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Em época de vindima, abunda vinho a martelo
( porque não vou a manifestações partidárias)
Tomando como fulcro a manifestação da CGTP de dia 29, algumas reflexões:
1. Governo de esquerda, clama o PC/CGTP. O que é um governo de esquerda?
Um governo PC/BE para o qual nada aponta? As sondagens revelam que na ausência de
alternativa credível, o eleitorado balança, desta vez do PSD para o PS, no sentido inverso ao
verificado em meados de 2011. E a esquerda institucional não descola da sua representação
habitual, mais ou menos a mesma desde 1975.
Um governo de independentes de esquerda (como o de Pintasilgo em 1979?) como produto da
iniciativa presidencial? Com este presidente, o do BPN?
Com um PS refundado ou regenerado, disposto a romper com o torniquete do capital
financeiro que se perfila por detrás da troika? Quem acredita nisso? Vamos continuar a ter um
PS com uma liderança frágil, sem projeto, muito acusador do governo Passos mas, sem
molestar a troika com uma só palavra de desagrado. Alguém configura uma revolta dentro do
PS?
O apoio do PC/BE a um governo PS seria facilmente conseguido. Recordamos que Fazenda
recentemente perguntava o que tencionava fazer o PS quanto ao orçamento, revelando assim
a subalternidade do BE face aos desígnios do PS. Umas secretarias de estado como no governo
Dilma seriam uma prenda interessante e barata mas, recordamos que nas eleições de 1999,
Guterres preferiu comer o queijo limiano a negociar com os deputados do novel BE, então
ainda radical.
Num cenário de eleições e mesmo que o PS ganhasse, a gravidade da situação atual conduziria
um bloco central como em 1983, durante a intervenção do FMI; acreditamos que Portas até
ficaria contente por ficar de fora.
Não parece disponível qualquer solução favorável para a multidão, saída de eleições, dentro
do actual modelo político e de representação.
2. Política de esquerda clama o PC/CGTP. Sem colocar o sistema em causa?
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Não se fala do sistema, o que pressupõe a sua aceitação como base consolidada de vida para
os residentes em Portugal. E há boas razões para essa aceitação. A vida parlamentar é doce, os
media estão sempre solícitos a gravar banalidades para o telejornal, os subsídios públicos para
o partido acontecem enquanto houver votantes, ser dirigente sindical é profissão sem risco de
despedimento, se se apostar no continuismo mais retrógrado, se se tiver estômago para
entreter os trabalhadores com slogans que têm decénios. E o sistema não poderia existir sem
sindicalistas macios ou coniventes, concertação social, bem como sem polícia para colocar na
ordem elementos insubmissos ao melhor dos sistemas, o da democracia de mercado.
Como o sistema não é perfeito porque lhe falta uma política de esquerda, aí estão os bravos
sindicalistas e deputados de esquerda para convencer as pessoas de que só a sua existência
permitirá, garantirá a sua implantação. E daí que seja preciso enquadrar os desalinhados,
indignados, descontentes, através da unidade em torno daqueles ungidos lideres das massas
trabalhadoras. Quem desconfiar dessa unidade, em cujo processo nunca falham manobras,
votações fantasmas, cooptações de ingénuos, é subtilmente afastado das reuniões e decisões.
Política de esquerda significa um carinho especial por médios, pequenos, pequeníssimos e
nano empresários, na senda da unidade dos portugueses honrados, inventada por Cunhal.
Empresários esses que, sem viabilidade e sem receitas, colaboram valentemente para os
números dos despedimentos enquanto apoiam os partidos da direita. Isso justifica que a
palavra capitalismo seja pouco ouvida nas chefias da esquerda institucional.
Política de esquerda é o silêncio sobre o modelo político atual, sobre este sistema de
representação que nomeia mais do que elege? O apoio à mascarada das assembleias
municipais, à inviabilidade subversiva dos referendos, a recusa, mesmo a um muito tímido
orçamento “participativo”?
Ora se os sindicatos são um exemplo evidente de uma profunda falta de democracia, não cabe
à CGTP colocar na agenda reivindicações democráticas. Dentro da lógica do centralismo
democrático, o comité central é a fonte de toda a legitimidade.
3. Política patriótica clama o PC/CGTP. O que será isso quando as nações se tornam
autarquias?
Aceita-se implicitamente – ao descartar soluções solidárias e concertadas com outras vítimas
da troika – que não somos gregos, como se ouve da boca dos membros do governo. Não
nascemos na Grécia mas, de facto, estamos todos gregos, nós os helénicos, os hispânicos…
Cá, como nos outros países, as burocracias sindicais cuidam da sua sobrevivência e da
manutenção dos seus serviços de controlo social, prestados no âmbito da sua pertença às
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respetivas oligarquias nacionais. Como o seu quadro é estritamente nacional, como é nesse
quadro que se joga a sua sobrevivência, a adopção de um discurso patriótico é necessário.
Como não têm o arrojo de denunciar e combater o capitalismo global, o sistema financeiro
dominante, ou as anti-democráticas instituições comunitárias e internacionais, - embora intra-
muros defendam a saída do euro - os nossos sindicalistas e o seu partido fixam-se na troika,
retirando daí argumentos para o seu discurso nacionalista que, indiretamente, retira
visibilidade às reivindicações da extrema direita.
4. O futuro dos grupos e do movimento indignado nascido o ano passado
Tem sido expresso pela parte maioritária do movimento a defesa de fórmulas de democracia
direta, de assembleismo, de horizontalidade e ausência de chefias. E uma afirmação de que
“eles não nos representam”.
A despolitização gerada nas mais jovens gerações, pela classe política, desde a “normalização”
de novembro de 1975, afastou-as tanto dos partidos políticos como da prática política; e,
dessa inexperiência, sai uma concepção romântica da unidade, como algo que dispensa uma
criteriosa construção. Convencem-se da bondade de elementos com objetivos ínvios de
captação da generosidade, do desejo de mudança daqueles jovens, para integrarem a sua
criatividade na órbita e sob a bandeira das instituições do sistema ou de grupos candidatos a
um reconhecimento por parte daquele. E, claro, tratarão de untar ou mimar alguns, com
ofertas de emprego ou candidaturas a lugares políticos ou, mais simplesmente, dando-lhes
protagonismo.
Sinteticamente,
• Como se coaduna a procura de formas democráticas, de reformulação do sistema
político e de representação, com a presença em manifestações e eventos patrocinados
por burocracias avessas à democracia, como a CGTP e o PC?
• Como se coaduna a horizontalidade, a ausência de hierarquias, a discussão coletiva,
com a presença subordinada em eventos onde é claramente definida uma orientação
partidária como resolução dos problemas do “país”? Onde há um orador de serviço – o
distinto Arménio – membro do comité central de uma relíquia da guerra fria?
• Depois das várias manifestações e eventos abertos e plurais que se desenvolvem
desde o ano passado, vamos confluir em eventos da CGTP ou dirigidos por controleiros
trotskistas? Vamos desistir da autonomia, da afirmação de formas democráticas de
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funcionamento, descredibilizando-nos perante as pessoas que assim, verão nisso que
“são todos iguais”?
• Vamos andar de evento em evento, ora ornamentando a unidade na submissão aos
desígnios da CGTP/PC, ora inseridos na orla do BE? É assim muito difícil de entender
que as estratégias partidárias passam exclusivamente pelo aumento do seu
financiamento público e do seu peso específico dentro do sistema político e
económico, que nos condena à pobreza ou ao genocídio? Que as estratégias
partidárias passam precisamente pela inexistência de autonomia, de projeto e de
estratégia por parte do movimento social?