérito de Terni-Narni-Amelia (Itália),
Presidente do Pontifício Conselho para a Família ( Cidade do Vaticano), sábado 3 de novembro de 2012,
número 44, p. 21. 326
Ibidem, p. 21.
131
Outro ponto referente à família que deve ser de fundamental importância é o
acompanhamento daquelas que estão em situação irregular e os “recasados” como
superar a incompreensão e buscar uma proximidade com estes sem permitir-lhes
estarem distante da misericórdia de Deus.327
A família transmite a fé com o coração, com a vida e com a prática. Ela é o
ambiente primeiro onde se comunica os verdadeiros valores de vida e de fé:
“A nova evangelização terá sucesso se conseguir restituir a
sacralidade do matrimônio que é o lar familiar do amor, assim
como a família torna-se a pequena Igreja. Posso afirmar que se
transmite a fé muito mais com que se é do que com o que diz. A
verdade da vida é que nos sacrificamos pelo que amamos e, se
for necessário, até morremos. Aquilo pelo qual estamos prontos
a dar a vida nunca pode morrer, porque a força do amor é mais
forte do que a morte”.328
A defesa da vida não pode ser apenas uma pauta na agenda eclesial, mas deve se
constituir verdadeiramente uma das causas centrais da diaconia, da caridade, do serviço
que a Igreja oferece a vida humana. Serviço este que é sinal eminente de seu amor a
humanidade:
“A consciência da sacralidade da vida que nos foi confiada, não
como algo que se possa dispor livremente, mas como dom a guardar
fielmente, pertence a herança moral da humanidade.[...] A morte da
pessoa amada é, para quem ama, o acontecimento mais absurdo que
se possa imaginar: aquela é incondicionalmente digna de viver, é bom
e belo que exista. Entretanto, a mesma morte da pessoa aparece, aos
olhos de quem não ama, como um acontecimento natural, lógico (não
absurdo). Quem têm razão? Aquele que ama („a morte desta pessoa é
absurda‟) ou que não ama („a morte desta pessoa é lógica‟)? A
primeira posição só é defensível se cada pessoa for amada por um
poder infinito; e aqui está o motivo por que foi preciso apelar a Deus.
De fato, quem ama não quer que a pessoa amada morra; e, se
pudesse, impedilo-ia sempre. Se pudesse. O amor finito é importante;
o amor infinito é onipotente. Ora, está é a certeza que a Igreja
anuncia „tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu filho
327
L‟ Osservatore Romano. D. José Ulloa Mendieta, O.S.A, Arcebispo de Panamá (Panamá) ,sábado, 3
de novembro de 2012, número 44, p. 18. 328
L‟ Osservatore Romano. Cardeal Vinko Puljic, Arcebispo de Urhbosna (Bósnia-Herzegovina),
sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 8.
132
unigênito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a
vida eterna‟(Jo 3, 16). Sim! Deus ama a cada pessoa e, por isso, é
incondicionalmente digna de viver.”329
O amor maturado e bem orientado na relação matrimonial é uma colaboração
para redescobrir de maneira essencial o benéfico relacionamento e desenvolvimento do
amor entre os esposos e sua vivência no contexto social:
“A família atravessa uma crise cultural profunda, como todas as
comunidades e vínculos sociais. No caso da família, a fragilidade dos
vínculos reveste-se de especial gravidade, porque se trata da célula
básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na
diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé aos
seus filhos. O matrimônio tende a ser visto como mera forma de
gratificação afetiva, que se pode constituir de qualquer maneira e
modificar-se de acordo com a sensibilidade de cada um. Mas a
contribuição indispensável do matrimônio à sociedade supera o nível
da afetividade e o das necessidades ocasionais do casal. Como
ensinam os Bispos franceses, não provém do sentimento amoroso,
efêmero por definição, mas da profundidade do compromisso
assumido pelos esposos que aceitam entrar numa união de vida
total”.330
4.2 A família célula fundamental a ser valorizada
Desde a primeira evangelização a transmissão de a fé no suceder-se das gerações
encontrou um lugar natural nas famílias:
“Não escondemos o fato de que hoje a família, que se constitui no
matrimônio de um homem e de uma mulher, que os torna “uma só
carne” (Mt 19, 6) aberta a vida, é atravessada em toda a parte por
fatores de crise, circuncidada por modelos de vida que a penalizam,
descuidadas pelas políticas daquela sociedade da qual é conteúdo a
célula fundamental, nem sempre respeitada nos seus ritmos nem
apoiadas nos seus compromissos pelas comunidades eclesiais. Mas
precisamente isto nos estimula a dizer que devemos ter uma solicitude
329
BENTO XVI. Mensagem aos participantes no Átrio dos Gentios em Portugal, L‟Osservatore
Romano.sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 12-13. 330
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, II,
§ 66, p.46.
133
particular para com a família e pela sua missão na sociedade e na
Igreja”.331
A nova evangelização vê nesta célula fundamental para ao desenvolvimento da
vida humana um lugar privilegiado para comunicar os valores da fé e ao mesmo tempo
percebe certa indiferença no que se refere a um importante acompanhamento, para que
os horizontes onde a vida humana se dá no ambiente familiar não sejam relativizados:
“A vida familiar é o primeiro lugar no qual o Evangelho se encontra
com o dia-a-dia da vida e mostra a sua capacidade de transfigurar as
condições fundamentais da existência no horizonte do amor. Mas é
importante também para o testemunho da Igreja mostrar como esta
vida no tempo tem um cumprimento que vai além da história dos
homens e alcança a comunhão eterna com Deus”.332
4.3 A nova evangelização e os caminhos da educação
A educação sempre fora vista pela Igreja como um caminho excelente de
desenvolvimento integral do ser humano. As escolas constituem um terreno fértil para a
nova evangelização, porque oferece a possibilidade de voltar a inserir as famílias na
vida da Igreja.333
O Sínodo foi um momento de reflexão e de percepção do importante
papel da educação na nova evangelização e para compreender que o seu descuido torna-
se espaço para o domínio e imposição de várias ideologias:
“A situação atual de descristianização progressiva da velha Europa
depende, entre outros, de dois processos inegáveis ligados entre si,
são: A estatização do direito e a Estatização das escolas. De fato, as
escolas e as universidades (inclusive católicas), estão cada vez mais
submetidas ao controle dos estados. O cavalo de Tróia, através do
qual os estados se apropriam das inteligências dos estudantes, é a
formação dos professores. A Progressiva descristianização do
Ocidente aconteceu desta forma, através da descristianização das
escolas e das Universidades. Uma nova evangelização deverá tratar
com urgência e prioridade do bom funcionamento das escolas e das
331
L‟ Osservatore Romano. 3 de novembro de 2012, número 44, P, 7. 332
Ibidem, p. 7. 333
L´Osservatore Romano. Relatório de D. John Atcherley Dew. Sábado 20 de Outubro de 2012,
número 42, p.8.
134
universidades em geral, mas de modo particular das católicas. Um
projeto de evangelização que pudesse em segundo lugar- ou pior
descuida-se o papel insubstituível das escolas, correria o risco de
falir”.334
No Caminho proposto pela nova evangelização a educação encontra-se como
uma realidade constitutiva. Por isso a emergência educativa é também uma emergência
de evangelização.335
As escolas católicas não se apresentam no contexto da nova
evangelização apenas como lugares de formação intelectual e humana, mas são lugares
oportunos que oferecem a possibilidade de inserir as famílias na vida da Igreja.336
Esta presença da Igreja nos meio escolares e universitários é novamente proposta
para que aqueles que na Igreja consagram grande tempo de sua existência ao ensino e ao
estudo, e ao mesmo tempo vivendo a sua fé nos ambientes intelectuais encontram nos
meios acadêmicos os novos areópagos onde anunciar o evangelho. Dentre as propostas
apresentadas no sínodo viu-se a necessidade de um renovado testemunho através do
encontro pessoal com Jesus Cristo, a fim de que os jovens vivam a fé dentro de um
compromisso com a própria sociedade em que vivem. Aqui a proximidade dos pastores
da Igreja deve ser reconhecida como um sinal profético capaz de despertar novas
vocações seja ao sacerdócio seja a vida consagrada.337
Nas dioceses de países laicos com uma rede de escolas e colégios católicos, a
principal comunidade de fé tornou-se a escola, Ali, pela primeira vez, a maior parte dos
batizados experimenta de modo sistemático, a pessoa de Jesus Cristo através da liturgia
e da vida sacramental da Igreja. Os professores, mais do que os pais, em muitas
ocasiões tornaram-se os primeiros formadores dos nossos jovens.
As escolas católicas não são produtos, mas agentes da missão da Igreja. Entre os
diversos pontos basilares de uma escola comprometida na nova evangelização,
enumeramos os seguintes:
334
L‟ Osservatore Romano, D. Enrico Dal Covoto, S.D.B., Bispo Titular de Eraclea Magnifíco Reitor
da Pontifícia Universidade Lateranense em Roma (Itália), 27 de Outubro de 2012, número 43, p.18. 335
L‟ Osservatore Romano, D. Rogelo Carreira Lópes, Arcebispo de Monterrey (México), sábado 20 de
outubro de 2012, número 42, p. 15. 336
L‟ Osservatore Romano. D. John Atcherley Dew Arcebispo de Wellington, sábado 20 de outubro de
2012, número 42, p. 8. 337
L‟ Osservatore Romano. D. Launay Saturné, Bispo de Jacmel (Haiti), sábado 10 de novembro de
2012, número 45, p. 18.
135
1) O Encontro com Jesus Cristo: a amizade com o Senhor ressuscitado, levará as
nossas escolas a animar a vida de oração, a liturgia, o respeito que provém do
confronto com os outros como irmãos e irmãs em Cristo, e o serviço caritativo;
2) A diaconia da verdade: nas sociedades nas quais os ventos de relativismo e de
individualismo comportam os trágicos destroços da confusão moral e da queda
das aspirações. As escolas sobressaem como faróis de esperança. O
conhecimento da verdade amorosa de Jesus e do seu evangelho leva os jovens à
descoberta do bem: o caminho da paz interior, da beleza interior e do respeito de
si e dos outros;
3) O espírito de sabedoria: Um antídoto à superficialidade e a trivialidade. Os
jovens podem empreender por meio da sabedoria uma reflexão que de bases e
fundamento ao qual podem se inspirar para potenciar a arte do discernimento e
da crítica;
4) O sentido de pertença ao povo de Deus: a identidade e a convicção são
estimuladas quando a escola reflete a vida de fé eclesial da Igreja. Trata-se
essencialmente de uma manifestação de apreço do significado do Dia do Senhor
e da participação à santa missa.
Quando é dada ampla ressonância à liderança de fé dos professores e dos alunos
nas nossas paróquias, as próprias comunidades escolares poderão fazer muito pela
renovação das paróquias. De fato, tocados pelo encanto da vida da verdade, de bondade
e de beleza de Deus, tornam-se testemunhas extraordinárias nas suas famílias da vida
em Cristo que a nova evangelização repropõe a cada um de nós.338
4.4 Jovens que evangelizam Jovens
A nova evangelização devera considerar como “novos agentes” de
evangelização os jovens. Prepará-los para a catequese através da participação da vida da
comunidade de fé e das experiências missionárias para poderem agir na comunidade e
na sociedade. Considerar os novos areópagos dos jovens como o mundo da instrução,
338
L‟ Osservatore Romano. D. Charles Edward Drennan, Bispo de Palmerston North (Nova Zelândia),
sábado 17 de novembro de 2012, p. 19.
136
dos mas media, da internet, da arte. Espaços irrenunciáveis para a nova
evangelização.339
A nova Evangelização deve ser, marcada por um confronto de idéias, não em
termos de agressão ideológica, mas deve ajudar os jovens a discernir as idéias.340
É neste
discernimento que os jovens vão aprendendo a discernir as grandes mudanças ocorridas
no mundo e viver sua juventude e identidade cristã de modo frutuoso:
“A pastoral juvenil, tal como estávamos habituados a desenvolvê-la,
sofreu o impacto das mudanças sociais. Nas estruturas ordinárias, os
jovens habitualmente não encontram respostas para as suas
preocupações, necessidades, problemas e feridas. A nós, adultos
custa-nos a ouvi-los com paciência, compreender as suas
preocupações ou as suas reivindicações, e aprender a falar-lhes na
linguagem que eles entendem. Pela mesma razão, as propostas
educacionais não produzem os frutos esperados.”341
4.5 Os Santos: testemunhas credíveis e modelos para os “novos
evangelizadores.”.
Outro ponto interessante no caminho percorrido em favor da nova evangelização
é a capacidade de inspiração que existe na vida dos Santos. Sejam os santos de longa
data, ou seja, os santos contemporâneos e próximos ao nosso tempo. Mais do que
métodos e recursos técnicos são necessários evangelizadores com uma profunda
experiência de fé, alimentada na comunhão com Deus. Os Santos, ao longo da história
da Igreja, foram cristãos autênticos e os evangelizadores eficazes:
“Há quem se console, dizendo que hoje é mais difícil; temos, porém,
de reconhecer que o contexto do Império Romano não era favorável
ao anúncio do Evangelho, nem à luta pela justiça, nem à defesa da
dignidade humana. Em cada momento da história, estão presentes as
fraquezas humanas, a busca doentia de si mesmo, a comodidade
egoísta e, enfim, a concupiscência que nos ameaça a todos. Isto está
sempre presente, sob uma roupagem ou outra; deriva mais da
limitação humana que das circunstâncias. Por isso, não digamos que
hoje é mais difícil; é diferente. Em vez disso, aprendamos com os
Santos que nos precederam e enfrentaram as dificuldades próprias do
339
L‟ Osservatore Romano. D. Leonardo Ulrich Steiner, O.F.M. Bispo auxiliar de Brasília, sábado 3 de
novembro de 2012, número 44, p. 7. 340
L‟ Osservatore Romano. D. Diarmuid Martin, Arcebispo de Dublin (Irlanda), sábado 17 de
novembro de 2012, número 46, p. 18. 341
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, II,
§ 105, p. 66.
137
seu tempo. Com esta finalidade, proponho-vos que nos detenhamos a
recuperar algumas motivações que nos ajudem a imitá-los nos nossos
dias”.342
5. A Igreja: Uma comunidade do mistério partindo do mistério do ser humano
ao mistério de Deus
Todo ser humano traz em si o desejo de conhecer-se mais profundamente a Deus
e de conhecer o mistério e o significado da própria existência. É justamente nesta busca
de sentidos e de significados que a Igreja olha para o homem e propõe o mistério de
Deus. O ser humano aspira conhecer e nesta busca fundamental colocam-se diante dele
outras dimensões da própria existência que o impedem de cogitar profundamente sobre
o seu existir, como por exemplo, o espetáculo.
A vida envolta pelos espetáculos. Nem sempre este homem é capaz de postar-se
diante de si e fazer a si questionamentos que alarguem as dimensões de seu próprio
conhecimento e sentido. É nesta abertura e crise existencial de uma constante fuga do
ser humano de si mesmo que a Igreja lhe apresenta o mistério de Deus que compreende
a encarnação como proximidade e possibilidade de um desvelar de sua identidade mais
profunda. No sínodo ouviram-se vozes que novamente apresentaram o lugar
intransferível do mistério na vida humana: “A verdadeira missão da Igreja é fazer
conhecer às pessoas o mistério. Como antídoto contra o espetáculo”.343
O mistério de Deus opera como caminho de unidade interna e externa da
dimensão humana tendo como desafios atuais o “racionalismo e o subjetivismo que
esvaziam a ética e justificam os piores ataques a dignidade da pessoa e da vida
humana, e pretendem fundar a ordem moral sobre o consenso social, sem qualquer
referência a natureza da pessoa e seus atos”.344
A Igreja ao referir-se ao mistério de Deus buscou ter sempre presente o mistério
do ser humano diante de si. De forma mais demarcada vemos que as reflexões que
partiram do grande evento do Concílio do Vaticano II ventilaram novas formas de
342
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, V,
§ 263, p. 147. 343
L‟ Osservatore Romano. Pe. Robert Francis Prevost, O.S.A, Prior da Ordem de Santo Agostinho
(Agostiniano), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 10. 344
L‟ Osservatore Romano. D. Benedito Beni Dos Santos, Bispo de Lorena (Brasil), 27 de Outubro de
2012, número 43, p. 9.
138
compreensão do mistério de Deus na vida humana que buscaram realçar a profunda
conexão do mistério de Deus e do homem que encontram seu lugar comum na história:
“Na economia divina, não há dois mundos separados e
sobrepostos: um mistério da criação numa ordem “natural” e,
em seguida, um mistério sobreimposto da redenção, numa
ordem “sobrenatural”. Não há o mundo natural, de um lado, e
a Igreja sobrenatural, de outro lado, como duas realidades
concorrentes, com fronteiras mais ou menos pacíficas. Não há a
construção do mundo, duma parte, sem interesse nem valor
para o Reino e, doutra parte, O Reino de Deus sem interesse
nem contribuição na construção do mundo. Não, criação e
encarnação são compreendidas numa involução recíproca. Pois
a encarnação redentora se completou nesta total recapitulação
de toda verdade, de todo bem, de todos os valores humanos, em
germes na criação”.345
A comunidade do mistério é a comunidade da inclusão e não da exclusão. É a
comunidade que convida a comunhão com Deus a cada pessoa humana. Cada pessoa
humana deve ser vista como alguém precioso. A Comunidade do mistério é a casa do
Pai, é este rosto que devemos contemplar no rosto da igreja, uma comunidade para os
fracos os frágeis, é para eles que o Senhor quer se dar em alimento:
“A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não
é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um
alimento para os fracos. Estas convicções têm também conseqüências
pastorais, que somos chamados a considerar com prudência e
audácia. Muitas vezes agimos como controladores da graça e não
como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega; é a casa
paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fadigosa”.346
5.1 A liturgia e a contemplação de Deus e do outro como pedagogia mistagógica
a serviço da nova evangelização
345
CHENU, M.D. A missão da Igreja no mundo de hoje. Petrópolis, Ed: Vozes, 1967, p. 340. 346
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I, §
47, p. 34.
139
A liturgia sempre foi um lugar privilegiado de encontro com o Senhor por meio
da ação sacramental da Igreja:
“Uma preparação atenta da liturgia e dos demais da celebração constitui a
melhor catequese aos fiéis, por isso, proclamação e cânticos bíblicos devem conduzir-
nos a uma participação consciente ativa e frutuosa”347
Uma nova pedagogia de
transmissão da fé encontra-se na capacidade de fazer presente os seus valores por meio
de uma pedagogia mistagógica. A beleza fascinante e contagiosa do mistério escondido
dos ritos e nos símbolos deve manifestar-se com toda a força para que a liturgia seja
realmente evangelizadora. A nova evangelização depende, portanto em ampla medida
da capacidade de fazer da liturgia a fonte da vida espiritual. ”348
A Igreja” evangeliza e
se evangeliza com a beleza da liturgia, que é também celebração da atividade
evangelizadora e fonte dum renovado impulso para se dar.”349
Quando olhamos para a grande pirâmide da atividade humana e toda ação
evangelizadora da Igreja devemos atentar para a importância da contemplação como o
coroamento de toda a atividade humana em prol do Reino de Deus.
Um dos conceitos tidos como de fundamental importância para a ação
evangelizadora da Igreja em nossos dias e que fora retomado de modo mais intenso por
parte de alguns padres sinodais foi justamente a atitude contemplativa da Igreja e dos
Cristãos: “Só de um olhar adorante sobre o mistério de Deus, Pai, Filho e Espírito
Santo, só da profundidade de um silêncio que se apresenta como seio que acolhe a
única Palavra que salva, pode brotar um testemunho credível para o mundo”.350
O
compromisso em prol da evangelização encontra sua alegria e sua força na
contemplação.351
Outro sinal de autenticidade da nova evangelização é reconhecer o rosto de
Cristo presente também no rosto do pobre e nas fragilidades de nossos irmãos:
“Colocar-se ao lado de quem está ferido pela vida não é só uma prática de sociabilidade,
347
CONCÍLIO VATICANO II. Sacrossanctum Concilium Constituição. Petrópolis: Vozes, 1968, § 2,
p.259. 348
L‟ Osservatore Romano. D. Geraldo Lyrrio Rocha, Arcebispo de Mariana (Brasil), sábado 10 de
novembro de 2012, numero 45, p. 19. 349
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, I, §
24, p. 22. 350
L‟ Osservatore Romano. Sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p. 08. 351
L‟ Osservatore Romano. Padre Bruno Cadoré, O.P, Mestre Geral dos Padres Pregadores
(Dominicanos), sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 16.
140
mas antes de tudo um fato espiritual. Porque no rosto do pobre resplandece o próprio
rosto de Cristo: “Tudo o que fizerdes a um dos meus irmãos mais pequeninos é a mim
eu o fazeis” (Mt 25, 40). Aos pobres deve ser reconhecido um lugar privilegiado nas
nossas comunidades, um lugar que não exclui ninguém, mas quer ser um reflexo de
como Jesus se ligou com eles. A presença dos pobres em nossas comunidades é
misteriosamente poderosa: “muda as pessoas mais que um discurso, ensina fidelidade, e
faz compreender a fragilidade da vida, pede oração: em síntese, conduz a Cristo.”352
“O olhar contemplativo sobre mundo e sobre a cidade é um auxilio precioso para
descobrir Deus:”
“Precisamos identificar a cidade a partir dum olhar contemplativo,
isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas,
nas suas ruas, nas suas praças. A presença de Deus acompanha a
busca sincera que indivíduos e grupos efetuam para encontrar apoio e
sentido para a sua vida. Ele vive entre os citadinos promovendo a
solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça.
Esta presença não precisa ser criada, mas descoberta, desvendada.
Deus não Se esconde de quantos O buscam com coração sincero,
ainda que o façam tateando, de maneira imprecisa e incerta”.353
Ao retomarmos a reflexão sobre o olhar contemplativo não queremos aqui nos
evadir de nossas responsabilidades cristãs e temporais, mas queremos justamente dar
razões mais profundas que nos motivam a sermos anunciadores do evangelho:
“A melhor motivação para se decidir a comunicar o Evangelho é
contemplá-lo com amor, é deter-se nas suas páginas e lê-lo com o
coração”. Se o abordamos desta maneira, a sua beleza deslumbra-
nos, volta a cativar-nos vezes sem conta. Por isso, é urgente
recuperar um espírito contemplativo, que nos permita redescobrir,
cada dia, que somos depositários dum bem que humaniza que ajuda a
levar uma vida nova. Não há nada de melhor para transmitir aos
outros”.354
352
L‟ Osservatore Romano. Sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p. 09. 353
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, II,
§ 71, p. 48. 354
Ibidem, V, § 264, p. 148.
141
É o olhar contemplativo sobre o mistério e sobre o mundo que nos permite uma
aproximação em profundidade da própria realidade. A contemplação deve permear
nossas atividades: “A nossa contemplação deve ser universal e incessante.”355
A
contemplação remonta as origens fontais da evangelização: “Desta contemplação nasce,
em toda força interior, a urgência da missão, a necessidade imperiosa de “anunciar o
que vimos e ouvimos”, a fim de que todos estejam em comunhão com Deus (1 Jo 1,
3).”356
5.2 Veni Creator Espiritus: “Como um novo Pentecostes”
Toda a reflexão aqui desenvolvida tem como finalidade principal ajudar-nos a
perceber a Igreja dentro do seu mistério. A Igreja tem necessidade de uma nova efusão
do Espírito Santo. A nova evangelização precisa de um testemunho de vida que deve
acompanhar a obra evangelizadora.357
Pentecostes é o evento que coloca toa a Igreja em movimente frente a sua missão
de ser sinal histórico do Reino de Deus no mundo. O acontecimento de Pentecostes deu
início à primeira evangelização e agora necessitamos de um novo pentecostes. Só o
proceder de Deus torna possível o nosso caminhar o nosso cooperar, que é sempre um
cooperar, não uma nossa decisão.358
Os discípulos do Senhor ao fazerem a experiência
do Senhor Ressuscitado operando em seu meio compromete a sua atividade em favor do
Reino de Deus de modo que as atividades sejam teândrica, ou seja, uma ação de Deus
com o comprometimento dos agendes desta transformação na sociedade que são
justamente os discípulos do Senhor.
Acreditamos que também em nosso tempo podemos verificar certos sinais do
nascimento da Igreja já presente em vários lugares, verificamos um novo nascimento da
Igreja em lugares aparentemente desérticos espiritualmente e pastoralmente.
355
LEBRET, L.J. Princípios para a ação. São Paulo, Ed: Duas Cidades, 1959, p, 76. 356
BENTO XVI. Silêncio e Palavra: Caminhos de Evangelização. ( Dia das Comunicações Sociais, 20
de maio de 2012). São Paulo: Paulus, 2012, p. 8-9. 357
L‟ Osservatore Romano. D. Michel Aoun, Bispo de Jbeil dos Maronitas (Líbano), sábado 17 de
novembro de 2012, número 46, p. 21. 358
BENTO XVI. Homilia na Santa Missa para a abertura do sínodo dos Bispos e proclamação de São
João de Ávila e de Santa Hildegard de Binge “Doutores da Igreja”.Brasília: CNBB, 2013, p. 9-14.
142
A Igreja vê a permanente necessidade de que este novo Pentecostes continue a
ser manifesto em seu interior, pois o Pentecostes caracteriza o início das grandes
renovações espirituais que ocorreram na Igreja que mantiveram acesa nela a consciência
de sua missão evangelizadora em meio aos homens. É justamente dentro desta
perspectiva que o acontecimento de Pentecostes deve gerar uma ação conjunta que
propõe no interior da Igreja aquilo que ela mesma vivenciará no início com a criação de
uma universalidade que comunica a cada pessoa esta presença Espiritual.359
Á referência ao acontecimento do Concílio Vaticano II é de fundamental
importância para compreender através de uma oportuna analogia podemos afirmar que
falar de um novo Pentecostes na Igreja é remeter-se a compreensão de uma analogia
“Jerusálem-Vaticano II”. É justamente procurar dentro desta compreensão missionária
que busca facilitar ao máximo um contato com o essencial por parte daqueles que não se
encontram nesta mesma fé. Encurtar o caminho é a tarefa da Igreja que reconheceu no
Concílio Vaticano II um Concílio de libertação que pretende desatar a Igreja das faixas
que nos séculos impediram seus movimentos, para que permita a Igreja anunciar o
evangelho com uma força renovada deste mesmo Espírito.360
Este novo pentecostes pode ser caracterizado também por um renovado
discernimento espiritual e uma continua abertura aos meios que podem auxiliar a nova
evangelização:
“Devemos promover a arte do discernimento dos espíritos.
Neste tempo de relativismo, no qual a verdade objetiva não é
facilmente aceita, podemos ajudar as pessoas a comparar as
suas exigências subjetivas para orientá-las rumo a verdade
objetiva. Não devemos apresentar apenas o evangelho e o
catecismo, mas promover exercícios espirituais, nos quais
pomos as pessoas em diálogo com Jesus. Isto significa que
devemos oferecer aos sacerdotes e aos religiosos uma formação
espiritual melhor, a fim de que sejam guias espirituais”.361
359
TILLICH, PAUL. Teologia Sistemática. São Paulo: Paulinas, p. 501. 360
LE GUILLOU, M.J. El Rostro Del Resucitado. Grandeza Profética, Espiritual y Doutrinal, Pastoral
y Missionária Del Concílio Vaticano II, Madrid: Encuentro, 2012, p. 71. 361
L‟ Osservatore Romano. D. Everardus Johannes de Jong, Bispo Títular de Cariama, Auxíliar-Geral
de Roermonda (países baixos), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p.17.
143
Mantendo a reflexão teológica dentro de um discernimento que nos proporcione
continuarmos a aprofundar um novo momento da história da Igreja que marca de
maneira sentida o ser e o agir da Igreja nos próximos anos. Manter o pensamento aberto
é uma fundamental atitude teológica e pastoral. A nova evangelização considerando e
discernindo o processo de secularização, buscando dar uma resposta testemunhal quer
ser também um caminho de encontro e não de distanciamento de escuta de recíproco
crescimento seja no que se refere a vida humana na sua presença no mundo quanto ao
diálogo dialético com o mesmo processo:
“A meu ver, a partir do 11 de setembro de 2001, este espírito de
„compassio‟ passou a ter um significado decisivo na nova
situação de mundo, na qual os conflitos culturais e sociais se
sobrepõe mundialmente. Para além da defesa militar contra o
terrorismo, esse espírito criou no Ocidente a necessidade de nos
olharmos e avaliarmos não apenas com os nossos olhos, mas
também com os olhos dos outros, os olhos do”resto” do mundo,
e valorizarmos esse olhar. E, finalmente, na noção estritamente
secular de liberdade e nosso modo secular de vida, esse espírito
nos obriga a nos colocarmos – como no passado, diante da
assim, chamada “dialética do iluminismo” – diante da dialética
da secularização”, praticamente ainda não descoberta”.362
5.3 A experiência de Deus na nova evangelização como experiência de Sentido
Outro ponto importante que se deve destacar na nova evangelização é justamente
a experiência fontal da experiência de Deus por parte do homem que procura a Deus em
nossos dias. Vivemos tempos em que se faz corrente a expressão experiência de Deus.
A palavra experiência aparece de maneira bem incisiva nos escritos de Martinho
Lutero. O conceito chave de experiência trabalhado pelo ex-frade agostiniano aborda
uma experiência pessoal que a pessoa faz dentro do círculo da religião. Para Martinho
Lutero toda experiência com Deus é “experientia sola facit theologum”. A pessoa que
experiência Deus é uma pessoa teológica que experiência dentro de sua realidade,
362
METZ, J.B. Mística de olhos abertos. São Paulo: Paulus 2013, p. 89-90
144
dentro de seu ambiente de vida e de relacionamentos. Outros teólogos procuraram
definir esta experiência como “cognitio experimentalis”.
A experiência com Deus pode ser classificada de diversas formas, e atualmente
alguns parâmetros são de fundamental importância para compreender a própria
experiência que se faz. Aqui apresentamos uma relação quádrupla desta experiência363
:
1) A relação com a vida: Uma autêntica experiência com Deus não tira a pessoa
de sua vida alienando-a frente ao „numinoso‟, mas as coloca dentro de uma
responsabilidade mais profunda ainda, responsabilidade que emerge como
convite continuo para que a pessoa se torne mais consciente a respeito de sua
própria vida como dom e tarefa e com relação a vida daqueles que a circundam;
2) A relação com a história: Toda a experiência com Deus ela acontece
historicamente dentro de uma temporalidade, mesmo sabendo que Deus não se
prende ao conceito de tempo e de espaço, mas a forma de Deus se fazer
conhecer na história humana é por meio de tempo e espaços bem definidos;
3) A relação com a realidade: A realidade como se verifica e a capacidade de
compreensão da mesma é indispensável por parte daquele que busca
compreender a própria experiência de fé;
4) A relação com a percepção: outro ponto importante é como que aquele que faz
a experiência com Deus consegue perceber a profundidade, a pertinência e a
relevância da própria experiência que o mesmo que faz com Deus pode
compreender.
Dentro destas últimas considerações apresentamos aqui apresentar a experiência
de Deus como parte fundamental na grande convocação que a Igreja faz para que se
realize como que um “novo pentecostes” em seu interior e no mundo por meio de uma
nova evangelização. Para que tal acontecimento tomar proporções de totalidade e
mudanças significativas fazemos aqui memória do conceito usado pelo Padre Henrique
de Lima Vaz no que se refere a fundamental compreensão sobre a experiência de Deus
na vida cristã e humana considerando a experiência de Deus como experiência de
sentido de plenitude ou de sentido radical: “Com efeito, a experiência cristã de Deus é
a experiência da presença do Sentido radical numa existência historicamente dada, a
363
LATOURELLE, Rene. O‟COLLINS, G. Problemas e perspectivas de teologia fundamental. São
Paulo, Loyola, 1993, P.28.
145
existência de Jesus e na palavra da revelação que é totalmente condicionada por essa
existência histórica na medida em que dela procede e a ela se refere”.364
Experimentar Deus hoje não é uma questão apenas de fazer uma experiência
religiosa ou experiência do Sagrado, mas dentro de uma reflexão missionária fazer uma
autêntica experiência de Deus convida-nos a nos colocarmos em um caminho de
continua libertação de estruturas que não são e não revela em profundidade o mistério
de Deus. Padre Henrique de Lima Vaz compreendeu que a Experiência radical de Deus
é totalizante permeia nossa existência cristã, engaja-nos em responsabilidades
significativas dentro do tecido eclesial e social em que vivem os homens nosso
contemporâneos.
A experiência de sentido que cada cristão é chamado a fazer tende a tornar a sua
existência não apenas vivida em si mesma, mas uma existência “para”. O encontro com
Deus faz-nos “ser-par-os-outros”, na busca da construção de uma sociedade mais justa
e fraterna. A experiência de sentido faz-nos “ser-para-Deus”. Nossa existência torna-se
uma existência capaz de transcender o que apequena o projeto de Deus para o ser
humano ao passo que faz imanar a experiência do mistério do totalmente Outro no
contato e na cotidianidade dos outros próximos. A obra da evangelização não é apenas
expansão de instituições ou uma mera tarefa que exige o empenho de grandes ativistas
eclesiais. A resposta mais plausível a ser construída pela Igreja na grande convocação
para uma nova evangelização frente a um mundo secularizado é justamente uma
resposta testemunhal onde os valores do Reino são visibilizados no testemunho e na
coerência da vida daqueles que o anunciam, pois os homens de hoje escutam mais as
testemunhas que os mestres, e se escutam os mestres é porque estes, também são
testemunhas.
A nova evangelização é antes de tudo uma irradiação. Irradiação de uma
experiência que deu sentido a nossa vida e a nossa existência. Os agentes da nova
evangelização são pessoas que se abriram em sua disponibilidade ao chamamento, a ser
o prolongamento do Pathos divino por cada ser humano. Como bem definiu o Papa
364
LIMA VAZ, H.C., Escritos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, 3ª edição, São Paulo: Loyola,
2002, p. 253.
146
emérito Bento XVI no início de seu pontificado em 24 de abril de 2005: “Nós existimos
para mostrar Deus”. 365
365
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/2005/documents/hf_benxvi_hom_20050424_
inizio-pontificato_po.html 29.06.2014/ 20:00hs.
147
Conclusão
Ao concluirmos este trabalho em que procuramos compreender melhor o
conceito de nova evangelização e os desafios colocados pelo processo de secularização
constatamos a grandeza do tema e a vastidão de elementos que podem ser trabalhados
de modos mais setorizados dentro da teologia pastoral oferecendo preciosos contributos
para ação evangelizadora da Igreja. Poder aproximar-se da compreensão de um
acontecimento sinodal como o do ano de 2012, é justamente entrar em contato com a
dimensão universal de toda Igreja e poder considerar também as suas particularidades
como um grande tesouro a contribuir com a dimensão universal. Poder aprofundar
textos de diversos pastores da Igreja muitos dentre eles teólogos, temos a impressão de
“tocar” esta universalidade do Corpo de Cristo e perceber em cada continente os seus
desafios próprios. Poder ler e refletir sobre os discursos dos Bispos presentes no sínodo
vindos de todos os continentes nos aproxima de um “Sentire cum Ecclesia” que não é
algo focalizado apenas em uma dimensão ou em um epicentro. Sentire cum Ecclesia é
podes sentir o todo a partir dos tesouros presentes em cada particular.
Ao discorrermos sobre a nova evangelização, buscamos nos aproximar, também
do grande evento que fora o Concílio Vaticano II para toda a Igreja, e que se tornou uma
fonte fundamental para compreender a nova evangelização. Documentos como, por
exemplo, o da Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, que apresenta linhas
fundamentais para toda igreja no que se refere a missão da Igreja no mundo
contemporâneo. Outro documento é a Constituição Dogmática sobre a Igreja, “Lumem
Gentium”, que apresenta uma reflexão teológica sobre o mistério da Igreja. A “Dei
Verbum” apresenta a fecundidade da renovação bíblica, a “sacrossanctum Concilium”
abre novo caminho para a recepção dos sacramentos da iniciação cristã e a importância
da participação mais ativa, consciente e frutuosa dos fiéis nas celebrações. Preciosa é a
“Ad Gentes” sobre a evangelização dos povos.
O Concilio Vaticano II apresentou elementos importantes no que se refere à
terminologia da missão e o processo de evolução do conceito de evangelização até se
chegar ao conceito de nova evangelização, destacando o núcleo principal de “Novas
expressões, novos métodos e novo ardor” proposto pelo Papa João Paulo II.
O Papa Paulo VI contribuiu de modo singular com a Exortação Apostólica
Evangelii Nuntiandi onde procurou questionar profundamente a consciência cristã sobre
o significado do que é evangelizar? Ao mesmo tempo se perguntando sobre os
148
conteúdos e os meios pelos quais esta evangelização deveria acontecer. Deste modo o
Papa Paulo VI vai apresentando através deste documento a importante tarefa de ver a
evangelização como uma força transformadora (EN 17-20) que assume uma dimensão
fundamental na vida cristã não apenas como uma função a se realizar mas como uma
opção a se fazer.
No documento do Papa João Paulo II “Redemptoris Missio”. Verificamos o
esforço do então pontífice em colocar a relevância da missão no mundo contemporâneo
na direção também daqueles que não conhecem a Cristo. O documento possui uma
ampla explanação onde procurou apresentar a centralidade da Pessoa de Jesus Cristo
como único Salvador, desdobrando e assinalando as características e exigências do
Reino. Apresenta o protagonismo do Espírito Santo que atua sobre a vida de Jesus e de
seus discípulos os enviando “até os confins da terra” (AT 1, 18). O Papa João Paulo II
procuro por meio deste documento colocar novamente a missão ad Gentes no centro das
atividades da Igreja , sem deixar de valorizar a importante ação missionária entre os
batizados que não praticam mais a sua fé.
No ano de 2000 uma importante contribuição foi dada pelo então Cardeal
Ratizinger sobre a “Nova evangelização” num artigo escrito para os catequistas e
professores de religião onde numa conferência procurou apresentar a estrutura, os
métodos e conteúdos desta grande obra de evangelização. Afirma que a Igreja nunca
deixou de evangelizar e celebrar os sacramentos diariamente, contudo, ele já introduz
uma reflexão sobre o movimento de secularização presente na sociedade. Convida ao
mesmo tempo a cultivar uma importante paciência que faz referência a parábola do grão
de mostarda (Mc 4, 26-29), convidando a atuar com humildade. Apresenta a obra da
evangelização tendo como força motriz a oração. Não será possível alcançar
significados plausíveis sem viver uma profunda experiência pessoal com Cristo que
passe pela Igreja como caminho eclesiológico para uma eficaz ação pastoral.
Na América Latina encontramos experiências significativas que vieram somar
com todo este caminhar da Igreja frente aos novos desafios da evangelização. Um
organismo eclesial que tem colaborado de modo bastante importante foi o CELAM
através de documentos que foram verdadeiras bussolas na ação evangelizadora da Igreja
na América Latina.
A conferência de Medellín de 1968 procurou deter-se em três pontos
importantes: o primeiro que foi compreender o conflito da fé com a modernidade; o
desafio da tensão que começava a aparecer entre uma eclesiologia que opõe
149
institucional com o carismático e o problema social como resposta a “Populorum
progressio”. Outros pontos que se fez notar em Medellín foram à chave hermenêutica
de Leitura da sociedade que se utilizou do método ver, julgar e agir, assim como o
surgimento das CEBs como pequenas comunidades que buscam promover a vida cristã,
libertando-a do excesso de formalismos dando um “rosto” mais popular, seja no que se
refere à liturgia, seja em outras práticas eclesiais.
A conferência de Puebla em 1979 teve a difícil tarefa de buscar caminhos em
meio ao período de regimes totalitaristas e por vezes, sob pressão de guerras e
terrorismos. Temos neste período a transição de Papas: Paulo VI, João Paulo I e João
Paulo II no mesmo ano de 1978. O foco do documento situa-se sobre a importância da
conversão, projeção do testemunho, a participação vital no mistério de Cristo e ao
mesmo tempo a tudo aquilo que se opõe ao Reino. O documento fala da dimensão
missionária de cada batizado e seu compromisso de ser sinal do Reino de Deus no
mundo através do esforço que este realiza na construção de uma civilização do amor.
Na IV Conferência do Episcopado latino Americano de Santo Domingo o marco
histórico foi os quinhentos anos do descobrimento da América e a evangelização destes
povos. Esta conferência foi também uma oportunidade do Papa João Paulo II de lançar
de modo mais amplo para toda a América Latina o convite a uma conversão pastoral
como caminho para uma nova evangelização. O documento tem alguns pontos chaves
como a reconciliação, a solidariedade, a integração e a comunhão, que devem ser
características da nova evangelização. Santo Domingo recupera a importância do
Querigma cristão como núcleo insubstituível da mensagem cristã e propõe a cada
cristão a tarefa insubstituível de colaborar de modo eficaz na evangelização por meio do
testemunho e do zelo apostólico que se traduz em coerência de vida e serviço.
A conferência de Aparecida que ocorreu em 2007 enfrenta situações históricas
bem específicas como o acontecimento histórico de 11 de setembro e o fenômeno da
globalização como um completo desafio para a humanidade. Este documento convida a
todos os fiéis a sentirem-se convocados a tarefa evangelizadora da Igreja dentro dos
episódios de todas as conferências episcopais desde a conferência do Rio de janeiro até
Santo Domingo. O documento apresenta uma introdução. Uma primeira parte sobre a
vida de nossos povos hoje, numa segunda parte a vida de Jesus nos discípulos
missionários. E a terceira parte, a vida de Jesus para nossos povos, o documento traz
profundas contribuições pastorais para a proposta de uma fecunda missão continental.
150
É dentro deste contexto que se insere o Sínodo da nova evangelização para a
transmissão da fé Cristã como um convite a uma nova e mais intensa onda missionária
na Igreja. Algumas iniciativas precedem o Sínodo como a Carta Apostólica
“Ubicumque et Semper”, de Bento XVI. Assim como a propagação do Ano da Fé que
tem como elemento principal recordar o acontecimento mais importante do século XX
na Igreja que foi o Concilio Vaticano II.
O documento “Instrumentum Laboris”, sobre o Sínodo da nova evangelização
retoma algumas linhas gerais, seja do documento Evangelii Nuntiandi como do
Redemptoris Missio. O texto apresenta o documento em quatro capítulos, o primeiro é
Jesus Cristo Evangelho de Deus para o homem; o segundo, o tempo de nova
evangelização; o terceiro, sobre a transmissão da fé e o quarto, reavivar a ação pastoral.
É dentro deste breve panorama que buscamos desenvolver este trabalho dando
um corte no início através de uma atenção especial a secularização, pois, vimos a
necessidade de considera-la como um dos temas de maior preocupação do Sínodo para
não dizer o maior, o que levou o Papa Bento XVI a escrever a carta “Ubicumque et
Semper” criando um novo dicastério nos organismos de governo da cúria Romana como
o Conselho para a Promoção da nova evangelização frente a um grande desafio atual
que é o da secularização, como bem o definiu o Papa Bento XVI em uma entrevista:
“Encontramo-nos diante do confronto entre dois mundos espirituais,
o mundo da fé e o mundo do secularismo. A questão é: em que o
secularismo tem razão? Em que coisa, portanto, a fé deve apropriar-
se de formas e imagens da modernidade, e em que deve, ao contrário,
opor resistência? Esta grande luta atravessa hoje o mundo inteiro. Os
bispos do Terceiro milênio dizem-me: “Também entre nós existe o
secularismo; aqui, porém, mistura-se a estilos de vida ainda arcaicos.
Muitas vezes nos perguntamos como é possível que cristãos, que são
pessoalmente crentes, não encontrem a força para tornar a sua fé
politicamente operante. Devemos buscar sobretudo que as pessoas
não percam de vista Deus; que reconheçam o tesouro que possuem;e
que, além disso, elas mesmas, a partir da própria fé, no embate com o
secularismo, possam praticar o discernimento espiritual. Este
processo enorme é a verdadeira, a grande tarefa do momento
presente. Podemos apenas esperar que a força interior da fé que
existe nas pessoas adquira vigor também na opinião pública,
151
formando a opinião pública, e, ao agir assim, impeça a sociedade de
cair em um poço sem fundo366
Este texto denota grande preocupação do Papa Bento XVI com o avançado
processo de secularização, e como sendo até então Pastor da Igreja universal se
preocupou em convocar um sínodo para refletir sobre o tema da nova evangelização
tendo diante de si a grande importância de tornar novamente a fé cristã plausível, seja na
vida pessoal, familiar e social.
A conferência de Aparecida pode ter sido um ponto de despertar de esperanças
para Bento XVI, que após quatro anos quis realizar dentro de datas e comemorações
significativas na Igreja, um forte movimento de renovação espiritual, seja na Igreja, seja
no mundo.
No primeiro capítulo de nosso trabalho procuramos tendo diante dos olhos este
contexto histórico desenvolver uma melhor compreensão sobre o fenômeno do processo
de secularização. Adentramos na leitura de alguns textos, seja de filosofia, sociologia,
história e teologia que traziam reflexões sobre o impacto da secularização no mundo do
pensamento. Trouxemos como colaboração alguns textos dos padres sinodais onde a
palavra secularização aparece por mais de trinta vezes demonstrando assim uma grande
preocupação, seja daqueles pastores que vivem sobre o impacto da secularização seja
por aqueles que já começam a perceber com a globalização a transmissão de ideias e
formas de vida profundamente marcadas pela secularização. O Sínodo foi um momento
de compartilhar as dificuldades e buscar conjuntamente compreender o processo e se
fazer presente em meio a este contexto apresentando por meio de uma nova
evangelização um caminho possível.
Ao abordarmos o segundo capítulo procuramos observar a importante apreensão
do conceito de evangelização e nova evangelização apresentados no Sínodo e nos
documentos e contextos precedentes em que eles surgiram na intenção de uma
reaproximação e melhor reflexão sobre os desafios de evangelizar em meio a um mundo
secularizado. Enfrentar a barreira da linguagem e as fronteiras que ela coloca ao
pensamento de nossos contemporâneos é um desafio a se enfrentar. Num segundo
366
BENTO XVI. O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos. Uma conversa com Peter Seewald. São
Paulo:Paulinas, 2011, p. 70.
152
momento apresentamos, também o desfio de uma comunhão interna por meio de uma
espiritualidade de comunhão. A nova evangelização só verificará frutos consistentes se
as Igrejas locais juntamente com o clero e seu laicato for capaz de pensarem, refletirem
e decidirem juntos através de uma leitura aberta dos sinais dos tempos e de uma
capacidade renovada de aprofundar os aspectos espirituais que comportam uma ação
apostólica mais sólida. Uma pastoral orgânica, um projeto diocesano com diretrizes bem
definidas deve ser um trabalho conjunto de muitas mentes e corações que buscam
caminhar num mesmo compasso em uma mesma direção, sem isto a nova evangelização
não seria irradiação e transmissão, mas apenas um projeto fadado a se perder no vazio.
O terceiro capítulo a luz da experiência Sinodal e dentro do paradigma
apresentado já em Aparecida e reconfirmado na Exortação Apostólica Evangelii
Gaudium do Papa Francisco procurou ver na leitura de um novo paradigma para a
evangelização um caminho de conversão pastoral e de uma releitura da evangelização
tendo como ponto principal a chave hermenêutica da missão, apresenta-se a nova
evangelização como uma proposta para uma nova primavera do Espírito Santo para toda
a Igreja , como que um grande Pentecostes. Ter a coragem de se avaliar e propor dentro
do tecido eclesial uma auto-conversão de suas próprias estruturas, sejam internas na
Igreja sejam estruturas do próprio coração e da forma de pensar novos caminhos em
contradição com afirmações do tipo “sempre foi feito assim”. O caminho proposto pela
nova evangelização à luz da Exortação Apostólica é uma a atitude corajosa e audaciosa
do papa Francisco de propor a Igreja à coragem de responder aos grandes desafios
contemporâneos de um modo testemunhal. O rosto de uma Igreja diaconal pode ser um
precioso auxílio, seja na assimilação do conceito, seja por meio de uma prática que
demonstra o desejo da Igreja de ser servidora. Servidora dos mistérios de Deus,
servidora da Palavra de Deus, servidora do ser humano. Uma possível guinada na
conjectura da Igreja virá com a corajem de tomar a peito “novos paradigmas” de forma
a vivenciar “novos conteúdos programáticos” que falem diretamente ao coração a mente
dos homens de hoje. Existe uma carência na visibilidade de coerências e atitudes
evangélica. É necessário que todo o povo de Deus composto pelo clero e pelos fieis
saibam desprender-se das faixas que impedem uma maior mobilidade do Corpo de
Cristo. É preciso que a mensagem do evangelho, seja primeiro uma verdade capar de
transfigura a vida dos mesmos agentes de evangelização para que o mundo perceba
novamente o frescor do evangelho. O Sínodo dos bispos de 2012 assinalou a
153
importância de voltar ao centro de voltar a Cristo, de tornar-se sinal histórico de seu
Reino. Muito existe ainda por aprofundar sobre o tema da nova evangelização, como
também sobre o fenômeno da secularização para considera-lo em seu aspectos positivos.
Estudar a nova evangelização e o processo de secularização à luz do Sínodo dos Bispos
de 2012, foi um primeiro passo para que eu pessoalmente melhor pudesse compreender
está “magna” missão da Igreja que desprende uma força valiosa, mas que traz alegrias
imensas e sentido profundo a própria vida. Termino dizendo que foi um colocar-se a
caminho, sabendo que existem muitas estradas ainda para ser percorridas na grande
tarefa e aventura humana e cristã que nos apresenta a nova evangelização.
“Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou
uma grande idéia, mas o encontro com um
acontecimento, com uma Pessoa que dá a vida um novo
horizonte e, desta forma, o rumo decisivo.”
Papa Bento XVI
154
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