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PENSAR A EDUCAÇÃO
PORTUGAL 2015
ORGANIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO
Belmiro Cabrito
João Pinhal
Jorge Martins
Maria José Rau
Mariana Dias
Natércio Afonso
Lisboa. 30-10-2014
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Sumário
NOTA PRÉVIA
I – INTRODUÇÃO
II - A EDUCAÇÃO NO ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL E NO REGIME JURÍDICO DAS
AUTARQUIAS LOCAIS
III – NÍVEIS DE ADMINISTRAÇÃO
III.1 – Administração Central
III.1.1 - Caracterização e condicionantes
III.1.2 - Clarificações necessárias e identificação de zonas fraturantes
III.2 – Províncias, Regiões, Áreas Metropolitanas, Associações de Municípios
III.2.1 - Clarificações necessárias e identificação de zonas fraturantes
III.2.2 - Pistas de trabalho/atuação e áreas de negociação/concertação
III.3 – Município
III.3.1 - Caracterização e condicionantes
III.3.2 - Clarificações necessárias e identificação de zonas fraturantes
III.4 – Da Escola Pública aos Mega-agrupamentos
III.4.1 Traços atuais do funcionamento e gestão
III. 4.2 Como surgiram os “mega-agrupamentos”
III.4.3 Algumas características funcionais dos agrupamentos de escolas
III.4.4 Pistas de trabalho/atuação e áreas de negociação/concertação
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IV- REGULAÇÃO E FINANCIAMENTO
IV.1. Formas de regulação do sistema e das organizações educativas
IV.1.1.Globalização, governação e “novas ortodoxias em educação”
IV.1.2. A “hiperburocratização” da administração educacional e o papel das plataformas informáticas
IV.1.3. Europeização das políticas educativas
IV.2.Financiamento
IV.2.1. Introdução
IV.2.2. Os quase-mercados
IV.2.3. A “liberdade de escolha” e o cheque-ensino
IV.2.4. Privatização e níveis de ensino
IV.2.5. A procura educativa e o financiamento da educação
IV.2.6. Notas para discussão
V – COMO ATUAR NO PRESENTE E PREPARAR O FUTURO
V.1. Afinal o que é a escola pública?
V.2. A atualidade da Lei de Bases do Sistema Educativo
V.3. Pela autonomia das escolas!
V.4. Como descentralizar sem “municipalizar”?
V.5. Uma nova visão para a administração pública
V.6. Qual o papel da sociedade civil?
V.7. Questões à margem que se podem tornar questões centrais
*ANEXOS :
I – Níveis da Administração e Domínios de Decisão
II - Competências das Direções de Serviço Regionais da Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares
III - Composição das 21 Comunidades Intermunicipais e das 2 Áreas Metropolitanas
IV - Quadro resumo de caracterização e condicionantes
V - Características funcionais dos agrupamentos de escolas
*REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NOTA PRÉVIA
O texto que seguidamente se apresenta constitui a 3ª versão do documento conjunto elaborado pelos membros que
integram a área temática ORGANIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO do Projeto “Pensar a
Educação”.
A dificuldade de reunião conjunta e a pouca disponibilidade da maioria dos membros da equipa pode justificar que,
ao lê-lo, se reconheça não só a existência de diferentes autores para as diversas secções, como também algumas
redundâncias e desequilíbrio na dimensão e âmbito de cada uma delas.
Feito um significativo esforço de concertação e considerados os pareceres dos consultores – Licínio Lima e Paulo
Guinote – e após nova reapreciação pelos autores, considerou-se que o essencial da informação de enquadramento
e das suas opiniões estava salvaguardado, pelo que se chegara ao momento oportuno para o abrir ao debate e à
recolha de apreciações mais alargadas que terão o seu ponto forte no Seminário de 14 de Novembro o que irá
permitir, em especial, desenvolver o capítulo final de que, agora, apenas se enunciam os temas a debater e as
interrogações a apresentar.
Legislação ou propostas surgidas já depois do início do trabalho em Maio de 2014 não foram consideradas
/integradas dado não só o seu estado elementar, mas, sobretudo, o não terem ainda sido negociadas, aplicadas ou
experimentadas.
I – INTRODUÇÃO
1. “Pensar a Educação” é também pensar como a educação e o sistema educativo estão organizados
e qual a forma como, para o gerir, se estrutura a administração da educação e como,
correspondendo a essa organização – ou assentando nessa organização –, está estabelecido o seu
financiamento.
Existe uma base ampla de consenso sobre o diagnóstico relativamente às políticas educativas e à
administração da educação, no que respeita à excessiva concentração da decisão na esfera do
governo central. Há investigação, com décadas em Portugal e noutros países europeus, mostrando
os problemas e as dificuldades resultantes de uma administração muito centralizada. De há muito
que é um lugar-comum dizer que é necessário reforçar a intervenção municipal na definição de
políticas locais de educação e na administração da provisão do serviço público de educação. Do
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mesmo modo, parece não haver grandes dúvidas sobre a necessidade do reforço da autonomia das
escolas e dos poderes dos seus órgãos de direção e gestão. Também parece consensual que os
processos de municipalização e de promoção da autonomia das escolas envolvam as dimensões
clássicas que concretizam a provisão da educação, a saber: os recursos humanos, o
desenvolvimento do currículo, o financiamento e a própria estrutura orgânica de cada escola,
devendo concentrar-se no governo central apenas as macropolíticas, as leis de enquadramento
geral, o planeamento estratégico e a avaliação.
2. Estudos que têm incidido sobre a relação entre eficácia e equidade na educação têm levado a um
olhar mais atento sobre como esta relação está intimamente dependente da forma como estão
repartidas as competências, do enquadramento do exercício dessas competências, nomeadamente
no que se refere aos níveis de autonomia quanto à atribuição e gestão dos recursos, a que
correspondem, naturalmente, as exigências de rigor na avaliação e prestação de contas. Uma ampla
reflexão feita, desde meados do século XX, em alguns países sobre medidas tomadas, em especial
para responder ao insucesso escolar em zonas problemáticas (“ZEP- Zones d’Education Prioritaire”
em França, “Education in Cites” no Reino Unido, “TEIP-Territórios Educativos de Intervenção
Prioritária” em Portugal, projetos vários nos EUA) tem sido determinante para este olhar sobre a
organização e funcionamento dos sistemas educativos na perspetiva já não só de custo/benefício,
mas também da relação entre eficácia e equidade. A investigação tem, simultaneamente,
demonstrado as potencialidades associadas com as políticas de melhoria das escolas e a diversidade
de percursos e processos que as mesmas podem envolver1.
3. O problema central na definição de uma estratégia política para a educação consiste em evitar
uma abordagem centrada na ação das autoridades governamentais, ou seja, evitar que as medidas
de política se organizem fundamentalmente em torno de legislação e de normativos produzidos na
administração central da educação. Pode haver vantagem em abordar a política pública numa lógica
de ação pública, em que as decisões são tomadas em rede, em várias instâncias, e em função de
múltiplos interesses e objetivos. A ação governamental deve ser concebida como criadora de balizas
e oportunidades para a ação dos outros atores (famílias, profissionais, escolas, municípios, etc.),
1 Fullan, Bolivar , 2011, Avila, 2009, Mortimore , 1998.
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mais do que na definição de “reformas” ou mudanças estruturais. Tudo o que for mudança
estrutural deve ser objeto de concertação social e política a estabilizar em leis-quadro ficando,
assim, protegida das flutuações conjunturais do processo político.
4. O “Olhar sobre a Educação”2 publicado pela OCDE tem, na sua edição de 2012 no capítulo D –
Ambiente pedagógico e organização escolar (Environnement pédagogique et organisation scolaire)
– uma secção dedicada ao que identifica como indicador D6 “Quem toma as decisões chave no seio
dos sistemas educativos” (na edição de 2013 este indicador não consta). A análise feita nesta secção
tem por base uma grelha que compara a situação em 35 países no que se refere aos níveis de
administração e aos domínios de decisão que, em anexo (Anexo I) sucintamente se traduz/adapta.
Desta análise resulta, como seria previsível, que Portugal é dos países onde as decisões são
maioritariamente tomadas a nível da administração central. Resultam igualmente muitos outros
aspetos interessantes e que justificam uma reflexão, nomeadamente que, nos últimos anos e após
uma caminhada no sentido da aumentar as competências dos níveis inferiores – mais próximos dos
alunos – da administração, “paradoxalmente muitos países aumentarem a influência da
administração central”.
No caso português, partindo, há 40 anos, de uma administração altamente centralizada, o discurso
político e algumas decisões têm ido no sentido de fortalecer a transferência de competências para
as autarquias e a autonomia das escolas, mas sempre de uma forma que se poderá classificar de
pouco clara, hesitante, titubeante mesmo, com a constante fuga para situações vagas e quase
contraditórias que encontram refúgio frequente em regimes experimentais e processos de
contratualização casuística.
5. Talvez que o maior erro do debate sobre a descentralização territorial do sistema educativo tenha
sido a sua limitação ao sistema escolar. Isto não significa que outras abordagens tenham estado
totalmente ausentes, mas sim que a prevalência tem sido dada à questão de se saber o quê e o
como da transferência para os municípios de competências no sistema escolar, o que tem retirado
2 OECD (2012), Education at a Glance 2012: OECD Indicators, OECD Publishing.
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ao debate as cambiantes mais políticas e tem-no limitado excessivamente às questões
administrativas, de natureza executiva.
A natureza política da descentralização educacional que se pretende implica ponderar-se sobre as
sedes de conceção do sistema educativo e da produção normativa correspondente, porque é aí que
está o embaraço.
6. Desde 2011 que o Conselho Nacional de Educação (CNE) se em vindo a preocupar e a produzir, a
partir de uma ampla e pormenorizada caracterização da realidade observada, recomendações
relacionadas com estas questões, nomeadamente sobre quem toma ou deva tomar certas decisões
chave no seio dos sistemas educativos.
6.1. A Recomendação 2/2011 do Conselho Nacional de Educação3 identifica os seguintes cinco
aspetos prioritários de atuação no que respeita o financiamento das escolas públicas e que se
prendem com a necessidade de:
1) Eleger a totalidade dos serviços que a escola presta como o critério a ter em conta na
definição do orçamento da escola, considerando, entre outros fatores, o enquadramento
social/económico e cultural dos alunos, as características físicas da escola e as características
geográficas da sua localização;
2) Garantir que as rubricas que constituem o orçamento da escola integram todos os
recursos de que a escola necessita para as funções que exerce, tendo por base o número de
alunos e a complexidade da sua base de implantação no que respeita a número e localização
de edifícios e diversidade de níveis e modalidades de educação e ensino que congrega;
3) Identificar o número e as competências necessárias aos elementos que constituem as
equipas diretiva e educativa da escola, bem como o seu pessoal técnico e administrativo;
4) Caracterizar e identificar os serviços partilhados a que as escolas podem recorrer,
prestados por entidades externas;
5) Identificar e explicitar as modalidades sistemáticas de avaliação e monitorização externa,
bem como as de prestação de contas que as escolas devem apresentar, com especial
3 Recomendação 2/2011 – Financiamento das Escolas Públicas
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relevância para o valor acrescentado que permita relacionar, com o devido enquadramento
físico e social das escolas, a gestão financeira com os resultados obtidos e com o custo por
aluno/curso.
6.2. Já a recomendação 6/2012 do Conselho Nacional de Educação1 reconhece uma situação que
não favorece a efetiva assunção de poderes, quer ao nível autárquico quer ao nível das escolas, nem
a criação das necessárias competências e práticas de autonomia, desde a existência de um corpo
técnico devidamente habilitado para o efeito, capaz também de procedimentos regulares de
planeamento, avaliação e prestação e contas. Como principais causas desta situação identificam-se
aspetos críticos que urge resolver no processo de assunção de competências pelas autarquias em
matéria de educação e que resultam i) da incoerência e instabilidade legislativa que levam à
existência de orientações distintas e, por vezes, opostas, ii) de um processo de delegação de
competências estabelecido em sede de um instrumento de contratualização, e não de um efetivo
processo de descentralização, e iii) e de medidas várias que podem conduzir à restrição do caráter
universal e gratuito dos serviços e bens educativos.
6.3. Também na Recomendação 7/20121 sobre autonomia das escolas, num conjunto vasto de 19
recomendações dirigidas a diferentes destinatários, assumem especial relevo as 12 recomendações
“dirigidas ao Governo e à administração educacional” e que sugerem:
- A definição de um novo quadro de responsabilidades entre os vários níveis da administração
educacional, que consagre o caminho já feito por todas as partes, desde o nível central ao local, e
potencie o desenvolvimento da descentralização da educação e da autonomia das
escolas/agrupamentos de escolas;
- Um tempo de reflexão para avaliação dos processos de descentralização da administração da
educação e da autonomia escolar, sobretudo nos últimos cinco anos;
- O reforço inequívoco da necessidade de cada escola ter o seu projeto educativo centrado nos alunos
e se garanta a diversidade de situações que cada escola representa contrariando um processo de
descentralização e de autonomia regulados por um “modelo único”;
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- A explicitação de medidas que impeçam o isolamento ainda maior da escola/agrupamento após a
extinção da DRE;
- O incentivo à celebração dos contratos de autonomia entre as escolas/agrupamentos de escolas e
a tutela, que amplie os níveis de responsabilidade pelos processos e pelos resultados escolares e
contribua para que se dissipe o clima de desconfiança que existe na administração central face às
escolas/agrupamentos de escolas;
- A revisão da missão e composição dos conselhos municipais de educação no sentido do reforço da
descentralização educacional e da autonomia das escolas;
- A clarificação do quadro de financiamento dos planos de estudo e do currículo, tanto na sua
componente nacional como local e a promoção da realização acelerada de contratos de autonomia.
7. Justificações possíveis da situação portuguesa podem-se encontrar:
- Por um lado, num certo comprazimento dos profissionais envolvidos que, aos vários níveis da
administração, encontram nos animadores resultados dessas autonomias ocasionais,
contratualizações casuísticas e situações experimentais;
- Por outro na incapacidade de encarar de frente os evidentes e fortes interesses opostos e as zonas
fraturantes que existem entre os diferentes níveis de administração e instâncias e grupos
profissionais envolvidos na educação. Esta natural e saudável oposição entre interesses e
perspetivas não se resolve, porém, com fáceis e amigáveis consensos, mas sim através de aturadas
negociações e de uma concertação que implica a assunção de compromissos, com perdas e ganhos
pelas diferentes partes. É que não existem decisões políticas duradouras que possam ter efeitos
práticos sem que este processo prévio de concertação tenha lugar. Recorrendo a uma conclusão
que consta no Relatório do Exame da Política Educativa de Portugal feito pela OCDE em 1983 e
permitindo-lhe uma extensão até 2014, poderá ainda dizer-se: “A última década caracterizou-se,
em Portugal, por muitas iniciativas educativas incompletas. É como se arquitetos com conceções
radicais ou diferentes tivessem sido nomeados, em sucessão rápida, para um mesmo projeto. Cada
arquiteto, antes de ser substituído, teria tido o tempo exatamente suficiente para apresentar um
projeto de grande envergadura …. Os projetos assim concebidos escapam ao peso da
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responsabilidade seja de quem for e tendem mais a tornar-se esboços de quaisquer ideais sociais ou
pedagógicos do que o resultado de compromissos bem elaborados, entre o que é aceite pelo grande
público e as limitações financeiras, administrativos e físicas que caracterizam a construção
positiva”4.
São estes vários consensos e discordâncias e interesses opostos que neste documento se pretendem
analisar no que respeita aos níveis de administração para os diferentes domínios de decisão,
procurando, depois de um amplo debate, identificar as questões que se impõem e apontando vias
possíveis a prosseguir ou iniciar.
II - A EDUCAÇÃO NO ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL E NO REGIME JURÍDICO DAS
AUTARQUIAS LOCAIS
Relembrando o que diz a Constituição da República Portuguesa (CRP) sobre os vários níveis de
administração, no contexto mais geral da Educação, o ordenamento constitucional do território e
da administração portugueses não contempla a Província (circunscrição político-administrativa
existente em Espanha, por exemplo), nem a Região (as regiões autónomas e as regiões
administrativas têm outro enquadramento constitucional, não equiparado ao conceito político de
região), antes contempla as associações de autarquias locais que, hoje, podem ser Áreas
Metropolitanas ou Comunidades Intermunicipais. Nem umas nem outras, contudo, representam
um nível intermédio de poder próprio (com atribuições e competências constitucionais originárias)
entre a administração central e a administração local. Tal facto tem reforçado o cariz
acentuadamente centralista do Estado português, que legitima e determina o centralismo da
administração educativa.
4 Ministério da Educação-Gabinete de Estudos e Planeamento ( 1984) Exame das Políticas Nacionais de Educação: Portugal /OCDE
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A CRP, nos seus Princípios Fundamentais, estabelece que Portugal é um Estado Unitário que respeita
na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da
subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da
Administração Pública (AP) (CRP, Art.º 6º, 1). Determina também que os arquipélagos dos Açores e
da Madeira constituem regiões autónomas, dotadas de estatutos político-administrativos e de
órgãos de governo próprios (Idem, 2).
Quanto à educação, ainda no mesmo título dos Princípios Fundamentais, a CRP determina como
“tarefa fundamental do Estado”, entre várias outras, assegurar o ensino e a valorização
permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa (Art.º 9º, f)),
esclarecendo, no capítulo dos Direitos e Deveres Fundamentais, que é garantida a liberdade de
aprender e ensinar, que o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer
diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas, que o ensino público não será
confessional e que é garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas (Idem,
Art.º 43º).
As garantias anteriores são retomadas no capítulo dos Direitos e Deveres Culturais, onde encontram
a explicitação dos seus objetos e objetivos.
Assim, no Art.º 73º, a CRP esclarece que todos têm direito à educação e à cultura e que o Estado
promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada
através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a
superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade
e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o
progresso social e para a participação democrática na vida coletiva.
Mas é nos artigos seguintes que a CRP estabelece as obrigações do Estado na promoção do objetivo
de que “todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso
e êxito escolar” (CRP, Art.º 74º, 1 e 2):
a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;
b)Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar;
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c)Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo;
d)Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais
elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística;
e)Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;
f)Inserir as escolas nas comunidades que servem e estabelecer a interligação do ensino e das
atividades económicas, sociais e culturais;
g)Promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o
ensino especial, quando necessário;
h)Proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e
instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades;
i)Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura
portuguesa;
j)Assegurar aos filhos dos emigrantes apoio adequado para efetivação do direito ao ensino.
Consequentemente, o Estado cria uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as
necessidades de toda a população, mas reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos
termos da lei (Idem, Art.º 75º, 1 e 2), estipula a democraticidade no acesso ao ensino superior e o
estatuto de autonomia das universidades, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do
ensino (Idem, Art.º 76º, 1 e 2) e determina a participação democrática no ensino esclarecendo que
os professores e alunos têm o direito de participar na gestão democrática das escolas, nos termos
da lei; a lei regula as formas de participação das associações de professores, de alunos, de pais, das
comunidades e das instituições de carácter científico na definição da política de ensino (Art.º 77º, 1
e 2).
Quanto ao regime autonómico insular, que é estabelecido no Título VII da CRP sob a designação
genérica de Regiões Autónomas, importa referir que, em matéria de educação e ensino, com uma
única exceção respeitante à legislação sobre “Bases do Sistema de Ensino”, que é da reserva
absoluta de competência da Assembleia da República (CRP, Art.º 164º , i)), os poderes das regiões
autónomas abrangem todas as matérias (e domínios) enunciadas no respetivo estatuto político-
administrativo e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania (Idem, Art.º 227º).
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Finalmente, sobre o Poder Local, de que trata o título VII da CRP, caracteriza e diz respeito às
autarquias locais que, fazendo parte da organização democrática do Estado, são definidas como
pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de
interesses próprios das populações respetivas (CRP, Art.º 235º, 1 e 2).
O texto constitucional estabelece diferentes categorias de autarquias locais e remete para
legislação própria a divisão administrativa do território. No continente, as autarquias locais são as
freguesias, os municípios e as regiões administrativas. Nas grandes áreas urbanas e nas ilhas, a lei
poderá estabelecer, de acordo com as suas condições específicas, outras formas de organização
autárquica (Idem, 236º).
As atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos,
são reguladas por lei5, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa (Idem,
237º). Embora as autarquias locais tenham património e finanças próprios, o seu regime de finanças
é estabelecido por lei e visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias
e a necessária correção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau (Idem, 238º). As
autarquias locais estão sujeitas à tutela administrativa que consiste na verificação do cumprimento
da lei por parte dos órgãos autárquicos. As freguesias podem constituir, nos termos da lei,
associações para a administração de interesses comuns e, de igual modo, os municípios podem
constituir associações e federações para a administração de interesses comuns, às quais a lei pode
conferir atribuições e competências próprias (Idem, 247º e 253º). Os municípios participam, por
direito próprio e nos termos definidos pela lei, nas receitas provenientes dos impostos diretos,
embora também disponham de receitas tributárias próprias, nos termos da lei (Idem, 254º).
Quanto às regiões administrativas, para existirem têm que ser criadas por lei e simultaneamente6,
o que ainda não aconteceu. Esta lei deve definir os respetivos poderes, a composição, a
5 Atualmente, trata-se da Lei n.º 75/2013 de 12 de Setembro (que estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto
das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e
para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico) que será analisada neste texto mais
adiante.
6 Decisão dependente do voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta direta (referendo) de alcance nacional e relativa a cada área regional (CPR, Art.º 256, 1) que ainda não ocorreu.
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competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao
regime aplicável a cada uma (Idem, 255º).
Ainda sobre a descentralização administrativa, a lei constitucional refere que a Administração
Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações
e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por
intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação
democrática. Para estes efeitos, a lei ordinária deverá estabelecer adequadas formas de
descentralização e desconcentração administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade
de ação da Administração e dos poderes de direção, superintendência e tutela dos órgãos
competentes. No entanto, a lei ordinária pode criar entidades administrativas independentes
(Idem, 267º).
Tendo em conta a possibilidade e o interesse da comparação, transcreve-se o elenco das
competências próprias da Assembleia Legislativa da Região Autónoma do Açores, inscrito no
respetivo Estatuto Político-Administrativo (Lei nº39/80, de 5 de Agosto, já com integração da
alteração da Lei nº 2/2009, de 12 de Janeiro - Artigo 62º sobre Educação e Juventude), em matéria
de educação:
1. Compete à Assembleia Legislativa legislar em matérias de educação e juventude.
2. As matérias de educação e juventude abrangem, designadamente:
a) O sistema educativo regional, incluindo as respetivas organização, funcionamento,
recursos humanos, equipamentos, administração e gestão dos estabelecimentos de
educação e de ensino;
b) A avaliação no sistema educativo regional e planos curriculares;
c) A atividade privada de educação e sua articulação com o sistema educativo regional;
d) A ação social escolar no sistema educativo regional;
e) Os incentivos ao estudo e meios de combate ao insucesso e abandono escolares;
f) O associativismo estudantil e juvenil;
g) . A mobilidade e o turismo juvenis;
h) A regulação e gestão de atividades e instalações destinadas aos jovens
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Na Região Autónoma da Madeira, o Estatuto Político-Administrativo (Lei 13/91, de 5 de Junho, aqui
já com integração da alteração da Lei nº 130/99, de 21 de Agosto) define como matéria de interesse
específico, para efeitos de definição dos poderes legislativos ou de iniciativa legislativa da Região,
bem como dos motivos de consulta obrigatória pelos órgãos de soberania, nos termos do nº2 do
Artigo 22º da Constituição, a Educação pré-escolar, ensino básico, secundário, superior e especial
(Lei 13/91, Artigo 40º, o)).
Importa agora analisar as atribuições das autarquias locais, matéria inscrita na Lei n.º 75/2013 de
12 de Setembro, que hoje estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das
entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado
para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do
associativismo autárquico, e que revoga grande parte da legislação anterior sobre aqueles
assuntos7.
Constituem atribuições das autarquias locais (regiões administrativas8, municípios e freguesias) a
promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, designadamente as
atribuições da freguesia:
“1 — Constituem atribuições da freguesia a promoção e salvaguarda dos interesses próprios
das respetivas populações, em articulação com o município.
7 A Lei n.º 75/2013 de 12 de Setembro revoga a) Os artigos 2.º a 7.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 44.º, 103.º, 105.º e 177.º a 187.º do Código
Administrativo; b) O Decreto-Lei n.º 78/84, de 8 de março; c) A Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, alterada pelos Decretos-Leis nºs
7/2003, de 15 de janeiro, e 268/2003, de 28 de outubro, e pelas Leis nºs 107-B/2003, de 31 de dezembro, 55-B/2004, de 30 de
dezembro, 60-A/2005, de 30 de dezembro, 53-A/2006, de 29 de dezembro, 67-A/2007, de 31 de dezembro, 64-A/2008, de 31 de
dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, e 55-A/2010, de 31 de dezembro; d) Os artigos 1.º a 3.º, 10.º-A, 13.º a 16.º, as alíneas c) a o) e
q) a s) do n.º 1 e os n.os 2 a 6 do artigo 17.º, os artigos 18.º a 20.º, o n.º 1 do artigo 23.º, 30.º a 41.º, 46.º-A, 49.º a 52.º-A, as alíneas
b) a j) e m) a r) do n.º 1 e os nºs 2 a 8 do artigo 53.º, os artigos 54.º e 55.º, 62.º a 74.º, 81.º a 95.º, e 98.º e 99.º da Lei n.º 169/99, de
18 de setembro, alterada e republicada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro, pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, e pela Lei
Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro; e) O n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, alterado pelos
Decretos-Leis nºs 156/2004, de 30 de junho, 9/2007, de 17 de janeiro, 114/2008, de 1 de julho, 48/2011, de 1 de abril, e 204/2012, de
29 de agosto, na parte em que refere as alíneas b), c) e f) do artigo 1.º do mesmo diploma, bem como as suas subsequentes disposições
relativas à titularidade da competência para o licenciamento das atividades de venda ambulante de lotarias, de arrumador de
automóveis e atividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes; f) A Lei
n.º 45/2008, de 27 de agosto, sem prejuízo do disposto no número seguinte;
8 Como já se referiu, ainda não foram criadas.
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2 — As freguesias dispõem de atribuições designadamente nos seguintes domínios: a)
Equipamento rural e urbano; b) Abastecimento público; c) Educação; d) Cultura, tempos livres
e desporto; e) Cuidados primários de saúde; f) Ação social; g) Proteção civil; h) Ambiente e
salubridade; i) Desenvolvimento; j) Ordenamento urbano e rural; k) Proteção da comunidade.
3 — As atribuições das freguesias abrangem ainda o planeamento, a gestão e a realização
de investimentos nos casos e nos termos previstos na lei.”(Lei 75/2013, Art.º 7º);
e as atribuições dos municípios:
“1 — Constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses próprios
das respetivas populações, em articulação com as freguesias.
2 — Os municípios dispõem de atribuições, designadamente, nos seguintes domínios: a)
Equipamento rural e urbano; b) Energia; c) Transportes e comunicações; d) Educação; e)
Património, cultura e ciência; f) Tempos livres e desporto; g) Saúde; h) Ação social; i)
Habitação; j) Proteção civil; k) Ambiente e saneamento básico; l) Defesa do consumidor; m)
Promoção do desenvolvimento; n) Ordenamento do território e urbanismo; o) Polícia
municipal; p) Cooperação externa.” (Lei 75/2013, Art.º 23º)
Quanto às competências, as autarquias locais prosseguem as suas atribuições através do exercício
pelos respetivos órgãos das competências legalmente previstas, designadamente a) De consulta; b)
De planeamento; c) De investimento; d) De gestão; e) De licenciamento e controlo prévio; f) De
fiscalização (Idem, Art.º 3º), sendo que a prossecução das atribuições e o exercício das competência
das autarquias locais e das entidades intermunicipais devem respeitar os princípios gerais da
descentralização administrativa, da subsidiariedade, da complementaridade, da prossecução do
interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos e a intangibilidade das
atribuições do Estado (Idem, Art.º 4º).
À Assembleia Municipal cabe deliberar sobre a criação do conselho municipal de educação, mas
cabe-lhe também discutir e aprovar o plano de atividades e o orçamento municipais, bem como o
relatório de atividades e as contas, o que corresponde a uma possibilidade politicamente relevante
de influenciar a atividade municipal.
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À Câmara Municipal cabe especificamente organizar e gerir os transportes escolares e deliberar no
domínio da ação social escolar, designadamente no que respeita a alimentação, alojamento e
atribuição de auxílios económicos a estudantes (Art.º 33º, gg) e hh)).
Têm, contudo, importantes competências no domínio da conceção e planeamento do sistema
educativo local, no domínio da construção e gestão de equipamentos e serviços (como a construção
e equipamento de jardins de infância e escolas do ensino básico, a contratação e gestão de pessoal
não docente e a gestão de refeitórios) e no domínio do apoio aos alunos e às escolas, entre as quais
avulta a organização e apoio de atividades complementares de ação educativa, como as atividades
de enriquecimento curricular no 1º ciclo e a componente de apoio à família nos jardins de infância.
É certo que nem todas estas competências são universais, e isso também é um assunto interessante
de discussão, que está associado à questão da contratualização de competências entre o Estado e
as autarquias locais
Quanto à atividade das freguesias as suas competências próprias na área da educação são escassas
mas podem assumir bastante importância no caso das competências que muitos municípios lhes
delegam.
Podendo ser instituídas associações públicas de autarquias locais para a prossecução conjunta das
respetivas atribuições (previstas na CRP, Art.º 247º, 253º e 267º), o normativo que se tem vindo a
referir (Lei 75/2013) estabelece como associações de autarquias locais as Áreas Metropolitanas
(AM)9, as Comunidades Intermunicipais (CIM), bem como as associações de freguesias e de
municípios de fins específicos, sendo que só a área metropolitana e a comunidade intermunicipal
são entidades municipais e que as associações de autarquias locais estão sujeitas ao regime de
tutela administrativa (Idem Art.º 63º e 64º).
As CIM existentes são pessoas coletivas de direito público, constituídas por municípios localizados
numa ou mais unidades territoriais definidas com base nas Nomenclaturas das Unidades Territoriais
Estatísticas de nível III (NUTS III). Estas unidades territoriais constam do Decreto-Lei n.º 68/2008, de
9 A Lei n.º 44/91, de 2 de agosto, criou as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, que integraram os municípios da respetiva área
ou região de influência.
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14 de abril, que as definiu para efeitos de organização territorial das associações de municípios e
respetiva participação em estruturas administrativas do Estado e nas estruturas de governação do
Quadro de Referência Estratégico Nacional 2007-2013 (QREN)” (DGAL,2011).
De acordo com a Lei 75/2013, as atribuições das áreas metropolitanas são: a) Participar na
elaboração dos planos e programas de investimentos públicos com incidência na área
metropolitana; b) Promover o planeamento e a gestão da estratégia de desenvolvimento
económico, social e ambiental do território abrangido; c) Articular os investimentos municipais de
caráter metropolitano; d) Participar na gestão de programas de apoio ao desenvolvimento regional,
designadamente no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN); e) Participar, nos
termos da lei, na definição de redes de serviços e equipamentos de âmbito metropolitano; f)
Participar em entidades públicas de âmbito metropolitano, designadamente no domínio dos
transportes, águas, energia e tratamento de resíduos sólidos; g) Planear a atuação de entidades
públicas de caráter metropolitano.
Mas cabe igualmente às áreas metropolitanas assegurar a articulação das atuações entre os
municípios e os serviços da administração central nas seguintes áreas:
a) Redes de abastecimento público, infraestruturas de saneamento básico, tratamento de
águas residuais e resíduos urbanos;
b) Rede de equipamentos de saúde;
c) Rede educativa e de formação profissional;
d) Ordenamento do território, conservação da natureza e recursos naturais;
e) Segurança e proteção civil;
f) Mobilidade e transportes;
g) Redes de equipamentos públicos;
h) Promoção do desenvolvimento económico e social;
i) Rede de equipamentos culturais, desportivos e de lazer.
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Cabe ainda às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto exercer as atribuições transferidas pela
administração central e o exercício em comum das competências delegadas pelos municípios que
as integram e designar os representantes municipais em entidades públicas ou entidades
empresariais sempre que tenham natureza metropolitana (Idem, Art.º 67.º).
Sendo órgãos da área metropolitana o conselho metropolitano, a comissão executiva metropolitana
e o conselho estratégico para o desenvolvimento metropolitano (Idem, Artigo 68.º), compete ao
conselho metropolitano, entre outras competências, “aprovar os planos, os programas e os projetos
de investimento e desenvolvimento de interesse metropolitano, cujos regimes jurídicos são definidos
em diploma próprio, incluindo:
i) Plano metropolitano de ordenamento do território;
ii) Plano metropolitano de mobilidade e logística;
iii) Plano metropolitano de proteção civil;
iv) Plano metropolitano de gestão ambiental;
v) Plano metropolitano de gestão de redes de equipamentos de saúde, educação, cultura e
desporto” (Idem, Art.º 71, d)).
Quanto às Comunidades Intermunicipais (CIM – Ver ANEXO III), destinam-se à prossecução dos
seguintes fins públicos: a) Promoção do planeamento e da gestão da estratégia de desenvolvimento
económico, social e ambiental do território abrangido; b) Articulação dos investimentos municipais
de interesse intermunicipal; c) Participação na gestão de programas de apoio ao desenvolvimento
regional, designadamente no âmbito do QREN; d) Planeamento das atuações de entidades públicas,
de caráter supramunicipal.
Cabe-lhes também assegurar a articulação das atuações entre os municípios e os serviços da
administração central, nas áreas já referidas par as áreas metropolitanas.
Os órgãos da CIM são a assembleia intermunicipal, o conselho intermunicipal, o secretariado
executivo intermunicipal e o conselho estratégico para o desenvolvimento intermunicipal (Idem,
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Art.º 82º). As competências do conselho intermunicipal são idênticas às estabelecidas para o
conselho metropolitano.
Sobre a descentralização administrativa, a lei nº 75/2013 determina que ela se concretiza através
da transferência por via legislativa de competências de órgãos do Estado para órgãos das autarquias
locais e das entidades intermunicipais, tendo como objetivos a aproximação das decisões aos
cidadãos, a promoção da coesão territorial, o reforço da solidariedade inter-regional, a melhoria da
qualidade dos serviços prestados às populações e a racionalização dos recursos disponíveis, sendo
que “no respeito pela intangibilidade das atribuições autárquicas e intermunicipais, o Estado
concretiza a descentralização administrativa promovendo a transferência progressiva, contínua e
sustentada de competências em todos os domínios dos interesses próprios das populações das
autarquias locais e das entidades intermunicipais, em especial no âmbito das funções económicas e
sociais”(Idem, Art.º 111.º; 112.º e 113.º).
Assim, o Estado deve promover os estudos necessários de modo a que a concretização da
transferência de competências assegure a demonstração dos seguintes requisitos:
a) O não aumento da despesa pública global;
b) O aumento da eficiência da gestão dos recursos pelas autarquias locais ou pelas entidades
intermunicipais;
c) Os ganhos de eficácia do exercício das competências pelos órgãos das autarquias locais ou
das entidades intermunicipais;
d) O cumprimento dos objetivos referidos no artigo 112.º;
e) A articulação entre os diversos níveis da administração (Idem, Art.º 115º).
Por outro lado, o Estado, as autarquias locais e as entidades intermunicipais devem articular entre
si, nos termos do artigo 4.º, a prossecução das respetivas atribuições, podendo, para o efeito,
recorrer à delegação de competências: os órgãos do Estado podem delegar competências nos
órgãos das autarquias locais e das entidades intermunicipais e os órgãos dos municípios podem
delegar competências nos órgãos das freguesias e das entidades intermunicipais (Idem, Artigo
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117.º). A delegação de competências concretiza-se através da celebração de contratos inter-
administrativos, sob pena de nulidade (Idem, Art.º 120º).
Os municípios concretizam a delegação de competências nas entidades intermunicipais em todos
os domínios dos interesses próprios das populações destas, em especial no âmbito do planeamento
e gestão da estratégia de desenvolvimento económico e social, da competitividade territorial, da
promoção dos recursos endógenos e da valorização dos recursos patrimoniais e naturais, da criação
de emprego, do empreendedorismo e da mobilidade, da gestão de infraestruturas urbanas e das
respetivas atividades prestacionais e da promoção e gestão de atividades (Idem, Art.º 128º).
No quadro resumo que se anexa (Anexo IV) procura resumir-se a composição, o âmbito geográfico
e os domínios de competências aos vários níveis da administração pública portuguesa.
III – NÍVEIS DE ADMINISTRAÇÃO
III.1 – Administração Central
III.1.1 - Caracterização e condicionantes
Como se refere na introdução, segundo o relatório da OCDE de 2012 Portugal é dos países onde as
decisões são maioritariamente tomadas a nível da administração central.
À frequente afirmação política que à administração central devem caber quase exclusivamente as
leis gerais de enquadramento da atividade educativa escolar, não só o caracter dessa legislação
(decretos-lei e portarias) contradiz essa afirmação ultrapassando largamente o mero
enquadramento, como também os normativos que se sucedem às ditas leis de enquadramento
(circulares, notas de aclaramento ou orientação, etc.) reduzem e fragilizam as condições de gestão
autónoma dos processos educativos tanto pelas autarquias, como pelas escolas e pelos professores.
Acresce que a instabilidade e frequência na emissão de normas e orientações constitui uma
dificuldade acrescida para a capacidade de assumir, de forma sólida e continuada, a gestão das
condições e dos processos educativos das escolas, imprescindíveis à construção e fortalecimento de
rotinas, de práticas e de competências.
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III.1.2 - Clarificações necessárias e identificação de zonas fraturantes
Pode dizer-se que os pontos de difícil consenso resultam de uma falta de esclarecimento do que se
deve entender por leis-quadro e o que, a partir delas, deve competir a cada nível de administração,
bem como aos profissionais (professores/psicólogos/assistentes sociais, etc..) e como e onde se
situa o imprescindível financiamento dessas competências.
Recorrendo aos domínios de decisão explicitados no Anexo I, as principais questões que se põem
são:
- Quanto à organização do ensino : Não deverá competir exclusivamente às escolas, a partir do
enquadramento geral (lei-quadro) sobre programas e organização do ensino, a admissão, o percurso
escolar, os tempos letivos, a escolha dos manuais escolares, a escolha dos materiais de ensino, a
organização das turmas, os apoios suplementares aos alunos, os métodos pedagógicos e a avaliação
contínua dos alunos?
- Quanto à gestão do pessoal: A partir de um contrato coletivo de trabalho que defina o
recrutamento e licenciamento dos professores e dos restantes trabalhadores que exercem a sua
atividade profissional nas escolas, funções e condições de trabalho, níveis salariais e evolução nas
carreiras profissionais, qual deve ser o papel das autarquias e das escolas? Tem sentido a atual
diferenciação entre o que está estabelecido para os professores e o que está para os outros
profissionais essenciais à vida das escolas? Tem também sentido, nos agrupamentos, a dependência
hierárquica do pessoal não docente ser diferenciada? Compare-se, no que se refere à efetiva
capacidade dos órgãos de gestão das escolas, com o que é o enquadramento no ensino superior ou
no setor da saúde, nomeadamente no que se refere à gestão do pessoal dos hospitais.
No que respeita ao recrutamento e licenciamento dos diretores, e a manter-se o sistema atual, a
quem deve competir a supervisão, confirmação e aceitação dos resultados eleitorais?
A quem deve caber o desenvolvimento profissional daqueles dirigentes e dos professores e do
restante pessoal necessário à vida das escolas?
- Quanto à planificação e estruturas: Qual o papel que as escolas e as autarquias devem
desempenhar na criação ou supressão de estabelecimentos ou de ofertas educativa (níveis de
ensino e cursos), na seleção dos programas oferecidos pela escola, na definição dos conteúdos de
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ensino, conceção dos exames (escolha do conteúdo, das provas e sua administração e correção)?
Parecendo que existe algum consenso para que a administração central tenha aqui um papel
relevante mas não tendo havido a esperada revisão da rede dos municípios será que, enquanto se
aguardam as Regiões Administrativas, não poderá caber um papel mais interventivo às áreas
metropolitanas e às comunidades intermunicipais?
- Finalmente quanto à gestão dos recursos : Não deverá haver uma relação direta entre quem gere
os recursos físicos e humanos e a quem devem ser atribuídos os correspondentes recursos
financeiros necessários para essa gestão? Será que a especificidade e a exigência técnica de algumas
tarefas e competências atribuídas às escolas não podem justificar a existência de serviços
partilhados por vários agrupamentos/escolas?
III.2 – Províncias, Regiões, Áreas Metropolitanas, Associações de Municípios
III.2.1 Clarificações necessárias e identificação de zonas fraturantes
A partir do enquadramento legal que consta no Capítulo II e que, de alguma forma, constitui a
caracterização e as condicionantes deste nível de administração, a primeira questão controversa
que se coloca é a das eventuais vantagens na mudança do actual paradigma centralista da educação
pública para um modelo que privilegie outros níveis de decisão e administração, nomeadamente
através do reforço do poder local (e das suas associações) e/ou através do reforço da autonomia
das próprias unidades escolares (agrupamentos de escolas).
Tendo em conta o quadro constitucional actual e tendo em conta que o processo de regionalização
política e administrativa está bloqueado desde o referendo negativo de 199810, a primeira opção
restringe-se apenas ao reforço do papel das outras autarquias locais (freguesias e municípios) e das
10 O referendo sobre a Regionalização foi realizado em 1998. Foram colocadas duas perguntas: "Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?" e "Concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de recenseamento eleitoral?". Era proposta a instituição de 8 Regiões Administrativas: Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro, Beira Litoral, Beira Interior, Estremadura e Ribatejo, Lisboa e Setúbal, Alentejo e Algarve. A consulta pública obteve 34,97% dos votos favoráveis, 60,87% desfavoráveis, sendo contabilizados 76395 votos nulos (1,84%) e mais de metade dos eleitores portugueses abstiveram-se: 51,88% (dados da CNE)
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suas associações, nomeadamente das Comunidades Intermunicipais (CIM) e das duas Áreas
Metropolitanas (AM de Lisboa e do Porto).
O reforço da intervenção educacional dos municípios é polémico (fracturante?), não só junto dos
executivos camarários, que detêm uma vasta experiência de administração sectorial sem contudo
terem beneficiado dos meios financeiros necessários, mas também junto das associações
profissionais e sindicais e da população em geral, que encaram com alguma desconfiança a
possibilidade de a administração central se afastar do seu papel de garante e regulador, assim dando
livre curso a um “municipalismo educativo” microrregulado, mas bastante limitado na resposta aos
princípios constitucionais e europeus11.
Nos últimos três ou quatro anos, no contexto da crise austeritária em curso, têm emergido como
novos protagonistas as comunidades intermunicipais e as áreas metropolitanas que, não
constituindo uma instância de poder intermédio (entre administração central e local), acabam por
assumir-se como um nível de articulação, coordenação e planificação entre (e de) vários poderes,
por isso capazes de gerar economias de escala.
Assim, de facto, no quadro da diminuição dos encargos do Estado, a organização político-
administrativa do território complexificou-se de tal modo que os objectivos da sua reforma12 são
agora “reformatar as competências dos diferentes níveis das Divisões Administrativas,
estabelecendo novos quadros de actuação no âmbito dos Municípios, CIM e outras Estruturas
Associativas, procurando reforçar atribuições e competências e promovendo a eficiência da gestão
pública com o intuito de gerar economias de escala no seu funcionamento” e “analisar e regular os
diferentes níveis e tipologias de Associativismo Municipal, criados ao longo de 20 anos, no
pressuposto de que não deverão sobrepor-se nem repetir-se nas suas funções.
11 Princípios explícitos na Carta da Governação a Vários Níveis na Europa. 12 Documento Verde da Reforma da Administração Local, Gabinete do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, versão 2.40 Setembro/2011.
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A figura pretende mostrar que as CIM e AM (Lisboa e Porto) deveriam receber competências (e
meios financeiros, técnico-jurídicos e humanos) do Estado (da administração central,
desconcentrada ou não) e dos municípios de modo a terem um campo de acção bem claro e
delimitado, que evite as sobreposições de competências.
Por isso, as questões de mais difícil resolução actual são a definição do conjunto de atribuições,
competências e meios financeiros, no âmbito da administração central, intermunicipal, municipal e
dos agrupamentos escolares, que permitam, por um lado, a esperada articulação promovida pela
CIM/AM entre os municípios e os serviços da Administração Central do Estado e, por outro lado,
soluções para uma mais eficiente gestão dos recursos públicos nas áreas identificadas, tendo como
critério prioritário a manutenção ou melhoria da prestação dos serviços às populações. Ora, o que
as políticas públicas sectoriais vão demostrando, nos últimos anos, é uma menor e menos
qualificada intervenção nesses domínios, quer por parte da administração central (sobretudo ao
nível das entidades que deviam promover a desconcentração), quer por parte da administração
local e das suas associações.
Nota: Na figura, as setas representam transferência e delegação de competências originárias
ESTADO (Administração central e desconcentrada)
CIM e AM (Administração Local s/ competências
originárias)
MUNICÍPIOS (Administração Local c/ competências
originárias)
AGRUPAMENTOS (Administração desconcentrada)
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III.2.2 Áreas de trabalho e de negociação / concertação
Uma possibilidade de trabalho de superação das dificuldades apontadas no ponto anterior passa
pela identificação aprofundada dos domínios e dos modos de relacionamento, tanto institucionais
como informais, entre municípios, comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas, Estado
(governo, administração central desconcentrada ou não), agrupamentos escolares e outras
estruturas associativas locais, ligadas ao desenvolvimento económico e social (incluindo a educação
e a cultura), ao ordenamento e planeamento do território, ao emprego, à mobilidade e aos
transportes. A este diagnóstico integrado, intersectorial e multinível, deveriam corresponder
políticas de negociação e concertação bem como acções públicas também intencionalmente
integradas.
De qualquer modo, mesmo estando longe essa visão integrada, mas tendo em conta a experiência
já desenvolvida pelas CIM e os resultados de vários estudos já elaborados, é possível identificar um
conjunto de áreas e competências da Administração Central que podem (deveriam) ser exercidas
prioritariamente pelas CIM13, para além do que já fazem nas questões relacionadas com a gestão
de Programas de Apoio ao Desenvolvimento Regional14.
No domínio da Educação, e reconhecendo o papel determinante desempenhado pelos municípios
em muitas das suas áreas, seria possível desde já alargar o atual âmbito de atuação destas
autarquias e das suas associações (CIM e AM) em matéria de competências a descentralizar, desde
que se garantissem os meios (financeiros e técnicos) necessários, nomeadamente em sede de lei de
financiamento autárquico. Simultaneamente deveria iniciar-se um processo de negociação relativo
a outras áreas nas quais é possível iniciar novos processos de descentralização de competências,
complementando as actuais.
Nesta negociação seria de considerar a escala intermunicipal como a desejável no exercício das
competências a descentralizar, uma vez que oferece, pelo menos do ponto de vista teórico, maiores
13 Ambiente: sistemas de captação, tratamento e distribuições águas; Ordenamento do Território: planeamento numa perspetiva
integrada e coordenação do desenvolvimento; Saúde cogestão dos cuidados primários de saúde; Solidariedade Social: atendimento
social integrado pelos conselhos locais de ação social.
14 Nomeadamente na participação no processo de contratualização da gestão de fundos estruturais.
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ganhos de escala e de eficiência, não pondo em causa o nível municipal, que representa hoje o único
nível de descentralização já testado.
Transferindo competências e meios da administração central e local para a escala intermunicipal,
seria possível (desejável?) que as CIM e as AM tivessem jurisdição sobre as seguintes áreas
educacionais (o texto que se segue tem por base as propostas inscritas no Estudo - Piloto
Comunidades Intermunicipais15):
Transporte Escolar: hoje os municípios já asseguram o exercício desta competência, no entanto com
o alargamento da escolaridade obrigatória para o 12º ano o transporte escolar ganha importância
e dimensão pelo que se deverá ponderar o seu exercício à escala intermunicipal numa lógica de
economia de escala e redução de custos. O transporte escolar reforça a importância de uma
eventual gestão do transporte público ao nível intermunicipal sendo que neste aspecto existe
necessidade de descentralizar nas comunidades intermunicipais a gestão dos transportes públicos.
Gestão de Refeitórios Escolares: actualmente os municípios fazem a gestão integrada dos refeitórios
do 1º ciclo, pelo que se entende como desejável a descentralização da gestão referente aos 2º e 3º
ciclo, potenciando desta forma a capacidade de gestão intermunicipal nesta matéria;
Acção Social Escolar: desde sempre os municípios asseguraram a ação social escolar apenas do 1º
ciclo, pelo que se entende igualmente como desejável a descentralização desta matéria no
municípios para os 2º e 3º ciclos e a sua gestão pelas Comunidades Intermunicipais, com o intuito
de um melhor aproveitamento racional dos técnicos e estabilidade dos recursos humanos afectos.
Gestão de Equipamentos e de Pessoal Não Docente: é desejável no âmbito dos novos contratos de
execução, descentralizar nos municípios e para todos os ciclos de ensino tanto a gestão do edificado
escolar (nomeadamente 2º e 3º ciclo) como a gestão do pessoal não docente (3º ciclo). No entanto,
a gestão integrada tanto ao nível de edificado como de pessoal poderá ganhar escala e eficiência se
realizada a um nível intermunicipal. Tal transferência implicaria também, a montante, a
15 DGAL (2011). Estudo-Piloto Comunidades Intermunicipais. Relatório final - Documento Verde da Reforma da
Administração Local, Gabinete do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, versão 2.40 Setembro/2011DELOS DE
COMPETÊNCIAS, DE FINANCIAMENTO, DE GOVERNAÇÃO, DE GESTÃO E DE
TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS
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transferência de poderes de planeamento e gestão das redes de oferta de educação e formação
secundária para as CIM e as AM.
Embora não sendo uma competência propriamente dita, mas na perspectiva anterior, assume
especial significado a possibilidade das Cartas Educativas poderem ser elaboradas no âmbito
Intermunicipal, com o intuito de promover a planificação da rede de oferta de educação e formação,
pública, cooperativa e privada, numa base territorial de NUT III, a qual ganha crescente importância
sobretudo na reorganização da rede escolar que a Administração Central pretende levar a cabo
tendo em vista uma melhor gestão e racionalização do atual parque escolar, bem como em futuros
investimentos ao nível de novo equipamento escolar. A reorganização da actual rede escolar com
base em Cartas Educativas Intermunicipais permitiria potenciar economias significativas em especial
na recuperação do edificado escolar e na redução de custos com transporte escolar.
A existência de ganhos de escala com a transferência de competências para as CIM só faz sentido
se houver uma redução nas despesas inerentes ao exercício dessas competências, quer nos
municípios quer na Administração Central do Estado, bem como um aumento da eficiência da sua
gestão, sem perda de qualidade. Tal aferição só é possível apurando previamente o custo de cada
uma das competências nos municípios.
Ora a determinação de custos da função educação em cada município é difícil tendo em conta as
disparidades de custos entre municípios, para ofertas de serviços educativos idênticos, devido às
opções políticas quanto à escolha das prioridades que cada município legitimamente define. Por
exemplo, existem municípios que apresentam um valor residual na gestão de transportes escolares
enquanto outros, pertencentes à mesma CIM ou à mesma NUTIII, apresentam valores
substancialmente relevantes e que encontram justificação na importância dada à satisfação dessa
necessidade pública no respetivo município.
Esta dificuldade demonstra uma das consequências da transferência de competências para as CIM,
na medida em que passará a existir uma igual prioridade na satisfação das necessidades no conjunto
dos municípios que integram a CIM. Daí a importância da negociação e concertação entre os três
“níveis” (Estado, Municípios e Comunidades Intermunicipais), sobre a natureza das “novas
competências” das associações de municípios, que devem ser de coordenação intermunicipal e não
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de direcção e, sendo originariamente municipais, só devem ser transferidas através da delegação
formal (contratualizada) de competências.
Estas dificuldades não devem impedir, contudo, que se caminhe no sentido do desenvolvimento ao
nível intermunicipal de uma estratégia de planeamento da rede de provisão de serviços públicos de
proximidade, que assegure níveis de acesso e qualidade de serviço adequados à evolução de cada
território intermunicipal num determinado horizonte temporal, apostando desta forma na
reorientação de cartas intermunicipais enquanto instrumentos de integração de políticas públicas
de âmbito social, educativo, desportivo e de equipamentos de desenvolvimento económico.
III.3 – Município
III.3.1 - Caracterização e condicionantes
Cada vez mais responsabilizados pelo desenvolvimento das suas comunidades, os municípios devem
assumir-se como produtores e mentores de políticas e projetos em todas as áreas que não sejam
legalmente excluídas da sua intervenção, prosseguindo assim os interesses próprios das suas
populações. Ora a educação não pode ficar fora deste processo, pela sua óbvia influência no
desenvolvimento social e humano.
Neste sentido, os municípios não podem ser considerados como simples pessoas coletivas públicas,
ou seja, como entidades meramente administrativas. Eles são o pilar e a charneira da construção do
poder local democrático e, portanto, o seu carácter político deve ser reconhecido e estimulado.
Não é, contudo, isso que se tem passado. O paradigma dominante declarado (mas mal realizado) da
política educativa tem sido o da centralidade da escola na produção de políticas. É nesse paradigma
que entroncam, por exemplo, o reforço da autonomia da escola e a discutível ideia de se tomar a
escola como se fosse uma cidade ou autarquia, dotada de um parlamento e um governo. Em
contrapartida, as ideias de projeto educativo local ou de política educativa de território nunca
tiveram qualquer concretização legislativa, apenas aparecendo vagamente mencionadas nos
preâmbulos e discursos.
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Cada município poderá ter condições para adotar políticas educativas próprias, com opções e
prioridades adequadas às aspirações, necessidades e interesses locais, embora evidentemente
dentro do respeito pelas orientações nacionais. Ou seja, essas políticas devem concretizar um
projeto educativo que aja sobre a população jovem e adulta, com uma visão transformadora do seu
quadro de vida, das suas capacidades e mesmo das suas referências.
E que políticas devem ser essas? Sem particularizar demasiado, pode dizer-se que elas deverão
abarcar as seguintes áreas: a) definição e planeamento de ofertas educativas de conceção local; b)
construção e gestão de equipamentos e serviços educativos locais; c) apoio às escolas da
comunidade e aos estudantes; d) valorização das organizações educativas e das associações locais;
e) incentivo à participação democrática (ela mesma geradora de importantes aprendizagens).
Para desenvolverem programas nestas áreas, os municípios não precisam do beneplácito, nem dos
regulamentos do Ministério, exceto quando se trate do sistema escolar formal.
Nos termos da Constituição da República, cabem ao Estado, designadamente, as incumbências de
assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito (art.º 74º, nº 2, alínea a) e de criar uma
rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população (art.º
75º, nº 1). Deste modo, o sistema escolar é da responsabilidade do Estado, pelo que neste domínio
não se admite outra solução que exceda o quadro da descentralização administrativa, ou seja, uma
solução de execução local do sistema escolar concebido a nível nacional.
Os municípios poderão ser encarregados, por lei, de uma parte importante dessa execução, mas é
normal que tenham de sujeitar-se a um quadro regulamentar vindo de cima. Neste sistema, o que
se pode discutir é a eventual excessiva especificidade desse quadro regulamentar, que transforme
os municípios em oficiais às ordens do Estado ou mesmo em meros amanuenses. Outro aspeto que
se pode também discutir é a tendência que o poder central tem para não respeitar as leis que dele
próprio emanam (veja-se o caso do reordenamento da rede educativa e do processo de agregação
de agrupamentos de escolas), lançando a confusão no sistema e tolhendo o seu desenvolvimento.
Ora, a pergunta que se impõe é se se pretende alterar este quadro constitucional, dando aos
municípios poder normativo sobre o sistema escolar e mesmo o poder de gerir o sistema escolar
local? Se sim, é necessário fazer previamente uma revisão constitucional porque os municípios,
embora sejam entes públicos (que prosseguem fins públicos), não fazem parte do Estado. Ou, pelo
contrário, pretende-se acentuar uma descentralização de base institucional, apostando no reforço
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da autonomia de cada escola, sem obediência a uma política de território (talvez até para permitir
certas políticas de competição e concorrência entre escolas e a famosa política de escolha da escola
pelos pais)?
Mesmo que não se pretenda nem uma coisa nem outra, é certo que uma clarificação se impõe sobre
a arquitetura dos poderes locais da educação. A atual Lei de Bases do Sistema Educativo é
demasiado antiga e não prevê mais que generalidades insuficientes sobre os intervenientes do
sistema educativo local e as suas relações. Houve muitas ideias que o tempo veio impor e que ainda
não foram harmonizadas de modo a criar um sistema coerente, inteligível.
III.3.2 - Clarificações necessárias e identificação de zonas fraturantes
Para analisar a relação escola-município, num quadro de descentralização da educação, importa
equacionar a questão da autonomia da escola num quadro de reforço dos poderes dos municípios
sobre o sistema escolar. Esta questão constitui a maior preocupação dos professores e dos
dirigentes escolares, e é uma questão que não está clarificada e analisada, constituindo-se como
constrangimento para o desenvolvimento de dinâmicas locais mais efetivas.
Além das dúvidas e inquietações que este assunto encerra, há outro constrangimento antigo: a falta
de relacionamento entre escolas vizinhas. O maior constrangimento ao desenvolvimento do sistema
educativo local é a falta de hábitos de colaboração das escolas umas com as outras. Poderia pensar-
se que a criação dos agrupamentos (e das suas agregações) viria melhorar essa situação, mas isso
está por demonstrar. A melhor maneira de vencer esse bloqueio é trabalhar para a construção de
uma lógica comunitária na definição de políticas educativas locais e da administração local da
educação, de que as escolas sejam coautoras e corealizadoras, o que, naturalmente, implica
negociação e concertação, mas é disso que se faz a democracia.
Se se deve “evitar uma abordagem centrada na ação das autoridades governamentais”, pode haver
vantagem em assumir uma lógica de ação pública, “em que as decisões são tomadas em rede, em
várias instâncias, e em função de múltiplos interesses e objetivos”. Esta fórmula pode ser muito
interessante e aparentemente compatível com a criação das desejadas dinâmicas locais, mas impõe
a clarificação prévia do papel do Estado no sistema escolar e das suas relações com as organizações
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educativas. É que o Estado tem responsabilidades constitucionais, que o obrigam como principal
responsável pelo sistema.
Mas em que se traduz essa responsabilidade principal? Deve a provisão da educação ser remetida
para as redes sociais circunstanciais, que em cada momento e em cada local se manifestem, ficando
o Estado a desempenhar esse papel de chapéu do sistema, que simplesmente o define e o avalia?
Há ou não que fazer uma revisão constitucional nesse sentido? Parece que sim sendo que,
previamente, terá de ser dada uma resposta clara a um conjunto importante de questões-chave
sobre o que efetivamente se pretende.
Pela mesma ordem de razões é preciso cuidado com o uso da palavra “municipalização” porque é
uma palavra que implica muitos poderes para os municípios, designadamente nos subsistemas mais
importantes do sistema escolar, ou seja, no currículo e na contratação e gestão do corpo docente.
III.4 – Da Escola Pública aos Mega-agrupamentos
III.4.1 Traços atuais do funcionamento e gestão
Ao contrário dos anos 9016, os sucessivos governos portugueses, desde 2002 até ao presente,
implementaram, por razões diversas que se prendem com o papel do Estado, processos de
“recentralização” política e administrativa da educação.
Durante esta última década, ainda sem as pressões austeritárias produzidas pela crise da dívida que
iria manifestar-se entre nós em 201117, aquele processo caracterizou-se pela combinação,
aparentemente paradoxal18, de estratégias de reconcentração levadas a cabo pela formação
generalizada de agrupamentos de escolas horizontais (abrangendo apenas o 1º ciclo do ensino
básico e as ofertas de educação pré-escolar) e verticais (integrando os três ciclos do ensino básico),
16 Nos primeiros 20 anos da Democracia em Portugal, a principal tarefa do Estado em matéria de educação consistiu em fazer chegar a todos a escolarização, alargando-a nos segmentos a montante e a jusante da curta escola obrigatória herdada do fascismo. Esse extraordinário impulso no sistema, plasmado na Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1986, fez-se à custa da criação de uma rede escolar de malha muito estreita e de avanços e recuos nos processos de regulação, controlo e subordinação das escolas. Até ao final da década de 90 coexistiram políticas que claramente favoreciam a autonomia, a descentralização e a territorialização educativa (como, por exemplo, o aparecimento dos primeiros TEIP, ou a criação da rede pública de educação pré-escolar) com outras que mantinham a centralização férrea do sistema (como, por exemplo, os concursos nacionais de recrutamento de professores e educadores). 17 Crise financeira, conhecida como “Crise do Subprime”, que atingiu o ponto alto nos Estados Unidos em 2008. 18 Lima, 2007.
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mas de pequena e média dimensão humana e geográfica, com estratégias de desconcentração
previstas num novo reordenamento da rede de ofertas educativas que pressupunha novos graus de
autonomia às escolas agrupadas e nova delegação de competências para os municípios.
Em 2003, na esteira da estratégia de territorialização educativa do final dos anos 9019, os
argumentos então aduzidos pelo governo20 para a rápida implementação deste reordenamento
privilegiavam o favorecimento de um percurso sequencial e articulado dos alunos abrangidos pela
escolaridade obrigatória (9ª ano ou 15 anos de idade) numa dada área geográfica, a superação de
situações de isolamento de estabelecimentos e a prevenção da exclusão social, o reforço da
capacidade pedagógica dos estabelecimentos que integravam o agrupamento e o aproveitamento
racional dos recursos, bem como “a garantia da aplicação de um regime de autonomia,
administração e gestão e a valorização e o enquadramento de experiências” (Despacho nº
13.313/2003).
Tudo isto representava, então, um investimento público na educação nunca anteriormente
conseguido (uma média de 5,2% do PIB entre 2002 e 2005 e 4,3% entre 2005 e 2008) a que se
seguiram entre 2008 e 2010 valores novamente ascendentes (entre os 4,5% e os 5% do PIB,
respetivamente)21. A avaliação positiva deste investimento manifesta-se no relatório do CNE, 2012:
“há hoje resultados muito expressivos em matérias de qualidade e equidade da educação e de
desenvolvimento científico e tecnológico: a democratização do acesso a todos os níveis de ensino é
uma realidade; há um crescente reconhecimento internacional da qualidade dos nossos diplomados;
os resultados dos testes internacionais realizados pelos alunos Portugueses são acentuadamente
melhores, quer em termos de equidade (PISA 2009), quer em termos de qualidade, designadamente
em matemática, leitura e ciências no 1º ciclo do ensino básico.”22
Contudo, a partir de 2011, tal como noutros países europeus sujeitos a medidas de redução do
défice e da dívida, assistimos a uma das estratégias mais fortes do processo austeritário de
“ajustamento financeiro, económico e social”, que consiste na reconfiguração do Estado feita
19 Barroso, 2003. 20 XV Governo Constitucional, 2002/2004, presidido por Durão Barroso sendo Ministro da Educação David Justino. 21 Nabarrete, 2013. 22 Relatório do Conselho Nacional de Educação, “Estado da Educação em 2012. Autonomia e Descentralização”.
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através da redução das finalidades sociais (educação, saúde e segurança social) e da capacidade de
resposta qualificada dos seus diversos serviços.
Com este objetivo, o atual XIX Governo, em matéria de administração educativa, desenvolve um
programa de desinvestimento e de transferência do serviço público para o sector privado em nome
dos “ganhos de eficiência”23.
Se o desinvestimento é patente no relatório que acompanha o Orçamento de Estado para 2013,
onde se verifica que a despesa em educação desce para os 3,8 % do PIB, um valor idêntico ao de
1989, a crescente desresponsabilização estatal e a simultânea preparação da transferência do
serviço público de educação para os designados “stakeholders” manifesta-se através da diminuição
da oferta pública em todos os níveis, dos despedimentos massivos de pessoal docente e não
docente e dos novos aumentos do número de alunos por turma, fatores que contribuem para o
declínio generalizado da qualidade educativa e dos resultados escolares.
Neste programa de reforma e limitação da ação do Estado, ação essa considerada uma das principais
razões da crise socioeconómica atual, a teoria da “escolha pública” e as suas consequentes
conceções elitistas de democracia jogam um papel determinante na emergência do mercado da
educação e formação e na reconfiguração do Estado como “Estado-avaliador”, “Estado-supervisor”,
ou “Estado-estratega” 24. Segundo Licínio Lima, “[é] exatamente neste contexto que a provisão de
educação por parte do Estado cede o seu lugar à defesa do princípio da “livre escolha”,
pretensamente capaz de libertar os indivíduos das sobredeterminações estatais e de regenerar as
aprendizagens individuais, finalmente consideradas úteis e responsáveis, competitivas e
competentes, legitimando diferentes estatutos, destinos e papéis sociais a partir da “ideologia da
competência”, tal como a produção de novas desigualdades sociais.”
Com a mesma justificação da melhoria dos “ratios de eficiência”, o governo reforça o controlo
centralizado das despesas de funcionamento das escolas e da administração educativa em geral,
através do designado “aprofundamento do processo de reorganização da rede escolar”25 que
23 Ao contrário da eficácia de um processo, característica que relaciona os objetivos com os resultados, a eficiência mede a relação dos meios postos ao dispor desse processo com os resultados obtidos. 24 Lima, 2013. 25 Despacho nº 5634-F/2012, de 26 de Abril de 2012
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consiste em criar novas “unidades orgânicas de administração escolar” (idem), de maior dimensão,
por agregação dos anteriores agrupamentos, todos entretanto já verticalizados no âmbito da
educação pré-escolar e dos três ciclos do ensino básico, com as escolas de ensino secundário que
coexistiam com aqueles agrupamentos em situação de não agregação.
Surgem assim os designados “mega-agrupamentos” (unidades com mais de 2.500 alunos) cuja
escala administrativa, financeira e de relevância sociopolítica, permitem, por um lado, a dispensa
das anteriores estruturas desconcentradas da administração educativa (as direções regionais de
educação), e por outro lado, permitem e aconselham o controlo remoto, frio e anónimo, realizado
através da intensificação do uso de meios eletrónicos de gestão das principais variáveis educativas
sistémicas (desde as matrículas e o número de alunos por turma, até ao recrutamento de
professores e pessoal não docente, passando pelo planeamento da oferta da rede escolar e pelo
fornecimento de bens e serviços).
Importa referir, no entanto, que este passo em direção ao abismo burocrático do sistema público
aproveitou as políticas de contraciclo desenvolvidas entre 2009 e 2011 pelo XVIII Governo que, em
matéria de educação, conduziram a despesa novamente ao patamar médio dos 5% do PIB26 e que,
em termos de reconfiguração da rede, já se propunham “adaptá-la progressivamente ao objetivo
de uma escolaridade obrigatória de 12 anos para todos os alunos”, adequando as condições das
escolas “à promoção do sucesso e ao combate ao abandono escolar” através de “percursos
sequenciais e articulados para os alunos abrangidos numa dada área geográfica”, configurando-se
assim os primeiros grandes agrupamentos inter-ciclos e inter-níveis de educação e formação.
As novas e maiores unidades de administração educativa – os mega-agrupamentos - constituem, só
por si, exemplos fortes daquela recentralização. As anteriores escolas de ensino básico e/ou de
ensino secundário deixam de existir enquanto estabelecimentos de ensino com registo
administrativo e órgãos próprios e passam a ser partes periféricas do nóvel agrupamento
publicamente representado pela respetiva sede e diretor.
26 Sobretudo pelo efeito conjugado das diversas medidas de renovação de instalações (edifícios), de equipamentos, de mobiliário e de material didático levadas a cabo pela em presa pública Parque Escolar.
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III. 4. 2 Como surgiram os mega-agrupamentos
O processo histórico que conduziu ao aparecimento e generalização recentes dos agrupamentos -
e da sua versão mega - passou por várias fases com justificações políticas e administrativas bem
diversas.
As associações de escolas, conhecidos por TEIP27, em 1996, criadas para fins específicos e com
identidade jurídico-administrativa própria, sucederam em poucos anos às associações de escolas
com vista à criação de centros de formação contínua de educadores e professores (DL nº 249/92,
de 9 de Novembro) e quase coincidiram com a criação dos primeiros agrupamentos de escolas. Três
lógicas de associação para fins específicos foram, portanto, contemporâneas, o que pode ser
revelador de que o poder central não tinha – e parece continuar a não ter - uma noção de como
organizar a administração local da educação.
As suas características associativas e integradoras, com algum grau de autonomia nas decisões do
seu conselho pedagógico, inspiraram a conceção e a generalização dos agrupamentos de
“geometria variável” (podiam ser horizontais, só com escolas do 1º ciclo do ensino básico e jardins-
de-infância, ou verticais, com escolas dos três ciclos e do pré-escolar) que vieram a ser consagrados
dois anos depois, através do diploma que estabeleceu o Regime de Autonomia, Administração e
Gestão das escolas públicas (RAAG)28.
No entanto, apesar dos resultados razoáveis conseguidos em termos de compatibilização da
reorganização da rede de oferta com as características de proximidade da procura de educação e
formação, a partir de 2003, como já referimos no ponto anterior, este processo sofreu profundas
alterações com a determinação legal29 da obrigatoriedade da reorganização da rede se fazer apenas
27 O Projeto dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária foi criado pelo XIII Governo Constitucional (presidido por António
Guterres, sendo Ministro da Educação, Marçal Grilo) através do Despacho nº 147-B/ME/96. Este projeto baseava-se no
reconhecimento de que os contextos sociais em que as escolas se inserem condicionam fortemente a atitude dos alunos face ao
processo educativo, nomeadamente em zonas geográficas social e economicamente carenciadas ou integradas em processos de
transformação socioeconómica onde o sucesso educativo é muitas vezes reduzido, bem como em zonas com número significativo de
alunos de diferentes etnias, filhos de migrantes ou filhos de populações itinerantes.
28 O Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio, estabelecia princípios e requisitos que retomavam alguns dos que já existiam nos TEIP. Assim, por exemplo, a constituição de qualquer agrupamento deveria considerar, entre outros, critérios relativos à existência de projetos pedagógicos comuns, à construção de percursos escolares integrados, à articulação curricular entre níveis e ciclos educativos, à proximidade geográfica, à expansão da educação pré-escolar e à reorganização da rede educativa. 29 O Despacho n.º 13 313/2003, de 13 de Junho (2.ª série), entre outras alterações, estabelecia que “só serão admitidos agrupamentos
horizontais em casos excecionais, devidamente fundamentados pelo diretor regional de educação respetivo.”
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por via de agrupamentos verticais, ou seja, associando a educação pré-escolar e os três ciclos do
ensino básico. Ficava por agregar uma parte substancial das escolas que ofereciam o ensino
secundário.
Se, nos modelos de desconcentração anteriores, já estava presente a preocupação política da
administração central não perder o controlo administrativo e pedagógico sobre um sistema público
que se tinha complexificado, quer em quantidade, quer na diversidade das suas ofertas e resultados
escolares, com esta determinação de verticalização, a dupla centralização torna-se muito forte.
Segundo Licínio Lima, “[e]m pouco tempo, de facto, 12.663 estabelecimentos de educação e ensino
foram reduzidos a 765 agrupamentos, dos quais 85,5% de tipo vertical, segundo dados do ME
relativos a finais de 2004. Objeto de um processo de erosão, cada escola agrupada passou à
categoria de “subunidade de gestão”, vendo os seus órgãos de representação e gestão (ainda que
mínimos, em muitos casos) deslocalizados para a escola-sede do agrupamento, sem se poder
descortinar qualquer ganho em termos de “reforço” da sua autonomia. Ao invés, o que terá saído
reforçado terá sido o carácter periférico da escola, já não apenas face aos órgãos do poder central,
mas também face à própria sede do agrupamento, a qual se constitui como a verdadeira “unidade
de gestão”.
Ficavam assim criadas as condições para, após dez anos de vigência conturbada do primeiro
regulamento, surgir em 2008 um segundo RAAG30 de que resultou, por um lado, uma conceção de
autonomia consideravelmente mais circunscrita a dimensões técnicas e operacionais, conducentes
a um ordenamento interno mais diretivo e centrado na figura do diretor e, por outro lado, uma
nova reorganização da rede através da integração das escolas secundárias nos agrupamentos
verticais anteriores.
Num primeiro momento, durante os XVII e XVIII Governos, aquela intenção é justificada sobretudo
com a criação de condições que permitissem o cumprimento geral da nova escolarização obrigatória
até aos 18 anos, através da diversificação das ofertas educativas e formativas e da sequencialidade
curricular entre ensino básico e ensino secundário nas suas várias vias. Num segundo momento, já
após o estourar da crise da dívida soberana e em plena execução da austeridade imposta pelas
entidades que emprestaram verbas ao estado português, a justificação para a concretização forçada
30 Através do Decreto-Lei nº 75/2008 que prioritariamente pretendia “o reforço da participação das famílias e comunidades na direção estratégica dos estabelecimentos de ensino” e sobretudo favorecer a “constituição de lideranças fortes”.
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dos mega-agrupamentos, embora mantendo a retórica anterior, acrescenta-lhe o argumento da
necessária austeridade assumida num quadro ideológico neoliberal, através dos critérios da
eficácia, da eficiência, da competitividade entre escolas, do direito de escolha individual e familiar,
enfim da abertura deste domínio às leis do mercado.
De acordo com informações públicas governamentais, o processo de criação dos mega-
agrupamentos foi o seguinte:
1ª Fase 2010 /2011 87
2ª Fase 2011/2012 150
3ª fase 2012/2013 67
4ª Fase 2013/2014 18
Total 322
Nesse processo, muitas escolas foram agrupadas contra a sua vontade, contra a vontade dos pais e
até contra a vontade dos municípios onde se inseriam (como é o caso, entre outros, dos municípios
de Braga, Guimarães, Barreiro, Faro, Leiria)31.
Por outro lado, embora o MEC, em comunicado, tenha dito que os novos agrupamentos “têm uma
dimensão equilibrada e racional”, passaram a existir muitas unidades com mais de 3000 alunos.
Pondo em crise aquela justificação, os três agrupamentos com maior número de alunos situam-se
nos municípios de Alcobaça (4156), Sintra (4.104) e Lisboa (3.953)32 .
Aliás, em 2010, a constituição de 87 mega-agrupamentos com a justificação de “racionalizar a gestão
dos recursos humanos” levou a uma redução de 5000 docentes. Só nesse ano, através da chamada
a racionalização da rede escolar, o Governo esperava poupar 54 milhões de euros.33
31 Fonte http://www.jornaldenegocios.pt/economia/educacao/detalhe/mega_agrupamentos 32 Fonte http://www.publico.pt/sociedade 33 idem
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III.4.3 Algumas características funcionais dos agrupamentos de escolas
É nas características de funcionamento das novas unidades de administração escolar, e sobretudo
nos mega-agrupamentos, que se encontram os principais traços da recentralização política e
administrativa da educação. É também nesses traços que se sustenta a crescente dualização da
oferta educativa pública e a criação de um correspondente mercado educativo segmentado.
No funcionamento interno de todos os agrupamentos há três grandes temas:
1) O processo e os resultados da constituição da nova unidade;
2) O modo como as orientações superiores foram e são implementadas;
3) Os problemas decorrentes quer das atuais medidas de política educativa, quer das
orientações para a administração e gestão escolar.
Em cada um destes temas há categorias, subcategorias e indicadores que se procuram caracterizar
e identificar no quadro resumo que se anexa (Anexo V).
Não cabendo nos objetivos e na economia deste texto uma análise aprofundada de cada uma das
categorias, subcategorias e indicadores, apenas iremos referir resumidamente um indicador
significativo, relacionado com os problemas atuais de administração escolar, que é a concorrência
entre agrupamentos enquanto sinal emergente do novo mercado educativo.
Já no ponto anterior se indicou que os atuais mega-agrupamentos resultaram da fusão
administrativa obrigatória de anteriores unidades orgânicas, elas próprias já constituindo
agrupamentos verticais do ensino básico estabilizados há vários anos, com escolas secundárias
ainda mais estáveis do ponto de vista pedagógico administrativo e financeiro. Umas e outras já
tinham construído uma cultura escolar e um clima de trabalho interno adequados aos respetivos
projetos educativos de escola e supostamente validados pela avaliação externa dessas unidades.
Umas e outras também já tinham adquirido um lugar próprio no contexto local da oferta e da
procura de educação.
A fusão obrigatória daquelas unidades destruiu os respetivos projetos educativos de escola e planos
de atividade, ambos com uma perspetiva temporal alargada e estratégica, alterou as suas rotinas,
impôs a necessidade de elaboração e implementação de novos regulamentos internos, de novas
culturas organizacionais e de novas lideranças de topo e intermédias e promoveu uma nova
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distribuição das chamadas áreas de influência, necessárias à regulação da oferta e da procura da
educação.
Entre outras razões de natureza estratégica da administração central34, a redução acentuada de
cargos dirigentes, de órgãos estatutários de representação e participação dos vários atores, de
coordenações intermédias e de créditos horários para múltiplos fins resultantes da fusão, justificou
a diminuição das verbas de funcionamento corrente por comparação com aquilo que eram os
orçamentos das unidades escolares anteriores. Esta diminuição de investimento educativo estatal,
embora superiormente designada de racionalização da despesa e justificada também pelo período
de austeridade vigente, conduziu as novas grandes unidades escolares a uma gestão centrada na
obtenção de mais-valias (financeiras e/ou sociais) que superassem a perda de receita.
Assim, por um lado, todas as anteriores unidades escolares passaram a estar na situação de
dependência exclusiva da nova repartição de verbas decidida na escola-sede do mega-
agrupamento, perdendo assim a autonomia relativa que anteriormente detinham, e por outro lado
a escola-sede passou a estar ela própria muito dependente da estratégia de autofinanciamento
junto das famílias que a procuram, da atratibilidade da sua oferta educativa, dos resultados
escolares obtidos, do tipo de população escolar abrangida, das parcerias com outras entidades
(empresas, autarquias locais, instituições particulares de solidariedade social, etc.) e sobretudo, do
êxito de candidaturas a programas e projetos de financiamento em domínios diversos, de âmbito
nacional e europeu.
Tal situação representa uma nova dificuldade na avaliação multidimensional, reflexiva qualitativa e
formativa que devia presidir ao funcionamento de qualquer escola. Há uma nova hegemonia das
preocupações gestionárias de cariz acentuadamente concorrencial ao nível externo (entre
agrupamentos), e prioritariamente hierarquizado, competitivo e sancionador ao nível interno.
Um dos traços mais impressivos desta nova forma de administração pública é a aberta concorrência
entre agrupamentos na procura de mais, melhores e mais favorecidos (económica e culturalmente)
alunos, o que dificulta, a nível sistémico, a garantia dos direitos de todos os alunos à conclusão da
34 Nomeadamente o aumento do número de alunos por turma e as alterações às regras da composição de turmas que integram alunos com necessidades educativas especiais e com dificuldades de aprendizagem.
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nova escolaridade obrigatória (ensino secundário ou até aos 18 anos), à integração em turmas
regular e socialmente diversas, à não segregação e marginalização precoce e forçada para
experiências pedagógicas não democráticas, ou para vias e percursos educativos socialmente
menosprezados.
Já com alguma nitidez, emerge assim um novo contexto educativo global marcado pela
segmentação da oferta e da procura em torno de dois grandes polos: por um lado, os agrupamentos
competitivos, que desde muito cedo e através da forte seleção de alunos logo nos primeiros anos
de escolaridade, garante elevados rendimentos escolares e o prosseguimento de estudos para
níveis superiores através de currículos academicamente muito valorizados, e os agrupamentos
periféricos que, embora com uma população discente heterogénea, acolhem sobretudo aqueles
que o processo de seleção dos anteriores vai rejeitando através da diversificação precoce das suas
ofertas curriculares e, sobretudo, da valorização social da sua relação com as comunidades que lhes
são mais próximas.
Ficam, assim, criadas as condições para a dualização do sistema e, por essa via, para o surgimento
de largas concessões ao mercado educativo, quer através da gestão privada de alguns
agrupamentos escolares públicos (os primeiros), com a consequente passagem de alguns (os
segundos) para a gestão direta municipal, quer através do incentivo à privatização de outros por
“natural” agregação a estabelecimentos de ensino privado já existentes ou a criar. Em qualquer
caso, poderá estar em risco, neste processo, a finalidade constitucional do sistema educativo
português.
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III.4.4 – Pistas de trabalho/atuação e áreas de negociação/concertação
As políticas educativas concretas são concebidas e geridas pelas autoridades governamentais como
se as escolas fossem apenas espaços de aplicação de normas legais, quando na verdade são
instâncias de ação pública onde as políticas se declinam em múltiplas variantes, de acordo com as
ordens locais que se instituem em função do jogo político local e organizacional.
A descentralização implica simultaneamente o reforço da intervenção municipal na definição de
políticas locais de educação e na administração da provisão do serviço público de educação, mas
também o reforço da autonomia das escolas e dos poderes dos seus órgãos de direção e gestão.
Os processos de promoção da autonomia das escolas têm de envolver as dimensões clássicas que
concretizam a provisão da educação e que constituem fontes de fratura: os recursos humanos
(recrutamento nacional ou local), o desenvolvimento do currículo (o currículo nacional mínimo), o
financiamento (orçamentos globais e plurianuais, negociados, fontes de financiamento) e a própria
estrutura orgânica de cada escola (maleabilidade da organização interna).
O problema central na definição de uma estratégia política para a educação consiste em evitar uma
abordagem centrada na ação das autoridades governamentais, ou seja, evitar que as medidas de
política se organizem fundamentalmente em torno de legislação e de normativos produzidos na
administração central da educação.
Há toda a vantagem em abordar a política pública numa lógica de ação pública, em que as decisões
são tomadas em rede, em várias instâncias, e em função de múltiplos interesses e objetivos e em
que as escolas são um parceiro importante e fundamental.
Tudo parece aconselhar que se deve evitar uma ação política centralista de carácter pombalino
centrada na uniformidade das soluções de confunde homogeneidade com igualdade. Deve
favorecer-se a negociação local e organizacional, soluções diversas em função de dinâmicas locais
específicas, a contratualização da administração da provisão do serviço em função de projetos
educativos locais inovadores e fomentadores da participação social.
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Não há que ter medo da diferenciação da oferta resultante da multiplicação de políticas locais, com
grande potencial de prestação de contas, reforçando-se os instrumentos de avaliação externa e de
controlo social.
A concertação social em educação deve ser considerada um ponto central da condução das políticas
públicas, entendendo-se que tal concertação deve assumir uma natureza muito ampla não se
circunscrevendo às tradicionais formais de negociação politico-sindical.
IV- REGULAÇÃO E FINANCIAMENTO
IV.1. Formas de regulação do sistema e das organizações educativas
Na era da globalização os estados nacionais necessitam encontrar o seu próprio lugar e capacidade
de ação num universo crescentemente marcado pela competição internacional e pela
complexificação dos níveis e processos de influência, decisão e coordenação. No caso português,
esse imperativo tem-se traduzido em dois movimentos fundamentais: a adoção de novas formas de
governação da educação e a crescente europeização das políticas educativas. No entanto, nenhum
desses movimentos tem sido linear nem progressivo, fundindo-se com especificidades da estrutura,
cultura, tradição política e situação económica e política nacional. Apesar disso, esses movimentos
alteraram, profundamente, as visões do mundo e da educação em Portugal e a relação entre os
atores que, tradicionalmente, desempenhavam o papel de protagonistas na definição e
implementação das politicas de educação e de formação.
IV.1.1.Globalização, governação e “novas ortodoxias em educação”
Nas últimas décadas do séc. XX o desenvolvimento das políticas públicas começou a ser influenciado
por uma agenda neoliberal, assente num núcleo restrito de premissas que alguns autores designam
por “novas ortodoxias em educação”35 :
35 Carter & O’Neill, 1995; Ball, 1998,
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44
“(1) Promover o desenvolvimento económico , através do reforço dos laços entre a escola,
o emprego , a produtividade e o mercado
(2) Melhorar os resultados dos alunos em domínios relevantes para a empregabilidade
(3) Reforçar o controlo sobre o currículo e sobre a avaliação das aprendizagens
4) Reduzir os custos com a educação
(5) Aumentar a influência da comunidade na educação, através da participação direta na
gestão das escolas e da pressão dos mercados educativos”
(tradução/adaptação MD)
Essa intencionalidade começou por ser expressa de forma bastante explícita nalguns países,
enquanto noutros dominavam os apelos à “modernização da educação” e à “autonomia da
escola36”. Em Portugal, a presença da nova “ortodoxia da educação”, que começou por se
manifestar de forma muito mitigada nos anos 80, constitui atualmente o eixo central do discurso e
da definição das políticas públicas, que apresentam o contexto de crise económica e financeira
como fator de legitimação acrescida. Verifica-se, simultaneamente, uma crescente marginalização
dos princípios fundamentais que devem presidir à escola pública e à responsabilidade do Estado
nesse domínio (equidade, cidadania, justiça social). Aliás, a racionalidade instrumental e económica
que preside à agenda política atual tende a apresentar o funcionamento democrático das
organizações educativas, não como uma dimensão fundamental do desenvolvimento pessoal e
social ou como um requisito de “sociedades avançadas”, mas como um obstáculo potencial à
eficácia e qualidade das mesmas. É nesse contexto que deve ser entendida a apologia das “liderança
fortes” e a defesa dos princípios e as virtudes da gestão privada, paradoxalmente tão “iluminada”
(visão) quanto pragmática (rapidez, eficiência, eficácia). A participação dos atores, por sua vez, é
objeto de uma significativa redefinição. Assim, por um lado, é equiparada às dimensões de
autorregulação e de “empreendorismo”, num quadro de valores dos atores sempre convergente
com os objetivos organizacionais e com os imperativos do mercado. Por outro lado, é apresentada
como sinónimo da livre escolha dos clientes, num número sempre crescente de áreas: escolha da
36 Ball, S. & Van Zanten, 1998, Dias, 2008,
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45
escola, diversificação da oferta educativa, financiamento da procura. Em qualquer das
circunstâncias , tende a ser limitada a por processos de prestação de contas (“accountability”) de
cariz gerencialista : “performatividade” de alunos, escolas e professores; empregabilidade de cursos
e vias de ensino; maximização dos resultados e da eficiência organizacional; cumprimento de metas
e objetivos contratualizados.
IV.1.2. A hiperburocratização da administração educacional e o papel das plataformas
informáticas
A rápida expansão de formas de controlo “gerencialista” que acabamos de descrever está longe de
significar, em Portugal como noutros contextos 37, o fim do controle burocrático em nome do qual
as mudanças são conduzidas. Com efeito, a apropriação “gerencialista” de algumas aspirações
democráticas - autonomia das escolas, desconcentração e descentralização da ação educativa -
legitima e permite a recentralização administrativa do sistema, realizada através dos poderosos
meios informáticos hoje usados pelo “new public management” educativo. De fato, como alguns
autores referem38, a desconcentração e contratualização da autonomia é acompanhada por novos
instrumentos de gestão da informação que nos últimos anos configuram uma situação de
“taylorismo informático que cava um ainda maior fosso entre a conceção e a execução, reduzindo
frequentemente os órgãos de gestão escolar a simples dispositivos ao serviço da burocracia central
para quem mais e melhor informação possibilitam maior controlo.”
Em que consiste aquele taylorismo informático? Na simples divisão, sequencialização e controlo de
um conjunto nuclear de funções de administração e gestão escolares, que tem por base plataformas
informáticas (concebidas por empresas especializadas, que geralmente detêm os direitos – e os
segredos tecnológicos – sobre a conceção, a manutenção e a formação dessas plataformas e
programas) que ligam em rede nacional todas as sedes de agrupamento.
37 Grimaldi e Serpieri, 2013 38 Lima, 2014
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46
É a escala e o preço dessas plataformas que ajuda a legitimar também a criação de Mega
agrupamentos: quanto menor for o número de nós principais da rede de utilizadores (os nós
principais são apenas as escolas-sede dos agrupamentos), maior é a eficácia e a eficiência desse
aparelho de controlo. Ao mesmo tempo, menor é o número de funcionários que no terreno – nas
escolas-sede – as utiliza e que, por isso, é mais facilmente responsabilizado por qualquer “ação-
desviante” dos seus objetivos e métodos. Por outro lado, também são menores os encargos com a
manutenção do sistema e com a formação específica para os poucos que têm acesso a cada um dos
programas.
Se inicialmente o controlo informático se concentrava na monotorização das metas estabelecidas e
dos objetivos contratualizados, atualmente são cada vez mais reduzidas as áreas da administração
e gestão escolares que escapam à normatividade, à formatação e ao controlo burocrático das
poderosas plataformas.
De facto, desde o apuramento de vagas de professores, respetivos concursos e gestão do serviço
docente (que inclui as juntas médicas, o tempo de serviço ou a informação sobre regras e
procedimentos), até aos resultados escolares dos alunos (e todo o procedimento relativo às
avaliações sumativas internas e externas), passando pelo recrutamento de pessoal não docente,
pelas refeições escolares, pela preparação e informação relativa a exames e outras provas nacionais,
até à informação e gestão de instalações e equipamentos escolares, entre tantos outros elementos
(nomeadamente as circulares, os documentos de apoio à gestão e a recolha de dados de
periodicidade regular e sistemática) são agora processados digitalmente e estandardizados, em
regra sujeitos a prazos e horários de consulta e resposta que devem ser cumpridos sob a nova
ameaça de o “sistema bloquear” ou “ficar automaticamente indisponível” caso o minuto ou o
número de caracteres seja ultrapassado.
Não surpreende, por isso, que alguns atores considerem que estamos perante um fenómeno de
hiperburocratização da administração educacional39 que não se limita ao desenvolvimento da
mesma, mas é marcada por uma significativa transformação do próprio processo burocrático:
39 Lima, 2012,
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47
“A uma burocracia clássica, mecânica e formalista, ainda marcada pelo “peso” dos processos
tradicionais de mediação e pela lentidão das comunicações e dos processos de mensuração,
fortemente articulada em termos de objectivos, tecnologias e outros componentes organizacionais,
sucederia uma burocracia capaz de manter algumas das suas dimensões convencionais e,
simultaneamente, de incluir outras dimensões do que poderia ser apelidado de burocracia mais
fluída, dotada de maior plasticidade, admitindo certos graus de articulação débil e de incerteza, ou
indeterminação, tanto mais que, contrariamente ao que é por muitos afirmado, Weber não terá
associado burocracia a rigidez 40. Seria, agora, uma burocracia parcialmente desmaterializada,
admitindo, simultaneamente, elementos de descentralização de certo tipo e novas formas de
centralização e de telecontrole, ou controle a distância. Seria uma burocracia mais acelerada, capaz
não apenas de uma presença ubíqua, mas também de operar uma compressão do tempo e de
aumentar exponencialmente as suas capacidades de cálculo, de mensuração e de matematização
da realidade social e, ainda, de registo e “gravação” do real, individual e coletivo”. 41
IV.1.3.Europeização das políticas educativas
A afirmação de novas “ortodoxias” e formas de governação da educação não constituem, contudo,
as únicas mudanças nos processos de regulação que se tem verificado em Portugal nas últimas
décadas. Diversos autores têm sublinhado e caracterizado a crescente europeização das políticas
educativas que se tornou mais visível a partir da cimeira de Lisboa (2000) e que se faz sentir em
praticamente todos as áreas e setores educativos 42.Assim, a primeira década do seculo XX foi
marcada em Portugal por uma importante reconfiguração do ensino superior (Processo de Bolonha)
e, no que respeita aos ensinos básico e secundário, pelas prioridades definidas na Estratégia de
Educação e Formação 2010: melhoria das competências nas aprendizagens básicas, redução do
abandono escolar precoce, universalização tendencial do ensino secundário entre os mais jovens e
criação de incentivos para o desenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida.
40 LANE, 1995, p.55. 41 Lima, 2012: 136.
42 Antunes, 2005, Nóvoa, 2005 Alves, 2010.
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48
Estas mudanças ilustram o papel vital que passou a ser concedido à educação nas políticas e
prioridades da União, crescentemente centradas na preocupação da promoção da competitividade
da economia europeia43, com percussões importantes nos planos discursivos e como guião para a
interpretação da realidade, para a orientação das políticas, e para a reconfiguração das instituições,
processos e conteúdos educativos e de formação44. Numa análise das implicações do novo quadro
de decisão política não pode deixar de ser reconhecido que , Apesar disso, as metas fixadas
constituíram um estimulo importante à expansão dos sistemas educativos e de formação dos
estados membros, designadamente dos países como Portugal em que a consolidação da escola de
massas constituiu um processo muito tardio(ver quadro X)
Quadro I – Comparação Portugal UE Anos
Dimensões 2000 2004 2006 2009 2010
Abandono escolar precoce
PT 43,1 39,4 39,2 31,2 28.7
Média EU 19,7 15,9 15,3 14,4 9.1
Baixos níveis de literacia
PT 26,3 22 24,9 17,6 17,6
Média EU 19,4 19,8 24,1 19,6 20.0
Aprendizagem ao longo da vida
PT 2,9 4,8 3,8 6,1 5.8
Média EU 8 9,4 9,6 9,2 9.1
Apesar da importância destes desafios para a sociedade portuguesa importa ter presente que o
“método aberto de coordenação“, apesar do caráter sugestivo da designação, apresenta
características que permitem que o processo de decisão em educação seja subtraído aos espaços
democráticos de decisão e remetidos para plataformas intergovernamentais (definição de matrizes
43 Antunes, 1996; 2005, Dias, 2008, 44 Alves,2010, Antunes, 2005.
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49
de politicas ) , “peritos”(definição de objetivos e metas de referencia ) e comissões de avaliação
com reduzidíssimo controlo dos eleitores.
“Dessa forma, é o próprio método de elaboração e desenvolvimento da política que pode constituir-
se como portador de mudanças importantes, (…) os grupos sociais, interesses e atores em presença
nos contextos concretos da educação e da formação são liminarmente excluídos, quer do processo
de elaboração, quer de avaliação da concretização da política. Esta conceção e realização
tecnocrática da política—que dispensa os atores e ignora os processos e os contextos concretos de
ação—constitui o quadro instituído para as políticas educativas e de formação a desenvolver nos
próximos anos pelos estados em causa e apresenta-se também como um elemento novo neste
terreno da vida social; qual o seu impacto e quais os seus efeitos são questões cujas respostas os
próximos tempos hão de testemunhar.”45
Esta nova “arquitetura “do processo de elaboração das políticas tende a produzir um duplo efeito,
que coloca em questão o próprio amago do funcionamento democrático das escolas públicas. De
fato, por um lado, verifica-se uma quase-irrelevância dos atores nacionais e locais na definição de
objetivos fundamentais da escola pública, contribuindo para que estes lhes atribuíam que assumem,
por isso, um caracter aparentemente arbitrário e fragmentado. Por outro lado, esses atores,
formalmente “autónomos “ e investidos do poder formal de decisão, são colocados perante a
obrigatoriedade de implementar medidas e procedimentos que não escolheram e sobre os quais
deverão prestar contas, que terão um impacto profundo nas suas carreiras profissionais e condições
de trabalho (financiamento da instituição, natureza do público escolar, progressão na carreira,
etc…).
Neste contexto torna-se vital um grande debate público em torno dos desafios que a União Europeia
(UE) elegeu para a corrente década e dos processos utilizados na criação e desenvolvimento do
espaço europeu de educação e formação. Importa, ainda, ter em consideração que a evolução
positiva registada em Portugal, no que respeita aos padrões de referência estabelecidos pela UE
que o processo verificado no princípio do Séc. XXI em Portugal está longe de garantir uma
45 Antunes, 2005,pp10-131
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50
convergência crescente e linear entre os padrões nacionais europeus. De fato, a própria OCDE tem
realçado as consequências negativas, no plano da educação e do emprego, associadas com a crise
económica e financeira dos últimos anos:
“Em 2009, Portugal gastou 5, 9% do PIB em educação, valor bastante superior aos 4, 9% de 1995.
Mas com a crise económica, o governo já indicou que desceria para 4, 7% em 2011 e , provavelmente
, para 3, 8% em 2012(…)Os professores em Portugal têm salários mais elevados que outros
diplomados com o ensino superior .Mas isto provavelmente mudará em 2012, com as medidas de
austeridade que incluirão cortes nos salários (.. ) Com 10% da população diplomada com o ensino
secundário desempregada , Portugal ocupa a oitava posição no ranking dos 33 países da OCDE com
estatísticas neste domínio (uma década atrás ocupava a posição 23 , entre os 28 países da OCDE
abrangidos pela mesma análise).A situação é similar para os diplomados com o ensino superior,
tendo o desemprego subido de 2, 7% em 2000 para 6, 3% para 2010, enquanto, no mesmo período
, a taxa média de desemprego destes diplomados no conjunto dos países da OCDE subiu de 3, 7%
para 4, 7%” (tradução/adaptação MD) 46.
IV.2 Financiamento
IV.2.1 Introdução
À semelhança dos restantes fenómenos sociais, a “educação” sempre assumiu formas particulares
que, no tempo e no espaço, perseguem e prosseguem finalidades e objetivos que caracterizam o
contexto socioeconómico e político em que ocorre.
Estruturada em torno dos atores – o aprendiz e o mestre; o aluno e o professor; o formando e o
formador – a educação, enquanto produto socialmente construído, sofre mutações advindas das
especificidades próprias do momento e do lugar em que se realiza, ao mesmo tempo que as suas
concretizações podem influir, diretamente, naquelas mutações. As mudanças por que passa são,
assim, consequência das condições ideológicas, materiais e sociais em que é produzida e do papel
que a sociedade lhe comete na construção do devir. Daí resultam impactos não só na sua
46 OECD, 2012, pp.1-2,
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51
“roupagem” externa, mas também naquilo que a define e lhe dá uma racionalidade própria,
estruturadora e justificadora mesmo da sua existência: a educação enquanto forma de aquisição,
transmissão e desenvolvimento do conhecimento, motora de alterações nas maneiras de pensar e
de agir individuais e coletivas, ao serviço do desenvolvimento integral dos indivíduos e das
sociedades.
Todavia, na atual “sociedade globalitária”47, caracterizada pela massificação da produção e do
usufruto massificado dos resultados da atividade produtiva, a função da “escola” alterou-se. Hoje
espera-se que a escola não só contribua para o desenvolvimento da cidadania mas, muito
particularmente, que “produza” cidadãos socialmente úteis, isto é, cidadãos capazes de ingressar
no mercado de trabalho e de responder às solicitações que este lhe impõe, revelando-se o indivíduo
em constante estado de empregabilidade. Existe uma nova intencionalidade para a educação que a
coloca ao serviço da economia num contexto de exigências do mercado global marcado por
expressões que fazem parte da gramática ultraliberal como individualismo, capital humano,
competição, competitividade, flexibilidade, investimento e empregabilidade.
Este processo coexiste com uma intenção bem real de destruição/privatização da escola pública,
em Portugal, seguindo de perto outras mudanças recentes acerca da forma como encarar a
educação, nomeadamente no Reino Unido/Inglaterra, as quais dão corpo à formulação e
desenvolvimento a dois “conceitos”/práticas que devem ser perspetivados como dois dos principais
ataques à “escola pública”: os “quase-mercados” e a ”liberdade de escolha”.
IV.2.2. Os quase-mercados
Suportado por teóricos, como Bartlett, Le Grand e Barr48, os quase-mercados pretendem ser uma
forma de organizar a produção e a provisão dos serviços públicos, nomeadamente educativos,
segundo uma fórmula de “todos ganham” e assente no pressuposto da ineficiência da produção de
serviços públicos pelo Estado/entidades públicas. Para eles, e tantos outros, os serviços públicos e
os funcionários públicos são, por natureza, ineficientes por múltiplas razões, nomeadamente o
47 Ramonet, 1997 48 Bartlett (1991, 1992, 1993), Bartllet et. al (1994), Le Grand (1982, 1990, 1991, 1996), Le Grand et al. (1993), Barr (1989, 1991, 1993), Barr et al. (1996, 1998
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52
desinteresse por parte dos trabalhadores públicos pela “coisa pública” dado que ganharão o mesmo
independentemente do seu desempenho e o desincentivo à eficiência e eficácia produtivas em
virtude do monopólio estatal na produção e provisão daqueles serviços.
Nestas circunstâncias, o que esta linha de pensamento propõe é a produção privada dos serviços
públicos, permitindo a concorrência entre produtores que justifica a existência de um “mercado”, e
a sua provisão/financiamento públicos através do estabelecimento de um preço convencionado no
quadro desta “pareceria público-privada” e que explicaria o “quase”.
Nesta ordem de ideias, e no caso específico da educação, nomeadamente da escolaridade
obrigatória que, exatamente por ser compulsiva, é gratuita, o que se passaria seria a privatização
(no todo ou em parte) da instituição escolar que seria, no entanto, financiada pelos poderes
públicos, de molde a que o serviço educativo continuasse a ser provido gratuitamente. Nesta forma
de produção/provisão de educação o ganho estaria no facto de a instituição, porque privada e com
um preço de venda “controlado”, para ter lucro teria que ser mais eficiente. O ganho do produtor
residiria, exatamente nessa eficiência: quanto mais barato produzir, maior será o seu lucro uma vez
que o montante das receitas é o resultado do concurso no mercado e não da elevação do preço de
venda no consumidor, já que esse será, sempre, nulo. Ao mesmo tempo o Estado gastaria menos
na provisão do mesmo serviço, pois que seria ele a selecionar no mercado um, de entre os diversos
concorrentes e respetivos cadernos de encargos. Finalmente, o consumidor em nada seria
prejudicado, uma vez que continuaria a ser-lhe disponibilizado o mesmo serviço gratuitamente.
Simultaneamente, as famílias poderiam, desta forma, procurar a escola que mais lhes conviesse
para os seus filhos, podendo, assim, exercer o seu direito de escolha.
Esta linha de pensamento, aplicada também na saúde, na prestação de cuidados a cidadãos idosos,
etc., assenta em diversos pressupostos que ou são manifestamente errados e preconceituosos ou
não têm tido os resultados pretendidos.
Partir do princípio de que os trabalhadores públicos são maus trabalhadores é partir de premissas
não provadas e de senso comum inaceitáveis em qualquer situação que se pretenda científica. Por
outro lado, é, também, garantir que os serviços privados são eficientes. Ora, e para não ir mais
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53
longe, a atual crise financeira aí estar a provar que as empresas privadas não são, necessariamente,
eficientes.
De qualquer forma, e pegando, ainda, no caso da escola pública/escola “quase-privada” é
necessário refletir sobre os problemas sociais gravíssimos de discriminação que tais soluções podem
provocar como, aliás, a situação inglesa comprova.
No Reino Unido, perante a possibilidade de “privatização” das escolas do ensino básico, algumas
dessas escolas aceitaram entrar nesse figurino (situação já tentada, pelo menos no discurso, pelo
atual governo em Portugal) enquanto outras continuaram dependentes das LEAs (Local Education
Authorities). É significativo o que este processo tem tido de discriminatório: algumas escolas
“recusam” a entrada dos jovens que não desejam, mantendo sempre uma máscara de não-
discriminação, pois a recusa de entrada pode resultar do facto de as escolas já estarem lotadas
(ainda que não estejam), ou das despesas que os pais serão obrigados a realizar na aquisição de
determinado material (ainda que a escolaridade se mantenha gratuita), ou do facto de a escola, no
quadro do seu projeto educativo disponibilizar/oferecer atividades variadas que tornam a
frequência bastante cara (ainda que o tempo da escolaridade obrigatória continue gratuito), realizar
“testes de conhecimentos”, etc. Na verdade, que escola destas quer aceitar, por exemplo, crianças
com problemas de aprendizagem/necessidades educativas especiais que vão, necessariamente,
encarecer os serviços e, portanto, diminuir a margem monetária entre o que estas escolas recebem
do Estado e os custos que realizam, já que o preço de venda (da escolaridade obrigatória, não
esqueçamos), se mantém nulo?
Obviamente, as crianças com problemas de aprendizagem, ou oriundos de estratos sociais menos
interessantes, ou…, continuam a ter direito à educação e, por isso, é-lhes prestado o serviço. O
problema é que a sua liberdade de escolha depara com tantos obstáculos, económicos, sociais,
burocráticos, administrativos, etc., que a sua única escolha é a escola pública. De facto, não deixa
de ser curioso que estas crianças vejam assegurado o serviço educativo através da prestação pelas
escolas públicas, aquelas que não se “quase-privatizaram” e que em virtude de inúmeros fatores
discriminatórios, nomeadamente o de terem públicos altamente discriminados, apresentarem os
piores resultados vindo, ironicamente, dar razão àqueles que dizem mal da escola pública por ser
pouco eficiente, voltada ao insucesso, etc.
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54
IV.2.3. A “liberdade de escolha” e o cheque-ensino
Sermos livres para decidir acerca das nossas opções, é um direito que a todos deverá assistir. No
âmbito do discurso liberal do freedom of choice de autores como Le Grand, este direito encontra-se
virtualmente “assegurado” a dois níveis. Num caso, como o exposto atrás, as famílias são livres de
escolherem colocar os seus filhos numa escola pública ou numa escola quase privada que
disponibiliza educação gratuita.
O outro nível é o que decorre do discurso do “cheque-ensino”. O “cheque ensino” surge para a nova
ideologia do individualismo, competição, empreendedorismo, empregabilidade, etc., que
caracteriza este novo discurso liberal, como o instrumento que garante a possibilidade real dos
jovens frequentarem a escola que efetivamente desejam, ou que as suas famílias selecionam, seja
uma escola pública ou privada, gratuita ou paga, do centro da cidade ou da periferia, etc.
O cheque-ensino representa um montante (um voucher) que os governos entregam às famílias e
com o qual estas poderão escolher uma escola para os seus descendentes. À partida, tudo muito
transparente: todos terão aquele valor que lhes permite procurar a educação que desejarem.
Claro que os defensores desta solução “esquecem-se” de informar que cada família poderá procurar
a escola para a qual o cheque-ensino é suficiente. Se a exigência financeira de alguma escola,
obviamente privada, for superior àquele valor, então as famílias só têm que arranjar o valor extra e
isso será da sua inteira responsabilidade. Ou seja, se as famílias efetivamente querem escolher, que
paguem. E desta forma se conclui acerca da fortíssima discriminação negativa que o cheque-ensino
acarreta: por um lado reproduz situações de extrema desigualdade social, criando e lançando para
guetos aqueles que de lá querem sair; por outro, criando ofertas radicalmente diferentes para os
“mesmos” cidadãos e, finalmente, porque coloca a sociedade inteira a financiar diretamente as
escolas privadas e, não menos importante, a subsidiar aquelas famílias que, à partida, dispõem de
rendimentos suficientes para continuarem a fazer o que sempre fizeram: colocar os filhos em
escolas privadas teoricamente de elevado potencial.
Claro que falar, nestas condições, em democratização do ensino, em igualdade de condições, em
liberdade de escolha, em equidade, em cidadania, etc., é estarmos a troçar dos próprios princípios
de democracia e de justiça social. Mas a verdade é que esta forma de ver a coisa pública tem os seus
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55
seguidores, também em Portugal, e que exigem um cuidado acrescido da parte daqueles que
pretendem um país mais justo, equitativo, democrático.
IV.2.4. Privatização e níveis de ensino
Naturalmente que os problemas que a privatização da escola pública pode trazer estendem-se a
todos os níveis de ensino, ainda que com manifestações particulares em função do nível educativo.
Se o que acima se expôs se aplica, particularmente, ao ensino obrigatório e que testemunha apenas
duas situações perigosas para a democracia e a democratização do ensino, o caso do ensino superior
regista, também ele, situações altamente lesivas dos direitos dos jovens e da democracia.
Sabemos que em 1986 o governo de então reorganizou o já existente e desorganizado ensino
superior privado, através da publicação do estatuto do ensino superior particular e cooperativo.
Também sabemos que o apoio do governo a este segmento educativo não foi através do
financiamento. Todavia, sabemos que esse apoio foi feito de forma indireta, nomeadamente no
âmbito da definição quer do número de vagas (lado da oferta – fixação anual de um numerus
clausus), quer das condições pedagógico-científicas e de avaliação no ensino secundário,
desenhando, assim, pelo lado da procura (número de candidatos ao ensino superior) as condições
de aparecimento e de permanência de instituições privadas de ensino superior que assim
« puderam responder » a uma procura explosiva de ensino superior, de tal modo que o ensino
superior privado chegou a ter matriculados cerca de um terço do total de alunos deste nível de
ensino.
Se atualmente os alunos do ensino privado rondam os 20% do total de alunos do ensino superior,
registando uma quebra à volta dos 23% nos últimos anos não é devido, de forma alguma, a
quaisquer medidas de política educativa no sentido de reorganizar e de democratizar este nível de
ensino. Aliás, um dos grandes problemas que o nosso ensino superior vive hoje é o da sua
elitização49. Cada vez mais o ensino superior é um ensino de elites contrariando, em absoluto, o que
qualquer Estado deve aspirar: a universalização da educação em todos os níveis de ensino a que não
49 (Cabrito, 2002; Cerdeira, 2009; Cerdeira et al., 2014).
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56
será estranho a crise económica e financeira do país, a crise do (des)emprego e a extensão da rede
pública e a tão falada questão demográfica.
Naturalmente, no centro de todo o problema da educação, e que o pensamento do “quase-
mercado” bem corporiza, encontra-se a questão do financiamento. Educar é, por definição, uma
atividade consumidora de muitos recursos “caros” e só tem retorno após alguns anos da sua
produção50. Nestas circunstâncias, e face à pressão que os diversos serviços de natureza pública
fazem sobre os orçamentos de Estado cada vez mais magros, explica-se, pelo menos parcialmente,
toda uma ideologia liberal que assenta na lógica do utilizador-pagador, independentemente da
natureza pública do serviço, nomeadamente o educativo51 e que em Portugal, e no caso específico
do ensino superior, se concretiza, entre outras coisas, no estabelecimento de propinas no ensino
superior público, desde 1992, que assumem um valor “condicionado” no 1º ciclo e que ascendem a
um valor de mercado nos 2º e 3ºciclos.
IV.2.5. A procura educativa e o financiamento da educação
Se há algo de que nos devemos orgulhar relativamente às últimas décadas é, definitivamente, o
progresso que alcançámos em termos educativos. Do início da década de 1970 aos nossos dias, a
educação foi um dos vetores a que os portugueses mais atenção deram, sentindo que ela está por
detrás de todo o processo de ascensão social e de desenvolvimento pessoal.
À semelhança do que ocorreu na generalidade dos países desenvolvidos desde meados do século
passado, a educação é eleita pelas famílias portuguesas como o grande instrumento de ascensão
social e inserção qualificada no mercado de trabalho que se traduziria em maior reconhecimento
social52, e em maior produtividade e maiores ganhos salariais53, factos que dão corpo à designada
teoria do capital humano54.
50 Baumol et al., 1989 51 (Ray et al., 1988; Farchy et al., 1994) 52 Baudelot & Establet, 1971, 1977; Bourdieu, 1994; Bourdieu & Passeron, 1964, 1970; Grácio, 1986) 53 Becker, 1964, 1981, 1992; Kiker & Santos, 1991; Meulemeester & Rocha, 1995; Mincer, 1974, 1980; São Pedro e Baptista, 1992; Schultz, 1961, 1963, 1981; Woodhall, 1991, 1992, 1995 54 Becker, 1964; Schultz, 1961.
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57
Nas últimas décadas registou-se, de facto, uma procura explosiva de educação, em todos os níveis
de ensino. Observe-se o quadro abaixo :
Evolução do número de estudantes em todos os níveis de ensino
Anos Total Educação
Pré-
escolar
Ensino Básico Ensino
Secundário
Ensino
Superior Total 1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo
1961 X 6528 1066471 887235 78064 101172 13116 24149*
1970 X 15153 1316279 935453 193912 186914 27028 49461*
1980 1873559 80373 1538389 927852 305659 304878 169516 80919
1990 2160180 161629 1531114 715881 370607 444626 309568 157869
2000 2260745 228459 1240836 539943 276529 424364 417705 373745
2005 2172853 259788 1153057 504412 267742 380903 376896 380937
2010 2406098 274387 1256462 479519 273248 503695 483982 383627
2011 2239401 276125 1206716 464620 278263 463833 440895 398268
2012 2241756 272547 1157811 454003 266095 437713 411238 390273
2013 X 266666 1093523 440378 252667 400478 398447 371000
Fonte : DGEEC/MEC, PORDATA; *Barreto et al, A Situação Social em Portugal, 1960-1995
Esta procura de educação registou-se em todos os níveis educativos, nomeadamente no segmento
da escolaridade obrigatória, como se pode observar no Quadro que se segue:
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Taxa real de escolarização (%)
Anos Educação Pré-
Escolar
Ensino Básico Ensino
Secundário 1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo
1961 0,9 80,4 7,5 6,1 1,3
1970 2,4 84,3 22,2 14,4 3,8
1980 14,2 98,4 35,4 25,8 11,7
1990 41,7 100,0 69,2 54,0 28,2
2000 71,6 100,0 87,4 83,9 58,8
2005 77,4 100,0 86,4 82,5 59,8
2010 83,9 100,0 93,8 89,5 71,4
2011 85,7 99,1 95,4 92,1 72,5
Fonte: PORDATA
De igual forma, a procura de educação superior registou-se em todos os níveis etários. Observe-se o quadro
abaixo.
Despesas do Estado em educação: execução orçamental (em milhões de euros)
Anos Montante Anos Montante
1972 22,3 2006 7263,4
1980 258,5 2007 7232,1
1990 2091,0 2008 7348,6
2000 6202,6 2009 8507,4
2001 6729,8 2010 8559,2
2002 7267,7 2011 7878,5
2003 7005,0 2012 6622,4
2004 7132,1 2013 7108,4
2005 7316,1
Fontes/Entidades: DGO/MF, PORDATA - Última atualização: 2014-07-02
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Obviamente, este esforço realizado na educação nas últimas décadas é também percebido através
da percentagem do PIB aplicado à educação. Após um crescimento acentuado daquela
percentagem, deparamo-nos com uma evolução praticamente nula na década de 1990 e uma
tendência evidente para uma evolução negativa nos últimos anos.
Despesas do Estado em educação: execução orçamental em % do PIB
Anos Montante Anos Montante
1972 1,4 2006 4,5
1980 3,2 2007 4,3
1990 3,8 2008 4,3
2000 4,9 2009 5,0
2001 5,0 2010 5,0
2002 5,2 2011 4,6
2003 4,9 2012 4,0
2004 4,8 2013 4,3
2005 4,7
Fontes/Entidades: DGO/MF, INE, PORDATA - Última atualização: 2014-07-02
Este desinvestimento financeiro na educação é também visível quando se analisa o quanto o Estado
gasta com cada aluno. Observe-se o Quadro seguinte :
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Despesas do Estado em educação: execução orçamental per capita (em euros)
Anos Montante Anos Montante
1972 2,6 2006 690,3
1980 26,5 2007 686,0
1990 209,4 2008 696,0
2000 602,8 2009 805,0
2001 649,4 2010 809,5
2002 698,4 2011 746,2
2003 669,8 2012 629,8
2004 680,3 2013 679,8
2005 696,6
Fontes/Entidades: DGO/MF, INE, PORDATA - Última atualização: 2014-07-02
IV.2.6. Notas para discussão
É indesmentível o desinvestimento do Estado em educação. Esta situação arrasta-se desde há alguns
anos, tendo-se agravado de forma particular e brutal nos últimos anos.
Perante esta situação, coloca-se a necessidade de perguntar como se poderá ela resolver, sendo
certo que não há receitas nem respostas únicas para problemas sociais, há, contudo, perguntas a
que se tem de conceder particular atenção. Muito rapidamente, apenas algumas:
- Qual o papel a desempenhar pelo ensino privado em Portugal? Coexistindo com a escola pública?
Substituindo-a/ “complementando-a”, face a inexistência de oferta pública? Concorrendo com a
escola pública?
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61
- Qual o papel do Estado no financiamento da escola pública? Ser uma das fontes, complementando
a participação das famílias? Ser a fonte maioritária? Para todos os níveis educativos? Com que
critérios? Número de alunos; sucesso educativo; gestão « mais eficiente »; ofertas da escola; … ?
- Como entregar mais receitas às autarquias locais? Que competências para as autarquias? Como
descentralizar sem municipalizar?
- Que ajudas aos estudantes e famílias? Em material didático, em bolsas e subsídios, em
gratuitidade, … ?
- Qual o papel do Estado no «financiamento» direto/indireto das escolas privadas? Através de
subsídios ao estudante, nomeadamente o cheque-ensino? Através da atribuição de bolsas e
concessão de subsídios aos estudantes mais carenciados que utilizam a escola privada? Quais os
critérios?
V – COMO ATUAR NO PRESENTE E PREPARAR O FUTURO
Algumas respostas à questão que o título deste capítulo pressupõe já se encontram enunciadas nos
capítulos anteriores, em especial nas interrogações e pistas que constam das secções III.2.2, III.3.2.,
III.4.4. e IV.2.6..
Procura-se aqui reuni-las em 7 pontos e de forma mais organizada para centrar o debate amplo e a
concertação possível que elas merecem e um interesse e esforço conjunto podem conseguir.
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62
V.1 – AFINAL O QUE É A ESCOLA PÚBLICA?
Este debate parece essencial para a tomada de decisões de política educativa ou seja, há que discutir
a natureza da escola pública para se poder responder a muitas das questões que resultam dos
capítulos anteriores e que implicam saber se a escola é um serviço do Estado, um serviço local, as
duas coisas ao mesmo tempo, se tem personalidade jurídica ou não, se tem autonomia e para quê,
a que tipo de relações está sujeita com o Estado e com as autarquias, etc.
Também têm que ver com este debate questões/dúvidas que parecem surgir à margem mas que
são tão importantes como:
- Será que as dinâmicas internas dos agrupamentos não conduzem à subalternização dos níveis
educativos mais “ baixos” na gestão das escolas e nas lógicas de organização curricular e
pedagógica?
- Será que as condições especiais de funcionamento e o apoio financeiro e educativo acrescidos ao
universo TEIP premeiam as equipas diretivas e os alunos das escolas mais dinâmicas, em prejuízo
dos muitos alunos de outros agrupamentos com características sociológicas, culturais e educativas
similares? Os pressupostos da diferenciação e adequação que justifica uma medida de intervenção
prioritária não devem estar subjacentes à administração de todas as escolas?
- Não será também que a seleção social introduzida pela diversificação precoce das vias de ensino
e a diversificação da organização curricular e pedagógica das escolas deve, obrigatoriamente, ser
sempre analisada à luz de critérios de equidade e de valor acrescentado?
- Como num sistema em que coexistem escolas públicas e escolas privadas se devem e têm de
equacionar questões fulcrais como diferenciação, rigor e exigência, eficácia e eficiência e igualdade
de oportunidades de acesso e sucesso?
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63
- Como garantir que o "mercado" educativo não seja regido por interesses vários, nomeadamente
de natureza política e mercantil? Como garantir que a escola pública não será preterida em
benefício da oferta privada? Qual o papel que em tudo isto têm as comparações (“rankings”!)
nacionais e internacionais que, reconhecidamente, têm conduzido à redução se não mesmo à
“pobreza” do papel educativo da escola e do esbatimento de áreas tão importantes como a
educação para a cidadania ou a educação artística?
V.2. A ATUALIDADE DA LEI DE BASES DO SISTEMA EDUCATIVO
Será ou não uma prioridade refletir sobre a atualidade da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE)
e a eventual necessidade de a alterar em função das profundas mudanças ocorridas na sociedade
portuguesa?
Não será importante que ocorram mudanças, em particular na organização do sistema educativo e
das suas finalidades (generalização da educação pré-escolar, alteração profunda da escolaridade
obrigatória, das ofertas curriculares, dos sistemas de avaliação interna e externa, das unidades
organizacionais, etc.), bem como na configuração do Estado e na administração pública (central e
local), sobretudo no sentido da melhor redistribuição de competências e meios entre os diversos
níveis do poder (político e financeiro) e da administração?
V.3 PELA AUTONOMIA DAS ESCOLAS
“A efetiva democratização do acesso, da permanência e do sucesso educativo de alunos cada vez
mais diversos do ponto de vista da sua proveniência social, económica, cultural, étnica, religiosa,
etc., só pode ser conseguida através de soluções contextualmente diferenciadas e de decisões que
só poderão ser legitimamente e adequadamente tomadas nos contextos local e escolar. Cada escola
não pode deixar de se assumir como um locus de decisões educativas e pedagógicas e cada
educador/professor ou se assume, nesse contexto, como um decisor, ou ficará paralisado, alienado
e incapaz de contribuir para a autonomia e o sucesso educativo dos seus alunos. A manutenção de
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64
um sistema escolar centralizado, concentrado ou desconcentrado, eletronicamente uniformizado e
controlado à distância, se revelará cada vez mais incapaz de responder às exigências de uma
educação democrática e de qualidade social para todos.” 55
Constitui um desafio importante “que o olhar vá mais além do que a lógica que conduziu ao decreto-
lei 115-A/98 e que há quase 20 anos desconfia da capacidade das escolas para serem
verdadeiramente autónomas – embora reguladas e avaliadas externamente – e serem elas mesmas
os atores da mudança, em vez de um simples elo de transmissão de decisões que estão sempre fora
delas, restando-lhes a capacidade para gerir a atribuição de um ou dois tempos letivos.”56
Afinal gerir, necessariamente enquadrados por regulamentação geral, não se pode cingir a
administrar pormenores, sem que se possam relacionar os resultados/produtos pretendidos com
os recursos a disponibilizar, as características e condicionantes dos alunos a educar e a ensinar com
as formas de organização e as metodologias consideradas necessárias podendo dispor, para o
efeito, dos adequados recursos financeiros e humanos. A monitorização e avaliação interna e
externa lá estarão para evitar desvios e as análises do valor acrescentado para assegurar a equidade
e a justiça social.
A capacidade de constituição das equipas dentro das escolas, que considerem, para além dos
professores, todos os técnicos e outros colaboradores educativos e administrativos de que uma
escola não pode prescindir, é um aspeto essencial da autonomia quase sempre esquecido ou
menosprezado
Neste âmbito não será de "avaliar" a pertinência de acabar com todos os mega-agrupamentos
criados nos últimos anos (obviamente após um rápido mas profundo processo de avaliação
multidimensional dessas "unidades organizativas" do sistema), o que naturalmente implicaria
reequacionar o atual regime de administração e gestão das escolas, nomeadamente no sentido de
prever "travões" a sucessivos reagrupamentos por razões exclusivamente economicistas e de
55 Escreveu Licínio Lima no parecer sobre o 2º documento 56 Escreveu Paulo Guinote no parecer sobre o 2º Documento
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65
recolocar no centro da questão a democraticidade do seu funcionamento no que respeita à
participação dos professores e dos pais tendo como principal objetivo o sucesso educativo dos
alunos e da escola?
V.4. COMO DESCENTRALIZAR SEM MUNICIPALIZAR
Alguma desconfiança em relação à transferência de competências para as autarquias em matéria
de Educação “nasce de considerar que uma coisa é a gestão do saneamento básico de um território
ou do seu ordenamento urbanístico (e muito teríamos a apontar de pouco positivo a muitos
municípios nesse aspeto), outra gerir uma rede local ou intermunicipal de Educação no contexto de
um país como o nosso que está longe de ter uma dimensão geográfica que justifique a sua
fragmentação e a possibilidade de agravar ainda mais os desequilíbrios existentes e a quebra da
coesão nacional num aspeto fundamental para o futuro como a Educação.”57
Seria interessante e oportuno interrogar o "Programa Aproximar Educação" (PAE), criado pelo atual
governo, à luz do enquadramento constitucional e do regime jurídico das autarquias locais,
nomeadamente ao nível dos instrumentos políticos daquele programa (Contrato de Educação e
Formação Municipal, Matriz de Responsabilidades e Modelo de Financiamento) e da discutível
razoabilidade do modelo de descentralização educativa que lhe está implícito (vulgarmente
conhecido como "municipalização da educação").
Como descentralizar (e o quê) sem municipalizar? Como impedir que a descentralização não se
torne numa reprodução de um sem número de cadeias hiperburocratizadas de poder onde, por um
lado, a escola perde a sua identidade e autonomia e, por outro, a educação em Portugal deixe de
ter uma natureza nacional (independentemente das especificidades naturais de escola/região)?
Haverá instrumentos que permitam garantir que uma escola não dependa da vontade
discricional de novos poderes?
57 Escreveu Paulo Guinote no parecer sobre o 2º Documento
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66
V.5. UMA NOVA VISÃO PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Como articular a descentralização com a necessidade de decisões que, pelo menos ao nível do
enquadramento legal e genérico – não necessariamente da execução - devem ser de natureza
nacional nomeadamente o estabelecimento de um currículo escolar, o modelo de colocação de
professores, de apoio social, e de financiamento dos estabelecimentos de ensino, sob pena de
escolas, alunos e professores poderem ser penalizados pelo facto de estarem/pertencerem a
contextos geográfico, social, económico e político diferenciados?
Na ausência das Regiões administrativas previstas na CRP impõe-se uma reflexão sobre as
vantagens/inconvenientes da extinção das atuais cinco delegações regionais da Direcção Geral dos
Estabelecimentos Educativos, à luz quer da "racionalização da administração pública" prometida
pelo atual governo através do "Programa Aproximar" e em curso de experimentação em quatro
Comunidades Intermunicipais (CIM Alto Tâmega, CIM Oeste, CIM Leiria, CIM Viseu, Dão, Lafões),
quer da redefinição necessária do papel político (de planeamento e financiamento) das Comissões
de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e das próprias Comunidades Intermunicipais
(CIM). Será que não continua a fazer mais sentido, em matéria de níveis intermédios da
administração educativa, a "região administrativa" (NUT II) do que a "comunidade intermunicipal"
(NUTIII), desde que a primeira tenha legitimidade eleitora direta?
V.6. QUAL O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL
Quando tanto se fala da sociedade civil e em participação será importante analisar qual o papel que
têm tido os sindicatos/associações de professores, as associações de encarregados de educação nos
órgãos de gestão e, sobretudo, no debate e decisão sobre políticas educativas.
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67
Se o papel dos sindicatos dos professores, natural e especialmente centrados nos interesses dos
seus associados, tem sido determinante em muitas das políticas educativas desde 1974, já as
associações de pais, as associações científicas e educativas de professores e as associações mais
recentes de dirigentes escolares têm tido uma influência esbatida senão subalternizada nas
principais decisões de política educativa a não ser em áreas muito restritas e especializadas.
V.7. QUESTÕES À MARGEM QUE SE PODEM TORNAR CENTRAIS
Um documento sobre ORGANIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO” tem de
deixar de fora muitas questões que, ainda que consideradas de alguma forma “à margem” do tema
central, não deixam de se acercarem dele e poderem constituir outros novos alertas para a forma
como se pensa a educação e esta se organiza, administra e financia.
De entre as muitas questões por vezes apenas citadas e referidas de passagem e outras nem sequer
abordados, não se pode, como se pode, como ponto final, deixar de referir:
- A ”formatação “da formação de professores para a matemática /língua e didáticas não constituem
um bom exemplo da “nova ortodoxia da educação” referida no capítulo IV.1..
- Como se deve considerar a participação e a autonomia dos alunos (baixíssima,
independentemente do tipo de escolas e do lugar no ranking, embora com variações importantes
segundo os dados disponíveis), alunos sujeitos a uma crescente vigilância eletrónica (cartões
controlam o que comem, o que compram na secretaria, as horas a que chegam…; plataformas
moodle que dizem se fazem trabalhos de casa, etc…).
- A alienação total em relação à inexistência de políticas de educação de adultos e de jovens que
abandonaram o sistema de ensino e à integração “local” destas políticas.
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ANEXOS
ANEXO I
NÍVEIS DA ADMINISTRAÇÃO E DOMÍNIOS DE DECISÃO
Tradução/adaptação do texto das páginas 528-529 de “Regards sur l’Éducation 2012”
- Por Administração Central entendem-se todas as instâncias máximas de um país que tomam
decisões ou intervêm em alguns aspetos do processo de decisão;
- Município é a unidade administrativa mais pequena do país que seja dotada de um executivo,
assim por Autoridades Locais entendem-se os serviços responsáveis pela educação ao nível
municipal;
- Província ou Região considera-se a unidade territorial que vem imediatamente a seguir ao
Executivo Central no caso dos países não federais. Em Portugal apenas existem a este nível a Região
Autónoma dos Açores e a da Madeira;
- Por estabelecimento de ensino entende-se um estabelecimento autónomo, os membros da sua
direção, os seus professores ou um conselho responsável desse estabelecimento. As
redes/agrupamentos de ensino ou de escolas são, par este efeito, considerados como
estabelecimentos.
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DOMÍNIOS DE DECISÃO
- Organização do ensino : a admissão, o percurso escolar, os tempos letivos, a escolha dos manuais
escolares, a escolha dos materiais de ensino, a organização das turmas, os apoios suplementares
aos alunos, os métodos pedagógicos e a avaliação contínua dos alunos;
- Gestão do pessoal: recrutamento e licenciamento dos chefes dos estabelecimentos, dos
professores e dos restantes trabalhadores que exercem a sua atividade profissional nas escolas,
funções e condições de trabalho, níveis salariais e evolução nas carreiras profissionais;
. Planificação e estruturas: criação ou supressão de estabelecimentos ou de ofertas educativa
(níveis de ensino e cursos), elaboração dos programas dos cursos, seleção dos programas oferecidos
pela escola, definição dos conteúdos de ensino, conceção dos exames que conduzem à obtenção
de um diploma e da estrutura que concede o diploma (escolha do conteúdo, das provas e sua
administração e correção);
. Gestão dos recursos : a afetação dos recursos e a sua utilização pelo pessoal docente e não
docente, as despesas de funcionamento e as despesas de capital e o desenvolvimento profissional
dos dirigentes das escolas e dos professores.
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ANEXO II
Competências das Direções de Serviço Regionais da Direcção Geral dos Estabelecimentos
Escolares
Portaria 29/2013 – Fixa a estrutura nuclear da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares
1. Acompanhar, coordenar e apoiar a organização e o funcionamento dos estabelecimentos de
educação situados na respetiva circunscrição regional;
2. Promover e monitorizar processos de avaliação da organização escolar;
3. Colaborar na recolha de informação relevante respeitante à educação especial para efeitos de
regulação e de monitorização das respostas educativas e de apoio educativo, em articulação
com a Direção-Geral da Educação;
4. Acompanhar a promoção de medidas e orientações para a inclusão e o sucesso educativo dos
alunos com necessidades educativas especiais na educação pré-escolar e escolar na modalidade
de educação especial nos ensinos público, particular, cooperativo e solidário, designadamente
atividades de complemento e acompanhamento pedagógico, em articulação com a Direção-
Geral da Educação;
5. Assegurar a implementação a nível regional dos diversos programas, projetos e atividades do
desporto escolar, em articulação com a Direção-Geral da Educação;
6. Participar no planeamento da rede escolar da circunscrição regional, promovendo, sem prejuízo
das competências dos restantes serviços do MEC, ações de planeamento e execução do
ordenamento das redes da educação pré-escolar, dos ensinos básico e secundário, incluindo as
suas modalidades especiais, bem como as de educação e formação de jovens e adultos;
7. Apoiar os estabelecimentos de educação e as autarquias locais na manutenção dos contratos de
execução celebrados nos termos do Decreto-Lei n.º 144/2008, de 28 de julho;
8. Assegurar a divulgação local das orientações dos serviços do MEC e da informação técnica às
escolas;
9. Prestar apoio técnico à manutenção do parque escolar;
10. Apoiar o funcionamento das juntas médicas regionais;
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11. Analisar e elaborar pareceres dos Planos Diretores Municipais (PDM), do Plano de Pormenor
(PP), Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), Carta Educativa (CE), bem como as candidaturas
elaboradas pelas autarquias;
12. Acompanhar a requalificação, modernização e conservação da rede de escolas;
13. Identificar as intervenções nos edifícios escolares;
14. Vistoriar as instalações para a concessão de autorização de funcionamento dos
estabelecimentos escolares do ensino particular e cooperativo e dos equipamentos das escolas
públicas com oferta de ensino profissional, em articulação com a Direção-Geral da
Administração Escolar e com a Direção-Geral da Educação;
15. Promover o acompanhamento das escolas profissionais privadas e da execução dos contratos de
apoio financeiro celebrados;
16. Promover em articulação com os estabelecimentos escolares, os necessários procedimentos em
caso de acidente em serviço de docentes e não docentes;
17. Propor a certificação do tempo de serviço do pessoal docente nos termos da lei, prestado fora
do MEC. Assegurar o apoio jurídico e contencioso, em articulação com a Secretaria Geral;
Cooperar com outros serviços, organismos e entidades, tendo em vista a realização de ações
conjuntas em matéria de educação
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ANEXO III
Composição das 21 Comunidades Intermunicipais e das 2 Áreas Metropolitanas
Designação Municípios (nº) População
- Comunidade Intermunicipal do Alto Minho
Arcos de Valdevez, Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de
Coura, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Valença, Viana do
Castelo, Vila Nova de Cerveira, (10)
244 6
- Comunidade Intermunicipal do Cávado
Amares, Barcelos, Braga, Esposende , Terras de Bouro, Vila
Verde (6) 410 9
- Comunidade Intermunicipal do Ave
Fafe, Guimarães, Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Vila
Nova de Famalicão, Vizela, Cabeceiras de Basto, Mondim de
Basto (8)
425 1
- Área Metropolitana do Porto Santo Tirso, Trofa, Arouca, Oliveira de Azeméis, Santa Maria
da Feira, São João da Madeira, Vale de Cambra, Espinho,
Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim,
Valongo, Vila do Conde, Vila Nova de Gaia, Paredes (17)
1 759 524
- Comunidade Intermunicipal do Alto Tâmega
Boticas, Chaves, Montalegre, Valpaços, Vila Pouca de Aguiar
Ribeira de Pena (6)
94 43
- Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa
Amarante, Baião, Castelo de Paiva, Celorico de Basto,
Cinfães Felgueiras, Lousada, Marco de Canaveses, Paços de
Ferreira Penafiel, Resende (11)
432 5
- Comunidade Intermunicipal do Douro
Murça, Alijó, Armamar, Carrazeda de Ansiães, Freixo de
Espada à Cinta, Lamego, Mesão Frio, Moimenta da Beira,
Penedono, Peso da Régua, Sabrosa, Santa Marta de
Penaguião, São João da Pesqueira, Sernancelhe, Tabuaço,
Tarouca, Torre de Moncorvo, Vila Nova de Foz Côa , Vila Real
(19)
205 7
- Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás os Montes.
Alfândega da Fé, Bragança, Macedo de Cavaleiros, Miranda
do Douro, Mirandela, Mogadouro, Vimioso, Vinhais, Vila Flor
(9)
117 7
- Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro
Águeda, Albergaria-a-Velha, Anadia, Aveiro, Estarreja,
Ílhavo, Murtosa, Oliveira do Bairro, Ovar, Sever do Vouga,
Vagos (11)
370 4
- Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra
Cantanhede, Coimbra, Condeixa-a-Nova, Figueira da Foz,
Mira, Montemor-o-Velho, Penacova, Soure, Mealhada,
Mortágua, Arganil Góis, Lousã, Miranda do Corvo, Oliveira
do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penela, Tábua, Vila Nova
de Poiares (19)
460 9
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73
- Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria
Alvaiázere, Ansião, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos,
Pedrógão Grande, Batalha, Leiria, Marinha Grande, Pombal
Porto de Mós (19)
294 2
- Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões
Aguiar da Beira, Carregal do Sal, Castro Daire, Mangualde,
Nelas, Oliveira de Frades, Penalva do Castelo, Santa Comba
Dão, São Pedro do Sul, Sátão, Tondela, Vila Nova de Paiva,
Viseu, Vouzela (10)
294 2
- Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela
Almeida, Celorico da Beira, Figueira de Castelo Rodrigo,
Guarda, Manteigas, Meda, Pinhel, Sabugal, Trancoso,
Belmonte, Covilhã, Fundão, Fornos de Algodres, Gouveia,
Seia (15)
236 3
- Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa
Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Penamacor, Vila Velha de
Ródão, Oleiros, Proença-a-Nova (6) 8963
- Comunidade Intermunicipal do Oeste
Alcobaça, Alenquer, Arruda dos Vinhos, Bombarral, Cadaval,
Caldas da Rainha, Lourinhã, Nazaré, Óbidos, Peniche, Sobral
de Monte Agraço, Torres Vedras (12)
362 0
- Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo
Abrantes, Alcanena, Constância, Entroncamento, Ferreira do
Zêzere, Ourém, Sardoal, Tomar, Torres Novas, Vila Nova da
Barquinha, Mação, Sertã, Vila de Rei (13)
247 1
- Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo
Almeirim, Alpiarça, Azambuja, Benavente, Cartaxo,
Chamusca, Coruche, Golegã, Rio Maior, Salvaterra de
Magos, Santarém (11)
247 3
- Área Metropolitana de Lisboa Amadora, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Odivelas, Oeiras,
Sintra, Vila Franca de Xira, Alcochete, Almada, Barreiro,
Moita , Montijo, Palmela, Seixal , Sesimbra, Setúbal (18)
2 821 876
- Comunidade Intermunicipal do Alentejo Litoral
Alcácer do Sal, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém, Sines
(5) 97 25
- Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo.
Sousel, Alter do Chão, Arronches, Avis, Campo Maior,
Castelo de Vide, Crato, Elvas, Fronteira, Gavião, Marvão,
Monforte, Nisa, Ponte de Sor, Portalegre (15)
118 6
- Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central
Alandroal, Arraiolos, Borba, Estremoz, Évora, Montemor-o-
Novo, Mourão, Portel, Redondo, Reguengos de Monsaraz,
Vendas Novas, Viana do Alentejo, Vila Viçosa, Mora (14)
166 6
- Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo
Aljustrel, Almodôvar, Alvito, Barrancos, Beja, Castro Verde,
Cuba, Ferreira do Alentejo, Mértola, Moura, Ourique, Serpa,
Vidigueira (13)
126 2
- Comunidade Intermunicipal do Algarve
Albufeira, Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Faro, Lagoa,
Lagos, Loulé, Monchique, Olhão, Portimão, São Brás de,
Alportel, Silves, Tavira, Vila do Bispo, Vila Real de Santo
António (16)
451 006
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ANEXO IV
Quadro resumo de caracterização e condicionantes
Níveis de
Administração
Pública
Composição Âmbito
Geográfico
Domínios e
Competências em Educação
Administração
central
desconcentrada
Direcção Geral dos
Estabelecimentos
Escolares(DGEstE)
5 Direções de
serviço
“regionais”58
Ver no Anexo II as competências das Direções de
Serviço Regionais (em articulação com os serviços
centrais)
(Portaria 29/2013)
Regiões
Autónomas
RA Açores
Secretarias Regionais
O sistema educativo regional, incluindo as respetivas
organização, funcionamento, recursos humanos,
equipamentos, administração e gestão dos
estabelecimentos de educação e de ensino.
A avaliação no sistema educativo regional e planos
curriculares;
A atividade privada de educação e sua articulação
com o sistema educativo regional. A ação social
escolar no sistema educativo regional;
Os incentivos ao estudo e meios de combate ao
insucesso e abandono escolares.
RA Madeira
Secretarias Regionais
Educação pré-escolar, ensino básico, secundário,
superior e especial
Freguesias Ponto II.2 (?) do documento
Municípios Ponto II.2 do documento
Regiões Administrativas Estão previstas mas não existem
Áreas
Metropolitanas
(Lisboa e Porto)
Participar na gestão de programas de apoio ao
desenvolvimento regional, designadamente no
âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional
(QREN). Assegurar a articulação das atuações entre os
municípios e os serviços da administração central na
área da Rede educativa e de formação profissional.
Estabelecer o Plano metropolitano de gestão de redes
de equipamentos de saúde, educação, cultura e
desporto.
58 Ver ANEXO II com o elenco das respetivas competências.
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Administração
Local
Associações de
Municípios
(entidades
intermunicipais)
Comunidades
Intermunicipais
(CIM) (NUT III)
Participar na gestão de programas de apoio ao
desenvolvimento regional, designadamente no
âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional
(QREN). Assegurar a articulação das atuações entre os
municípios e os serviços da administração central na
área da Rede educativa e de formação profissional.
Estabelecer o Plano intermunicipal de gestão de redes
de equipamentos de saúde, educação, cultura e
desporto
Províncias Não existem
Regiões59 Não existem (embora tenham servido de referência para a desconcentração da
Educação enquanto existiram as Direções Regionais e, agora, as DS da DGEstE)
59 Circunscrição territorial que corresponde à estrutura territorial definida nos termos do Regulamento (CE) n.º 1059/2003 do
Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Maio de 2003, correspondente à Nomenclatura Comum das Unidades Territoriais
Estatísticas (NUTS), de nível II excluindo as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. A área geográfica de intervenção dos serviços
regionais pode ser temporariamente ajustada, através da reafectação de concelhos ou freguesias, por despacho do membro do
Governo responsável pela área da educação.
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76
ANEXO V
Características funcionais dos agrupamentos de escolas
Categorias Subcategorias Indicadores
1.1 Processo de
constituição
1.1.1 Problemas
Natureza do processo.
Justificações para os problemas:
Alteração de práticas e rotinas
Presença de culturas organizacionais diferentes
Desconfiança e resistência às mudanças.
1.1.2 Situações pendentes
Características da fase transitória.
Coexistência de órgãos (CP, CD)
Inexistência de Projeto Educativo de Agrupamento
1.2 Configuração
atual
1.2.1 Vantagens
Redefinição de áreas de influência.
Maiores recursos.
Gestão integrada.
1.2.2 Inconvenientes
Dispersão de equipamentos.
Mobilidade docente intra-agrupamento.
Escala dos problemas
Distanciamento nas relações interpessoais e de gestão
1.2.3. Novos problemas e
novas soluções
Heterogeneidade na procura e na população discente.
Articulação e coordenação curricular horizontal e vertical.
Controlo social.
Controlo das tutelas.
2.1 Organização
interna geral
2.1.1 Funcionamento dos
órgãos
Liderança de topo (direcção).
Conselho Geral.
Conselho Pedagógico.
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77
Coordenações e lideranças intermédias.
2.1.2 Problemas
decorrentes da
macroestrutura
Sinais do tipo de gestão.
Articulação entre unidades.
Comunicação e informação internas.
Avaliação do funcionamento.
2.1.3 Exercício da
autonomia relativa
Medidas de autonomia relativa.
Posição face ao contrato de autonomia.
Macroprojectos (Teip, etc.).
2.2 Organização e
funcionamento
pedagógico
2.2.1 Prioridades
educativas e pedagógicas
Articulação curricular vertical.
Reorganização da oferta curricular conjunta e de cada unidade.
Projecto Educativo comum.
Nova cultura de agrupamento
2.2.2 Cumprimento da
escolaridade obrigatória
Coordenação inter-unidades.
Diversificação da oferta
Combate ao insucesso (estratégias de aula diferentes).
Posição face às metas, programas, exames, transições).
Autoridade e disciplina
Influência na procura.
2.2.3. Projectos próprios Prosseguimento de estudos.
Empregabilidade.
Educação para a cidadania.
Integração das NEE’s.
2.3 Resultados
escolares e
educativos
2.3.1 Avaliação interna e
auto-avaliação
Taxas de sucesso/insucesso.
Abandono e saídas precoces.
Grau de satisfação de alunos, pais e professores.
2.3.2 Avaliação externa e
rankings
Exames externos.
Prestação de contas.
Efeitos dos rankings
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78
3.1 Problemas atuais
da administração
nos mega-
agrupamentos
3.1.1
Mudanças na gestão
financeira
.Alteração no financiamento (transferências do OE,
financiamento externos).
.Equivalente financeiro.
.Financiamento por objetivos.
.Privatização (outsorcing) de serviços internos.
.Parcerias de financiamento parcial de atividades.
3.1.2
Tomada de decisões
internas
.Validação de critérios (interna e externa).
.Critérios para a concessão de créditos horários.
.Racionalização de recursos humanos (contratação de pessoal
docente e não docente).
.Concorrência entre agrupamentos (mercado).
3.1.3
Controlo externo
.Meios e os métodos de controlo externo.
.As plataformas informáticas externas e obrigatórias.
.Controlo informático interno, equipamento, gestão e
manutenção.
.As atuais relações com as administrações central e local.
3.2 Posição sobre as
perspetivas de
evolução da
administração
escolar
3.2.1 Profissionalização e
privatização da gestão
escolar
.Profissionalização da gestão escolar.
.Privatização da gestão escolar.
.Mercado educativo.
.Vouchers e escolha da oferta.
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79
*REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Capítulo III.4
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Capítulo IV.1
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80
Capítulo IV.2
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81
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