UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Cristiane Iara Batista dos Santos
NEOLIBERALISMO E REESTRUTURAO PRODUTIVA: as transformaes do mundo do trabalho
Rio de Janeiro 2008
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Cristiane Iara Batista dos Santos
NEOLIBERALISMO E REESTRUTURAO PRODUTIVA: as transformaes do mundo do trabalho
Trabalho de Concluso de Curso apresentado Escola de Servio Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de bacharel em Servio Social.
Orientadora: Professora Dra. Janete Luzia Leite
RIO DE JANEIRO 2008
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DEDICATRIA
Aos meus pais,
ao meu esposo e
ao meu pequeno Gabriel.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por me conceder a graa de cursar um ensino superior em uma universidade to
conceituada;
Aos meus amados pais que sempre estiveram presentes, me apoiando nos momentos mais difceis.
Sem a ajuda de vocs eu no teria conseguido concluir essa etapa da vida;
Ao meu esposo Marcelo e meu pequeno Gabriel, pela compreenso das ausncias e pelo carinho
durante a elaborao deste trabalho;
A minha tia socorro pela disponibilidade, disposio e por sempre ser to prestativa em ajudar minha
me a tomar conta do Bi enquanto eu me dedicava a elaborao deste trabalho;
Aos professores, que atenderam prontamente ao convite de participar da banca examinadora deste
trabalho e que sempre demonstrou dedicao e pacincia ao ministrarem suas aulas.
minha professora orientadora Janete, pela sensibilidade, compreenso e apoio nos momentos
certos.
A todos vocs, o meu muito obrigada!
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Mas no fim do relato preciso dizer que esse morto no teve tempo de viver.
Na verdade vendeu-se no como Fausto, ao Co: vendeu sua vida a seus irmos
Na verdade vendeu-a, no como Fausto, a prazo: vendeu-a a vista ou melhor, deu-a adiantado. Na verdade vendeu-a no como Fausto, caro:
vendeu-a barato e mais, no lhe pagaram. Ferreira Gullar
Notcia da morte de Alberto Silva
RESUMO
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SANTOS, Cristiane Iara Batista. Neoliberalismo e Reestruturao Produtiva: as transformaes do mundo do trabalho. Rio de Janeiro, 2008. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Servio Social) - Escola de Servio Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Este estudo trata do tema do neoliberalismo e reestruturao produtiva: as
transformaes no mundo do trabalho. Parte da hiptese central que o avano das
idias neoliberais responsvel pelas mudanas e alteraes que tm ocorrido no
interior do mundo do trabalho, entre elas a informalidade, a precarizao e a
terceirizao. Para tanto, utilizou-se de anlise bibliogrfica de autores da teoria
crtica a respeito do tema, como Elaine Behring, Ivanete Boschetti, Ricardo Antunes
e Giovanni Alves. Complementou-se o estudo terico com pesquisas sobre o tema
disponibilizadas nos stios oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
(IBGE) e o Radar Social do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA). A
metodologia utilizada foi baseada na teoria social de Marx, o materialismo-crtico-
dialtico. Em sua teoria, Marx situa e analisa os fenmenos sociais em seu
complexo e contraditrio processo de produo e reproduo. Desta forma,
objetivou-se, com este estudo, avaliar o carter e as tendncias da ao do Estado
e identificar os interesses que se beneficiam de suas aes e decises; identificar as
foras polticas que se organizam na sociedade civil; analisar os principais fatos
histricos que contriburam para a expanso do iderio neoliberal, sua conseqncia
para a classe que vive do trabalho e analisar a questo do pssimo desempenho do
mercado de trabalho no Brasil. notadamente no governo de Collor que o projeto
neoliberal avana no pas e o processo de reestruturao produtiva ganha flego. O
governo de Fernando Henrique Cardoso aprofunda as idias de seu antecessor,
impulsiona a adoo da automao microeletrnica nas indstrias e opera no
sentido de desregulamentar o mercado de trabalho. As reformas adotadas em seu
governo tiveram o desemprego, e o trabalho precrio como algumas das
conseqncias sociais. O governo de Luiz Incio Lula da Silva, apesar das
expectativas em relao poltica a ser adotada em seu governo em seu primeiro
mandato (perodo analisado neste estudo), mantm a poltica macroeconmica de
FHC. Aprofunda o seu programa neoliberal e atua de maneira ainda mais
conservadora.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Social
BNH Banco Nacional de Habitao
CCQ Crculo de Controle de Qualidade
DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Scio-Econmicos
FHC Fernando Henrique Cardoso
FMI Fundo Monetrio Internacional
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IPEA Instituto de Pesquisas e Estatsticas Aplicadas
OCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico
ONG Organizao No-Governamental
PACTI Programa de Apoio Capacitao Tecnolgica da Industria
PCI Programa de Competitividade Industrial
PLR Participao nos Lucros ou Resultados
PT Partido dos Trabalhadores
SINPAS Sistema Nacional de Assistncia e Previdncia Nacional
LISTA DE TABELAS
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Tabela 1. Taxa de crescimento econmico anual, durante o perodo compreendido entre1960 - 1993 (TX de crescimento PIB) 26 Tabela 2. Taxa de desemprego e taxa de criao de emprego durante o perodo de 1974 1988 26
Tabela 3. Emprego formal durante o perodo compreendido entre 1994 e 1999. (% de trabalhadores com carteira assinada nas principais regies metropolitanas) 45
Tabela 4. Mudanas na Composio do Mercado de Trabalho compreendida entre o perodo de 2001 a 2004 51 Tabela 5. Taxa de Desemprego por UF: Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios compreendida entre o perodo de 2001 a 2004 52
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AUTORIZAO
CRISTIANE IARA BATISTA DOS SANTOS, DRE 101.129.230, AUTORIZO a
Escola de Servio Social da UFRJ a divulgar total ou parcialmente o presente
Trabalho de Concluso de Curso atravs de meios eletrnicos e em consonncia
com a orientao geral do SiBI.
Rio de Janeiro, 26 agosto de 2008.
Assinatura
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SUMRIO
INTRODUO 19
1. O CENRIO POLTICO-ECONMICO DO SCULO XX 21
1.1 As caractersticas do modelo fordista-keynesiano 21
1.2 Ascenso e crise do Welfare State 27
2. INTRODUO AO NEOLIBERALISMO 33
2.1 O surgimento das idias neoliberais 33
2.2 Ante-sala do neoliberalismo 36
2.3 Neoliberalismo brasileiro 39
3. MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO 45
3.1 As caractersticas do toyotismo e da reestruturao produtiva no Brasil 46
3.2 Desemprego 55
CONCLUSO 62
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 64
INTRODUO
Este Trabalho de Concluso de Curso de Graduao em Servio Social um
estudo sobre a lgica neoliberal (suas idias, caractersticas e seu avano pelo
mundo) e as mudanas pelas quais tem passado o mercado de trabalho brasileiro
nas trs ltimas dcadas.
O interesse pelo tema surgiu ao decorrer das descobertas nas aulas de
Servio Social, nas quais se aprende que o profissional de Servio Social deve
conhecer a realidade conjuntural e saber analis-la. S assim, possvel atuar de
forma mais eficaz nas expresses da questo social, pois elas so o objeto de
trabalho do profissional. Pesquisar e conhecer a realidade conhecer o prprio
objeto de trabalho, junto ao qual se pretende induzir ou impulsionar um processo de
mudanas (IAMAMOTO, 2003). Este estudo parte do pressuposto de que o neoliberalismo tem aprofundado as desigualdades sociais e que suas prticas tm sido responsveis pelas transformaes do mundo do trabalho. A terceirizao, a informalidade e a precarizao so expresses destas alteraes, que tm trazido graves conseqncias sociais. Tais processos sociais vm alterando os modos de vida de vrios segmentos da populao. Tem-se uma massa de trabalhadores que representa o enorme crescimento da populao sobrante, os excludos do processo produtivo. So estabelecidas novas exigncias de qualificao, ao mesmo tempo em que se reduz a demanda por trabalhadores. Isto estimula a precarizao. Este fenmeno consiste, na transformao de atividades produtivas do mbito das grandes empresas para firmas de pequeno e mdio porte, que operam como empreiteiras, poupando, ao grande capital, nus vinculados aos direitos sociais dos trabalhadores (IAMAMOTO, 2003 p.158). Isto mostra uma particularidade muito especial na formao do mercado nacional de trabalho no pas: a convivncia de formas histricas de trabalhos distintas, onde h relao de forma assalariada e aquelas marcadas pela subordinao pessoal, que caracteriza a informalidade do mercado de trabalho.
Compreendendo que as teorias so explicaes da realidade, a metodologia
utilizada para a construo do texto baseada na Teoria Social de Marx, o
materialismo-crtico-dialtico, que analisa a relao complexa e contraditria entre
capital e trabalho. O estudo terico foi complementado com pesquisas elaboradas
por institutos oficiais, como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e
Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) que sero apresentadas ao longo
do texto.
Os objetivos propostos neste estudo foram:
- Avaliar o carter e as tendncias da ao do Estado;
- Identificar os interesses que se beneficiam de suas aes e decises;
- Identificar as foras polticas que se organizam na sociedade civil brasileira
durante os ltimos trinta anos;
- Analisar os principais acontecimentos histricos que contriburam para a
expanso das idias neoliberais, sua conseqncia para a classe que vive do
trabalho;
- Analisar os governos FHC e o primeiro mandato do governo de Lula.
A estrutura do trabalho dividida em trs captulos. O primeiro aborda o
cenrio do sculo XX; as caractersticas do modelo fordista; as idias de Keynes e a
associao do fordismo com o keynesianismo; o esgotamento deste modelo; aborda
tambm o desenvolvimento das polticas sociais e sua idade de ouro; os princpios
que estruturam o Welfare State. No caso do Brasil, explicado que no houve a
implementao de um Estado de Bem-Estar Social, e aponta que a criao dos
direitos sociais no Brasil resultado da luta de classes e expressa a correlao de
foras dominantes.
O segundo captulo aborda o surgimento, as caractersticas e no que a crise
de 1973 colaborou para o avano do neoliberalismo no mundo. Resgata a histria do
Brasil desde o final de 1960 at o governo Lula. A partir da dcada de 90 tem-se
uma sociedade fragmentada, com uma distinta conformao das classes sociais,
uma ampliao significativa da populao excedente, alijada do mercado formal de
trabalho. A orientao poltica e econmica defendida pelo governo Collor germinou
a concepo de raiz neoliberal no Brasil. a partir do governo de FHC que percebe-
se um aprofundamento das prticas neoliberais. Surge um novo ciclo de
crescimento do capitalismo no Brasil, impulsionado pelo Plano Real. O mundo do
trabalho no Brasil tendeu a ser (re)constitudo, com o crescente desemprego
estrutural e a precarizao de emprego e salrio. A poltica adotada no primeiro
mandato do governo Lula, contrariou as expectativas do setor de centro-esquerda do
Pas. Sua poltica macroeconmica aprofunda as prticas neoliberais de seu
antecessor. O ltimo captulo mostra as diferenas do fordismo e do toyotismo e como ocorreu o processo de reestruturao produtiva no Brasil; aponta as principais determinaes da reestruturao produtiva nos anos 80 e 90, indicando que o pssimo desempenho do mercado de trabalho brasileiro (concluso baseada em anlise de pesquisas realizadas por Institutos oficiais do governo brasileiro) no se deve apenas s determinaes estruturais, mas a determinaes conjunturais.
1. O CENRIO POLTICO-ECONMICO DO SCULO XX
Para compreendermos como se deu o desenvolvimento do complexo processo de mudanas na reestruturao produtiva no Brasil e no mundo, este estudo iniciar a partir do surgimento do modelo fordista, indicando suas caractersticas bsicas e pontuando os traos mais evidentes da crise deste modelo.
1.1 As caractersticas do modelo fordista-keynesiano
O modelo fordista foi criado por Henry Ford, em meados de 1913, baseado
em mtodos tayloristas1. Visava ampla produtividade, ou seja, produo em massa
atravs da linha de montagem, evitando desperdcios e retirando do trabalhador a
deciso de como fazer determinada tarefa. Em 1914, Ford introduziu a jornada de
trabalho de oito horas, o que preconizava um brutal aumento da produtividade do
trabalho a partir da decomposio do processo de trabalho, tendo em vista o
controle do tempo e um conjunto de estratgias de gesto (BEHRING e
BOSCHETTI, 2007).
Ford trazia como um novo elemento perspectiva de combinar produo em
massa com o consumo em massa, bem como uma nova poltica de controle e
gerncia do trabalho (...), em suma, um novo tipo de sociedade democrtica,
racionalizada, moderna e produtiva (HARVEY, 1993 apud BEHRING e
BOSCHETTI, 2007, p.87). Para Antunes (1997), o fordismo um processo de trabalho que, juntamente com o taylorismo, predominou na grande indstria capitalista ao longo do sculo XX. O fordismo exigia dos trabalhadores um esforo massante, rotineiro, exaustivo e alienado. A alienao se manifesta no prprio ato da produo. Essa atividade aparece como algo externo ao trabalhador, como algo que no se afirma, mas se nega a si mesmo; que o mortifica. Seu trabalho um trabalho forado, que:
no representa, portanto, a satisfao de uma necessidade, mas que simplesmente um meio para satisfazer necessidades estranhas a ele (...) a exterioridade do trabalho para o trabalhador se revela no fato de que no algo prprio seu, mas de outro, de que no lhe pertence e de que ele mesmo, no trabalho, no pertence a si mesmo, mas a outro. (MARX, 1975 apud MATOSO, 1995, p.65)
Basicamente as caractersticas do fordismo so:
- produo em massa;
- controle do tempo e
- fragmentao das funes.
A explorao, o trabalho setorizado em larga escala e a subalternidade
tambm so caractersticas que esto no pano de fundo do modelo de produo
fordista.
John Maynard Keynes (1883-1946), liberal heterodoxo, defendia uma maior
interveno estatal com a finalidade de reativar a produo. Para ele o Estado
deveria intervir na economia apenas do ponto de vista dos fundamentos
econmicos. Segundo suas idias, a sustentao pblica de um conjunto de
1 Taylor visando a produtividade das empresas, iniciou um movimento de racionalizao da produo. Idias bsicas: administrao cientifica, racionalizao da produo, estudo de tempos, diviso do trabalho, especializao e pagamento por peas.
medidas anticrise ou anticclicas, tinham como objetivo amortecer as crises cclicas,
ou seja, aquelas que tem longos ciclos de expanso e de depresso. As polticas
sociais se generalizaram nesse contexto, compondo a lista de medidas anticclicas. Keynes preocupava-se com sadas democrticas para a crise de superproduo de 1929. Essa foi a maior crise econmica mundial que o capitalismo sofreu durante a sua histria. Keynes propunha uma mudana da relao do Estado com o sistema produtivo. Rompia parcialmente com os princpios do liberalismo. Perseguia sadas do prprio capitalismo para a crise deste. Desta forma, ele defendia a liberdade individual e a economia de mercado. Segundo Keynes, a demanda efetiva aquela que reunia bens e servios para os quais h capacidade de pagamento. Quando no houvesse demanda efetiva suficiente, o Estado deveria intervir. Deste modo, cabia ao Estado, o papel de restabelecer o equilbrio econmico por meio de uma poltica fiscal, creditcia e de gastos para atuar nos perodos de depresso, como estmulo economia. Ele passava a ter um papel ativo na regulao e produo das relaes econmicas e sociais.
O perodo da grande depresso de 1929 foi uma expresso tpica e
paradigmtica da operao da lei do valor (BRAZ e NETTO, 2006). A crise precisa
ser entendida por dentro dos longos ciclos de expanso e depresso do capitalismo.
O perodo de expanso, segundo Mandel (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007),
percebido pelo crescimento da taxa da mais-valia2 e pela baixa dos preos das
matrias-primas. Deste modo, ocorre a reduo do exrcito industrial de reserva, e
h a tendncia de ampliar a resistncia do movimento operrio, baixando a taxa de
maisvalia. Assim, diminui os lucros extrados do diferencial de produtividade do
trabalho. As solues para a crise se deram no sentido da reativao do emprego e
do consumo, por isso a importncia do fundo pblico (BEHRING e BOSCHETTI,
2007).
Apesar da experincia de Ford se desenvolver nas primeiras dcadas do
sculo XX, seus mtodos s sero plenamente adotados no segundo ps-guerra
(1945). O esforo de guerra colaborou para disciplinar os trabalhadores nas novas
formas de organizao racional da produo, cujo objetivo final era diminuir a
porosidade de tempo no mbito da jornada de trabalho, otimizando o processo de
valorizao do capital.
2 O trabalhador vende a sua fora de trabalho pelo seu valor, mas o valor que a mesma produz maior do que o valor que contm: a diferena um valor a mais apropriado pelo capitalista gratuitamente, chamado por Marx de mais-valia (SANDRONI, 1999, p.65).
No perodo entre as duas grandes guerras, as condies gerais da luta de
classes tornavam muito difcil a disseminao do trabalho rotinizado, que enfrentou
fortes resistncias do movimento operrio, principalmente na Europa (BEHRING e
BOSCHETTI, 2007). Segundo Mandel (apud BEHRING E BOSCHETTI, 2007), eram
necessrias condies polticas e culturais para sustentar a onda longa expansiva
nesta fase do capitalismo maduro. Desta forma, surgiu necessidade de se ter um
modelo estatal que contribusse com esse modelo de produo no mundo
capitalista, na regulao das relaes econmicas e no mbito social, mediante a
implementao de polticas sociais. A partir deste momento, com o keynesianismo,
o Estado tornou-se produtor e regulador das relaes econmicas e sociais. A burguesia sabia que manter as altas taxas de lucro, fundadas na superexplorao dos trabalhadores durante um intervalo de tempo, pressupunha concesses e acordos. Observemos que os processos da burguesia e dos trabalhadores combinados geraram uma atitude mais imediatista e corporativista para os trabalhadores, que se contentaram com acordos coletivos em torno dos ganhos de produtividade e da expanso das polticas sociais atravs dos salrios indiretos, assegurados pelo fundo pblico.
No segundo ps-guerra surge o Estado keynesiano-fordista, ou seja, que
tinha como base o fordismo unido s idias do keynesianismo. Observa-se, neste
perodo, a emergncia de um Estado interventor, dirigido a um pblico consumidor
passivo e vido de consumo e que constituiu os pilares do processo de acumulao
acelerada do capital no ps-45. O fordismo agregou-se ao keynesianismo da produo em massa para o consumo de massa e dos acordos coletivos com os trabalhadores do setor monopolista em torno de ganhos de produtividade do trabalho. O fordismo, ento, foi bem mais do que uma mudana tcnica, com a introduo da linha de montagem e da eletricidade: foi tambm uma forma de regulao das relaes sociais em condies polticas determinadas (BEHRING e BOSCHETTI, 2007).
O Estado garantia o cumprimento dos acordos agindo como mediador, cuja
legitimao era assegurada, por um lado, mediante uma poltica de subsdios
acumulao de capital e, por outro, atravs de uma poltica de bemestar social,
fundada em medidas compensatrias: seguro desemprego, transporte subsidiado,
educao e sade gratuitas, entre outras coisas.
Houve, neste momento, uma melhoria nas condies de vida dos
trabalhadores fora da fbrica e a sensao de estabilidade no emprego. O
trabalhador passou a ter acesso ao consumo e ao lazer. A impresso era que se
poderia combinar acumulao e desigualdade (BEHRING e BOSCHETTI, 2007).
Para que o fordismo se impusesse e fosse disseminado, houve um grande
abalo nas relaes de classe. Desta forma, chega-se maturidade do
keynesianismo quando a mudana do papel do Estado se coloca no cenrio
econmico-poltico (HARVEY, 1993).
Em meados da dcada de 1960 e incio de 1970, configura-se a emergncia
de uma conjuntura de superao da era fordista. O modelo fordista d sinais de
esgotamento a partir da segunda dcada de 60, provocando transformaes na
organizao da produo e do trabalho. As taxas de crescimento econmico e a
capacidade do Estado de exercer suas funes mediadoras j no eram as
mesmas. Neste momento j era restrita a absoro das novas geraes no mercado
de trabalho, devido ao avano das tecnologias poupadoras de mo-de-obra. Isso
contrariava as expectativas do keynesianismo; as dvidas pblicas e privadas
aumentavam significativamente; a exploso da juventude (1968) que questionava a
ao dos diversos setores da sociedade, principalmente a burguesia, e a primeira
grande recesso catalisada pela crise do petrleo em 73, foram alguns dos
motivos desta crise (BEHRING e BOSCHETTI, 2007).
Para as elites poltico-econmicas, o responsvel pela crise era a atuao do
Estado mediador. Para essa camada, o Estado estava protegendo setores que no
revertiam diretamente em favor de seus interesses.
(...) o Estado capitalista tem de tentar desempenhar duas funes bsicas e muitas vezes contraditrias: acumulao e legitimao(...). Isto quer dizer que o Estado deve tentar manter, ou criar, as condies em que se faa possvel uma lucrativa acumulao de capital. Entretanto, o Estado tambm deve manter ou criar condies de harmonia social. Um estado capitalista que empregue abertamente sua fora de coao para ajudar uma classe a acumular capital custa de outras classes perde sua legitimidade e, portanto, abala a base de suas lealdades e apoios. Porm, um Estado que ignore a necessidade de assistir o processo de acumulao de capital arrisca-se a secar a fonte de seu prprio poder, a capacidade de produo de excedentes econmicos e os impostos arrecadados deste excedente (e de outras formas de capital) (OCONNOR, 1977 apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007).
A crise do capital, segundo o pensamento de Anderson (1995), est
associada reduo das taxas de lucro dos grandes capitalistas internacionais, a
reduo do consumo, dos nveis salariais e a queda dos gastos pblicos com
polticas sociais. Mandel (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), no final dos anos 60 j identificava alguns elementos em desenvolvimento na poca, tais como a extrao de mais-valia, mudana de funes desempenhadas pela fora de trabalho no processo de valorizao do capitalismo, a automao intensificava as contradies do mundo do capital, ou seja, a socializao crescente do trabalho agregada a reduo do emprego e a apropriao privada.
O que aconteceu, de fato, em meados dos anos 70, foi uma crise clssica
caracterizada pela superproduo. Segundo Antunes (1999) os traos mais
evidentes do esgotamento foram os seguintes:
- Queda na taxa de juros, causada pelo aumento do preo da fora-de-trabalho
e pela intensificao das lutas sociais;
- O padro de acumulao taylorista/fordista no mais respondia retrao do
consumo que se acentuava;
- Hipertrofia da esfera financeira;
- Concentrao de capitais entre as empresas monopolistas; - Crise do Welfare State que acarretou na crise fiscal do estado capitalista; - Aumento das privatizaes e tendncia a generalizar as desregulamentaes
e a flexibilizao do processo produtivo.
Para Mandel (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), a recesso de 1974
derrotou as crenas de que o intervencionismo keynesiano sempre controlaria as
crises do capital. O avano do processo de internacionalizao do capitalismo foi um
limitador da eficcia das medidas anticclicas do Estados Nacionais.
Mas a partir deste momento, houve uma dificuldade crescente do capitalismo
contemporneo de escapar entre recesso profunda ou inflao acentuadas
(BEHRING e BOSCHETTI, 2007). Em 1974/75 o que ocorreu foi uma crise clssica
de superproduo. O agravamento do problema do desemprego devido
introduo de tcnicas poupadoras de mo-de-obra, alta dos preos de matrias-
primas, a queda do volume do comrcio, do ponto de vista keynesiano todos esses
so elementos que esto na base da queda da demanda global.
Em 1980, surge uma nova crise recessiva desencadeada nos EUA. Mais
uma vez, foram adotadas sadas de cariz keynesianista. Alm disso, os mercados
de substituio (o Brasil entre eles) estavam endividados. Para retomar as taxas de
lucro nos anos 80, Mandel (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007) analisa os
esforos do capital que passaram por: eliminao, absoro ou reduo da atividade
de empresas menos rentveis; tcnicas de produo mais avanadas foram
introduzidas; aumento da produo de produtos com maior demanda e reduo da
produo de produtos em estagnao; racionalizao de custos; intensificao do
trabalho para aumentar de maneira mais durvel a taxa de mais-valia relativa; entre
outros.
Segundo Antunes (1999), a crise do fordismo exprimia uma crise estrutural do
capital. Esta crise trouxe, entre tantas conseqncias, um amplo processo de
reestruturao do capital que afetou seriamente o mundo do trabalho.
Como resposta e forma de enfrentamento perante aos movimentos de
organizao dos trabalhadores e a presso desta classe, como foi citado, as
polticas sociais se multiplicam lentamente ao longo do perodo depressivo e se
generalizam no incio do perodo da expanso ps Segunda Guerra (BEHRING e
BOSCHETTI, 2007, p.69), como veremos a seguir.
1.2 Ascenso e crise do Welfare State
A origem da poltica social comumente relacionada aos movimentos de
massa social-democratas e ao estabelecimento dos Estados-Nao na Europa
ocidental do final do sculo XIX, mas sua generalizao situa-se na passagem do
capitalismo concorrencial para o monopolista3, em especial na sua fase tardia, aps
a segunda guerra mundial (ps-1945) (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.47).
A classe trabalhadora reagia explorao. A luta de classes irrompe,
expondo a questo social: a luta dos trabalhadores com greves e manifestaes em
torno da jornada de trabalho. Os burgueses, para lidar com a presso dos
trabalhadores, adotam como estratgias desde a requisio da represso direta pelo
Estado, at concesses pontuais. O Estado reprimia os trabalhadores. As primeiras
expresses contundentes da questo social so, portanto, a luta em torno da
jornada de trabalho e as respostas das classes e do Estado (BEHRING e
BOSCHETTI, 2007, p.55).
O surgimento de programas sociais um desdobramento necessrio de
tendncias mais gerais postas em marcha pela industrializao. Foi gradual e
diferenciado entre os pases, dependendo dos movimentos de organizao e
3 Capitalismo monopolista faz parte do estgio mais avanado do capitalismo, refere-se a formao de monoplios.
presso da classe trabalhadora, do grau de desenvolvimento das foras produtivas e
das correlaes e composies de fora no mbito do Estado.
As polticas sociais so respostas s expresses multifacetadas da questo
social no capitalismo, oriundas da relao de explorao do capital sobre o
trabalho. O final do sculo XIX tido como o perodo em que o Estado capitalista
passa a assumir e a realizar aes sociais mais amplamente, de maneira planejada,
sistematizada e com carter de obrigatoriedade.
Para Pierson (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), alguns elementos
surgidos no final do sculo XIX ajudam a demarcar a origem das polticas sociais. O
primeiro foi a introduo de polticas sociais orientadas pela lgica do seguro social
na Alemanha, a partir de 1883. O segundo elemento que as polticas sociais
passam a ampliar a idia de cidadania e desfocalizar suas aes, antes voltadas
para a pobreza extrema.
Houve ainda, segundo o autor, uma mudana na relao do Estado com o
cidado:
- O interesse estatal passa a incorporar a preocupao com o atendimento s
necessidades sociais reivindicadas pelos trabalhadores, indo alm da
manuteno da ordem;
- Os seguros sociais passam a ser reconhecidos legalmente, como conjunto de
direitos e deveres;
- A concesso de proteo social pelo Estado passa a ser recurso para o
exerccio da cidadania, e deixa de ser barreira para a participao poltica;
- Com o crescimento do gasto social, ocorre um forte incremento de
investimento pblico nas polticas sociais.
O autor ainda, ao analisar a origem da interveno estatal nas polticas
sociais, reconhece que o desenvolvimento variado entre as naes dificulta o
estabelecimento de um padro nico.
muito comum encontrar na literatura sobre polticas sociais a utilizao do
termo Welfare State para designar genericamente os pases que implementaram
polticas sociais sob orientao fordista-keynesiana. importante reconhecer que o
termo Welfare State originrio na Inglaterra. Alguns pases, tais como a Frana -
Etat-Providence (Estado-Providncia) e a Alemanha - Sozialstaat (Estado Social)
no o definiram desta forma. Na Alemanha, a expresso foi utilizada para designar
o conjunto de polticas de proteo social que incluem os seguros sociais, mas no
se restringem a ele. Na Frana, o termo uma referncia representao de um
Estado providencial (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.98). Esping-Andersen (apud
BEHRING e BOSCHETI, 2007), classifica o Welfare State desses pases como
conservador e corporativista. A crise de 1929 marcou uma mudana importante no desenvolvimento das polticas sociais. Houve, no perodo entre as duas guerras, um momento de ampliao de instituies e prticas estatais intervencionistas. Atravs do chamado consenso do ps-guerra materializado pela assuno ao poder de partidos social democratas, permitiu-se o estabelecimento de uma aliana entre classes, que foi viabilizado devido ao abandono, por boa parte da classe trabalhadora, do projeto de socializao da economia. As alianas entre partidos asseguraram o estabelecimento de acordos e compromissos que permitiram a aprovao de diversas legislaes sociais e a expanso do chamado Welfare State (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.92).
Para Pierson (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), trs elementos marcam
esse perodo como a idade de ouro das polticas sociais:
- Crescimento do oramento social nos pases da Europa que integravam a
Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE);
- Crescimento de populao idosa nos pases capitalistas centrais;
- Crescimento seqencial de programas sociais no perodo (cobertura de
acidentes de trabalho, seguro-doena e invalidez, penses a idosos, seguro
desemprego e auxlio maternidade);
Para Mishra (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007) os princpios que
estruturam o Welfare State so:
- Responsabilidade estatal na manuteno das condies de vida dos
cidados, por meio de um conjunto de aes em trs direes: regulao da
economia de mercado a fim de manter elevado o nvel de emprego; prestao
pblica de servios sociais universais, como educao, segurana social,
assistncia mdica e habitao; e um conjunto de servios sociais pessoais;
- Universalidade dos servios sociais e
- Implantao de uma rede de segurana de servios de assistncia social.
Ainda segundo o autor, no so todas e quaisquer formas de polticas sociais
que podem ser designadas de Welfare State. A poltica social um conceito
genrico, enquanto o Estado-Providncia tem uma conotao histrica (ps-guerra)
e normativa especfica.
No Brasil, houve o que Oliveira (1998) denominou de Estado de Mal-Estar
Social, ou seja, no houve a implementao de um Estado de Bem-Estar Social que
garantisse o consumo em massa. Isto porque o Brasil tem como uma marca de
formao social a heteronomia e a dependncia. Esta caracterstica uma marca
estrutural do capitalismo brasileiro, e o processo de modernizao (conservadora)4
consolidando o capitalismo entre ns, tender a mant-la. O Estado brasileiro
nasceu sob o signo de forte ambigidade entre o liberalismo formal e o
patrimonialismo como forma de garantir os privilgios das classes dominantes.
A democracia no era uma condio geral da sociedade: estava aprisionada no mbito da sociedade civil, da qual faziam parte apenas as classes dominantes, as quais utilizavam o Estado nacional nascente para o patrocnio de seus interesses gerais (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.74).
Os anos de 1930 e 1943 podem ser caracterizados como os anos de introduo da poltica social no Brasil, segundo Draibe (1990). O surgimento das polticas sociais no Brasil no acompanhou o mesmo tempo histrico dos pases de capitalismo central, uma vez que no houve no perodo escravista uma radicalizao das lutas operrias. A criao dos direitos sociais no Brasil, segundo Behring e Boschetti (2007), resultado da luta de classes e expressa a correlao de foras dominantes.
interessante notar que a criao dos direitos sociais no Brasil resulta da luta de classes e expressa a correlao de foras predominante. Por um lado, os direitos sociais, sobretudo os trabalhistas e previdencirios, so pauta de reivindicao dos movimentos e manifestaes da classe trabalhadora. Por outro, representam a busca de legitimidade das classes dominantes em ambiente de restrio de direitos polticos e civis como
4 Referindo-se a dominao burguesa ps-64, Martins (1977, p.219) fala em coalizo internacional-modernizadora. a modernizao do pas com caractersticas conservadoras. No h ruptura com o conservador.
demonstra a expanso das polticas sociais no Brasil nos perodos de ditadura (1937-1945 e 1964-1984), que instituem como tutela e favor: nada mais simblico que a figura de Vargas como pai dos pobres, nos anos 1930 (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.78).
A Revoluo de 19305 ocorreu porque as oligarquias cafeeiras ficaram
vulnerveis econmica e politicamente devido crise de 1929/32. As oligarquias do
gado, acar entre outros, que estavam fora do poder poltico, se beneficiavam com
a paralisia do mercado mundial e aproveitaram para mudar a correlao de foras e
diversificar a economia do Brasil. Desta forma, outras oligarquias chegam ao poder
poltico.
Getlio Vargas esteve frente de uma ampla coalizo de foras em 30, que
impulsionou profundas mudanas no Estado e na sociedade brasileira. Nos
primeiros sete anos ocorreu uma grande disputa de hegemonia e direo do
processo de modernizao. A partir de 1937, instaura-se a ditadura do Estado
Novo, liderada por Vargas.
Durante seu governo, Vargas regulamentou as relaes de trabalho no pas
com fim de transformar a luta de classes em colaborao de classes. Regulou os
acidentes de trabalho, aposentadoria e penses, auxlios-doena, maternidade e
famlia. Criou o Ministrio do Trabalho (MTE), Ministrio da Educao e Sade
Pblica, a Legio Brasileira de Assistncia (LBA) entre outros. Com o suicdio de Vargas, abriu-se um novo perodo no Brasil, de intensas turbulncias econmicas, polticas e sociais. O Brasil tornou-se mais urbanizado e com movimento operrio e popular mais amadurecido e concentrado. O perodo de 46-64 foi marcado por uma expressiva disputa de projetos e pela intensificao da luta de classes. A burguesia do Brasil estava muito fragmentada e dividida entre partidos, cada um com seu projeto desenvolvimento. A partir de 1945, surge um novo perodo no pas, o primeiro surto de reestruturao produtiva6 no Brasil, vinculado instaurao da grande indstria de perfil taylorista-fordista (ALVES, 2000).
O Plano de Metas do governo Kubitschek, que se propunha a fazer o pas
avanar 50 anos em 5, teve como meta uma estratgia de substituio de
importaes, ou seja, passar a produzir internamente aquilo que era importado,
5 Alguns autores, como exemplo Boris Fausto (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), questionam a idia de revoluo, pois no houve ruptura total da oligarquia cafeeira. 6 Para Alves (2000), o principal elemento que caracteriza o processo de reestruturao produtiva o seu potencial destrutivo sobre a classe trabalhadora, configurando um novo e precrio mundo do trabalho que ser abordado no captulo 3.
abrindo, desta forma, o mercado de trabalho e os meios de produo e consumo.
Assim, a economia brasileira acirrava a luta de classes e consequentemente gerava
mais organizao poltica e conscincia de classe.
O golpe militar de 1964 instaurou uma ditadura e impulsionou um novo
momento na modernizao com caractersticas conservadoras no Brasil. Esses
anos foram marcados pela expanso em marcha lenta e seletiva das polticas
sociais devido disputa de projetos polticos, e por isso os direitos se mantiveram no
formato corporativista e fragmentado da era Vargas (BEHRING E BOSCHETTI,
2007). Esse perodo de ditadura durou 20 anos e impulsionou um novo momento de
modernizao conservadora no Brasil.
Para Faleiros (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), o bloco militar-
tecnocrticoempresarial buscou, no contexto de perda das liberdades democrticas
de censura, priso e tortura para as vozes dissonantes, a adeso e legitimidade por
meio da expanso e modernizao de polticas sociais.
Durante o perodo de 1945 a 1970, devido ao grande crescimento da
economia, no houve possibilidade de expandir as idias neoliberais7. Contudo, a
recesso de 1973, abriu caminho para que os neoliberais avanassem. As medidas
implementadas tiveram efeitos destrutivos para as condies de vida dos
trabalhadores, pois houve retrao do mercado de trabalho, reduo dos salrios,
aumento do desemprego e reduo de gastos com as polticas sociais. O Brasil,
como a maioria dos pases ampliou a arrecadao de impostos, o que penalizou os
trabalhadores mais pobres e agravou as desigualdades. A reduo dos gastos
pblicos implicou tambm na reduo dos gastos com o sistema de proteo social.
7 Este assunto ser abordado no Captulo 2.
2. INTRODUO AO NEOLIBERALISMO
Para compreendermos como se deu a implantao do projeto neoliberal no
Brasil, devemos entender como surgiram essas idias e o que estava acontecendo
naquele momento no Brasil e no mundo. Tal como j foi abordado no captulo
anterior, o Estado foi um mediador ativo na regulao das relaes capitalistas em
sua fase monopolista. O perodo compreendido aps 1970 marca o avano das
idias neoliberais, que ganham terreno a partir da crise de superproduo de 1973.
2.1 O surgimento das idias neoliberais
Segundo Anderson (1995), o neoliberalismo surgiu logo aps a Segunda
Guerra Mundial, como uma reao terica e poltica ao Estado intervencionista e de
Bem-Estar. um movimento ideolgico, um corpo de doutrina coerente,
autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo mundo sua
imagem. Hayek (apud ANDERSON, 1995), deixa claro que contra qualquer
limitao dos mecanismos de mercado por parte do Estado8. Tinha como objetivo
combater o keynesianismo e o solidarismo da poca e preparar terreno para um
outro tipo de capitalismo, isento de regras e duro. Hayek e seus companheiros
argumentavam que a desigualdade era um valor positivo. As idias de Hayek
ganharam terreno com a grande crise de 73, quando o mundo capitalista avanado
caiu em uma profunda recesso. O remdio era ter um Estado forte em sua
capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco,
em todos os gastos sociais e nas intervenes econmicas (ANDERSON, 1995,
p.11). Assim, uma saudvel desigualdade voltaria a dinamizar as economias
avanadas. Segundo as idias de Hayek, o crescimento retornaria quando a
estabilidade monetria e os incentivos essenciais fossem restitudos.
Segundo Anderson (1995), a hegemonia do neoliberalismo no se realizou
to rapidamente. Levou cerca de uma dcada para que seus princpios fossem
assumidos nos programas governamentais em vrios pases da Europa e nos
Estados Unidos.
8 O poder excessivo dos sindicatos e dos movimentos operrios eram os responsveis por corroerem as bases de acumulao capitalista, destruindo os nveis de lucro das empresas (HAYEK,1944 apud ANDERSON, 1995, p.10).
Em 1979, na Inglaterra, surgiu a oportunidade com o governo Thatcher. A Inglaterra teve o modelo pioneiro e mais puro, caracterizado pelas taxas de juros elevadas, diminuio dos impostos sobre os altos rendimentos, alto nvel de desemprego, enfraquecimento de greves, aprovao de legislao anti-sindical e realizao de cortes sociais. Alm disso, os ingleses lanaram-se num grande programa de privatizao. A sociedade inglesa alterou-se profundamente. Houve retrao do setor industrial e expanso do setor de servios privados.
Em 1980, com Reagan na presidncia dos EUA, no implantou um Welfare
desenvolvido. Foi priorizado mais competio militar com a Unio Sovitica, como
estratgia para quebrar a economia deste pas. Reagan tambm elevou as taxas
de juros, reduziu impostos a favor dos ricos e aplastrou uma greve, mas devido
corrida armamentista, criou um dficit pblico. O elevado investimento em gastos
militares e a reduo de gastos sociais no perodo de 81-84 levaram Navarro (apud
BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.127) a caracterizar esse perodo como Welfare e
keynesianismo militarista na era Reagan.
Na Europa, de acordo com Anderson (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007),
nos pases do norte, tais como a Alemanha e a Dinamarca, a implantao do
neoliberalismo foi mais cautelosa. Enfatizaram a disciplina oramentria e as
reformas fiscais. No sul da Europa, os candidatos de esquerda foram eleitos e
mantiveram uma poltica de deflao, pleno emprego e proteo social que
contrastaram com outros pases da linha reacionria, tais como os governos de
Reagan, Thatcher e Khol. Porm, este projeto fracassou e, desde meados dos anos
80, esses pases adotaram polticas neoliberais. A hegemonia neoliberal de 1980 nos pases centrais no foi capaz de resolver a crise do capitalismo. As medidas tomadas tiveram efeitos destrutivos para os trabalhadores, prejudicaram as condies de vida da classe operria, que se via desempregadas e com salrios baixos devido ao grande exrcito industrial de reserva. As polticas neoliberais no foram capazes de gerar crescimento econmico, apesar de provocar o aumento de lucro do empresariado. Isto se deu porque houve uma reduo dos salrios e queda dos ndices do emprego (Tabelas 1 e 2).
Tabela 1
Taxa de crescimento econmico anual, durante o perodo compreendido entre 1960 - 1993 (TX de crescimento PIB)
1960-1973 1973-1979 1979-1982 1982-1990 1990-1993
EUA 4,0 2,4 -0,1 3,6 1,2
Europa 4,8 2,6 0,9 2,7 0,6 Japo 9,6 3,6 3,7 4,5 2,1 OCDE 4,9 2,7 0,8 3,5 1,1
NAVARRO, 1998 apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.128.
Tabela 2
Taxa de desemprego e taxa de criao de emprego durante o perodo de 1974 1988 (%)
Desemprego Criao de empregos por ano (% sobre a populao)
1974-1979 1980-1990 1973-1979 1979-1988 OCDE 4,2 7,4 -0,1 -0,1
Unio Europia 4,4 7,9 -0,5 -0,6 EUA 6,7 7,2 0,9 0,7
Japo 1,9 2,5 0,1 0,2 NAVARRO, 1998 apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.129.
O neoliberalismo trouxe a reduo dos postos de trabalho e a desacelerao
na criao dos novos empregos como conseqncia da reestruturao produtiva.
Houve tambm a reduo dos gastos pblicos e dos gastos com os sistemas de
proteo social; as desigualdades sociais resultantes do aumento do ndice do
desemprego foram agudizadas.
Caractersticas do neoliberalismo:
- Para os neoliberais, cada indivduo deve buscar o seu bem-estar e o de sua
famlia, no sendo responsabilidade do Estado garantir bens e servios
pblicos para todos;
- Valorizam a competitividade entre os indivduos, o que representaria uma
forma de autonomia;
- Naturalizam a pobreza extrema, que compreendida como resultado da
moral humana, uma vez que o ser humano no perfeito;
- Consideram que as necessidades bsicas no devem ser totalmente
satisfeitas, pois sua permanncia um instrumento eficaz de controle do
crescimento populacional;
- O Estado deve intervir apenas para regular as relaes sociais para garantir a
liberdade individual e assegurar o livre mercado;
- O Estado no deve garantir as polticas sociais, pois estas seriam apenas
medidas paliativas para pessoas que no tm condies de competir no
mercado de trabalho, tal como, idosos, deficientes e crianas, pois os auxlios
sociais geram acomodao e desinteresse pelo trabalho.
Observemos como se deu o processo de implantao das idias neoliberais
no Brasil, tomando como referncia o final dos anos 60.
2.2 Ante-sala do neoliberalismo
Para entendermos como se deu o processo de avano das idias neoliberais,
devemos observar o que Behring e Boschetti (2007) chamam de aparente falta de
sincronia entre o tempo histrico do Brasil e os dos processos internacionais. No
final dos anos 60, o Brasil vivia o chamado milagre brasileiro, momento no qual
houve um intenso salto econmico, uma ampliao do mercado interno e uma
expanso da cobertura da poltica social brasileira de uma forma conservadora, ou
seja, expanso dos direitos sociais em meio restrio dos direitos civis e polticos.
Nesse perodo, o Brasil atraiu o capital estrangeiro, que percebeu a liquidez de
capitais no contexto da crise pela qual o mundo passava, processo conhecido como
substituio de importaes. A economia voltou a crescer nos ltimos anos da
dcada de 60, mantendo um padro que se consolidava com baixos salrios e sem
distribuio de renda.
O perodo da ditadura militar foi compreendido entre os anos de 1964 at
1985. caracterizado como uma escolha dos setores burgueses para viabilizarem a
modernizao conservadora no pas, com uma aliana entre a burguesia nacional,
o Estado e o capital internacional. Esta forma de governo possibilitou uma grande
abertura para o capital internacional no Brasil. Para Netto (1991), a modernizao
conservadora foi reeditada pela ditadura militar como via de aprofundamento das
relaes sociais capitalistas no Brasil, agora de natureza claramente monopolista.
A poltica implementada no Brasil neste perodo sintonizada com os
interesses dos pases imperialistas, o que provocou um drstico endividamento
nacional perante os organismos internacionais e que trouxe srias repercusses
para os trabalhadores.
A criao do Sistema Nacional de Assistncia e Previdncia Social (SINPAS),
em 1974, imps uma forte medicalizao da sade no tratamento curativo, individual
e especializado, em detrimento da sade pblica. Alm disso, a ditadura
impulsionou uma poltica nacional de habitao, com a criao do Banco Nacional
de Habitao (BNH), uma estratgia de alavancar a economia atravs da construo
civil e na construo de moradias populares.
Em 74, percebe-se sinais de esgotamento do projeto modernizador-
conservador do regime militar, restringindo o fluxo de capitais. Os anos seguintes
foram marcados pela abertura lenta e gradual deste regime, num processo de
transio para a democracia que ir condicionar em muito a adeso brasileira s
orientaes conservadoras neoliberais, implicando no carter tardio da adeso do
Brasil ao neoliberalismo (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.138). Essa transio
democrtica foi fortemente controlada pelas elites, para evitar a constituio de uma
vontade popular radicalizada (SADER, 1990 apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007).
Na dcada de 80 - conhecida como a dcada perdida economicamente,
temos um aprofundamento das dificuldades de formulao de polticas econmicas.
Houve um estrangulamento da economia latino-americana. A dvida
concebida durante o perodo tecnocrtico com o FMI, fora socializada com a
populao. Foi imposto o discurso da necessidade de ajuste dos planos de
estabilizao em todos os pases latino-americanos. Houve uma espcie de
coordenao da reestruturao industrial e financeira nos pases centrais, cujo custo
foi pago duramente pela periferia.
Ao longo da referida dcada, o Estado optou por emitir ttulos da dvida
pblica, fazendo com que os juros aumentassem, a inflao subisse, a populao
empobrecesse, desemprego, informalidade da economia e prioridade de produo
para exportao e no para a necessidade interna do pas.
Nos anos 80, outro fator importante a ser comentado foi a grande arena de disputas e de esperana de mudanas para os trabalhadores brasileiros, na qual se transformou a Constituio de 88. A ao deste movimento operrio e popular pautou alguns pontos de grande relevncia na Constituinte: a reafirmao das liberdades democrticas e afirmao dos direitos sociais; reafirmao de uma vontade nacional e da soberania; direitos trabalhistas e reforma agrria.
Mas a Constituio manteve fortes traos conservadores, como a ausncia de
enfrentamento da militarizao do poder no Brasil. Segundo Nogueira (apud
BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.142) a carta de 1988 no se tornou a
Constituio ideal de nenhum grupo nacional. Expressou a tendncia societal de
entrar no futuro com os olhos no passado ou, mais ainda, de fazer histria de costas
para o futuro.
H uma grande efervescncia de movimentos sociais e mobilizao poltica
da sociedade brasileira, expressando toda a insatisfao com os resultados da
ditadura militar, e lutando pela redemocratizao. Com efeito, foi uma dcada muito
significativa do ponto de vista poltico. A participao dos movimentos sociais
contribuiu para a redemocratizao, e o regime militar, que j estava em crise desde
75, chega ao fim oficialmente em 1985.
Nos anos 80, a reconfigurao tanto do trabalho quanto do capital, expressam
a crise do ciclo autocrtico burgus no Brasil, e tambm a crise do capital mundial,
que j se prolongava desde 60 e 70. Neste perodo, a burguesia incorpora o
discurso neoliberal, critica o excesso de Estado e sua incapacidade administrativa e
defende a privatizao, processo acompanhado da difuso de uma cultura que
denigre o que pblico, segundo a qual a privatizao a nica alternativa para que
as empresas funcionem bem, com eficincia. Aposta-se nesta ideologia tambm
nos pases da Europa, objetivando desprestigiar os servios pblicos e valorizar os
privados (LESBAUPIN, 1999). Nos ltimos anos da ditadura e do governo Sarney, na chamada Nova Repblica, apesar dos anncios de priorizar a rea social, houve iniciativas pfias no enfrentamento das expresses da questo social. Neste perodo, mantm-se o carter compensatrio, seletivo, fragmentado e setorizado da poltica social brasileira, subsumida crise econmica, apesar do agravamento das expresses da questo social (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.144). Os trabalhadores protagonizaram uma srie de
reivindicaes com relao aos direitos sociais. Este
processo desencadeou na efetivao de uma srie de
direitos no Constituio Federal de 1988. Estas
conquistas estavam consolidadas na contramo da
tendncia internacional, ou seja, no momento de crise e
desmonte do Estado de Bem-Estar Social nos pases
que o implementaram. No Brasil, contudo, com a
Constituio Federal de 1988 que o pas mais se
aproxima das garantias e direitos assegurados pelo
Estado de Bem-Estar social, em termos legais. Com a
Constituio, criou-se, no Brasil, as bases jurdico-
instituicionais que permitiriam reduzir as dvidas sociais,
os nveis de explorao e dominao e aumentar direitos
sociais e trabalhistas (NETTO, 1992).
A Constituio de 88 foi produto de um pacto social entre diferentes setores da sociedade e diferentes partidos
polticos, ou seja, resultado de uma correlao de foras. Foi um processo duro e seu texto reflete a disputa por hegemonia. Como resultado de uma onda de contestaes ao regime militar, a realidade decorrente e luta pela instaurao da democracia, a Carta Magna previa a necessidade do controle democrtico, principalmente atravs do processo de descentralizao e criao de instncias de participao da sociedade civil, como os conselhos de direito. A Constituinte foi, portanto, um marco na histria brasileira, tendo em vista a intensa mobilizao popular que garantiu seu carter progressista em relao ao que existia anteriormente. Para SADER (1990), o Brasil se transformou em um elo explosivo do capitalismo latino-americano, em funo das enormes contradies econmicas das tutelas financeira e militar, e da constituio de sujeitos polticos dispostos a enfrent-las.
Entretanto, na realidade, no foram efetivados muitos dos direitos previstos
na Carta Magna, principalmente no que diz respeito garantia dos princpios de
igualdade, universalidade e justia social que orientam a concepo de poltica
social e direitos sociais na Constituio.
No que diz respeito esfera econmica, a dcada de 80 ir se caracterizar
pelo esgotamento do dinamismo da economia industrial brasileira e pela
desarticulao do padro de acumulao vigente desde meados de 50, sob o
impacto decisivo da emergncia de um novo padro produtivo em escala nacional.
(MATTOSO, 1995).
Nos anos 80, o Estado depara-se com o desequilbrio das finanas pblicas,
provocadas tambm pela necessidade de pagamento dos altos juros da dvida,
restringindo os investimentos produtivos. Ao final da dcada, com o enfraquecimento
do Estado, emerge um cenrio que favorece a implementao do neoliberalismo.
2.3 Neoliberalismo brasileiro
Em 1989, Collor sai vitorioso nas eleies e assume as polticas neoliberais9.
Os princpios da Constituio Federal so vistos como atraso perante a tendncia
9 O que podemos denominar poltica neoliberal um processo complexo de medidas de reforma da economia e do Estado capitalista no Brasil, capazes de propiciar uma transio nova hegemonia do capitalismo monopolista no pas, um novo padro de desenvolvimento capitalista no Brasil, vinculado
mundial. Desta forma, foi no governo Collor de Mello que se inseriu no pas o
projeto neoliberal, caracterizado pela abertura do mercado, diminuio das taxaes
de produtos importados, privatizaes de empresas estatais e extino da Legio
Brasileira de Assistncia. Articulado com a agenda neoliberal, implementa o Estado
parco de recursos para o social e mximo para o capital, com a interveno do
Estado para somente favorecer o capital.
No incio dos anos 90, percebia-se que o neoliberalismo j no era capaz de
impedir instabilidades crticas do capitalismo mundial. O neoliberalismo tendia a
agravar as crises devido ao aumento da desigualdade e da excluso social. No caso do Brasil, as polticas de estabilizao tiveram pouco sucesso e por isso a crise desencadeada no incio da dcada de 80 no foi revertida (BEHRING e BOSCHETTI, 2007). Essa dcada terminou com uma situao econmica prxima da hiperinflao. A dura pedagogia da inflao a qual se refere Oliveira (1998) foi o fermento para a possibilidade histrica da hegemonia neoliberal. Durante os anos 90, o pas estava paralisado pelo baixo nvel de investimento privado e pblico; sem soluo para o problema do endividamento e com uma questo social gravssima. Em suma, tinha-se um pas derrudo pela inflao.
A partir dos anos 90, a poltica neoliberal surge como tentativa de recuperar (e
promover) a reproduo interna do capital no pas. O Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), a partir de 1994, seguindo a mesma tendncia, consolida o projeto neoliberal no Brasil. A poltica econmica de corte neoliberal deste governo materializada pela fixao em realizar o ajuste fiscal com a reduo do Estado, a privatizao do patrimnio nacional, o corte de crdito e a elevao dos juros.
O Plano Real10, em princpio, produz uma estabilizao monetria e
sobrevalorizao do real que, somados abertura do mercado, provocam a queda
dos preos, ocasionando uma onda de consumo e legitimao a este governo.
Concorrendo com produtos importados, as indstrias nacionais sofrem grandes
dificuldades (LESBAUPIN, 1999).
Aps a crise do Mxico, em 1994, com a fuga de capitais do pas, o governo
reage com uma poltica de desvalorizao do real, arrocho de crdito e elevao da
taxa de juros, conseqentemente, a falta de investimento do capital produtivo
a um modo de insero dependente a economia brasileira em relao mundializao do capital (ALVES, 2000, p.114). 10 Plano de estabilizao da economia. Consistiu em uma cominao de abertura comercial e liberalizao financeira, simultneas ao estabelecimento de uma taxa de cmbio sobrevalorizada, utilizando o recurso s importaes baratas como elemento de fora contra eventuais presses
aprofunda a recesso no pas. Em 1997, com as repercusses das crises asitica e
russa, o governo repete a mesma poltica de 1995, e acelera as privatizaes para
dar garantias ao mercado financeiro, agravando ainda mais a recesso no pas.
As conseqncias deste governo so drsticas para a classe trabalhadora,
tais como o aumento das concentraes de renda e riqueza, o crescimento agudo
da desigualdade social, a produo de altos ndices de desemprego, e desmonte de
direitos sociais. A rea que mais sofreu as conseqncias da ao neoliberal do
governo FHC foi a rea social. No discurso, a reduo da presena do Estado na
economia se faria para benefici-la (LESBAUPIN e MINEIRO, 2002, p.39).
O governo FHC retira o Estado da rea social, sob a justificativa de que a
origem da crise est na interveno estatal, ou seja, de um excesso de gastos e de
um incompetente gerenciamento, buscando descaracterizar as polticas sociais e o
Estado. a cultura afinada com o neoliberalismo de que o pblico ruim, de m
qualidade, ou ainda, a generalizao de que o funcionrio pblico no gosta de
trabalhar e, ao contrrio, o privado bom, ou que as empresas privadas so muito
mais eficientes. Assim, as polticas sociais devem se inserir no campo privado, o
que favorece ao governo o desmonte das mesmas.
Desta forma, as polticas sociais passaram a ser orientadas pelo principio da
privatizao, focalizao e desconcentrao. Atravs da privatizao, possvel
reduzir o tamanho do Estado, tal como prega o neoliberalismo. Os programas e
polticas sociais passam a estar orientados por uma lgica mercantil. Consegue-se
privatizar vrios servios sociais, que passam a ser regulados pelo carter do valor,
pelo mercado. Para a populao que no pode comprar os servios no mercado,
so dedicadas polticas sociais pblicas (focalizadas), que so de baixa qualidade e
menor quantidade. A desconcentrao consiste na transferncia de
responsabilidade para a sociedade civil, sociedade civil (des)organizada11.
Diante destas consideraes, pode-se inferir que o governo FHC implementou
o projeto poltico-econmico do grande capital. Houve o agravamento de um quadro
critico que j existia e perpassa a formao scio-histrica do pas.
inflacionrias internas nos setores de bens comercializveis internacionalmente (LESBAUPIN e MINEIRO, 2002, p.13). 11 Conceito de sociedade civil organizada desvirtuado do conceito de Gramsci. Este entende sociedade civil como um momento da superestrutura, que faz parte de uma noo ampliada de Estado.
A era FHC foi marcada por uma avassaladora campanha de reformas. Suas
reformas12 foram orientadas pelo mercado, desmontando o Estado, com nfase nas
privatizaes e desprezando as conquistas de 88.
Vivenciamos, na dcada de 90, principalmente a partir da instituio do Plano
Real (94), um desmonte e a destruio numa espcie de formatao do Estado
brasileiro para a adaptao passiva lgica do capital. Houve uma abrangente
contra-reforma do Estado no pas.
As conseqncias sociais devido s reformas foram drsticas: desemprego,
trabalho precrio, e consequentemente, o aumento das desigualdades sociais.
Apesar de todos esses fatos, FHC conseguiu se manter no poder, com a
ajuda das elites, por dois mandatos consecutivos, ou seja, oito anos. Durante estes
oito anos, o Brasil teve apenas uma poltica, a de ajuste econmico, e esta se
caracterizou por oferecer o Brasil como um espao de valorizao ao capitalismo
financeiro nacional e internacional, multiplicando o lucro dos bancos e dos
aplicadores financeiros, com taxas de juros elevadas e sobreendividamento
(LESBAUPIN e MINEIRO, 2002). O Brasil ps-1995 tinha dados alarmantes: produo em ritmo lento, produo industrial em baixa, PIB em queda, aumento da dvida externa e aumento da dvida interna.
No perodo dos dois mandatos de Cardoso, foram contratados trs
emprstimos pelo governo junto ao Fundo Monetrio Internacional (FMI). O primeiro
em 1998, que adiou a desvalorizao do Real s vsperas da reeleio. O FMI
conseguiu estabelecer a Lei de Responsabilidade Fiscal, que era um instrumento de
forte monitoramento do Estado brasileiro. Este instrumento assegurava o
pagamento da dvida em detrimento dos servios pblicos. O outro emprstimo se
deu em setembro de 2001, como se fosse um seguro frente ao perigo de contgio
da crise da Argentina. Houve, na poca, um novo aprofundamento da dvida
brasileira e um corte no oramento que acarretou em uma situao dramtica dos
gastos sociais do Estado. Em setembro de 2002, o terceiro emprstimo foi
12 Embora o termo reforma tenha sido largamente utilizado pelo projeto em curso no pas nos anos 90 para se autodesignar, partimos da perspectiva de que se esteve diante de uma apropriao indbita e fortemente ideolgica da idia reformista, a qual destituda de seus contedo redistributivo de vis social-democrata, sendo submetida ao uso pragmtico, como se qualquer mudana significasse uma reforma, no implicando seu sentido, suas conseqncias sociais e sua direo scio-histrica. Portanto, o reformismo, mesmo que no concordemos com suas estratgias e que se possa e se deva critic-lo, um patrimnio da esquerda (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.149).
concedido pelo FMI. A negociao foi fechada meses antes da eleio presidencial,
em que Luiz Incio Lula da Silva foi eleito.
De acordo com Coggiola (2004), os Estados Unidos no desejavam que o
Brasil quebrasse, pondo em risco a implantao da rea de Livre Comrcio das
Amricas (ALCA), tampouco deixasse de cumprir o pagamento da dvida. Desta
forma, FHC imps o faco no oramento de Lula. Portanto no exagerado dizer
que o FMI estabeleceu de fato, as bases do programa de governo para os quatro
anos do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) (COGGIOLA, 2004, p.27).
Com a eleio de Lula (ano eleitoral 2002), os setores de centro-esquerda da
sociedade criaram vrias expectativas. Para a maioria dos autores de esquerda, o
Brasil entraria no perodo do fim do neoliberalismo (PETRAS, 2005). Pensavam que
seria instaurada uma fase de mudanas, visto que, naquele momento quem estava
no comando do governo era um ex-operrio, que sentiu na pele a superexplorao
de sua fora-de-trabalho. Alm disso, era um ex-sindicalista fervoroso e atuante.
Mas a grande transformao da maneira que a populao e os intelectuais
esperavam, no ocorreu. O que houve, de fato, foi a transformao do Partido dos
Trabalhadores em um partido governamental dos banqueiros e exportadores
(PETRAS, 2005), que afastou todos aqueles que no concordavam com seu modo
de pensar. A transformao pela qual o Brasil passou no primeiro mandato do
governo Lula realou o poder e os privilgios das classes dominantes.
O PT surgiu h mais de duas dcadas. Era um partido que se envolvia
diretamente nas lutas dos movimentos sociais. No ltimo quarto de sculo, houve
uma mudana qualitativa no interior do partido. Para Petras (2005) as mudanas
essenciais foram:
- Relao com os movimentos sociais e suas lutas;
- A estrutura interna do PT; - O programa e as alianas polticas; e - O estilo da liderana.
Com os anos, o setor eleitoral do PT ganhou o controle do partido e
lentamente foi redefinido o seu papel, desviando o seu interesse na luta social e
formando alianas com partidos burgueses. A segunda mudana referia-se a
composio interna do Partido e seus congressos. A grande maioria era composta
por diversos profissionais, tais como funcionrios pblicos, professores
universitrios, entre outros. Com a mudana de foco do Partido, os ativistas
voluntrios desapareceram.
O PT fez vrias alianas entre as classes, com grupos empresariais e partidos
burgueses. Seu programa de governo mudou radicalmente. No incio, o Partido
exigiu o repdio a dvida externa. Durante os preparativos para as eleies de 2002,
a retrica mudou. Passou a apoiar o pacto com o FMI, buscou alianas junto s
elites neoliberais da indstria e da agroexportao.
Em 2003, o governo abraou um programa neoliberal ortodoxo e continuou as
polticas implementadas no governo FHC.
Em seu primeiro mandato, Lula nomeou vrios milionrios neoliberais e
idelogos para integrarem a equipe econmica. Para o lado centro-esquerda do PT
restaram Ministrios sem muita projeo, basicamente impotentes, segundo Petras
(2005).
O governo Lula da Silva, no primeiro ano, alcanou vrias metas neoliberais:
o pagamento regular da dvida com o FMI; o risco Brasil foi reduzido, e com isso os
investidores estrangeiros estavam mais confiantes no pas; os spreads dos juros
diminuram, a estabilidade financeira foi instaurada. Alm disso, os programas
sociais focaram os benefcios exclusivamente nos mais pobres, tal como
recomendao do Banco Mundial (COGGIOLA, 2004, p.53). Ainda em seu primeiro
mandato, Lula reduziu o salrio mnimo devido inflao; transferiu diretamente do
oramento social aos donos dos ttulos da dvida pblica. Para o governo Lulal
(seu slogan nas eleies), os gastos como bem-estar, aumento do salrio mnimo,
os programas para a pobreza e a reforma agrria, desestabilizariam a economia, o
que acarretaria no agravamento das condies sociais do povo brasileiro.
O modelo neoliberal do governo de Luiz Incio teve um dos piores
desempenhos econmicos na histria moderna brasileira, e entre os piores de toda
Amrica Latina (PETRAS, 2005).
O desemprego alcanou nveis recordes. Houve aumento do setor informal,
ou seja, daqueles que no tm carteira de trabalho assinada. A poltica do governo
encorajou o mercado especulativo, em detrimento do produtivo, alm de aprofundar
as desigualdades scio-econmicas.
Este governo regulamentou uma srie de reformas regressivas. Estas incluem a legislao da previdncia, dos impostos e do trabalho, projetada para aumentar os lucros, concentrar o capital, diminuir o salrio e os
benefcios sociais, com a expectativa de aumentar as exportaes e atrair capital estrangeiro (PETRAS, 2005, p.43).
Houve uma grande mudana sim, boa para poucos que tiveram oportunidade
de enriquecer ainda mais. Pssimas para muitos, em termos de renda, emprego,
terra, proteo do meio ambiente e do patrimnio. Devemos ressaltar ainda a perda
poltica que o povo brasileiro teve quando o nico partido que realmente o
representava tornou-se um instrumento para os ricos e poderosos e o avano do
novo complexo de reestruturao produtiva que gerou uma crise no mundo do
trabalho no Brasil e no mundo, como estudaremos no captulo 3.
3. MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO Com a crise do capital das dcadas de 60/70 e a sua tentativa de superao,
ocorrem profundas transformaes no mundo do trabalho, como j apresentado na
primeira parte deste trabalho.
Surge com maior intensidade, neste perodo, um complexo de reestruturao
produtiva que envolve um sistema de inovaes tecnolgico-organizacionais no
campo da produo social capitalista - por exemplo, a robtica e a automao
microeletrnica.
3.1 As caractersticas do toyotismo e da reestruturao produtiva no Brasil
O toyotismo instaurado, originariamente, pela lgica do mercado restrito,
surgido sob a gide do capitalismo japons dos anos 50. Tornou-se adequado s
condies do capitalismo mundial dos anos 80, caracterizado por uma crise de
superproduo. Foi o desenvolvimento desta crise capitalista que constituiu os
novos padres de gesto da produo de mercadorias, tais como o toyotismo.
O toyotismo alcanou um poder ideolgico e estruturante e passou a
representar o momento predominante13.
De acordo com Alves (2000), o toyotismo difere do fordismo em alguns
pontos:
- uma produo muito vinculada a demanda, variada e hererognea,
contrrio homogeneidade fordista;
- Trabalho operrio em equipe, com multivariedade de funes; processo de
produo flexvel, possibilitando ao trabalhador executar suas tarefas em
diversas frentes;
- Aproveita melhor o tempo de produo;
- Estoques mnimos;
- Estrutura horizontalizada, ou seja, transfere para terceiros grande parte do
que era produzido dentro de seu espao produtivo;
- Controle de qualidade, no qual o trabalhador fiscaliza seu prprio trabalho.
A projeo universal do toyotismo, a partir da dcada de
80, estava vinculada ao sucesso da indstria
manufatureira japonesa. Vrias tcnicas foram
importadas do Japo durante os anos 70/80. Mas o
novo mtodo da gesto da produo assumiu valor
universal para o capitalismo, uma vez que atendia s
prprias exigncias do capitalismo mundial.
Segundo Alves (2000, p.32) consideramos toyotismo o que pode ser tomado
como a mais radical e interessante experincia de organizao social da produo
de mercadorias, sob a era da mundializao do capital. Ele articula, em seu
processo de instaurao, uma continuidade-descontnua com o taylorismo-fordismo.
Articula, tal como o taylorismo-fordismo, e rompe no interior de uma continuidade
plena. Explicando: a captura da subjetividade operria uma das pr-condies do
prprio desenvolvimento de uma nova materialidade do capital. As novas
tecnologias microeletrnicas na produo, capazes de promover um novo salto na
produtividade do trabalho, exigiriam, como pressuposto formal, o novo envolvimento
do trabalho vivo na produo capitalista. Apesar da intensificao do ritmo do trabalho, no toyotismo persiste uma ampliao do ciclo do trabalho em virtude da desespecializao. A desespecializao ou polivalncia operria - no quer dizer que eles tenham se convertido em operrios qualificados, mas representam o extremo da desqualificao, ou seja, seu trabalho foi despojado de qualquer contedo concreto (ALVES, 2000, p.35).
Segundo GORZ (apud ALVES, 2000), o homem j no transforma nem
conforma objetos materiais, mas sim vigia operaes em uma tela, programa-as e,
em caso de necessidade, repara ou ajusta as mquinas que efetuam o trabalho
manual.
O objetivo supremo desta gesto da produo continua sendo incrementar a
acumulao do capital. O toyotismo surge como a expresso maior da acumulao
flexvel no complexo de reestruturao produtiva, pois segundo Coriat (apud ALVES,
2000, p.46), a flexibilidade pensada e construda como alavanca e fator chave
determinante da produtividade.
Nexos contingentes do toyotismo:
- Princpio da autonomao e auto-ativao a juno das palavras autonomia e automao. Consiste em fazer com que as mquinas e os
modos de operao incluam protocolos de responsabilidade pela qualidade
dos produtos nos prprios postos de fabricao.
- Princpio do just in time princpio do estoque mnimo. Pode-se considerar o toyotismo um conjunto de tcnicas de gesto pelos estoques. Este torna-se
um instrumento quase metodolgico, um analisador das disfunes, e um
13 Expresso utilizada por Lukcs, aps Hegel, para caracterizar um dos elementos de um processo que constitui, dinamicamente, em determinao predominante do sentido e da direo do processo como tal (LUKCS, 1981 apud ALVES, 2005).
indicador das vias e dos pontos de aplicao do processo de racionalizao
do trabalho (CORIAT, 1994 apud ALVES, 2000, p.46).
No toyotismo muito importante observar, no campo da produo, o que
suprfluo, ou seja o que pode ser passvel de dispensa, todos os excessos
gordurosos (ALVES, 2005). A administrao pelos olhos um dos fundamentos
do esprito do toyotismo.
O sistema de bnus bianual funciona como um meio de ajustar o pagamento s condies do negcio, e tambm, em curto prazo, de premiar a performance individual dos trabalhadores. No somente a promoo para os mais altos postos, mas tambm o aumento salarial anual dos trabalhadores e a bonificao so determinadas tomando como base a avaliao do desempenho individual, embora o nvel mdio das taxas de pagamento aumente, e os bnus sejam fixados atravs da barganha coletiva. Enquanto o emprego e o sistema de pagamento motivam os trabalhadores a serem leais ou devotados s suas companhias, e o trabalho d aos trabalhadores um sentimento de segurana, o sistema de avaliao de desempenho inspira-os com o esprito da competio. Uma vez que a cooperao e a comunicao com os companheiros de trabalho so altamente valorizados na avaliao, a competio entre eles no pode ser individualista e prejudicar o trabalho em equipe. (WATANABE, 1995 apud ALVES, 2000, p.52)
Outro fator a competio entre os operrios, intrnseca s idias de
trabalho e equipe. O operrio encorajado a pensar e encontrar solues antes
que de fato os problemas aconteam. Os trabalhadores tinham se mostrado capazes de controlar diretamente no s o movimento reivindicatrio, mas o prprio funcionamento das empresas. Eles demonstraram, em suma, que possuem apenas uma fora bruta, sendo dotados tambm de inteligncia, iniciativa e capacidade organizacional. Os capitalistas compreenderam ento que, em vez de se limitar a explorar a fora de trabalho muscular dos trabalhadores, privando-os de qualquer iniciativa e mantendo-os enclausurados nas compartimentaes estritas do taylorismo e do fordismo, podiam multiplicar seu lucro explorando-lhes a imaginao, os dotes organizativos, a capacidade de cooperao, todas as virtualidades da inteligncia (...). Um trabalhador que raciocina no ato de trabalho e conhece mais dos processos tecnolgicos e econmicos do que os aspectos estritos do seu mbito imediato um trabalhador que pode ser tornado polivalente. esse o fundamento das economias de escala humanas (...). A cooperao fica reforada no processo de trabalho, aumentando por isso as economias de escala, em beneficio do capitalismo (BERNARDO, 1987, p.19-20).
no contexto de superao de aspectos da gesto da produo capitalista
que se inicia, no Brasil, um processo de reestruturao produtiva, afinada com o
avano da ideologia neoliberal, como estratgia de enfrentamento da crise. A
deteriorao das contas externas do pas debilitou ainda mais as condies de
reproduo do capitalismo industrial no Brasil. Adotou-se uma poltica recessiva,
sob inspirao do FMI, que contraiu brutalmente o mercado interno e incentivou as
exportaes. A partir disto, surgiu o choque de competitividade, que obrigou as
grandes empresas, principalmente a indstria automobilstica, a adotarem novos
padres organizacionais-tecnolgicos (ALVES, 2000).
Vejamos como ocorreu o processo de reestruturao produtiva no Brasil.
Para isso faz-se necessrio recapitular o que acontecia no pas em meados de
1945.
O Brasil sofreu o primeiro surto de reestruturao produtiva, aps 1945, no
governo Kubitschek. O segundo surto ocorreu na poca do milagre brasileiro. O
terceiro e atual est vinculado, segundo Alves (2000) poca da crise do
capitalismo brasileiro, com o predomnio de um novo padro de acumulao
capitalista a acumulao flexvel cujo momento predominante o toyotismo.
Ocorre a partir dos anos 80 e impulsiona-se na dcada seguinte sob a gide
neoliberal.
Nos anos 80 houve a crise da dvida externa, hiperinflao, recesso e
ciranda financeira. O Brasil tornou-se um dos principais pases exportadores.
Diante desta nova situao da economia brasileira capitalista, impulsiona-se outro
surto de reestruturao produtiva, que passa a ser conhecido por toyotismo restrito.
Ao longo da dcada de 90, ocorre a instaurao de uma verdadeira onda de
produtividade e qualidade nos setores industriais. Tem-se o desdobramento de um
amplo surto de reestruturao em um novo patamar histrico, capaz de dar um novo
ordenamento estrutura produtiva e de classes no Brasil. A reestruturao capitalista provoca a precarizao das condies de trabalho e o aumento do exrcito industrial de reserva, e graves conseqncias para o emprego e a qualidade de vida dos trabalhadores, como tambm para os desempregados. Entretanto, Carvalho (1987) nos diz que no Brasil, especificamente, ocorre um aprofundamento dos princpios fordistas de organizao do trabalho, ao invs de seu esgotamento. Para compreender esta afirmativa, devemos entender a
introduo da automao seletiva14 no Brasil. Esta introduo foi lenta devido a vrios fatores, como o baixo custo dos salrios, o alto custo das mquinas, bem como o refluxo na organizao dos trabalhadores, o que torna a permanncia do trabalhador mais lucrativa do que a sua substituio por mquinas. Desta forma, a automao programvel foi introduzida no pas, mas isto se deu de forma lenta, o que reforou a posio de que a organizao do trabalho fordista no foi posta de lado, mas reforada nas fbricas.
No Brasil, a reestruturao produtiva no caracterizada apenas pelas
alteraes nos processos tcnicos de trabalho nas empresas. A reestruturao
brasileira abrir capital, privatizar empresas estatais, terceirizar, demitir
trabalhadores e aumentar a produtividade (MOTA, 1995 apud BEHRING e
BOSCHETTI, 2007). Os novos ganhos de produtividade surpreendem, porque a
produtividade cresceu graas aos novos processos produtivos, aos mtodos de
gesto e s custas da perda do emprego de milhes de trabalhadores (SABIA,
1990 apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007). De 1981 a 1983 ocorre um perodo recessivo na economia brasileira. A reduo de custos gerou demisses em massa, principalmente na indstria automobilstica. A queda dos investimentos atrasou a introduo de novas tecnologias microeletrnicas (ALVES, 2000). Por isso, a necessidade de elevao da produtividade ocorreu por meio da reorganizao da produo (intensificando o trabalho e/ou flexibilizando o uso da fora de trabalho nas empresas). Nesta poca, surgiu o discurso da qualidade total e da participao. Os Crculos de Controle de Qualidade (CCQ) ocorreram sob as condies da luta de classe nos anos 80 como um novo recurso de controle do trabalho. Principais determinaes da reestruturao produtiva o Brasil dos anos 80, segundo Alves (2005):
- A crise do capitalismo industrial, cuja maior expresso a crise da dvida
externa. A recesso e seu ajuste exportador conduziram a um verdadeiro
choque de competitividade nas principais indstrias do pas; - O processo de luta de classes no pas, caracterizado pela ascenso do novo
sindicalismo, voltado para maior interveno nos locais de trabalho, pondo,
portanto, em questo, o controle do trabalho;
14 Automao seletiva 1984-1986: este o pequeno perodo de recuperao da economia brasileira nos anos 80, caracterizado pelo incremento das inovaes tecnolgicas, com a introduo de microeletrnica, tais como mquinas-ferramentas a comando numrico, robs, flexibilizao das linhas de montagem com base no uso de controladores lgico programveis. Entretanto, vale salientar, que uma automao microeletrnica seletiva (ALVES, 2005, p.133).
- As novas estratgias das corporaes transnacionais nos anos 80, que
implicaram a adoo por parte de suas subsidirias no Brasil (no caso da
indstria automobilstica), de novos padres organizacionais-tecnolgicos,
inspirados no toyotismo, no momento predominante do complexo de
reestruturao produtiva sob a mundializao do capital.
Os anos 90 at os dias de hoje tm sido de contra-reforma15 do Estado e de
obstacularizao e/ou redirecionamento das conquistas de 1988.
A partir dos anos 90, como novo choque de competitividade imposto pelas
transformaes neoliberais no incio desta dcada, o processo de reestruturao
produtiva adquiriu novo impulso.
As principais determinaes scio-histricas do novo complexo de
reestruturao produtiva no Brasil da dcada de 90, segundo Alves (2000), so:
O novo complexo de reestruturao produtiva decorrente, em primeiro
lugar, da nova etapa do capitalismo mundial, caracterizada pela
mundializao do capital16, que tende a projetar nas subsidirias das
corporaes transnacionais, desde os anos 80, novas estratgias de
produo, exigncias do novo tipo de acumulao flexvel. Essa
determinao atinge o mundo da produo do capital monopolista em cada
pas capitalista, em maior ou menor proporo, dependendo do seu nvel de
integrao mundializao do capital;
- As polticas neoliberais tenderam a impulsionar, a partir dos anos 90, a
denominada modernizao industrial no Brasil. Por um lado, adotou-se uma
liberalizao comercial abrupta e desregulada, e constituiu-se uma nova idia
de poltica industrial, na qual no se protege a indstria nacional; mas
procura-se dar condies para que a indstria localizada no pas, nacional ou
no, possa concorrer no mercado mundial, com o apoio de programas
institucionais, tais como o Programa de Apoio Capacitao Tecnolgica da
15 Contra-reforma Houve a partir de 1990, o desmonte e a destruio, numa espcie de reformatao do Estado brasileiro para adaptao passiva lgica do capital. Houve, portanto, uma abrangente contra-reforma do Estado no pas, cujo sentido foi definido por fatores estruturais e conjunturais externos e internos, e pela disposio poltica da coalizao de centro-direita protagonizada por Fernando Henrique Cardoso (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.152). 16 A mundializao do capital decorrncia da nova lgica de valorizao do capital, cujos principais agentes so as empresas, as corporaes e os conglomerados nacionais (ALVES, 2005, p.184).
Industria (PACTI) e o Programa de Competitividade Industrial (PCI) ou atravs
de crditos no Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES).
- A crise das estratgias polticas de cariz socialista no Brasil, decorrente, por
um lado da derrota poltica do PT nas eleies de 89 e 94. A nova ofensiva
do capital na produo aproveita-se de uma situao de recuo poltico e
ideolgico da classe trabalhadora para promover a constituio de uma nova
hegemonia do capital na produo.
a partir do governo Collor (1990-1993) que o processo de reestruturao
produtiva e o projeto neoliberal avanam no pas. Como parte integrante do mesmo
processo, as mudanas no processo produtivo, tais como a flexibilizao, a
desregulamentao, e as novas formas de gesto da fora de trabalho, mesclam-se
como o fordismo ainda dominante no pas e com novos processos produtivos. O
cenrio da economia brasileira sob o governo Collor, caracterizado pela recesso,
crescente desemprego na indstria e o predomnio da racionalizao de custos nas
empresas, constituiu-se de certo modo, uma acumulao produtiva, que preparou o
capital para adoo de novas estratgias de negcios, quando a economia
retomasse o crescimento, em 93.
De acordo com Alves (2000), no perodo do governo Collor, a recesso
(decorrente das medidas de estabilizao macroeconmica por meio de juros altos e
controle da liquidez), foi uma das mais profundas da histria da Repblica.
Diante das condies adversas da economia brasileira, as indstrias passaram, de incio, a adotar estratgias de racionalizao de custos que implicaram uma reduo da jornada de trabalho, salrios ou simplesmente demisses (...). Eram reaes de sobrevivncia das empresas s adversidades da recesso. Alm, claro, de serem reaes de oportunidade das empresas, que aproveitavam o cenrio recessivo do Plano Collor para instalarem a reestruturao produtiva (ALVES, 2000, p.195).
Com os governos Collor e FHC (1994-2002), os processos de
desregulamentao, flexibilizao, privatizao acelerada e desindustrializao
ganharam impulso, o que gerou desemprego industrial e recesso da economia.
O Plano Real, sob o governo FHC, impulsionou um novo ciclo de crescimento
do capitalismo17 no Brasil. Este ciclo imps novas bases materiais da hegemonia do
capital, principalmente no campo da produo.
No Brasil, o empresariado opta por um processo de reestruturao produtiva,
implantando os mtodos japoneses de forma adaptada realidade brasileira e
modernizao tecnolgica, mantendo uma postura contrria a negociaes com
trabalhadores e sindicatos. Um exemplo da peculiaridade brasileira observado nos
sistemas de manufatura celular, que viabilizam uma rgida diviso do trabalho, com
prescrio individual d
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