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Prólogo
A PORTA DA FRENTE COMEÇA A TREMER. SEMPRE FEZ ISSO TODA VEZ QUE O
PORTÃO de metal é fechado com força, acontece desde que eles mudaram para
o apartamento em Harlem três anos atrás.
Entre a entrada principal e os finos papéis de parede, eles sempre estão
cientes das idas e vindas de todos que moram no prédio. Colocam a televisão no
mudo para ouvir melhor, uma garota de quinze anos de idade e um velho
homem de cinquenta e sete, filha e padrasto que raramente olham um para o
outro, mas que colocaram as diferenças de lado para assistir à invasão
alienígena. O homem passou quase toda a tarde murmurando orações em
espanhol, enquanto a garota assistiu à cobertura das notícias em um silêncio
receoso. Tudo parece como um filme para ela, parece tão irreal que o medo
ainda não despertara nela. A garota se pergunta se o bonito homem loiro que
tentou lutar contra os monstros está morto. O homem se pergunta se a mãe da
garota, uma garçonete de um pequeno restaurante no centro, sobreviveu ao
ataque inicial.
O homem coloca a TV no mudo para que possam ouvir melhor o que
acontece do lado de fora. Um de seus vizinhos sobe correndo as escadas,
gritando durante todo o percurso.
— Eles estão no quarteirão! Estão no quarteirão!
O homem range os dentes em descrença.
— O garoto está perdendo. Aquelas bestas pálidas não vão se incomodar
com Harlem. Estamos seguros aqui — ele assegura à garota.
Ele aumenta o volume. A garota não tem muita certeza sobre o que ele
disse. Ela vai até a porta e espia o lado de fora. O corredor está escuro e vazio.
Assim como no quarteirão atrás do dela, onde a repórter parece literalmente
um farrapo. Ela está suja e com manchas no rosto, sujeira por todo o seu cabelo
loiro. Há sangue seco em sua boca em vez de batom. A própria repórter mal
parece entender tudo.
— Reiterando, o bombeamento inicial parece ter sido afunilado... — a
repórter diz tremendo. O homem escutando com atenção. — Os... os... os
mogadorianos tomaram as ruas em massa e parecem estar, ah, fazendo
prisioneiros, embora termos visto algumas ações mais violentas à... à... menor
provocação...
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A repórter soluça. Atrás dela, há centenas de alienígenas pálidos com
uniformes pretos marchando pelas ruas. Alguns deles vêm em direção à câmera,
olhando fixamente para a lente com seus olhos negros.
— Jesus Cristo — diz o homem.
— Novamente, reiterando, estamos sendo, ah, estamos sendo permitidos
a continuar a transmissão. Eles... eles... os invasores, eles parecem
nos querer aqui...
Lá embaixo, o portão chacoalha novamente. Há um guincho de metal
rasgando e um estrondo alto.
Alguém não tinha a chave.
Alguém precisou derrubar o portão completamente.
— São eles! — a garota exclama.
— Fique calada! — responde o homem. Ele abaixa o volume da TV mais
uma vez. — Quero dizer, fique em silêncio. Droga.
Eles ouvem passos pesados subindo as escadas. A garota se afasta da porta
quando ouve a porta de alguém sendo derrubada. Os vizinhos dos andares
debaixo começam a gritar.
— Se esconda — o homem diz à garota. — Vá logo.
O homem segura com firmeza um taco de baseball que retirou do armário
quando a primeira nave alienígena apareceu no céu. Ele se aproxima da porta
oscilante, posicionando-se em um dos lados dela, encostado na parede. Eles
podem ouvir barulhos vindos do corredor. Com um estalo alto, ouvem a porta
de seu vizinho ser arrancada das dobradiças, palavras duras em um inglês
arrastado sendo gritadas, e finalmente, um som parecido com um relâmpago
comprimido atingindo o chão.
Eles viram as armas dos alienígenas na televisão, viram abismados os raios
azuis de energia crepitante que atiravam.
Os passos diminuem, e então param em frente à porta que ainda oscila. Os
olhos do homem estão arregalados, suas mãos segurando firmemente o taco
de baseball. Ele percebe que a garota ainda não se moveu. Ela está congelada.
— Ande, idiota! — ele diz. — Vá agora!
Ele gesticula para a janela da sala de estar. A janela está aberta, a escada
de incêndio esperando do lado de fora.
A garota odeia quando o homem a chama de idiota. Mesmo assim, pela
primeira vez que se lembra, ela faz o que seu padrasto manda. Ela sobe na
janela e a pula como fez diversas outras vezes nesse mesmo apartamento. A
garota sabe que não deveria ir sozinha. Seu padrasto deveria fugir também. Ela
dá a volta na escada de incêndio para chamá-lo, e então de repente está
olhando para dentro do apartamento quando a porta da frente é arrancada.
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Os alienígenas são bem mais feios pessoalmente que na televisão.
Sua presença congela a garota onde está. Ela olha fixamente para a pele
pálida do primeiro que passa pela porta, depois para seus olhos negros que não
piscam, sem contar as tatuagens bizarras.
Há quatro deles no total, todos armados. É o primeiro que vê a garota na
escada de incêndio. Ele para no vão da porta, sua arma esquisita apontada para
ela.
— Renda-se ou morra — o alienígena diz.
Um segundo depois, o padrasto da garota acerta o alienígena no rosto
com seu taco. Foi um golpe forte – o homem ganhava a vida como mecânico,
seus antebraços musculosos com a força ganhada com as doze horas de
trabalho diárias. O taco empurrou o rosto do alienígena para dentro, e a criatura
imediatamente se transformou em cinzas.
Antes que o padrasto da garota pudesse erguer o taco mais uma vez, um
alien atira em seu peito. O homem é jogado para trás no fundo do apartamento,
sua camisa pegando fogo. Ele cai sobre a mesa de centro e rola, acabando de
cara com a janela, onde trava seu olhar com a garota.
— Corra! — o padrasto dela de alguma forma encontra forças para gritar.
— Corra, droga!
A garota começa a descer a escada de incêndio. Quando chega ao final,
escuta tiros vindos do seu apartamento. Ela tenta não pensar sobre o
significado daquilo. Uma das criaturas coloca sua cara pálida na janela e mira
sua arma na direção da garota. Ela se solta da escada, caindo no beco que se
encontrava abaixo bem na hora em que o ar ao seu redor crepita. Os pelos de
seus braços se arrepiam e a garota conclui que há eletricidade passando pelo
metal da escada de incêndio. Mas ela não se machucou. O alienígena errou.
A garota pula alguns sacos de lixo e corre para a boca do beco, espiando
pela beirada para observar a rua na qual cresceu. Há um hidrante jorrando
água, o que a lembra das festas de verão do quarteirão. Ela vê um caminhão do
correio caído, a parte traseira cheia de fumaça, como se fosse explodir a
qualquer instante.
Mais abaixo, estacionada no meio da rua, a garota vê a pequena nave dos
alienígenas, uma das muitas que ela e seu padrasto viram sair da nave maior
que ainda flutua sobre a ilha de Manhattan. Eles passam esse vídeo várias vezes
nas notícias, assim como o vídeo do garoto loiro.
John Smith. Esse é seu nome. Assim foi como a narradora do vídeo o
chamou.
Onde ele está agora?, a garota se pergunta. Provavelmente não salvando
as pessoas no Harlem, disso ela tem certeza.
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A garota sabe que ela tem que se salvar sozinha.
Ela está prestes a começar a correr quando avista outro grupo de
alienígenas saindo de um prédio do outro lado da rua. Eles têm uma dúzia de
humanos com eles, alguns rostos familiares da vizinhança, duas crianças que ela
reconhece. Eles forçam as pessoas a se ajoelhar na rua e apontam as armas para
elas. Um grande monstro alienígena anda ao lado da linha formada pelas
pessoas, clicando um pequeno objeto em sua mão, como um guarda do lado de
fora de uma casa noturna.
A garota não tem certeza se quer ver o que acontece depois. Ela ouve
metal guinchando atrás dela. Então, se vira e vê um dos alienígenas que estava
em seu apartamento descendo pela escada de incêndio.
Ela corre. A garota é rápida e conhece essas ruas. O metrô fica a apenas
alguns quarteirões de distância. Uma vez, em um desafio, a garota desceu na
plataforma e se aventurou pelos tuneis. Os ratos e a escuridão não a assustam
nem um pouco em comparação a esses alienígenas. É para lá que ela vai. Ela
pode se esconder lá, até mesmo seguir para o centro, para tentar encontrar sua
mãe. A garota não sabe como vai contar para sua mãe sobre seu padrasto. Ela
mesma ainda não acredita. Continua a esperar que tudo não passe de um
sonho.
A garota corre pelas ruas quando três alienígenas surgem em seu caminho.
Seu instinto a faz tentar voltar, mas seu tornozelo torce e ela perde o equilíbrio.
Ela cai, batendo com força na calçada. Um dos alienígenas solta um grunhido
baixo – e a garota percebe que ele está rindo dela.
— Renda-se ou morra — ele diz, e a garota sabe que isso não é uma
escolha.
Os alienígenas já têm suas armas erguidas e apontadas, os dedos quase
apertando os gatilhos. Renda-se e morra. Eles vão matá-la de qualquer jeito,
não importando o que ela faça. A garota tem certeza disso.
Ela levanta as mãos para se defender. É um reflexo. Ela sabe que não vai
ajudar em nada contra as armas.
Mas ajuda.
As armas dos alienígenas voam para cima, fugindo das mãos deles. Elas
voam vinte metros de distância para trás deles.
Eles olham para a garota, paralisados e incertos. Ela também não entende
o que acabou de acontecer.
Mas ela consegue sentir alguma coisa diferente dentro dela. Algo novo. É
como se ela pudesse controlar qualquer objeto no quarteirão. Tudo o que ela
precisa fazer é puxar e empurrar. A garota não tem certeza de como ela sabe
disso. Parece natural.
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Um dos alienígenas carrega outra arma e a garota move sua mão da direita
para a esquerda. Ele voa pela rua e cai sobre o para-brisa de um carro
estacionado. Os outros dois trocam olhares e começam a se afastar.
— Quem está rindo agora? — a garota pergunta, levantando-se.
— Garde — um deles responde num sussurro.
A garota não sabe o que isso significa. O jeito como ele falou parece ser
um xingamento. Isso faz a garota sorrir. Ela gosta de ver que essas coisas que
estão pela sua vizinhança estão com medo dela agora.
Ela pode lutar contra eles.
Ela vai matá-los.
A garota levanta as mãos para o alto e o resultado é um dos alienígenas
sendo erguido do chão. A garota abaixa suas mãos com a mesma rapidez que as
levantou, jogando o alienígena em cima do seu companheiro. Ela repete isso até
ambos se tornarem cinzas.
Quando isso acontece, a garota olha para suas mãos. Ela não sabe de onde
esse poder veio. Não sabe o que significa. Mas ela vai usá-lo.
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Capítulo um
NÓS PASSAMOS PELA ASA QUEBRADA DE UM AVIÃO DE COMBATE EXPLODIDO,
O pedaço de metal jogado no meio da rua de uma cidade como uma barbatana
de tubarão. Quanto tempo se passou desde que vimos os jatos fazendo
barulhos no céu, uma formação clara indo para o centro da cidade e na direção
de Anubis? Parece que foi há dias, mas deve ter sido apenas a algumas horas.
Algumas das pessoas que estão conosco – os sobreviventes – gritaram e
aplaudiram quando viram os jatos, como quando a maré começa a subir.
Eu sabia o que aconteceria. Fiquei em silêncio. Apenas alguns minutos
depois, pudemos ouvir as explosões enquanto a Anubis destruía esses jatos no
céu, estilhaçando as peças militares mais sofisticadas da Terra por toda a ilha de
Manhattan. Eles não mandaram mais nem um jato desde então.
Quantas mortes até agora? Centenas. Milhares. Talvez mais. E é tudo
minha culpa. Porque eu não pude matar Setrákus Ra quando tive a chance.
— À sua esquerda! – um homem grita de algum lugar atrás de mim.
Viro minha cabeça, carrego uma bola de fogo instantaneamente, e
incinero um mogadoriano enquanto ele virava a esquina. Eu, Sam e uma dúzia
de sobreviventes que fomos juntando pelo caminho – mal conseguimos dar
passos largos. Estamos na parte sul de Manhattan agora. Fugimos para cá.
Lutamos até chegarmos aqui. Quarteirão por quarteirão. Tentando aumentar a
distância entre nós e o centro da cidade, onde os mogadorianos estão em maior
quantidade, onde vimos pela última vez a Anubis.
Estou exausto.
Eu tropeço. Mal consigo sentir meus pés, eles estão cansados.
Acho que estou prestes a desmoronar. Um braço passa em torno do meu
ombro e me estabiliza.
— John? – Sam pergunta, preocupado. Ele está me segurando. Parece que
sua voz está vindo de dentro de um túnel. Tento respondê-lo, mas as palavras
não vêm. Sam vira a cabeça e fala com um dos sobreviventes. — Precisamos sair
das ruas por algum tempo. Ele precisa descansar.
A próxima coisa que me lembro é de estar encostado contra a parede do
hall de entrada de um prédio residencial. Devo der desmaiado por alguns
minutos. Eu tento me fortalecer, descansar. Preciso continuar lutando.
Mas não consigo – meu corpo se recusa a ser punido novamente.
Deixo meu corpo se deslizar contra a parede para que eu então me sente
no chão. O carpete está coberto de poeira e vidro quebrado que deve ter sido
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explodido de fora para dentro. Há mais ou menos vinte e cinco de nós aqui. Isso
foi tudo o que conseguimos salvar. Todos sujos e manchados de sangue, alguns
machucados, todos cansados.
Quantos ferimentos curei hoje? Foi fácil, no começo. Depois de um tempo,
então, pude sentir meu Legado de cura drenar minha própria energia. Devo ter
atingido meu limite.
Eu me lembro das pessoas não pelo nome, mas pelo estado em que as
encontrei ou pelo o que curei. Braço-quebrado e Preso-embaixo-do-carro
parecem preocupados, com medo.
Uma mulher, a Pulou-da-janela, coloca sua mão em meus ombros. Assinto
para ela dizendo que estou bem e ela parece aliviada. Bem na minha frente,
Sam conversa com um policial sem uniforme que parece ter uns cinquenta anos.
Ele tem sangue seco por toda parte em um lado do rosto de um corte no topo
da cabeça que curei. Esqueci o nome dele ou onde o encontramos. As vozes
deles parecem distantes, como se fossem o eco vindo de um túnel a
quilômetros de distância. Tenho que me focar para entender o que eles dizem,
e mesmo isso me toma um esforço colossal. Minha cabeça parece estar envolta
em algodão.
— Ouvi no rádio que temos um ponto de apoio na Ponte do Brooklyn — o
policial diz. — Polícia de Nova York, Guarda Nacional, exército... caramba, todo
mundo. Eles estão guardando a ponte. Evacuando os sobreviventes de lá. Fica a
apenas alguns bairros de distância, e eles dizem que os mogs estão
concentrados no norte da cidade. Nós podemos conseguir.
— Então vocês devem ir — Sam responde. — Partam agora que a costa
está limpa, antes que mais patrulhas apareçam.
— Vocês deveriam vir conosco, garotos.
— Não podemos — Sam responde. — Um dos nossos amigos ainda está lá
fora. Temos que encontrá-lo.
Nove. É quem precisamos encontrar. Da última vez que o vimos, ele estava
lutando com Cinco em frente às Nações Unidas. Através das Nações Unidas.
Temos que encontrá-lo antes de deixarmos Nova York. Temos que encontrá-lo e
salvar tantas pessoas quanto pudermos. Meus sentidos estão começando a
voltar, mas ainda estou demasiado exausto para me mover. Abro minha boca
para falar, mas tudo o que consigo é um gemido.
— Ele está no limite — diz o policial, e sei que ele fala de mim. — Vocês
dois já fizeram o suficiente. Venham conosco agora, enquanto podem.
— Ele vai ficar bem — Sam fala. A dúvida em sua voz me faz ranger os
dentes e focar. Eu preciso me esforçar, levantar e continuar lutando.
— Ele desmaiou.
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— Ele só precisa descansar por alguns minutos.
— Eu estou bem — murmuro, mas não acho que me ouviram.
— Você vai acabar sendo morto se ficar, garoto — o policial fala para Sam.
— Vocês não podem continuar com isso. Há muitos deles para vocês dois. Deixe
isso para o exército, ou...
Ele para. Nós sabemos que o exército já fez sua tentativa. Manhattan está
perdida.
— Sairemos daqui o mais rápido que pudermos — Sam responde.
— Você aí em baixo consegue me ouvir? — o policial está falando comigo
agora. Usando o mesmo tom na voz que Henri costumava usar. Eu me pergunto
se ele tem filhos em algum lugar. — Não há mais nada que você possa fazer.
Você nos trouxe até aqui, deixe-nos fazer o resto. Nós o carregaremos até a
ponte, se for preciso.
Todos os sobreviventes da sala assentem, murmurando em concordância.
Sam olha para mim, suas sobrancelhas erguidas em questionamento. Seu rosto
está sujo com poeira e cinzas. Ele parece exausto e fraco, como se mal
conseguisse se manter em pé. Uma arma mogadoriana está pendurada em sua
cintura, presa por um fio de eletricidade cortado, e é como se o corpo todo dele
pendesse naquela direção, o peso extra ameaçando derrubá-lo.
Eu me forço a levantar. Meus músculos estão cansados e quase inúteis.
Estou tentando mostrar para o policial e para os outros que ainda tenho forças
dentro de mim, mas posso dizer pelo modo que eles estão me olhando que
estão com pena, que não pareço muito promissor. Eu mal consigo impedir
minhas pernas de tremerem. Por um momento, parece que vou desmoronar no
chão. Mas então, alguma coisa acontece – sinto como se uma força tivesse me
levantado e começado a me carregar, suportando um pouco do meu peso,
endireitando minhas costas e esticando meus ombros. Eu não sei como estou
fazendo isso, onde estou encontrando forças, é quase sobrenatural.
Não, na verdade não é sobrenatural. É Sam. Telecinesia. Sam está se
concentrando, tentando fazer parecer que ainda há um pouco de força dentro
de mim.
— Vamos ficar — eu digo finalmente, minha voz rouca. — Há mais pessoas
para serem salvas.
O policial move a cabeça em questionamento. Atrás dele, uma garota que
lembro vagamente de tê-la salvo de cair de uma escada de incêndio começa a
chorar. Não tenho certeza do motivo. Sam continua completamente focado em
mim, com uma expressão de esforço no rosto, gotas de suor formando em sua
têmpora.
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— Mantenham-se em segurança — eu digo para os sobreviventes. —
Então, ajudem quem vocês puderem. Este é o planeta de vocês. Vamos salvá-lo
todos juntos.
O policial dá alguns passos até mim para apertar minha mão.
— Não esqueceremos de você, John Smith — ele fala. — Todos nós.
Devemos nossas vidas a você.
— Mande todos eles para o inferno — alguém diz.
E então todos os outros do grupo de sobreviventes estão se despedindo e
agradecendo. Aperto meus dentes no que espero ser um sorriso. A verdade é
que estou muito cansado para isso. O policial – o líder agora, os manterá em
segurança – garante que todos fiquem quietos e sejam rápidos, e então os
lidera para fora do hall do prédio residencial e os guia em direção à Ponte do
Brooklyn.
Assim que ficamos sozinhos, Sam me solta da força telecinética que usava
para me manter ereto e eu caio para trás, me encostando na parede
novamente, lutando para me manter de pé. Ele está sem fôlego e suando pelo
esforço que fez para me manter daquele jeito. Ele não é lorieno e não teve
treinamento adequado, mas de algum jeito desenvolveu um Legado e começou
a usá-lo da melhor maneira que conseguiu.
Considerando nossa situação, ele não teve escolha de aprender a usá-lo no
caminho para cá. Sam com Legados – se as coisas não estivessem tão caóticas e
desesperadoras, eu estaria mais animado. Não tenho certeza de como nem
porque isso aconteceu com ele, mas o mais novo poder de Sam é na verdade
uma das únicas coisas que ganhamos desde que chegamos à Nova York.
— Obrigado — eu digo, as palavras saem com mais facilidade agora.
— Sem problemas — ele responde. — Você é o símbolo da resistência da
Terra agora; não podemos deixá-lo caído por aí.
Tento me desencostar da parede, mas minhas pernas ainda não estão
prontas para suportar todo meu peso. Seria mais fácil se eu apenas me
arrastasse para a porta do apartamento.
— Olhe para mim. Não sou o símbolo de nada — resmungo.
— Pare — ele diz. — Você está exausto.
Sam coloca seu braço em volta de mim, me ajudando. Ele está se
arrastando também, então tento não jogar tanto peso em cima dele.
Estivemos no inferno nas últimas horas. A pele das minhas mãos está
formigando pelo tanto que tive que usar meu Lúmen, jogando bolas de fogo de
pelotão em pelotão de mogadorianos. Espero que não tenha danificado
nenhum nervo permanentemente ou coisa do tipo. O pensamento de acender
meu Lúmen agora quase faz com que meus joelhos cedam.
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— Resistência — eu digo amargamente. — Resistência é o que acontece
depois de você perder uma guerra, Sam.
— Você sabe o que eu quis dizer — ele responde. Posso dizer pelo tom de
sua voz trêmula que é um esforço para Sam parecer otimista depois de tudo o
que vimos hoje. Pelo menos ele está tentando. — A maioria dessas pessoas
sabia quem você era. Eles disseram que havia um vídeo seu ou coisa do tipo no
noticiário. E tudo o que aconteceu nas Nações Unidas – você basicamente
desmascarou Setrákus Ra na frente de uma audiência internacional. Todo
mundo sabe que você tem lutado contra os mogadorianos. Que você tentou
impedir isso.
— Então eles sabem que eu falhei.
A porta para o apartamento do primeiro andar está entreaberta. Eu a
empurro e depois Sam a fecha e a tranca atrás de nós. Tento encontrar o
interruptor de luz mais próximo, surpreso por ver que ainda há eletricidade
aqui. A eletricidade só está presente em alguns pontos da cidade. Acho que esse
bairro ainda não foi atingido com força. Apago as luzes rapidamente – na nossa
atual situação, não queremos atrair atenção de nenhuma patrulha mogadoriana
que possam estar nos arredores. Enquanto tropeço até o colchão mais próximo,
Sam fecha as cortinas do apartamento.
O apartamento é pequeno, um cômodo só. Há uma pequena cozinha
apertada separada da sala de estar por um balcão de granito, um
pequeno closet e um banheiro. Quem quer que viva aqui definitivamente
deixou tudo com pressa, há roupas espalhadas pelo chão, uma tigela de cereal
virada para baixo e uma moldura de foto quebrada perto da porta, parecendo
ter sido pisada. Na foto, um casal em seus vinte anos posa em uma praia
tropical, um pequeno macaco no ombro do rapaz.
Essas pessoas tinham uma vida normal. Mesmo que tenham conseguido
sair de Manhattan e estiverem em segurança, agora isso acabou. A Terra nunca
mais será a mesma.
Eu costumava imaginar um lugar calmo como esse para Sarah e eu, uma
vez que os mogadorianos forem derrotados. Não um apartamento apertado na
cidade de Nova York, mas algo simples e calmo.
Há uma explosão ao longe, os mogs destruindo alguma coisa ao norte da
cidade. Percebo quão ingênuos os sonhos de vidas pós-guerra são. Nada nunca
mais será normal depois disso.
Sarah. Espero que ela esteja bem. Era o rosto dela que eu chamava em
meus pensamentos nas horas mais difíceis da nossa batalha pelos bairros de
Manhattan. Continue lutando e você irá vê-la novamente, era o que repetia para
mim mesmo. Eu queria poder falar com ela. Eu preciso falar com ela. Não
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apenas com Sarah, mas com Seis também – preciso entrar em contato com os
outros, tentar descobrir o que Sarah conseguiu com Mark James e seu
misterioso contato, e para saber o que Seis, Marina e Adam fizeram no México.
Isso tem de ter alguma ligação com Sam ter de repente desenvolvido um
Legado. E se ele não for o único? Preciso saber o que aconteceu fora da cidade
de Nova York, mas meu telefone via satélite foi destruído quando caí no Lago
Oeste e o celular pré-pago está sem sinal de Internet. Até agora, somos apenas
eu e Sam. Sobrevivendo.
Na cozinha, Sam abre a geladeira. Ele para e olha para mim.
— É errado pegarmos a comida dessas pessoas? — ele pergunta.
— Tenho certeza de que eles não irão se importar — respondo.
Fecho meus olhos pelo o que parece ser um segundo, mas deve ter sido
mais, e quando os abro há um pedaço de pão perto do meu nariz.
Com uma mão esticada teatralmente como nas histórias em quadrinhos,
Sam faz um sanduíche de pasta de amendoim flutuar até mim, junto com um
prato de plástico e uma colher em frente ao meu rosto. Mesmo me sentindo
fraco, não posso evitar sorrir com seu esforço.
— Me desculpe, não foi minha intenção acertá-lo com o sanduíche — Sam
diz enquanto pego a comida do ar. — Ainda estou me acostumando com isso,
obviamente.
— Não se preocupe. É fácil puxar e empurrar com telecinesia. A precisão é
a parte mais difícil de se aprender.
— Sem brincadeiras — ele diz.
— Você está se saindo incrivelmente bem para quem desenvolveu
telecinese há apenas quatro horas, cara.
Sam se senta no colchão perto de mim com seu sanduíche.
— Ajuda se eu imaginar que tenho, tipo, mãos invisíveis. Isso faz sentido?
Penso como foi quando eu treinei minha própria telecinesia com Henri.
Parece que foi há tanto tempo.
— Eu costumava visualizar o que eu ia mover, e então desejava que
acontecesse — explico a Sam. — Começamos com coisas pequenas. Henri
costumava jogar bolas de baseball contra mim no quintal, e então eu praticava
tentando segurá-las com minha mente.
— Ah, bem, não acho que brincar de batedor seja uma opção para mim
neste momento — Sam observa. — Encontrarei outras maneiras de praticar.
Sam flutua seu sanduíche do colo. Ele inicialmente o aproxima da boca
para mordê-lo, mas erra a altura depois de alguns segundos de concentração.
— Nada mal — comento.
— É mais fácil quando não estou pensando sobre isso.
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— Como quando estávamos lutando pelas nossas vidas, por exemplo?
— Sim — Sam diz, movendo a cabeça assentindo. — Vamos falar sobre o
que aconteceu comigo, John? Ou por que aconteceu? Ou... Eu não sei. O que
isso significa?
— Os Gardes desenvolvem seus Legados na adolescência — eu digo,
dando de ombros. — Talvez você seja apenas um cara atrasado.
— Amigo, você esqueceu que não sou lorieno?
— Muito menos Adam, mas ele tem Legados — aponto.
— É, mas o pai violento dele o conectou com uma Garde morta e...
Ergo uma mão e interrompo Sam.
— Tudo o que quero dizer é que nada está definido. Acho que os Legados
não funcionam da forma que meu povo presumia — pauso por um momento
para pensar. — O que aconteceu com você tem algo a ver com o que Seis e os
outros fizeram no Santuário.
— Seis fez isso... — Sam começa.
— Eles foram lá para encontrar Lorien na Terra, e eu acho que
conseguiram. E então, talvez Lorien tenha te escolhido.
Sem nem perceber, já devorei meu sanduíche de pasta de amendoim. Meu
estômago ronca. Eu me sinto um pouco melhor, minha força começando a ser
restaurada.
— Bem, é uma honra — Sam fala, olhando para suas mãos e pensando
sobre tudo. Ou, mais provavelmente, pensando em Seis. — Uma honra
aterrorizante.
— Você se saiu bem lá fora. Eu não poderia ter salvado todas aquelas
pessoas sem você — eu digo, dando palmadinhas nas costas de Sam. — A
verdade é que não sei que inferno está acontecendo. Não sei como, nem
porquê você de repente desenvolveu um Legado. Estou apenas feliz por ter
acontecido. Estou feliz por ainda ter um fiapo de esperança na nossa situação
de morte e destruição.
Sam fica de pé, limpando os farelos das calças.
— É, esse sou eu, a grande esperança da humanidade, atualmente
morrendo por outro sanduíche. Quer mais um?
— Eu posso fazer — digo a Sam, mas quando me inclino para levantar, sou
imediatamente empurrado de volta para o colchão.
— Vai com calma — Sam fala, fingindo não estar cansado como eu estou.
— Eu cuido dos sanduíches.
— Ficaremos aqui por apenas mais alguns minutos — eu digo, sonolento.
— Então vamos procurar Nove.
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Eu fecho os olhos, ouvindo Sam fazendo os lanches na cozinha, tentando
sustentar a faca que espalha a pasta de amendoim com a força do pensamento.
Ao fundo, sempre ao fundo agora, posso ouvir o barulho de lutas em algum
lugar de Manhattan. Sam está certo – somos a resistência. Deveríamos estar lá
fora resistindo. Se eu puder descansar por apenas alguns minutos...
Não abro meus olhos até Sam balançar meus ombros.
Imediatamente, posso dizer que dormi. A luz no apartamento mudou, dá
para ver as luzes das ruas acesas, um brilho amarelado atravessando as cortinas.
Um prato com sanduíches me espera num sofá próximo a mim. Estou tentado a
ir lá e devorar todos. Parece que tudo dentro de mim está num nível animalesco
agora – sono, fome, raiva.
— Por quanto tempo eu apaguei? — pergunto a Sam, sentindo-me um
pouco melhor fisicamente mas também culpado por dormir enquanto há
pessoas morrendo por toda Nova York.
— Mais ou menos uma hora — ele diz. — Eu iria deixá-lo descansar, mas...
Como explicação, Sam gesticula para trás, na direção de uma pequena
televisão que está fixada em uma das paredes do quarto. O noticiário local na
verdade está sendo transmitindo ao vivo. Sam deixou a televisão no mudo e a
imagem ocasionalmente some e volta com a estática, mostrando a cidade de
Nova York em chamas. Imagens granuladas ilustram a
iminente Anubis atravessando o céu, suas armas laterais bombardeando os
terraços dos arranha-céus mais altos até não sobrar nada além de destroços e
poeira.
— Eu nem lembrei de verificar se ela estava funcionando até alguns
minutos atrás — ele explica. — Pensei que os mogs teriam destruídos os prédios
das emissoras, você sabe, por motivos de guerra.
Não esqueci o que Setrákus Ra me disse quando eu estava pendurado em
sua nave sobre o Lago Oeste. Ele quer que eu assista a Terra cair. Lembrando
agora daquela visão de Washington, D.C., que compartilhei com Ella, a cidade lá
parecia bem destruída, mas não completamente arrasada. E havia
sobreviventes para servi-lo. Acho que estou começando a entender.
— Não é um acidente — eu digo para Sam, pensando alto. — Ele deve
querer que os humanos sejam capazes de ver a destruição que ele está
causando. Não foi como em Lorien, onde sua frota apenas exterminou todo
mundo. Foi por isso que ele tentou montar aquele show nas Nações Unidas, é
por isso que ele criou aquela droga sombria da ProMog, para tentar dominar a
Terra pacificamente. Ele planeja viver aqui depois de tudo. E se não houver
ninguém para adorá-lo como os mogadorianos, pelo menos quer que os
humanos sobreviventes o temam.
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— Bom, a parte de todos o temerem está funcionando — Sam comenta.
Na tela, o noticiário mudou para uma cena ao vivo de uma âncora em sua
mesa. O prédio da emissora desse canal provavelmente foi danificado de
alguma forma durante a batalha, porque parece que eles mal conseguem se
manter no ar. Apenas metade das luzes do estúdio está acesa e a câmera está
desfocada, a imagem sem a resolução e tamanho que deveria ter. Ela fala
diretamente para a câmera durante alguns segundos, apresentando a próxima
imagem.
A âncora desaparece, substituída por um vídeo tremido feito por um
celular. No meio de um cruzamento importante, uma figura obscura roda como
um lançador de discos Olímpicos se aquecendo. Com exceção de que esse cara
não está segurando um disco. Com uma força sobre-humana ele está girando
outra pessoa pelo tornozelo. Depois de uma dúzia de giros, o cara solta o corpo,
arremessando-o em direção à janela frontal de um cinema nas proximidades. O
vídeo continua centrado no lançador, que erguendo os ombros, grita o que
parece ser um xingamento.
É Nove.
— Sam! Aumenta o volume!
Enquanto Sam tateia em busca do controle remoto, quem quer que tenha
filmado Nove corre para trás de um carro para se proteger. É desorientador,
mas o cameraman consegue continuar gravando com uma das mãos erguidas
por cima do carro. Um grupo de soldados mogadorianos apareceu no
cruzamento, atirando em Nove. Assisto enquanto ele dança estupidamente para
desviar dos tiros, usando telecinesia para arremessar um carro na direção deles.
— ... novamente, esse vídeo foi gravado na Union Square há alguns
momentos — a voz trêmula da âncora narra enquanto Sam aumenta o volume.
— Esse garoto superpoderoso, hum, é possivelmente um adolescente
alienígena que estava nas Nações Unidas junto com o outro jovem identificado
como John Smith. Nós o vemos aqui empenhado em um combate contra os
mogadorianos, fazendo coisas humanamente impossíveis...
— Eles sabem meu nome — falo, quase um sussurro.
— Olhe — Sam diz, tocando meu braço.
A câmera está mostrando novamente o cinema, quando uma forma
corpulenta lentamente se levanta da janela estilhaçada. Eu não tenho uma boa
visão dela, mas imediatamente sei quem Nove estava arremessando. Ele voa do
cinema para o céu, derruba alguns mogs que ainda estão no cruzamento, e
então mergulha violentamente na direção de Nove.
— Cinco — Sam diz.
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A câmera não consegue acompanhar Cinco e Nove enquanto eles se
chocam contra o gramado de um pequeno parque nas proximidades,
arrancando grandes pedaços de terra do chão.
— Eles estão se matando — eu digo. — Temos que ir até lá.
— Um segundo garoto extraterrestre está lutando com o primeiro, pelo
menos quando não estão lutando contra os invasores... — a âncora continua,
parecendo perplexa. — Nós não sabemos o motivo. Não temos muitas
respostas até agora, receio. Apenas... fique em segurança, Nova York.
Operações de evacuação estão acontecendo caso você tenha uma rota segura
para a Ponte do Brooklyn. Se você está próximo à batalha, mantenha-se dentro
de casa e...
Pego o controle remoto da mão de Sam e desligo a TV. Ele me observa
enquanto levanto, para garantir que estou bem. Meus músculos gritam em
protesto e fico tonto por alguns segundos, mas posso aguentar. Tenho que
aguentar. Nunca a expressão “lute como se não houvesse amanhã” fez tanto
sentido. Se eu for fazer isso da maneira certa – se vamos salvar a Terra de
Setrákus Ra e dos mogadorianos, então o primeiro passo é encontrar Nove e
sobreviver à Nova York.
— Ela disse Union Square — eu falo. — É pra lá que vamos.
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Capítulo dois
O MUNDO NÃO MUDOU. PELO MENOS, NÃO DE MANEIRA QUE EU TENHA
percebido.
O ar da floresta está úmido e pegajoso, uma mudança bem-vinda em
relação ao clima frio das profundezas subterrâneas do Santuário. Tenho que
proteger meus olhos assim que emergimos para o sol da tarde, um seguindo
atrás do outro através de uma passagem estreita em forma de arco que
apareceu no templo Maia.
— Eles não poderiam ter nos deixado vir por aqui? — resmungo,
estralando minhas costas e olhando para as centenas de degraus de calcário
aos quais subimos mais cedo.
Assim que chegamos ao topo de Calakmul, nossos pingentes ativaram
algum tipo de portal lórico que nos teleportou para dentro do Santuário
escondido sob uma estrutura centenária construída pelos humanos. Nós nos
encontramos em uma sala de outro mundo obviamente criada pelos Anciãos
em uma de suas visitas à Terra. Acho que o sigilo era uma prioridade maior
que fácil acesso.
De qualquer forma, a saída não foi uma escalada e não envolveu
teleportes desorientados – apenas uma escada em espiral empoeirada de uns
cem metros que nos deixou tontos e uma porta simples, que é claro, não
estava lá quando entramos pela primeira vez.
Adam sai do Santuário atrás de mim, seus olhos semicerrados.
— E agora? — ele pergunta.
— Eu não sei — respondo, olhando para o céu escuro. — Eu meio que
esperava que o Santuário respondesse essa pergunta.
— Eu... eu ainda estou incerto sobre o que vimos lá. Ou sobre o que
realizamos — Adam diz, hesitando. Ele tira alguns fios dos cabelos negros do
rosto enquanto me observa.
— Somos dois — respondo.
Verdade seja dita, nem tenho certeza sobre quanto tempo passamos
debaixo da terra. Você perde a noção do tempo quando está em uma
conversa profunda com um ser de outro mundo feito de energia lórica pura.
Nós juntamos a maior quantidade de peças das nossas heranças lóricas que
conseguimos poupar – basicamente, usamos tudo o que não era arma. Uma
vez dentro do Santuário, jogamos todas aquelas pedras desconhecidas e
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bugigangas dentro de um poço secreto que estava bem conectado com uma
fonte de energia dormente de loralite.
Acho que foi o suficiente para despertar a Entidade, a personificação da
própria Lorien. Nós conversamos.
É, isso aconteceu.
Mas a Entidade praticamente falou com enigmas e, no fim da nossa
conversa, a coisa virou uma supernova, sua energia inundando o Santuário e
vazando para o mundo. Assim como Adam, não tenho certeza do que
aconteceu.
Eu esperava emergir do Santuário e encontrar... alguma coisa. Talvez
colunas de energia lórica através dos céus, ou esses mesmos jatos
incinerando o mogadoriano mais próximo que não tenha o nome de Adam?
Talvez mais poder para os meus Legados, me colocando em um nível que eu
seria capaz de criar uma tempestade grande o suficiente para destruir todos
os nossos inimigos? Seria muita sorte.
Até onde sei, a frota mogadoriana ainda está entrando na Terra.
John, Sam, Nove e os outros podem estar correndo contra as linhas de
frente agora, e não tenho certeza se fizemos alguma coisa para ajudá-los.
Marina é a última a passar pela porta do templo. Ela se abraça, seus
olhos cheios de lágrimas, piscando contra a luz do sol.
Antes da fonte de energia explodir para o mundo, de alguma forma ela
conseguiu ressuscitá-lo, mesmo que tenha sido por alguns minutos.
Tempo suficiente para Marina se despedir. Mesmo agora, já começando
a suar por causa da umidade da selva, tenho calafrios quando penso no
retorno de Oito, inundado pela energia de loralite, sorrindo mais uma vez.
Foi o tipo daqueles momentos maravilhosos que evitei durante o passar
dos anos – isto é guerra, e as pessoas vão morrer. Amigos vão morrer.
Cheguei ao ponto de aceitar a dor. Então o choque é menor quando algo de
fato acontece.
Foi reconfortante rever Oito, melhor ainda foi nos despedir. Eu não
consigo imaginar pelo o que Marina está passando. Ela o amava e agora ele
se foi. Mais uma vez.
Marina para e olha de volta para o templo, quase como se quisesse
voltar.
Perto de mim, Adam pigarreia.
— Ela vai ficar bem? — ele me pergunta, com a voz baixa.
Marina se fechou comigo uma vez antes, na Flórida, depois de Cinco ter
nos traído. Depois de ele ter matado Oito. Mas não é a mesma coisa – ela não
está irradiando um frio constante e não parece prestes a estrangular o
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primeiro que se aproximar. Quando ela se volta para nós, sua expressão é
quase serena. Ela está se lembrando, gravando aquele momento com Oito na
memória e se preparando para o que está por vir.
Eu sorrio enquanto Marina pisca os olhos e passa a mão sobre o rosto.
— Eu posso te ouvir — ela responde Adam. — Estou bem.
— Ótimo — Adam responde, desviando o olhar timidamente. — Eu só
queria dizer, sobre o que aconteceu lá, uh, que eu...
Adam para, eu e Marina olhando para ele com expectativa. Sendo um
mog, ainda acho que ele se sente desconfortável em falar dessas coisas como
nós. Sei que ele ficou maravilhado com a energia lórica do Santuário, mas
também posso dizer que ele se sentiu deslocado, como se não valesse o
suficiente para estar na presença da Entidade.
Quando a pausa de Adam se prolonga, dou uma batidinha nas costas
dele.
— Vamos deixar essa conversa para a viagem, ok?
Adam parece aliviado enquanto andamos de volta para as naves, nosso
Skimmer pousado ao lado de outra dúzia de naves mogadorianas na pista de
pouso mais próxima. O acampamento mogadoriano em frente do templo
está exatamente do jeito que deixamos – uma bagunça. Os mogadorianos
que estavam tentando entrar no Santuário desmataram a área em círculo ao
redor do templo, chegando o mais perto que a energia do escudo do
Santuário permitira.
E só após atravessarmos a videira que cresceu sobre a terra chamuscada
exatamente em frente do templo do acampamento mogadoriano que
percebo que o campo de força se foi. A barreira mortal que protegeu o
Santuário por anos não existe mais.
— O campo de força deve ter sido desativado enquanto estávamos lá
dentro — eu digo.
— Talvez ele não precise mais ser protegido agora — Adam sugere.
— Ou talvez a Entidade tenha desviado seu poder para outro lugar —
Marina responde. Ela pausa por um momento, pensando. — Quando beijei
Oito... eu senti. Por um breve momento, eu fiz parte da energia da Entidade.
Ela estava se espalhando para todos os lugares da Terra. Para onde quer que
a energia lórica tenha ido, está espalhada. Talvez ela não possa ativar suas
defesas aqui.
Adam lança um olhar para mim, como se eu devesse ser capaz de
explicar o que Marina disse.
— O que você quer dizer com “se espalhando para todos os lugares da
Terra”? — pergunto.
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— Eu não sei como explicar de uma forma mais clara — Marina diz,
olhando para o templo, agora metade em sobra com a luz do sol poente. —
Foi como se eu fosse igual a Lorien. E estávamos em todos os lugares.
— Interessante — Adam responde, observando o templo e então
olhando para o chão abaixo de seus pés, com uma mistura de cuidado e
temor. — Para onde você acha que foi? Seus Legados estão...?
— Eu não sinto nada diferente — eu digo.
— Eu também não — Marina concorda. — Mas alguma coisa mudou.
Lorien está por aí agora. Na Terra.
Não é definitivamente o resultado que eu estava esperando, mas Marina
parece ter tanta certeza sobre isso. Eu não quero ser a chuva e estragar a
festa dela.
— Acho que veremos se alguma coisa mudou quando voltarmos para a
civilização. Talvez a Entidade esteja lá chutando alguns traseiros.
Marina olha para o templo.
— Deveríamos deixá-lo assim? Sem proteção?
— O que sobrou para ser protegido? — Adam pergunta.
— Ainda há um pouco da, uh, da entidade aqui — Marina responde. —
Mesmo agora, acho que o Santuário ainda é uma maneira de... eu não sei, ao
certo. Entrar em contato com Lorien?
— Não temos outra escolha. Os outros vão precisar de nós.
— Espere um segundo — Adam diz, olhando em volta. — Onde está
Areal?
Com tudo o que aconteceu dentro do Santuário, esqueci
completamente do Chimæra que deixamos do lado de fora para ficar de
guarda. Não há sinal do lobo em lugar algum.
— Poderia ele ter ido mata adentro atrás daquela mulher mog? —
Marina pergunta.
— Phiri Dun-Ra — Adam corrige, nomeando a nascida naturalmente que
sobreviveu ao nosso ataque. — Ele não iria atrás dela sozinho assim.
— Talvez a luz do Santuário o tenha assustado — sugiro.
Adam franze a testa, então põe as mãos em concha ao lado da boca.
— Areal! Venha, Areal!
Ele e Marina começam a procurar por qualquer sinal do Chimæra. Subo
no Skimmer para ter uma visão melhor dos arredores.
Daqui de cima, algo chama minha atenção. Uma silhueta cinza se
contorcendo debaixo de um tronco podre perto da entrada da floresta.
— O que é aquilo? — eu grito, apontando para lá.
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Adam corre em direção, com Marina logo atrás. Um momento depois,
Adam traz a pequena forma em minha direção, com uma expressão
preocupada.
— É o Areal — Adam diz. — Quer dizer, eu acho que é.
Adam segura um pássaro cinza em suas mãos. Está vivo, mas seu corpo
está duro e contorcido, como se tivesse sofrido um ataque de choque elétrico
e nunca se recuperado dos espasmos. Suas asas se sobressaem em ângulos
estranhos e seu bico está meio aberto, congelado. Embora isso não seja nada
parecido com o lobo poderoso que deixamos para trás há algum tempo, há
uma característica que imediatamente reconheço. É Areal, com certeza. Ele
parece mal, seus olhos negros de pássaro vasculham ao redor
freneticamente. Ele está vivo, sua mente está funcionando, mas seu corpo
não está respondendo.
— Que diabos aconteceu com ele? — pergunto.
— Eu não sei — Adam diz, e por um momento acho que vejo lágrimas
em seus olhos. Ele se acalma. — Ele parece... ele parece como os outros
Chimæra antes de eu resgatá-los da Ilha Plum. Eles foram usados em
experimentos.
— Está tudo bem Areal, está tudo bem — Marina sussurra.
Ela gentilmente amacia as penas da cabeça dele, tentando acalmá-lo. Ela
usa seu Legado para curar a maioria dos ferimentos que o cobrem, mas o
Legado não liberta Areal da paralisia.
— Não podemos fazer mais nada por ele aqui — eu digo. Eu me sinto
mal, mas precisamos continuar. — Se aquela mog fez isso com ele, ela já foi
há tempos. Vamos apenas voltar e nos encontrar com os outros. Talvez eles
tenham ideias sobre o que podemos fazer.
Adam traz Areal a bordo do Skimmer e o enrola num lençol. Ele tenta
deixar o Chimæra paralisado o mais confortável possível antes de se sentar
atrás dos controles da nave.
Quero entrar em contato com John, descobrir o que está acontecendo
fora da selva mexicana. Puxo o telefone de satélite do bolso e me sento
numa poltrona perto de Adam. Enquanto ele começa a reiniciar a nave, ligo
para John. O telefone toca sem parar. Depois de um minuto, Marina se inclina
para frente e olha para mim.
— Quão preocupados devemos ficar por ele não atender? — ela
pergunta.
— A quantidade normal de preocupação — respondo. Não posso evitar
olhar para meu tornozelo. Sem novas cicatrizes – como se fosse possível não
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sentirmos a dor dilacerante. — Pelo menos sabemos que eles ainda estão
vivos.
— Alguma coisa está errada — Adam diz.
— Não podemos saber — respondo rapidamente. — Não é porque ele
não atende o celular uma vez que significa que...
— Não. Eu quero dizer, com a nave.
Quando afasto o celular da orelha, posso ouvir o som estranho que o
motor do Skimmer está emitindo. As luzes do painel na minha frente piscam
erraticamente.
— Pensei que você soubesse como fazer essa coisa funcionar — eu
digo.
Adam franze as sobrancelhas, então bruscamente desliga os botões no
painel, desligando a nave. Abaixo de nós, o motor range e faz um barulho
estridente, como se algo estivesse muito errado.
— Eu sei como funcionar essa coisa, Seis — ele devolve. — Não é erro
meu.
— Desculpe — respondo, observando enquanto ele espera o motor
desligar por completo para religar a nave. O motor – tecnologia mogadoriana
que deveria funcionar em um silêncio mortal – mais uma vez range e faz
barulhos estranhos. — Talvez devêssemos tentar algo além de ligar e
desligar.
— Primeiro Areal, agora isso. Não faz sentido — Adam murmura. — Os
eletrônicos ainda funcionam. Bem, tudo com exceção do diagnóstico
automático, que é exatamente o que nos diria o que há de errado com o
motor.
Eu me levanto e aperto o botão que abre o painel. O domo de vidro se
parte sobre nós.
— Vamos dar uma olhada — eu falo.
Todos saímos do Skimmer. Adam pula para inspecionar a parte de baixo
da nave, mas fico na parte de cima do capô, perto do painel. Eu me pego
olhando para o Santuário, a construção de calcário antiga que agora nada
mais é do que uma sombra. Marina está perto de mim, observando
silenciosamente.
— Você acha que venceremos? — pergunto a ela, sem tempo de evitar a
pergunta. Não tenho nem certeza se quero uma resposta.
Marina não diz nada por algum tempo. Depois, ela põe sua cabeça em
meus ombros.
— Eu acho que estamos mais perto de vencer hoje do que estivemos
ontem.
22
— Eu queria poder ter certeza de que ter vindo aqui valeu a pena — eu
digo, apertando o telefone-satélite, desejando que ele toque.
— Você precisa ter fé — Marina responde. — Estou lhe dizendo, Seis, a
Entidade fez alguma coisa...
Tento acreditar nas palavras de Marina, mas tudo em que consigo
pensar são os aspectos práticos. Eu me pergunto se a inundação de energia
lórica do Santuário foi o que acabou com nossa nave, em primeiro lugar.
Ou talvez tenha uma explicação mais simples.
— Ei, gente? — Adam chama debaixo da nave. — Acho que vocês
deveriam ver isso.
Desço para a parte de baixo do Skimmer, Marina logo atrás de mim. Nós
encontramos Adam encravado entre as escoras metálicas do trem de pouso,
um painel dobrado debaixo do ventre blindado da nave no chão a seus pés.
— Esse é o nosso problema? — pergunto.
— Isso já era — Adam explica, chutando a peça desalojada. — E olhem
para isso...
Adam gesticula para que eu me aproxime, então sigo até estar ao seu
lado, tento uma visão interna dos motores da nossa nave. O motor do
Skimmer poderia provavelmente caber dentro do capô de uma caminhonete,
porém é mais complicado do que qualquer coisa já construída na Terra. Ao
invés de pistões ou engrenagens, o motor é composto por uma série de
esferas sobrepostas. Elas giram com pouca frequência enquanto Adam as
empurras inutilmente contra a ponta dos cabos expostos que seguem mais
profundamente para baixo da nave.
— Veja, os sistemas elétricos estão intactos — Adam diz, sacudindo os
cabos. — É por isso que ainda temos um pouco de energia. Mas só isso não é
o suficiente para fazer com que a propulsão antigravidade funcione. Esses
rotores centrífugos aqui? — ele aponta para as esferas sobrepostas. — São
elas que nos tiram do chão. A coisa é, elas também estão intactas.
— Então você está me dizendo que o Skimmer deveria estar
funcionando? — pergunto, enquanto olho para os motores.
— Deveria — Adam confirma, mas então ele gesticula para um ponto
vazio entre os rotores e os fios. — Com exceção disso, está vendo?
— Eu não tenho ideia do que diabos estou olhando, cara — eu digo. —
Está quebrado?
— Há um conduíte faltando — ele explica. — É ele que transfere a
energia gerada pelos motores para o resto da nave.
— E você está me dizendo que ele não caiu da nave.
— Obviamente que não.
23
Dou alguns passos para longe dos motores do Skimmer e observo os
arredores perto das árvores em busca de qualquer movimento. Nós já
matamos todos os mogs que estavam tentando entrar no Santuário.
Todos, com exceção de uma.
— Phiri Dun-Ra — eu digo, lembrando que ela ainda está por aí.
Estávamos tão focados em entrar no Santuário para nos incomodarmos
com ela antes, e agora...
— Ela nos sabotou — Adam concorda, chegando à mesma conclusão
que eu.
Phiri Dun-Ra fez uma encenação até que boa com Adam quando
chegamos, e estava preste a fritar o rosto dele no campo de força do
Santuário antes de atacarmos. Ele ainda parece bem assustado com isso.
— Ela tirou Areal do caminho e então veio até aqui. Deveríamos tê-la
matado.
— Ainda dá tempo — eu digo, franzindo a testa.
Não vejo nada nas árvores, mas isso não significa que Phiri Dun-Ra não
esteja lá nos observando.
— Não poderíamos substituir essa parte com uma de outro Skimmer? —
Marina pergunta, gesticulando para a dúzia de outras naves mogadorianas
espalhadas pelo local.
Adam grunhe e sai do Skimmer. Ele segue até a nave mais próxima, sua
mão esquerda segurando um canhão mogadoriano que ele pegou de um dos
soldados que matamos.
— Aposto que essas naves têm peças e painéis que são exatamente
como os nossos — Adam murmura. — Pelo menos espero que ela tenha
machucado as mãos.
Eu me lembro das mãos enfaixadas de Phiri Dun-Ra, queimadas por
terem entrado em contato com o campo de força do Santuário. Nós
deveríamos ter imaginado isso e não ter deixado ninguém vivo. Mesmo antes
de Adam chegar perto da nave, tenho um mal pressentimento.
Adam se abaixa embaixo da nave, examinando-a. Ele suspira e olha para
mim antes de gentilmente dar uma cotovelada no casco da nave sob ele. O
painel do motor cai como se nunca tivesse estado preso.
— Ela está brincando com a gente — ele diz, sua voz num tom baixo,
porém grave. — Poderia ter atirado em nós quando saímos do Santuário.
Porém, ela quer nos manter aqui.
— Ela sabe que não pode nos vencer sozinha — eu falo, levantando
meu tom de voz um pouquinho, pensando que talvez Phiri Dun-Ra possa
morder a isca e sair do esconderijo.
24
— Ela removeu essas partes, certo? — Marina pergunta. — Não as
destruiu?
— Não, parece que ela apenas as pegou — Adam responde. —
Provavelmente não quer ser responsável por destruir um monte de naves
além de já ter perdido seu esquadrão. Contudo, nos manter aqui por tempo
suficiente até o reforço chegar para nos capturar e nos matar provavelmente
vai lhe dar um passe VIP até o seu Adorado Líder.
— Ninguém vai ser capturado nem morto — eu digo. — Com exceção
de Phiri Dun-Ra.
— Há outra maneira de fazer com que nossa nave decole? — Marina
pergunta a Adam. — Você poderia... eu não sei? Improvisar alguma coisa?
Adam coça sua nuca, olhando para as outras naves.
— Suponho que seja possível. Depende do que podemos conseguir
juntar. Eu posso tentar, mas não sou um mecânico.
— Isso é um começo — eu digo, olhando para o céu para ver quanto da
luz do dia ainda nos resta. Não muito. — Ou, podemos entrar naquela
floresta, caçar Phiri Dun-Ra e recuperar nossa peça.
Adam assente.
— Eu prefiro esse plano.
Olho para Marina.
— E você?
Eu nem tenho que perguntar. O suor em meu braço formiga – ela está
irradiando a aura gelada.
— Vamos caçar — Marina diz.
25
Capítulo três
SOB CONDIÇÕES IDEAIS, A CAMINHADA ATÉ A UNION SQUARE DEVERIA
DEMORAR cerca de quarenta minutos. Fica a apenas dois quilômetros daqui.
Mas estas são de longe condições não-ideais. Sam e eu estamos voltando pelos
mesmos quarteirões os quais passamos à tarde lutando contra os mogs. Indo de
volta para o local onde a presença mogadoriana é mais forte.
Com sorte, Nove e Cinco ainda não terão se matado quando chegarmos lá.
Vamos precisar deles se quisermos ter um pouco de esperança em vencer essa
guerra.
De ambos.
Sam e eu seguimos pelas sombras. Alguns bairros ainda têm eletricidade,
então os postes das ruas estão acesos, brilhando como se fosse um fim de tarde
comum numa cidade grande, como se as ruas não estivessem cheias de carros
capotados e rachaduras no pavimento. Nós evitamos esses bairros, pois
sabemos que será mais fácil para os mogadorianos nos encontrarem.
Passamos por onde deveria ser Chinatown. Parece que um tornado atingiu
aqui. As calçadas estão intransitáveis em um dos lados, um bairro inteiro com
prédios que desmoronaram. Há centenas de peixes mortos no meio da rua.
Temos que abrir caminho cuidadosamente através dos obstáculos.
No meio do caminho, ainda havia pessoas perto destes bairros. O DPNY
estava tentando conseguir uma evacuação organizada, mas a maioria fugia
desesperadamente, apenas tentando ficar à frente dos esquadrões
mogadorianos que pareciam ter a mesma probabilidade de assassinar as
pessoas ou levá-las como prisioneiras. Todos estavam em pânico e em estado
de choque frente à sua terrível realidade. Sam e eu recolhemos os retardatários,
aqueles que não conseguiram fugir a tempo, ou aqueles grupos que foram
separados pelas patrulhas mogadorianas. Havia muito deles. Agora, depois de
dez quarteirões, não vimos mais nenhuma alma viva. Talvez a maioria das
pessoas na parte baixa de Manhattan tenha conseguido fugir para a Ponte do
Brooklyn – isso se os mogs não estiverem atacando lá nesse momento.
De qualquer forma, descobri de que as pessoas que conseguiram
sobreviver até o fim do dia são espertas o suficiente para passar a noite
escondidas.
Enquanto seguimos para o próximo quarteirão desolado, Sam e eu
contornamos cuidadosamente uma ambulância abandonada, onde escuto
sussurros vindos de um beco próximo. Coloco minha mão nos braços de Sam e,
26
quando paramos de andar, o barulho cessa. Posso dizer que estávamos sendo
observados.
— O que foi? — Sam pergunta, com a voz num tom baixo.
— Há alguém lá.
Sam semicerra os olhos para a escuridão.
— Vamos continuar — ele diz depois de alguns segundos. — Eles não
querem nossa ajuda.
É difícil para mim deixar alguém para trás. Mas Sam tem razão – quem
quer que esteja lá, está perfeitamente bem escondido, e nós estaríamos
colocando-os em um perigo maior se os levássemos conosco.
Cinco minutos depois, nós viramos uma esquina e vemos nossa primeira
patrulha mogadoriana da noite.
Os mogs estão no lado oposto do quarteirão, então temos um espaço
seguro para observá-los. Há doze soldados, todos carregando canhões. Sobre
eles, um Skimmer está zumbindo, varrendo a rua com um holofote de luz preso
sob a nave. A patrulha se move metodicamente pelo quarteirão, um grupo de
quatro soldados periodicamente se separando dos outros para entrar nos
apartamentos escuros dos prédios.
Eu os observo nessa rotina por duas vezes, e em ambas suspiro aliviado
quando os soldados retornam sem prisioneiros. O que aconteceria se os mogs
encontrassem um humano em algum destes prédios e o arrastasse aos berros
pela rua? Eu não poderia deixar isso acontecer, certo? Eu teria que lutar. E o
que aconteceria depois que Sam e eu seguíssemos nosso caminho? Eles são
predadores. Se os deixarmos vivos, eventualmente encontrarão outra presa.
Enquanto considero isso, Sam me cutuca, apontando para um beco
próximo que irá nos ajudar a evitar os mogs.
— Vamos — ele fala quase sem fazer som. — Antes que eles cheguem
perto demais.
Fico enraizado no lugar, considerando nossa sorte. Há apenas doze deles,
mais a nave. Eu já lutei com grupos maiores antes e ganhei.
Porém, ainda estou cansado da tarde que passamos batalhando sem
intervalos, mas teríamos o elemento surpresa do nosso lado. Eu poderia
derrubar o Skimmer antes mesmo de eles perceberem que estão sob ataque, e
o resto cairia facilmente.
— Nós podemos contra eles.
— John, está maluco? — Sam pergunta, segurando meu ombro. — Não
podemos lutar contra cada mogadoriano que está em Nova York.
— Mas podemos lutar contra esses aqui — respondo. — Estou me
sentindo melhor agora, e se alguma coisa der errado, posso nos curar depois.
27
— Presumindo que não iremos, você sabe, levar um tiro na cara e morrer.
De batalha em batalha, nos curar logo depois – por quanto tempo acha que
pode fazer isso?
— Eu não sei.
— Há muito deles. Temos que escolher nossas batalhas.
— Você está certo — admito de má vontade.
Nós seguimos em direção do beco, pulamos uma cerca de metal e
emergimos no quarteirão vizinho, deixando a patrulha mogadoriana com sua
caçada.
Logicamente, sei que Sam está certo. Eu não deveria gastar meu tempo
com uma dúzia de mogs enquanto há uma guerra maior para ser vencida.
Depois de um dia exaustivo, eu deveria estar conservando minhas forças. Sei
que tudo isso é verdade. Mesmo assim, não posso evitar me sentir um covarde
por evitar as batalhas.
Sam aponta para uma placa que marca a 1st Street com a Segunda
Avenida.
— Ruas numeradas. Estamos chegando mais perto.
— Eles estavam lutando perto da 14th Street, mas isso foi há pelo menos
uma hora. Pela forma que estava acontecendo, eles podem ter ido para
qualquer direção a partir de lá.
— Então vamos manter nossos ouvidos atentos para explosões e
xingamentos criativos — Sam sugere.
Nós andamos apenas alguns quarteirões antes de encontrarmos nossa
segunda patrulha de mogs da noite. Sam e eu nos escondemos atrás de um
caminhão de entregas, carrinhos abandonados com pães assados
recentemente. Movo minha cabeça em direção à frente do caminhão, para
observar. Mais uma vez, há doze soldados com um Skimmer ajudando-os.
Porém, esse grupo se comporta diferentemente do último. A nave está
flutuando, estabilizada, com seu holofote direcionado para uma janela
estilhaçada de um banco. Todos os mogs do lado de fora têm seus canhões
apontados para o prédio. Alguma coisa os assustou.
Reconto as cabeças pálidas que estão olhando para a luz do holofote.
Onze. Apenas onze onde definitivamente havia doze. Será que algum deles
virou cinzas sem que eu notasse?
— Vamos — Sam diz cautelosamente, provavelmente pensando que estou
querendo arrumar briga mais uma vez. — Deveríamos ir enquanto eles estão
distraídos.
— Espere um pouco. Algo está acontecendo aqui.
28
Enquanto os outros dão cobertura, dois mogs seguem em direção ao
banco. Eles estão indo devagar, com as armas apontadas, procurando por
alguma coisa além da luz do Skimmer.
Quando alcançam o limiar do banco, ambos os mogs têm suas armas
arrancadas das mãos e jogadas para longe. O esquadrão inteiro pausa,
congelado, frisado por esse acontecimento.
É telecinesia. Alguém acabou de desarmar os mogs com um Legado.
Olho com surpresa para Sam.
— Nove ou Cinco — eu digo. — Eles estão encurralados.
Voltando para a realidade, o resto dos mogs abre fogo sobre a escuridão
do banco. Os dois soldados desarmados são erguidos do chão, mais uma vez por
telecinesia, e usados como escudo. Eles se desintegram em cinzas na enxurrada
de tiros do seu esquadrão. Então uma mesa sai voando de dentro do banco.
Dois mogs são atingidos pela mobília, e os outros correm para procurar abrigo.
Enquanto isso, o Skimmer é levado para mais perto da rua, suas armas sendo
ativadas, ansiosas para um tiro em direção ao interior do banco.
— Eu fico com a nave, você com os soldados — eu digo.
— Então vamos — Sam diz, assentindo. — Só espero que não seja o Cinco
encurralado lá.
Salto detrás da caminhonete e corro em direção à ação, acendendo meu
Lúmen enquanto sigo. As terminações nervosas de minhas mãos parecem estar
fritas. Posso realmente sentir o calor do meu próprio Lúmen, como se eu
estivesse passando minha mão sobre a chama de uma vela. A dor é suportável,
claramente um efeito colateral pelo esforço excessivo de hoje. Eu aguento
firme, rapidamente lançando uma bola de fogo no Skimmer. Meu primeiro
ataque explode o holofote, escurecendo a rua. A nave perde o controle assim
que descarrega sua arma no banco, com a explosão mais forte criando
rachaduras na parede de tijolos do prédio. Com a arma principal distraída,
espero ver Nove sair de dentro do banco e se juntar à luta.
Ninguém aparece. Talvez o Garde lá dentro esteja ferido.
Depois de um longo dia lutando entre si e contra os mogs, eles
provavelmente estão mais desgastados do que eu.
Ouço um chiado de eletricidade atrás de mim – Sam está usando sua arma
– e observo enquanto os dois mogs mais próximos são explodidos em cinzas.
Nos vendo chegar por trás, um dos mogs tenta se abaixar atrás de um carro
estacionado. Sam o arranca da proteção com sua nova telecinesia e acaba com
ele.
Um dos outros mogs grita uma explosão de palavras irritantes em
mogadoriano num comunicador. Provavelmente pedindo reforço pelo rádio.
29
Entregando nossa localização – isso não é bom.
Subo no teto de um SUV estacionado convenientemente abaixo do
Skimmer. No meu caminho, arremesso uma bola de fogo no mogadoriano que
está com o comunicador. Ele é engolido pelas chamas e logo não é nada mais do
que um monte de cinzas envolto em engrenagens derretidas. Mesmo assim, o
dano está feito. Eles sabem que estamos aqui. Precisamos sair daqui depressa.
Salto do teto do SUV, criando uma enorme cavidade no metal com minha
força. Ao mesmo tempo, acerto o Skimmer com um soco telecinético. Não
tenho o poder para derrubar a nave, mas eu a acerto com força suficiente, de
modo que um dos lados da nave em forma de pires se inclina para baixo, na
minha direção. Subo direto em cima da coisa, dois pilotos mogadorianos me
encarando em estado de choque.
Há algumas semanas, teria sido bom ver dois mogs com medo. Eu até teria
dito alguma coisa engraçada, pegando emprestado algumas do livro de piadas
do Nove antes de matá-los. Mas agora – depois do terror que eles
desencadearam em Nova York – não perco o meu fôlego para isso.
Arranco a porta da cabine, soltando-a de suas dobradiças e arremessando-
a para a noite. Os mogs tentam se soltar dos cintos em seus assentos, tateando
por seus canhões. Antes que eles possam fazer qualquer coisa, libero um
exaustor, que solta um fogo branco muito quente. O Skimmer imediatamente
começa a ficar fora do controle.
Pulo da nave, caindo com força na calçada abaixo, minhas pernas cansadas
mal conseguindo me suportar. O Skimmer se choca contra uma loja do outro
lado da rua e explode, fumaça preta ascendendo para fora da janela quebrada
da loja.
Sam corre até mim, sua arma apontada para o chão. O resto da área está
limpa em relação aos mogs. Por enquanto.
— Derrubamos doze, e tipo, ainda falta uns cem mil — Sam fala
secamente.
— Um deles conseguiu se comunicar com os outros. Precisamos ir — digo
a Sam, mas enquanto falo, sinto a luz da outra nave acima de nós mais uma vez.
A adrenalina da batalha se foi, minha fadiga voltou. Eu tenho que me apoiar nos
ombros de Sam por um minuto, para que eu possa me orientar.
— Ninguém saiu do banco — Sam diz. — Não acho que seja Nove lá. A
menos que ele esteja ferido, está tudo muito quieto.
— Cinco — eu resmungo, me movendo cautelosamente em direção à
entrada explodida do banco. Eu não tenho certeza se posso aguentar uma briga
com ele agora. Minha única esperança é que Nove tenha feito um bom trabalho
com ele.
30
— Lá — Sam diz, apontando para a entrada escura.
Alguém está se movimentando ali. Quem quer que seja, parece ter se
escondido atrás de um sofá durante a batalha toda.
— Ei, está tudo limpo aqui — eu falo em direção ao banco, rangendo meus
dentes enquanto ilumino o interior com meu Lúmen. — Nove? Cinco?
Não é alguém da Garde que cautelosamente dá um passo em direção ao
meu raio de luz. É uma garota. Ela provavelmente tem a nossa idade, é alguns
centímetros mais baixa que eu, com um corpo magro de velocista. Seu cabelo
está amarrado para trás em tranças. Suas roupas estão desgastadas devido à
batalha ou ao caos geral, mas além disso, ela parece ilesa. Pendurada atrás do
ombro esquerdo da garota há uma mochila que parece pesada. Ela olha de Sam
para mim com olhos castanhos arregalados, eventualmente focando na luz
brilhante da palma da minha mão.
— Você é ele — a garota diz, dando um passo à frente. — Você é o garoto
da TV.
Agora que a garota está perto o suficiente para vê-la, apago meu Lúmen.
Não quero iluminar nossa localização para os reforços mogadorianos que estão
a caminho.
— Eu sou John — digo a ela.
— John Smith. É, eu sei — a garota responde, assentindo exageradamente.
— Eu sou Daniela. Você realmente acabou com aqueles alienígenas infernais.
— Ahn, obrigado.
— Havia alguém lá dentro com você? — Sam interrompe, esticando seu
pescoço para olhá-la. — Um cara com raivoso problemático que tem hábito de
tirar a camisa? Um caolho bruto?
Daniela vira sua cabeça para Sam, franzindo as sobrancelhas.
— Não. O quê? Por quê?
— Pensamos ter visto alguém atacar aqueles mogs com telecinesia —
explico, olhando para Daniela mais uma vez, sentindo igualmente curiosidade e
cuidado. Já fomos enganados por aliados potenciais antes.
— Você quer dizer isso? — Daniela estica sua mão e um dos canhões que
antes pertenceu a um dos mogs mortos flutua até ela. Ela o segura e o apoia até
o ombro que não está apoiando a mochila. — Uh-huh. Isso é novo para mim.
— Eu não sou o único — Sam diz, olhando para mim com os olhos
arregalados.
Minha mente está trabalhando com as possibilidades tão rápido que fico
mudo. Posso não ter entendido o motivo, mas Sam desenvolver Legados fez
sentido para mim até certo ponto. Ele passou tanto tempo com nós da Garde,
fez tanto para nos ajudar – se qualquer humano fosse desenvolver Legados,
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teria de ser ele. As horas desde que a invasão começou foram tão loucas que
realmente não tive tempo para pensar mais sobre isso. Não precisei, na
verdade. Sam com Legados pareceu tão lógico.
Quando imaginei outros humanos ao lado de Sam desenvolvendo Legados,
eu estava pensando nas pessoas que conhecemos, pessoas que nos ajudaram.
Pensei em Sarah, na maior parte do tempo. Definitivamente não em uma garota
aleatória. Essa garota, porém, Daniela, ter desenvolvido um Legado significa
algo muito maior do que eu imaginei que havia acontecido.
Quem é ela? Por que ela desenvolveu Legados? Há quantos mais iguais a
ela por aí?
Enquanto isso, Daniela está olhando para nós com aquele olhar
novamente.
— Então, hum, posso perguntar por que você me escolheu?
— Te escolhi?
— É, para me tornar uma mutante — Daniela explica. — Eu não podia
fazer essa droga até hoje quando você e os caras pálidos...
— Mogadorianos — corrige Sam.
— Eu não podia mover as coisas com a mente até você e os modagorianos
aparecerem — Daniela termina. — O que há, cara? Nenhuma das outras
pessoas que vi por aí tinha poderes.
Sam pigarreia e levanta sua mão, mas Daniela o ignora. Ela está no meio
de uma encenação agora.
— Eu sou radioativa? O que mais posso fazer? Você tem essas luzes
brilhantes que acendem na sua mão. Eu vou ser capaz de fazer isso também?
Por que eu? Responda a última primeiro.
— Eu... — coço a minha nuca, oprimido. — Não tenho a menor ideia
porque aconteceu com você.
— Oh — Daniela franze a testa, olhando para o chão.
— John, não deveríamos ir?
Assinto quando Sam me lembra do pendente reforço mogadoriano. Já
estamos aqui parados e conversando por muito tempo.
Diante de mim – bem na minha frente, no caso – está... o que,
exatamente? Novos membros da Garde? Humanos. Não se parece com nada do
que já contemplei. Preciso me concentrar e raciocinar sobre o
novo status rapidamente, porque se houver mais humanos Gardes por aí, eles
vão precisar de ajuda. E com todos os Cêpans mortos...
Bom, assim resta nós. Os lorienos.
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Primeiramente, tenho que ter certeza de que Daniela vai ficar conosco.
Preciso de tempo para falar com ela, para tentar descobrir o que exatamente
desencadeou o seu Legado.
— Não é seguro aqui, você deveria vir conosco — eu digo a ela.
Daniela olha em volta, para a destruição que nos rodeia.
— Será seguro onde quer que você esteja indo?
— Não. Óbvio que não.
— O que John quer dizer é que esse bairro em particular vai estar cheio de
mogadorianos a qualquer minuto — Sam explica.
Ele começa a se afastar do banco, tentando ser um exemplo. Daniela não o
segue, então eu também não.
— Seu companheiro está nervoso — Daniela observa.
— Meu nome é Sam.
— Você é um cara nervoso, Sam — Daniela responde, com uma mão na
cintura. Ela começou a me olhar novamente, dos pés à cabeça. — Se mais
daqueles alienígenas aparecerem, por que você não simplesmente explode o
traseiro deles?
— Eu... — eu me vejo reciclando a lógica do escolha-sua-batalha que me
fez arrepiar todo quando Sam a usou comigo. — Há muito deles para
continuarmos lutando. Você pode não perceber e nem sentir agora porque
acabou de começar a usá-los, mas nosso Legados não têm uma fonte ilimitada.
Você pode abusar, ficar cansada, e então não seremos bons para ninguém.
— Conselho bom — Daniela diz. Ela continua enraizada no lugar. — Que
pena que você não pôde responder nenhuma das minhas perguntas.
— Olhe, eu não sei o motivo pelo qual você desenvolveu Legados, mas é
um acontecimento incrível. Uma coisa boa. Talvez seja seu destino. Você pode
nos ajudar a vencer esta guerra.
Daniela bufa.
— Sério cara? Eu não estou lutando em guerra alguma, John Smith de
Marte. Estou tentando sobreviver aqui fora. Isso é a América, mano. O Exército
vai cuidar do traseiro pálido desses alienígenas. Eles vão cuidar de tudo e
pronto.
Balanço minha cabeça em descrença. Realmente não há tempo para
explicar para Daniela tudo o que ela precisa saber sobre os mogadorianos –
sobre a tecnologia superior deles, suas infiltrações no governo da Terra, sua
fonte inesgotável de soldados nascidos artificialmente e monstros. Nunca tive
que explicar essas coisas para os outros membros da Garde. Nós sempre
soubemos disso, fomos criados entendendo nossa missão na Terra. Mas Daniela
e os outros novos membros da Garde que podem estar andando
33
desorientadamente por aí... e se eles não estiverem prontos para lutar? Ou não
quiserem?
Uma explosão sacode o chão abaixo de nós. Ela emana de alguns
quarteirões de distância, mas ainda assim é poderosa o suficiente para disparar
o alarme dos carros e ranger meus dentes. Uma cortina fina de fumaça mais
escura que o céu noturno aparece em nosso campo de visão do norte. Parece
que um prédio acabou de desmoronar.
— Falando sério — Sam diz. — Alguma coisa está vindo em nossa direção.
Outra explosão, mais perto, confirma as suspeitas de Sam. Eu me viro
desesperadamente para Daniela.
— Podemos ajudar uns aos outros. Temos que fazer isso, ou não
sobreviveremos — eu digo, pensando não apenas em nós três, mas nos outros
humanos e lorienos. — Estamos procurando nosso amigo. Assim que o
encontrarmos, vamos sair de Manhattan. Ouvimos que o governo estabeleceu
uma zona segura perto da Ponte do Brooklyn. Seguiremos para lá e...
Daniela acaba com meu plano, parando na minha frente. Seu tom de voz
aumentou, e eu sinto sua telecinesia contra meu peito, como se fosse seu dedo
indicador.
— Meu padrasto foi torrado por uma daquelas escórias pálidas e agora
estou procurando pela minha mãe, garoto extraterrestre. Ela trabalhava aqui
perto. Você está dizendo que eu deveria largar tudo e me juntar ao seu exército
de duas pessoas, correr pela minha cidade que serviu de cenário e foi
explodida? Você está dizendo que o amigo que está procurando é mais
importante do que minha mãe?
Mais uma explosão. Só que ainda mais perto. Eu não tenho ideia do que
dizer para Daniela. Que sim, salvar a Terra é mais importante do que salvar a
mãe dela? É esse o meu discurso de recrutamento? Eu teria ouvido isso se
alguém me dissesse com relação a Henri ou Sarah?
— Ah meu Deus — Sam diz, desesperado. — Podemos pelo menos
concordar em correr na mesma direção?
E é então que o reforço mogadoriano chega. Não é apenas um esquadrão
de Skimmers ou soldados que vieram nos matar.
É Anubis.
34
Capítulo quatro
A NAVE DE GUERRA MASSIVA, MAIOR QUE UM PORTA-AVIÕES, TORNA-SE
VISÍVEL NO céu noturno quando ainda está a mais ou menos cinco quarteirões
de distância. Ela se arrasta devagar através da fumaça árida que causou com
seus recentes bombardeamentos. Sam e eu conseguimos nos manter à frente
da Anubis mais cedo durante a tarde, lutando pelo caminho rumo ao sul
enquanto ela lentamente rondava o céu para o oeste. Mas agora, aqui está ela,
assombrando a avenida, na direção da Union Square.
Cerro meus punhos. Setrákus Ra e Ella estão a bordo da Anubis. Se eu
apenas conseguisse chegar lá, talvez pudesse lutar pelo caminho até chegar ao
líder mogadoriano. Talvez eu pudesse matá-lo desta vez.
Sam para do meu lado.
— No que quer que esteja pensando, é uma má ideia. Precisamos correr,
John.
Como se para pontuar a declaração de Sam, uma bola escaldante de
energia elétrica se forma no enorme canhão montado no casco da Anubis. É
como uma miniatura do sol se formando dentro do cano, e por um momento
ela ilumina os bairros com uma cor azul fantasmagórica. Então, com um som
como o de mil canhões mogadorianos sendo utilizados de uma vez, a energia
irrompe de dentro do canhão, cortando através da fachada de um prédio
comercial próximo, a estrutura de vinte andares quase desmoronando
imediatamente.
Uma onda de poeira cai sobre a rua em nossa direção. Tossindo, nós três
cobrimos os olhos para protegê-los. A poeira talvez nos dê cobertura, mas isso
não importa muito quando a nave de guerra tem um canhão que pode demolir
prédios inteiros de uma única vez.
A Anubis arrasta-se pesadamente, se aproximando, já se preparando para
mais um tiro. Não tenho certeza se Setrákus Ra está mirando em pontos de
calor dentro dos edifícios ou se está apenas destruindo as coisas
aleatoriamente, esperando nos atingir. Não importa. A Anubis é como uma
força da natureza e está vindo em nossa direção.
— Para o inferno com isso — ouço Daniela dizer, e então ela começa a se
afastar.
Sam a segue, então eu também, nós três recuando pelo mesmo caminho
que eu e Sam percorremos para chegar aqui. Teremos de encontrar outra
35
maneira de rastrear o Nove. Se ele ainda estiver nessa área, espero que ele
consiga fugir desse bombardeamento.
— Você sabe onde está indo? — Sam grita para Daniela.
— O quê? Vocês estão me seguindo agora?
— Você conhece a cidade, não é?
Outro prédio explode atrás de nós. A poeira é mais fina desta vez, nos
asfixiando, e minhas costas está sendo bombardeada com pequenos pedaços de
gesso e cimento. As explosões estão muito próximas. Talvez não sejamos
capazes de escapar da próxima.
— Precisamos sair da rua! — eu grito.
— Por aqui! — Daniela grita, enganchando uma curva à esquerda que
momentaneamente nos leva para fora do dilúvio de detritos dos edifícios que
desmoronaram no fim da avenida.
Quando Daniela vira, algo cai pelo zíper quebrado de sua mochila. Por um
curto segundo, meus olhos rastreiam uma nota de cem dólares enquanto ela
flutua através do ar e é rapidamente engolida pela nuvem de poeira de detritos.
Estranho o que você percebe quando está correndo para salvar sua vida.
Espere aí. O que exatamente ela estava fazendo naquele banco quando os
mogs a encurralaram?
Não há tempo para perguntar. Outra explosão atinge a área, essa
definitivamente muito próxima e forte o suficiente para derrubar Sam. Eu o
ajudo a levantar e nós cambaleamos para frente, ambos cobertos de poeira
pegajosa e asfixiante provida dos prédios destruídos. Embora Daniela esteja
apenas a alguns metros à frente, ela é visível apenas como uma silhueta.
— Estou aqui! — ela grita para nós.
Tento iluminar o caminho com meu Lúmen, mas não tem um efeito muito
bom nos fragmentos dos prédios destruídos. Não tenho ideia de para onde
Daniela está nos levando, não até o chão desaparecer debaixo dos meus pés e
eu me ver caindo num buraco no chão.
— Uus! — Sam deixa escapar quando ele cai no chão de concreto perto de
mim.
Daniela está de pé a alguns metros à frente. Minhas mãos e joelhos estão
ralados devido a aterrisagem, mas além disso estou ileso. Olho por cima do
ombro, vendo uma escada escura que rapidamente é coberta com detritos
vindos de cima.
Estamos em uma estação de metrô.
— Um aviso teria caído bem — digo para Daniela.
— Você disse, “para fora das ruas” — ela responde. — Estamos fora das
ruas.
36
— Você está bem? — pergunto a Sam, ajudando-o a se levantar.
Ele assente, recuperando o fôlego.
A estação de metrô começa a vibrar. As catracas de metal começam a
chacoalhar e mais poeira cai do teto. Mesmo as paredes sendo de concreto,
posso ouvir o rugido poderoso dos motores da nave de guerra. A Anubis deve
estar agora bem acima de nós. Uma luz elétrica azul chove dentro da estação
vindo de fora.
— Vão! — eu grito, empurrando Sam, Daniela já está pulando a catraca.
— Para dentro dos túneis!
O canhão descarrega com um som agudo. Mesmo protegido por camadas
de concreto, eu me arrepio com a eletricidade, meu corpo formigando até os
ossos. A estação treme e, sobre nós, um edifício deixa escapar um grunhido
agudo quando suas colunas de metal se entortam e desmoronam. Eu me viro e
corro, pulando as catracas depois de Sam e Daniela. Olho por sobre o ombro
enquanto o teto começa a ceder, primeiro selando a passagem da escadaria
pela qual acabamos de passar, e depois se espalhando em frente, para dentro
da estação. Ela não vai aguentar por muito tempo.
— Corram! — grito de novo, torcendo para ser ouvindo sobre os rangidos
da arquitetura.
No meio da escuridão do túnel da estação, nós arrancamos. Acendo meu
Lúmen para que possamos ver, minha luz reluzindo nas partes de metal em
ambos lados. Percebo um movimento do meu lado e demora alguns segundos
para perceber que há uma horda de ratos correndo ao nosso lado, também
fugindo do desmoronamento. Em algum lugar aqui embaixo, um cano deve ter
estourado, pois estou correndo com água nos tornozelos.
Com minha audição aguçada, ouço as pedras que nos envolvem grunhindo
e rasgando. O que quer que a Anubis tenha destruído na rua, causou maior
dano para a fundação da cidade. Olho rapidamente para o teto bem a tempo de
ver uma rachadura se espalhar através do concreto, rompendo rapidamente as
paredes cobertas de mofo. É como se estivéssemos tentando desviar dos danos
estruturais.
Não podemos ganhar essa corrida. O túnel irá desabar.
Estou prestes a gritar em aviso quando o túnel se rompe acima de Daniela.
Ela apenas tem tempo de olhar para cima e gritar enquanto um pedaço
desalojado de concreto desaba em sua direção.
Coloco toda a força em minha telecinesia e empurro o concreto para cima.
Eu o impeço de cair. Consegui segurar o pedaço de concreto poucos
centímetros acima da cabeça de Daniela. Faço tanto esforço para segurar o peso
massivo sob a cabeça dela que eu caio de joelhos. Sinto as veias em meu
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pescoço latejarem, suor fresco escorrendo em minhas costas. É como carregar
um tremendo peso quando você já está totalmente exausto. E enquanto isso,
novas pedaços estão se soltando rapidamente da parte quebrada do teto. É
física – o peso tem de ir para algum lugar. E esse lugar vai ser bem acima de nós.
Eu posso aguentar. Não por muito tempo.
Sinto o sangue na minha boca e percebo que estou mordendo meus lábios.
Mal consigo gritar para os outros por ajuda. Se eu mudar um pouco que seja o
foco da minha telecinesia, o peso será muito maior.
Por sorte, Sam percebe o que está acontecendo.
— Temos que segurar o teto! — ele grita para Daniela. — Temos que
ajudá-lo!
Sam para perto de mim e joga suas mãos para cima. Sinto a força de sua
telecinesia se juntar à minha e isso alivia um pouco da pressão. Agora sou capaz
de ficar em pé novamente.
Pelo canto do olho, vejo Daniela hesitar. A verdade é que, se ela correr
agora, comigo e com Sam suportando o túnel, ela provavelmente conseguirá
sair ilesa. Estaríamos ferrados, mas ela conseguiria se salvar.
Mas ela não corre. Ela para do meu outro lado e começa a ajudar. O
concreto no teto protesta e mais rachaduras aparecem nas paredes do túnel. É
um equilíbrio delicado – nossas telecinesias apenas forçam o peso da pedra de
concreto quebrado mudar-se para outro lugar. Não importa o que fizermos,
eventualmente, esse túnel vai desmoronar.
Peso suficiente foi tirado de cima de mim, então sou capaz de falar
novamente. Ignoro a sensação agoniante nos meus músculos, o peso caindo
sobre meus ombros. Sam e Daniela estão segurando, esperando por instruções.
— Andem... recuem — eu consigo grunhir. — Vamos recuar... lentamente.
De ombro a ombro, nos três marchamos lentamente para trás no túnel.
Nós mantemos a pressão telecinética diretamente acima de nós, gradualmente
a soltando das seções em que já passamos com segurança. Logo após, elas
tremem e desabam. Em certo momento, vejo dois carros caindo para dentro do
túnel, rapidamente engolidos pelos outros detritos. A rua acima de nós está se
partindo, porém nós três conseguimos segurá-la.
— Por quanto tempo? — Sam pergunta por entre os dentes.
— Não sei — eu respondo. — Continue.
— Merda — Daniela repete seguidamente, sua voz quase num sussurro.
Posso ver seus braços tremendo. Sam e ela são novatos, não estão
acostumados com telecinesia. Nunca suportei esse peso antes, e eu certamente
não chegaria nem perto de conseguir no meu primeiro dia com Legados. Posso
sentir a força deles se esvaindo, começando a se esgotar.
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Eles precisam apenas aguentar por mais alguns metros. Se eles não
conseguirem, estamos mortos.
— Nós vamos conseguir — eu murmuro. — Continuem!
Posso sentir a estação de metrô gradualmente afundar sob meus pés.
Quanto mais longe alcançamos, mais resistente o teto acima de nós fica. Passo a
passo, a contrapressão telecinética que precisamos exercer diminui, até
finalmente chegarmos a uma seção onde o teto está estável.
— Podem soltar — eu digo. — Tudo bem, já podem soltar.
Juntos, nós três soltamos o teto. Há uns dez metros de distância, o último
pedaço do teto que estávamos segurando desmorona no túnel, bloqueando o
caminho por onde viemos. Sobre nós, o túnel range e se estabiliza. Nós três
caímos na água suja do chão do túnel. Sinto literalmente que um peso foi
retirado de cima dos meus ombros. Ouço alguém vomitando próximo a mim e
vejo que é Daniela. Tento me levantar para ajudá-la, mas meu corpo não
coopera. Eu caio de cara na água.
Um segundo depois, as mãos de Sam estão embaixo dos meus braços, me
levantando. Seu rosto está pálido e tenso, como se ele não tivesse mais força.
— Ah cara, ele está morrendo? — Daniela pergunta para Sam.
— Não importa o tanto do teto que estávamos segurando, ele
provavelmente estava suportando quatro vezes mais — Sam responde. — Me
ajude com ele.
Daniela desliza para baixo do meu outro braço. Ela e Sam me levantam e
me arrastam túnel adentro.
— Ele acabou de salvar minha vida — Daniela diz, ainda sem fôlego.
— É, ele meio que faz isso — Sam vira o rosto, e sussurra no meu ouvido.
— John? Pode me ouvir? Você já pode apagar as luzes. Podemos seguir no
escuro por enquanto.
Só então que percebo que ainda estou iluminando o túnel com meu
Lúmen. Por causa da fumaça, ainda estou instintivamente mantendo as luzes
acesas. Tenho de me esforçar para conseguir apagar o Lúmen, para não lutar
contra minha própria exaustão, me permitir ser carregado.
Eu apago. Confio em Sam.
E então já não sinto mais as mãos de Sam e Daniela ao meu redor.
Não posso sentir meus pés sendo arrastados através da fina poça de água
nos túneis da estação de metrô. Todas as minhas dores e cansaço se foram até
eu estar flutuando calmamente através da escuridão.
A voz de uma garota interrompe meu descanso.
39
— John...
Uma mão fria segura na minha. É delicada e pequena, frágil, mas aperta
com força suficiente para me trazer de volta aos sentidos.
— Abra os olhos, John.
Faço o que ela diz e me encontro deitado numa mesa de operações numa
sala austera, várias máquinas de aparência cirúrgicas arrumadas e espalhadas
ao meu redor. Próximo à minha cabeça há uma máquina que se parece muito
com um aspirador de pó – um tubo de sucção com um bisturi em forma de
dente de tubarão e sua extremidade anexada a um barril cheio de uma
substância preta viscosa. O líquido flutuando dentro da máquina me lembra
daquela coisa que eu limpei das veias do secretário de defesa. Só olhar para ela
faz minha pele formigar. É inerentemente antinatural e mogadoriano.
Isso não está certo. Onde estou? Fomos capturados enquanto eu estava
inconsciente?
Não consigo sentir meus braços nem minhas pernas. E ainda,
estranhamente, não estou em pânico. Por alguma razão, eu não me sinto em
nenhum estado de perigo real. Eu já tive esse tipo de experiência fora-do-corpo
antes.
Estou num sonho, percebo. Mas ele não é meu. Alguém está controlando
isto.
Com algum esforço, consigo virar minha cabeça para a esquerda.
Não há nada diferente nessa direção, com exceção de mais equipamentos
de aparência bizarra – uma mistura equipamentos médicos de metal inoxidável
e máquinas complexas, como aquelas que encontramos em Ashwood Estates.
Na parede mais distante, embora, há uma janela. Um observatório, na verdade.
Estamos no ar, o céu escuro do lado de fora, iluminado apenas pelo fogo na
cidade abaixo.
Estou abordo da Anubis, flutuando sobre a cidade de Nova York.
Prestando atenção em cada detalhe, viro minha cabeça para a direita. Um
grupo de mogadorianos vestidos com aventais de laboratório e usando luvas
esterilizadas se amontoam ao redor de uma mesa de metal exatamente como a
que estou. Há um pequeno corpo na mesa. Um dos mogs segura um tubo de
outro barril com aquele líquido, no processo de injetá-lo no esterno de uma
jovem garota, deitada na mesa.
Ella.
Ela não chora quando a lâmina da mangueira perfura seu peito. Estou
impossibilitado de fazer qualquer coisa enquanto a gosma preta mogadoriana é
lentamente injetada dentro dela.
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Eu quero gritar. Antes que eu possa, Ella vira sua cabeça e trava um olhar
comigo.
— John — ela diz, sua voz totalmente calma apesar da cirurgia macabra
que está sendo feita nela. — Levante. Não temos muito tempo.
41
Capítulo cinco
— NÓS PODEMOS FAZER ISSO, MAS PRIMEIRO PRECISAMOS ENTENDER
COMO A Phiri Dun-Ra pensa — Adam sussurra.
— Você que é o expert na psicologia mogadoriana — respondo,
observando Adam enquanto ele usa um galho quebrado para desenhar um
quadrado na poeira do chão. — Esclareça-nos.
Nós três nos agachamos perto do Skimmer sem vida na faixa de terra
que os mogs usavam como pista de pouso. Está escuro agora, mas os mogs
tinham um monte de lanternas elétricas portáteis para realizar as rondas ao
redor do Santuário. Penso que a Phiri não teve a ideia de roubar as baterias,
então pelo menos nós temos luz. Também há alguns projetores de luz
posicionados no perímetro do templo, mas não os ligamos. Não precisamos
facilitar a espionagem sobre nós para ela.
A mata ao nosso redor parece maior agora que o sol se pôs, o ecoar do
canto dos pássaros foram trocados por som estridente de bilhões de
mosquitos. Bato no meu pescoço onde deles estava tentando me morder.
— Não há dúvida para mim que ela está lá fora, nos observando —
Adam diz. — Todos os soldados da classe dela foram treinados para vigiar.
— É, nós sabemos — eu digo, o olhando torto na escuridão. — Vocês
estiveram nos seguindo durante toda a nossa vida, lembra?
Adam continua, me ignorando.
— Ela provavelmente é capaz de ficar três dias sem dormir. E não vai
ficar no mesmo lugar, estará sempre em movimento. Não haverá um
acampamento ou nada assim para achar. Se nós formos atrás dela, ela vai
mudar de lugar, estando um passo a nossa frente. Ela tem bastante mata
para se esconder. Dito isso, o instinto dela será ficar por perto. Ela quer
manter o controle sobre nós.
Marina faz uma careta para Adam, observando-o desenhar alguns
rabiscos na poeira envolta do quadrado. Então percebo que ele está
desenhando o Santuário e a mata ao seu redor.
— Então nós temos que tirá-la de lá — Marina diz.
— Você sabe um bom jeito de fazer isso? — pergunto.
— Nós damos a ela uma coisa que nenhum mog consegue resistir.
Adam responde, e desenha um “M” na parte oeste da mata. Então, ele
olha para Marina:
— Um Garde vulnerável.
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Imediatamente, sinto o ar ao nosso redor ficar mais frio. Marina vai para
frente, chegando perto de Adam, olhando-o ameaçadoramente.
— Eu pareço vulnerável pra você, Adam?
— Com certeza não. Nós só queremos que você pareça assim.
— Uma armadilha — falo, tentando pensar. — Marina, relaxa.
Marina me dá um olhar bravo, mas sinto a sua aura de gelo desaparecer.
— Então — Adam continua. — Primeiro, nós nos separamos.
— Nos separar? — Marina repete. — Você está brincando?!
— Essa é sempre a pior ideia — concordo.
— Nós podemos ir lá e caçá-la. Seis pode ficar invisível. Ela não vai ter
chance.
— Isso poderia levar a noite toda — Adam responde. — Ou mais.
— E esse não é exatamente um bom plano nessa merda de mata —
recordo Marina, me lembrando da nossa jornada nos Everglades.
— Nós nos separamos porque é burrice — Adam explica. — Nós
fazemos parecer que estamos tentando encontrá-la, como se estivéssemos
tentando poupar tempo. Phiri verá isso como uma oportunidade...
Adam desenha três linhas saindo do templo, indo para mata.
— Seis, você vai para leste, eu vou para o sul, Marina, você vai para
oeste — Adam olha para mim. — Quando você contar duzentos passos na
mata, fique invisível. Ela não estará observando-a até esse ponto.
— O que te faz acreditar que ela não vai me atacar? — pergunto. — Eu
posso ser vulnerável.
Marina bufa. Adam balança a cabeça.
— Ela vai ir atrás daquela que possui o Legado de cura primeiro. Tenho
certeza disso.
— Por que seria isso que você faria? — Marina pergunta.
Adam encontra o seus olhos.
— Sim.
Marina e eu trocamos um olhar. Pelo menos Adam está sendo direto
sobre como ele nos caçaria. Estou feliz que ele esteja no nosso lado.
— Acho que isso faz sentido — Marina diz, examinando os desenhos na
terra. De repente ela olha para Adam. — Espera. Você está dizendo que os
mogs sabem que eu posso curar?
— Claro — ele responde. — Qualquer Legado que eles observam nos
arquivos se torna parte de um dossiê. E todos os mogs o estudam. É como a
segunda lição favorita deles depois do Grande Livro.
— Legal — eu digo.
Marina considera isso.
43
— Eles não devem saber sobre a minha visão noturna. É uma coisa que
eles nunca viram.
Adam olha para ela, tirando os olhos do plano.
— Você tem visão noturna?
Marina assente.
— Se você está certo e Phiri me atacar mesmo, eu provavelmente virei
chegando.
— É — Adam concorda. — É, isso é um bônus.
— Então o que eu faço depois que ficar invisível? — pergunto.
— Você me acha, nós ficamos invisíveis, e então voltamos e seguimos
Marina. Para estarmos lá quando Phiri atacar.
— E se ela atacar antes de vocês chegarem?
Adam sorri.
— Acho que você tenta não matá-la até nós pegarmos os conduítes de
volta.
— Você acha que ela anda com eles por aí? — Marina pergunta.
— Com sorte, ela deve estar carregando — ele responde.
— E se ela não estiver?
— Eu... — Adam olha de Marina para mim, tentando interpretar a nossa
reação. — Há maneiras de fazer as pessoas falarem. Mesmo mogadorianos.
— Nós não torturamos — Marina enfatiza. Mesmo depois de tudo o que
ela já passou, mesmo depois de perder o Oito, ela ainda tem compaixão. Ela
olha para mim, pedindo por ajuda. — Certo, Seis?
— Nós descobriremos na hora — respondo, não quero tomar uma
decisão agora. — Primeiro, vamos pegar essa vadia.
Nós três fazemos um grande encenação para nos separarmos, cada um
carregando uma lanterna. Enquanto entro na mata densa, atravesso heras
grossas e galhos que parecem garras, focando minha audição o máximo que
consigo. Torço para que talvez eu tropece em Phiri, encurtando todo esse
plano que Adam armou, mas não tenho sorte. Eu só tenho sucesso em
ampliar sons incessantes da mata.
À minha esquerda, alguma coisa escura e com um grito denso avisa que
há movimento no seu território. Há tanto movimentos e barulhos aqui, Adam
estava certo, seria praticamente impossível de rastrear Phiri Dun-Ra.
Empurro um arbusto para o lado com muito mais força do que o
necessário. Ele volta e bate no meu ombro. Eu ranjo meus dentes e me
pergunto se eu poderia simplesmente invocar um furacão aqui nessa
estúpida floresta e pegar a Phiri Dun-Ra.
44
Um mog. Nós estamos aqui atrás de uma estúpida mogadoriana. Isso
deve ser exatamente o que a Phiri queria, nos tirar do jogo quanto sabe-se lá
o que está acontecendo em Nova York. Uma invasão de auto-nível poderia
estar a caminho. Imagino John e Nove tentando lutar com hordas de
mogadorianos, Sam correndo para sobreviver, o mundo todo sendo engolido
por chamas.
É. Precisamos nos apressar.
Antes de nos separarmos indo para a floresta, acendemos as luzes ao
redor do perímetro do Santuário para que sejamos capazes de achar o
caminho de volta. Assim que estou longe o suficiente, onde mal posso ver as
luzes através das árvores, fico invisível. Só para o caso de Phiri Dun-Ra estar
me observando ao invés de Marina, uso a minha telecinesia para flutuar
minha lanterna à minha frente. Espero alguns minutos para ver se alguém
escondido nas sombras vai perseguir a minha lanterna fantasmagórica e,
quando ninguém aparece, penduro a lanterna em um galho e a deixo para
trás.
Estou bem com a minha invisibilidade, tendo desenvolvido um bom
sentido espacial depois de anos de prática. Ainda assim, não é fácil caminhar
sem luz. Pelo menos adquiri experiência na Flórida. Eu vou devagar, olhando
bem por onde piso, me esquivando por baixo dos arbustos. Em um ponto,
tenho o cuidado de passar por cima de uma cascavel, a cobra nem se mexe
enquanto eu passo.
Depois de um tempo, vejo a lanterna de Adam iluminando a mata. Ele
está se movendo devagar de propósito, me esperando. Ele não me escuta
chegar perto. Quando coloco a minha mão na dele, um segundo antes de
torná-lo invisível, eu o escuto prender a respiração e os seus ombros ficarem
tensos.
— Te assustei? — sussurro para ele.
Tiro a lanterna da sua outra mão e com a telecinesia, faço a mesma coisa
que fiz antes com a minha.
— Me surpreendeu, só isso — ele responde baixo. — Vamos.
Nós começamos a ir na direção de Marina. Eu não vou muito rápido no
começo, mas Adam tem um bom equilíbrio e parece estar indo bem. A sua
mão está surpreendente fria e seca ao contrário do ar úmido da floresta, ele
está estável com toda essa situação que não parece estranha para ele. Eu não
consigo conter uma pequena risada.
— O quê? — ele pergunta, sua voz é um sussurro na escuridão.
— É que nunca imaginei que chegaria um ponto em que eu estaria de
mãos dadas com um mogadoriano — respondo.
45
— Nós somos aliados — Adam responde. — É pela missão.
— É, obrigada por esclarecer isso. Ainda assim, não é estranho para
você?
Adam para.
— Na verdade não.
Ele não diz mais nada. Eu lembro de uma coisa que ele disse enquanto
estávamos voando para o Santuário.
— Quem eu te lembro? — pergunto a ele enquanto subimos com
cuidado num tronco caído.
— O quê?
— No Skimmer, você disse que eu te lembrava alguém.
— Você quer falar disso agora? — ele sussurra de volta.
— Eu estou curiosa — respondo, mantendo um olho a procura do brilho
da lanterna de Marina. Nós ainda não o vimos.
Adam fica quieto por tempo suficiente que me faz pensar que prefere
não falar, como se o seu silêncio fosse uma repreensão por eu não focar na
missão. Estou prestes a dizer a ele que sou completamente capaz de rastrear
um mogadoriano enquanto conversamos, quando ele finalmente me
responde.
— Número Um — ele diz. — É dela que você me lembra.
— Um? A Garde de quem você pegou o Legado?
A sua mão fica tensa na minha, como se ele tivesse que se controlar para
não arrancar a sua mão da minha.
— Ela me deu o Legado dela — ele diz. — Eu não peguei nada.
— Então tá — repondo. — Desculpe. Má escolha de palavras. Eu não
sabia que você a tinha conhecido.
— Nós tivemos um... relacionamento complicado.
— Tipo, você estava liderando os mogs que a perseguiram ou algo
assim?
Ele suspira.
— Não. Depois que ela foi morta, a consciência da Um foi implantada
junto ao meu cérebro. Por um tempo, basicamente, nós dividimos um corpo.
Acho que é por isso que não estou preocupado em segurar a sua mão ou
qualquer outra coisa de adolescente que possa estar te deixando
desconfortável pelo últimos cinco minutos. Eu já fui muito, muito próximo a
um Garde antes.
Agora sou eu que caio em silêncio. Eu nunca conheci a Número Um. Ela
permanece um completo mistério para mim, mais como um conceito. A Um
sem sorte. A primeira a morrer. A primeira a ser morta. E mesmo assim, Adam
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tem todo um conhecimento dela. É estranho pensar que um mogadoriano já
se preocupou bem mais com a Número Um do que eu durante toda a minha
vida. Não só isso, parece que ele realmente se importa com ela. Nossa
conversa fica cada vez mais estranha.
— Lá está ela — ele sussurra, acabando com qualquer conversa
estranha quando vemos a lanterna de Marina.
— Bom — Adam diz, parecendo aliviado. — Agora nós a seguimos e
esperamos que Phiri Dun-Ra caia na arm...
Adam é interrompido por um tiro crepitante azul de um canhão,
exatamente na lanterna. Mesmo com o barulho da floresta, consigo escutar o
grito de Marina.
— Droga! Vai!
Solto a mão de Adam e corro através da mata usando a minha
telecinesia para desviar os galhos emaranhados e dos densos arbustos.
Tenho certeza de que levei alguns arranhões pelo caminho, mas isso não
importa. As criaturas fazem barulho ao meu redor com pânico enquanto
passo por seus territórios. Tenho uma boa vantagem sobre Adam, correndo
atrás de mim, pelo caminho que eu estou limpando.
Logo a frente, posso dizer que a lanterna de Marina caiu no chão pelo
jeito que ela lança raios de luz curvados nas árvores retorcidas. Correndo com
toda a minha capacidade, leva menos de um minuto para abrir meu caminho
pela mata. Eu entro na pequena clareira onde a lanterna de Marina está no
chão, no exato momento de ver Marina levando sua mão sobre a queimadura
de um tiro de canhão em seu outro braço. Ela me vê enquanto cura a sua
carne empolada.
— O plano funcionou — Marina diz casualmente.
— Você está machucada — respondo.
— Isso? Ela teve sorte.
Respiro aliviada, então olho para o lado de Marina, onde Phiri Dun-Ra
nos encara de joelhos. Há uma tira de sangue fresco escorrendo através de
suas tatuagens mogadorianas, com as tranças puxadas para trás –
provavelmente foi assim que Marina venceu a luta. Suas mãos e tornozelos
estão presos pelo o que noto serem algemas de gelo. Parece que Marina está
ficando muito boa com seu Legado.
Adam chega à clareira alguns segundos depois de mim. O olhar de Phiri
Dun-Ra fica com mais ódio quando ele aparece.
— Você a pegou — Adam diz, e Marina concorda, até sorrindo um
pouco. — Você está bem?
— Estou — Marina responde. — Agora o que faremos com ela?
47
— Vocês deveriam me matar — Phiri aumenta a sua voz, cuspindo no
chão a sua frente. — A visão de ver um nascido naturalmente cooperando
com o lixo lorieno ofende os meus olhos, e não desejo mais viver.
— Oi para você também, Phiri — Adam responde, revirando os olhos. —
O que você fez com o meu Chimæra?
Os olhos da Phiri Dun-Ra clareiam.
— Um pequeno truque que aprendi na Ilha Plum com os cientistas e a
frequência de um canhão. O seu animal de estimação morreu? Não tive
tempo de checar o corpo dele.
— Ele sobreviveu. Que azar o seu.
— Nós não vamos te matar — começo a dizer, mas Phiri se joga no chão,
me interrompendo.
— Porque vocês são uns covardes — ela grunhe. — Você quer me
reabilitar como esse ai? Fazer de mim outro animal de estimação
mogadoriano? Isso não vai acontecer.
— Você não me deixou terminar — eu digo, me aproximando dela. —
Nós não vamos te matar ainda.
— Você a revistou? — Adam pergunta a Marina.
— Ela estava carregando só o canhão — Marina responde.
A única coisa que Phiri carrega agora é sua armadura mogadoriana. Mas
não há espaço sequer onde ela possa ter escondido peças de naves.
— Onde estão os conduítes? — pergunto a ela. — Nos devolva e eu farei
a sua morte ser rápida.
Marina me lança um olhar rápido, sua sobrancelha erguida. Eu não quis
responder à essas questões antes, o que nós fazemos com um mogadoriano
capturado e quão longe nós vamos para conseguir o que precisamos?
Tortura. O pensamento me dá ânsia de vômito, especialmente lembrando do
tempo em que eu era umas das pessoas a serem mantidas e torturadas. Sinto
como se estivesse cruzando uma linha, como se fosse algo que eles fariam. É
diferente do que matá-los em batalha, quando eles estão lutando de volta e
tentando nos matar também. Phiri Dun-Ra nos ajuda mais sendo nossa
prisioneira. Mas um mog prisioneiro não nos ajuda e nós precisamos sair da
merda dessa floresta. Eu sei que nós não deveríamos baixar ao nível deles,
mas a nossa situação é de desespero. Quão longe isso vai nos levar?, eu me
pergunto.
— Morra devagar, escória loriena — Phiri diz para mim.
Então, ela não vai fazer isso do jeito fácil.
Antes que eu decidisse o que fazer, Adam passa por mim e dá um tapa
no rosto da Phiri com a parte de trás da sua mão. Ela geme e cambaleia para o
48
lado. Phiri está atordoada, percebo. Ela não esperava por isso. Talvez
estivesse contando com a ideia de que eu e Marina não tivéssemos estômago
para tortura. Adam, por outro lado...
— Você esqueceu de com quem está lidando, Phiri Dun-Ra — Adam diz
com os dentes cerrados. Ele se ajoelha na frente dela e a agarra pela gola da
camisa, levantando-a. — Você acha que só porque passei algum tempo com a
Garde que esqueci as nossas técnicas? Você sabe quem era o meu pai. Para o
maior desapontamento dele, as minhas maiores marcas eram sempre nas
áreas de pós-combate. Mas mesmo assim... o General arrumou jeitos de
mudar o meu treinamento. Interrogatórios. Anatomia. Imagine como o
treinamento que ele arrumou era rigoroso. E eu me lembro muito bem.
Adam passa uma de suas mãos pela cabeça de Phiri, enterrando o seu
dedão em um espaço atrás da sua orelha. Ela grita, as suas pernas falham.
Marina dá um passo na direção dos dois mogs, me lançando outro olhar.
Engulo com força e balanço a minha cabeça, fazendo-a parar.
Eu vou deixar o jogo seguir. Para onde ele for.
— Posso não compartilhar da sua ideologia, Phiri Dun-Ra — Adam diz,
aumentando a sua voz para ser ouvido mesmo por sobre os gritos. — Mas
compartilho da biologia. Eu sei onde estão os seus nervos, onde dói mais. E
passarei o resto da noite te cortando em pedacinhos até você implorar para
ser desintegrada.
Adam liberta Phiri da dor, deixando-a cair no chão sujo de novo. Ela está
ofegante, se esforçando para conseguir respirar fundo.
— Ou você pode nos contar onde escondeu os conduítes — Adam fala
calmamente. — Agora.
— Eu nunca vou...
Phiri é interrompida, vacilando quando Adam levanta. Ele de repente
perdeu interesse nela. Ele viu a mesma coisa que eu. O jeito como os olhos de
Phiri se moveram para um arbusto bem fechado na beirada da clareira.
Adam vai até lá, enquanto ela se remexe na sujeira tentando manter os
olhos nele. Em uma rápida inspeção, Adam enfia a sua mão dentro do arbusto
e puxa uma pequena mochila de tecido. Phiri deve ter escondido lá antes de
atacar Marina.
— Ahá! — ele diz, balançando a mochila. Dentro, peças de metal fazem
barulho. — Obrigada pela sua ajuda.
Marina e eu nos olhamos aliviadas, mesmo com Phiri usando da sua
última chance de sarcasmo.
— Isso não importa, traidor. Nada para você importa mais!
49
Isso me faz prestar atenção. Dou um chute não muito gentil nas costas
de Phiri para fazê-la rolar e olhar para mim.
— O que isso significa? — pergunto a ela. — O que você está dizendo?
— A guerra já veio e já foi — Phiri responde, rindo de mim. — A Terra já
é nossa.
Meu estômago se revira, mas não deixo isso transparecer. Nós temos
que sair do México e ver por nós mesmos.
— As peças estão intactas? — pergunto aAdam.
— Ela está mentindo para você, Seis. É o que ela faz — ele afirma para
mim, talvez notando o tremor de nervoso na minha voz.
Ele pega a mochila e se agacha para abri-la.
— O que nós devemos fazer com ela? — Marina pergunta.
Ela foca em Phiri Dun-Ra por um segundo, reforçando o gelo das suas
algemas que começaram a derreter.
Estou pensando na resposta quando Adam geme, forçando o zíper que
parece estar preso em alguma coisa. Quando o zíper solta, alguma coisa
dentro da mochila dá um clique, como se começasse uma contagem.
— Cuidado! — Adam grita, quando atira a mochila para longe.
Tudo acontece muito rápido. Vejo o chão na frente da mochila de tecido
tremer e percebo que Adam está usando o seu Legado sísmico para tentar
nos proteger. Com um flash laranja de luz e força, a bomba dentro da mochila
detona bem na frente dele. Uma montanha de pó e folhas mortas voa através
da clareira. Eu sou jogada no chão. Posso sentir um dor na minha perna, um
pedaço de metal, provavelmente um pedaço da nave, cravado na minha
coxa.
Acima do barulho dos meus ouvidos, posso ouvir Phiri rindo
histericamente.
50
Capítulo seis
UM GRANDE PESO CAI SOBRE MINHA PERNA, CRAVANDO OS ESTILHAÇOS
AINDA mais fundo em minha coxa. É Phiri Dun-Ra. Ela tem novos ferimentos
em seu rosto e braços, resultado de sua própria bomba improvisada. Seus
pulsos e tornozelos ainda estão presos nas algemas de gelo, mas isso não a
impede de se jogar em cima de mim. Ainda estou atordoada pela bomba,
então não reajo tão rápido quanto deveria. Phiri dá uma cabeçada em meu
peito e se contorce em cima do meu corpo.
— Agora vocês morrem, lixos lóricos — ela diz de uma forma maníaca,
ainda histérica por sua armadilha com a bomba ter funcionado.
Eu não estou certa de qual é plano dela, talvez me morder até a morte
ou me sufocar com o seu peso, mas não estou tão mal para deixar qualquer
uma dessas coisas acontecer. Com um rápido movimento de telecinesia,
arranco Phiri Dun-Ra de cima de mim. Ela cai na sujeira, rolando por cima de
alguns estilhaços da bomba. Ela tenta levantar, gritando de frustação quando
não consegue.
Ela fica quieta quando chuto a sua cara o mais forte que consigo.
Phiri bate no chão inconsciente.
— Fique comigo!
É a voz de Marina que me traz de volta ao mundo depois da raiva que
estava sentindo ou eu provavelmente mataria Phiri agora mesmo. Eu viro
para trás para vê-la inclinada sobre o corpo de Adam.
— Ele está...?
Cruzo a clareira, esquecendo que tenho um ferro de seis centímetros
cravado em minha coxa. Eu ignoro a dor. Adam está bem pior que eu.
Entro no pequeno buraco que Adam foi capaz de fazer antes de a
bomba explodir. Ele absorveu uma boa parte dos estilhaços, mas não tudo. A
bomba, mesmo assim, praticamente explodiu na frente dele, fazendo-o
sofrer a maior parte do impacto. Ele está de bruços agora, Marina se
inclinando sobre ele, e fico com pena dele. O peito dele está aberto, como se
alguém tivesse cavado um buraco lá. Ele deveria ter saído logo da frente em
fez de ficar como um escudo humano. Mog idiota, tentando ser um herói.
Mas de algum jeito, ele ainda está consciente. Ele não consegue falar,
todo o esforço concentrado em respirar. Os seus olhos estão arregalados e
assustados enquanto ele sangra muito, a respiração entrecortada. As suas
mãos, encharcadas de sangue, em punho.
51
— Eu posso fazer isso, eu posso fazer isso... — Marina repete para si
mesma, não hesitando nem por um momento em colocar as suas mãos nos
ferimentos de Adam.
Olhando melhor, percebo como esta situação deve ser tristemente
familiar para ela. Como se fosse o Oito de novo.
A respiração dele fica cada vez pior, observo a pele dele se unir
enquanto Marina o toca. E então alguma coisa estranha acontece, há uma
crepitação e um chiado começa, como se começasse a pegar fogo, e parte do
peito de Adam começa a faiscar antes de se desintegrar como quando um
mogadoriano morre.
Marina leva um susto, tirando as suas mãos dele.
— Que droga foi essa? — pergunto.
— Eu não sei! — Marina grita. — Alguma coisa está lutando comigo,
Seis. Estou com medo de estar machucando-o.
No momento que a cura de Marina para, o ferimento ainda aberto de
Adam volta a sangrar. Ele está ficando pálido. Mais que o normal. A mão dele
raspa pelo chão e encontra a de Marina.
— Não... argh, não pare... — Adam tenta murmurar, e enquanto ele
tenta, consigo ver que há sangue preto dentro da sua boca. — Não importa o
que aconteça... não pare.
Recompondo-se, Marina coloca as suas mãos sobre os ferimentos de
Adam. Ela fecha os seus olhos e se concentra, uma gota de suor surge ao lado
de uma mancha de terra no seu rosto. Já vi Marina curar ferimentos muitas
vezes, mas não um ferimento que precisou de tanto esforço quanto este. O
corpo de Adam aos poucos começa a se curar, até uma nova parte do seu
corpo faiscar e se desintegrar, como se houvesse uma bomba dentro dele.
Quando isso acaba, porém, o resto cura normalmente.
Leva alguns minutos, mas Marina finalmente termina de “fechar” Adam.
Ela cai sentada no chão, respirando como se tivesse terminado uma
maratona, e as suas mãos tremem. Adam continua deitado, passando os seus
dedos pela pele do seu abdômen que há alguns minutos não estava lá.
Finalmente, ele levanta um pouco e se apoia no seu cotovelo e olha para
Marina.
— Obrigado — ele diz, olhando-a nos olhos, com o seu rosto em uma
mistura de assombro e gratidão.
— Não há de quê — Marina responde, tentando normalizar a sua
respiração.
— Hum, Marina... Você se importa? — mostro o pedaço de metal preso
na minha perna.
52
Marina geme pelo esforço, mas concorda, se mexendo, ficando de
joelhos na minha frente.
— Você quer que eu arranque ou...?
Antes que ela possa terminar, arranco o estilhaço da minha coxa. Um
novo ponto de sangramento faz um filete de sangue escorrer pela minha
perna. A dor é forte, mas Marina logo esfria o local antes de usar seu Legado
de cura em mim. Comparando com o de Adam, isso não leva tempo algum.
Quando ela termina, Marina olha imediatamente para Adam.
— O que foi aquilo quando eu estava curando você? Por que foi tão
difícil?
— Eu... Eu não sei, exatamente. — Adam responde, olhando para longe.
— Você começou a se desintegrar um pouco — eu digo. — Como se
estivesse morrendo.
— Eu estava morrendo — Adam diz. — Mas isso não deveria acontecer
comigo. Só os soldados nascidos artificialmente que vocês já viram que se
transformam em cinzas, porque eles são feitos completamente da biologia
experimental de Setrákus Ra. Alguns nascidos naturalmente, como eu,
recebem modificações que podem causar a desintegração quando morrem.
Eu não recebi nada disso, acho. Pelo menos...
— Não que você saiba — termino o seu pensamento.
— Exatamente — ele responde, olhando para baixo como se de repente
não confiasse mais em seu próprio corpo. — Eu estive em coma por três
anos. É possível que o meu pai tenha feito algo a mim. Eu não sei o quê.
— O que quer que fosse, acho que o meu Legado tirou de você —
Marina diz.
— Assim espero — Adam responde.
Nós três caímos em silêncio. Com as emergências médicas acabadas, só
agora notamos como estamos ferrados. Caminho pelo chão chamuscado
onde a bomba da Phiri Dun-Ra explodiu, jogando pedaços esfarrapados da
mochila e pedaços disformes de metal. A mochila provavelmente estava
cheia de conduítes, mas não encontro nada que pareça levemente inteiro.
Nós estamos completamente presos aqui.
Quando me viro, vejo que Adam se levantou e está olhando para o
corpo inconsciente de Phiri.
— Nós deveríamos matá-la — ele diz friamente. — Não há nenhuma
razão para a deixarmos viva.
— Nós não fazemos isso — Marina responde, com a voz gentil. — Ela
não pode nos machucar enquanto está amarrada.
Adam abre a boca para responder, mas parece pensar duas vezes.
53
Marina acabou de salvar sua vida, então acho que ele sente que deveria
escutá-la. Eu, na realidade concordo com os dois, Phiri Dun-Ra não é nada
além de problemas, e mantê-la presa só vai nos ferrar de novo. Mas matá-la
inconsciente parece errado.
— Nós vamos esperar ela acordar, pelo menos — eu digo de forma
diplomática. — Para então decidirmos o que fazer com ela.
Os outros concordam em silêncio, carrancudos. Nós voltamos ao
Santuário. Uso a telecinesia para flutuar o corpo inconsciente da Phiri com a
gente. Quando voltamos, Marina mantém a algema de gelo em Phiri até
chegarmos e prendermos com segurança a mogadoriana com cabos, e a
mantemos dentro de uma das naves quebradas. Nesse momento, tenho
certeza de que ela está se fingindo de morta. O melhor seria deixá-la. Marina
está certa, ela não pode nos machucar enquanto estiver presa, e se ela se
libertar, farei o desejo de Adam se tornar realidade.
Eu não sei mais o que fazer, então tento o telefone via satélite. Ainda
não tivemos resposta de John. Isso me faz pensar que Phiri Dun-Ra pode
estar falando a verdade sobre a guerra já ter começado. Não tenho nenhuma
nova cicatriz, significando que John e Nove ainda estão bem vivos, mas isso
não significa que as coisas não estão feias em Nova York.
— Adam, nós podemos entrar no sistema de comunicação de uma das
naves? — pergunto. — Eu quero saber o que está acontecendo.
— Com certeza — ele responde, feliz com a oportunidade de fazer
alguma coisa.
Nós três subimos abordo do nosso Skimmer, Adam sentado no banco
do piloto. Ele consegue ligar o sistema elétrico da nave, as luzes acendem e
alguma parte do Skimmer grunhe de esforço. Adam começa tentar captar
sinal, pegando nada além de estática.
— Eu só preciso achar a frequência certa — ele diz.
Eu concordo.
— Está bem. Não é como se eu tivesse algo mais para fazer.
Ao meu lado, Marina olha para o Santuário pela janela do Skimmer.
Já que deixamos as luzes do perímetro ligadas, o Santuário inteiro está
iluminado, o antigo calcário praticamente brilhando.
— Não perca as esperanças, Seis — Marina fala baixinho. — Nós vamos
dar um jeito.
Quando Adam liga o rádio de novo a estática dá lugar ao uma voz
mogadoriana brutal. O mog está falando roboticamente, de um jeito sem
sentido, como se tivesse lendo uma lista. Claro que não consigo entender
nada que ele está falando.
54
Eu cutuco Adam.
— Você vai traduzir?
— Eu... — Adam encara o rádio como se estivesse possuído, como se
não soubesse o que dizer. Percebo que ele não quer me contar o que eles
estão dizendo.
— Muito ruim? — pergunto, mantendo minha voz nivelada. — Só me
conte quão ruim está.
Adam pigarreia e com a voz trêmula começa a traduzir.
— Moscou, resistência moderada. Cairo, sem resistência. Tóquio, sem
resistência. Londres, resistência moderada. Nova Déli, resistência moderada.
Washington D.C., sem resistência. Beijing, alta resistência, código de
protocolo ativado...
— O que é isso? — eu o interrompo, perdendo a paciência com o
grunhido. — O plano de ataque deles?
— São relatórios, Seis — Adam diz, levantando a voz. — As naves de
guerra estão mandando os seus relatórios de como invasão está
prosseguindo. Cada uma dessas cidades tem uma nave enorme de guerra
fazendo uma ocupação, e elas não são as únicas...
— Está acontecendo? — Marina pergunta. — Pensei que nós tínhamos
mais tempo.
— A frota está na Terra — Adam responde com o seu rosto branco.
— O que ele quis dizer com protocolo ativado? — pergunto. — Você
disse que era em Beijing.
— Protocolo de proteção é o jeito de Setrákus Ra de manter a Terra
colaborando para ocupação. Se eles estão em Beijing, isso significa que vão
destruir a cidade — Adam diz. — Usando isso como uma mensagem para as
outras cidades que possam causar problemas.
— Meu Deus... — Marina sussurra.
— Uma nave de guerra pode destruir uma cidade em horas — Adam
continua. — Se eles...
Ele para, porque algo que estão dizendo no rádio chama a sua atenção.
Ele engole em seco, aumentando o volume.
Eu balanço o seu ombro.
— O que é? O que você escutou?
— Nova York... — ele começa a falar, e belisca a ponta do seu nariz. —
Nova York, resistência com ajuda da Garde...
— É a gente! É o John!
Adam balança a cabeça, terminando a tradução.
— Resistência com ajuda da Garde superada. Invasão bem-sucedida.
55
— O que isso significa? — Marina pergunta.
— Isso significa que eles venceram — Adam responde friamente. — Eles
conquistaram a cidade de Nova York.
Eles venceram. A frase reverbera na minha mente.
Eles estão conquistando a Terra e nós estamos presos aqui.
Já que não tenho um alvo melhor, soco o painel de controle onde um
zumbido alto começa. Faíscas saem do lixo que sobrou e Adam sai da cadeira
de piloto, assustado. Marina se levanta e tenta colocar os seus braços a
minha volta, mas eu a empurro.
— Seis! — ela grita atrás de mim quando pulo fora da cabine do piloto.
— Ainda não está acabado!
Paro em cima da nossa nave sentindo a raiva queimar dentro de mim,
mas sem tem nenhum lugar para canalizá-la. Olho para o Santuário, cheio de
luz. Esse lugar deveria ser a nossa salvação. Nossa viagem até aqui não
mudou nada, penso. Quase nos matou e agora nós estamos fora da guerra.
Quantas pessoas estão morrendo porque nós não estamos lá ajudando o
John a salvar Nova York?
Sinto um olhar nas minhas costas. Alguém está me observando. Eu me
viro, e o meu olhar vai da estrada para as outras naves. Phiri Dun-Ra está
acordada, amarada exatamente no lugar onde nós a deixamos.
Ela sorri para mim.
56
Capítulo sete
QUANDO ELLA FALA, UM CHOQUE PASSA POR MIM. DE REPENTE, POSSO ME
MOVER novamente. Salto da mesa de operações e tento empurrar os médicos
mogadorianos em torno de Ella. Minhas mãos passam por eles, como se fossem
fantasmas. Eles estão congelados no espaço agora, imóveis, como se fossem a
reprodução de um vídeo em minha frente. Tenho que me lembrar de que tudo
isso está acontecendo em minha cabeça, ou na cabeça de Ella, ou talvez em
algum lugar entre elas. Em nossos sonhos.
— Não se preocupe com eles — Ella diz. Ela se senta, passando através da
máquina de fluidos atada a seu peito, e então pelos mogs enquanto ela pula da
mesa para o chão. — Eu não posso nem mesmo sentir o que estão fazendo
comigo.
— Ella... — eu nem sei por onde começar. Me desculpe por deixá-la ser
sequestrada em Chicago, desculpe por não tê-la salvo em Nova York...
Ela me abraça, seu pequeno rosto pressionando meu peito. Ao menos isso
parece real.
— Está tudo bem, John — ela fala. Sua voz é quase serena, como a de
alguém que aceitou seu destino. — Não é culpa sua.
Há a Ella que estou abraçando e uma congelada no tempo, ainda presa à
mesa de operações sob as máquinas mogadorianas cercada por inimigos. Não
posso deixar de olhar atrás da Ella em meus braços e notar os terríveis
resultados de seu aprisionamento pelos mogadorianos.
Ela parece pálida e drenada, uma faixa cinza corre por seus cabelos
acobreados. Há veias pretas visíveis sob a pele dela. Um calafrio me percorre e
me forço a desviar o olhar, apertando Ella um pouco mais.
O abraço acaba e Ella e olha para mim. Essa versão dela quase se parece
com a que me lembro – de olhos arregalados e inocentes – porém há cansaço
neles, e um tipo de sabedoria fatigada, e isso não estava ali da última vez que a
vi. Não consigo imaginar pelo o que ela vem passando.
— O que eles estão fazendo com você? — pergunto, minha voz sai calma.
— Setrákus Ra chama isso de seu presente — Ella diz, seus lábios se
curvam em desgosto. Ela olha sobre seu ombro, vendo a si mesma sendo uma
cobaia, e abraça seu corpo. — Não estou certa sobre de onde vem o material
que ele está colocando em mim. É a mesma porcaria genética que ele usa para
criar os guerreiros nascidos artificialmente. É o mesmo que costumava usar para
melhorar alguns humanos – você sabe sobre isso?
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Eu assinto, pensando no secretário de defesa Sanderson e a resistência
cancerosa que senti em seu corpo quando o curei.
— Ele está fazendo isso com você. Sua própria... — continuo hesitando em
dizer essa parte em voz alta. — Sua própria carne e sangue.
Ella concorda tristemente.
— Pela segunda vez.
Me lembro de como Ella parecia durante a batalha nas Nações Unidas.
— Ele fez isso com você antes da grande aparição pública — digo,
juntando as peças. — Drogou você, assim você não poderia arruinar o momento
dele.
— Aquilo foi uma punição por tentar escapar com Cinco. O presente... faz
com que seja difícil pra mim me focar, pelo menos quando estou acordada. Não
estou certa de como, mas ele usa isso para me controlar. Isso pode estar
relacionado com um dos Legados dele. Tentei descobrir tudo o que ele pode
fazer, John, tentei pará-lo, mas...
Os ombros de Ella caem. Coloco minha mão gentilmente na parte de trás
do pescoço dela.
— Você fez tudo o que pôde — digo a ela.
Ela bufa.
— Uh-huh.
Dou uma longa olhada na máquina a que Ella está presa, tentando
memorizar os detalhes. Talvez se conseguirmos nos contatar novamente com
Adam, ele possa dar uma luz sobre como exatamente funciona essa coisa.
— Ele não está controlando você agora — digo, gesticulando em direção à
câmara de operações mogadoriana congelada no tempo. — Você está fazendo
isso. Você continua lutando contra ele.
— Eu tenho sido capaz de esconder que sou uma telepata — Ella
responde, endireitando-se um pouco. — Sempre que ele me fere, eu me
escondo em minha mente. Eu pratico. Meus Legados estão ficando mais fortes.
Pude sentir vocês lá em baixo de dentro da Anubis. Sou capaz de puxar você
para meu, hã... meu sonho? O que quer que seja isso.
— Como em Chicago — penso a respeito, tentando entender isso. —
Porém, você precisou me tocar daquela vez.
— Não mais. Acho que estou ficando mais forte.
Dou um aperto no ombro de Ella. Este deveria ser um momento de
orgulho, ela se tornando quem ela realmente é, aprendendo a controlar um
Legado tão poderoso enquanto tão jovem. Mas nossa situação é muito
medonha para qualquer comemoração de verdade.
Olho através da área médica na direção da porta, então de volta para Ella.
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— Pode me mostrar as coisas por aqui? — pergunto. — Isso é ao menos
possível?
Ella me dirige um sorriso trêmulo.
— Você quer um tour?
— Poderia ser útil saber como a nave é. Para quando viermos aqui e
resgatarmos você.
Ella solta uma risada desconsolada, olhando para longe de mim.
Espero que isso não tenha sido ela desistindo da esperança. A
probabilidade pode parecer ruim agora, mas não vou deixá-la ser o animal de
estimação de Setrákus Ra para sempre. Vou encontrar uma maneira. Antes que
eu possa dizer isso, Ella assente.
— Eu posso te mostrar a nave. Estive por toda ela. Se eu tiver visto, estará
aqui — Ella diz dando um tapinha em sua têmpora.
Andamos para fora da estação médica e entramos num corredor.
Todas as paredes são de metal inoxidável de um vermelho brilhante, um
lugar frio e econômico. Ella me conduz através da Anubis, me mostrando o
deque de observação, a sala de controle, o quartel, todos esses lugares
completamente vazios. Tento associar cada detalhe na memória, assim posso
desenhar um mapa quando acordar.
— Onde estão todos os mogs? — pergunto a ela.
— A maioria deles está na cidade lá em baixo. A Anubis tem apenas uma
equipe fantasma agora.
— Bom saber.
Nos fundos da nave, paramos em frente a uma janela de vidro que mostra
o interior de outro de laboratório. Dentro, o chão é completamente tomado por
um tanque de um líquido preto e viscoso. Há duas passarelas se cruzando sobre
o tanque, cada uma equipada com uma variedade de painéis de controle,
equipamento de monitoramento, e como se já não fosse esquisito, canhões de
uso industrial montados.
Crescendo para fora do líquido numa forma alongada que lembra
vagamente um ovo, exceto por ser roxo escuro e com veias negras palpitantes.
Pressiono minha mão no vidro do laboratório e me viro para Ella.
— O que diabos é este lugar?
— Eu não sei — ela responde. — Ele não me deixa entrar aqui, mas...
Ella franze a testa e parece se esforçar um instante. Dentro do laboratório,
figuras se manifestam de repente. Meia dúzia de mogs usando máscaras de gás
estão nas passarelas, operando silenciosamente as máquinas. De pé entre eles
está o próprio Setrákus Ra. Vê-lo ali me faz avançar contra o vidro. Tenho que
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resistir à tentação de atacá-lo, me lembrando de que isso não é exatamente
real.
— Isso é... isso é uma memória? — pergunto a Ella.
— Algo que eu vi, sim — ela responde. — Eu acho... não sei. Isso pode ser
importante.
Enquanto assistimos, Setrákus Ra tira os colares lóricos roubados do
pescoço. Ele os segura em suas mãos grossas por um momento, considerando
as joias de Loralite azul. Ele possui vários deles – três dos Gardes que matou na
Terra e o resto provavelmente tirado de Gardes que ele capturou em um ponto
ou outro. Ele parece um tanto nostálgico por um momento enquanto observa
seus troféus.
Então, os joga dentro do tanque. Quatro pequenas bocas se abrem no ovo
e sugam para dentro os colares, sufocando seu brilho.
— O que foi isso? — pergunto a Ella, sentindo-me enjoado, mesmo em
sonho. — Quando isso aconteceu? O que ele está fazendo?
O olhar fixo de Setrákus Ra se volta de repente em nossa direção e ele
grita alguma coisa. Um segundo depois, ele e o resto dos mogs desaparecem no
ar rarefeito.
— Isso foi quando ele me pegou espiando — Ella explica, mordendo o
lábio. — Não sei o que ele estava fazendo, John. Me desculpe. Tudo é um
pouco... vago.
Continuamos andando. Eventualmente, Ella me leva até a área de
lançamento. O lugar é enorme com o teto alto, preenchido com filas e linhas de
Skimmers. É daqui que os esquadrões de mogs zarparam para aterrorizar Nova
York.
— Eles estão sempre chegando e saindo por aqui — Ella diz, acenando em
direção as grandes portas de metal no fim do hangar. — Talvez vocês sejam
capazes de entrar por ali, se elas estiverem abertas. Foi por onde Cinco e eu
tentamos escapar.
Faço uma nota sobre as portas do hangar. Temos apenas que pensar numa
maneira de fazer com que os mogs as abram. Seria muito fácil entrar a bordo se
tivéssemos alguém que pudesse voar.
— Sobre Cinco... — digo, hesitando, sem saber o quanto Ella ouviu. —
Você sabe o que ele fez?
Ella morde seus lábios, olhando para o chão.
— Ele assassinou Oito.
— Mas ele também tentou ajudar você a escapar — digo, sentindo-a
longe. — Ele está...?
— Você está tentando descobrir o quão mal ele é?
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— Estou procurando por ele neste momento. Estou tentando entender, se
quando encontrá-lo, devo matá-lo.
Ella faz uma careta e se afasta de mim, olhando um ponto do chão que
está afundado. Presumo que tenha sido quando ela e Cinco tentaram escapar.
— Ele está confuso — ela diz depois de um momento. — Eu não sei... não
sei o que ele irá fazer. Não confie nele, John. Mas não o mate.
Me lembro da última vez que Ella me trouxe para um desses sonhos, de
volta quando começou a manifestar seus Legados que estavam fora de controle.
Foi em Chicago. Naquela ocasião, ela não me trouxe para sua localização. Na
verdade, estivemos presos numa visão do futuro, assistindo Setrákus Ra tomar
posse em Washington num mundo em que mogadorianos venceram a guerra.
— Não sabemos o que ele faz, então? — pergunto, meus punhos se
fecham como reflexo. — Você me mostrou isso. Cinco retornando para Setrákus
Ra. Ele trabalha para o inimigo. Ele capturou Seis e Sam...
Me calo, não quero ir mais fundo nessa memória da qual testemunhei a
execução de meus amigos. Não quero lembrar da profecia que diz que estamos
condenados a perder. Ella balança a cabeça. Ela abre a boca, e de repente
percebo que há alguma coisa grande que ela não está me contando.
— Esse futuro não existe mais, John — ela diz depois de uma longa pausa.
— Minhas visões... não são como os pesadelos de Setrákus Ra que eu
costumava contar a vocês. E não são profecias. Não estamos presos a elas,
como Oito pensava. Eles são premonições. Possibilidades.
— Como sabe disso?
Ella pensa por um momento.
— Não tenho certeza. Como você sabe como criar bolas de fogo? Você
apenas faz. Isso é instintivo.
Dou um passo na direção dela.
— Então aquela visão de D.C., em que todos estão mortos e você estava...?
— Eu não posso vê-la mais. Alguma coisa no presente mudou o que vai
acontecer.
— Se isso é um Legado como o meu Lúmen... — meus olhos se arregalam
enquanto considero as possibilidades. — Você pode controlar as visões agora?
Pode olhar no futuro quando quiser?
Ella levanta as sobrancelhas, como se não estivesse certa sobre como me
descrever o que vê.
— Não posso controlar, exatamente. As visões... elas não são confiáveis.
Eu não sei se isso é culpa minha, porque ainda estou aprendendo ou se é
porque o futuro é instável. De qualquer forma, tenho gasto muito tempo
olhando nele...
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Agora sei porque Ella parece tão exausta mesmo em um sonho, porque ela
de repente está tão sábia mesmo com sua idade. Ela mencionou antes o quanto
tempo gastou se escondendo na segurança de sua mente. Me pergunto quanto
desse tempo foi gasto lutando com visões do futuro. Deve ter sido agonizante
examinar todas essas possibilidades.
— Pelo o que você esteve procurando? — pergunto a ela.
Ella hesita, evitando meus olhos.
— Eu queria... eu queria ver se tinha um futuro em que eu morro.
— Ella, não — digo, minha voz falha. Cinco me contou sobre o feitiço lórico
que Setrákus Ra usou em si mesmo e em Ella, um que os liga, então teremos
que matá-la para alcançá-lo. — Vamos pensar num meio de quebrar o feitiço.
Deve haver uma fraqueza.
Ella balança a cabeça, não acreditando em mim. Ou talvez ela já saiba que
estou errado.
— Não estou me colocando antes do mundo inteiro, John. Eu queria ver
um futuro em que Setrákus Ra está morto, não importa as consequências —
agora ela olha diretamente, com fogo em seus olhos. — Queria ver um futuro
em que alguém tenha estômago para fazer o que precisa ser feito.
Engulo em seco. Não tenho certeza se eu realmente quero saber os
detalhes das visões de Ella, mas não consigo parar de me perguntar.
— O que... o que você viu?
— Muitas coisas — Ella diz, se acalmando. Ela adquire um olhar distante
enquanto tenta explicar como o futuro é. — As visões começam como
possibilidades embaçadas. Existem milhões delas, eu acho. Algumas delas são
mais sólidas que outras – essas são as que consigo ver. As que parecem... não
sei. Prováveis? Mas mesmo assim não são garantidas. Você se lembra do futuro
que vimos em Chicago. Aquilo pareceu real, impossível de fugir, claro como o
dia. Isso se foi completamente agora. O futuro mudou muito. E continua
mudando.
Minha cabeça dói. Me sinto meio maluco ouvindo Ella. Precisamos de um
Cêpan, alguém que pudesse ajudá-la a controlar esses Legados mentais antes
que a deixem louca. Ao menos evitamos o futuro que testemunhei. Mas o
trocamos pelo quê?
— Ella, você viu sua morte?
Ela hesita, e um nó de medo se forma em meu estômago.
— Sim — ela responde.
Ela treme eu percebo que é por prender um soluço.
Me agacho na frente dela e coloco minhas mãos em seus ombros.
62
— Não vai acontecer — insisto com a voz o mais firme que consigo. —
Vamos mudar o futuro.
— Mas nós vencemos, John.
Ella segura minhas mãos. Lágrimas escorrem livremente por suas
bochechas. Então percebo algo, o modo como ela olha para mim, o modo como
ela aperta minhas mãos. Ella não está sentindo pena por si. Ela está sentindo
pena por mim.
— Isso vai ferir muito você, John — ela diz, sua voz fraquejando. — Você
terá que ser forte.
— Sou eu? — não acredito. — Eu sou aquele que...?
Não consigo nem mesmo terminar a pergunta. Afasto minhas mãos de
Ella. Eu nunca a machucaria, nem mesmo se isso significasse terminar esta
guerra.
— Tem que haver outro jeito. Use seu Legado e encontre um futuro
melhor para nós.
Ella balança a cabeça.
— Você não entende...
Num piscar de olhos, Ella está mudada. Se parece com a garota presa na
mesa de cirurgia, uma gosma preta rasteja por baixo de sua pele. Ela se esforça
para se concentrar em mim. O hangar a nossa volta se torna enevoado e
começa a se esvair.
— Ella? O que está acontecendo?
— A Anubis está se movendo para fora do alcance — ela explica,
estreitando seus olhos, tentando fortalecer nossa conexão telepática. — Eu vou
perder você. Rápido! Há mais uma coisa que você tem que ver!
Ella agarra minha mão e então estamos correndo na direção da entrada do
hangar. Damos um passo na direção dele e...
Sujeira se esmaga debaixo dos meus pés. Raios de sol quentes batem em
minha nuca, o ar pesado e úmido. É desorientador ser teletransportado de
repente do ambiente estéril da Anubis para o calor da selva, o verde vívido por
todos os lados, pássaros tropicas gorjeando.
Estou de pé no que parece ser uma pista de pouso feita no meio da selva.
Latarias pretas e blindadas de vários Skimmers mogadorianos refletem o
brilhante sol da tarde.
Meus olhos são atraídos para a pirâmide de pedra a apenas alguns metros
da pista de aterrissagem, todos os equipamentos dos mogs parecem
posicionados a uma distância segura da estrutura antiga. Reconheço
instintivamente o templo, mesmo nunca tendo o visto antes. Talvez seja minha
63
imaginação, mas é como se alguma coisa enterrada por séculos na arquitetura
maia estivesse me chamando. Me sinto seguro aqui.
— Este é o Santuário — digo, minha voz sai calma e reverente.
— É — Ella confirma, e percebo que ela também está admirando o templo.
— Seis, Marina e Adam... — pauso, percebendo que Ella nunca encontrou
nosso aliado mogadoriano. — Adam é...
— Eu sei quem ele é — Ella diz, seu tom não parece surpreso. — Nos
encontraremos em breve.
— Ok, bem, eles estavam bem aqui — continuo, olhando em volta à
procura de sinais de nossos amigos. — Eles provavelmente estão voltando
agora. Você vai me mostrar o que eles fizeram para dar Legados aos humanos?
— Isso não é o passado ou o presente, John. Estamos no futuro. Um que
posso ver bem, bem claramente.
Eu devia ter sabido, pois o sol está no céu. Me viro para encarar Ella,
sentindo que ela não me trouxe aqui para me dar boas notícias.
— Por que está me mostrando isso?
— Por causa daquilo.
Ella aponta para o céu a norte do Santuário. Ali, como uma nuvem de
tempestade atravessando o céu que outrora era azul e sem nuvens, está
a Anubis, flutuando lentamente em direção ao templo. Minhas pernas se
amolecem, reflexos para correr se escondem depois de sobreviver por pouco ao
bombardeio em Nova York. Me forço a ficar e assistir a aproximação da nave de
guerra.
— Quando? — pergunto a Ella. — Quando isso vai acontecer?
Antes que Ella possa responder, sua forma se contorce, se tornando
novamente pálida e com as veias negras. O cenário pisca, a selva de súbito se
transforma na sala de operações da Anubis e também o que parece ser o
interior de um vagão de metrô – todos os três lugares existindo
simultaneamente, como três fotografias transparentes uma sobreposta a outra.
Por um segundo, é impossível me focar em qualquer detalhe particular,
misturando tudo até o ponto que me sinto fora da realidade. Mas então Ella
solta um grito, de frustração ou dor, ou talvez ambos, e a floresta e o Santuário
solidificam novamente.
— Você está se distanciando — digo, assistindo círculos negros se
formarem ao redor de seus olhos. — Estamos muito longe um do outro.
— Não se preocupe comigo — ela responde apressadamente. — Não
importa. Aqui é para onde estamos indo agora, John. A Anubis está indo para o
Santuário neste exato momento.
— Então Setrákus Ra estará lá...
64
— Ele chegará ao pôr do sol — Ella diz. — Ele parou em West Virginia para
reunir reforços depois de deixar tantos soldados para trás em Nova York, e
depois...
Ella acena na direção da Anubis. Está perto agora, a longa sombra da nave
de guerra caindo sobre às pedras do Santuário.
— O que ele quer?
— Ele quer o que está lá dentro! — Ella grita. E mesmo assim, mesmo com
a voz mais alta, ela começa a soar distante. — Acho que é o que ele sempre
quis! Eles abriram as portas do Santuário! Ele não está mais protegido!
— O que...?
Ela me corta, agarrando meu braço.
— John, ouça! Seis, e os outros, você tem que alertá-los! Diga a eles...
As mãos de Ella me atravessam. Eu vejo tudo novamente – o Santuário e
a Anubis, Ella se contorcendo na mesa de operações, o vagão do metrô
escurecido – e então todas as cores se misturam, nada sólido para me segurar.
Ella grita alguma coisa para mim, mas ela está muito longe. As palavras não me
alcançam.
Então, escuridão.
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Capítulo oito
ACORDO COM AS COSTAS DURAS ESTALANDO NO BANCO DE PLÁSTICO,
MINHAS pernas balançando na extremidade. Sei que estou de volta ao meu
corpo, não mais no mundo dos sonhos de Ella por causa das intensas dores que
passam por todos os meus músculos. Estou deitado de lado, encarando as
costas de bancos amarelos e laranjas do metrô. Eu nunca estive em um desses
vagões, mas vi filmes e programas de TV o bastante para reconhecê-los
imediatamente. Na parede acima de minha cabeça há um pôster dizendo: “SE
VOCÊ VIR ALGUMA COISA, DIGA ALGUMA COISA”.
Com um gemido, me apoio em um cotovelo. Sam está deitado a dois
bancos de mim com a cabeça apoiada na janela, roncando baixo. Do lado de
fora da janela, posso ver apenas a escuridão. Esse trem está parado em algum
lugar do subterrâneo, dentro de um túnel. Os passageiros devem ter
abandonado mais cedo durante o ataque. O vagão está morto, parado e sem
energia, os painéis que controlam as luzes completamente escuros.
E ainda assim, há luz vindo de algum lugar.
Me sento e olho ao redor, e imediatamente percebo celulares espalhados
pelo corredor do vagão. Com os aplicativos de iluminação ligados, os telefones
funcionam como velas carregadas por bateria. No banco à minha frente,
acordada e observando, Daniela está sentada.
Seus pés estão apoiados na bolsa que ela trouxe do banco, então presumo
que esteja cheia de dinheiro roubado.
— Você está vivo — ela diz, mantendo sua voz baixa para não acordar
Sam.
Faço o mesmo, ainda que com seu ronco ele poderia passar por outro
bombardeio da Anubis sem acordar.
— Por quanto tempo eu dormi? — pergunto.
— Já é de manhã de acordo com os celulares — Daniela responde. —
Umas seis horas, acho.
Já é de manhã. Balanço a cabeça. Uma noite inteira perdida. Não pudemos
encontrar Nove e Cinco, e quem sabe por qual parte de Nova York eles andaram
lutando até agora. Para tornar as coisas piores, eu sei para onde Setrákus Ra e
a Anubisestão indo – diretamente para a última localização conhecida do resto
da Garde. Por causa da perda de contato com Ella no último instante, não tenho
certeza do que fazer com a informação, mesmo se eu conseguisse contato com
Seis e os outros.
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Eles deveriam estar se preparando para voltar para o Santuário? Ou Ella
queria que eu os mantivesse o mais longe possível?
Preciso me mover, fazer algo produtivo. Mas meu corpo ainda não está
cem por cento e Sam está apagado.
— Ainda estamos no metrô? — pergunto a Daniela, já sabendo a resposta,
mas querendo ter controle sobre a situação antes de fazer qualquer decisão.
— Sim. Obviamente. Nós arrastamos você até aqui quando desmaiou.
— Quando desmaiei — repito com uma careta. — Desmaiei de cansaço.
— Não foi só você. De qualquer forma, estávamos todos exaustos depois
daquele túnel — Daniela continua, talvez sentindo meu aborrecimento. — Eu
caí no sono logo que chegamos aqui.
Daniela dá uma olhadela em Sam, um sorriso abatido em seu rosto.
— Seu amigo Sam ia ficar de guarda, mas acho que não deu muito certo.
Não foi um bom negócio. Não quando ninguém está procurando por nós aqui
em baixo.
— Ainda não, pelo menos — respondo, pensando nos mogadorianos na
superfície e desejando saber como a ocupação de Nova York está progredindo.
Um dos telefones pisca. Daniela se agacha sobre ele, apertando alguns
botões, mas a bateria acaba.
— Pessoas dormiram na frente da loja por essas coisas — ela diz,
segurando o celular descarregado para que eu o inspecione. — Mas tudo foi por
água abaixo, no final das contas... várias pessoas largam tudo e correm. O que
isso faz você pensar da humanidade, menino alienígena?
— Que elas têm melhores prioridades — respondo, dando novamente
uma olhada para a bolsa cheia de dinheiro.
— Pois é. Eu acho — Daniela diz, então arremessa o celular para a
extremidade oposta do vagão, onde ele bate no chão e quebra em vários
pedaços. Mesmo com o som do celular sendo despedaçado, Sam continua
dormindo. — Isso é surpreendentemente bom — Daniela me diz, sorrindo em
minha direção. — Você deveria tentar.
— Onde conseguiu todos esses telefones? — pergunto a Daniela,
observando-a de perto enquanto ela se senta.
Eu ainda não sei o que fazer com ela. Ela é uma humana com Legados, nós
nem ao menos temos uma palavra para descrevê-la. Mas ela parece pensar que
toda a situação é apenas uma grande piada. Não posso dizer se ela está
desequilibrada como Cinco ou se escondendo atrás de um massivo mecanismo
de defesa. Ela mencionou antes que os mogs mataram seu padrasto e que sua
mãe está desaparecida. Eu sei como é isso – perder pessoas, não saber o que
está havendo com quem amamos.
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Eu poderia dizer isso a ela, exceto que não acho que Daniela seja do tipo
que se abre facilmente. Gostaria que Seis estivesse aqui. Tenho a sensação de
que elas se dariam bem.
— Eu acordei primeiro — ela diz, gesticulando para o trem. — Passei por
todos os vagões. As pessoas largaram um monte de porcaria para trás.
— De volta ao banco, alguém por acaso retirou todo o dinheiro que ficou
para trás também? — pergunto, apontando com meu queixo para a bolsa.
— Oh, sim, isso — Daniela diz, olhando para o lado com se fingindo
culpada, mas sendo incapaz de manter o sorriso no rosto. — Estava me
perguntando se você tinha notado.
— Eu notei.
— A coisa é mais pesada do que você pensa — ela diz, cutucando a bolsa
com o tênis.
Esfrego a mão no rosto, tentando entender como eu deveria abordar isso.
Não é como se eu nunca tivesse roubado antes. Sempre fiz isso em caso de
necessidade, mas nunca fiz isso justo no meio de uma invasão em escala total.
— Estranho você ter tempo de roubar um banco enquanto deveria estar
procurando sua mãe.
— Primeiro de tudo, eu não roubei isso. Quero dizer, tecnicamente não.
Havia uns caras se escondendo dos mogs no banco. Eles estavam roubando.
Acabei dando cobertura lá. Eles explodiram, e então vocês apareceram. Pensei,
para que desperdiçar uma bela bolsa com esta?
Eu a censuro, balançando a cabeça. Não faço ideia se o que Daniela está
me contando é verdade. Não estou certo se sequer importa como ela conseguiu
o dinheiro. Estou mais preocupado em descobrir se esta nova Garde é alguém
que podemos confiar. Alguém que pode nos apoiar.
— Segundo — ela continua, inclinando-se em minha direção — minha mãe
iria ficar irritada se descobrisse que desperdicei uma oportunidade como essa.
Ela tenta manter sua voz calma, mas um tremor a abala quando ela
menciona a mãe. Talvez essa atitude seja apenas fachada, uma maneira de lidar
com o fato de seu mundo ter virado de cabeça para baixo nas últimas vinte
quatro horas. Eu entendo isso. Minha expressão deve parecer compreensiva,
penso, ou talvez ela apenas percebeu sua voz falhando, porque Daniela
aumenta a voz, mais efervescente do que antes. Me ocorre que da mesma
forma que estou tentando entendê-la, ela está tentando me entender.
— Terceiro, eu não assinei nada para ganhar esses superpoderes que você
nem sabe porque eu tenho. E tenho a maldita certeza de que não me alistei
para lutar na sua guerra alienígena. Nem minha família.
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— Você acha que tem uma folha de alistamento passando por aí? —
pergunto rispidamente, tentando e falhando em evitar que meu temperamento
se inflame. — Ninguém pediu por isso. Os lorienos, meu povo, nós não pedimos
para que os mogs destruíssem nosso planeta natal. Isso aconteceu de qualquer
forma.
Daniela levanta suas mãos defensivamente.
— Tudo bem, então você sabe como é isso. Tudo o que estou dizendo é
que você não deveria estar julgando como escolho usufruir da minha invasão
alienígena. Droga, é uma loucura.
— Eu era muito jovem para revidar quando atacaram Lorien — digo a ela.
— Mas você...
— Ah droga, lá vem. O discurso de recrutamento — Daniela começa a
fazer uma interpretação, sua voz se torna aguda de repente, suas palavras
anunciadas teatralmente. — Olhe pela sua janela — ela recita. — Os
mogadorianos estão aqui. A Garde vai combatê-los. Você vai lutar pela Terra?
Balanço minha cabeça, confuso.
— O que é isso?
— É do seu vídeo, cara. Toda aquela coisa de apoio à Garde. Eles passaram
isso nas notícias.
Balanço a cabeça.
— Eu nem sei sobre o que você está falando.
Daniela estuda meu rosto por um momento, e finalmente parece satisfeita
com minha perplexidade.
— Huh. Realmente não. Acho que você provavelmente não andou vendo
muita TV. Eu? Eu estava assistindo quando as primeiras naves começaram a
aparecer. É como se de repente estivéssemos vivenciando todos aqueles filmes
de invasões alienígenas. Foi bem legal até que, bem...
Daniela balança a mão, abrangendo não apenas nossa situação, de nos
esconder no subterrâneo, mas a destruição na cidade inteira quem ambos
presenciamos. Percebo que suas mãos tremem um pouco. Ela rapidamente
disfarça isso, dobrando seus braços com força sobre o peito.
— Sam e eu ajudamos um grupo de pessoas a sair de Manhattan ontem —
digo a ela. — Me perguntei como muitos deles sabiam meu nome, mas estava
caótico demais para descobrir. Isso estava nas notícias? Eles me mostraram
lutando nas Nações Unidas?
Daniela confirma.
— Eles mostraram um pouco disso. Exceto quando um cara parecendo o
George Clooney deformado se transformou em um monstro alienígena, aí as
69
pessoas realmente começaram a surtar e todas as câmeras a tremer. Você
estava bombando nas notícias antes disso.
Inclino minha cabeça, sem entender nada.
— O que você quer dizer?
— Tinha aquilo, tipo, um vídeo no YouTube. Foi postado num estúpido site
de conspiração primeiro...
— Espere... por acaso era Eles Estão Entre Nós?
Daniela dá de ombros.
— Nerds Estão Entre Nós, eu não tenho certeza. Começava com uma
imagem da Terra que eles com certeza tiraram do Google e uma garota
narrando tipo: “Este é o nosso planeta, mas não estamos sozinhos na galáxia,
blá-blá-blá”. Ela estava tentando fazer parecer como todos aqueles
documentários profissionais sobre a natureza ou alguma coisa assim, mas posso
dizer que ela é da nossa idade. Por que você está fazendo essa cara estúpida?
Enquanto Daniela falava, não pude evitar que um sorriso idiota surgisse
em meu rosto.
Tentei manter minha expressão neutra enquanto me inclino para frente.
— O que mais aconteceu?
— Então, eles mostraram algumas fotos dos mogadorianos e disseram que
eles vieram para escravizar a humanidade. Esses alienígenas pálidos pareciam
com pessoas com maquiagem de monstros ou qualquer coisa do tipo. Ninguém
teria levado aquela porcaria a sério se, você sabe, não houvesse toneladas de
OVNIs ameaçando a cidade. E então ela começou a falar de você. Tinha um
vídeo de você pulando para fora de uma casa em chamas que não parecia
possível, e depois tinha cenas de você curando o rosto queimado de um agente
do FBI e... bem, estava meio trêmulo, mas os efeitos especiais foram muito bem
feitos se fosse falso.
— O que... o que ela fala sobre mim?
Daniela sorri, olhando pra mim.
— Ela disse que seu nome é John Smith. Que você é um Garde. Que você
foi enviado para nosso planeta para lutar contra esses alienígenas. E que agora
você precisa de nossa ajuda.
Isso era sobre o que Daniela estava falando antes. Sua péssima
interpretação deve se referir a Sarah. Encosto as costas no banco, pensando
sobre o vídeo que Sarah e Mark fizeram, a contribuição deles nos bastidores.
Mesmo que ela esteja zombando, o vídeo parece ter causado uma impressão
em Daniela. Ela o decorou. Droga, os sobreviventes que trouxemos pela rua
com certeza viram o vídeo. Eles confiaram em mim. Estavam prontos para ficar
e lutar. Mas era tarde demais para isso?
70
Faço uma careta involuntariamente, pensando alto.
— Passei minha vida inteira me escondendo dos mogadorianos que
estavam nos caçando na Terra. Ficando mais forte. Treinando. A guerra estava
sendo lutada em segredo. Estávamos começando a reunir aliados, além de estar
conseguindo descobrir as coisas. Me pergunto, se tivéssemos ido a público
antes, quantas vidas teríamos salvo se Nova York estivesse pronta para um
ataque como este?
— Nah — Daniela diz, descartando essa ideia com um aceno de mão. —
Ninguém teria acreditado nesta porcaria há uma semana. Não sem a CNN
gritando sobre naves espaciais sobrevoando Nova York. Quero dizer, você
precisava de toda a luta na NU para que pudessem acreditar. Caso contrário, as
pessoas do noticiário estariam debatendo se isso era uma farsa, ou uma
publicidade para a divulgação de algum filme ou coisa do tipo. Eu vi uma mulher
na TV dizendo que você era um anjo. Bem engraçado.
Rio secamente, não estando muito com vontade.
— É. Hilário.
Percebo que Daniela está tentando me confortar à sua maneira. Nunca
vou saber o que teria acontecido se tivéssemos gastado os últimos meses
tentando tornar pública nossa guerra com os mogadorianos. Havia humanos de
cargos importantes envolvidos com o ProMog e isso faria com que qualquer
tentativa de expô-los se tornasse extremamente difícil, se não impossível. Eu sei
de tudo isso, logicamente. E ainda assim não posso deixar de sentir que a
colossal perda de vidas foi culpa minha. Eu devia ter feito mais.
— Quantos anos você tem mesmo? — Daniela pergunta.
— Dezesseis — digo a ela.
— Ah — Daniela assente, como se ela já soubesse disso. — Você é como a
garota que narrou no vídeo. Você tem toda essa sabedoria por trás da idade,
isso é verdade. E parece que já passou por muita coisa. Mas dando uma olhada
mais de perto... — ela se perde, estalando sua língua enquanto pensa. — Você
deveria estar terminando o ensino médio. Não salvando o mundo.
Não posso deixar o que aconteceu em Nova York me enterrar sob a culpa.
Eu tenho que ter certeza de que nada desse tipo vai acontecer novamente.
Preciso encontrar meus amigos e descobrir como matar Setrákus Ra, de uma
vez por todas.
Ergo meus ombros e sorrio para Daniela, dando de ombros com
indiferença.
— Alguém precisava fazê-lo.
Daniela devolve o sorriso por um segundo, então surpreende a si mesma e
desvia o olhar. Por um segundo, ali, pensei que ela talvez tivesse se voluntariado
71
para se juntar a luta. Não posso obrigá-la a ficar conosco depois de sairmos do
metrô. Apenas tenho que acreditar que ela, e os outros humanos lá fora,
desenvolveram Legados por algum motivo.
— Precisamos nos mover — digo.
Balanço os ombros de Sam e ele bufa quando acorda. Seus olhos ficam
turvos por um momento, se ajustando lentamente a luz azulada do vagão de
metrô.
— Então aquilo não foi um pesadelo — ele suspira, levantando lentamente
e estalando as costas. Seu olhar vai em direção a Daniela. — Você resolveu
passar um tempo conosco, hã?
Daniela encolhe os ombros, como se a pergunta a tivesse envergonhado.
— Você mencionou ter tirado algumas pessoas de Nova York... — ela diz
para mim.
— Isso. O exército protegeu a Ponte do Brooklyn. Eles estavam evacuando
as pessoas por lá. Pelo menos, estavam até ontem à noite.
— Eu gostaria de ir lá — Daniela responde, se colocando de pé. Ela
endireita sua blusa coberta de poeira e sangue seco. — Talvez ver se minha mãe
chegou até lá.
— Tudo bem — digo. Não quero obrigá-la a se unir a nós. Se isso
acontecer, ela é quem deve fazer essa decisão. Isso não significa que não
devemos passar um tempo juntos por enquanto. — Nós devemos seguir nessa
direção também.
Sam esfrega os olhos, ainda umedecendo sua boca.
— Você acha que Nove e Cinco batalharam todo o caminho até o ponto de
evacuação?
— Duvido — respondo. — Mas Nove já é grandinho, pode se virar sozinho
por mais algum tempo. As prioridades mudaram. Eu realmente preciso entrar
em contato com Seis. Se ainda existir telefones funcionando, acho que estarão
no ponto de evacuação — viro-me para Daniela. — Pode nos mostrar o caminho
para fora daqui?
Daniela assente.
— Só tem um jeito de ir já que os caminhos para a superfície desabaram.
Seguimos os trilhos até algumas estações, e então devemos chegar próximo à
ponte.
— Espere. Como as prioridades mudaram enquanto eu estava dormindo?
— Sam pergunta.
Conto a Sam como Ella me alcançou telepaticamente de sua prisão
na Anubis, explicando que Setrákus Ra está indo para o Santuário. Daniela ouve,
seus olhos bem abertos e focados em mim, sua boca ligeiramente aberta.
72
Quando termino de descrever minha jornada dos sonhos, sobre profecias e
locais lóricos ameaçados, ela balança a cabeça em total mistificação.
— Minha vida ficou tão estranha — ela diz, andando na direção da saída
do vagão.
— Ei — Sam a chama de volta. — Você se esqueceu da bolsa!
Daniela olha por cima dos ombros. Então, ela olha pra mim. Não sei se ela
quer permissão ou se está me desafiando a pará-la. Quando não falo nada, ela
se vira e levanta a bolsa pesada com um grunhido
— Use sua telecinesia — digo casualmente. — É bom para praticar.
Daniela olha para mim por um momento, depois concorda e sorri. Ela se
concentra e flutua a bolsa a sua frente.
— O que tem aí? — Sam pergunta.
— Meus fundos para faculdade — ela responde.
Sam olha para mim. Eu apenas dou de ombros.
Quando Daniela alcança o fim do vagão, ela levita a bolsa para o lado e
abre a porta de metal com um barulho estridente. Ela dá um passo para o
corredor que liga o próximo vagão. Sam e eu a seguimos alguns passos atrás.
— Uou, uou — Daniela diz, suas palavras não são direcionadas para nós.
Sua bolsa dispara de volta para o vagão que estávamos, Sam e eu pulamos
para fora do caminho. Daniela desliza a bolsa para debaixo do banco com
telecinesia, como se estivesse tentando escondê-la. Um segundo depois, ela
volta alguns passos pela porta, suas mãos levantadas em rendição.
Imediatamente meus músculos tensionam.
Pensei que estivéssemos salvos aqui em baixo nos túneis. Mas não
estamos sozinhos. Um cano de metralhadora com uma lanterna acoplada está
apontada a alguns centímetros do rosto de Daniela. Uma forma escura, coberta
de equipamentos e armadura, está entrando com cuidado em nosso vagão,
levando Daniela a recuar. Tarde demais, percebo feixes de lanterna no vagão
seguinte – cerca de dúzias deles, talvez mais. Um segundo feixe atinge meus
olhos, e um segundo homem está armado entrando em nosso vagão. Sem
pensar nisso, ativo meu Lúmen, fogo deslizando através de meus punhos.
— Espere — Sam avisa. — Não são mogs.
Ouço um clique de armas engatilhadas, provavelmente em resposta a
minha bola de fogo. O corredor do vagão é estreito, Daniela está no caminho e a
luz em meu rosto faz com que seja difícil enxergar.
Definitivamente não são condições ideais. Eu provavelmente seria capaz
de desarmá-los com minha telecinesia, mas não quero arriscar criar uma
explosão automática assim tão perto. Melhor esperar e ver o que vai acontecer.
73
Deixo meu Lúmen se apagar, e no mesmo momento o soldado da frente
abaixa a luz da lanterna de sua arma para o chão. Ele está usando um capacete,
farda e óculos de visão noturna.
Apesar disso, posso te dizer que ele é apenas alguns anos mais velho que
eu.
— Você é ele — o soldado diz, com um leve temor em sua voz. — John
Smith.
Ainda não estou acostumado com essa coisa de ser reconhecido, então
levo um momento para responder.
— Isso mesmo.
O soldado pega o walkie-talkie em seu cinto e fala nele.
— Nós o pegamos — ele diz, sem tirar os olhos de mim.
Daniela vem em direção a Sam e a mim, olhando para nós e para os
soldados, dos quais estão entrando mais em nosso vagão, ventilando o lugar,
vasculhando tudo.
— Amigos seus?
— Não tenho certeza — respondo calmamente.
— Às vezes o governo gosta da gente, outras nem tanto — Sam explica.
— Ótimo — Daniela responde. — Por um segundo, achei que eles
estivessem aqui para me prender.
O walkie-talkie do soldado ganha vida, uma familiar voz de mulher ecoa
pelo vagão.
— Peça a eles com educação, mas os traga aqui — a mulher comanda.
O soldado pigarreia desconfortavelmente, olhando para nós.
— Por favor venha conosco — ele diz. — A Agente Walker gostaria de dar
uma palavrinha.
74
Capítulo nove
OS SOLDADOS NOS PRESSIONARAM ATÉ OS TÚNEIS DO METRÔ PARA LONGE DA
estação mais próxima e, finalmente até a luz do dia. Eles estão constantemente
na nossa cola, um escudo humano, nos tratando como o Serviço Secreto trata o
presidente.
Eu me deixo ficar mais próximo deles, sabendo que posso facilmente
atravessá-los com um empurrão ao primeiro sinal de problemas. Nós não
encontramos nenhuma patrulha mogadoriana no caminho de volta aos seus
Humvees blindados, e rapidamente estamos ecoando pelas ruas preenchidas
com pedaços dos prédios, os destroços, o resultado do bombardeamento feito
pela Anubis ontem à noite.
Alcançamos a Ponte do Brooklyn rapidamente e sem incidentes.
No lado de Manhattan, o exército preparou uma barreira fortemente
armada. Soldados empacotando metralhadoras observam as ruas de trás de um
bloco de sacos de areia. Atrás deles, três linhas de tanques estão estacionadas,
seis do outro lado da ponte, suas torres armadas e apontadas para o céu.
Helicópteros carregados com mais misseis patrulham o céu e alguns botes bem
recheado estão preparados no rio.
Se os mogadorianos tentarem tomar o Brooklyn, eles definitivamente
encontrarão resistência.
— Vocês tiveram que lutar com muitos deles? — pergunto ao soldado que
está dirigindo nosso Humvee enquanto nós passamos pela barreira segura e
começamos a diminuir a velocidade devido ao engarrafamento na ponte.
— Nenhum. Senhor — ele responde. — Os hostis ficaram em Manhattan
até agora. Aquela grande nave voou bem acima de nós essa manhã e não nos
comprometeu. Você me diz, eles não querem nenhum pedaço de nossos
soldados.
— Senhor — Daniela repete, levantando uma sobrancelha para mim e
rindo.
— Eles estão preservando Manhattan — eu digo, inclinando para trás e
franzindo a testa, sem entender porque os mogs não atacaram.
— É como se Setrákus Ra estivesse mandando uma mensagem — Sam diz
calmamente. — “Olha o que eu posso fazer”.
— Se eles vierem até nós, nós estaremos preparados — o soldado diz, se
intrometendo.
75
Olhando pela janela, descubro atiradores escondidos nas estruturas da
ponte, vigiando o lado Manhattan da ponte através de seus binóculos.
Troco um olhar de dúvida com Sam. Quero acreditar nessa demonstração
de força do exército, mas vi o tipo de destruição que os mogs são capazes de
fazer. O único motivo pelo qual o Brooklyn ainda está de pé é porque Setrákus
Ra permitiu.
O soldado estaciona nosso Humvee no meio de um quarteirão da cidade
que foi convertido em uma área de preparação para os militares. Existem
tendas nas proximidades, mais Humvees e muitos soldados com olhares
inquietantes e com armas. Também há uma longa fila de civis, muito deles sujos
e com lesões superficiais, agarrando seus bens escassos à medida que esperam
em uma fila de contagem. No início dela, alguns voluntários com pranchetas
anotam as informações das pessoas exaustas, antes de direcioná-las até os
ônibus das cidades comandadas.
Nossa escolta me nota observando o lento processo de refugiados.
— Os voluntários estão tentando manter o controle dos sem teto — o
soldado explica. — Então estamos evacuando para Long Island, Nova Jersey,
qualquer lugar. Levando-os para longe da luta até conseguirmos recuperar Nova
York.
O soldado mede Sam e Daniela de cima abaixo, então olha para mim de
novo. De repente me ocorre que esse cara está esperando que eu lhe dê
ordens.
— Você quer que evacuemos esses dois? — o soldado pergunta, referindo
se aos meus companheiros.
— Eles estão comigo — eu digo a ele, e ele acena com a cabeça, aceitando
sem questionar.
Daniela observa os voluntários checarem um casal idoso e ajudá-los a subir
no ônibus.
— Eles têm uma lista ou algo que eu possa checar? Eu estou... procurando
por alguém.
O soldado encolhe o ombro como se essa não fosse sua área de
conhecimento.
— Claro, você poderia perguntar.
Daniela vira para mim.
— Eu estou indo...
— Vá — respondo, acenando. — Espero que você a encontre.
Daniela sorri para Sam, então para mim, e começa a se afastar.
— Hum, sobre aquela coisa toda de salvar o mundo... — ela começa,
hesitando.
76
— Quando você estiver preparada, venha e me procure — eu digo a ela.
— Você está assumindo que em algum momento eu irei estar preparada
— Daniela responde.
Ela ainda não mencionou sua mochila de dinheiro roubado, desde que ela
foi deixada para trás no metrô.
— Sim, eu estou.
Daniela demora mais um segundo, os olhos fixados nos meus.
Então, acena para si mesma, se vira e corre em direção aos voluntários.
Sam olha para mim como se eu fosse louco.
— Você está a deixando ir? Uma das únicas... — Sam olha de relance para
o soldado que ainda está pacientemente esperando próximo a nós, sem ter
certeza de quanto ele deveria dizer.
— Não posso forçá-la a se juntar a nós, Sam — eu respondo. — Mas o que
aconteceu a ela – o que aconteceu com você... tem que ter uma razão. Tenho fé
de que isso não vai ser para nada.
— A barraca da Agente Walker está nessa direção, senhor — o soldado diz,
acenando para eu e Sam seguirmos.
— Os celulares ainda estão funcionando? — pergunto a ele enquanto nós
atravessamos o congestionado acampamento. — Preciso fazer uma ligação. É
importante.
— Métodos tradicionais ainda não estão funcionando, senhor. Os inimigos
se atentaram a isso. No entanto, nós provavelmente temos alguma coisa que
você possa usar no centro de comunicação — o soldado diz, apontando para
uma tenda próxima com muita atividade. — Todavia, devo levá-los diretamente
à Agente Walker. Se você permitir.
— Se eu permitir?
— Nós fomos brevemente informados de seu histórico de... dificuldades
com as autoridades — o soldado diz, timidamente examinando a alça de seu
rifle. — Foi-nos dito para não entrar em combate ou forçar vocês a fazerem
qualquer coisa. Os parâmetros da missão são limitados a apenas gentilmente
cutucar.
Balanço minha cabeça, desacreditando. Não há muito tempo fui
considerado um inimigo dos Estados Unidos. Agora, estou sendo tratado como
um estrangeiro digno pelo exército.
— Tudo bem — eu digo, decidindo não tornar a vida difícil para nossa
escolta. — Aponte-me a direção da Agente Walker e então ajude meu amigo
Sam a colocar suas mãos em um telefone via satélite.
77
Momentos depois, ando ao lado do píer de concreto observando o East
River e Manhattan. O ar está fresco e gelado, no entanto ainda está tingido com
um irritante cheiro de queimado que sopra de Manhattan.
Daqui, tenho uma visão clara da destruição que os mogadorianos
impuseram na cidade. Pilares de fumaça negra sobem no brilhante céu azul, o
fogo que ainda queima. Existem lacunas no horizonte da cidade, espaços onde
sei que edifícios deviam estar, simplesmente apagados pelas poderosas armas
de energia da Anubis. Ocasionalmente, posso fazer um rasante entrelaçando
entre os edifícios, os mogs patrulhando as ruas.
A Agente Walker está sozinha na grade, observando a cidade.
— Como você me encontrou? — pergunto como um modo de
cumprimento, enquanto me aproximo.
A Agente do FBI que uma vez tentou me prender agora sorri para mim.
— Alguns sobreviventes mencionaram tê-lo visto — Walker responde. —
Nós enviamos grupos para fora da área geral. Começamos a procurar onde a
principal nave de guerra estava despejando artilharia pesada.
— Boa ideia — respondo.
— Estou feliz por você estar vivo — ela diz bruscamente.
O cabelo ruivo e grisalho da Walker está puxado para trás em rabo de
cavalo. Ela parece exausta, olheiras pesadas abaixo de seus olhos. Em algum
momento, trocou seu habitual casaco e terninho por um colete Kevlar,
provavelmente emprestado do grande contingente do exército que está
garantindo a segurança desta área. Seu braço esquerdo está em uma tipoia, e
há uma bandagem feita às pressas em sua testa.
— Quer que eu a cure? — pergunto.
Em resposta, Walker dá uma olhada em volta. Nós dois estamos sozinhos
no momento, em um pequeno parque escondido embaixo da Ponte de
Brooklyn. Ou melhor, tão sozinhos quanto conseguimos ficar em um lugar que
basicamente se tornou um campo para refugiados do dia para a noite. O
gramado montanhoso atrás de nós está cheio de tendas improvisadas, onde
nova iorquinos feridos e assustados se apertam. Acho que essas são as pessoas
que recusaram serem evacuadas pela Cruz Vermelha, ou talvez estivessem
feridas demais para fazer esta viagem.
Há tendas espalhadas pelo arredor do bloco, e tenho certeza que há
pessoas agachadas nos chiques apartamentos construídos à beira do rio nas
proximidades. Intercalados através dos sobreviventes, mantendo a ordem e
cuidando dos feridos, estão os soldados, policiais e alguns médicos, apenas uma
pequena parte da força de milhares que vi reunidos perto da ponte. É
essencialmente um caos organizado.
78
— Esses seus poderes, eles têm limites? — Walker pergunta, olhando
como uma mulher deixada na grama do parque que teve um braço severamente
queimado tratado por um médico apressado.
— Sim, eu os sobrecarreguei ontem — respondo, coçando a parte de trás
do meu pescoço. — Por que você pergunta?
— Porque por mais que eu aprecie a oferta, nós temos milhares de feridos
aqui, John, com mais chegando a cada hora. Você quer gastar todo o seu tempo
remendando as pessoas?
Encaro as filas das pessoas no parque, muitas delas descansando em nada
mais do que a grama. A maioria delas está me observando. Ainda não estou
confortável com isso, ser o rosto da Garde. Eu me viro de volta para a Walker.
— Eu poderia. Isso salvaria algumas vidas.
Walker balança sua cabeça me olha.
— Os mais feridos estão na tenda de classificação. Nós podemos dar uma
passada por lá depois, se você quiser fazer toda essa coisa de Mãe Teresa. Mas
você e eu sabemos que há maneiras melhores de gastar o seu tempo.
Eu não respondo, e não levo a questão adiante. Walker geme e caminha
ao longo dos canais, indo em direção a uma coleção de tendas do exército
levantadas nas proximidades de uma praça. Dou outra rápida olhada em volta
do parque. Atravessando a ponte, as coisas parecem bem seguras. No entanto,
de volta onde eu estava, está uma absoluta loucura. Pessoas feridas, soldados,
policiais militares – eu nem sei por onde começar.
— Então, você é a responsável aqui? — pergunto a Walker, tentando me
orientar.
Ela bufa.
— Você está brincando, certo? Há generais cinco estrelas na cena
planejando operações de contra-ataque. A CIA e a NSA estão aqui, coordenando
com pessoas de Washington, tentando dar sentido a todas as informações que
estão sendo recebidas de todo o mundo. Eles tiveram o presidente em
videoconferência mais cedo nesta tarde, por mais espirituoso que o Serviço
Secreto seja. Eu sou apenas uma Agente do FBI, não muito em comando.
— Ok, se este é o caso, por que eles me trouxeram até você, Walker? Por
que nós estamos conversando?
Walker para e vira para mim, com suas mãos nos quadris.
— Por causa de nossa história, nossa relação...
— É disso que você está chamando?
— Eu fui nomeada sua ligação, John. Seu ponto de contato. Qualquer coisa
que você nos contar sobre os mogadorianos, suas táticas, esta invasão – isso
79
será dito através de mim. Da mesma forma, qualquer requisição que você
poderá fazer para as forças armadas dos Estados Unidos.
Deixo escapar uma risada aguda e sem graça. Eu me pergunto onde estão
os generais. Procuro pelas tendas próximas procurando por alguma que pareça
mais importante que as outras.
— Sem ofensa, Walker, mas eu não preciso de você como um meio
comunicação.
— Não é você quem decide — ela responde, resumindo sua caminhada
pelo píer. — Você tem que entender que as pessoas no comando, o presidente,
seus generais, o que sobrou de seu gabinete – eles não eram do ProMog.
Quando os mogs fizeram contato, nós quase tivemos um golpe bem-sucedido
em nossas mãos com as escórias do ProMog defendendo a rendição. Por sorte,
com o Sanderson fora da jogada...
— Espera aí. O que aconteceu com ele? — pergunto.
Eu perdi o sinal do secretário da defesa durante a batalha com Setrákus
Ra.
— Ele não resistiu — Walker responde tristemente. — Eu tinha pessoas
suficientes em Washington para se livrar da maioria das maçãs podres. Aquelas
que nós sabíamos, pelo menos.
— Então você está dizendo que a maioria dos ProMog se foram e que nós
fomos deixados com...
— Um governo fraturado que foi mantido totalmente nas sombras. Essa
invasão, a ideia de aliens de outro planeta nos atacando, é tudo novo para eles.
Eles aceitam que você está lutando do nosso lado. Mas você ainda é um
extraterreste.
— Eles não acreditam em mim — eu digo, incapaz de manter a amargura
da minha voz.
— A maioria deles nem mesmo acredita mais um no outro. E de qualquer
forma, você não deveria confiar neles — Walker responde empaticamente. —
Os membros ProMog conhecidos foram todos presos, mortos ou se
esconderam. Mas isso não significa que pegamos todos eles.
Eu dou uma olhada para Walker, revirando meus olhos.
— Então melhor para mim continuar com o diabo que eu conheço, não é?
Ela abre os braços, obviamente não esperando que realmente eu a abrace.
— Isso mesmo!
— Tudo bem, aqui está meu primeiro pedido: contato. A Anubis – a nave
de guerra que deixou Nova York essa manhã – está carregando Setrákus Ra e
está indo para o México.
80
— Ah, bom — Walker interrompe. — Eles vão gostar disso. Uma ameaça a
menos para os céus do EUA.
— Eles precisam enviar jatos, lutadores, drones, o que quer que eles
tiverem — continuo. — A nave está indo em direção de um lugar de grande
poder, um lugar lórico. Eu não tenho certeza do que Setrákus Ra quer lá, mas sei
que será ruim se ele conseguir. Nós temos que levar a luta até ele.
A expressão da Walker fica mais sombria quanto mais eu falo. Já posso
dizer que não vou gostar do que ela tem a me dizer. Ela me leva para fora do
píer, atravessando algum emaranhado de grama e para em frente de uma tenda
de lona ligeiramente isolada das outras.
— Um ataque direto não vai acontecer — ela responde.
— Por que diabos não?
— Meu quartel General — ela diz, empurrando a abertura da aba de
entrada. — Vamos conversar lá dentro.
Dentro da tenda da Walker está uma cama não usada, uma mesa
bagunçada e um laptop. Há um mapa da cidade de Nova York com linhas
vermelhas cruzando nela – se eu tivesse que adivinhar, apostaria que as linhas
vermelhas representam o caminho que a Anubis fez durante o ataque de
ontem. Walker puxa um segundo mapa debaixo do mapa de Nova York, este do
mundo inteiro. Há alguns sinistros Xs pretos desenhados sobre várias das
principais cidades – Nova York, Washington, Los Angeles e lugares mais
distantes como Londres, Moscou e Beijing. Há mais de vinte cidades marcadas
neste mapa.
Walker bate seus dedos no papel.
— Essa é a situação, John — ela diz. — Cada marca é uma das naves de
guerra. Você sabe como derrubar uma dessas coisas?
Balanço minha cabeça.
— Ainda não, mas ainda não tentei.
— A força aérea tentou ontem, e não deu muito certo.
Eu franzo a testa.
— Eu os vi voando. Sei que não conseguiram.
— Eles tiveram algum sucesso contra as menores naves, mas elas nem se
comparam com a Anubis. A força aérea estava considerando outro ataque
quando os chineses tentaram.
— O que isso significa?
— Algumas horas depois do ataque em Nova York, eles ficaram com os
dedos no gatilho. Provavelmente estavam preocupados que seriam os próximos
a serem atacados. Eles lançaram tudo o que puderam com exceção de uma
bomba nuclear na nave que estava sobre Beijing.
81
— E?
— Vítimas em dezenas de milhares — Walker responde. — A nave de
guerra ainda está no ar. Elas estão protegidas de alguma forma. Os cientistas
chineses dizem que é um tipo de campo eletromagnético. Se cansaram de
lançar jatos contra esse campo, então tentaram lançar paraquedas com uma
pequena força diretamente na nave de guerra. Aqueles caras não sobreviveram
ao contato com o campo.
Lembro-me do campo de força em volta da base mogadoriana de West
Virginia. O choque que recebi ao tocá-lo foi o suficiente para me nocautear e me
deixar doente por dias.
— Eu já atravessei o campo de força deles antes — eu digo a ela. —
Literalmente.
— Como você o derrubou?
— Nunca consegui.
Walker me dá um olhar inexpressivo.
— E aqui estava eu , tendo um pouco de esperança.
Olho de volta para o mapa e balanço minha cabeça. Todo os Xs pretos me
parecem uma batalha que não sei como vencer.
— Vinte e cinco cidades sob ataque. Você tem alguma notícia boa, Agente
Walker?
— É isso — ela diz. — Esta é a boa notícia.
Levanto uma sobrancelha para ela.
— Alguns lugares, como Londres e Moscou, enviaram tropas para lutar
contra os mogs. Mas não houve resposta como aqui ou em Beijing. Nenhum
bombardeio, nenhum monstro furioso. É como se os mogs estivessem pegando
leve com eles. E também há alguns lugares como Paris e Tóquio que não
levantaram nenhum dedo se quer. Essas cidades não estão atualmente sob
ataque. As naves de guerra e as naves de escolta estão controlando o espaço
aéreo, mas além disso, não há nenhum mog em terra firme. E então, esta
manhã, aquela nave de guerra voou bem em cima de nós, como se não
fôssemos nada. Isso fez algumas pessoas pensarem que talvez eles não
quisessem lutar. Talvez tudo isso seja um grande mal-entendido com os
extraterrestres, que nós não deveríamos tê-los atacados primeiro.
— Nós não atacamos — aponto.
— Eu sei disso, mas em volta do mundo, o que nós vimos...
— Setrákus Ra está enviando uma mensagem — eu digo. — Mesmo
sabendo que ele tem a vantagem, ele não quer uma batalha demorada. Ele quer
intimidar a humanidade à submissão. Ele quer que nós desistamos.
82
Walker acena e anda até seu laptop. Ela coloca uma série de senhas, o que
não é uma tarefa fácil considerando que ela tecla com apenas uma mão, antes
de finalmente abrir um vídeo criptografado.
— Você está mais certo do que você imagina — Walker diz. — Não está
claro como ele conseguiu acesso, mas esse vídeo apareceu nos canais de
segurança da caixa particular do presidente. Outros líderes do mundo com que
nós conversamos reportaram ter recebido a mesma coisa.
Walker aperta o botão “reproduzir” e um vídeo de qualidade HD com a
imagem do rosto de Setrákus Ra aparece na tela. Meu sangue começa a gelar ao
ver sua pele pálida e vazios olhos pretos, a cicatriz roxa escura que rodeia seu
pescoço, seu sorriso convencido para a câmera.
É exatamente o mesmo sorriso que tinha um pouco antes de me
arremessar no East River. Setrákus Ra está sentado em uma cadeira ornamental
de comandante na Anubis – eu me lembro de tê-la visto quando Ella me
mostrou a nave. Sob seu ombro, a cidade de Nova York é visível através de uma
grande janela do chão ao teto. O sol está nascendo, a cidade ainda está em
chamas. Não há dúvidas em minha mente que ele escolheu essa cena de fundo
de propósito.
— Respeitáveis líderes da Terra — Setrákus Ra começa, essas palavras
educadas emitidas em um áspero estrondo. — Rogo para que essa mensagem
os encontre com uma cabeça aberta depois do infeliz evento em Nova York e
Beijing. Foi com grande relutância, e somente depois de uma tentativa de
assassinato pelos alienígenas terroristas, que usei uma fração da força
mogadoriana disponível contra suas pessoas.
— A propósito, vocês são os alienígenas terroristas — Walker comenta.
— É, percebi isso.
Setrákus Ra continua:
— Tirando essas circunstâncias lamentáveis, minha oferta para acolher a
humanidade e mostrar-lhe que o Progresso Mogadoriano vale a pena ainda está
de pé. Eu não sou nada se não souber perdoar. Enquanto minhas forças
continuarão a manter a cidade de Nova York e Beijing como um lembrete do
que acontece quando bestas imprudentes mordem a mão gentil que as guia, as
outras cidades onde minhas naves de guerra estão posicionadas não têm o que
temer. Assumindo, isto é, que meus generais recebam rendição incondicional
destes governos nas próximas quarenta e oito horas.
Minha cabeça se vira para Walker.
— Eles não estão realmente acreditando nessa porcaria, não é?
Ela aponta para a tela.
— Tem mais.
83
— Adicionalmente — Setrákus Ra entoa — acredito que o governo dos
Estados Unidos esteja abrigando os terroristas lorienos conhecidos como Garde.
Continuar a ajudar essas almas retorcidas será considerado um ato de guerra.
Eles deverão ser entregues a mim no tempo de rendição, no interesse de evitar
o custoso e doloroso processo de retirá-los à força. E também é de meu
entendimento que alguns humanos tenham sofrido de uma mutação nas mãos
da Garde onde eles manifestarão alguns tipos de habilidades sobrenaturais.
Estes humanos devem ser entregues a mim para tratamento.
— O que ele quer dizer com mutações? — Walker me pergunta. — Mais
besteira?
Eu não respondo. Em vez disso, me afasto do laptop enquanto Setrákus Ra
ainda está falando, meu olhar deslocando na direção da Agente Walker.
— Vocês têm quarenta e oito horas para se render, ou eu não terei escolha
senão libertar sua humanidade de sua liderança estúpida e liberar suas cidades
pela força...
O vídeo para e Walker vira o rosto para mim. Quando o faz, eu já tinha
preparado uma pequena bola de fogo, pairando sobe a palma da minha mão.
— Oh, Jesus Cristo, John — ela grunhe, saindo de perto do calor.
— É esse o motivo de você me trazer aqui? — retruco, me afastando.
Estou meio que esperando um grupo de soldados entrar explodindo tudo
para tentar me conter, então mantenho um olho na saída da tenda enquanto
me movo em direção a ela.
— Meus amigos estão seguros?
— Você acha que mostrei isso para você como um prelúdio de uma
emboscada? Fique calmo. Você está seguro.
Encaro Walker por mais alguns segundos. Nesse ponto, não tenho muita
opção a não ser acreditar nela, especialmente considerando a alternativa de
lutar um exército para sair daqui. Se o governo quer me entregar para Setrákus
Ra como um gesto de boa vontade, isso provavelmente ainda não aconteceu.
Extingo minha bola de fogo e encaro Walker.
— Então, isso é verdade? — Walker pressiona. — O que Setrákus Ra disse
sobre os humanos manifestando habilidades sobrenaturais? Ele quis dizer que
os humanos estão obtendo Legados?
— Eu...
Não tenho certeza o quanto devo compartilhar com Walker. Ela me diz
que estou seguro, mas não tem muito tempo ela estava me caçando através do
país. Embora ela alegue que o ProMog foi levado para as escuras, ainda há
humanos por aí trabalhando contra nós. Droga, ela acabou de me dizer para não
acreditar no governo. E se tiver novos Gardes em todo o mundo, e se algum
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liquidado como o Secretário de Defesa Sanderson chegar até eles antes de nós?
E eu poderia revelar Sam e Daniela para Walker? Não posso dizer nada para ela.
Não até eu ter descoberto primeiro.
— Eu não sei do que diabos ele está falando, Walker — falo depois de um
momento. — Ele vai dizer qualquer coisa para conseguir o que ele quer.
Acho que ela pode dizer que estou escondendo algo dela.
— Eu sei que é difícil aceitar considerando nossa história, mas estou do
seu lado agora — Walker diz. — Por ora, assim como os Estados Unidos.
— Por ora? O que isso significa?
— Isso significa que ninguém vai se render para o alienígena maníaco que
acabou de explodir Nova York. Mas se ele começar a colocar fogo em mais
cidades e nós não tivermos descoberto uma maneira de contra-atacar? As
coisas podem mudar, John. Por isso que seu pedido por uma operação militar
no México não vai acontecer. Primeiro, é um propósito perdido contra as naves
de guerra. E segundo, de acordo com os fatos ocorridos, o mais sábio é não
ajudarmos você abertamente por ora.
— Eles estão protegendo suas apostas — eu digo, incapaz de manter um
sorriso no meu rosto. — No caso de eles decidirem em se render.
— Palavra do presidente que todas as opções estão abertas.
— Desistir não é uma opção. Eu já vi... — eu me contenho para não usar
referências das visões do futuro de Ella, profecias de Legados poderosos não vai
fazer muito peso para a superprática Walker. — Não vai acabar bem para a
humanidade.
— Sim, você e eu sabemos disso, John. Mas quando Setrákus Ra começar a
matar civis e tudo o que ele quiser em troca for você e os outros Gardes? Esse é
um plano de ação que o presidente vai ser forçado a considerar.
Dou as costas, abrindo a aba da tenda para olhar para fora, me
perguntando onde Sam está com o telefone via satélite. Eu também quero
esconder meu rosto de Walker, sentindo que um ataque de pânico está
chegando. Eu não sei o que fazer. Se o prazo de Setrákus Ra passar e ele
começar a bombardear outra cidade, devo simplesmente deixar acontecer? Eu
devo me entregar? Neste meio tempo, o que faço para impedir o ataque dele ao
Santuário? E sobre Nove e Cinco, que ainda estão desaparecidos? É muita coisa
para lidar.
— John?
Devagar, encaro Walker, garantindo que minha expressão esteja neutra.
Mesmo assim ela deve detectar algo, porque atravessa a tenda e para em minha
frente. Ela agarra meu ombro com seu braço bom, e estou tão surpreso por ter
deixado isso acontecer. Há medo nos olhos de Walker, misturado com um tipo
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de determinação suicida. Eu já vi aquele olhar antes usado pelos meus amigos,
pouco antes deles se jogarem em uma batalha contra o impossível.
— Você precisa me dizer como fazer isso — Walker fala para mim, sua voz
baixa e trêmula. — Me diga como vencer essa guerra em menos de quarenta e
oito horas.
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Capítulo dez
— COMO ESTÁ INDO?
Adam pula quando coloco minha mão em seu ombro e me inclino para
checar seu progresso. Ele está curvado sobre uma bancada onde os mogs
aprimoravam suas armas antes das tentativas infrutíferas de destruir o
campo de força do Santuário. Adam varreu toda a porcaria mogadoriana que
estava atravancando a bancada para o chão e as substituiu com uma
variedade de peças mecânicas. As peças variadas vieram dos Skimmers
desativados que estavam juntando poeira no campo de pouso, algumas das
entranhas dos motores, outras de trás do painel de
instrumentos touchscreen. Entre as partes da nave estão várias outras coisas,
de todos os tamanhos – a bateria de uma das lâmpadas de halogênio, um
canhão mogadoriano quebrado e a carcaça de um notebook.
Todas essas coisas foram dobradas, torcidas ou marteladas por Adam
enquanto ele tenta substituir os conduíte destruídos da nossa nave usando
partes diversas.
— Como parece que está indo? — ele responde, sombriamente
colocando no chão maçarico que estava prestes a ligar. — Eu não sou um
engenheiro, Seis. Isso é estritamente tentativa e erro. Até agora, cem por
cento de erro.
O sol está agora subindo sobre as copas das árvores da selva para
queimar a pista de pouso, nenhum adiamento do calor pegajoso lá fora.
Adam já tem toda sua camisa suada, sua pele pálida em sua nuca ficando
rosada. Tiro minha mão de seu ombro até ele suspirar e virar seu rosto para
mim. Seus olhos negros estão secos e um pouco selvagens, círculos cinzas se
formando ao redor deles.
— Você não dormiu — eu digo, tomando isso como um fato. Ele
trabalhou durante a noite toda, suas marteladas e xingamentos
interrompendo as espasmódicas horas de descanso que consegui enquanto
dormia enrolada na cabine do Skimmer. Os únicos intervalos que ele fez foi
para checar Areal, que ainda não se livrava do estado de paralisia. — Talvez
eu não saiba muito sobre a biologia mogadoriana, mas tenho certeza de que
vocês precisam dormir.
Adam tira um pouco de cabelo dos seus olhos, tentando focar em mim.
— Sim, Seis, nós dormimos. Quando é conveniente.
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— Você vai acabar ultrapassando seus limites e ficar exausto, e então
será bom em quê? — pergunto.
Adam franze a testa.
— Nas mesmas coisas que eu sou bom agora — ele diz, olhando para a
coleção de diversas partes em sua frente. — Eu entendo você, Seis. Estou
bem. Deixe-me continuar trabalhando.
Para falar a verdade, estou orgulhosa por Adam ser devoto em seu
serviço. Ao mesmo tempo que não quero vê-lo se machucando, nós
precisamos desesperadamente sair do México. Ainda não há uma palavra do
John. Temo estarmos perdendo a guerra.
— Pelo menos coma algo — eu digo a ele, agarrando uma banana verde
que acabei de pegar de uma bananeira próxima e empurrando nas mãos de
Adam.
Ele considera a banana por alguns momentos. Posso realmente ouvir o
estômago de Adam roncar enquanto ele começa a descascá-la. Comida não
foi uma coisa que pensamos em trazer – nós não sabíamos o que esperar
quando vínhamos para o Santuário, mas definitivamente não estávamos
planejando ficar por aqui. Não trouxemos os suprimentos necessários para
uma estadia longa.
— Sabe, Nove tinha uma daquelas pedras em sua Arca que, se você as
chupasse, elas lhe dariam todos os nutrientes de uma refeição — eu digo a
Adam, descascando uma banana. — Meio nojento, especialmente depois que
você começa a pensar sobre onde eles estiveram e quantas vezes Nove
provavelmente a usou. Mas agora, eu realmente queria que não tivéssemos
jogado aquilo dentro do poço do Santuário.
Adam sorri, olhando para o templo.
— Talvez você devesse voltar e pedir com jeitinho. Tenho certeza que
aquela coisa-energética não quer as pedras cuspidas por Nove.
— Talvez eu devesse pedir um novo motor, já que estarei lá.
— Não doeria — Adam responde, e engole o resto de sua banana com
pressa. — Eu vou tirar a gente daqui, Seis. Não se preocupe.
Coloco uma segunda banana na mesa e deixo Adam voltar ao trabalho.
Atravesso a pista de pouso em direção onde Marina está sentada com as
pernas cruzadas na grama, encarando o Santuário. Eu não tenho certeza se
ela está meditando ou rezando ou alguma coisa assim, mas ela estava
naquele lugar quando acordei esta manhã e ainda não se moveu desde que
saí caçando por comida na selva.
Eu gostaria de pensar que foi por acidente minha rota até Marina me
levar para a haste do Skimmer onde Phiri-Dun-Ra está amarrada, mas eu sei
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que não. Nós a amarramos no meio do campo e todos temos mantido os
olhos nela. Quero que a mogadoriana diga alguma coisa, para me dar um
motivo. Ela não desaponta.
— Ele vai falhar, você sabe.
— Você disse alguma coisa? — pergunto, parando e me virando devagar
para encará-la.
Eu ouvi Phiri Dun-Ra perfeitamente.
Nossa prisioneira mogadoriana sorri cruelmente para mim, seus dentes
tortos com sangue seco. Seu olho direito está inchado. Eu fiz isso nela ontem
à noite. Depois de ouvir sobre a invasão mogadoriana, cansei-me
rapidamente com sua incessante gargalhada. Então, eu a acertei. Não foi meu
momento mais orgulhoso, socando um mogadoriano amarrado, mas isso me
fez sentir bem. Na verdade, eu provavelmente teria feito mais se Marina não
tivesse me arrastado para longe dela.
Enquanto encaro Phiri Dun-Ra, seu olho bom se estreita em diversão.
Cerro os punhos de novo. Eu quero bater em algo. Tudo o que preciso é
de um motivo.
— Você me ouviu, garotinha — ela responde, balançando o queixo na
direção de Adam. Phiri Dun-Ra fala alto o suficiente que eu tenho certeza que
ele pode ouvir também. — Adamus Sutekh vai falhar, como ele sempre falha.
Você sabe, eu o conheço há muito mais tempo que você. Eu sei o eterno
desapontamento que ele foi para seu pai. Para o nosso povo. Não é à toa que
ele se tornou um traidor.
Olho por sobre os meus ombros para Adam. Ele está fingindo não ouvir
Phiri Dun-Ra, mas suas mãos pararam de trabalhar e seus ombros
enrijeceram.
— Você quer ser nocauteada de novo? — pergunto para Phiri Dun-Ra,
dando um passo em direção a ela.
Ela fica pensativa por um momento, então continua:
— No entanto, hmm... acabei de me lembrar de algo. Eu me lembro de
ouvir as proezas do jovem técnico Adamus. Ele era algo como um prodígio
em máquinas para um jovem nascido naturalmente. É estranho ele não ser
capaz de consertar uma dessas naves, especialmente com todos esses
equipamentos a seu dispor.
Eu olho novamente para Adam. Ele está virado agora, uma expressão
confusa em seu rosto, encarando Phiri Dun-Ra.
— Eu me pergunto se ele está enrolando de propósito — Phiri Dun-Ra
diz. — Talvez, agora que o Progresso Mogadoriano se provou inevitável, ele
pense que manter vocês aqui dará a ele algum favor com nosso Adorado
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Líder, para que então ele volte rastejando de volta para seu povo de
verdade... Ou talvez ele simplesmente seja covarde demais para encarar as
batalhas perdidas que estão por vir.
Adam passa por mim como um borrão. Ele agacha em frente à Phiri Dun-
Ra e puxa sua cabeça para trás. Ela tenta mordê-lo, mas Adam é mais rápido.
— A morte está chegando para você, Adamus Sutekh! Para todos vocês!
— ela dá um jeito de gritar, antes de Adam enfiar um pedaço de pano em sua
boca.
Depois, ele rasga um pedaço grande de fita e enrola em toda a cabeça
de Phiri Dun-Ra. Sua respiração agora vem em rajadas furiosas pelo seu nariz,
a mogadoriana olhando venenosamente para Adam. Sobre a grama em
frente ao Santuário, Marina tem resistido em assistir a cena, uma pequena
careta em seu rosto.
Adam fica em cima de Phiri Dun-Ra, seus dentes à mostra, linhas escuras
aparecendo em seu rosto. É um olhar assassino, um que vi no rosto de vários
mogadorianos, usualmente logo antes de tentarem me matar.
— Adam... — chamo, advertindo-o.
Adam se vira para me encarar, tentando se controlar. Ele respira fundo.
— Tudo o que ela disse é mentira, Seis — ele diz. — Tudo.
— Eu sei disso — respondo. — Nós devíamos tê-la amordaçado antes.
Adam grunhe e retorna para sua bancada, seus olhos desanimados
enquanto passa por mim. Phiri Dun-Ra definitivamente sabe como tirá-lo do
controle. Como tirar todos nós. Bom, exceto Marina. Eu sei que ela está
tentando criar uma barreira entre ela e o nosso grupo, mas isso não vai
funcionar. Quão estúpida ela pensa que sou? Eu sempre vou acreditar na
palavra de um mogadoriano que foi permitido atravessar o campo de força
do Santuário do que de um que tentou nos explodir com uma granada.
Com o fim da discussão, Marina senta na grama de frente para o
Santuário. Eu me junto a ela, observando as brilhantes aves coloridas voarem
enquanto brincam em volta do templo antigo.
— Você o teria parado, se ele tentasse matá-la? — Marina me pergunta
depois de um momento.
Eu encolho os ombros.
— Ela é uma mogadoriana — respondo. — Uma das piores que já
conheci. E isso quer dizer alguma coisa.
— No calor da batalha é uma coisa — Marina diz. — Mas quando ela
está amarrada... Ela não é como os guerreiros que nós tanto enfrentamos. Ela
é como Adam, uma nascido naturalmente. Quando usei minha cura nele,
evitando que ele desintegrasse, eu pude... Eu pude sentir a vida lá, não tão
90
diferente do que a nossa. Temo no que nós podemos nos tornar com a
continuidade dessa guerra.
Talvez eu esteja cansada demais, e definitivamente estou além de
estressada com nossa situação atual, mas essa coisa moral de Marina está
começando a encher o saco. Quando respondo, tem mais ignorância na
minha voz do que eu gostaria.
— E então? Você é pacifista agora? Alguns dias atrás, você arrancou o
olho do Cinco com um ataque de gelo — eu a lembro. — Ele é muito mais
parecido conosco do que Phiri Dun-Ra é, e eles dois estão em apuros.
— Sim, eu fiz isso — Marina responde, passando suas mãos sobre as
pontas afiadas da grama. — Eu me arrependo disso. Ou, na verdade, eu me
arrependo do pouco arrependida que estou. Você entende o que quero dizer,
Seis? Nós temos que tomar cuidado para não nos tornarmos eles.
— Cinco mereceu — respondo, amolecendo um pouco minha voz.
— Talvez — Marina admite, e finalmente olha para mim. — Eu me
pergunto o que será de nós quando tudo isso acabar, Seis. Com o que nós
seremos parecidos?
— Se ainda tiver restado alguma coisa de nós — respondo. — Grande
“se” nesse momento.
Marina sorri tristemente. Ela muda seu olhar de volta para o Santuário.
— Eu fui dentro do templo mais cedo nessa manhã, antes do nascer do
sol — ela conta. — Voltei para o poço, de onde a energia Lórica veio.
Eu estudo Marina. Enquanto eu estava dormindo, ela estava descendo
aquelas escadas tortas de volta para a câmara subterrânea do Santuário.
O poço de pedra de onde a Entidade veio, os mapas brilhantes do
universo nas paredes. Eu gostaria que nós tivéssemos obtido mais respostas
daquele lugar.
— Achou algo útil?
Ela balança o ombro.
— Ainda está lá. A Entidade. Eu posso senti-la, se espalhando de dentro
do Santuário, no entanto, não sei por qual motivo. Ainda posso ver o brilho, lá
no fundo do poço. Mas...
— Você estava esperando por algum conselho?
Marina acena e sorri baixinho.
— Eu tinha esperança que ela poderia nos guiar. Dizer-nos o que fazer a
partir de agora.
Não estou surpresa que a Entidade esteja vivendo dentro do Santuário,
aparentemente a fonte de nosso poder, não colocou a cabeça para fora para
outra visita com Marina. Quando nós encontramos a entidade pela primeira
91
vez, ele parecia quase incomodada conosco, feliz por ter sido acordada, com
certeza, mas sem nenhuma pressa em nos ajudar a ganhar essa guerra contra
os mogadorianos. Eu me lembro de algo que ela disse durante nossa
conversa, que ela concede seus dons sobre uma espécie, que não julga ou
toma lados, nem mesmo para sua própria defesa. Acho que nós já tivemos
toda ajuda da entidade que nós vamos ter. Guardo esse pensamento para
mim, não querendo desencorajar Marina ou abalar sua fé, a qual parece ser a
única coisa que a está mantendo sã. Mesmo se isso a guie a algumas
questões éticas mórbidas que eu francamente não me vejo pensando.
— Fiquei sentada aqui fora rezando por nossa situação — Marina
continua. — Suponho que seja idiota esperar por algum tipo de sinal. No
entanto, não sei o que mais fazer comigo mesma.
Antes que eu consiga responder, um zumbido estridente soa atrás de
nós. No início, penso que é só a última tentativa de Adam em criar um novo
tubo. O barulho está muito perto. Está vindo praticamente de cima de nós.
Marina está sorrindo para mim, com seus olhos arregalados e animados. Meu
coração começa a bater mais rápido enquanto percebo o que está
acontecendo. Talvez a oração de Marina realmente tenha funcionado.
— Seis? Você não vai atender?
As coisas têm sido irritantemente silenciosas por tanto tempo, que devo
ter esquecido como o toque de um telefone via satélite soa. Eu me levanto
em um pulo, arrancando o telefone do bolso da minha calça.
Marina permanece comigo, inclinando sua cabeça mais próximo para
poder ouvir, e Adam corre para se juntar a nós. Eu posso sentir Phiri Dun-Ra
nos observando, mas eu a ignoro.
— John?
Há uma explosão estática enquanto o telefone via satélite estabelece a
conexão, uma voz familiar saindo através dos gritos da interferência.
— Seis? É o Sam!
Um largo sorriso se forma no meu rosto. Posso sentir o alívio na voz de
Sam por eu ter atendido ao telefone.
— Sam! — minha própria voz trava um pouco. Espero que ele não tenha
percebido isso. Na verdade, eu não me importo. Marina agarra meu braço,
sorrindo mais largamente. — Você está bem? — pergunto para Sam, as
palavras saindo metade como questão e metade como exclamação.
— Eu estou bem! — ele grita.
— E John?
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— John também. Nós estamos em um acampamento militar no
Brooklyn. Eles nos emprestaram um par de telefones via satélite e John está
falando com Sarah no outro telefone.
Eu resmungo e não posso evitar revirar meus olhos um pouco.
— É claro que ele está.
— Onde vocês estão, gente? Está todo mundo bem? — Sam pergunta.
— As coisas ficaram loucas.
— Todo mundo está bem, mas...
Antes que eu consiga contar ao Sam sobre nossa situação, ele
interrompe.
— Alguma coisa aconteceu ai embaixo, Seis? Enquanto vocês estavam
no Santuário? Como, por um exemplo, vocês apertaram um botão para
Legados ou alguma coisa?
— Não tinha nenhum botão — eu digo, trocando um olhar com Marina.
— Nós conhecemos, eu não sei...
— O próprio Lorien — Marina diz.
— Nós conhecemos uma Entidade — explico a Sam. — Ela diz algumas
coisas enigmáticas, nos agradeceu por tê-la acordada e então, hum...
— Se espalhou pela Terra — Marina termina para mim.
— Ah, oi Marina — Sam diz distraidamente. — Escuta, acho que essa
Entidade de vocês pode ter, hum, se espalhado em mim.
— Que diabos isso significa, Sam?
— Eu desenvolvi Legados — Sam responde. Há uma forte mistura de
animação e orgulho em sua voz que é impossível eu não imaginar Sam
estufando um pouco o peito, parecendo como se ele tivesse feito algo de
bom depois de ter beijado pela primeira vez. — Bem, só telecinesia. Que é
sempre o primeiro, certo?
— Você desenvolveu um Legado?! — exclamo, olhando com os olhos
arregalados para os outros.
As mãos de Marina apertam meu braço, e ela se vira para ver o
Santuário. Nesse meio tempo, a expressão de Adam se torna pensativa
enquanto ele olha para suas próprias mãos, talvez se questionando o que
este desenvolvimento quer dizer sobre seus próprios Legados.
— E eu não sou o único — Sam continua. — Nós conhecemos outra
garota em Nova York que por acaso também desenvolveu Legados. Quem
sabe quantos novos Gardes há pelo mundo afora?
Balanço minha cabeça, tentando digerir toda essa informação. Eu me
percebo encarando o Santuário também, pensando sobre Entidade
escondida com ele.
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— Funcionou — eu digo em voz baixa. — Realmente funcionou.
Marina me encara, lágrimas em seus olhos.
— Nós estamos em casa, Seis — ela diz. — Nós trouxemos Lorien para
cá. Nós mudamos o mundo.
Tudo isso soa incrível, mas eu ainda não estou preparada para celebrar.
Nós ainda estamos presos no México. A guerra não acabou de repente.
— Aquela Entidade não te deu uma lista de novos Garde, deu? — Sam
pergunta. — Algum jeito de nós encontrá-los?
— Nenhuma lista — respondo. — Não posso dizer com certeza, mas
julgando pela minha conversa com a Entidade, tudo parece ser bastante por
acaso. O que está acontecendo ai? — pergunto ao Sam, desviando a conversa
para as batalhas que nós perdemos. — Nós ouvimos sobre o ataque em Nova
York...
— Está ruim, Seis — Sam diz, diminuindo sua voz. — Manhattan está,
tipo, pegando fogo. Nós não sabemos onde Nove está; ele ainda está lá em
algum lugar. Onde vocês estão? Nós realmente poderíamos usar sua ajuda.
Percebo que eu ainda não terminei de contar ao Sam sobre nossa
situação atual.
— Tinha mogs de guarda no Santuário — conto a ele. — Nós pegamos
todos, exceto um. Enquanto estávamos dentro do templo, ela destruiu todas
as naves. Estamos presos aqui. Você acha que vocês conseguiriam que um
novo amigo militar mandasse um jato? Talvez precisemos ser resgatados.
— Espere, vocês ainda estão no México? No Santuário?
Eu não gosto do medo na voz do Sam. Alguma coisa não está certa.
— O que está errado, Sam?
— Vocês precisam sair daí — Sam diz. — Setrákus Ra e sua nave gigante
estão indo direto na direção de vocês.
94
Capítulo onze
ALGUNS MINUTOS DEPOIS DE A AGENTE WALKER ME DIZER QUE TENHO
QUARENTA E oito horas para vencer uma guerra, uma dupla de soldados
vestidos em uma armadura completa e um cidadão de meia idade estão
carregando um tablet chegam à sua barraca. Eles querem entregar algum tipo
de mensagem importante relacionada à gravação que o cidadão fez em seu
aparelho durante a manhã. Eu não estou prestando muita atenção – meus
ouvidos estão zunindo, coração batendo forte. Posso sentir que os recém-
chegados estão me olhando, como se eu fosse um híbrido de celebridade e um
unicórnio. Isso não ajuda no meu pressentimento de que as paredes da barraca
estão se fechando lentamente.
Acho que talvez eu possa estar sob um ataque de pânico.
A Agente Walker dá uma olhada em mim e levanta sua mão, impedindo
que os soldados falem qualquer coisa.
— Vamos dar uma volta, cavalheiros — ela diz. — Preciso de ar fresco.
Walker leva os três homens para fora de sua barraca e os segue, parando
na saída. Ela olha para mim, fazendo uma careta como se estivesse com dor. Sei
que ela provavelmente quer dizer alguma coisa confortante ou encorajadora, e
também sei que a Agente Walker simplesmente não faz esse tipo.
— Tire alguns minutos — ela diz gentilmente, e essa provavelmente é a
maior empatia que vi por parte dela.
— Eu estou bem — digo bruscamente, embora eu não me sinta bem.
Na maior parte. Estou enraizado no mesmo lugar e lutando para manter
minha respiração estável.
— Claro, eu sei disso — ela concorda. — Apenas... eu não sei, você passou
por momentos difíceis nas últimas vinte e quatro horas. Tome um ar fresco.
Estarei de volta dentro de alguns minutos.
Assim que ela sai, eu imediatamente desmorono na cadeira em frente ao
notebook. Eu não deveria estar descansando. Há muita coisa para ser feita.
Embora meu corpo não esteja cooperando. Essa sensação não é como a
exaustão pela qual eu estava passando ontem – é algo diferente.
Minhas mãos tremem, e posso ouvir meus batimentos cardíacos em meu
peito. Eles me lembram do barulho das explosões que ocorreram ontem – dos
gritos, dos mortos. Correndo pela minha vida, passando por corpos de pessoas
que não fui bom o suficiente para salvar. E ainda há mais para vir.
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A menos que eu possa fazer o impossível. Sinto como se eu fosse vomitar.
Preciso de algo para focar, alguma coisa para me tirar desse pavor, então ligo o
notebook de Walker. Eu sei o que estou esperando encontrar, o que preciso
ouvir. Junto com o vídeo que ela me mostrou da ameaça de Setrákus Ra, Walker
tem alguns outros arquivos abertos em seu computador. Eu não estou tão
surpreso pelo fato de encontrar o vídeo que eu quero lá, já aberto.
LUTE PELA TERRA – APOIE OS LORIENOS.
Aumento o volume e clico no botão “reproduzir”.
“Esse é o nosso planeta, porém não estamos sozinhos”.
Daniela estava certa: Sarah realmente parece tentar parecer mais velha e
mais profissional do que ela realmente é, como uma âncora ou uma jornalista.
Isso me faz sorrir, de qualquer forma. Fecho os olhos e escuto a voz dela. Eu não
preciso necessariamente compreender as palavras – embora seja
definitivamente bom ouvir a voz de sua namorada descrevendo você como um
herói para a raça humana.
Ouvir a voz de Sarah começa a tranquilizar meus nervos, mas também cria
um sentimento que estive muito preocupado em sentir durante os últimos dias.
Eu imagino nós, de volta a Paradise, inocentes, ficando juntos no meu quarto
enquanto Henri fazia compras...
Não tenho certeza de quantas vezes assisti o vídeo antes de Sam entrar na
barraca de Walker. Ele pigarreia para chamar minha atenção e segura um
celular via satélite em cada mão.
— Missão cumprida — ele diz. Ele inclina sua cabeça para ver a tela do
notebook. — O que você está assistindo?
— O... hum... o vídeo que a Sarah fez — respondo, me sentindo
envergonhado.
Claro, Sam não sabe que acabei de ver uma dúzia de vezes, que estou
ouvindo a voz da minha namorada para tentar sair desse estado emocional.
Levanto rapidamente e tento parecer tão firme quanto sou descrito no vídeo.
— É incrível? — Sam pergunta, se aproximando. Ele deixa um dos
telefones na mesa, perto de mim.
— É... — eu paro, não tendo certeza sobre o que dizer do vídeo. — É bem
sentimental, na verdade. Mas, agora, é uma das melhores coisas do mundo
também.
Sam assente e dá um tapinha no meu ombro, entendendo.
— Por que você não liga para ela?
— Sarah?
— É. Eu vou ligar para Seis e ver como está a Equipe do Santuário — ele
diz, parecendo ansioso. — Descobrir onde eles estão. Talvez eles nem tenham
96
conseguido voltar para Ashwood Estates. Vou atualizá-los sobre o que está
acontecendo conosco e iremos combinar um local de encontro. Eu
provavelmente deveria ligar para meu pai também. Deixar ele saber que estou
vivo.
Percebo que Sam está olhando para mim da mesma maneira que Walker,
como se eu de repente estivesse frágil. Assinto e começo a andar, mas Sam põe
a mão em meu ombro.
— Sério, cara — ele diz. — Ligue para sua namorada. Ela deve estar
morrendo de preocupação.
Deixo Sam me colocar de volta na cadeira.
— Tudo bem. Mas se qualquer coisa aconteceu com Seis e os outros, ou se
você não conseguir falar com eles...
— Você será o primeiro a saber — Sam diz enquanto ele segue para a
saída. — Eu vou deixar você a sós antes da próxima crise.
Assim que Sam se foi, coloco minhas mãos sobre meus cabelos e as deixo
lá, apertando minha cabeça, como se estivesse literalmente tentando juntar as
coisas. Depois de um momento de recomposição, alcanço o celular que Sam me
trouxe e digito o número que memorizei.
Sarah atende no terceiro toque, sem fôlego e cheia de esperanças.
— John?
— Você não tem ideia do quanto eu precisava ouvir sua voz — eu
respondo, olhando para o notebook da Walker e finalmente fechando-o.
Aperto o telefone na minha orelha, fecho meus olhos e imagino Sarah
sentada ao meu lado.
— Eu estava tão preocupada, John. Eu vi – nós vimos o que aconteceu em
Nova York.
Mordo a parte interna da minha bochecha. A imagem de Sarah que estava
em minha mente é substituída por um dos prédios se desmoronando em razão
do bombeamento causado pela Anubis.
— Foi... eu não sei o que dizer sobre isso — eu digo. — Eu me sinto com
sorte por ter escapado.
Não menciono a culpa que estou sentido, ou como foi difícil para mim
continuar. Eu não quero que Sarah saiba isso. Eu quero ser o herói que ela
descreveu no vídeo.
Sarah não diz nada por alguns segundos, mas posso ouvi-la respirando,
instável e devagar, como se estivesse tentando impedir que as emoções
explodam. Quando ela finalmente fala, sua voz é baixa, num sussurro
desesperado, vindo de muito longe.
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— Foi horrível, John. Todas aquelas pobres pessoas. Eles estão morrendo,
o mundo está basicamente acabando, e tudo... tudo em que eu conseguia
pensar era no que poderia ter acontecido com você, o motivo pelo qual você
não entrava em contato. Eu não – eu não tenho um feitiço no meu tornozelo
para me manter atualizada. Eu não sabia se...
Percebo que Sarah está aliviada por ouvir minha voz daquele jeito, aquela
forma de quando você está a noites sem dormir por estar preocupado com
alguém. Eu me lembro de como me senti quando os mogadorianos a tinham
pego, como foi sentir que uma parte de mim estava faltando. Eu também me
lembro do quão simples as coisas eram até então – evitar os mogs, salvar Sarah,
quando não havia milhões de vidas pesando na balança. É louco pensar que eu
considerava aquilo como uma crise.
— Meu telefone foi destruído, por isso não entrei em contato antes. Nós
conseguimos chegar ao Brooklyn, onde o exército se estabilizou. Estou bem —
eu reasseguro ela, sabendo que de certa forma estou tentando me convencer
disso também.
— Eu me senti como um fantasma nesses últimos dias — Sarah sussurra.
— Mark e eu, nós passamos muito tempo na Internet, trabalhando em projetos
para ajudar, você sabe, conseguir seguidores. E nós finalmente conhecemos
GUARD em carne e osso, o que – meu Deus John, tenho tanta coisa para contar.
Mas primeiro preciso que você saiba que durante todo esse tempo, sinto como
se eu apenas estivesse agindo com emoções. Como se eu estivesse fora do meu
corpo. Porque tudo em que pude pensar era em você acabar explodido junto
com essas pessoas em Nova York.
Eu deveria perguntar a Sarah sobre a identidade do misterioso hacker com
quem ela e Mark estiveram trabalhando. Eu deveria saber os detalhes do que
ela e Mark estiveram fazendo. Eu sei que deveria. Com exceção desse
momento, onde tudo o que quero pensar é em como senti sua falta.
— Eu sei que parte do motivo pelo qual você foi se encontrar com Mark
era porque você não queria ser uma distração — eu digo, tentando parecer
mais sério do que desesperado. — Não ser capaz de falar com você, de vê-la, de
te tocar – isso talvez tenha sido a maior distração, no final das contas. Você tem
ajudado tanto, mas...
— Eu também sinto sua falta — Sarah responde, e posso dizer que quando
ela fala, ela tenta encontrar um motivo, ser sorte como foi quando eu a deixei
na rodoviária de Baltimore. — Nós fizemos a escolha certa, John. É melhor
assim.
— Foi uma escolha estúpida — respondo.
— John...
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— Eu não sei porque deixei você me convencer a isso — continuo. — Nós
nunca devíamos ter nos separado. Depois de tudo o que aconteceu em Nova
York, tudo o que tive que ver...
Eu fico sem fôlego por um momento enquanto me lembro das explosões,
da destruição, dos feridos e dos mortos. Percebo que estou tremendo
novamente, e definitivamente não é de cansaço. Sinto como se eu tivesse
atingido meu limite, como se tivesse mais brutalidade em meu cérebro do que
ele pode suportar. Tento focar em Sarah e em conseguir falar, tentando não
parecer desesperado.
— Eu preciso de você do meu lado, Sarah — consigo terminar. — Sinto que
estas são as últimas batalhas que teremos que enfrentar até o fim de nossas
vidas. Depois de Nova York, eu... eu vi o quão rapidamente a vida pode nos ser
tirada. Eu não quero que estejamos separados se algo acontecer, se esse for o
fim.
Sarah expira fundo. Quando ela fala, sua voz é firme.
— Esse não é o fim, John.
Percebo como eu devo ter parecido para ela. Fraco e com medo, não como
o super-herói alienígena que ela descreveu no vídeo. Estou envergonhado pela
forma como agi. Sozinho pela primeira vez desde Nova York, sem conflitos
constantes para me distrair, com as coisas finalmente calmas para que eu possa
pensar – o resultado sou eu desmoronando ao telefone com minha namorada.
Estivemos em más situações antes, lutamos algumas batalhas brutais e vimos
amigos morrerem. Mas, até agora, eu nunca me senti sem esperança.
Quando fico em silêncio por alguns minutos, Sarah continua, sua voz num
tom gentil.
— Eu não posso imaginar o que foi para você estar em Nova York
durante... aquilo. Eu não posso imaginar pelo o que você está passando...
— Foi minha culpa o que aconteceu — eu digo a ela em voz baixa, olhando
para saída da barraca caso alguém lá fora possa ouvir. — Eu poderia ter matado
Setrákus Ra nas Nações Unidas. Tive tempo para me preparar para essa invasão.
E eu falhei.
— Ah, John. Você não pode se culpar pelo que ocorreu em Nova York —
Sarah responde, com um tom de voz insistente. — Você não é responsável pelos
assassinatos brutais daquele alienígena psicopata, tá bom? Você estava
tentando impedi-lo.
— Mas não impedi.
— É, mas nenhuma outra pessoa o impediu também. Então ou todos nós
somos culpados, ou talvez a culpa seja do mogadoriano cruel e podemos deixar
99
assim. Se culpar não vai trazer ninguém de volta, John. Mas você pode vingá-los.
Você pode impedir Setrákus Ra de repetir o que ele fez.
Eu rio amargamente.
— É isso. Eu não sei como impedi-lo.
— Encontraremos algum jeito — Sarah responde, e ela certamente quase
me convence. — Vamos fazer isso juntos. Todos nós.
Esfrego as mãos em meu rosto, tentando me estabilizar.
Sarah está me dizendo exatamente o que eu precisava ouvir. Como
sempre, eu sei que ela está certa, pelo menos logicamente. Mas isso não retira a
culpa que sinto em minhas entranhas, ou talvez faz o futuro parecer menos
sobrecarregado.
— Eles olham para mim como se eu fosse um herói — eu digo, zombando.
— Ando por este acampamento de soldados, de sobreviventes, e todos me
olham como se eu fosse algum tipo de super-homem. Eles não sabem...
— Acho que o vídeo realmente funcionou — Sarah diz, tentando melhorar
meu humor. — Eles olham para você dessa forma porque você é um herói, John.
Balanço minha cabeça.
— Eles não sabem que não tenho ideia do que estou fazendo. Eu não sei
como lutar numa batalha nessa escala. Nove está desaparecido. Ella foi raptada
e está basicamente sendo torturada, e não sei porque Seis e os outros estão
demorando tanto para voltar do Santuário, mas quando eles voltarem, talvez
teremos que regressar para lá de qualquer jeito, porque é para lá que Setrákus
Ra está indo. Enquanto isso, há vinte e cinco naves sobre vinte e cinco cidades
diferentes. Eu não sei como lidar com isso, Sarah.
— Bem — Sarah responde, sua voz calma, como se eu não tivesse acabado
de jogar uma pilha de problemas sobre ela. — É uma boa coisa você ter amigos.
Agora vamos tratar uma coisa de cada vez. Deixe-me lhe contar sobre GUARD.
100
Capítulo doze
SARAH CONTA TUDO SOBRE O TEMPO QUE PASSOU COM MARK, E EU
REALMENTE não consigo acreditar no que ela me fala sobre GUARD. Depois de
todos esses anos, é incrível. Tento manter a calma em minha voz, esconder
essas notícias incríveis da Agente Walker e de seus amigos do governo, pelo
menos por enquanto. Depois que Sarah me atualizou, digo a ela tudo o que
aconteceu comigo, e sobre tudo o que estamos enfrentando. Ela não vacila. Ela
me diz que podemos fazer isso. Ela me diz que podemos vencer.
Ela me faz acreditar.
Quando finalmente saio da barraca da Agente Walker, não estou mais
tremendo. Desabafar com Sarah, ouvir sua voz, lembrar do motivo pelo qual
estou lutando – tudo isso foi o suficiente para me fazer levantar, seguir em
frente, pronto para voltar à batalha. Ainda não tenho todas as respostas, mas
agora não tenho mais medo de enfrentar as perguntas.
Do lado de fora da barraca, Sam ainda está no telefone. Ele anda de um
lado para o outro, gesticulando enfaticamente com sua mão livre.
— Seis, isso é loucura — ele insiste. Obviamente, Seis está viva e muito
bem. E é claro que Sam já está tentando fazê-la desistir de alguma loucura. —
Você não viu o tamanho dessa coisa. Ela destruiu todos os prédios da cidade
como se fossem feitos de papel.
Sam me vê, então arregala os olhos como se Seis estivesse dizendo algo
louco em resposta.
— John está aqui — Sam diz para o telefone. — Talvez ele consiga pôr
alguma razão em sua cabeça.
Sam me entrega o celular.
— Eles estão bem? — pergunto para Sam, aceitando o telefone.
— Estão. Eles libertaram o espírito de Lorien na Terra, o que
provavelmente é a resposta para o desenvolvimento do meu Legado, mas agora
estão presos no México, e Seis está falando da possibilidade de lutar contra
a Anubis quando ela aparecer no Santuário — Sam revela quase sem fôlego. Eu
o encaro, tentando absorver tudo o que ele me disse enquanto levo o telefone
até a orelha.
— John? Sam? — é a voz familiar de Seis, parecendo irritada. — Alguém
fale comigo.
— Ei, Seis — eu digo. — Bom ouvir sua voz.
101
— Bom ouvir a sua também — ela responde, um pouco alto. — Quer que
eu o atualize com detalhes? Ou devemos ir direto ao ponto onde você tenta me
convencer a não lutar contra Setrákus Ra e sua nave de guerra?
Não consigo evitar sorrir quando a ouço explodindo. Depois de falar com
Sarah, e agora com Seis, as coisas não parecem tão pesadas como pareciam.
Nós definitivamente vamos lutar, e pelo menos não estou nessa sozinho.
— Eu quero que você me atualize — eu digo Seis. — Mas primeiro,
realmente preciso falar com Adam.
— Oh — Seis responde, parecendo surpresa. — Claro. Espere um segundo.
Sam me encara, como se eu definitivamente devesse ter dito primeiro a
Seis e os outros para fugirem do Santuário. Não tenho certeza se essa é a coisa
certa no momento. Nós sabemos que Setrákus Ra está indo para lá, mas ele não
sabe que sabemos disso. Isso nos dá uma vantagem rara. Ella me mostrou o
Santuário em sua visão. Ela me disse para avisar Seis e os outros. Talvez seja lá
que ocorrerá a batalha final contra Setrákus Ra. Se esse for o caso, pelo menos
ela será travada no meio do nada. Pessoas inocentes não estarão em perigo.
Adam atende o telefone, parecendo cansado.
— Como posso ajudar?
— Suas naves – digo, a nave dos mogs, elas são protegidas com um campo
de força. Me diga como destruí-los.
Adam bufa.
— Está brincando, certo?
— Eu preciso dar alguma coisa para o governo — respondo a Adam. —
Setrákus Ra estabeleceu um prazo para a rendição, e se eles não descobrirem
uma forma de derrotar a frota, o Exército não vai nos ajudar.
— John, aquelas naves foram projetadas antes da invasão de Lorien —
Adam explica. — Os escudos foram feitos para sustentar ataques de um planeta
repletos de Gardes. Não há arma na Terra menor que uma bomba nuclear que
poderia ao menos potencialmente quebrar o escudo, e tentar fazer isso em cima
de uma cidade populosa seria catastrófico — Adam para, e posso ouvir o
passos. Ele está andando na direção de alguma coisa. — Entretanto...
— O quê? Eu aceito qualquer coisa que puder me dar, Adam.
— Talvez força bruta não seja a resposta. Estou olhando para uma pista de
pouso cheia de Skimmeres — ele diz. — Me ocorreu que há mais ou menos cem
desses ligados a cada nave de guerra. Elas servem como escolta e transportam
esquadrões de tropas terrestres. Elas vêm e vão da nave de guerra o tempo
todo, o que teoricamente significa baixar o campo de força por um tempo.
Então, os Skimmeres foram equipados com um gerador de campo
102
eletromagnético que os “escondem” do campo de força da nave de guerra,
permitindo que passem através dele ilesos.
Eu deveria ter pensado nisso. Agora que Adam falou, percebo que vi essa
tecnologia em prática na base da montanha em West Virginia. Quando Setrákus
Ra chegou pela primeira vez na Terra, sua nave atravessou o campo de força da
base como se ele não estivesse lá. Quando tentei caçá-lo, o campo de força
praticamente me fritou.
— Seria possível despojar essa tecnologia dos Skimmeres e transferi-la
para algo diferente? — pergunto a Adam. — Como, por exemplo, num jato do
Exército?
Adam considera.
— Possivelmente, sim. Porém mesmo que não tivesse mais que se
preocupar com o escudo, ainda ele estaria na mira dos canhões.
Eu me lembro do que Ella me mostrou durante o sonho que
compartilhamos – o observatório por onde ela e Cinco tentaram escapar. Talvez
possamos usar a tecnologia dos mogadorianos contra eles mesmos.
— Nós poderíamos, tipo, colocar dez pessoas dentro de um Skimmer
desses, certo? — pergunto, considerando um novo plano de ataque.
— Doze, mais dois pilotos — Adam responde rapidamente. — Você está
considerando um ataque menos óbvio.
— Estou. Se pudéssemos embarcar em uma das naves de guerra, quantas
pessoas você acha que precisaríamos para conquistá-la?
Agora há um pouco de animação na voz de Adam.
— Isso depende de quantas dessas pessoas têm Legados. Eu já mencionei,
John, que quando era pequeno eu sonhava pilotar essas naves de guerra?
Sorrio ao ouvir isso.
— Talvez você tenha acabado de ganhar essa chance, Adam. Obrigado
pelas informações. Você poderia colocar Seis de volta na linha?
Adam se despede e devolve o celular para Seis.
— Você acha que deveríamos tentar embarcar na Anubis? — Seis me
pergunta. — Sam estava até agora me encorajando para que eu e os outros
fugíssemos correndo para longe daquela coisa o mais rápido possível.
— Eu não tenho certeza do que devemos fazer ainda, mas quero conhecer
nossas opções — respondo. Olho para Sam e não evito franzir a testa. Ele não
vai gostar do que vou dizer agora. — Aguente firme, Seis, a ajuda está a
caminho.
103
Pouco tempo depois, Sam e eu estamos andando pelo píer, procurando
pela Agente Walker. Onde quer que ela tenha ido com aqueles dois agentes e o
cidadão, está demorando mais do que esperávamos. Logo a frente há uma
grande presença militar no deque de concreto bem no meio do East
River. Quando chegamos, um pequeno grupo de soldados está trabalhando
duro puxando alguns caiaques vazios da água para que os navios militares
possam ter espaço para atracar. Este lugar não foi exatamente projetado para
batalhas.
Durante as últimas vinte e quatro horas, isto se transformou em uma área
de preparação, com um bando de destroieres flutuantes ameaçadoramente na
estreita hidrovia, apontando suas armas para os vestígios de fumaça do centro
de Manhattan.
— Como Malcolm está? — pergunto a Sam. Ele fez uma curta ligação para
seu pai depois de termos terminado a ligação com Seis.
— Mais aliviado por estarmos vivos. E muito animado sobre meu novo...
talento — Sam responde, olhando ao redor para ter certeza de que não há
ninguém ouvindo. — Ele e os agentes do FBI que Walker deixou para trás foram
escoltados pelo governo durante a evacuação de Washington. Acho que ele está
sendo tratado como VIP. Eles o tem no mesmo complexo no subsolo em que
está o presidente.
— Talvez ele pudesse falar bem de nós.
— Foi o que falei. Agora, ele me disse que eles acham que ele é algum
cientista louco especializado em alienígenas com um bando de bichos de
estimação.
— Os Chimærae.
— Meu pai acha que será melhor se eles se passarem por animais comuns
por enquanto. Sei que decidimos confiar no pequeno grupo rebelde da Agente
Walker, mas há mais gente além d eles em Washington. Alguns cientistas que
estão lá, bem, meu pai acha que eles podem estar um pouco curiosos sobre a
biologia alienígena.
Penso sobre como Adam resgatou os Chimærae dos experimentos
mogadorianos. Mesmo eu querendo acreditar que os agentes norte-americanos
são melhores que isso, não consigo.
— Isso é inteligente — respondo. — Mantê-los longe de serem dissecados
ou coisa do tipo até precisarmos deles. Nesse meio tempo, eles podem tomar
conta de seu pai.
— Sim... — Sam para. Eu posso dizer que ele preferiria estar falando de
outra coisa, principalmente porque está inquieto desde que desligamos o
104
telefone com Seis. — John, eu ainda não consigo acreditar que você disse para
eles ficarem lá.
Estou planejando ligar para Seis novamente assim que descobrir o quanto
posso contar com Walker e o governo. Até lá, eles continuarão no Santuário.
Eles ainda têm algum tempo antes de Setrákus Ra chegar lá.
— Você realmente acha que Seis teria voltado se eu pedisse? — devolvo.
— Eu não quero colocá-los em perigo também, Sam, mas...
— John, qual é. A Anubis quase nos matou ontem! Éramos como formigas
contra aquela coisa. Nem isso. Qual a nossa chance?
— Ella me disse que Setrákus Ra quer o que está dentro do Santuário, o
que estou presumindo ser a Entidade Lórica que Seis nos contou. Não podemos
simplesmente deixá-lo lá sem nos manifestarmos. Não será nada bom ser
permitimos que ele consiga o que quer.
— Mas como iremos enfrentá-lo? Qual a vantagem de eles ficarem por lá?
— Sam pergunta, aumentando seu tom de voz. — Eles mal podem feri-lo. Não
sem...
— Estou ciente da nossa situação, Sam — retruco, perdendo a paciência.
— Nós vamos encontrar uma maneira de ir até lá para ajudá-los, ok? Ella me
mostrou – ela me mostrou o Santuário, ela me disse para alertar Seis e os outros
e ela também me disse que podemos vencer. Que ela encontrou uma maneira.
Tudo começa lá.
Oculto as partes em que Ella me disse que haverá sacrifícios, onde ela
deixou implícito que posso ser aquele que irá matá-la. Farei de tudo para que eu
possa mudar essa parte de sua profecia. Sei que Sam está me pressionando
porque está preocupado com os outros – com Seis, em particular. Eu também
estou preocupado com eles. Mas também confio em Seis para manter a cabeça
erguida e tomar suas próprias decisões.
Antes que Sam possa retrucar, avisto a Agente Walker em nossa frente e
começo a andar. Os agentes do FBI estão rodeados de alguns oficiais militares
de alto escalão. Tenho que abrir meu caminho entre a multidão de soldados
para me aproximar. Recebo alguns olhares descontentes no começo, como se
eu fosse um cidadão normal que acabou de sobreviver a um desastre natural.
Quando começam a perceber quem sou, um caminho se abre rapidamente. Eu
não estou mais surpreso por esse tratamento, e tento não me sentir
desconfortável com isso. Um dos soldados até presta continência para mim,
embora seu companheiro o cutuque com seu cotovelo e revire os olhos.
Walker me vê chegando e sai do amontado de militares. Noto que eles
perceberam minha presença, mas parece que Walker estava certa sobre os
oficiais de alto escalão quererem evitar contato direto com os perigosos
105
rebeldes de Lorien. Eles se movem e se reagrupam mais à frente no píer, muitos
dos soldados indo com eles. Assim que estão lá, começam a apontar para o East
River e trocar palavras. Alguma coisa sobre a água está definitivamente os
alertando. Começo a amplificar minha audição para tentar ouvir se estão
falando algo importante, mas Walker já está tagarelando na minha frente.
— Bom, você está aqui. Eu já estava voltando para buscar você — Walker
diz.
Ela está segurando o tablet que pertence ao cidadão que chegou à sua
barraca mais cedo, embora o cara não está em nenhum lugar visível agora.
Walker deve ter recrutado seu tablet e o mandado de volta para casa.
— Eu sei qual é a fraqueza dos escudos das naves de guerra. Sei como
podemos derrotá-los — digo a Walker, indo direto ao assunto.
Suas sobrancelhas se erguem.
— Droga, John. Isso foi rápido. Isso é definitivamente algo que os caras do
exército vão estar interessados em ouvir.
— Ótimo — olho para os oficiais que estão amontoados do outro lado do
píer. — Preciso chegar ao México, Walker. Estou falando dentro de umas duas
horas. Haverá uma batalha lá que não posso perder. Preciso de qualquer apoio
que eles puderem me conceder.
— Há algum tipo de “caso contrário” que você irá jogar pra cima de mim?
— Walker pergunta, sua expressão mudando. — Farei o que puder, mas eu já
lhe disse sobre a hierarquia militar. Isso vem direto do comandante geral.
— É, bem, sabe as peças que eles necessitam para vencer os campos de
força. Elas estão paradas em uma pista de pouso no México. Então é melhor
que se virem e me deem uma droga de jato para me levar até lá.
Walker levanta sua mão, me dizendo que já entendeu.
— Tudo bem, tudo bem. Eu farei meu melhor. Mas temos outra droga de
assunto para lidar antes de viajarmos para a sua zona lórica segura ou qualquer
inferno que seja isso.
— Whoa — Sam diz. Ele está perto da borda olhando para a água. — Eles
têm um submarino lá em baixo.
— Têm — Walker responde. — Antes de você ir para qualquer lugar, John,
preciso que dê uma olhada nisso.
Ela se aproxima de mim e clica no botão “reproduzir” do tablet, iniciando
um vídeo. É uma gravação trêmula desta manhã, onde a Anubis deixa
Manhattan e desliza sobre a Ponte do Brooklyn. A câmera está oscilante e o
áudio está distorcido com gritos e soldados gritando ordens um para o outro.
Eventualmente, a nave de guerra sinistra se perde na vista.
— O que eu deveria estar procurando, Walker?
106
— Foi isso o que eu disse. Também não encontrei nada da primeira vez —
Walker responde, reproduzindo novamente a gravação. — Aparentemente, os
milhares de oficiais altamente treinados não perceberam o acontecido em
tempo real também. Observe o rio agora.
Sam se inclina perto de nós, observando o vídeo.
— Alguma coisa caiu da nave — ele diz terminantemente, apontando para
tela.
Ele está certo. Um pequeno objeto redondo do tamanho da nave pérola de
Setrákus Ra cai da barriga da nave de guerra. Ela atinge o East River com um
grande respingo e imediatamente afunda, longe de vista.
— Já havia visto algo assim antes? — Walker pergunta.
Balanço a cabeça.
— Eu nunca tinha visto nenhuma nave desse tipo até a Anubis atacar Nova
York.
Walker suspira.
— Então ainda estamos no escuro.
— Eles estão mandando esse submarino lá para baixo para procurar o que
quer que seja aquilo? — Sam pergunta.
Walker assente.
— O rio tem apenas cem metros de profundidade, mas eles não querem
arriscar mandar mergulhadores para o caso de ser uma armadilha ou algum tipo
de arma.
— O que mais possivelmente poderia ser? — pergunto a Walker,
colocando minhas mãos na minha cintura e me virando em direção ao rio.
Adicionando este misterioso objeto à longa lista de coisas com que tenho que
me preocupar.
— Os oficiais de alto escalão estão com esperanças de que tenha sido um
acidente, que algo caiu da nave de guerra e possivelmente poderíamos estudar
ou usar contra os mogadorianos, ter um melhor entendimento sobre contra
quem estamos lutando.
— Setrákus Ra não faz nada por acidente.
— Então você está me dizendo que não deveríamos mandar ninguém lá?
— Walker pergunta, com uma das sobrancelhas erguidas. — Você não está
curioso, John?
Antes que eu possa responder, ouço um guincho de pneus no fim do píer.
Um dos jipes do exército se aproxima em alta velocidade e o freio teve que ser
acionado com força quando chega perto dos soldados amontoados ao redor. A
motorista retira seu capacete, revelando um cabelo negro suado. Ela abre a
porta traseira e o outro soltado dá a volta no carro para ajudá-la a retirar um
107
terceiro soldado do carro. Ele parece ferido, embora eu não consiga dizer a
gravidade dessa distância. Outros militares se aproximam, para tentar ajudar os
outros.
— Onde eles estão? — a mulher grita. — Onde estão os alienígenas? Cadê
aquela vadia do FBI?
Um nó se forma em minha garganta. Setrákus Ra colocou uma caçadora
atrás de mim e o resto da Garde. Talvez esses soldados tenham decidido que
chegou a hora de me levar. De qualquer maneira, dou um passo à frente. Eu não
vou me esconder. Os soldados agrupados no fim do píer estão apontando na
minha direção, de qualquer forma. Não há para onde ir.
Olho sobre meu ombro e vejo os oficiais de alto escalão, os coronéis e
generais e qualquer outra droga de posto que eles tenham, todos se virando
para ver o desenrolar da cena. Eles não parecem tão interessados em intervir
caso isso se torne perigoso.
Ou talvez, eu esteja sendo paranoico. Talvez percebendo que fiquei tenso,
Walker põe a mão em meu braço.
— Deixe-me cuidar disso — ela diz.
— Nem sabemos do que se trata — respondo, dando um passo à frente
para encontrar os soldados.
— Ele está todo ferrado — Sam diz, olhando o soldado agora sendo
carregado pelo motorista e sua parceira com um olhar assustado. A parte da
frente do uniforme está encharcada de sangue. Ele está meramente consciente
e tem de ser carregado pelos outros. O soldado que o está segurando não
parece machucado, mas ainda assim parece estar demasiado cansado. Em
estado de choque. Apenas a motorista parece estar bem, e ela está olhando
furiosamente para a Agente Walker.
— O que aconteceu, soldado? — Walker pergunta enquanto o trio para a
alguns passos de nós. Posso ver que o sobrenome bordado na camisa da
motorista é Schaffer.
— Estávamos fazendo o que você mandou. Procurando por ele e seus
amigos — Schaffer responde, gesticulando com seu queixo em minha direção.
Então havia outras unidades na cidade além daquelas que nos retirou da
estação do metrô. — Pensamos ter encontrado um sobrevivente, mas fomos
atacados.
— Os mogadorianos fizeram isso? — pergunto, dando um passo em
direção ao soldado ferido. A frente de sua camisa está rasgada, assim como o
colete a prova de balas que ele usa por baixo. Isso aconteceu quando ele estava
tentando me encontrar. — Segure-o firme. Deixe-me curá-lo.
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Com Schaffer e o outro soldado segurando o seu parceiro ferido, começo
cuidadosamente a desabotoar sua camisa e retirar seu colete à prova de balas.
Enquanto isso, Schaffer olha para mim.
— Você não está entendendo — Schaffer bufa. — Encontramos um garoto,
parecia que era feito de metal. Pensei que ele fosse uma das suas aberrações
Gardes, então falamos para ele que iriamos trazê-lo até você. Ele veio para cima
de nós com uma espada. Ele voou para cima de nós. Se moveu mais rápido do
que qualquer coisa deveria se mover. Nos desarmou, e fez aquilo com o
Roosevelt.
Engulo seco. Apenas agora percebo que o soldado não foi apenas ferido
com a espada. Há uma mensagem cravada nele.
— Onde ele está? — pergunto, com um tom de voz frio.
— Ele nos mandou para cá para avisá-lo — Schaffer responde. — Ele disse
que vai estar na Estátua da Liberdade ao pôr-do-sol. Quer que você se encontre
com ele.
— Havia mais alguém com ele? — Sam pergunta.
— Um garoto grande, de cabelos negros. Inconsciente — Schaffer
responde. Ela se vira para mim. — Ele falou para dizer a você o que vai
acontecer se você não ir. Eu não sei que droga isso deveria significar – para você
encontrá-lo ao pôr-do-sol ou ele vai te dar uma nova cicatriz.
109
Capítulo treze
ESTAMOS NO LIMITE DO GRAMADO EM FRENTE AO SANTUÁRIO, LADO A
LADO, DE costas para o templo. Juntos, olhamos para o horizonte, para o
norte. É dessa direção que a nave do Setrákus Ra virá.
Nós temos até o anoitecer.
Nós três somos a última linha de defesa.
O dia ficou ainda mais quente. Pelo menos posso fingir que o suor
escorrendo pelas minhas costa é do calor.
Aponto na direção da linha das ávores.
— Os mogs nos fizeram um favor cortando a mata — digo enquanto me
esforço para calcular a distância. — Nós veremos a nave chegando a pelo
menos a cinco quilômetros de distância.
— Eles também vão nos ver — Adam responde, com uma voz sombria.
— Eu não sei, Seis. Isso parece loucura.
Eu estava esperando Adam dizer algo assim. Soube pelo olhar dele
quando eu estava no telefone com John e Sam que ele não está com a gente
na luta com Setrákus Ra e a sua nave de guerra.
— Setrákus Ra não pode entrar no Santuário — Marina diz, antes que
eu possa responder. — Esse é um local lórico. Um lugar sagrado. Ele não
pode contaminá-lo. O que quer que ele queira, nós devemos detê-lo.
Olho de relance de Marina para Adam, e encolho os ombros para o
mogadoriano.
— Você a ouviu.
Adam nega com a cabeça, frustrado.
— Olhe, entendo que este local é especial para vocês, mas não vale a
pena trocar nossas vidas por ele.
— Eu discordo — Marina responde, grossamente. Ela com certeza já se
decidiu. De jeito nenhum ela vai deixar o Santuário agora, não depois do que
aconteceu aqui.
— Nós fizemos o que tínhamos que fazer aqui — Adam argumenta. —
Alguns humanos têm Legados agora. Não há nada que Setrákus Ra possa
fazer para mudar isso. Ele está atrasado.
— Nós não temos certeza — respondo, olhando de relance para o
Santuário por cima do meu ombro. — Se ele entrar lá, ele poderia... Eu não
sei. Reverter o que fizemos, talvez. Ou alguma coisa para machucar a
Entidade.
110
Adam bufa.
— Ele controlou o planeta natal de vocês por pelo menos uma década, e
nunca foi capaz de tirar os Legados de vocês. Não permanentemente.
— Porque Lorien estava aqui! — Marina enfatiza. — Ela estava se
escondendo aqui e agora ele a achou. Nós não podemos deixá-lo tocar na
Entidade. As consequências podem ser catastróficas.
Adam balança as suas mãos.
— Vocês não estão escutando a razão!
Olho para o estacionamento desordenado de naves e Skimmers
desativados. Claro que os meus olhos acham o caminho para Phiri Dun-Ra.
Ainda amordaçada e amarrada à roda de suporte, ela está se esforçando para
sentar direito, provavelmente tentando escutar a nossa conversa. Posso dizer
pelo rosto dela, pelas dobras na volta da fita adesiva que ela está sorrindo
para mim. Eu me lembro do que ela disse hoje cedo, quando tentava me
convencer de que Adam estava trabalhando secretamente para nós capturar.
— Você não acha que podemos ganhar, então está com medo de lutar
— digo abruptamente, me arrependendo das palavras segundos depois que
elas saem da minha boca.
Adam me olha espantado, então segue o meu olhar até Phiri. Ele deve
ter feito a conexão do meu argumento com o discurso dela mais cedo. Ele
nega com a cabeça desgostoso, e dá uns passos para longe de mim.
Marina me cutuca, e cochicha.
— Seis...
— Desculpe, Adam — falo rapidamente. — Sério. Isso foi golpe baixo.
— Não, você está certa, Seis — Adam responde secamente, dando de
ombros. — Eu sou um covarde porque não quero morrer hoje. Sou um
covarde porque, quando era menino, assisti pelo deque de uma das naves de
guerra o seu planeta ser dilacerado. Sou um covarde porque acho que nós
deveríamos achar um jeito melhor. Um jeito mais esperto de vencer isso.
— Certo, Adam — falo, sentindo um aperto no meu peito pela menção
da destruição de Lorien. — Nós te ouvimos.
— Eu posso não ser esperta — Marina diz. — Mas isso é o certo.
Adam fala com um tom ácido:
— No caso, qual de nós vai fazer?
— Fazer o quê? — pergunto.
— Matar Ella — ele responde. — Nós todos ouvimos o que o John disse.
Setrákus Ra fez o seu próprio tipo de feitiço lórico. Vocês não podem feri-lo
sem machucar Ella. Eu nem conheci a garota e já posso afirmar que eu não
vou matá-la. Então me contem, qual de você duas vai matar a sua amiga?
111
— Ninguém — eu digo, sem olhar em seus olhos. — Nós vamos
descobrir um jeito de parar Setrákus Ra sem machucá-la.
Adam olha para o sol, como se tivesse tentando descobrir quanto
tempo ainda temos.
— Ótimo. Fantástico. Nossos recursos são naves quebradas e qualquer
merda que nós conseguirmos achar na mata. Me conte como vamos parar
Setrákus Ra nessa situação, Seis.
— John disse que os reforços estão vindo, o Exército...
— Ele disse que iria tentar — Adam praticamente grita comigo. — Olhe,
eu confio em John, mas ele está a milhares de quilômetros daqui. A ajuda está
a milhares de quilômetros. Aqui? Só tem a gente. Só nós estamos aqui.
— A ajuda está bem atrás de nós — Marina diz. Sua voz ainda está
calma, mas há certa tensão nela. O que Adam vem dizendo a irritou. — O
Santuário vai nos dar um meio de lutar.
Adam leva alguns segundos antes de revirar os olhos.
— Um milagre. É isso que vocês duas estão esperando? Um milagre!
Entendi que você acordou aquela coisa, e sei que ela deixou você falar... com
o seu amigo pela última vez. Mas isso é tudo o que ela vai fazer, está bem? Ela
não vai mais nos ajudar. Não acredita em mim? Talvez você pudesse
perguntar para alguns lorienos o quanto a Entidade os ajudou durante a
invasão mogadoriana. Se eles não estivessem todos mortos.
O ar ao redor de mim fica gelado. Primeiro, é muito bom no calor dessa
floresta arrogante, até eu perceber que é Marina fumegando de raiva do seu
próprio jeito. Ela dá um passo na direção de Adam, com os punhos cerrados,
toda a aura-serena-do-Santuário abandonada.
— Não fale sobre o que você não sabe, seu monstro! — ela grita,
apontando seu dedo para ele.
Uma estalactite de gelo se forma na ponta do seu dedo e cai na terra em
frente aos pés de Adam. Imediatamente começa a derreter. Adam dá um
passo para trás em surpresa, encarando Marina.
— Já chega! — exclamo, parando no meio dos dois. — Isso não está
levando a gente a lugar algum.
Da área de pouso, Phiri Dun-Ra faz uma série de barulhos abafados.
Percebo que ela está rindo de nós. Eu a ignoro, me viro e levo Marina pelos
ombros para longe. A pele dele está gelada quando a toco.
— Mesmo eu amando o ar-condicionado agora, você precisa sair daqui
por um minuto — eu digo.
Marina me dá um olhar de descrença, como se não conseguisse
acreditar que estou do lado de Adam, contra ela. Balanço a minha cabeça
112
levemente e levanto as sobrancelhas, dizendo que não é por isso. Ela suspira,
passa a mão pelos cabelos e caminha em direção ao Santuário.
Eu me viro para observar Adam. Primeiro, ele não me olha de volta. Está
ocupado demais fitando a estalactite que Marina criou contra ele, se
transformar em água.
— Sorte sua que ela não arrancou seu olho fora — eu brinco.
— Eu sei — ele responde, finalmente olhando para mim. — Seis, olhe,
desculpa. Eu não deveria ter trazido Lorien à tona. Aquele não era... não era o
meu ponto.
— Pode apostar seu traseiro que não — eu digo, dando um passo na sua
direção. — Está tudo bem, você está pirando um pouco. Vou relevar isso.
Mas, é, não fale sobre as nossas famílias mortas e sobre o nosso planeta
massacrado, ok? Porque sério, eu quis te dar um soco na cara.
Adam concorda.
— Entendido.
— Eu ainda não tenho certeza do que fazer — continuo, abaixando
ainda mais a minha voz e chegando mais perto. — Me permita deixar isso
bem claro pra você, Adam. Não tenho intenção nenhuma de morrer hoje.
Você acha que não sei das nossas desvantagens? Cara, eu não preciso de uma
explicação. Mas você não consertou magicamente um daqueles Skimmers
enquanto eu não estava olhando, não é?
Ele faz careta para mim.
— Você sabe que não, Seis.
— Então nós estamos presos aqui até os reforços chegarem. E se nós
estamos presos aqui, nós vamos lutar. Você entendeu?
— Nós poderíamos fugir — Adam sugere, apontando para a mata. —
Não precisamos de um Skimmer para escapar.
— Olhando por esse lado, a mata nunca vai deixar de ser uma opção —
admito a ele. — Se a Anubis chegar aqui, e as coisas derem errado, nós
fugimos.
— Nós vamos? — Adam pergunta, desviando seu olhar de mim para
Marina. — Todos nós?
Viro a minha cabeça para sutilmente olhar Marina. Pelas suas costas, dá
para ver que ela ainda está respirando fundo, se acalmando. Ela está
encarando o Santuário de novo, como vem fazendo o dia todo. Marina
desenvolveu quase como uma devoção religiosa pelo antigo templo. Eu
entendo o porquê, a nossa experiência com a Entidade foi bem forte, talvez
ainda mais para uma garota que foi criada no meio de um monte de freiras.
113
Sem mencionar que o garoto que ela amava foi enterrado aqui. O
Santuário se tornou um símbolo religioso e um túmulo para ela.
— Eu vou arrastá-la daqui se for preciso — respondo para Adam,
falando sério.
Adam parece satisfeito com a resposta. O olhar frenético que ele tinha
quando estava nos repreendendo se foi, substituído pelo de mogadoriano
calculista. Nunca pensei que ficaria feliz de ver isso no rosto de alguém.
— Posso começar retirando os módulos de ocultação do campo de
força para John e tentar arrumar o Skimmer, mas nenhuma dessas coisas vai
nos ajudar a defender esse lugar ou a sobreviver a um ataque da Anubis —
ele me olha, com as sobrancelhas erguidas. — Então, qual o nosso plano para
não morrer?
Ótima pergunta.
Olho em volta. O aspecto de tudo isso ainda é algo que estou pensando.
Como nós podemos impedir Setrákus Ra de fazer seja lá o que ele quer com o
Santuário? Como podemos atingi-lo sem ferir Ella? De novo, meu olhar volta à
Phiri Dun-Ra. Ela não está mais rindo de nós, ao invés disso, está nos
observando como um falcão. Penso em suas mãos, ainda amarradas à roda
atrás dela, e do jeito que está machucada, no seu estado sujo e coberta de
queimaduras sofridas pelo campo de força do Santuário. Os mogs passaram
anos aqui, tentando forçar sua entrada no Santuário em favor do seu
Adorado Líder. O ruim é que não vimos nenhum fusível ou painel de controle
dentro do templo para ligar o campo de força novamente.
— Pelo menos nós sabemos aonde ele está indo — falo em voz alta,
ainda pensando. — Se Setrákus Ra quer entrar no Santuário, ele tem que
descer da sua nave fodástica. Isso nos dá uma chance.
— Uma chance para fazer o quê? — Adam pergunta.
— Não podemos machucar Setrákus Ra sem ferir Ella, o que significa
que não podemos realmente impedi-lo de entrar no Santuário. Mas se ele
quer Ella e o Santuário, bem, talvez nós possamos tirar algum proveito disso.
Adam logo se liga.
— Você está pensando...?
— Você mesmo mencionou que sempre quis pilotar uma dessas naves
de guerra. O que quer que Setrákus Ra queira do Santuário, ele não vai
conseguir levá-lo a lugar nenhum — aponto, sentido um plano tomar forma.
— Porque nós vamos resgatar a Ella e roubar sua nave.
114
A nossa preparação começa praticamente em silêncio, uma tensão ainda
no ar entre Marina e Adam. Começamos indo ao equipamento que os
mogadorianos deixaram para trás. Há engradados empilhados em uma das
tendas maiores, um arsenal variado de armas e ferramentas que os mogs
trouxeram aqui só para ser quebrado pelo campo de força do Santuário. Há
uma artilharia enorme de canhões, mas o resto parece ter sido feito aqui na
Terra. Há pilhas de armas com estampas do Exército dos Estados Unidos,
equipamentos de mineração da Austrália e o que Adam me conta ser EMPs
experimentais da China. Adam já havia repassado todas essas coisas mais
cedo, enquanto procurava por peças espalhadas para consertar o Skimmer,
então ele sabe como está organizado.
— Nós queremos explosivos — eu digo a ele. — O que eles tinham?
Cuidadosamente, Adam move algumas coisas antes de abrir uma caixa
com substâncias que lembram argila.
— Explosivos plásticos — ele diz. — C-4, eu acho.
— Você sabe como funcionam essas coisas?
— Um pouco — Adam responde, e começa e colocar os objetos ao lado
gentilmente. Ao lado do C-4, há também alguns fios e cilindros que presumo
serem detonadores. Depois de uma rápida procura, Adam sorri e segura um
pequeno bloco de papel. — Há instruções.
— Perfeito — Marina murmura.
— Quantas bombas ao total? — pergunto.
Adam faz uma conta rápida.
— Doze. Mas eu posso dividi-las, torná-las menores se você quiser.
Quanto menor a bomba, menor a explosão. Mas nós só temos doze
detonadores, então as menores precisariam ser ligadas uma na outra.
Antes de responder Adam, coloco a minha cabeça do lado de fora da
tenda e faço uma conta rápida dos Skimmers estacionados na pista de pouso.
Dezesseis delas, incluindo o que Adam vem trabalhando e o que a Phiri Dun-
Ra está amarrada.
— Nós estaríamos bem com doze — digo a Adam. — Não se exploda,
ok?
— Farei o meu melhor.
— Ótimo. Vem, Marina.
Pego um saco de pano vazio da tenda de suprimentos dos mogs antes
de ir ao estacionamentos das naves. Marina me segue de perto.
— O que você pretende explodir exatamente, Seis? — ela pergunta.
— Espere aí — falo, me aproximando do Skimmer onde Phiri Dun- Ra
está retida.
115
Ela observa minha aproximação, os olhos cheios de raiva, sem sorrir
através da fita adesiva. Acho que ela sabe o que vai acontecer. Ela luta um
pouco contra as amarras, mas sem conseguir me impedir de colocar o saco de
pano em sua cabeça.
— Cansada de olhar para ela? - Marina pergunta.
— Sim, isso. E não quero que ela veja o que vamos aprontar — levo
Marina longe da prisioneira, para outros Skimmeres. — Nós vamos explodir
essas naves. Acho que Setrákus Ra não virá sozinho, ele vai trazer mais mogs
com ele. Nós não precisamos estar no campo de batalha para mantê-los
longe do Santuário, mas podemos com certeza explodi-los quando eles
chegarem perto.
Graças a Phiri Dun-Ra, nenhum dos Skimmers está em condições de se
mover sozinhos. Um por um, Marina e eu usamos nossa telecinesia para
empurrar as naves para as posições certas. Com nós duas trabalhando juntas,
o peso não é tão grande, até as rodas começarem a funcionar. Nós
colocamos os Skimmers a trinta metros um do outro em um semicírculo na
frente da entrada do Santuário. As naves acabam praticamente seguindo a
linha do antigo campo de força.
Agora que nós movemos os Skimmeres, há um grande espaço para
pouso.
— Vamos torcer para que Setrákus Ra estacione a sua nave idiota no
lugar mais óbvio possível — eu digo, apontando com o meu dedo através do
ar para a área de pouso na entrada do Santuário. — Há apenas uma maneira
de entrar no Santuário, então eles terão que passar pelas naves, que é onde
nós vamos esconder as bombas.
— Que vai eliminar pelo menos a primeira leva de mogs — Marina
adiciona.
— Sim, e com sorte nós vamos pegá-los de suprresa e confundi-los,
procurando por um ataque, então Adam e eu vamos por trás deles e
entraremos na Anubis.
Marina faz careta para mim.
— Espera. Onde estou em tudo isso?
Antes que eu possa responder, Adam surge da barraca de armamento
dos mogadorianos com uma mochila de pano cheia de explosivos. Ele dá uma
olhada no que fizemos até agora e assente com a cabeça, aprovando.
Então, caminha até nós, coloca a mochila no chão e entrega um grande
controle remoto.
— Olhe isso -— Adam diz. — Acho que os mogs estavam tentando usar
uma sequência de explosivos para tentar tirar o campo de força, talvez
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pensando que várias explosões em lugares diferentes poderiam acabar com
ele.
Ele me entrega o controle remoto. É uma linha com vinte interruptores,
cada um com uma luz verde e vermelha correspondendo. Vinte lâmpadas
vermelhas estão ligadas. Adam se aproxima de mim, explicando como o
aparelho funciona.
— Todos os detonadores têm controles automáticos — ele mostra,
puxando um interruptor para a esquerda. A pequena luz acima do interruptor
muda de vermelho para verde. — Acabei de armar uma bomba.
Olho de relance para a mochila de pano nos meus pés, cheia de
explosivos, e então olho de volta para o controle. Há um pequeno pino de
metal que você precisa contornar para fazê-lo chegar ao seu terceiro nível,
provavelmente para evitar que o dedo de alguém escorregue. Ainda assim,
estou um pouco nervosa sobre essa demonstração.
— Hã, entendido...
— Segurança primeiro — Adam coloca o pino de volta na posição
original, a luz vermelha voltando a acender. — Se você tivesse colocado o
botão todo para cima, os detonadores pegariam o sinal e a bomba detonaria.
Concordo com a cabeça, então entrego o controle para Marina.
— Você entendeu tudo?
— Sim, mas... — ela enruga a testa ao receber o controle.
— Você perguntou onde estaria em tudo isso — eu digo. — Você vai se
esconder na mata, controlando a defesa do Santuário.
Marina pensa por um momento, sorrindo um pouco.
— Isso será um prazer.
Adam segue em direção às naves, colocando uma caixa pequena em
cada Skimmer. Os mogadorianos podem notá-las, claro, mas não antes que
seja tarde demais.
Enquanto isso, Marina e eu manobramos os últimas dois Skimmers,
depois dos que já estão prontos para explodir. Estes nós posicionamos do
outro lado do Santuário, os dois na borda da mata.
— Nós podemos criar uma linha de fogo cruzado aqui — digo, abrindo a
cabine do piloto de um dos Skimmers. — Se sua telecinesia for forte o
sufuciente para controlar...
— Terá que ser — Marina responde.
Adam vem até nós e liga o sistema de armas de um dos Skimmers e
explica para Marina quais botões ela teria que pressionar para disparar os
canhões. Marina passa um bom tempo estudando os controles,
memorizando-os, guardando a imagem deles em sua mente. Então, caminha
117
devagar para longe de nós e dos Skimmeres, entrando na floresta, indo longe
o suficiente das explosões, mas perto suficiente para ter uma visão clara da
batalha. Será desse esconderijo que ela vai defender o Santuário.
Marina se concentra. Ela lança uma mão ao ar na direção do Skimmer.
— Ugh — ela diz depois de um momento, enrugando o seu nariz. — Eu
não sei, Seis. É muito difícil usar a minha telecinesia em algo que não posso
ver.
Nós tentamos uma técnica diferente. Adam e eu andamos pela borda da
floresta, colocando canhões mogadorianos em arbustos e árvores. Nós os
camuflamos com galhos e folhas, o suficiente para que os mogs não notem,
mas não muito escondidos para que Marina consiga vê-los. Do seu
esconderijo, ela testa cada um deles, apertando o gatilho com telecinesia, e
atirando na clareira na frente do Santuário.
— Bom — eu digo. — Você nem precisa acertar ninguém, Marina. Só
precisa fazê-los pensar que o ataque está vindo de todos os lados.
Agora que terminamos, há dois Skimmers no caminho: o que nós
usamos para vir para cá, que Adam vem tentando consertar, e aquele que
Phiri Dun-Ra está amarrada. Estou satisfeita com o nosso resultado até aqui.
Eu me sinto bem de estar fazendo alguma coisa, pelo menos.
— Isso é bom, Seis — Marina diz, com os braços cruzados, olhando para
as naves dos mogs paradas como guardas na porta do Santuário. — Perfeito
se Setrákus Ra mandar os seus soldados. Mas o que faremos se ele estiver na
linha de frente? Machucá-lo significa machucar Ella. Nós não podemos ariscar.
— Você está certa — respondo. — Nós teremos que encontrar uma
maneira de pelo menos atrasá-lo.
Começo a ir na direção ao Santuário e finjo que não noto quando Adam
passa por trás de mim, tocando gentilmente o cotovelo de Marina. Com a
minha audição aprimorada, é praticamente impossível não escutar nada.
— Me desculpe por antes — Adam diz baixinho. — Eu estava
transtornado.
— Está tudo bem — Marina responde com gentileza. — Eu não deveria
ter te chamado de monstro. Mas saiu. Eu não pensei aquilo.
Adam da uma risada, se precavendo.
— Não, você sabe, eu venho me perguntando por muitos anos se... se
essa não é uma boa palavra para nós.
Marina faz um barulho, como se fosse dizer algo a mais, mas Adam a
interrompe.
— Está certo, desculpe de novo, por tudo. Eu sei o que é perder alguém
que você gosta. Eu não deveria... Não vou ser tão estúpido sobre querer
118
deixar esse lugar de novo. Entendi porque ele é tão importante. O que
significa.
— Obrigada, Adam.
Eu me viro, fingindo que não escutei a conversa inteira deles. Nós
estamos em frente ao que costumava ser a porta escondida do Santuário. É
uma porta estreita de pedra que leva a uma escada por um caminho longo à
uma câmara abaixo do templo.
— Então — falo, com as mãos nos quadris. — Como nós atrasamos o
mogadoriano mais poderoso do universo sem machucá-lo, enquanto ao
mesmo tempo, nós roubamos a sua nave embaixo do seu nariz?
Adam levanta a sua mão.
— Tenho uma pergunta.
Eu posso vê-lo pensando.
— Manda.
— Todo esse plano é baseado em uma chance: Setrákus sair pela porta
da nave, Setrákus mandando tropas de soldados, Marina distraindo-os com
algumas bombas e armas fantasmas — abro a minha boca para responder,
com medo de ele pirar de novo, mas Adam continua falando. — É a nossa
melhor opção. Eu concordo com você. Mas, supondo que funcione, supondo
que nós consigamos roubar a Anubis enquanto Setrákus Ra fica aqui
embaixo. E então o quê? O que nós faremos a seguir? Ainda não poderemos
matá-lo.
— Mas ele não vai poder nos matar também — respondo. Mesmo
sabendo que não é a estratégia brilhante que Adam estava esperando,
honestamente não pensei tão à frente. Estou mais focada na nossa
sobrevivência.
— Talvez nós possamos negociar — Marina sugere. — Ella ou o
Santuário...
— Tirando a parte que ele fervorosamente iria querer o oposto, ele não
tem honra — Adam diz. — Não vai haver nenhuma negociação.
— Isso é um beco sem saída — eu digo. — E é melhor que perder, certo?
Adam considera as minhas palavras, cavando um buraco com o seu
calcanhar.
— Está certo — Adam concorda. — Então eu sugiro que cavemos um
buraco.
— Um buraco?
— Uma cova — Adam continua. — Na frente da porta. Uma bem
grande. Então, nós cobrimos e deixamos Setrákus Ra cair dentro.
119
Empurro o meu dedo do pé no chão. Graças à sombra do Santuário e as
plantas crescendo perto, a terra está fofa e úmida, não como na pista de
pouso de terra batida e bem dura. Com todos os nossos Legados, o estoque
de armas dos mogs, um monte de C-4, e nós estamos falando de cavar um
buraco.
— Bem, ele é exatamente o tipo de idiota que não olha por onde anda,
especialmente se estiver ostentando a vontade de entrar no Santuário.
— Essa é a ideia — Adam responde.
— E quando ele estiver lá embaixo, eu cubro o topo com gelo do meu
esconderijo — Marina diz, entrando na ideia. — Isso pelo menos poderia
atrasá-lo.
— É, pelo menos seria hilário vê-lo cair em um buraco — acrescento,
otimista.
— Terá que ser um buraco enorme — Adam diz, coçando o queixo,
pensativo. — Ele pode mudar de tamanho.
— O bom é que temos Legados para ajudar a cavar — respondo. —
Mesmo que nos dê apenas alguns minutos, pode ser o suficiente para que
possamos entrar a bordo da Anubis.
— Mais uma coisa, e você pode não gostar da ideia — Adam fala para
Marina, antes de gesticular para a porta do Santuário. — Mas talvez nós
poderíamos derrubá-la. Seria mais um obstáculo no caminho de Setrákus Ra.
É uma boa ideia, mas olho para Marina antes de dizer alguma coisa. Ela
pensa sobre isso por um momento e então dá de ombros.
— São só pedras — ela diz. — O importante é proteger o que está
dentro.
— Devo pegar mais C-4? — Adam pergunta.
— Acho que dou conta — respondo, já chamando o meu Legado e
fazendo uma pequena tempestade. O ar fica pesado enquanto junto algumas
nuvens escuras acima da nossa cabeça, um pequeno tamborilar de chuva
caindo delas. Com um movimento descendente da minha mão, quatro raios
de luz cortam para baixo em um ângulo que a Mãe Natureza não poderia
esperar duplicar. O arco em volta porta do Santuário explode em calcário
decrépito, desmoronando, fechando a passagem com a explosão.
Dou um passo à frente e dou uma olhada no meu trabalho. A porta de
entrada está agora cheia de rochas, com algumas paredes do interior que
com certeza caíram também. Isso não manterá nenhum exército de mogs
longe para sempre, e Setrákus Ra com certeza será capaz de tirar as pedras
do caminho com a sua telecinise. Ainda assim, é melhor do que nada.
120
Enquanto isso, com um olhar pensativo no rosto, Marina mede a
distância dos arredores da entrada do Santuário com passos, contando-os.
Quando ela acaba de andar um quadrado quase perfeito na frente da
entrada, Marina olha para mim.
— Mais ou menos nove metros de cada lado, né? — ela me pergunta. —
Para a cova.
— Acho que vai ser o suficiente.
— Deixe-me tentar uma coisa — Marina diz, e então começa a se
concentrar.
Ela caminha no lugar onde vai ser o buraco, com as mãos para o alto.
Uma parede de gelo começa a se formar, embora a beirada não faça contato
com o chão.
— Me ajude a segurá-lo no lugar, por favor? — Marina pede, me
olhando por cima do ombro.
Não estou muito certa no que isso vai dar, mas ajudo. Usando a minha
telecinesia, seguro o gelo crescente de Marina. Noto que o gelo começa a
ficar mais grosso em cima e estreito em baixo, letalmente afiado nas bordas,
quase como uma guilhotina. Ela anda exatamente nos mesmos lugares que
andou segundos atrás, desta vez regenerando o gelo enquanto percorre.
Depois de alguns minutos, Marina criou um cubo de gelo oco, que mede
grosseiramente nove por nove metros. O gelo flutua acima do chão,
pingando água, e Marina continua usando o seu Legado para impedi-lo de
derreter.
— O que acontece agora? — Adam pergunta, observando tudo.
— Nós o erguemos — Marina diz, se referindo a nós duas. — E então o
empurramos para baixo com toda a força que conseguirmos reunir. Pronta,
Seis?
Faço como ela instruiu, usando a minha telecinesia para levitar a
escultura de gelo de Marina, a mais ou menos seis metros do chão.
— Pronta? — ela pergunta, me olhando. — Agora!
Juntas, nós jogamos o gelo no chão. Há um baque quando as beiradas
afiadas entram no chão, seguido pelo som de vidro quebrando e com o gelo
logo se espalhando. Apesar de tudo, o gelo não entrou muito no chão além
de mais ou menos um metro. Marina parece feliz com o resultado.
— Ok, ok! Espere um segundo.
Ela corre ao redor da caixa de gelo. Há quatro paredes incorporadas ao
chão, e ela começa a reforçar o gelo, espessando-o e deixando-o mais forte
quando o toca. Quando as rachaduras no gelo são seladas e os pedaços
121
quebrados preenchidos, Marina se ajoelha em um dos cantos e coloca as suas
mãos sobre o gelo, o mais próximo do chão quanto consegue.
— Ok, eu não tenho certeza se essa parte vai realmente funcionar — ela
diz. — Lá vai.
Marina fecha os seus olhos e se concentra. Adam e eu trocamos um
olhar, ambos bem confusos. Ainda assim, ficamos quietos pelo que o parece
ser mais que cinco minutos, assistindo Marina usar o seu Legado.
Quero colocar a minha testa no gelo, mas acho que isso pode estragar o
que quer que seja que ela esteja fazendo.
— Acho que consegui — Marina diz finalmente, levantando e alongando
o pescoço. — Seis, vamos levantar o gelo de novo.
— Agora você o quer fora do chão? — pergunto.
Marina concorda animada.
— Rápido! Antes que derreta demais.
Então, nós nos concentramos no cubo de novo. Ele parece mais pesado
que antes, e enquanto nós o erguemos, eu percebo porque. Marina uniu o
gelo embaixo do chão, conectando as quatro paredes em um cubo.
Quando nós o levantamos, ele vem com um som de rasgo e trituração,
com restos da raízes da grama junto. O cubo de gelo flutua com a nossa
telecinesia e, dentro, há mais de um metro de terra presa.
— Gentilmente agora — Marina diz, enquanto nós transportamos o
gelo e a terra para fora do caminho. — Eu reforcei bastante o gelo, mas ainda
pode quebrar.
— Brilhante — Adam diz, sorrindo para o monte flutuante. — Nós não
teremos que cobrir o topo com, tipo, grandes galhos e ramos. Depois que
escavarmos, poderemos colocar o cubo de volta no topo. Vai parecer normal
quando Setrákus Ra passar por ele, mas você deve ser capaz de derrubá-lo
com a sua telecinesia de longe.
Marina concorda.
— Era nisso que eu estava pensando.
Baixamos o gelo com cuidado no chão com um baque suave. Sem
Marina constantemente o aumentando com o seu Legado, o gelo começa a
derreter. As bordas da nossa cova ficam um pouco enlameadas, mas seca
rapidamente, considerando o calor.
Adam vai um pouco à frente e se ajoelha em frente à cova no chão.
— Minha vez — ele diz.
Ele coloca as suas mãos na terra e um segundo depois já posso sentir as
vibrações fluindo dele. As ondas sísmicas são focadas principalmente a sua
frente, mas seu controle não é muito preciso. Por um momento, fico um
122
pouco enjoada graças às ondas do solo embaixo dos meus pés, mas logo me
recomponho. O chão na frente de Adam começa a se soltar e as camadas do
solo começam a se quebrar em pedaços consideráveis.
Adam olha por cima do ombro para mim.
— Como está?
Uso a minha telecinesia para levantar uma quantidade considerável de
terra e pedras para cima da cova, e em seguida, os jogo na selva. Será mais
fácil cavar agora que Adam está quebrando as camadas de terra, mas ainda
vai ser um saco. Aceno com a cabeça para ele.
— É um bom começo — eu digo a ele.
Ele se levanta.
— Eu vou procurar por... uma pá.
Adam mal pode terminar o seu pensamento, quando de repente seus
olhos se prendem no céu atrás de nós. Eu me viro, ouvindo um som
mecânico.
Não. Não pode ser. É cedo demais. Nós não estamos prontos.
— Seis? — Marina pergunta. — O que é aquilo?
É uma nave. Prata e elegante, sem os ângulos estranhos e armas como
nas outras naves mogadorianas. Não é nada parecido com qualquer coisa que
eu já tenha visto, mas também é estranhamente familiar.
A nave está vindo rápido, e bem na nossa direção.
123
Capítulo quatorze
— BATEDORES? — MARINA PERGUNTA. POSSO SENTIR SEU LEGADO
VOLTANDO À tona, para se precisarmos lutar.
— Não é uma nave mogadoriana — Adam diz, dando um passo ao meu
lado.
— Não — concorda, já percebendo. Coloco a minha mão no braço de
Marina. — Está tudo bem. Você não... você não reconhece?
— Eu... — Marina para enquanto examina melhor a nave que se
aproxima. Ela voa por cima das árvores e gira sem esforço no ar, diminuindo a
sua velocidade logo acima da nova área de pouso dos mogs.
Embora esteja um pouco amassada e arranhada, até com um pouco de
ferrugem nas bordas, a nave ainda reluz, seus painéis blindados, feitos com
materiais que não são encontrados nesse mundo. A nave paira no ar por um
momento, o sol brilhando, refletindo nas janelas coloridas da cabine do
piloto, e em seguida, pousa suavemente.
— É uma das nossas — eu digo. — Como a nave que nos trouxe para cá.
Para a Terra, eu quero dizer.
— Como isso é possível? — Adam devolve, perguntando.
— Esses são os nossos reforços? — Marina pergunta, sem tirar os olhos
da nave. — O John comentou alguma coisa?
— Ele disse que estava enviando a Sarah, Mark e mais alguma coisa... —
respondo um pouco atordoada. — Alguma coisa que nós tínhamos que ver
para crer.
Quem poderia estar pilotando uma nave loriena? De onde ela veio? Dou
um passo para frente.
A rampa de metal da parte de trás da nave começa a descer e eu fico
tensa. Uma memória nebulosa que vem à tona, de uma rampa como aquela
na minha infância, com Katarina ao meu lado, explosões e gritos ao fundo.
Aqui estamos nós de novo, no meio da segunda invasão mogadoriana, e mais
uma vez há uma nave lórica na minha frente. Só que dessa vez, eu não sei se
deveria estar correndo na sua direção ou para longe. Mesmo que John já
tenha me dito que a ajuda estava chegando, não consigo afastar a sensação
de que isso pode ser uma armadilha. A paranoia vem me acompanhando até
aqui, não há razões para ignorá-la agora.
— Preparem-se para qualquer coisa — digo aos outros. — Nós não
sabemos o que vai sair de lá.
124
E então um beagle muito familiar desce a rampa correndo.
Bernie Kosar, com a língua para fora da boca, pula em mim primeiro,
com as suas patas dianteiras apoiadas nas minhas pernas. A sua cauda é um
borrão quando ele cumprimenta Marina, logo em seguida. E depois ainda
salta em Adam. Ouço um som estranho, mas logo noto que é o riso de um
mogadoriano.
Quando olho de volta para nave, Sarah Hart está parada no topo da
rampa, com os seus braços abertos em saudação e com um sorriso.
— Oi, pessoal — Sarah diz casualmente. — Olhem o que nós
encontramos.
Marina solta uma gargalhada de surpresa e logo sai correndo,
encontrando a Sarah na ponta da rampa, já a envolvendo em um abraço.
Já faz um tempo desde que vi Sarah, ela já tinha ido para a sua missão
secreta de se encontrar com o ex-namorado quando eu e Marina voltamos da
Flórida. Ela está com o cabelo para trás, preso em um rabo de cavalo
apertado, mas o seu sorriso é brilhante mesmo com algumas marcas sob os
olhos, e percebo que estão avermelhados quando chego mais perto. Há
também alguns arranhões e contusões que nem o seu sorriso consegue
esconder. Sim, ela está feliz em nos ver, mas também está cansada,
estressada e um pouco abatida. Independente disso, ela parece melhor do
que nós, sujos depois de alguns dias na selva, queimados do sol e exaustos.
— Você está aqui — eu digo a Sarah, abraçando-a também. Na verdade
estou um pouco distraída. Ainda não consigo tirar os olhos da nave.
— É bom ver você, Seis — Sarah responde, me abraçando apesar do
suor e do pó. — John disse que vocês poderiam precisar de alguma ajuda e
uma maneira de sair daqui. Então, nós trouxemos os dois.
Quem é exatamente esse “nós” se torna aparente um segundo depois.
O Mark James que sai da nave atrás da Sarah é muito diferente daquele
cara que lutou um pouco ao meu lado em Paradise. Ele aposentou toda
aquela coisa de cabelo-com-gel de jogador. O cabelo escuro dele está mais
comprido e desgrenhado. Acho que ele perdeu um pouco de peso, seus
músculos estão maiores do que me lembro. Ele tem um olhar cansado no
rosto e está com os olhos bem fechados, o que sugere que ele não está
acostumado com tanto sol.
— Whoa, merda — Mark diz, parando na metade da rampa. — Tem um
deles atrás de você.
— Esse é Adam — apresenta Sarah. — Pensei que eu tivesse te contado
sobre ele.
125
— É, acho que contou — Mark diz, fazendo sombra nos olhos enquanto
encara Adam. — É apenas assustador ver um deles, você sabe, andando
normal por aí. Desculpe, mano — acrescenta Mark, acenando para Adam.
— Está tudo bem — Adam responde diplomaticamente. Ela aponta por
cima do seu ombro para onde a Phiri Dun-Ra está encapuzada e presa no
Skimmer. — Eu não sou o único mog aqui, como você pode ver. Mas eu sou o
mais amigável.
— Notável — Mark responde.
Sarah começa a fazer as apresentações necessárias. Eu a interrompo
antes que possa realmente começar.
— Desculpa, mas onde vocês conseguiram essa nave? — pergunto,
passando por ela e subindo na rampa.
— Sim, sobre isso... — Sarah responde, apontando para frente, como se
eu devesse continuar explorando — ... você provavelmente vai querer falar
com ela.
— Quem?
Sarah me dá um olhar de que eu deveria simplesmente parar de fazer
perguntas e ir, então eu faço isso. Troco um olhar com Marina, que levanta as
sobrancelhas também. Só alguns passos para dentro, e tenho o maior déjà vu.
Estamos na área dos passageiros. É um espaço aberto, completamente
desprovido de qualquer mobília. As paredes emitem uma luz suave indicando
que a nave ainda está ligada. Tenho uma vaga memória de estar alinhada ao
lado de outro Garde, e os nossos Cêpans nos empurrando para os exercícios
de aeróbica e algum treinamento de artes marciais.
Vou caminhando até a parede mais próxima e passo os meus dedos pela
superfície. O material de plástico responde, brilhando mais por onde os meus
dedos passaram. As paredes são como uma grande tela touchscreen.
Puxo um comando da minha memória, rapidamente desenhando um
símbolo lórico na parede. O símbolo pisca uma vez para mostrar que foi
aceito, e em seguida, um barulho e então uma porta se abre e duas dúzias de
camas surgem. Marina dá um passo para trás quando a porta se abre
exatamente onde ela estava.
— Seis, essa é...?
— É a nossa nave — digo. — A mesma que nos trouxe para Terra.
— Eu sempre achei que ela tinha sido destruída ou... — Marina para e
sacode a sua cabeça com espanto.
Ela passa os seus dedos na parede oposta, colocando outro comando. A
parede inteira se transforma em uma tela gigante de alta-definição com a
imagem de um beagle feliz perseguindo uma bola de tênis.
126
— “Em português, cachorro” — diz uma voz gravada com um sotaque
lórico bem perceptivo. — “Cachorro. O cachorro corre. En español, perro. El
perro corre...”
Curso de idiomas da Terra. Quantas vezes nós tivemos que ficar
sentados assistindo esse vídeo enquanto voávamos para o nosso novo
planeta? Eu tinha esquecido isso, mas todo o tédio da minha infância volta de
uma vez só. Todo um ano claustrofóbico passado aqui, assistindo um
cachorro correr em um campo verde.
— Ahh, desliga — eu peço para Marina.
— Você não quer ver o que o cão faz a seguir? — ela pergunta com um
sorriso. Ela passa a sua mão pela parede e o programa para.
Vou até uma das camas e me agacho ao lado dela. Os lençóis cheiram a
mofo e estão um pouco sujos. Eles provavelmente ficaram guardados por
mais de uma década. Empurro os cobertores e o colchão para o lado,
inspecionando a armação.
— Ah, olhe isso — eu digo.
Marina se inclina sobre o meu ombro. Lá, esculpida na armação de metal
da cama, por uma garota entediada, está o número seis.
— Vândala! — Marina sorri.
O zumbido mecânico diminui até o silêncio e as
paredes touchscreen piscam e desligam. Alguém acabou de desligar a nave.
— Do jeito que você deixou, né?
Marina e eu nos viramos na direção da voz e acabamos por encontrar
uma mulher que lentamente emerge da cabine do piloto. Minha primeira
observação é de que ela é linda de tirar o fôlego. A sua pele tem um tom
escuro de marrom, suas maçãs do rosto altas e pronunciadas, cabelo escuro e
curto. Ainda que ela esteja vestida com um macacão de mecânico com
manchas de graxa, a mulher parece pertencer a uma capa de revista de
moda. Eu rapidamente percebo que ela não é puramente impressionante
apenas na aparência. É uma qualidade indiferente que a maioria das pessoas
da Terra não seria capaz de perceber, mas eu percebo imediatamente.
Essa mulher é loriena.
Ela parece quase nervosa por ver eu e Marina. Deve ser por isso que
levou tanto tempo para desligar a nave. Mesmo agora, ela continua na porta
da cabine, tão incerta sobre nós quanto estamos com ela. Há um nervosismo
nela, como se a qualquer momento ela fosse voltar para cabine do piloto e
trancar a porta. Posso dizer que ela está tentando pensar em algo para dizer.
— Vocês devem ser Seis e Sete — ela diz depois de um momento, ao
não conseguirmos nada além de olhares atônicos.
127
— Você... você pode me chamar de Marina.
— Pode deixar, Marina — a mulher diz com um sorriso gentil.
— Quem é você? — pergunto, finalmente encontrando minha voz.
— Meu nome é Lexa — a mulher responde. — Estive ajudando o seu
amigo Mark através do apelido GUARD.
— Você é uma das nossas Cêpans?
Lexa finalmente sai da porta e se senta em uma das camas. Marina e eu
sentamos na sua frente.
— Não, eu não sou uma Cêpan. O meu irmão era um Garde, mas ele não
passou do treinamento da Academia de Defesa de Lorien. Eu estava
matriculada lá também, como uma estudante de engenharia, quando ele...
quando ele morreu. Depois disso, eu meio que, hã, me distanciei da Garde. O
quanto você conseguisse em Lorien. Eu não me encaixava exatamente nas
regras. Eu trabalhava muito com computadores, às vezes fora da legalidade.
Eu não era ninguém especial, basicamente.
— Mas você acabou aqui — Marina diz, com a sua cabeça inclinada.
— Sim, eu fui contratada para reformar uma nave antiga para um
museu...
Esse detalhe dá um clique na minha mente.
— Você veio na segunda nave para Terra — eu digo.
— Sim. Eu vim para cá com Crayton e a minha amiga Zophie. Vocês
provavelmente já sabem disso, mas nós não fazíamos parte do plano dos
Anciãos. Conseguimos escapar de Lorien graças a Crayton, bem, porque ele
trabalhava para o pai de Ella, e porque nós tínhamos acesso a essa nave
antiga. O pai da Ella, ele sabia o que estava por vir. Então me contratou para
consertar a nave. Eu nem sabia realmente como pilotar. Tive que aprender,
bem... durante o voo.
Sorrio para o humor negro de Lexa, mas a minha mente está correndo.
Há mais de nós. Talvez os lorienos não estejam mesmo extintos. Eu deveria
estar animada com isso, mas em vez disso fico desconfiada. Eu
provavelmente só estou sendo paranoica depois do que aconteceu com o
Cinco. Ainda assim, penso em Crayton e em como ele criou a Ella enquanto
secretamente procurava o resto da Garde.
Ele nunca mencionou que veio com mais duas lorienas. Meus olhos se
estreitam.
— Crayton nunca nos contou sobre vocês — eu digo, tentando não
parecer tanto uma acusação.
Crayton escondeu muitas coisas de nós, afinal. Como a verdadeira
origem da Ella, que só descobrimos depois que ele morreu.
128
— Eu acho que não — responde Lexa, franzindo a testa. — A sua única
preocupação era em manter a Ella viva. Nós concordamos em não manter
contato um com o outro. Era mais seguro para todos se mantivéssemos
distância. Vocês sabem como são os mogs. Eles não podem torturar por
informação se você na verdade não sabe de nada.
— E a sua amiga? Zophie? Onde ela está?
Lexa balança a cabeça.
— Ela não conseguiu. Seu irmão era o piloto desta nave. Da nave de
vocês. Zophie veio procurar por ele, e na verdade pensou que o tivesse
encontrado pela internet, mas...
Marina fica pálida.
— Mogs.
Lexa concorda tristemente.
— Depois disso, eu estava sozinha.
— Você não estava sozinha, afinal. Nós estávamos lá fora. Muitos de nós
– droga, todos nós perdemos os nossos Cêpans. Alguns cedo demais. Nós
poderíamos precisar de uma orientação. Por que você esperou tanto tempo?
Por que não tentou nos encontrar?
— Você sabe porque, Seis. Pelas mesmas razões que o seu Cêpan não
tentou achar os outros. Era muito perigoso tentar fazer contato. Tudo na
Internet poderia significar exposição. Eu fiz o que pude de longe. Canalizei
dinheiro e informações de grupos que estavam trabalhando para expor os
mogadorianos. Comecei um website chamado “Alienígenas Anônimos” para
espalhar as informações e tentar expor o que eles estavam fazendo com o
ProMog. Foi assim que eu encontrei o Mark.
Penso como deve ter sido para ela, uma estranha em um planeta
estranho, sem ninguém para confiar. Na verdade, não preciso imaginar pelo
que ela passou. Eu viviisso. Eu sabia do perigo e nunca parei de procurar os
outros. Não consigo disfarçar a amargura na minha voz.
— Perigoso para nós ou para você?
— Para todos nós, Seis — Lexa responde. Noto que as minhas palavras
a atingiram. — Eu sei que isso não é nem uma fração da responsabilidade que
os Anciãos colocaram em vocês nove, mas... Eu não pedi por isso também.
Consegui um trabalho em um museu e a próxima coisa que sei é que estou
voando em uma nave velha para um planeta em um sistema solar
completamente diferente com os últimos da Garde vivos como carga. Eu
perdi meu irmão, a minha melhor amiga, a minha vida toda.
Ela respira fundo. Marina e eu ficamos em silêncio.
129
— Eu disse a mim mesma que estava ajudando o suficiente de longe.
Então, fiz o que pude à distância. Apaguei todas as informações que eu
encontrei de vocês online. Tentei deixar vocês invisíveis, não só para o
mundo, mas para mim. Talvez fosse covardia. Ou vergonha. Eu não sei. Eu
sabia lá no fundo que deveria estar fazendo mais. Eu sempre tive a intenção
de recuperar a nave, e então contatar vocês, uma vez que tivessem idade
suficiente e uma vez que eu...
— Você está aqui agora — Marina diz gentilmente. — Isso é o que
importa.
— Eu não podia mais ficar escondida. Eu já tinha fugido de um planeta
durante uma invasão. Decidi que era hora de parar de fugir.
Isso me atinge como um tapa. De algum jeito, depois de passar anos nos
escondendo dos mogadorianos, todos nós decidimos que já era hora de parar
de fugir. Eu só espero que não seja tarde demais.
— Estaria tudo bem se eu lhe desse um abraço agora? — Marina pede
para Lexa.
A pilota é pega de surpresa, mas concorda. Marina a envolve em um
grande abraço, enterrando o rosto no ombro da mulher. Lexa me vê
observando e me dá um sorriso quase envergonhado antes de fechar os
olhos e se deixar ser abraçada. Ela suspira, e talvez eu esteja imaginando isso,
mas parece que um peso invisível saiu dos seus ombros.
Eu não me junto a elas. Abraço em grupo não é bem para mim.
— Obrigada por vir — eu digo depois de um momento. — Bem-vinda ao
Santuário.
Com isso eu levo as duas para fora da nave. Dou uma última olhada na
área dos passageiros da nave antes de enterrar o resto das memórias da fuga
de Lorien. Eu não sou mais uma criança. Essa invasão vai ser diferente.
Lá fora, Adam e Mark parecem estar no meio de uma discussão. Sarah
fica a alguns passos de distância deles, mais perto da nave, obviamente
esperando por nós. Ela levanta as suas sobrancelhas em questionamento
quando me vê e eu suspiro em resposta.
— Loucura quem você trouxe para o México — eu digo tentando
ignorar o choque e a mistura de sentimentos de encontrar a Lexa.
Juntas, nós caminhamos até o Mark e Adam. Mark já com suor
marcando sua camiseta, e parece que ele está tendo um problema em
entender alguma coisa.
— Um buraco — ele diz, sem rodeios. — Vocês vão matar o Setrákus Ra
com um buraco no chão.
130
Adam suspira, apontando para as seções de artilharia escondidas na
mata.
— Você está realmente preso na parte do plano do buraco. Nós temos
armas escondidas, bombas...
— Mas para o Setrákus Ra vocês têm um buraco.
— Percebo que é baixa-tecnologia, mas as nossas opções são realmente
limitadas — Adam responde. — E nós não estamos tentando matá-lo. Essa
não é nem uma possibilidade, considerando que qualquer coisa que fizermos
será revertido na Ella. Nós só queremos atrasá-lo e comprar algum tempo
para nós.
— Tempo para quê? — Mark pergunta.
Adam olha de relance para mim.
— Para resgatar a Ella, roubar a Anubis de Setrákus Ra embaixo do seu
nariz ou os dois.
— Por que nós simplesmente não vamos embora? — Mark pergunta, já
querendo voltar para a nave lórica recém-chegada. — Entendi que todas
essas armadilhas podem ser uma boa ideia quando vocês estavam, bem,
presos aqui. Mas agora nós podemos ir.
— Essa não é uma opção — Marina responde. — O Santuário deve ser
defendido a todo custo.
— A todo custo? — Mark repete, olhando de novo para nave, e então de
novo para o templo. — Que diabos têm de tão especial sobre esse lugar?
Percebo que a Lexa está estranhamente quieta durante a discussão.
Os seus olhos estão presos no Santuário, seu rosto pálido, com um olhar
parecido com o de Marina, quando ela fica com aquele jeito, com os traços
em reverência. Lexa deve ter percebido que estava sendo observada, porque
balança a sua cabeça abruptamente e encontra o meu olhar.
— Esse lugar... — ela procura pelas palavras corretas. — Há alguma
coisa especial nele.
— É um local lórico — Marina responde. — O lugar de Lorien agora, na
verdade. A fonte dos nossos Legados está lá dentro.
— Nós acabamos de selar a entrada, senão lhes daríamos um tour —
acrescento. — Nós poderíamos até apresentar a vocês a criatura que vive lá
dentro. Bem legal, para uma Entidade feita de pura energia lórica.
Lexa me lança um rápido sorriso antes de responder.
— Eu posso sentir... o que quer que seja lá dentro. Posso senti-la nos
meus ossos. Entendo o motivo de quererem proteger este lugar.
— Obrigada — Marina responde.
131
— Dito isso... — e agora Lexa olha na minha direção. — Tenha em
mente que a minha nave, nossa nave, está pronta. Se vocês precisarem. Já
derrubou uma das naves deles antes.
Aceno sutilmente e troco um rápido olhar com Adam. Marina pode não
querer admitir que nós precisamos de uma, mas nós tínhamos uma estratégia
de fuga da qualquer maneira, e essa é muito melhor do que correr na selva.
— Cara, o que quer que esteja lá dentro, é como se estivesse no
comando dos Legados? — Mark pergunta, olhando para o Santuário com as
mãos no quadril.
— Nós achamos que sim — confirmo.
— Então foi isso que decidiu que o nerd do Sam Goode deveria
desenvolver super poderes e que eu... — então ele para, fazendo careta. —
... merda. Eu deveria ter sido mais legal no colégio.
Tento não rir. John deve ter contado a Sarah e Mark sobre os humanos
desenvolvendo Legados graças à nossa brincadeira no Santuário. Eu não sei
como a Entidade decide quem deve desenvolver Legados, mas realmente não
espero que seja caras como o Mark, mesmo que ele esteja arriscando a sua
bunda por nós pelos últimos meses.
Sarah por outro lado...
— E você? — eu digo, olhando para ela.
Sarah encolhe os ombros e olha para suas mãos, como se esperasse que
raios de luz surgissem delas a qualquer momento.
— Nada ainda — ela diz, franzindo a testa. — Ainda sou só uma humana
normal.
Sarah tenta agir normal, mas posso ver que isso está a incomodando.
Depois de tudo o que ela já fez por nós, pelo John em particular, me parece
um enorme descuido por parte da Entidade não dar Legados a ela,
escolhendo outros humanos para desenvolvê-los.
— Pelo o que John nos contou, Sam descobriu que ele tinha Legados
quando um píken estava quase caindo em cima deles — aponto. — Talvez
você só não esteve em uma situação onde eles pudessem se desenvolver.
— Sim — Marina concorda, entrando na conversa. — Falando por
experiência, os Legados têm o hábito de só se manifestarem quando você
precisar deles.
— Oh, ótimo — Mark diz. — Então, se nós ficarmos por aí encarando a
morte, talvez haja uma chance de pelo menos morrermos com superpoderes.
— Sim. Talvez — eu o respondo.
— Ou talvez a Entidade não tenha escolhido ninguém — Adam diz. —
Talvez seja aleatório.
132
— Diz o mogadoriano com Legados — comenta Mark.
— Seja como for, está bom — Sarah diz, claramente tentando mudar de
assunto. — Eu não estou contando que isso aconteça. Então, tanto faz. Mas
isso não significa que eu não posso ajudar de outras formas. Acabei de falar
com o John antes de pousarmos.
— Ele está a caminho? — pergunto. — Ele deveria estar trazendo as
grandes armas com ele.
— Eu não sei se isso vai acontecer — Sarah responde, com uma
carranca que só pode significar uma má notícia. — O governo não está
exatamente cooperando. Tipo, eles querem lutar, mas não querem perder.
— Que merda significa isso?
— Que eles estão sendo uns bunda-moles — Mark explica.
— Eles não querem se jogar em uma luta contra o Setrákus Ra a menos
que saibam que vão vencer. Então, eles vão nos apoiar, mas não vão lutar
contra ele. Ainda não, de qualquer maneira.
— Patético — eu digo.
Sarah olha para Adam.
— John ainda quer que você consiga aquelas peças dos Skimmers.
— Assim ele pode dar essa tecnologia para o exército que não vai nos
ajudar? — Adam pergunta, com uma sobrancelha levantada.
— Basicamente.
— Eu já cuidei disso. Tirei delas antes de colocar os explosivos nas naves
— Adam responde, olhando para mim. — Vamos ou não entregá-las?
Podemos decidimos depois.
— Por que diabos nós vamos entregar se eles não vão nos ajudar a
lutar? — pergunto a Sarah.
Todo esse acordo parece terrivelmente com o que a Agente Walker nos
descreveu lá em Ashwood Estates. ProMog. Mesmo agora, com as grandes
cidades praticamente como crateras fumegantes, o governo ainda está
jogando e tentando ser legal com os alienígenas recém-chegados.
— Por diplomacia? — Sarah responde, dando de ombros como se a
situação estivesse fora do seu controle. A qual obviamente está. Como
normalmente, nós estamos sozinhos. — John acha que eles podem nos
ajudar uma vez que vejam um modo de vencer os mogs.
— Quando ele vai chegar aqui? — Marina pergunta.
O rosto de Sarah fica triste.
— Mais más notícias. Cinco está mantendo Nove refém em Nova York.
Ouço estalos de gelo nos punhos de Marina.
— O quê?
133
— Sim, não é bom — Sarah responde. — John e Sam estão tentando
achá-lo e impedi-lo antes de... bem, o que quer que seja que aquele psicopata
está planejando.
— Eu deveria tê-lo matado — murmura Marina.
Lanço um olhar rápido para ela. Ela tem sido tão pacifista desde que
estivemos no Santuário, tão parecida com a antiga Marina, toda da não-
violência e serena. À primeira menção do Cinco, e a sua “escuridão” vem à
tona.
Sarah continua, sem ter escutado Marina.
— Uma vez que eles tenham resolvido isso, John estará a caminho,
mas...
Olho para a linha de árvores da selva. O sol já está começando a baixar.
— Ele não vai chegar a tempo — completo, sentindo um nó em meu
estômago. — Vai ser só a gente.
— Ele vai tentar — Sarah insiste, e tenho certeza de que ela está
esperando o seu namorado aparecer no horizonte como se fosse um herói,
ele e Sam apoiados pelas forças armadas dos Estados Unidos. Eu não me
iludo com isso.
— Nós precisamos voltar ao trabalho — aponto. — Tudo precisa estar
pronto.
— Ou nós poderíamos ir embora — Mark diz, levantando as mãos.
Quando ele recebe um olhar feio de Marina, ele recua.
— Está certo, está certo. Mostre-me onde tenho que cavar.
Nós começamos a trabalhar.
Primeiramente, Adam coloca o corpo retorcido de Areal na nave de
Lexa. A Chimæra parece um pouco melhor agora, como se a tensão estivesse
saindo dos seus músculos, mas ele ainda não consegue mudar de forma e não
está nem perto pronto para um combate. Ele vai ter que ficar observando
tudo de longe.
Lexa quer ver os dispositivos que nós retiramos dos Skimmers, então
Adam e eu mostramos a ela onde os empilhamos na tenda da munição. Cada
um é uma sólida caixa de mais ou menos o tamanho de um laptop.
— Eles estavam atrás dos controles de pilotagem dos Skimmers —
Adam explica, manuseando a abertura de um dos dispositivos, cheia de
cabos. — Tentei mantê-los o mais intacto possível.
134
Nós os colocamos em uma mochila de pano e levamos para a nave da
Lexa, prontos para serem entregues para os nossos generosos amigos no
governo, que, em troca, nos darão um bando de nada.
Isso, é claro, presumindo que consigamos sair do México vivos.
— Vai funcionar? — pergunto a ela.
— Eu acho que sim — Lexa responde. Ela tira o recobrimento de um
cabo e, em seguida, conecta o fio exposto na porta de alimentação do
dispositivo de camuflagem. — Acho que não vamos ter certeza até
tentarmos passar pelo campo de força deles.
Ir contra uma nave de guerra em uma nave lórica remodelada que pode
ou não passar pelo campo de força impenetrável que há a sua volta. Essa é
com certeza uma situação que eu não esperava.
— Se não funcionar...
— Nós poderíamos explodir — ela diz, antes que eu possa terminar. —
Não vamos apressar isso, ok?
Enquanto Adam e Lexa continuam arrumando o dispositivo no sistema
da nave lórica, o resto de nós vai trabalhar na cova em à frente entrada do
Santuário. Adam conseguiu algumas pás que estavam enterradas nos
equipamentos dos mogadorianos, aparentemente eles desistiram de tentar
cavar a sua entrada para o Santuário há muito tempo. Mark parece um pouco
feliz demais em tirar a camisa e começa a jogar pás de terra sobre o seu
ombro. Bernie Kosar se junta à ele alegremente, e o Chimæra se transforma
em uma toupeira imensa. Com os seus três dedos-garras, Bernie Kosar faz
chover sujeira para fora da cova. Parece que ele está tendo uma explosão de
energia. Mark, por outro lado, não fica muito tempo entusiasmado.
O calor da selva logo toma controle.
— Isso é uma merda! — eu o escuto reclamar várias vezes para Sarah,
enxugando o suor da sua testa.
— Espere até os mogs aparecerem e começarem a atirar na gente —
Sarah responde. — Você vai desejar ter mais trabalho manual.
Logo em seguida chegamos a uma camada de terra que é dura demais
para que consigamos cavar com a pá. É muito mais fácil quando Adam vem e
faz uma explosão sísmica para acabar com essas rochas, e então Marina e eu
usamos a nossa telecinesia para tirar as grandes rochas da cova e esconder a
terra e as pedras na selva.
Eventualmente, nós temos um buraco cavado. Agora que terminamos,
Marina e eu usamos cuidadosamente a nossa telecinesia para levantar o
nosso cubo depois de remover as sujeiras, e colocamos de volta no lugar. Ele
está suspenso sobre a nossa cova, muito precariamente, mas parece muito
135
natural para quem não sabe a diferença. Tenho certeza de que ele vai ceder
fácil quando Setrákus Ra cair dentro do buraco de nove metros, para que ele
não seja capaz de pular para fora. Com sorte, dentre essa e as outras
armadilhas, nós conseguiremos distraí-lo para conseguir entrar a bordo
da Anubis.
De volta à forma de beagle, Bernie Kosar fareja a borda escondida da
cova, abanando o rabo. Ele parece aprovar.
— E agora? — Mark pergunta, tirando o pó das mãos. — Nós vamos
colocar alguns arcos de disparo automático escondidos ou algo assim?
— Não vi nenhum tipo de arco espalhado por aí — Adam responde,
coçando o queixo. — Mas nós podíamos fazer algumas lanças com os galhos
das árvores. Como você está em talhar?
Ou Adam realmente não percebeu que Mark estava sendo sarcástico ou
ele realmente gosta de fazer armadilhas.
— É, vamos deixar assim mesmo — Mark responde, se afastando.
Sarah e companhia, na verdade, tiveram a grande ideia de trazer alguns
suprimentos. Todo mundo faz uma pausa, passando garrafas de água e
comida. Todos nós fazemos um bom trabalho fingindo que não estamos
assustados pelo inferno que está por vir.
Eu paro um pouco longe do resto do nosso grupo, comendo o meu
sanduíche e pensando na nave lórica parada na pista de pouso. Alguma coisa
está me incomodando, mas não consigo descobrir o quê. É como se tivesse
uma voz baixinha gritando um aviso no fundo da minha mente e eu não
conseguisse entender o que está dizendo. Vendo-me encarar a nave, Lexa se
aproxima.
— Você acha que vai funcionar? — ela me pergunta, inclinando a sua
cabeça para as nossas armadilhas.
— Você está me perguntando se nós vamos vencer essa batalha de hoje
graças a um grande buraco e algumas armas escondidas na mata? — balanço
a minha cabeça solenemente. — De jeito nenhum. Mas talvez nós
consigamos estragar os planos do Setrákus Ra de alguma forma.
— Sei que isso provavelmente não significa muito vindo de mim — Lexa
começa hesitante, claramente desconfortável. — Mas você é uma ótima
líder, Seis. Você está mantendo todos juntos. A sua Cêpan ficaria orgulhosa.
Diabos, todos de Lorien ficariam orgulhosos da luta em que vocês estão se
metendo.
Posso ver que a Lexa não se refere só por hoje, ela se refere a todo o
tempo na Terra, sobrevivendo contra os mogadorianos. Eu a observo pelo
canto do olho. Reconheço uma qualidade semelhante nela. Ela é uma
136
sobrevivente. Eu me pergunto se é nela que vou me transformar se essa
guerra durar muito tempo; uma pessoa que evita se ligar aos outros, porque
já sofreu muito. Talvez eu já seja assim.
— Sim — respondo sem jeito. — Obrigada.
Lexa parece satisfeita com essa breve troca. Ela provavelmente me
entende assim como eu a entendo, e não quero um momento meloso. Com
uma das mãos, ela aponta para selva, a oeste.
— Quando estávamos pousando, vi uma pequena clareira perto daqui.
Colocarei a nave lá, longe do Santuário. Vou deixá-la sob o dossel de árvores
para que eles não sejam capazes de ver.
— Bem pensado — concordo. — Não quero que Setrákus Ra saiba que
estamos aqui.
— Sim. Há uma boa chance de que ele pense que vocês fugiram.
— Elemento surpresa é praticamente a única coisa boa que temos.
— Às vezes é tudo o que é preciso — Lexa responde, e então me deixa,
caminhando em direção a nave.
Nossa nave, ela falou.
Eu a observo ir. Ainda há uma vozinha gritando na minha cabeça, mais
alta agora, mas ainda não consigo entender. Eu não sei o que está tentando
me dizer.
— Seis? Você ouviu isso?
É Marina, caminhando na minha direção com uma mão pressionada na
sua têmpora como se alguma coisa estivesse lhe dando uma enxaqueca.
— Ouvi o quê? — pergunto a ela.
— É como... é como uma voz — ela diz. — Oh, Deus, talvez eu esteja
ficando louca.
E é quando percebo que o que está me incomodando não é a voz da
minha consciência ou um alerta mental se descontrolando.
É literalmente uma voz em minha mente. Uma que não me pertence e está
desesperadamente tentando ser ouvida.
— Você não está louca. Eu ouvi também.
Foco no zumbido estridente e, ao mesmo momento, a voz se torna
perfeitamente clara, mas ainda distante, como se viesse através de um túnel.
Seis! Marina! Seis! Marina! Vocês podem me ouvir?
Marina e eu nos encaramos. Essa voz telepática pertence à Ella. John
mencionou que os seus Legados ficaram mais aprimorados, mas sua telepatia
deve estar seriamente forte para que ela seja capaz de transmitir a essa
distância para mim e Marina. A cada segundo que passa, sua voz fica mais
clara na minha cabeça.
137
Isso só pode significar que ela está chegando mais perto.
— Ella! — digo em voz alta, não acostumada a utilizar a comunicação
telepática. — Onde você está? O que está acont...?
Ela me interrompe telepaticamente com um grito. “O que vocês estão
fazendo aí? Eu avisei o John! Ele deveria ter avisado vocês”.
— Ele nos avisou — Marina diz. — Nós estamos aqui para tentar ajudar
você. E para proteger o Santuário.
NÃO! Não, não, não, não! — Ella soa um pouco perturbada e
definitivamente em pânico. Ele deveria ter avisado vocês.
— Nos avisar sobre o quê? — pergunto.
Avisar para fugir!, Ella grita. Vocês precisam correr! CORRAM OU VÃO
MORRER!
138
Capítulo quinze
MARINA E EU NOS FITAMOS, AMBAS CONGELADAS.
Essa é a parte ruim sobre profecias de morte entregues por chat de
grupos telepáticos. Não fica claro a quem ela se destina. Ella está falando
sobre mim? Marina? Nós duas? Todos aqui?
Droga, não acredito que o futuro está escrito numa pedra. Não acredito
em destino. Não vamos fugir agora. Não sem antes tentar executar nosso
plano. Depois de um momento de incerteza, vejo uma chama de
determinação nos olhos de Marina.
— Não vou fugir — ela diz.
— Nem eu — respondo, já lamentando esses últimos segundos que
gastamos paradas. — Vai! Coloque os outros em posição!
Marina corre na direção de Sarah e dos outros. Disparo na direção
oposta, atravessando a pista de pouso tentando chegar à Lexa. Ela ouve
minha aproximação e se vira no topo da rampa, com uma sobrancelha
levantada para mim.
— Ele está adiantado — digo a ela.
— Merda.
— Voe baixo, assim eles não poderão vê-la. Eu não tenho certeza do
quão perto eles estão.
PERTO!, Ella grita em meu cérebro. Recuo com a altura da voz.
— Você sabe que tenho algumas armas nessa coisa, certo? — Lexa
pergunta, apontando seu dedão para a nave. — Eu posso ajudar a acabar
com eles.
— Não. Esse é nosso único plano de fuga. Não podemos arriscar que a
nave seja danificada.
— Você que sabe, Seis — Lexa responde. — Vou esconder essa coisa e
voltar para cá.
— Não — eu digo, balançando minha cabeça. — Não volte. Não
podemos arriscar perder nosso piloto também. Estacione e esconda a nave, e
então espere. Se as coisas estiverem ruins aqui, quero que esteja pronta para
nos tirar daqui. Talvez precisemos correr.
— Tudo certo — Lexa diz, se mantendo fria. Ela ruma para a selva ao sul,
onde as pedras quebradas das construções antigas ainda estão visíveis. —
Estarei a um quilômetro e meio, Seis. Em linha reta daqui. Mark tem um rádio
conectado ao painel se precisar entrar em contato.
139
— Entendido.
— Boa sorte — Lexa responde. O que ela realmente quis dizer
foi: sobreviva.
Lexa coloca a nave no ar e voa baixo o bastante para as copas das
árvores encostem na nave. Assim que ela está fora de visão, olho para o
horizonte – ainda sem sinal da Anubis – e então corro na direção da floresta
do lado oriental do Santuário. É onde os outros estão reunidos, um bom lugar
para se esconder – há uma abundância de densa folhagem e um tronco
tombado que podemos usar para nos proteger. Dali, podemos ver a frente do
templo e a porta lateral. É o lugar perfeito para ativar nossas armadilhas.
Podemos ver também a Anubis chegando quando for a hora, o que deve
estar perto agora.
— Ella? — parece estrando dizer seu nome em voz alta, mas não
consigo digerir toda essa coisa de conversa-dentro-da-minha-cabeça. Gostaria
de saber se Marina ainda está ligada à conversa telepática. — Que diabos?
Você disse a John ao nascer do Sol!
Setrákus Ra não parou para reunir reforços. Ele está muito... animado para
chegar aqui.
Bem, essas são boas notícias, pelo menos. Setrákus Ra não reabasteceu
suas tropas depois de deixar Nova York. Isso significa que não teremos que
lidar com tantos. Mesmo assim, estou mais do que um pouco assustada com
a primeira notícia de Ella.
— O que você quis dizer antes? Quem vai morrer?
Eu... eu não sei. Foi uma visão. Não muito clara. Mas eu vi sangue. Muito
sangue. E eu não valho a pena, Seis! Vocês podem sair agora, escapar e...
Percebo que Ella está escondendo alguma coisa, não está sendo
totalmente honesta sobre o que sabe. John me disse que os Legados dela
foram amplificados, mas essa clarividência dela não é à prova das falhas.
Não pretendo mudar nosso plano baseado na visão do futuro que ainda
podemos ser capazes de mudar.
— Vamos ficar — digo firmemente, esperando que ela possa detectar a
determinação em minha mente. — Vamos tirar você dessa nave. Está me
ouvindo?
Sim.
— Poderíamos usar sua ajuda. Quão perto você está? O que você está
vendo?
Cinco minutos, Seis. Estamos a cinco minutos.
Cinco minutos. Porcaria.
— O que ele está mandando contra nós?
140
Ele está indo pessoalmente. Cem guerreiros prontos. E eu estarei lá
também. Não poderei ajudar você, Seis. Não posso... meu corpo não funciona
mais.
Cem. Isso é muito. Podemos lidar com eles. Pelo menos se
conseguirmos acertar muitos deles quando explodirmos os Skimmers.
— Deve ter alguma coisa que possamos fazer, Ella. Apenas me diga
como ajudar você.
Você não pode, a voz dela retorna, triste e resignada. Não se preocupe
comigo. Faça o que precisa ser feito.
Adam se junta a mim e corre na direção do limite da floresta onde os
outros já estão escondidos. Em vez de ir imediatamente para nosso
esconderijo, ele faz um desvio para o Skimmer que usamos para voar até aqui
e pega a espada mogadoriana que pertenceu ao seu pai. A espada parece
pesada presa às costas de Adam, mas ele acompanha meu ritmo.
— Quase esqueci disso — ele diz, quando me pega olhando para a
espada.
— Não existe uma expressão popular sobre trazer uma faca à um
tiroteio? — pergunto.
Ele dá de ombros.
— Você nunca sabe quando uma coisa grande e afiada pode ser útil.
Nós deslizamos até o lugar onde nosso grupo está abrigado, atrás de
uma árvore caída. Adam se vira e observa o céu, sua boca apertada em uma
linha fina, os braços cruzados. Mark está segurando o detonador para as
bombas que Adam lhe mostrou como usar mais cedo. Com Mark atuando
como nosso especialista em demolições, Marina está livre para focar em
atirar a telecinesia nos canhões que escondemos na floresta. Sarah está de pé
perto deles, com um canhão numa mão, a outra pressionada na têmpora,
pálida e com a testa franzida.
— Eu não aceito isso — Marina diz quando deslizo perto dela. Percebo
que ela está tendo uma conversa com Ella também.
— Aceitar o quê? — Mark pergunta, confuso.
Sarah o silencia com um “shh”. Dando outra olhada nela, percebo que
Sarah também está conectada ao canal telepático de Ella. Ela sabe que a
morte pode estar chegando.
— Nós vamos roubar a nave dele bem debaixo dele. Vamos resgatar
você — digo essas coisas alto, com ferro em minha voz, sabendo que Ella
pode me ouvir.
Me desculpem. Isso não vai acontecer, Ella diz telepaticamente.
141
Posso dizer pelo modo que os olhos de Marina se enchem de lágrimas
que ela pode ouvir também. Sarah cobre a boca e engole em seco, olhando
pra mim interrogativamente.
— Merda — digo.
— Não se atreva a desistir da esperança — Marina praticamente grita
para o espaço vazio à sua frente.
— Ella? está me ouvindo?
Ella não responde. Ainda posso senti-la lá, quase como cócegas ao fundo
de minha mente. Sei que ela está ouvindo. Só não está nos respondendo
mais.
— Não me importo com o que ela diz ou quantos mogs teremos que
lutar contra — falo para Marina agora. — Se fizermos alguma coisa hoje, será
tirar Ella de perto de Setrákus Ra. Nos apossar dela e levá-la de volta a nave
de Lexa.
— Concordo — Marina diz.
— Talvez isso funcione — Sarah completa, parece que o espanto deixou
seu rosto, e no lugar surge uma expressão pensativa. Como Marina e eu, ela
não está recuando diante da ameaça de morte. — Quero dizer, não tinha
alguma coisa com o velho feitiço lórico de vocês que se quebrava quando
vocês se juntassem?
— Isso — respondo. E daí?
— Então, talvez a versão bagunçada de Setrákus Ra funcione de forma
contrária — Sarah explica. — Talvez seja por isso que ele leva Ella para onde
quer que ele vá. Ele tem que mantê-la perto para que isso funcione.
— Faz sentido para mim — Mark fala, dando de ombros. — Não que eu
seja, tipo, um especialista nessa porcaria.
Definitivamente isso é uma possibilidade que vale a pena ser testada,
especialmente desde que planejamos o resgate de Ella de qualquer forma.
Viro-me para Adam. O plano era nós dois ficarmos invisíveis e entrar
na Anubis enquanto os outros criavam uma distração.
— O que você acha? Ir para a nave de guerra ou Ella?
— Vocês que decidem — ele responde.
— Você talvez tenha que estar debaixo do nariz dele para chegar até
Ella — Sarah aponta.
— O que quer dizer que ele pode retirar temporariamente sua
invisibilidade — Marina continua.
— Droga — digo, minha mente trabalhando. — Tudo bem. Talvez
possamos separá-los quando ativarmos nossas armadilhas. Se vermos uma
oportunidade, vamos para Ella. Caso contrário, mantemos o plano de tomar
142
a Anubis — aponto para o sul. — Há algumas antigas construções de pedra
naquela direção. Se forem para o sul a partir de lá, é onde Lexa escondeu
nossa nave. Se as coisas ficarem ruins aqui, se os mogs descobrirem suas
posições, quero que vocês três vão para lá.
— E deixar vocês para trás? — Marina pergunta.
— Estaremos invisíveis, pelo menos — respondo, olhando dela para
Sarah. — Apenas fiquem vivos. Isso é o importante agora.
Sarah concorda sombriamente e Marina se afasta, olhando na direção
do Santuário. Mesmo depois do aviso de Ella, duvido que ela tenha qualquer
intenção de recuar.
Antes que eu possa dizer mais qualquer coisa, Adam segura meu abraço
e aponta na direção da pista de pouso.
— Droga! Seis, esquecemos da nossa amiga.
Olho para onde Adam aponta e vejo Phiri Dun-Ra contorcendo-se
selvagemente contra a corrente. Na correria de ficar em posição, me esqueci
completamente de nossa prisioneira mogadoriana. Mesmo com ela
encapuzada, Phiri Dun-Ra deve ter ouvido a comoção e sabe que estamos
distraídos. Ela vai enlouquecer em seu estado de aprisionamento, fazendo
qualquer coisa para se soltar. Nós a amarramos a um suporte de pneus de
forma bem firme, então não acho que ela vá se libertar. Mesmo assim,
provavelmente não é uma boa ideia deixá-la ali quando a Anubis aparecer.
— Setrákus Ra vai perceber alguma coisa se vê-la — Adam diz, lendo
minha mente.
Mark levanta seu canhão e olha na mira, o cano da arma apontado na
direção de Phiri Dun-Ra.
— Querem que eu dê um jeito nela? Acho que consigo fazer o disparo.
Marina coloca a mão no canhão e faz com que ele o abaixe.
— Se quiséssemos executá-la, Mark, não acha que já não teríamos feito
isso?
Adam me lança um olhar, como se talvez não fosse uma má ideia
finalmente dar a Phiri Dun-Ra nossa misericórdia. Ele tem desejado matá-la o
dia todo. E posso entender o porquê.
— Deveria tê-la prendido no poço — Sarah diz com pesar.
— Temos que deixá-la fora de vista — concordo.
Alcanço-a com minha telecinesia e libero Phiri Dun-Ra de sua prisão.
Isso me leva alguns segundos – com Marina atirando com os canhões
escondidos, tal tarefa não é fácil a essa distância. Phiri Dun-Ra deve pensar
que ela está fazendo isso sozinha. Ela tira o capuz e a mordaça, em seguida
fica de pé, tropeçando, surpresa pelas cordas terem se rompido. A nascida
143
naturalmente esfrega os pulsos por um momento, olhando ao redor, e então
corre para a floresta do lado oposto ao nosso. Ela está indo na direção de
onde escondemos alguns canhões dos mogs.
— Seis? — Marina pergunta, com um tom de aviso em sua voz. — Você
sabe o que está fazendo?
Eu sei. Antes que Phiri Dun-Ra possa ir muito longe, uso as cordas que a
prendiam e com minha telecinesia e prendo em seus pés. Ela cai feio com o
rosto no chão. Então eu a arrasto em nossa direção, poeira e sujeira se
elevam no ar quando ela arranha o chão, tentando escapar. Seus gritos de
frustração são altos o bastante para assustar alguns pássaros nas árvores
mais próximas.
— Precisamos silenciá-la — Adam fala.
— Marina, puxe-a — respondo.
Enquanto Marina assume meu lugar com sua telecinesia, foco nas
nuvens vagando no céu do anoitecer. Eu não quero criar uma tempestade
propriamente dita – não com a Anubis e Setrákus Ra tão perto. Felizmente,
não precisei de uma. Há uma nuvem escura com carga o bastante para gerar
um pequeno raio. Mando este arco em Phiri Dun-Ra, acertando-a em cheio.
Acho que há uma chance disso matá-la, mas não tenho muito tempo para me
preocupar com isso. A mogadoriana espasma quando a eletricidade passa por
ela, então para de resistir à telecinesia de Marina. Ela não desintegra, então
acho que ainda está viva.
Quando Marina arrasta Phiri Dun-Ra para a linha das árvores, Adam a
agarra por baixo dos braços e a puxa o resto do caminho. Ele a empurra para
de trás do tronco que estamos nos escondendo e começa a prender
novamente seus pulsos e tornozelos.
— Então, vocês fazem prisioneiros agora? — Mark pergunta.
— Ela pode vir a ser útil — respondo, dando de ombros.
— Não podemos continuar arrastando-a por aí — Adam diz assim que
termina de apertar os nós.
— Vamos deixá-la aqui. Ela mencionou amar selvas, certo? — digo, com
um sorriso no rosto.
Temos coisas maiores para nos preocupar do que o destino de Phiri Dun-
Ra.
— Não vamos azarar nossa chance de sobrevivência por fazer muitos
planos - Mark diz.
Antes que qualquer um possa responder, a selva ao nosso redor se
torna estranhamente calma. Estava tão acostumada com o incessante som
dos pássaros que é absolutamente chocante quando ele some. Até mesmo o
144
som dos insetos se reduz até desaparecer. Através da clareira que os mogs
fizeram ao redor do Santuário, ao norte, uma revoada inteira de pássaros voa
das árvores e se dispersa.
A Anubis está aqui.
Estendo minhas mãos e braços.
— Segurem — digo a todos. — Vou nos manter invisíveis até estarmos
prontos para atacar.
Marina segura uma de minhas mãos e Sarah a outra. Mark, com o
detonador pronto, segura meu ombro. Adam é o último. Ele me dá um aceno
de cabeça, provavelmente se lembrando de quando eu disse a ele como é
estranho foi ficar de mãos dadas com um mogadoriano. Até que tudo isso
acabe, nós dois estaremos ligados. Aceno de volta, por cima do ombro, e ele
se aperta ao lado de Marina, suas mãos em meu braço. Apenas Bernie Kosar
não se aproxima de mim. Em vez disso, nosso Chimæra se transforma num
tucano e voa para uma árvore próxima.
É um pouco engraçado, nós cinco amontoados dessa forma. É quase
como se estivéssemos posando para uma foto.
Deixo-nos invisíveis no exato momento em que a Anubis plana em nosso
campo de visão. A nave de guerra é ainda maior do que imaginei. Toda ela é
feita de placas de metal cinzento sobrepostas que chegam parecer uma
báscula. Tem o formato daquele inseto egípcio – escaravelho – exceto pelas
toneladas de armas, o maciço canhão que se projeta de frente da nave
particularmente na direção dos meus olhos.
— Deus — Sarah sussurra.
— Puta merda — Mark diz, um pouco alto.
Sua mão aperta meu ombro.
Enquanto a Anubis se arrasta pesadamente para cada vez mais perto, a
clareira inteira e o Santuário são tragados por sua sombra.
— Com calma agora — digo, tentando não surtar. — Fiquem quietos e
por perto. Eles não podem nos ver.
A nave enorme para, e então fica pairando sobre o acampamento dos
mogs. Mesmo considerando a larga faixa de floresta que os mogs
desmataram, a nave de guerra ainda é tão grande que não há espaço para ela
aterrissar.
Adam deve ter percebido que a Anubis pairando sobre o campo de
batalha meio que ferrou com nossos planos.
— Teremos que encontrar um jeito de subir até lá.
— Se ele aterrissar alguma tropa, nós podemos acabar com eles e voar
com um dos Skimmers deles até lá em cima — respondo. É exatamente a
145
tática que John e os militares ausentes dos EUA querem usar contra as naves
de guerra dos mogs, então quem melhor do que nós para sermos as cobaias?
— O que ele está fazendo? — Sarah pergunta. — Pelo que eles estão
esperando?
Ella parou de transmitir telepaticamente para nós há alguns minutos, e
agora me pergunto se é apenas minha imaginação que eu possa sentir sua
presença ao fundo de minha mente. Se ela ainda está lá, se ela pode me
ouvir, poderíamos definitivamente usar sua ajuda.
— Ella? — pergunto, me sentindo estúpida dizendo seu nome alto dessa
forma. — Pode me ouvir? O que está acontecendo aí em cima?
Não obtenho resposta.
— Marina? Sarah? Ela está...?
— Nada, Seis — Sarah responde, uma voz sem corpo falando sobre
outra.
— Acho que ela se foi — Marina continua.
Mas então acontece. Um sussurro ao fundo de minha mente. A voz de
Ella, desamparada e sem esperança.
Vocês deveriam ter fugido.
No ar sobre nós, um zumbido começa a emanar da Anubis. É notável
porque ao contrário, a nave é incrivelmente silenciosa. Começa devagar, mas
aumenta rapidamente. Logo depois, meus dentes estão vibrando devido ao
ruído. Eu observo o casco inferior da nave, esperando ver soldados de
Setrákus Ra descendo em Skimmers, mas o céu está claro.
— Que diabos é aquilo? — pergunto, com esperança de que Adam vá
me responder.
— Está... está se energizando — Adam explica.
Sua voz está trêmula e eu sinto sua mão afrouxar em meu braço, como
se estivesse atordoado e se esqueceu de que precisa segurar em mim para se
manter invisível.
— Energizando o quê? — pergunto.
— A arma principal — ele responde. — O canhão.
Posso vê-lo. O buraco negro do cano do canhão começa a brilhar
quando a energia começa a se acumular ali. O zumbido se torna mais alto
conforme o canhão é preenchido de pura energia, como os pequenos
canhões mogadorianos se carregando. Em segundos, o Santuário e a floresta
ao redor dele estão banhados por uma luz azulada. Sinto vontade de cobrir
meus olhos, mas Marina e Sarah estão segurando minhas mãos com força.
— Isso é mau — Mark diz. — Muito mau.
146
— Adam? — Grito para que ele me ouça devido ao som de
carregamento da arma. — Quão poderosa é aquela coisa?
Como um grupo, todos nós recuamos. Eu mal consigo saber onde cada
um está para manter a invisibilidade.
— Precisamos nos mover — Adam responde, o temor sumiu de sua voz,
substituído pelo terror. — Precisamos recuar!
Todos recuam, deixando apenas Phiri Dun-Ra escondida atrás do tronco
caído. Marina resiste ao meu puxão. Ela não está se movendo.
— Marina! — grito. — Vamos!
— Falamos que não iríamos fugir! — ela grita de volta.
— Mas...!
O zumbido atinge uma intensidade enorme e a energia absorvida na
nave é descarregada com um som ensurdecedor. Um sólido arco de
eletricidade do tamanho de dez mil raios cortando o ar desce na direção do
Santuário, acertando-o, as pedras antigas brilhando em um vermelho quente.
O tiro do canhão atravessa o templo do topo à base, como se não fosse nada.
Eu tenho apenas um momento para perceber o Santuário, ainda de pé, mas
partido ao meio. Posso ver luz através da parede que antes era sólida.
Um segundo depois, a energia condensada do canhão se expande para
fora em uma onda de luz ofuscante.
O Santuário explode.
— NÃO! — Marina grita.
Nós estragamos tudo. Setrákus Ra não veio até aqui para entrar o
Santuário. Ele veio para destruí-lo.
Não tenho tempo para pensar no que isso significa ou no que acontece
depois. Adam me puxa para trás e vamos cambaleando para a selva, no
momento em que o templo começa a ruir ao nosso redor. Perco o punho de
Marina e ela se torna visível novamente. A mão de Mark solta meus ombros e
ele reaparece também. Apenas Sarah e Adam ainda se seguram em mim.
Marina, na verdade, corre para frente como se fosse capaz de lutar
contra a nave.
— Pare! — grito. — Marina! Pare!
Mark reage rapidamente, seus reflexos de jogador ressurgindo
naturalmente. Ele se joga contra ela, envolve seus braços ao redor da cintura
de Marina e a derruba.
— Saia de cima de mim! — Marina grita para Mark.
Ela o empurra para longe, impressões digitais congeladas se formam em
seu peito.
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Então, mais alguma coisa explode. Um dos Skimmers que armamos com
C-4. Deve ter sido atingido diretamente por uma parte do Santuário e
disparado a bomba. Estilhaços voam ao nosso redor, pedaços de metal
retorcido chiam quando rasgam as folhas das árvores.
Mark perde a respiração e tropeça. Há um pedaço irregular de vidro do
painel do Skimmer sobressaindo de seu peito.
— Mark! — Sarah grita, se soltando de mim e correndo na direção dele.
Marina vê o ferimento de Mark e suspira. Ela se volta para o Santuário e
cai de joelhos ao lado dele, arrancando o pedaço de vidro e imediatamente
começando a curá-lo.
Ramos de árvores se quebram acima da minha cabeça e eu olho para
cima a tempo de ver um pedaço do tamanho de um taco de baseball de
calcário cair em minha direção. Em reflexo, uso minha telecinesia para pegá-lo
e jogá-lo para o lado.
Não consigo parar o próximo.
Me acerta no topo da cabeça. Antes de eu perceber o que aconteceu,
alguma coisa pegajosa e quente cobre um lado do meu rosto. Adam me
segura em seus braços enquanto caio de joelhos. Estamos ambos visíveis
agora. Devo ter perdido minha concentração. Tento por força em minhas
pernas, para focar na minha invisibilidade, mas não consigo fazer nenhuma
das duas coisas. Minha cabeça gira e eu sinto gosto de sangue.
— Me ajuda! — Adam grita para Marina. — Seis está ferida!
Tento me manter consciente, mas é difícil. O mundo está ficando escuro,
como se tudo o que tivéssemos lutado se acabasse em chamas.
Ella nos avisou de que poderia haver morte. Me sentindo quase
desconectada do meu corpo, eu me pergunto se é a hora.
Enquanto perco a consciência, ouço a voz de Ella em minha cabeça.
Me desculpem, ela diz.
148
Capítulo dezesseis
EU NÃO TENHO TEMPO PARA ESSA PORCARIA.
Cinco quer me encontrar ao pôr-do-sol na Estátua da Liberdade. Isso soa
como um plano de um supervilão. Ele está mantendo Nove como refém e
planeja matá-lo se eu não aparecer. Não sei o que ele quer de mim. Nas Nações
Unidas me pareceu que ele estava tentando nos ajudar, apesar de seu jeito
psicótico. Ao menos, ele evitou que eu machucasse Ella involuntariamente.
Claro, ele possivelmente não sabe que estou contra o tempo aqui, que cada
minuto desperdiçado em seus joguinhos é um minuto não gasto ajudando
Sarah, Seis e os outros. Se ele soubesse, se importaria?
Mandei Sarah e Mark para o México com a recém-descoberta loriena,
hacker e piloto, que mal posso esperar para conhecer. Eu os mandei para lá
porque eles são literalmente a única ajuda que pude arranjar para Seis e o resto
da Garde, que estão à espera da luta principal.
Pelo menos eles podem escapar agora. Eles não estão encurralados.
Seis e Sarah são espertas o bastante para evitar perdas e sair de lá. Isso é o
que continuo dizendo a mim mesmo.
Faço um rápido cálculo mental. Mesmo que a Agente Walker pudesse, de
alguma forma, convencer os militares a me emprestar seus caças mais rápidos,
eu ainda não seria capaz de chegar ao México antes de Setrákus Ra. Não mais.
Isso não quer dizer que não vou tentar.
— Pode pelo menos me conseguir um barco? — pergunto a Walker.
Tendo deixado o caos das docas para trás, estamos novamente na tenda
da agente do FBI.
— Para levá-lo à Estátua da Liberdade? — Walker assente com a cabeça.
— Sim, posso conseguir isso.
— Mas tem que ser agora — respondo. — Preciso para agora.
— Cinco disse ao pôr-do-sol. Isso é quase daqui uma hora — Sam
acrescenta sombriamente. Sei que ele está fazendo os mesmos cálculos que eu.
Ele sabe que não chegaremos a tempo ao Santuário. Não a menos que
deixemos Nove à mercê do destino que Cinco tem reservado para ele, e
nenhum de nós deseja seguir por esse caminho.
— Não vou esperar. Não estamos no tempo de Cinco. Ele provavelmente
está agora preparando uma armadilha ou coisa parecida. Seja o que ele quer.
Vamos mais cedo. Se ele não estiver lá, então esperaremos pelo bastardo.
— Boa ideia — Sam concorda. — Vamos fazer isso.
149
— Consiga o barco — digo a Walker, e caminho para fora da barraca.
Daqui, no Brooklyn Bridge Park, podemos ver a Ilha da Liberdade. O
contorno esverdeado da famosa estátua é visível contra o céu enevoado. Não
levará muito tempo para chegarmos lá. Dessa distância, não posso discernir
nenhum detalhe. Não posso dizer se Cinco está lá ou se preparou alguma
armadilha para nós. Isso não importa, na verdade. O que encontrarmos, vamos
enfrentar de cabeça erguida.
Sam me segue para fora.
— O que vamos fazer? — ele me pergunta. — Quero dizer, com Cinco.
— O que precisarmos — respondo.
Ele fica em silêncio e cruza seus braços, também olhando para a estátua
sobre a água.
— Você sabe, eu sempre quis ver a Estátua da Liberdade — é tudo o que
ele consegue pensar em dizer.
Dentro da barraca, posso ouvir Walker gritando em seu walkie-talkie.
Eventualmente, ela nos consegue uma lancha da guarda-costeira. O barco
não tem artilharia como aqueles da marinha que avistei no porto, mas nos
levará rápido à Ilha da Liberdade. Walker também chama agentes de sua
confiança, integrando a equipe com três caras que conheço da força tarefa anti-
ProMog que nos ajudou a ir atrás do secretário de defesa. Acho que eles foram
os únicos que sobreviveram à batalha com Setrákus Ra nas Nações Unidas. Um
deles é o homem que curei durante o primeiro conflito em Midtown, aquele de
quem Sarah postou o vídeo na Internet. Ele quase parece envergonhado quando
aperta minha mão.
— Agente Murray — ele se apresenta. — Nunca tive a chance de
agradecer. Pelo outro dia.
— Não se preocupe com isso — digo a ele, então me viro para a Agente
Walker. — Não precisamos de apoio. Apenas do barco.
— Me desculpe, John. Não posso deixar vocês dois ir lá sozinhos. Vocês
são de interesse do governo agora.
Bufo.
— Oh, somos?
— São.
Não vou perder tempo discutindo sobre isso. Eles podem ir se quiserem.
Vou na direção das docas, Sam ao meu lado, e Walker e seus agentes se
espalham ao nosso redor como guarda-costas. Como sempre, recebo olhares
dos soldados no caminho. Alguns deles parecem querer ajudar, mas tenho
certeza de que estão sob ordens para não se envolverem conosco. A Agente
Walker e o que restou do seu grupo de agentes anti-ProMog é toda a ajuda que
150
o governo está disposto a nos conceder nesse momento. Ao menos eles
melhoraram suas armas, tendo os agentes tendo trocado suas pistolas habituais
por pesados rifles de assalto.
— Hey! John Smith de Marte! Espere!
Me viro a tempo de ver Daniela espremer seu corpo dessa jeitado por um
grupo de soldados e correm em nossa direção. Os agentes que nos rodeiam
erguem imediatamente seus rifles e, vendo isso, Daniela derrapa até parar a
alguns metros, com as mãos para cima. Ela olha os agentes do FBI com um
sorriso arrogante no rosto.
— Está tudo bem, acalmem-se — digo a Walker e seu grupo, apontando
para Daniela. — Ela é uma de nós.
Walker levanta uma sobrancelha.
— Você quer dizer...?
— Uma Garde humana — falo, mantendo minha voz baixa. — Uma das
pessoas que Setrákus Ra quer junto dele.
Walker avalia Daniela.
— Ótimo — ela diz secamente.
Daniela apenas amplia seu sorriso.
— Vocês rapazes estão indo em uma aventura ou algo assim? Posso ir?
Franzo um pouco a testa pela forma que ela está levando tudo isso, e troco
um olhar com Sam.
— Você encontrou sua mãe? — Sam pergunta a ela, e o sorriso de Daniela
falha por um instante.
— Ela não está aqui, e nunca deu entrada na Cruz Vermelha — Daniela
responde, dando de ombros como se não fosse nada. Mesmo que ela esteja
tentando manter o tom normal, sua voz está trêmula e posso dizer que ela
espera o pior. — Provavelmente saiu da cidade de outro jeito. Tenho certeza de
que ela está bem.
— Sim, com certeza — Sam responde, forçando um sorriso.
— Estamos a caminho de confrontar um Garde traidor — digo a ela
abruptamente.
Walker me lança um olhar, mas não tenho motivos para mentir. Todas as
cartas na mesa.
— Whoa. Existem traidores, tipo, da sua espécie?
Penso sobre Cinco e como ele se virou contra nós e penso em Setrákus Ra
e as incontáveis coisas horríveis que ele fez. Ele costumava ser um Garde
também, talvez algo maior que isso, se pudermos acreditar na carta de Crayton
para Ella. Então, olho para Daniela e considero ela e os outros humanos com
151
Legados que ainda não encontramos. Eles irão lutar pelo bem? Ou alguns deles
irão se voltar para Setrákus Ra como Cinco fez?
— Somos pessoas, como quaisquer outras — falo.
— Exceto pelos poderes incríveis — Sam acrescenta.
— Como qualquer um — continuo — podemos nos tornar maus sem a
devida orientação.
Daniela está novamente com um sorriso travesso no rosto. É quase
irritante, mas estou começando a perceber que é apenas um mecanismo de
defesa. Quando ela se sente desconfortável, tenta com todas as forças devolver
o favor.
— Beleza. Entendi. Você vai ser meu guia, John Smith? Meu sensei?
— Nós os chamamos de Cêpans, na verdade. Nossos treinadores. Mas eles
se foram. Agora, aprendemos as coisas por nós mesmos.
Agente Walker pigarreia. Acho que ela quer que eu me livre de Daniela,
mas não estou recusando ajuda. De jeito nenhum.
— Pode vir conosco — continua. — Mas você deve saber de uma coisa: o
cara que estamos atrás é extremamente perigoso.
— Desequilibrado — Sam acrescenta.
— Ele já matou um de nós — continuo — e não acho que ele vá hesitar em
fazer isso novamente. Quando acabarmos com ele, nossa amiga Agente Walker
aqui vai nos conseguir um avião de alguma maneira, e descobriremos um jeito
de matar o mogadoriano no controle antes que a invasão dele prossiga.
— Você está tentando me assustar? — Daniela pergunta com suas mãos
nos quadris.
— Só quero que saiba no que está se metendo — respondo. — Durante o
caminho, posso tentar te ajudar com sua telecinesia. Talvez descobrir o que
mais você pode fazer. Mas você tem que dar seu melhor...
Daniela olha por cima de seu ombro. Percebo que, mais do que qualquer
coisa, ela quer sair daqui. Ela quer se manter ocupada e evitar confrontar a real
possibilidade de ter perdido toda a sua família durante o ataque a Nova York.
— Estou dentro. Vamos salvar o mundo e essa droga toda.
Sam sorri e não posso fazer nada a não ser dar um pequeno sorriso
também, especialmente quando percebo a Agente Walker revirando os olhos.
Com Daniela incorporada ao nosso pequeno grupo de agentes secretos,
continuamos seguindo para o píer.
— Ei — Sam diz para Daniela, mantendo o tom de voz baixo. — Só para
você saber, os mogs estavam mantendo prisioneiros em Nova York. Eles não
estavam, tipo, matando tudo que se movesse.
152
— É, eu sei, os vi fazendo isso na minha vizinhança — Daniela responde. —
E daí?
— E daí que só porque ela não está aqui, não quer dizer que sua mãe...
você sabe...
— Sei. Obrigada — Daniela fala rispidamente, mas acho que ela realmente
quis dizer isso.
A lancha da guarda-costeira está pronta e esperando por nós, um capitão
fumante vestido em um uniforme amarrotado preparado para nos levar aonde
quer que precisemos ir. Deixo Walker falando com ele, e alguns minutos depois
estamos saltando sobre as ondas. Do outro lado da água, posso ver as luzes
brilhantes de New Jersey, helicópteros surgindo e desaparecendo do nosso
campo de visão.
Parece que os militares criaram um perímetro ali também, realmente
querem ter certeza que os mogadorianos fiquem contidos em Manhattan. Olho
na direção da cidade e encontro o lugar assustadoramente calmo. Ainda há
mogs lá, tenho certeza, patrulhando as ruas e talvez criando uma fortaleza.
Espero que muitos dos moradores tenham conseguido atravessar a ponte e, se
não, espero que Sam tenha razão sobre os mogs estarem mantendo-os
prisioneiros ao invés de os matarem. Isso significa que eles ainda podem ser
salvos.
Quando a Ilha da Liberdade fica maior a nossa frente, Daniela me cutuca
nas costelas.
— Vamos encontrar esse cara na Estátua da Liberdade? — ela pergunta.
— Aham.
— Cara, isso é uma porcaria para turistas.
Rapidamente atracamos as docas da Ilha da Liberdade. Meia dúzia de
barcos estão flutuando ali, vazios, um deles com marcas de queimaduras em
uma das laterais. Todo o lugar está deserto; ninguém visitando a Estátua da
Liberdade durante a invasão. É quase pacífico aqui.
Enquanto saímos do barco, tento dar uma boa olhada no terreno. Me
forço a pensar como Cinco, me perguntando onde seria o melhor lugar para
uma emboscada.
Tenho que inclinar a cabeça para cima para ver a estátua. Nos
aproximamos dela pelo lado em que ela segura o livro. A tocha banhada de ouro
brilha no que resta da luz do dia. A grande senhora verde está sentada no topo
de um enorme pedestal de granito, que por sua vez fica sobre uma base de
pedra ainda maior que toma quase metade da ilha.
Para a direita, há um pequeno parque que parece intacto. Ele não estará
escondido no parque – não é assim que Cinco trabalha.
153
O capitão do barco fica para trás, mas o resto de nós caminha pela doca na
direção da estátua. Penso na primeira vez que encontrei Cinco, como ele usou
um monumento de um monstro assustador no bosque para se revelar. Acho
que o cara tem alguma coisa com marcos históricos. Ou talvez aquela estátua
suja de madeira fosse uma pista, sobre o monstro escondido dentro de Cinco.
Se este é o caso, me pergunto o que a escolha da Estátua da Liberdade significa.
Provavelmente nada, penso, me lembrando que Cinco é um completo maluco.
Ao meu lado, Daniela abafa uma risada.
— Sabe, na verdade eu nunca estive aqui, mesmo vivendo nesta cidade
minha vida inteira.
— Né, é como uma viagem de campo — Sam comenta. — Uma viagem de
campo em que no final um maluco feito de aço sólido tenta te esfaquear até a
morte.
— Ninguém vai ser esfaqueado até a morte — digo.
Quando entramos na praça que se estende ao redor da base da estátua,
mantenho meu olhar centrado no pedestal superior. Decidi que é o lugar em
que Cinco provavelmente estará. Ele pode voar, então seria fácil para ele
alcançar aquela área, e isso permitiria que ele ficasse de olho em nossa
chegada. Apesar disso, não vejo nenhum movimento lá em cima. Talvez ele não
esteja aqui ainda. Ou talvez esteja se escondendo dentro da estátua. Ergo ainda
mais meu pescoço, tentando vislumbrar algo dentro da coroa da estátua, mas é
impossível. Teremos que ir lá dentro para ter certeza de que está vazia.
— Olha — Sam fala, baixando a voz. — Bem ali.
Viro minha cabeça para esquerda, na direção do gramado perfeitamente
esculpido que se estende a partir da fundação da estátua.
Há um movimento. Uma forma brilhante se ergue lentamente da grama e
dá passos vacilantes em nossa direção. Eu estava olhando para o lugar errado.
— Vocês estão adiantados — Cinco diz. — Excelente.
Dizer que Cinco parece acabado seria um elogio. Suas roupas parecem ter
passado por um triturador – estão rasgadas, manchadas de sangue e cobertas
de sujeira e cinzas. Sua pele é um aço prateado, fazendo-me pensar que ele está
pronto para lutar, mesmo que pareça que ele mal possa se manter em pé. Seus
traços parecem inchados e fora de lugar apesar de seu revestimento metálico,
seu nariz está torto, e há entalhes visíveis na lateral de sua cabeça raspada. Ele
está curvado, um braço balançando inutilmente ao se lado. Em seu outro braço
há uma braçadeira com sua lâmina retrátil. A luz do entardecer reflete em sua
pele.
154
Imediatamente, Walker e seu time flanqueiam Cinco. Eles têm suas armas
apontadas para ele. Daniela vai para o lado oposto, ficando um passo atrás de
mim.
— Uh, vocês deveriam ter descrito o cara traidor melhor — ela diz.
Cinco dá uma olhada nos agentes de Walker e zomba. Mesmo que ele
pareça desgastado, ter um conjunto de armas apontadas para ele parece
reacender seu temperamento intenso. Seu único olho se ajusta abrindo mais e
ele se endireita.
— Não me faça rir com essa porcaria — Cinco diz para Walker, então se
vira na direção do Agente Murray enquanto o homem aponta sua arma. — Sou
à prova de balas, otário. Vamos, eu te desafio.
Há algo estranho na voz de Cinco. Soa metálica e estridente, quase como
se ele estivesse tendo problemas para respirar.
Os agentes são inteligentes o bastante para não ficarem tão perto. Sei o
quão rápido Cinco é. Se ele quisesse ir até um deles, seria capaz de chegar lá em
um ou dois segundos com seu voo. Caminho sobre a grama, esperando atrair a
atenção para mim antes que ele faça qualquer coisa maluca. Sam fica logo ao
meu lado, Daniela alguns passos atrás.
É quando percebo uma forma grumosa perto de Cinco. É uma daquelas
lonas azuis de construção envolvendo o que é obviamente um corpo, tudo isso
bem apertado por correntes de aço de construção.
Tem que ser o Nove.
— Entregue-o — digo para Cinco, sem perder tempo.
Cinco olha para baixo, para o corpo, quase como se tivesse esquecido que
ele estava ali.
— Claro, John — Cinco responde.
Cinco se curva e segura as correntes. Ele ergue o corpo de Nove com uma
careta. Ele está machucado e cansado, e posso dizer que este show o está
drenando mais do imaginou. Com um grunhido animal, Cinco lança o corpo
através dos metros que nos separam. Seguro Nove no ar com minha telecinesia
e o desço gentilmente para o chão. Imediatamente, arranco as correntes e
desenrolo a lona.
Nove está deitado inconsciente na grama a minha frente. Suas roupas
estão nas mesmas péssimas condições que as de Cinco, seus machucados
igualmente grotescos. Há queimaduras de tiros em seus braços e peito, uma de
suas mãos está quebrada como se alguma coisa a tivesse esmagado, e há um
corte feio em sua cabeça. Esta é a última coisa que me preocupa. Sangue
empapa o cabelo negro de Nove – muito mesmo – e seus olhos não se abrem
quando bato gentilmente em suas bochechas.
155
Sam coloca a mão em meu ombro.
— Ele está...?
— Oh, ele está bem — Cinco grunhe, respondendo à pergunta que Sam me
fez. — Tive que bater com força nele para nocauteá-lo. Você provavelmente vai
querer trabalhar com isso primeiro, doutor.
Coloco minhas mãos na lateral da cabeça de Nove, mas paro antes de
começar a curá-lo. Isso vai requerer minha concentração, o que significa que
não poderei ficar de olho em Cinco. Olho para ele.
— Você vai tentar alguma coisa estúpida?
Cinco levanta as mãos para cima, as palmas abertas, mesmo que um dos
braços não se erga tanto quanto o outro. Então, ele cai para trás sentado.
— Não se preocupe, John. Não vou machucar nenhum dos seus
amiguinhos. Ao mesmo tempo, seu olho passa por minha equipe, observando
cada um deles. O olhar de Cinco se demora em Daniela. — Você não é policial.
Qual é a sua?
— Não fale comigo, esquisito — ela devolve.
— Não perca seu tempo respondendo — Sam diz calmamente.
Cinco bufa e balança a cabeça, mais admirado que nunca. Ele arranca um
punhado de grama a sua frente, rasga e o joga fora com um suspiro.
— Vamos logo com isso, John. Eu não tenho o dia todo.
Ainda estou desconfiado de que seja um tipo de armadilha, mas não posso
adiar a cura de Nove por muito tempo. Pressiono minha mão na lateral da
cabeça dele e deixo minha energia de cura fluir para ele.
Primeiro o corte em sua cabeça se fecha. Esse é apenas o dano superficial.
Intuitivamente, posso sentir mais profundamente, traumas mais sérios afetando
Nove. Seu crânio está fraturado e seu cérebro está inchado.
Foco meu Legado ali, porém estou cauteloso para não usar mais energia
do que preciso. O cérebro é uma coisa delicada e não quero piorar a situação de
Nove. Ele talvez continue a ter uma concussão quando eu terminar, mas pelo
menos o dano mais sério será revertido.
Leva alguns minutos de concentração em Nove. Estou vagamente
consciente do silêncio e da tensão ao meu redor. Quando termino, tiro minhas
mãos de sua cabeça. As outras lesões podem esperar até que não estejamos na
presença de um lunático.
— Nove? Nove, acorde — chamo, chacoalhando-o.
Depois de um momento, os olhos de Nove se abrem. Seu corpo tensiona e
seus olhos dardejam no entorno descontroladamente. É como se ele estivesse
esperando ser atacado novamente. Quando reconhece Sam e a mim, ele se
acalma e sua expressão se torna sonhadora. Ele segura meu braço.
156
— Johnny! Eu peguei o filho da puta. Acertei-o em cheio — ele murmura.
— Pegou quem? — pergunto, e não obtenho resposta.
A cabeça de Nove já está pendendo para longe de mim. Curei suas lesões,
mas não posso evitar sua exaustão depois de lutar pelas últimas vinte quatro
horas sem parar. Ele está inconsciente. Nós provavelmente teremos que
carregá-lo. Levanto meu olhar de Nove para ver Cinco ainda sentado na grama,
nos assistindo. Vendo que Nove está fora de perigo, Cinco começa devagar uma
salva de palmas sarcástica.
— Bravo, John. Sempre o herói — ele diz. — E quanto a mim?
— E quanto a você? — repito com os dentes cerrados.
— Não, na verdade, eu gostaria de uma resposta quanto a essa questão
também — Walker diz, sua arma ainda apontada para Cinco. — Ele atacou
nossos soldados e ajudou os mogadorianos. É basicamente um criminoso de
guerra. Você quer apenas deixá-lo aqui?
— Vocês têm um tipo de prisão espacial supersecreta para caras metálicos
do mal? — Daniela sussurra para mim.
— Para o inferno com ele — Sam diz. Ele é o único que entendeu que
temos coisas mais importantes para lidar. Ele acena com desdém para Cinco e
se inclina para Nove tentando ajudá-lo. — Vamos lá, John. Temos que dar o fora
daqui.
Estou indo ajudar Sam quando Cinco fala novamente.
— É isso? — ele pergunta, soando quase carrancudo. — Vocês vão apenas
me deixar ir?
Eu me endireito e o encaro.
— O que diabos você quer, Cinco? Você sabe quanto tempo nós já
desperdiçamos com seu teatro estúpido? — gesticulo na direção de Manhattan,
plumas de fumaça ainda subindo para o ar ali. — Você não é nossa prioridade
agora, cara. Percebeu que estamos em guerra, né? Você não esteve tão longe
para perder seus velhos amigos mogs matando milhares de pessoas, esteve?
Cinco olha na direção da cidade, contemplando a destruição ali. Seu lábio
inferior se projeta pra fora.
— Eles não eram meus amigos — ele fala calmamente.
— É, não mesmo — respondo. — É uma pena que você só tenha percebido
isso agora. Eles te usaram, Cinco, e agora eles não te querem mais. E nem nós.
Você tem sorte de eu não ter vindo terminar o que o Nove começou.
Meu temperamento incendeia quando me lembro de todas as bobagens
que Cinco fez no pouco tempo que o conheço. Como consequência de minhas
palavras, dou um passo na direção dele. Sam coloca uma mão em meu ombro.
— Não — ele diz. — Apenas vamos embora.
157
Concordo, sabendo que Sam está certo. Ainda tenho algumas jogadas para
atirar. Preciso livrá-las do meu peito.
— Acho que você pode ficar sozinho agora — digo a Cinco. — Isso é tipo o
que você sempre quis, não é? Então, vá, corra de volta para a sua ilha tropical e
se esconda, ou qualquer coisa que queira fazer. Apenas saia do nosso caminho e
pare de desperdiçar nosso tempo.
Cinco olha para baixo, para a grama a sua frente.
— Você não tinha que vir — ele diz com amargura.
Isso na verdade me faz rir. A insanidade pura desse cara.
— Você nos fez vir aqui. Disse que mataria Nove se não viéssemos.
A testa de Cinco faz um clique metálico quando ele bate nela tentando se
lembrar de algo.
— Não foi o que eu disse para esses perdedores do exército quando eles
me acharam. Eu disse a eles que você ganharia uma nova cicatriz.
— Por que você ainda está falando com ele? — Sam pergunta, sua voz se
elevando um pouco desnorteada. Ele se inclina em direção ao corpo de Nove,
passa o braço dele sobre seu ombro e grunhe enquanto tenta levantá-lo.
O olho de Cinco captura os meus. Ele está focado em mim, ignorando
totalmente os outros. Sei que ele está me atraindo para alguma coisa, só não sei
o que é. Sam está certo sobre não gastarmos tempo aqui, mas não posso evitar.
— Do que você está falando? — pergunto a ele de má vontade, sabendo
que é exatamente o que ele quer.
Em resposta, Cinco tira a camisa.
Essa simples ação parece tomar muito esforço, como se fosse difícil para
Cinco levantar os braços. A camisa rasga ao prender em alguma coisa quando a
puxa pela cabeça e ele uiva. Depois de alguns minutos olhando para seu peito,
banhado em metal como o resto dele, percebo que há algo errado.
Cinco tem uma peça de metal saindo de seu esterno. Parece com um poste
de uma placa de trânsito. Ele se vira de lado fracamente, e então posso ver a
outra extremidade irregular atravessando suas costas. Cada extremidade
termina com apenas alguns centímetros, ambas torcidas e deformadas como se
Cinco as tivesse encurtado com suas mãos. Está atravessando-o totalmente,
pelo que vejo, deve ter atingido um dos pulmões de Cinco e parte de sua
espinha. O poste de metal pode até mesmo estar passando por seu coração.
— Eu já estava na minha forma de metal quando ele me atravessou com
isso. E mesmo assim, não o parou — Cinco explica, sibilando suas palavras um
pouco. Ele olha para Nove com algo perto de admiração. — Meus instintos me
tomaram. Usei minha Externa de uma forma que nunca tinha usado antes, fiz o
158
metal se tornar parte de mim. Posso sentir o frio dele dentro de mim, Quatro. É
esquisito.
Cinco parece quase casual sobre isso. Tento me aproximar um passo na
direção dele e ele sorri.
— Estou cansado e não posso manter minha Externa para sempre — Cinco
diz. — Então eu quis que isso estivesse em suas mãos. Você é o cara bom, John.
O racional. E você sempre esteve logo na minha frente na ordem, me mantendo
vivo todos esses anos, me conhecendo ou não. Então o que vai ser?
Dou mais um passo cauteloso na direção dele.
— Cinco...
— Viver ou morrer? — Cinco pergunta, e então, sem aviso, ele desliga sua
Externa, voltando ao estado normal.
159
Capítulo dezessete
CINCO SE ENGASGA QUANDO RESPIRA. UMA BOLHA DE SANGUE É CUSPIDA
POR SUA boca. Sua pele, não mais envolta pela camada de ferro, se torna pálida
rapidamente. Seu olho remanescente se arregala, e nesse momento, antes que
eu veja seu olho revirar para trás, vejo medo ali. Talvez Cinco tenha pensado
que queria isso. Mas agora, encarando a morte cara a cara, ele está assustado.
Cinco cai de costas na grama, lutando para manter a respiração em
dolorosos suspiros. Dez segundos. Empalado por uma placa de trânsito, essa é a
quantidade de tempo que eu diria que Cinco tem de vida.
Ele nos traiu. Ele disse aos mogs onde poderiam nos encontrar, fez a
cobertura de Nove ser explodida. Por causa de Cinco, Setrákus Ra foi capaz de
raptar Ella, e o pai de Sam quase foi morto. Ele assassinou Oito. Com aquela
lâmina em forma de agulha que mesmo agora rasga pedaços do chão enquanto
Cinco tem espasmos na grama. Cinco executou um de seu próprio povo. Ele
merece isso.
Mas eu não sou como ele. Não posso apenas observá-lo morrer.
— Maldito seja você, Cinco — eu digo, rangendo os dentes enquanto corro
em frente e deslizo até ele. Pressiono minhas duas mãos sob o peito dele e uso
meu Legado de cura, colocando energia suficiente nele para pelo menos
estancar alguns dos sangramentos internos, ganhando tempo para curar os
ferimentos mais graves.
Cinco volta um pouco a si, seu olho bom encontra o meu, e acho que
peguei o canto da boca dele revirado em um pequeno sorriso. Então, ele
desmaia novamente de dor e choque.
Preciso tirar essa estaca para fora dele. Obviamente não li um monte de
artigos médicos, mas tenho certeza de que se eu remover a placa, piorarei a
situação de Cinco por dentro. No entanto, devo estar curá-lo ao mesmo tempo
que o poste de metal é removido, esperando minimizaro dano. Eu arrasto o
corpo mole de Cinco e o sento, apoiando-o em mim. Então aceno para Sam.
— Eu preciso que você use sua telecinesia para retirar o metal dele — digo
a Sam rapidamente. — Desse jeito posso me concentrar na cura.
— Eu... — Sam hesita. Ele olha para Cinco, mortalmente ferido, e engole
seco. — Melhor não, John.
— O que você quer dizer com isso?
— Quero dizer que não acho que você deva salvá-lo — Sam responde, sua
voz mais firme agora. Ele olha sob seus ombros, onde está o corpo inconsciente
160
de Nove. — Nove, hã... acho que Nove estava certo da maneira como ele lidou
com isso.
Minha mão está na nunca de Cinco. Posso sentir sua pulsação ficando mais
lenta. Eu o estabilizo, mas não vai durar muito. Ele está enfraquecendo. Não
tenho certeza se vai funcionar se eu tentar usar minha telecinesia ao mesmo
tempo em que uso meu Legado de cura.
— Ele está morrendo, Sam.
— Eu sei.
— Isso já foi longe demais — eu digo. — Nós não vamos matar uns aos
outros, não mais. Ajude-me a salvá-lo Sam.
— Não — Sam responde balançando sua cabeça. — Ele é muito... olha, eu
não vou impedi-lo. Sei que eu não conseguiria mesmo se tentasse. Mas também
não vou ajuda-lo. Eu não vou ajudar a ele.
— Que merda! Eu ajudo — Daniela diz, empurrando Sam e se ajoelhando
no chão próximo a mim.
Encaro Sam por mais um segundo. Entendo o motivo de ele se recusar a
ajudar, realmente entendo. Tenho certeza que Nove não estaria vibrando com
meu auxilio se ele estivesse consciente. Mas mesmo assim, estou desapontado.
Volto minha atenção para Daniela. Ela está encarando o estado de Cinco,
como se fosse a coisa mais louca que já viu. Ela estica uma das mãos na direção
onde o metal desapareceu no peito de Cinco, mas não consegue se convencer
de tocá-lo.
— Por quê? — pergunto para ela. — Você não conhece Cinco e o que ele
fez. Por que você...?
Daniela me corta com um encolher de ombros.
— Porque você pediu. Vamos fazer isso ou não?
— Vamos sim — concordo, ajeitando minhas mãos nos dois lados da ferida
de Cinco. — Empurre. Gentilmente. Vou curá-lo enquanto isso.
Daniela estreita os olhos para o pedaço de metal, suas mãos pairando a
alguns centímetros do peito de Cinco. Eu me pergunto se ela tem controle sobre
isso. Se ela exercer muita força telecinética, poderia acabar arrancando o poste
de metal para fora de Cinco e eu não sei se conseguiria curar suas entranhas
machucadas rápido o suficiente.
Nós temos que ir devagar e constantemente, ou arriscamos que Cinco
sangre até a morte.
Devagar, Daniela começa a empurrar o metal. A respiração de Cinco
acelera quando ela faz o processo, e ele começa a se torcer, no entanto seus
olhos permanecem fechados. Ela mantém o foco e tem um controle melhor do
161
que imaginei. Pressiono minhas mãos no peito de Cinco, uma de cada lado do
ferimento, e deixo minha energia de cura fluir dentro dele.
— Que nojo, que nojo, que nojo — Daniela murmura enquanto respira.
Continuo enviando minha energia para dentro de Cinco, sentindo suas
lesões sendo emendadas, mas também sentindo meu Legado sendo contrariado
pelo metal ainda dentro de seu corpo. Isso até eu ouvir um baque molhado no
chão e perceber que Daniela conseguiu empurrar o poste para fora dele. Assim
que isso acontece, eu amplifico meu poder, curando seu pulmão e sua coluna.
Quando acabo, Cinco respira mais facilmente. Ele ainda está inconsciente,
e pela primeira vez que posso me lembrar, ele parece quase sereno.
Graças a mim ele vai sobreviver. Agora que o momento passou, eu não
tenho certeza de como me sinto sobre isso.
— Droga cara — Daniela diz. — Nós devíamos ser cirurgiões ou algo assim.
— Espero que a gente não se arrependa disso — Sam diz em voz baixa.
— A gente não vai se arrepender — eu digo, olhando para Sam. — Eu fiz
isso. Ele é minha responsabilidade agora.
Com isso em mente, e considerando que ele ainda está desmaiado,
rapidamente retiro a braçadeira com a lâmina do antebraço de Cinco e a lanço
na grama aos pés de Sam. Ele pega e cuidadosamente examina o mecanismo, e
então aperta o botão para retrair a lâmina. Ele enfia a arma no bolso de trás de
seu jeans.
Eu me lembro que mesmo sem sua lâmina, Cinco não está totalmente
desarmado. Abro suas duas mãos procurando pela bola de borracha e pela
esfera de metal que ele carrega para acionar seu Externa. Ele não as está
segurando, então começo a revistá-lo. Quando elas não aparecem em seus
bolsos, sei que só há um lugar onde elas possam estar.
Encolhendo-me, retiro a gaze amarela que cobre o olho ruim de Cinco.
Encravadas na cavidade vazia estão a esfera brilhante e sua parceira de
borracha. Não parece confortável ter essas duas coisas dentro da sua cabeça.
Essa é a vida que eu salvei – um cara que vê perder um olho como uma
oportunidade para mais um armazenamento eficiente. Uso minha telecinesia
para colher as duas esferas da cavidade do olho de Cinco e colocá-las na grama.
Ele geme, mas não acorda.
— Isso é desagradável — Daniela diz.
— Não brinca — respondo. Olho para a Agente Walker. Ela tem observado
toda a cena em silêncio. Sei que ela provavelmente está do lado do Sam e pensa
que eu deveria ter deixado Cinco morrer. É por isso que sei que fiz a coisa certa.
— Me traga alguma coisa para eu amarrá-lo — peço para Walker.
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Tendo acabado de me ver retirar os tesouros da cavidade do olho de
Cinco, demora um momento para Walker reagir à minha solicitação. Ela leva a
mão para trás dela, destrava suas algemas e as joga para mim. Eu as pego e
imediatamente lanço-as de volta.
— Você sabe que é uma ideia terrível, certo? Ele se transforma em
qualquer coisa que toque, Walker. Consiga-me uma corda ou algo assim.
— Eu sou uma agente do FBI, John. Não carrego cordas por aí.
— Verifique o barco — eu digo, balançando minha cabeça.
Irritada por eu estar dando ordens a ela em frente dos outros agentes,
Walker manda o Agente Murray checar se há alguma corda na lancha da
guarda-costeira.
— Você é sensível, Johnny.
Eu me viro para ver Nove recuperando a consciência. Ele está se
levantando, com seu antebraço apoiado em seus joelhos, a cabeça curvada um
pouco como se ainda a estivesse incomodando. Ele olha de mim para Cinco e de
volta, balançando sua cabeça.
— Você sabe o quão difícil foi enfiar esse poste nele? — Nove suspira.
Eu caminho e me agacho na frente dele.
— Você está bravo?
Nove dá de ombros, parecendo estranhamente zen.
— Tanto faz, cara. Eu mato ele de novo depois.
— Eu realmente preferiria que você não fizesse isso.
Nove revira seus olhos.
— Claro, claro. Tudo bem, cara. Entendi que você é contra a pena de
morte e toda essa bosta. Pelo menos ele implorou para você salvar a vida dele?
Eu teria gostado de ver isso.
— Ele não implorou — eu digo a Nove.
— Na verdade, acho que ele queria morrer.
— Doente — Nove responde.
— Eu não quis dar a ele o que ele queria.
— Uh-huh. Sei que normalmente nós perdemos quando os caras maus
consegue o que querem, John. Mas, mano, acho que essa tinha sido uma vitória.
— Eu discordo.
Nove revira seus olhos, então olha em direção de Cinco.
— Nós nunca poderemos confiar nele. Você sabe disso, certo?
— Eu sei.
— E se chegar a esse ponto, não vou hesitar em fazer de novo. Você não
vai conseguir me impedir.
163
— Você ainda vai estar com uma concussão — observo com um sorriso,
desviando o mau-humor. Gesticulo para seu peito e seus braços, ainda cobertos
de arranhões e queimaduras, e sua mão quebrada. — Você quer que eu termine
de curar isso?
Nove assente.
— A menos que você só trabalhe com assassinos agora — ele responde.
Enquanto curo Nove, Daniela se aproxima e se apresenta. Ela recebe
aquele sorriso usual do grande idiota. Nós o atualizamos rapidamente com tudo
que aconteceu enquanto ele estava brigando do outro lado da cidade com
Cinco. Quando termino, Nove se vira para olhar para a água à para a cidade em
chamas e além dela.
— Nós devíamos ter feito mais — ele diz em voz baixa, balançando seus
braços e suas pernas, esticando seus músculos. — Nós devíamos ter pego ele
quando tivemos a chance.
— Eu sei —respondo. — Isso é tudo em que tenho pensado.
— Nós teremos mais chances — Nove diz, e então bate suas mãos e se vira
para a Agente Walker. — Então, você vai nos levar para o México ou o que,
senhora?
Walker levanta uma sobrancelha para Nove. Então, Agente Murray
retorna, com os braços cheios de cordas grossas que deve ter pego no barco. Ele
passa a corda para as minhas mãos e eu amarro o ainda inconsciente Cinco,
prendendo seus pulsos e seus tornozelos o mais forte possível. Vislumbro suas
cicatrizes. Tão parecida com as minhas, nos identificando como parte do mesmo
povo extinto. Como Cinco chegou a este ponto? E o que aconteceu depois?
— O que nós vamos fazer com ele? — Sam pergunta, lendo minha mente.
— Prisão — respondo. Apenas percebendo que é isso que eu quero no
momento que eu digo. — Só porque salvei a vida dele, não significa que não
haverá justiça. Nós precisamos de uma sala almofadada para ele, onde ele não
possa tocar nada remotamente duro.
— Isso pode ser arranjado — Walker diz.
Ela faz essa oferta rapidamente. Isso me faz pensar se ela e o governo já
prepararam lugares como esse para nós, prisões capazes de nos segurar, nos
impedindo de usar nossos Legados. Talvez isso fosse algo em que o ProMog
estivesse trabalhando.
— Arranje isso depois de descobrir como nos levar até o México — digo
para ela. — Nós não vamos mais esperar, Walker.
— O que isso significa?
164
— Isso significa que se o presidente ou os generais ou quem diabos estiver
no comando lá não nos colocar em um jato nos próximos dez minutos, nós
vamos simplesmente pegar um.
Walker bufa para isso.
— Vocês não sabem pilotar um jato.
— Aposto que alguém vai se voluntariar quando eu começar a esmurrar
caras — Nove diz, dando um passo à frente para cobrir minha jogada.
Agente Murray retira o rádio de seu cinto e oferece para Walker.
— Apenas faça a ligação, Karen — ele suspira.
Walker dá um olhar gelado para Murray e pega seu próprio telefone via
satélite e caminha alguns passos para longe de nós. Apesar de nossa história,
estou convencido de que Walker realmente quer nos ajudar. É o resto do
governo que não está convencido que de nós somos uma boa aposta para
vencer esta guerra. Ela está fazendo tudo o que pode com relação a isso. Porém,
nossa janela para ser de alguma ajuda para Seis, Sarah e os outros está ficando
cada vez mais fechada. Não posso mais ficar aqui esperando que essas pessoas
nos ajudem com a nossa luta.
Nós vamos salvá-los, eles queiram ou não. Isso é tudo.
— Vocês não vão realmente atacar o exército agora, vão? — Daniela
pergunta, mantendo sua voz baixa para que os agentes não possam ouvir.
— Droga, eu mal consigo me levantar — Nove responde em voz baixa.
— Ainda assim, nós precisamos chegar lá — Sam diz, e eu sei que ele está
pensando em Seis tanto quanto estou pensando em Sarah. — Se ela não nos
ajudar, o que nós vamos fazer?
Nove olha para mim.
— Você realmente vai continuar com isso, não vai?
— Sim. Se eles não nos ajudarem, nós os obrigaremos.
Daniela assobia pelos dentes.
— Isso é intenso, cara.
Olho para Walker. Ela está mantendo sua voz baixa, mas está fazendo
vários gestos empáticos com as mãos.
— Ela sabe o que está em jogo. Walker vai proceder com isso.
Enquanto digo isso, pego meu telefone via satélite. Eu deveria ligar para
Sarah e Seis, ver onde elas estão e garantir que elas não vão tentar lidar com
Setrákus Ra sozinhas.
Antes que eu aperte o botão de discar, há um som estranho e alto vindo
da água. Nós todos viramos em direção bem a tempo de ver um grande cilindro
voar para fora do rio. O cilindro voa alto no ar, jatos de água sendo atirados
enquanto gira em direção das docas próximas. A coisa é grande – grande o
165
suficiente que, quando aterrissa, com um rangido de metal amassando, tijolos
explodem com o impacto. Vejo o capitão de nossa lancha mergulhando na água
para evitar os destroços voando.
Este é o submarino que nós vimos no porto mais cedo.
— O quê... como isso é possível? — Sam exclama.
Alguma coisa jogou o submarino para fora da água.
Nós corremos em direção às docas para buscar por sobreviventes, no
entanto, não parece nada bom. A metade de trás do submarino está amassada
como uma lata de alumínio esmagada e há trincheiras irregulares arranhadas no
lado dos painéis. Nós podemos ver através das paredes enquanto nos
aproximamos – ele definitivamente está inundado. Fios soltos dos sistemas
elétricos fritos cospem faíscas quando nos aproximamos.
— Cuidado — eu digo. — Não se aproximem muito.
— O que diabos poderia ter feito isso? — Nove pergunta, suas mãos
abraçadas em seus joelhos enquanto ele respira.
Como que em resposta, o capitão do nosso barco grita. Em um minuto ele
está de pé na água, esperando que lhe digamos que está tudo limpo, e no
próximo há uma sombra negra crescendo abaixo dele. Ele é sugado sob as
ondas com um grito agudo e engolido inteiramente pela besta que sobe
lentamente das profundezas do rio Hudson.
Nós todos damos um passo para trás, um depois outro. Dois dos agentes
correm na direção oposta, horrorizados pelo tamanho da criatura diante de nós.
A água flui para fora da pele do monstro, que é translúcida a ponto de
podermos ver o sangue preto sendo bombeado entre suas veias fortemente
marcadas. Ele não tem pelos, não tem pescoço e é corcunda. Presas curvadas se
projetam a partir de sua mandíbula inferior e torna impossível para a coisa
fechar completamente a boca. Um fluxo constante de baba amarelada é
derramado. Brânquias do tamanho de hélices de helicóptero têm espasmos
enquanto o monstro tem o seu primeiro sopro de ar. Ele está de quatro, as
patas traseiras inclinadas, as dianteiras mais parecendo braços grossos de
gorila, e é quase tão alto quanto a Estátua da Liberdade.
A atitude de garota durona deixa Daniela rapidamente. Ela grita e Nove
tem que tapar sua boca com a suas mãos. Eu não a culpo. O monstro é terrível,
e lutei com muitas criaturas dos mogadorianas antes.
— Droga — Sam sussurra. — É uma droga de tarrasque.
Minha cabeça se vira para Sam, desacreditando.
— Você já viu um desses antes?
— Não, eu... eu... — ele gagueja. — É um monstro de um jogo.
— Nerd — Nove murmura.
166
Daniela tira as mãos de Nove de sua boca, recompondo-se o suficiente
para me encarar.
— Você não me disse que eles tinham uma... uma droga de mogassauro!!
Deve ter sido isso que Setrákus Ra jogou na água quando a Anubis foi
embora nessa manhã. Um último presente para a dizimada cidade de Nova
York. Um lembrete para a presença militar de quem realmente está no
comando. Acendo meu Lúmen em minhas mãos. Terei que gerar muito fogo se
quiser fazer alguma marca nessa besta.
— Eu sei que você consegue ver essa coisa! — Walker grita em seu
telefone, provavelmente estourando o tímpano daquele que estava tendo uma
conversa silenciosa com ela minutos atrás. — Suporte aéreo! Tragam-me a
porcaria de um suporte aéreo!
O mogassauro inclina sua cara plana em direção do céu. As membranas
viscosas que considero serem narinas começam a se contorcer. Então ele abre
seus olhos, cada um branco e leitoso, dispostos em um padrão de diamante na
testa ampla da besta. É difícil distinguir a esta distância, mas eu poderia jurar
que vi um vislumbre de azul cobalto dentro deles. No centro de cada olho, onde
a pupila estaria, posso definitivamente ver uma onda de energia azulada
queimando na criatura.
A cor, a energia. Isso me lembra dos pingentes. Poderia isso ser resultado
do que Setrákus Ra fazia quando eu o avistei dentro da Anubis? Mas o que isso
significa? Além de ser tão grande quanto um prédio, o que esse monstro pode
fazer que os outros que enfrentamos não? Os pingentes roubados estão dando
mais energia para ele de alguma forma? Ou estão fazendo algo totalmente
diferente?
Ainda de pé ao largo da costa, o mogassauro balança sua cabeça e olha
diretamente para nós.
— Merda — Nove diz, dando um passo para trás. — Ele está vindo na
nossa direção?
— Agora! — Walker grita no telefone, recuando também. — É uma
porcaria de um gigante!
— Acho que ele pode nos sentir — eu digo. — Penso que Setrákus Ra
deixou isto aqui para nos caçar.
— Tudo bem — Daniela responde. — Eu tenho que ir.
Como em resposta, o mogassauro solta um rugido em nossa direção,
pulverizando névoa do rio com seu hálito de peixe podre em cima de nós.
Então, ele levanta um dos braços dianteiros para fora da lama do rio e o
deixa cair nas docas. Vigas de madeira explodem em estilhaços e as passarelas
167
de concreto se afundam, dois dos barcos são empurrados debaixo d'água como
brinquedos.
Está vindo para cá.
Lanço uma bola de fogo no mogassauro. Rapidamente, percebo que é
pequena demais para fazer qualquer dano. A bola de fogo chia e deixa uma
marca de queimadura na pele do monstro, mas ele nem percebe.
— Corram! — eu grito. — Espalhem-se! Usem a estátua como cobertura.
Nove, Daniela, Walker e Murray, todos correm de volta na direção da
grama e da estátua. Mas Sam fica parado no lugar, mesmo quando o
mogassauro dá outro passo estrondoso em nossa direção.
— Sam! Vamos lá! — eu grito, agarrando-o pelo braço.
— John? Você sente isso?
Fico olhando para Sam. Seus olhos estão diferentes, preenchidos com uma
crepitante energia. Eles parecem quase como duas TVs fora de sintonia, exceto
que a luz dos olhos de Sam é brilhantemente azul.
— Sam? Que diab...?
Antes que eu consiga terminar minha pergunta, Sam tem espasmos e
desmaia. Dou um jeito de pegá-lo, e tento arrastá-lo para trás.
Daniela e Nove veem isso acontecer e param no meio do caminho.
— Johnny, o que há de errado com ele? — Nove grita.
— Pegue-o e corra! — Daniela adiciona.
Bum! Outra explosão atrás de nós. O mogassauro tirou todos seus
membros para fora da água, praticamente esmagando a doca inteira abaixo
dele. O submarino está preso como um espinho na palma da sua pata da frente,
e a besta é temporariamente distraída, se balançando para soltá-lo. Eu não sei o
há de errado com Sam, mas não acho que o animal gigantesco atrás de nós seja
a causa. Sua aflição é algo totalmente diferente.
— Ele desmaiou! — grito para nove. — Ele...
Sou cortado quando Daniela e Nove começam a ter espasmos, seus olhos
se enchendo com a mesma luz azul. Eles caem no chão ao mesmo tempo, em
colapso, um em cima do outro.
— Não!
Então acontece comigo.
Um tentáculo de uma vívida luz azul sobe do chão na minha frente.
Por alguma razão, não estou com medo. É quase como se eu reconhecesse
esta estranha formação de energia. Posso sentir que ela corre por dentro da
terra, e também posso sentir que, se a Agente Walker ou o mogassauro ou
alguém sem Legados olhar para onde estou olhando agora, eles não veriam
nada, além do espaço vazio. Isto é só para mim.
168
Essa é minha conexão. Minha conexão com Lorien.
Mais rápido do que meus olhos podem acompanhar, o tentáculo de luz se
atrela à minha testa. Agora, tenho certeza que meus olhos estão mostrando
energia elétrica azul como os outros fizeram antes de desmaiar.
Sinto isso acontecer. Eu estou deixando meu corpo.
Eu reconheço essa sensação. É exatamente igual quando Ella me coloca
em suas visões.
— Ella? — chamo, no entanto tenho certeza de que essas palavras não
saíram de minha boca. Tenho certeza de que meu corpo ainda está nas docas,
não tão longe do maior monstro que já vi em toda minha vida.
Oi John, Ella responde dentro de minha cabeça. Quando ela responde,
posso ouvi-la dizer outras palavras também, como se ela estivesse mantendo
cem conversas ao mesmo tempo.
Eu não penso em perguntar como isso aconteceu. Era para Ella estar a
milhares de quilômetros de distância com Setrákus Ra ou, esperançosamente,
no processo de ser resgatada por Seis. Ela não é assim tão poderosa. Seus
poderes não funcionam desta maneira. Mas eu não penso em nada disso. Estou
mais focado em meu corpo físico, sem mencionar Nove, Sam e Daniela.
Qualquer coisa que Ella esteja fazendo conosco, ela não poderia ter escolhido
um momento pior.
— O que diabos está acontecendo? Você vai acabar nos matando!
A qualquer momento, espero escutar a trituração dos meus ossos quando
o mogassauro pisar em mim. Isso não acontece. Em vez disso, formas começam
a se formar na frente dos meus olhos obscuros, formas indistintas, como um
projetor de filme que está fora de foco.
Não se preocupe, diz Ella, e novamente há aquele eco de outras vozes. Só
vai levar um segundo.
169
Capítulo dezoito
HÁ QUANTO TEMPO ESTOU NOCAUTEADA? NÃO PODE FAZER MAIS DE DOIS
minutos até eu ser acordada por alfinetadas geladas ao longo da lateral do
meu rosto. É Marina, usando seu Legado de cura em mim.
Minha cabeça está em seu colo. Recebo uma estranha sensação em meu
cabelo quando o couro cabeludo de lá cresce novamente, o corte que ganhei
graças à pedra rapidamente sendo curado.
Marina tem a outra mão sobre minha boca, e acho que é para o caso de
eu acordar gritando. Arregalo meus olhos para ela para mostrar-lhe que estou
de volta e ela retira sua mão. Seu rosto está coberto com poeira chamuscada
vindas do templo recém-explodido. Há lágrimas escorrendo através das
bochechas de Marina.
— Ele o destruiu, Seis — ela sussurra. — Ele destruiu tudo.
Eu me sento para avaliar nossa situação. Ainda estamos na extremidade
da floresta, escondidos atrás do tronco caído da árvore, agora com um monte
de pedaços desalojados de calcário. Há lacunas entre as árvores acima de
nós, feitas pelos pedaços destruídos de pedra do Santuário. Por sorte,
ninguém mais parece estar ferido, ou Marina já terminou de curá-los.
Marina fica perto de mim enquanto eu me arrasto para frente em
direção aos outros. Mark e Adam estão de bruços, lado a lado, exatamente à
direita do cachorro caído. Eles estão com seus canhões apontados e usam um
bloco de calcário para cobertura. Percebo que há manchas de sangue seco na
camisa de Mark e me lembro que ele retirou um pedaço de estilhaço do seu
peito logo antes de eu ser nocauteada.
Toco seu braço.
— Você está bem?
Ele lança um olhar de agradecimento à Marina.
— Estou bem. Embora eu realmente não queira criar o hábito de fazer
aquilo. E você?
— Idem.
Sarah está à direita de BK, espiando por trás dele. Phiri Dun-Ra foi
arrastada para perto dela. Ela não foi atingida por nenhum dos destroços que
caíram em nossa área, o que realmente parece injusto. A mogadoriana ainda
está inconsciente ou, mais provavelmente, se fingindo de morta. Tenho
certeza de conferir suas amarras antes de deslizar para perto de Sarah. Ela
me olha – imóvel, com um olhar furtivo. Me lembra muito a expressão de
170
coragem de John, para falar a verdade. Aquela onde ele está se borrando,
mas quer continuar a lutar de qualquer jeito.
— O que nós vamos fazer, Seis? — Sarah pergunta.
— Ficar à distância de um braço de mim para o caso de precisarmos ficar
invisíveis novamente — eu digo, não apenas para Sarah, mas para todos. —
Ainda temos um plano.
Mark bufa com isso, e suas mãos tremem um pouco sobre o cano da
arma. O detonador dos nossos explosivos jaz no chão próximo a ele.
— Não há mais Santuário para protegermos — Marina diz
desoladamente.
— Nós ainda podemos pegar a Anubis — respondo. — E ainda temos
que resgatar Ella.
— Cara, eu não vejo droga nenhuma daqui de trás — Mark adiciona.
Eu me torno invisível para poder espiar por trás da nossa cobertura sem
correr o risco de ser vista. Tenho uma visão melhor do campo do que Mark e
Adam podem ver lá atrás. A poeira levantada pelo ataque da Anubis ainda
está se estabilizando na clareira, entre isso e o pôr-do-sol, a área inteira está
embaçada num tom dourado.
Três pequenas nuvens de fumaça escura ondulam pelo ar – vindas dos
Skimmers-bombas que foram explodidos quando a Anubis descarregou sua
fúria. Entretanto, embora alguns deles estejam virados de ponta cabeça e
outros arremessados para longe, ainda vejo vários de nossos Skimmers
prontos para serem explodidos.
Então talvez sejamos capazes de salvar uma de nossas armadilhas
contra os mogadorianos. Mas o buraco em que nos empenhamos tanto para
cavar já era. Ou, mais exatamente, se transformou em um buraco maior
ainda.
O terreno onde o Santuário se ergueu por séculos é agora uma cratera
fumegante. Tem mais ou menos sessenta metros de profundidade, com
pedaços insistentes de pedra ainda enraizados no chão, e apenas agora os
pequenos incêndios causados pelo tiro do canhão da Anubis estão
desaparecendo na terra chamuscada. Aquele campo de força estava
posicionado tão precisamente que algo como isso nunca iria acontecer. Nós
conseguimos entrar no Santuário e esse é o resultado.
Destruição total.
A menos que...
Ainda invisível, subo no tronco quebrado para que eu possa ver a
cratera de um ângulo melhor. Sarah hesita pelo barulho que faço e aponta
seu canhão em minha direção.
171
— Relaxa, sou eu — sussurro rapidamente. — Estou tentando ter uma
visão melhor de alguma coisa.
— O que você vê? — Marina pergunta.
Vejo um brilho azul-dourado emanar bem do centro da cratera. Vejo a
superfície das pedras do poço onde nós jogamos nossas heranças, o lugar de
onde a Entidade surgiu.
Desço do tronco e me torno visível novamente. Quero que Marina veja a
esperança no meu rosto, porque ela é bem real.
— O poço ainda está lá — eu digo a ela. — Ele não o explodiu, ou quem
sabe não conseguiu. A Entidade está bem.
— Sério? — Marina responde, passando suas mãos pelo rosto.
— Sério. Ainda temos um deus extraterrestre para proteger.
— Essa coisa deveria estar nos protegendo — Mark resmunga.
— E se, por acaso, ele não estivesse tentando explodi-lo? — Sarah
pergunta. — Se o objetivo dele, afinal, fosse tipo, capturar a Entidade? E se
ele tivesse que tirar o templo do caminho para isso?
— Merda — eu digo, porque essa teoria faz muito sentido.
— Eles estão descendo — Adam sibila.
A Anubis lentamente se move para baixo. Mesmo com o templo
destruído, a nave de guerra massiva ainda é grande demais para pousar na
clareira. Mesmo assim, a nave de guerra flutua até ficar bem acima do centro
da cratera.
Engrenagens rangem quando duas extensas portas de metal se
estendem para fora, com portas duplas se abrindo nos topos. De lá, vários
mogadorianos começam a sair da nave. Eles parecem ser os soldados comuns
nascidos artificialmente, todos vestidos em uma armadura preta e
carregando armas.
Os mogs deixam a nave com uma velocidade eficiente e começam a
assegurar a área. Estamos em desvantagem numérica de pelo menos dez
para um, e não vai demorar muito até que eles descubram nossa posição ou
encontrem as bombas que anexamos aos Skimmers.
—Temos que atacar agora! — sussurro para os outros. Eu me movo e
alcanço Adam. — Vamos ficar invisíveis e cercá-los. Vocês detonam as
bombas para distraí-los. Marina, ainda há alguma arma que montamos em
posição?
Marina estreita os olhos em concentração, então assente.
— Algumas. Eu vou fazê-las funcionar.
172
Mark deixa de lado seu canhão e pega o detonador, armando os
explosivos. Três quartos das luzes não acendem, indicando que nós
perdemos essas bombas durante o ataque da Anubis.
— Armadas — Mark diz.
— Lembrem-se, se a coisa ficar feia, corram para a nave de Lexa — eu os
recordo.
Adam, saindo de trás do tronco quebrado, estala seus dedos para
chamar nossa atenção.
— Lá — ele diz, sombriamente. — Lá estão os dois.
Setrákus Ra entra no campo de visão, no topo da rampa. Ele está tão
intimidante quanto eu me lembro – quase quatro metros de altura, pálido,
com aquela cicatriz roxa e grossa no pescoço que é visível mesmo a esta
distância. Está vestido em algum tipo de armadura mogadoriana
extravagante, feita com a mesma liga obsidiana de seus soldados, com
exceção de dois acessórios pontudos que ele anexou à armadura na parte
dos ombros, que prendem uma longa capa de couro que se arrasta pelo chão
enquanto ele caminha. Cada parte dele parece fazer jus ao vilão intergaláctico
que é, e ele parece estar saboreando isso.
Ele está de mãos dadas com Ella, seus pequenos dedos entrelaçados
gentilmente pelos dedos blindados dele. Marina suspira quando a vê.
Eu não tenho certeza se a reconheceria se ela não estivesse gritando em
minha cabeça há apenas alguns minutos. Ela parece menor e mais magra,
como se a vida tivesse sido sugada para fora dela. Não, isso não está nada
certo. Percebo que ela não parece necessariamente doente.
Ela parece mogadoriana.
Os olhos de Ella estão vazios e sua cabeça pende, fazendo com que seu
queixo encoste em seu peito. Ela não parece nem mesmo ciente do que está
acontecendo ao seu redor. Seus movimentos são robóticos e atordoados. Ela
segue Setrákus Ra através da rampa com total submissão.
Os mogs que estão vasculhando a área param de fazer o que estão
fazendo para observar seu ditador e sua herdeira descerem da Anubis, todos
eles fazendo uma saudação com a mão no peito.
Setrákus Ra para na metade do caminho. Ele olha para a mata ao redor,
procurando por nós.
— Eu sei que vocês estão aí! — Setrákus Ra grita, sua voz se espalhando
através da mata. — Estou orgulhoso! Quero que vocês vejam o que vai
acontecer agora! — Setrákus Ra berra sobre o ombro, em direção à Anubis.
— Abaixem-no!
173
Em resposta a seu comando, um alçapão se abre na parte de baixo da
nave de guerra. Lentamente, uma larga peça telescópica sai da Anubis. É
como um cano com escoras de apoio e andaimes construídos em torno dele.
As laterais do tubo estão cobertas com circuitos complicados e medidores.
Há mais do que apenas tecnologia mogadoriana no dispositivo de Setrákus
Ra, que desce lentamente.
Gravado nas laterais metálicas entre todos os componentes eletrônicos,
há gravuras estranhas que me fazem lembrar dos símbolos marcados em
nossos tornozelos. Porém, não posso ter cem por cento de certeza sobre
isso, mas parece que essas gravuras foram feitas em loralite. O que quer que
este dispositivo seja, parece ser mais um híbrido lórico-mogadoriano como
Setrákus Ra.
— Eu não gosto da aparência daquilo — murmuro.
— Nem eu — Sarah responde.
— Nós deveríamos explodi-la — Mark sugere.
— Qualquer que seja a intenção dele com aquele aparelho, nós não
podemos permitir — Marina concorda.
— Tudo bem. Então vamos destruir o brinquedo dele, resgatar Ella e
então ou pegar a Anubis ou voltar para Lexa — eu digo.
— Você faz com que pareça tão fácil — Adam observa.
Mesmo não podendo nos ver, Setrákus Ra ainda está fazendo seu
discurso retórico.
— Por séculos, trabalhei para atrelar o poder de Lorien, para utilizá-lo de
maneiras mais eficientes do que da intenção da natureza. Agora, finalmente...
Blá, blá, blá. Rapidamente, meço a distância entre Ella e o Skimmer-
bomba ativado mais próximo. Bem longe. Não acho que ela estará dentro do
raio da explosão. Enquanto Setrákus Ra continua, olho para os outros.
— Eu já ouvi o suficiente. E quanto a vocês?
Todos assentem. Eles estão prontos.
— Fiquem abaixados — falo, relembrando de como Mark foi atingido
facilmente há alguns minutos.
Todos se protegem. É agora.
— Ative — eu digo para Mark.
Com os dedos voando sobre o controle, Mark aperta os botões
detonadores.
Como presumido, alguns dos Skimmers que ligamos aos explosivos
foram desconectados quando a Anubis bombardeou o Santuário. E também,
outros haviam sido explodidos com o impacto. Então não tivemos a explosão
174
gigante que teríamos se todos os nossos Skimmers-bombas tivessem sido
explodidos ao mesmo tempo, como planejado ordinariamente.
Mas ainda assim é loucamente eficiente.
Os mogs estão ocupados demais prestando atenção respeitosamente
ao último discurso pomposo estúpido de Setrákus Ra para perceber o que
está acontecendo. Cinco Skimmers espalhados ao redor da cratera explodem
em nuvens brancas de fogo. Posso sentir o calor daqui e tenho que proteger
meus olhos. Pelo menos trinta mogs são desintegrados imediatamente, seus
corpos completamente engolidos pelas chamas. Mais deles morrem quando
as partes dos Skimmers começam a voar para todas as direções. Observo um
soldado ser cortado ao meio quando uma parte do para-brisa de uma das
naves o atravessa verticalmente e outro sendo esmagado por uma coluna em
chamas.
A melhor parte é o pânico. Os mogs não sabem o que os atingiu, então
começam a atirar em direção às naves explodidas, incertos de onde a
verdadeira ameaça está se escondendo. Pelo menos mais alguns morrem
com tiros vindos dos outros soldados. E então Marina e eu usamos nossa
telecinesia para ativar alguns dos canhões que escondemos na selva,
confundindo os mogs ainda mais.
Uma roda retorcida atinge a rampa bem à frente de Setrákus Ra e Ella.
Talvez tenha sido uma atitude um pouco imprudente explodir aquelas
naves – acho que Setrákus Ra teve que parar aquela roda com sua telecinesia
para que ela não os acertasse. Porém, é bom saber que ele não quer vê-la
machucada tanto quanto nós.
Eu sorrio. Setrákus Ra realmente parece surpreso com o nosso contra-
ataque.
Seu discurso arruinado, o líder mogadoriano rapidamente anda até o fim
da rampa, arrastando Ella com ele.
— Encontrem-nos! — ele grita enquanto começa a descer pelas bordas
inclinadas da cratera, em direção ao poço. — Matem-nos!
— Vamos agora! — grito, não muito alto para não entregar nossa
posição graças aos sons explosivos vindos dos Skimmers recém-explodidos,
mas o suficiente para que todos os meus aliados ouçam.
Agora é a hora de agir ou morrer.
Agarro a mão de Adam e nos tornamos invisíveis. Eu lidero, nos levando
fazendo um arco largo ao redor dos mogs que eventualmente nos levará para
perto da cratera e do aparelho de Setrákus Ra. Marina continua com a
distração, usando as armas escondidas em diferentes localidades para
manter os mogs confusos. Memorizei os locais onde escondemos as armas,
175
então sou capaz de evitar o tiro cruzado. Pelo menos, consigo evitar por mais
ou menos vinte metros. Então, o azar me atinge. Um dos mogs, de costas
para as explosões dos Skimmers, tropeça em nossa direção, atirando
descontroladamente. Mergulho para desviar dos tiros, e Adam também.
Mas fazemos isso em direções opostas.
Simplesmente assim, Adam aparece novamente no mundo visível.
— Merda — ele diz, pegando seu próprio canhão e atingindo o mog
mais próximo.
— Ali! — grita um dos outros soldados.
Suficiente para o estilo-guerrilha.
Vendo Adam em perigo, Bernie Kosar é o primeiro a se atirar na batalha.
Em um segundo ele é um tucano, voando inocentemente em direção ao
grupo mais próximo de mogs, e em um piscar de olhos ele se transforma em
um leão enorme, cortando e abrindo caminho em meio aos inimigos.
Muito dos mogadorianos ainda estão confusos com a explosão e não
perceberam Adam ainda, então Bernie Kosar acaba facilmente com eles.
Ele está mais rápido e mais feroz do que da última vez que o vi lutar,
com mais raiva, talvez, e me lembro de que ele quase morreu em Chicago.
Sempre que um dos mogs consegue tê-lo na mira, BK se transforma em um
animal menor – como um inseto ou um pássaro – fazendo-se ser um alvo
impossível. Então, quando ele está em uma posição favorável para matar,
Bernie Kosar se transforma de volta na sua forma de predador. As transições
são perfeitas, é quase lindo.
Nosso Chimæra de estimação ficou realmente muito bom em matar
mogadorianos. E nós também.
Um par de mogs à esquerda consegue se reunir o suficiente para atingir
Adam. Eles são rapidamente desintegrados por um tiro vindo de nosso
grupo. Esses devem ser Sarah e Mark, e eles não param de atirar mesmo
depois desses dois primeiros virarem cinzas. Há muitos soldados na terra
deserta do que costumava ser nossa pista de pouso. Tudo agora é um espaço
vazio e sem cobertura. Vejo Sarah matar rapidamente dois soldados com
sucesso.
Marina sai correndo da floresta em direção a Adam, e então eles se
juntam à briga. Alguns dos mogs estão tentando se recompor e se reagrupar,
mas outros os veem chegando. Eles se agrupam e miram.
Rapidamente o ar se enche com sons de tiros vindos de todas as
direções. A média é de mais ou menos vinte pra um.
Nada mau.
176
Adam lidera, saltando para frente com grandes passos, cada pisada no
chão emanando ondas sísmicas que ondulam sob os pés dos mogadorianos.
Quando o chão treme, fica quase impossível para os mogs manterem uma
mira certa. Alguns deles acabam se trombando com outros, tiros
ziguezagueando em todas as direções. Uma onda sísmica em particular
resulta em um barulho alto quando o chão se divide em dois, com meia dúzia
de mogs caindo dentro da nova cratera.
Acho que conseguimos nosso buraco, afinal de contas.
Marina está mais devagar, porém igualmente mortal. Ela segue em
direção dos mogadorianos com ambas mãos abertas para os lados em forma
de concha. Esferas afiadas de gelo se formam em sua mão, e quando eles
crescem até o tamanho de uma bola de baseball, Marina os lança com sua
telecinesia em direção aos mogs. Gritando e perdendo o equilíbrio graças à
uma das ondas sísmicas de Adam, um dos mogs segue na direção de Marina
com um punhal.
Ela mal olha para ele enquanto levanta suas mãos em um gesto de pare,
congelando-o no rapidamente. Ela abre caminho entre os mogs, cortando-os
com gelo, seguindo na direção da cratera e de Setrákus Ra.
Do outro lado do campo de batalha, Setrákus Ra conseguiu chegar no
fundo da cratera e no poço lórico. Ella está de pé ao lado, indiferente e
parecendo um zumbi, sua cabeça pendendo de um lado para o outro. Ela
observa enquanto Setrákus Ra manuseia o instrumento sinistro que está
atracado à Anubis. Ele posiciona o cilindro para que fique a apenas alguns
metros acima do poço.
Então, Setrákus dá alguns passos para trás e levanta suas mãos como
um maestro, manuseando telepaticamente os botões complicados e
mostradores embutidos nos lados do tubo. Com um zumbido, consigo ouvir
daqui que a coisa está começando a ganhar vida. Isso não pode ser bom.
— Nós temos que impedi-lo! — Marina grita.
Eu sei que suas palavras são intencionadas para mim, mas não
respondo. Ainda invisível, não quero entregar minha posição. Eu queria poder
usar meu Legado do clima e lançar um raio em Setrákus Ra.
A Anubis está encobrindo muito o céu. Ao invés disso, eu pego um
canhão mogadoriano abandonado.
Ultimamente, passei bastante tempo movendo grupos de pessoas
invisíveis através de selvas que quase me esqueci de como é libertador estar
sozinha e invisível. Livre e mortal. Deslizo facilmente pelos mogadorianos. É
quase como uma dança, com exceção de que eles não sabem que somos
parceiros.
177
Enquanto sigo, levanto meu canhão invisível e puxo o gatilho, atirando
de perto, apenas nas cabeças. Tudo isso enquanto me aproximo da cratera e
de Setrákus Ra. A única coisa que me expõe é o brilho de luz que o canhão
faz, e isso geralmente é rapidamente ocultado pelas explosões de cinzas
mogadorianas.
Matei mais de dez mogs em alguns segundos. Paro por um momento e
olho para trás, para ter certeza de que Sarah e Mark estão seguros na
floresta. Com certeza, eles ainda estão atirando. Bernie Kosar também se
mantém assim, impedindo que qualquer mog se aproxime dos humanos.
Percebo que BK deve estar sob ordens estritas do John para manter Sarah
em segurança. Isso é bom.
Os mogs já estão começando a se dissipar. Alguns, de fato, estão
retornando para a Anubis, enquanto outros formaram um grupo ao redor da
cratera para proteger o Adorado Líder deles.
Setrákus Ra não parece estar tão preocupado com isso. Ele está
completamente focado enquanto opera aquela máquina.
Enquanto luto pelo meu caminho até a cratera, o tubo começa a emitir
um chiado. Posso sentir a atmosfera ao nosso redor mudar – pedras
aleatórias começam a levitar do chão, e sinto rapidamente a força da
gravidade me puxando na direção da cratera. Completamente ligado, o
aparelho de Setrákus Ra está começando a sugar tudo nos arredores.
Vejo Ella, ainda parada indiferente na cratera, telepaticamente em
silêncio, seu cabelo sendo puxado na direção do cilindro. O próprio poço
começa a tremer, seus tijolos sendo levitados e içados em direção da
máquina de sucção antes de serem repelidos por um campo de força que
provavelmente é similar ao que protege a Anubis. O aparelho de Setrákus Ra
não está interessado nos detritos do chão; ele está os filtrando, criando um
mini tornado de sujeira e pedra.
E então acontece. Com um grito ululante como centenas de chaleiras de
chá explodindo, a luz azul cobalto da energia lórica explode do chão e é
sugada pelo cilindro. Toda a área é iluminada pelo brilho azul que até faz com
que alguns dos mogs olhem com dúvida ao redor. Não é natural a forma com
que a energia ondula ao sair do chão, primeiramente de forma selvagem e
incontrolável, mas rapidamente é pega e canalizada pelo o que percebo ser
um oleoduto, que transfere a energia lórica para dentro da Anubis. Achei o
brilho da Entidade confortante e sereno lá no Santuário, mas agora – o ar
estala com a eletricidade, as luzes irritam meus olhos e o barulho...
É como se a própria energia estivesse gritando. Ela está sofrendo.
178
— Sim! Sim! — Setrákus Ra grita de alegria, como um cientista louco,
suas mãos erguidas em direção do seu aparelho de sucção.
Marina enlouquece. Ela perde a noção do cuidado quando se joga na
direção da cratera. Duas estalactites grossas e afiadas se manifestam sobre
suas mãos como duas espadas, e ela as usa para empalar três mogadorianos
que estavam em seu caminho, dançando entre aqueles que estavam
protegendo a cratera. Então, ela desliza para dentro do buraco, na direção de
Setrákus Ra e Ella. Ela vai querer matá-lo sozinha.
Eu fiz isso uma vez – não deu muito certo.
Corro para alcançá-la. Há outros mogs ao redor da borda da cratera ao
lado daqueles que Marina acabou de desintegrar e todos eles a tem como
alvo. Ela está distraída, se tornando um alvo fácil. Mas para mim, ainda
invisível, são os mogs que se tornaram alvos fáceis.
Corro atrás deles em um arco ao redor da borda da cratera,
desintegrando cada um deles o mais rápido que posso. Antes que eu possa
matá-lo, um deles consegue desviar do tiro que acaba acertando uma das
pernas de Marina. Acho que ela nem percebeu.
De fato, Marina nem percebe Setrákus Ra. Ou não se importa. Ela ataca
o oleoduto diretamente, bombardeando-o com bolas pontiagudas de gelo.
Enquanto essas são engolidas pelo minitornado de detritos ou refletidas pelo
campo de força da máquina, Marina segue em frente. Ela vai acabar
quebrando a coisa com as próprias mãos se for preciso.
Setrákus Ra a agarra pelo pescoço. Ele se move mais rápido do que
qualquer criatura do tamanho dele tem direito. Enquanto corro para dentro
da cratera, ainda invisível, Setrákus Ra levanta Marina pelo pescoço, fazendo
com que seus pés fiquem fora do chão. Ela tenta chutá-lo, mas ele a mantém
numa distância segura.
— Olá, garotinha — Setrákus Ra diz, seu tom de voz feliz e vitorioso. —
Veio assistir ao espetáculo?
Marina cerra os punhos. Ela obviamente não pode respirar. Eu não sei se
vou conseguir chegar a tempo.
Detrás dele, uma onda de rochas e sujeira acerta Setrákus Ra nas
panturrilhas. Ele está surpreso e acaba soltando Marina enquanto cai para
frente e instintivamente se apoia com as mãos. Marina consegue rolar para
longe enquanto as pernas de Setrákus Ra são enterradas por uma rocha. Ella
balança para frente, como se suas próprias pernas tivessem sido atingidas,
mas ela não chora e sua expressão vazia não muda.
Foi Adam quem fez o salvamento, derrapando pelo caminho em direção
à cratera do lado oposto ao meu. Há marcas de tiros em seus ombros e um
179
longo corte na lateral do seu rosto onde algum mog o cortou com um punhal,
mas ele ainda parece pronto para lutar.
Acabo chegando no fundo da cratera próximo à Ella. É quando acontece
– pop – bem assim, e estou visível novamente, não por minha escolha.
Setrákus Ra deve estar usando sua habilidade de cancelar Legados
temporariamente. Marina está de joelhos a alguns metros dele, segurando
sua garganta e tossindo. Enquanto isso, o líder mogadoriano está tendo um
péssimo momento enquanto tenta se desalojar da pedra.
Pelo menos Adam conseguiu enterrá-lo até os joelhos antes de nossos
Legados serem anulados.
Aproveito a oportunidade para agarrar Ella pelos ombros. Bem de perto,
ela está mais distante do que eu esperava. Suas bochechas estão ocas, seu
rosto magro, e há teias de veias escuras correndo por baixo de sua pele. Seu
olhar é distante e ela não reage quando eu a chacoalho. O brilho da energia
lórica – ainda sendo sugada pelo oleoduto – está refletida em seus olhos. Ela
está olhando fixamente para lá.
— Ella! Vamos! Vamos tirar você daqui!
Não há reação visível, mas sua voz finalmente retorna à minha cabeça.
Seis. É lindo, não é?
Ela está perdida. Droga – terei que arrastá-la daqui como havíamos
planejado.
— Seis! — Marina grita, sua voz rouca. — Temos que desligar aquela
coisa!
Eu olho para a máquina, e então para a Anubis. Não há o que dizer sobre
o que Setrákus Ra fará com a energia lórica que ele está capturando, mas
obviamente não pode ser nada bom. Eu me pergunto se ele será capaz de
cancelar nossos legados permanentemente se sugar energia o suficiente da
Entidade.
— Você sabe como pará-la? — pergunto para Ella, novamente
recebendo nada de seu rosto inexpressivo.
Essa resposta demora um momento. Sim.
— Como?! Nos diga como!
Ela não responde.
Com um bufo de indignação, Setrákus Ra puxa uma das pernas para fora
da prisão de pedra. Assim que ele o faz, Adam o alcança. Privado de seu
legado assim como nós, o jovem mogadoriano agarra a espada de seu pai. A
espada é grande demais para ele e suas mãos tremem quando ele a segura.
Mesmo assim, ele põe a ponta da espada no pescoço de Setrákus Ra.
180
— Pare — Adam comanda. — Seu tempo acabou, velhote. Desligue sua
máquina ou eu vou matá-lo.
A expressão de Setrákus Ra não muda, mesmo tendo uma espada
apontada contra aquela cicatriz roxa dele. Ele ri.
— Adamus Sutekh — ele exclama. — Eu estava esperando uma chance
para nos conhecermos.
— Feche a matraca — Adam alerta. — Faça o que mandei.
— Desligar a máquina? — Setrákus Ra sorri. Ele consegue ficar em pé.
Adam tem que se esticar para manter a espada pressionada contra o pescoço
dele. — Mas é a minha maior realização. Eu alcancei a própria Lorien e agora
ela está sob meu comando. Não mais teremos que acolher a arbitrariedade
do destino. Nós podemos forjar nossos próprios Legados. Você, dentre todas
as pessoas, deveria apreciar isso.
— Pare de tagarelar.
— Você não deveria me ameaçar, garotinho. Deveria estar me
agradecendo — Setrákus Ra continua, limpando a poeira de suas pernas. —
Esse Legado que você usou com tanta precisão foi-lhe dado graças aos
resultados da minha pesquisa, entende? A máquina que o Dr. Anu plugou em
você foi alimentada com loralite pura, o que havia sobrado daquelas que eu
minei de Lorien há tanto tempo. Com o corpo de uma Garde que carregava a
faísca necessária de Lorien, bem... a transferência se tornou possível. Você é
o resultado glorioso da minha pesquisa, Adamus Sutekh. Do meu controle
sobre Lorien. E hoje, você pode me ajudar a pavimentar um caminho para
outros iguais a você.
— Não — Adam diz, sua voz quase inaudível sobre o rugir da energia
sendo sugada para dentro da Anubis.
— Não o quê? — Setrákus Ra pergunta. — O que você achou, garoto?
Que seus Legados vieram de outro lugar? Que essa mente oca da natureza
havia lhe escolhido? Foi ciência, Adamus. Ciência, eu e seu pai. Nós o
escolhemos.
— Meu pai está morto! — Adam grita, pressionando com mais força a
espada contra o pescoço de Setrákus Ra.
Perto de mim, Ella tosse. Uma bolha de sangue surge em sua garganta.
— Adam, tenha cuidado! — eu grito, dando um passo na direção dele.
Marina está de pé também, olhando incerta do oleoduto para os dois
mogadorianos. Eles nos ignoram.
— Hmm — Setrákus Ra responde. — Eu não havia ouvido...
— Eu o matei — Adam continua, gritando. — Com essa espada! Da
mesma forma que vou matar você!
181
Por um momento, Setrákus Ra parece ter sido genuinamente pego de
surpresa. Então, ele levanta uma das mãos e arranca a espada da mão de
Adam.
— Você sabe o que vai acontecer se tentar — Setrákus Ra diz, e em
demonstração, aperta com força a espada. Eu viro e vejo o corpo de Ella se
inclinar de dor enquanto um longo corte se abre através de sua palma,
sangue respingando na terra. Ela dá alguns passos para frente, em direção ao
poço, se segurando.
— Eu não me importo. Durante toda minha vida, fui treinado para matá-
los — Adam diz dentre os dentes.
— E você nunca pôde fazê-lo, não é? — Setrákus retruca, rindo do blefe
de Adam. — Eu li os relatórios de seu pai, garoto. Conheço tudo sobre você.
Ainda segurando a espada em uma as mãos, Setrákus Ra se aproxima de
Adam, ficando mais alto que o jovem mogadoriano. O corpo todo de Adam
treme, mas não sei se de medo ou raiva. Eu me aproximo deles, embora não
saiba o que fazer. Atrás de mim, ouço Ella arrastando os pés. Em seu estado
de transe, ela tropeçou até o poço lórico e o pilar de energia.
— Ella! — eu sussurro. — Fique parada!
— Eu nunca quis matar para você porque nunca acreditei nas suas
paranoias! — Adam resmunga. — Mas se fazer isso significa acabar com você
— os olhos de Adam seguem em direção à Ella. Então percebo – seu olhar
está confirmando. Ele não está blefando, não mais. — Eu posso viver com
isso — ele diz, friamente. — Posso viver com isso se você morrer também.
Tudo acontece muito rápido. Adam empurra a lâmina contra a mão de
Setrákus Ra, a borda não causando danos na palma, e a ponta apontada para
o pescoço. Setrákus Ra parece surpreso, mas ele reage rápido – ele é rápido,
mais do que Adam esperava. Setrákus Ra se abaixa para a esquerda, a lâmina
deslizando em seu pescoço, porém sem fazer dano algum. Pelo menos não
nele.
Viro minha cabeça para ver um corte se formar na lateral do pescoço de
Ella. Sangue começa a escorrer pelos seus ombros, mas ela não expressa
reação. De fato, ela nem parece ter percebido. Ela está totalmente focada na
energia corrente, seus pequenos pés na ponta dos dedos.
Antes que Adam possa estabilizar a espada para dar outro golpe,
Setrákus Ra esmurra seu punho no rosto dele. Ele está vestindo luvas de
metal e posso ouvir os ossos do rosto de Adam quebrarem com o impacto.
Ele derruba a espada e cambaleia para trás. Setrákus está prestes a atingi-lo
novamente quando Marina entra na briga e o tira do caminho.
182
Quando ambos estão no chão, tenho a chance de dar um passo à frente
e me por entre eles e Setrákus Ra. Enquanto me aproximo, Setrákus pega a
espada de Adam, girando-a em um arco lento ao seu lado.
Ele sorri para mim.
— Olá, Seis — ele diz, e corta o ar à sua frente com a espada. — Está
pronta para que isso tudo acabe?
Eu não respondo. Conversar apenas dá vantagem à ele, deixando-o
entrar em nosso psicológico. Ao invés disso, grito sobre meu ombro para
Marina.
— Recue! — eu digo. — Vá longe o suficiente para poder curá-lo.
Pelo canto do olho, posso ver Marina arrastando Adam. Ele está
inconsciente, e não tenho nem certeza se Marina quer curá-lo depois do que
ele acabou de dizer. Ela definitivamente não quer me deixar para trás, ou
recuar enquanto a máquina de Setrákus Ra ainda está sugando a energia.
— Vá! Eu cuido disso! — insisto, olhando para Setrákus Ra, me
movimentando. Eu apenas tenho que atrasá-lo, ficar viva até... até o quê? Até
quando vamos continuar com isso?
Ella estava certa. Ficar aqui significa morte.
O sorriso de Setrákus Ra não desaparece. Ele sabe que estamos
encurralados. Ele investe contra mim, atacando com a espada. Dou um pulo
para trás e sinto a ponta da espada passar bem em frente ao meu abdômen.
O chão pedregoso abaixo de mim treme e eu quase perco o equilíbrio.
Atrás de mim, Marina conseguiu arrastar Adam até onde a cratera
começa a subir. Ela para lá e começa a gritar.
— Ella! Que diabos...?
Ambos, Setrákus Ra e eu, nos viramos em direção ao poço, onde Ella
subiu na borda. Ela está a apenas alguns centímetros da onda de energia
lórica. Seu cabelo voa em todas as direções, quase como uma auréola. Faíscas
elétricas aparecem ao redor dela, e o sangue escuro de suas veias se torna
uma sombra roxa na luz azul vivida. A pele de seu rosto e de suas mãos
começam a ondular como se ela estivesse em um túnel de vento, e pequenos
detritos a atingem. Ela ignora tudo isso.
Imediatamente, Setrákus Ra se esquece de mim. Ele dá um largo passo
em direção à Ella.
— Desça daí! — ele grita. — O que você...?
Ella se vira em nossa direção, seus olhos em Setrákus Ra. Eles não estão
mais dispersos. Por um breve momento, posso ver a velha Ella ali. A garotinha
tímida que conheci na Espanha e que se tornou uma lutadora corajosa. Sua
183
voz é baixa, porém de alguma forma amplificada pela energia que flui atrás
dela.
— Você não vai vencer, avô — ela diz. — Adeus.
E então Ella cai para trás dentro da energia lórica.
Setrákus Ra grita e corre para frente, mas ele está atrasado. Há quase
um flash de luz que nos cega. O corpo de Ella, basicamente uma silhueta do
meu ponto de vista, flutua no meio do ar, pega entre o poço lórico e a
máquina de Setrákus Ra. Por um momento, seu corpo se contorce,
arqueando dolorosamente. Então, uma nova onda energia surge do poço, o
que é demais para a máquina de Setrákus Ra suportar. Os circuitos nas
laterais explodem em chuvas de faíscas e a loralite derrete em um mar de
explosões brancas e quentes. Enquanto isso, o corpo de Ella parece
desintegrar – ainda posso vê-lo lá, pego pela energia, mas também posso ver
através dele, como se cada partícula do corpo dela tivesse se separado.
Um momento depois, o corpo de Ella é cuspido para fora da energia.
Ela é jogada como uma boneca de pano para a lateral da cratera. Então,
o brilho da energia lórica se dissipa e se retrai para baixo da terra, enquanto o
oleoduto de Setrákus Ra emana um craque metálico e desmorona, com
pedaços retorcidos de metal enterrando o poço lórico.
Setrákus Ra encara sua máquina destruída em descrença. É a primeira
vez que vejo o velho bastardo totalmente perdido.
Marina se move imediatamente. Ela deixa o corpo de Adam para trás e
mergulha em direção à Ella. Seus Legados ainda não estão funcionando,
então quando Marina pressiona suas mãos contra o corpo de Ella, sei que
nada vai acontecer. É tarde demais, de qualquer forma.
Eu não preciso ver as lágrimas escorrendo através do rosto da Marina
para compreender. Ella está morta.
Setrákus Ra encara o corpo da neta, uma expressão desolada em seu
rosto. Enquanto ele faz isso, pego a maior rocha que consigo encontrar.
E então a jogo, atingindo a parte de trás da cabeça de Setrákus Ra.
Um corte se abre. Ele sangra. O feitiço mogadoriano foi quebrado.
Meu ataque o traz de volta à realidade. Ele ruge, se vira para me encarar
e levanta sua enorme espada sobre sua cabeça.
Ele está prestes a descê-la em minha direção quando seus olhos –
normalmente cavidades pretas e vazias – se enchem com o brilho azul da
energia lórica. A espada cai de suas mãos e Setrákus Ra, o líder dos
mogadorianos, assassino do meu povo, destruidor de mundos – desmaia aos
meus pés.
184
Estou paralisada. Eu me viro para procurar por Marina, mas encontro-a
desmaiada também. Que diabos está acontecendo?
Ella. O brilho da energia Lórica emana dela. Está sendo cuspido de seus
olhos, boca, orelhas – de todos os lados, da mesma forma quando a Entidade
reanimou o corpo de Oito.
A partir de um de seus dedos, um raio de energia Lórica é lançado em
minha direção. Me acerta bem no meio da testa. Eu caio de joelhos, me
sentindo inconsciente. Eu olho para Ella... ou que quer que ela seja agora.
Há outras explosões de energia saindo de seu corpo, como se fossem
estrelas cadentes, saindo da cratera e indo... para onde? Eu não sei. Eu não sei
o que está acontecendo com ela, com a Entidade ou com ambas.
Só sei que é minha chance.
— Não agora! — eu grito, lutando contra o sono gentil que a energia
lórica está tentando me forçar a aceitar. — Ella! Lorien! Parem! — eu digo. —
Eu... eu posso matá-lo!
Mas então eu desmaio. Sou arrastada para o mesmo sono artificial para
o qual foram Setrákus Ra e Marina.
O que eu vejo a seguir, o que todos nós vemos, é onde tudo começou.
185
Capítulo dezenove
ENTÃO ASSIM É ESTAR MORTA.
Flutuo sobre meu corpo e mal me reconheço. Meu avô – ele
começou a me transformar em um monstro, assim como ele. A garota
quebrada lá embaixo está tão pálida e sem vida, que mal consigo
acreditar que sou eu. Ou que eraeu. Marina põe suas mãos sobre meu
corpo, tentando me trazer de voltar, mesmo sabendo que seus Legados
foram desativados. É triste vê-la distraída assim.
Eu não quero voltar para aquele corpo. É um alívio estar fora dele.
Não há mais a dor, e pela primeira vez em dias eu posso realmente
pensar.
Na verdade, é meio estranho que eu possa pensar considerando
que agora eu estou, você sabe... morta. Acho que a vida após a morte é
assim.
Abaixo de mim, os outros – Marina, Seis e Setrákus Ra – todos se
movem em câmera lenta. Posso ver muita coisa. Cada partícula do
templo destruído que ainda flutua no ar é visível para mim. As gotas de
suor na nuca do meu avô também são visíveis para mim. A energia lórica
pulsante está dentro de todos eles, até mesmo de Setrákus Ra, e isso
também é visível para mim.
Como eu posso ver tudo isso?
Eu apenas queria quebrar o domínio que Setrákus Ra tinha sobre
mim, destruir seu feitiço mogadoriano nojento para que ele não pudesse
mais me manter como refém. Eu queria ajudar meus amigos.
Alguma coisa me disse que a melhor forma de fazer isso era me
jogar dentro daquele redemoinho de energia. Eu sabia que iria morrer e
estava quase bem com isso. Estou feliz de não ser apenas escuridão e
vermes. Qualquer que seja o próximo estágio, espero que não seja ver
as pessoas que amo lutarem até a morte em câmera lenta.
Ella.
A voz vem de todos os lugares ao meu redor. Não apenas uma, mas
várias vozes. Milhares delas. Ainda assim, desse coro eu consigo
reconhecer algumas. Crayton. Adelina. Oito. Eles estão me chamando.
Você tem trabalho para fazer.
Eu caio em direção ao chão e meu corpo. Por um momento, estou
cheia de pânico. Eu voltarei para dentro do meu velho corpo mais uma
186
vez, para ser a marionete do meu avô? Mas então, de repente, um
sentimento de calma cai sobre mim, como se eu tivesse sido enrolada
em uma toalha aquecida. Nada pode me machucar, não agora.
Eu deveria me chocar contra o chão. Ao invés disso, continuo
caindo. Eu passo através dos detritos e das pedras, e logo estou
submersa em total escuridão. Não parece mais que estou caindo. Sinto
como se estivesse flutuando no espaço – sem gravidade, sem peso,
apenas uma levitação pacifica sem fim. Perco a noção de qual direção é
para cima, qual é para baixo, ou qual leva até meus amigos, meu corpo.
Mas isso não parece importante agora. Eu deveria estar enlouquecendo.
Mas de algum jeito, sei que estou segura.
Lentamente, a luz começa a brilhar ao meu redor. Milhares de
pontos azuis brilhantes flutuam ao meu redor, como a poeira flutua
através dos raios de sol. É como a energia lórica na qual mergulhei.
As partículas se expandem e se contraem, me lembrando de
pulmões. Algumas vezes elas se misturam em formas vagas, então
rapidamente se rompem.
De alguma forma, tenho a sensação de que estou sendo observada.
Há uma rede de energia abaixo de mim e eu não sinto mais como
se estivesse flutuando ou caindo. É mais como se eu estivesse sendo
segurada, envolta por duas mãos gigantes. Eu me sinto relaxada e
confortável, como se pudesse descansar aqui para sempre. É tão
diferente dos últimos dias infernais pelos quais passei, onde exercer o
mínimo da minha vontade me causava dores pelo corpo todo. Parte de
mim quer desligar minha mente e deixar o que quer que seja que esteja
acontecendo e me esticar aqui. Mas outra parte de mim sabe que meus
amigos ainda estão lutando no mundo horrível em que vivem. Eu tenho
que tentar ajudar.
— Olá? — eu chamo, testando minha fala.
Ouço minha voz, embora não pareça que eu tenha uma boca,
pulmões ou sequer um corpo. É como a sensação de quando estou
tendo uma conversa telepática, como se de alguma forma alguns dos
meus pensamentos estejam mais altos do que os outros e esses são os
que eu projeto para as outras pessoas.
Olá, Ella, uma voz responde. As bolhas de energia flutuando na
minha frente pulsam em sincronia com a voz. Estranhamente, eu me
sinto completamente confortável por ter uma conversa com um bando de
bolhas flutuantes de néon.
187
— Estou morta? — pergunto. — Isso é tipo, o paraíso ou coisa
assim?
Sinto cócegas agradáveis onde minha pele deveria estar. Acho que
é assim que se sente quando essa coisa ri.
Não, isto aqui não é o céu, criança. E sua morte é apenas uma
condição temporária. Quando a hora chegar, vou restaurá-la para sua
forma física.
— Oh — eu pauso. — E se eu não quiser voltar?
Você vai querer.
“Não tenha tanta certeza, camarada”, eu penso, mas não digo.
— Então... onde estamos? O que é isso?
Você abandonou seu corpo e usou seus dons telepáticos para se
abrigar em minha mente. Você misturou sua consciência com a minha.
Ao menos sabia que era capaz de fazer isso, criança?
— Hm... não.
Eu não achei que saberia. Foi uma coisa perigosa de se fazer,
jovem Ella. Minha mente é vasta e se estende através de todos os
lugares e por todo o tempo desde que eu existo. Estou bloqueando você
desse conhecimento, para que não a sobrecarregue.
Acho que é por isso que eu me sinto tão aconchegada nessa total
escuridão, sem corpo e envolta pela energia lórica. Porque a Entidade
Lórica está tomando conta de mim.
— Obrigado por isso — respondo.
De nada.
Me ocorre que eu provavelmente deveria estar perguntando
algumas coisas importantes. Não é todo dia que você acaba dividindo
sua mente com uma energia como essa.
— O que exatamente é você, afinal de contas?
Eu sou eu. Eu sou a fonte.
— Uh-huh. Mas como eu deveria chamá-la?
Há uma pequena pausa antes da voz me responder. Os pontos de
energia nunca param de esvoaçar na minha frente.
Eu tenho sido chamada de muitas coisas. Uma vez, eu fui Lorien.
Agora, sou a Terra. Seus amigos me chamaram de Entidade.
Então era isso que estava escondido dentro do Santuário, era o que
Setrákus Ra queria. Marina e os outros devem ter conversado com ela
antes do seu esconderijo ter explodido pelos ares. Embora, a Entidade...
isso soe tão formal, alienígena e frio. Não é esse o sentimento que estou
sentindo agora.
188
— Eu vou chamá-la de Legado — decido.
Como desejar, criança.
Legado parece tão calma. Foi apenas há alguns minutos que
a Anubisestava sugando-a do chão através daquela engenhoca
mecânica gigante.
— Meu avô machucou você quando ele a puxou da Terra? —
pergunto.
Ele não pode me machucar, mas pode apenas me modificar. Uma
vez modificada, eu não serei mais eu, e então a experiência da dor não
irá pertencer à mim.
— Ok — respondo, sem entender nada. — Você está, tipo, presa
abordo da Anubis agora?
Apenas uma pequena parte de mim, criança. Eu existo em vários
lugares. Seu avô tentou me capturar antes, mas eu sou maior do que ele
pensa. Venha. Vou lhe mostrar.
Antes que eu possa perguntar, “ir aonde?” – uma onda da energia
lórica me varre para longe. Não estou mais flutuando na escuridão
pacifica. Ao invés disso, estou dentro da própria Terra. É como uma
daquelas imagens onde você pode ver as diferentes camadas da crosta
terrestre – as placas tectônicas, os ossos dos dinossauros, lava derretida
quente perto do núcleo do planeta. Eu posso visualizar tudo isso. Sinto-
me minúscula em comparação a tudo.
Correndo através de cada camada da Terra, ligada ao próprio
núcleo, há agora veias brilhantes de loralite. A energia é fraca em alguns
pontos, forte em outros, mas não há lugar no planeta que não esteja
perto do seu gentil brilho.
— Nossa — eu digo. — Você realmente se fez sentir em casa.
Sim, Legado responde. Isso não é tudo.
Nós subimos. Mais uma vez, o campo de batalha aprece abaixo de
mim. Meus amigos e Setrákus Ra ainda estão se movendo como se
estivessem presos em melaço. Seis está no processo de levantar uma
rocha, com a esperança de acertar meu avô com ela.
No peito de Seis, bem perto de seu coração, há uma brasa da
energia lórica. Marina e Adam também a possuem. Até Setrákus Ra tem
uma fagulha de Lorien dentro dele, embora a dele pareça estar
parcialmente envolta de algum tipo de substância preta. Ele se
corrompeu de formas que não consigo entender.
189
O pensamento faz com que eu olhe em direção à Anubis. Há,
situada na barriga da nave, um latejante fulgor de loralite. Não é nada
comparado ao que acabei de ver no subsolo, mas ainda assim...
— O que ele vai fazer com aquilo? — pergunto a Legado. — Quero
dizer, com você?
Eu vou lhe mostrar. Primeiro, você precisa juntar os outros. Decidi
que todos eles devem ver o motivo de sua luta...
— Que outros?
Todos eles. Eu a ajudarei.
Sem avisar, minha mente começa a se esticar. É como se eu
estivesse usando minha telepatia, tateando por mentes familiares, com
exceção de que meu poder foi aumentado. Na verdade não parece tão
bom, como se meu cérebro estivesse sendo puxado em todas as
direções por um magnetismo muito forte.
— O que... o que você está fazendo?
Estou aumentando suas habilidades, criança. Pode ser um pouco
desconfortável no começo. Peço desculpas.
— O que devo fazer?
Junte todos aqueles que eu marquei.
Pode ser loucura, mas na verdade eu sei o que isso significa.
Quando uso minha telepatia, posso realmente sentir todas as
pessoas que foram tocadas por Legado na Terra. Eu miro em direção ao
núcleo azul pulsante em Marina, pego-o com minha mão telepática e a
puxo. É como quando eu era capaz de levar John para dentro das
minhas visões, com exceção de que agora é muito mais fácil. Vou na
direção de Adam também, trazendo-os para o aconchego da consciência
de Legado. Então, eu hesito.
— E ele? — eu pergunto, olhando para meu avô.
Até ele. Devem ser todos.
Me sentindo um pouco enjoada por ter que entrar em contato
telepaticamente com aquele cérebro retorcido e seu coração lórico
estragado, puxo Setrákus Ra para cá. Tento absorver Seis agora, mas
sua consciência luta contra a minha. Distantemente, estou ciente de seu
corpo físico gritando alguma coisa.
— O que ela está dizendo? — pergunto a Legado.
Ela não compreende ainda que eu não interfiro, Legado fala. Todos
vão ver, ou ninguém verá. Nenhuma vantagem será admitida.
190
Eu não sei o que Legado quer dizer e não tenho tempo para pensar
nisso porque logo que a consciência de Seis abre caminho para a minha,
nós estamos nos espalhando mais além.
O mundo inteiro se abre diante de mim. Centenas de pequenos
pontos de loralite são mostrados nos continentes. Esses são os novos
Gardes, os humanos que recentemente desenvolveram poderes. Legado
os quer também. Eu os alcanço com minha mente, capturando-os um por
um.
Um garoto em Londres que encara uma nave de guerra
mogadoriana com suas mãos se abrindo e fechando enquanto ele tenta
decidir o que fazer. O asfalto da rua se quebra e se rompe a cada
movimento, pego pela telecinesia descontrolada do garoto.
Uma garota no Japão que há apenas alguns dias estava confinada à
uma cadeira de rodas. Agora, ela se encontra andando através do
pequeno apartamento de seus pais numa velocidade que não achava ser
possível.
Um garoto numa vila remota da Nigéria, onde eles não foram
atingidos de verdade pela invasão ainda. Seus pais estão chorando
enquanto ele flutua sobre eles, emanando um brilho angélico.
Capturo todos com minha mente. Onde quer que Legado esteja nos
levando, eles estão vindo.
Alguns deles estão assustados. Ok, muitos deles estão assustados.
Seus Legados foram uma coisa, mas agora isso – uma repentina
experiência telepática? Eu entendo que isso é um pouco demais. Eu falo
com eles. Os conforto. Sinto que minha mente está forte o suficiente para
que eu consiga manter múltiplas conversas de uma vez enquanto ainda
estou recolhendo as pessoas com meu voo telepático.
Eu lhes asseguro que ficarão bem. Que isso é como um sonho.
Eu não digo a eles que não tenho ideia do que estou fazendo.
Então chego à Nova York. Pego Sam primeiro, mais porque estou
tão animada por ele ter sido contemplado com Legados, e só quero lhe
dar um abraço. O Cinco ferrado, o Nove maravilhoso em que também
quero muito dar um abraço, uma garota nova – todos eles são acolhidos
pelo meu abraço telepático. E então pego John. Tive mais experiências
usando minha telepatia nele do que em qualquer outro; deveria ser fácil.
Mas como Seis, ele luta contra mim. John quer lutar. Ou, bem, ele não
quer ser pisoteado. Eu não posso dizer que o culpo.
— Aquilo irá nocauteá-lo? — eu pergunto. — Ele vai, tipo, ser
devorado?
191
Não. Tudo isso vai passar num piscar de olhos.
— Não se preocupe, John — eu digo triunfantemente. — Só vai
levar um segundo.
Puxo a consciência de John também. Pronto. Toda a Garde da
Terra. Todos os seus batimentos lóricos pulsando, puxados para minha
vasta consciência.
— Então, agora o que acontece? — pergunto a Legado.
Observe.
192
Capítulo vinte
ESTOU EM OUTRO LUGAR. UM LUGAR QUE É AO MESMO TEMPO
ESTRANHO E familiar para mim. Flutuo pelo ar, capaz de ver toda a
cena que acontece ao meu redor, mas incapaz de agir. Posso sentir as
centenas de mentes que estão juntas comigo.
Isso é o que Legado quer nos mostrar.
É uma noite quente de verão. Duas luas brancas vívidas pairam no
céu escuro sem nuvens, uma no norte e uma no sul. Isso significa que é
um momento especial para meu povo. Duas semanas do ano as luas
estão desse jeito, e durante essas duas semanas os lorienos
celebrariam. É onde estamos. Lorien.
Eu sei disso porque Legado sabe disso. O que não sei é quão
distante voltamos no tempo.
Estamos numa praia, a areia tingida de laranja oscilando pela luz de
uma dúzia de fogueiras. Há pessoas por toda parte, comendo e sorrindo,
bebendo e dançando. Uma banda toca música como nada que eu tenha
ouvido na Terra antes. Meu olhar paira em uma jovem garota com uma
juba ruiva encaracolado enquanto ela dança no ritmo da música, suas
mãos acima da cabeça, sem se importar com o mundo ao redor. Seu
vestido reflete a luz e se distorce, pego ocasionalmente pela brisa quente
do oceano.
Na praia, um pouco distante da festa, dois garotos adolescentes
estão sentados na areia, num intervalo da festa. Um é alto para sua
idade, com escuros cabelos curtos e traços fortes. O outro, menor porém
mais bonito do que o primeiro, tem cabelo loiro sujo e desgrenhado e um
queixo quadrado. O loiro está vestido com uma camisa branca folgada
para fora das calças e casual. Seu amigo está vestido mais formalmente,
com uma camisa vermelha escura, passada e perfeita, as mangas
meticulosamente enroladas para cima.
Ambos, mas o maior em particular, parecem superinteressados na
garota que está dançando.
— Você deveria ir lá — o loiro diz, cutucando seu amigo. — Ela
gosta de você. Todo mundo sabe.
O garoto de cabelos escuros franze a testa, passando uma mão
sobre a areia.
— E daí? Por que eu faria isso?
193
— Uh, porque você a está olhando dançar? Posso pensar em vários
motivos, cara.
— Ela não é Garde. Ela não é como nós. Não seríamos capazes...
— o garoto de cabelos escuros balança a cabeça, melancolicamente. —
Nossos mundos são muito diferentes.
— Ela não parece se importar por não ser Garde — o garoto loiro
retruca. — Ela está se divertindo de qualquer forma. Você é o único que
está impedindo isso.
— Por que nós temos Legados enquanto ela não tem? Não parece
justo, que alguns devam ficar presos sendo tão... normais — o garoto de
cabelos escuros se vira para seu amigo, com um olhar sério em seu
rosto. — Você já pensou sobre isso?
Em resposta, o garoto loiro abre a palma de sua mão. Nela, uma
pequena bola de fogo ganha vida e rapidamente toma a forma de uma
garota dançando.
— Não — ele responde, sorrindo.
O garoto de cabelos escuros se concentra por um momento e então
a pequena dançarina de fogo explode, deixando de existir. O garoto loiro
ergue as sobrancelhas.
— Pare — ele reclama. — Você sabe que eu odeio quando você faz
isso.
O garoto de cabelos escuros sorri se desculpando com seu amigo e
traz de volta os Legados dele.
— Legado estúpido — ele diz, balançando a cabeça. — Qual a
vantagem de algo que funciona apenas contra outros Gardes?
O garoto loiro gesticula em direção da dançarina.
— Vê? Você é perfeito para Celwe. Ela não tem nenhum Legado, e
você tem o mais ridículo deles.
O outro ri e dá um soco levemente no ombro de seu amigo.
— Você sempre diz as coisas certas.
— Isso é verdade — o loiro responde, sorrindo. — Você poderia
aprender muito comigo.
Eu não tenho olhos da forma tradicional aqui, mas a visão parecer
piscar. Em um segundo, os garotos sentados na praia aparecem na
forma dos homens que irão se tornar. O garoto loiro é lindo, atlético, com
olhos bonitos – e eu não estou prestando nem um pouco de atenção
nele. Ao invés disso, minha atenção se volta à bruta forma que está
sentada ao lado dele, mortalmente pálida, com uma cicatriz nojenta em
torno do pescoço.
194
Setrákus Ra.
Essa cena deve ter acontecido centenas de anos atrás. Talvez
milhares. É antes de Setrákus Ra ter se juntado aos mogadorianos,
antes dele se tornar um monstro.
Um segundo depois, e eles são jovens novamente. O garoto loiro dá
um tapinha nas costas do jovem Setrákus Ra enquanto eles continuam a
observar a garota que dança. Estou chocada com a normalidade de sua
aparência, um garoto jovem sentado numa praia, olhando
melancolicamente para a garota que ele gosta.
Onde tudo isso deu errado?
A visão desmancha, juntando-se sem problemas à outra.
Meu avô e seu amigo estão em um grande salão abobado, um
mapa de Lorien estampado em loralite brilhante através do teto. Eles não
são mais garotos, estão mais para jovens adultos. Quanto anos mais
tarde estamos? Podem ser décadas, pela forma que contamos os anos
em Lorien. Se fossem humanos, acho que eles estariam com mais ou
menos vinte anos, mas quem sabe como isso se traduziria para a idade
lórica. Eles estão parados em frente a uma enorme mesa redonda que
cresce diretamente do chão, como se fosse feita a partir de uma árvore
que ninguém se importou em cortar. Cravada no centro da mesa há o
símbolo lórico para “unidade”.
Eu sei disso porque Legado sabe.
Ao redor da mesa há dez poltronas, todas elas ocupadas com sérios
olhares lóricos, com exceção de duas, que estão vazias.
Cadeiras como as de um grande teatro cercam a mesa redonda por
toda a circunferência. Está lotado hoje, todas as fileiras em sua
capacidade máxima, Gardes apertados de cotovelo a cotovelo. Isso,
percebo, é a câmara dos Anciãos. É onde os Anciãos se juntam na
presença da Garde para tomar grandes decisões. A cena toda me lembra
das reuniões do senado que vi na Terra, com exceção da loralite
brilhante. Atualmente, todos os olhares estão sobre o Ancião magro com
longos cabelos brancos e olhos gentis. Apesar dos cabelos brancos, ele
não parece mais velho que meu avô. Mas o seu jeito projeta uma aura de
superioridade.
Ele é Loridas. É um Aeternus, como eu, o que significa que ele pode
parecer muito mais jovem do que realmente é. Todo mundo ouve
respeitavelmente quando ele começa a falar.
— Estamos reunidos aqui hoje em honra aos nossos caídos —
Loridas diz, sua voz se espalhando pela câmara inteira. — Nossa última
195
tentativa de melhorar nossa relação diplomática com os mogadorianos foi
rejeitada. Violentamente. Parece que os mogadorianos apenas aceitaram
nossa delegação em seu planeta para que pudessem assassiná-los.
Durante a batalha, nossos Gardes foram capazes de paralisar suas
capacidades interestelares, o que irá mantê-los confinados em seu
planeta por algum tempo. Nós ainda acreditamos que há aqueles dentre
os mogadorianos que valorizam a paz sobre a guerra, mas a sociedade
deles deve chegar a essa conclusão sozinha. Nós, Anciãos, vimos que
futuros envolvimentos com Mogadore serão prejudiciais para ambas
espécies. Portanto, todo e qualquer contato com Mogadore está proibido
até nova ordem.
Loridas pausa por um momento. Ele olha para as duas cadeiras
vazias ao redor da mesa e uma expressão muda as linhas de seu rosto.
De repente ele parece muito, muito mais velho.
— Nós perdemos muitos irmãos e irmãs durante esta última batalha,
incluindo dois Anciãos — Loridas continua. — Seus nomes, que há muito
tempo foram escolhidos para se tornarem Anciãos, eram Zaniff e
Banshevus. Eles serviram este conselho com lealdade por muitas
décadas, pastoreando nosso povo através dos tempos de guerra e dos
tempos de paz. Vamos refletir sobre eles nos próximos dias. Entretanto,
as cadeiras de Setrákus Ra e do nosso líder, Pittacus Lore, não devem
permanecer vazias. Nós seguimos em frente, como os lorienos sempre
fazem, e sabemos que não sofremos apenas perdas em Mogadore.
Também fizemos heróis. Deem um passo à frente, vocês dois.
Quando Loridas comanda, meu avô e seu amigo dão um passo à
frente, em direção à mesa. O garoto loiro se permite um sorriso e
assente para todas as pessoas amontoadas na câmara. Por outro lado,
meu avô, alto e magro como será centenas de anos depois, parece
dificilmente estar ciente do que está acontecendo. Ele parece assustado.
— As ações rápidas de vocês, com seus Legados fortes e
poderosos salvaram muitas vidas em Mogadore — Loridas diz. — Nós,
os Anciãos, temos visto há tempo o potencial de vocês e sabemos bem
as grandes coisas que realizaram para com o nosso povo. Portanto, é
nesse dia que nós oferecemos esses dois lugares vazios e damos boas-
vindas a vocês como Anciãos Lóricos, para servirem e protegerem
Lorien, seu povo e a paz. Vocês aceitam esses postos sagrados e juram
colocar as necessidades de seu povo acima de quaisquer outras?
O homem loiro assente com a cabeça, conhecendo sua parte na
cerimônia.
196
— Eu aceito — ele fala.
Meu avô, perdido em seus pensamentos, não diz nada. Depois de
um momento de um estranho silêncio, seu amigo o cutuca.
— Sim — Setrákus Ra diz, assentindo também. — Eu aceito.
Anos depois, o homem loiro corre pelo corredor de uma casa
modesta. Cacos de vidro se desmancham em baixo de seus pés. O lugar
está uma bagunça. Mesas estão viradas, fotos emolduradas foram
derrubados das paredes, vasos de vidros estilhaçados em milhões de
pedaços.
— Celwe? — ele grita. — Você está bem?
— Aqui — uma voz trêmula de mulher responde.
Ele corre através da porta dupla de bambu para dentro de um quarto
iluminado, a linda praia de antes agora visível pelas janelas abertas.
Esse quarto está tão bagunçado quanto o resto da casa. A cama está
virada de cabeça para baixo, as prateleiras de livros derrubas e seu
conteúdo espalhado, e até mesmo as tábuas de madeira do chão estão
desiguais. É como se alguém tivesse tido um ataque de raiva telecinético
aqui.
Olhando pela janela está a mulher de cabelos ruivos encaracolados
que há muitos anos atrás dançava pela noite na praia. Celwe.
Abraçando a si mesma, ela não se vira quando o homem entra no
quarto.
— Eu o conheci bem ali fora — Celwe diz, gesticulando para a praia.
— Ele era tão tímido. Sempre no seu próprio mundo. Ainda fico surpresa,
algumas vezes, por ele ter tido coragem de se casar comigo.
— O que aconteceu aqui? — ele pergunta enquanto se aproxima
devagar.
— Nós tivemos uma discussão, Pittacus.
— Você e Setrákus?
Celwe bufa e se vira para encará-lo. O amigo de infância do meu
avô, o homem que deve ter se tornado o próximo Pittacus Lore. Seus
olhos estão vermelhos por ter chorado, porém ela parece ilesa.
— Ah, não o chame assim. Esse título não trouxe nada além de
problemas.
— É quem ele é agora — Pittacus responde seriamente. — É uma
grande honra.
Ela semicerra os olhos.
— Foi difícil o suficiente estar casada com um Garde. Nós
costumávamos conversar sobre ter filhos, sabe. Agora, depois dessa
197
viagem à Mogadore, depois de ele ter se tornado um Ancião... eu mal o
vejo. Quando consigo, tudo o que ele fala envolve aquele projeto, aquela
obsessão dele.
Pittacus inclina a cabeça.
— Que projeto?
Celwe engole seco, talvez percebendo que falou demais. Ela se
afasta da janela e vai em direção à cama. Começa a empurrar o estrado
de madeira para longe do colchão para que ela possa desvirar a cama,
mas invés disso pensar melhor, olhando para Pittacus.
— Me ajuda, por favor?
Pittacus usa sua telecinesia para desvirar a cama, arrumando o
colchão ao mesmo tempo. Seu olhar nunca se desviou de Celwe.
— Tão fácil para você — ela murmura enquanto se senta na cama
recém-arrumada.
Pittacus se senta próximo à ela.
— No que Setrákus está trabalhando?
Ela respira fundo.
— É uma escavação. Nas montanhas. Eu não deveria... eu não sei
exatamente como explicar. O que ele faz lá... ele diz que faz por mim,
Pittacus. Como um presente — Celwe diminui o tom de voz. Há lágrimas
em seus olhos. — Mas eu não quero.
— Eu não entendi — Pittacus responde.
— Você deveria ver por si mesmo — ela diz. — Não conte... não
conte a ele que eu te disse.
— Você está com medo dele? — Pittacus pergunta, sua voz baixa.
— Ele te machucou?
— Ele não me machucou. Eu só estou assustada pelo o que ele
pode se tornar.
Celwe alcança as mãos de Pittacus e as aperta.
— Apenas faça com que ele venha para casa, Pittacus. Por favor.
Faça-o ver a razão e traga meu marido de volta para mim.
— Eu trarei.
Pittacus segue pelo céu, voando através das nuvens. Ele mergulha
na direção de uma cadeia de montanhas e, em seguida, dispara para
baixo em um abismo profundo, como uma versão maior do Grand
Canyon. Enquanto ele desce, paredes em cor de arenito salpicadas de
loralite estão por todo lado, e então Pittacus nota um conjunto maquinário
complexo e um gerador maciço abaixo dele. Alguém tem cavado
profundamente, como se o abismo já não fosse profundo o suficiente.
198
O olhar de Pittacus muda, como o meu, para a peça do topo da
máquina no centro do perímetro da escavação. Vigas retorcidas de aço
aumentadas com circuitos piscantes e símbolos de loralite – se parece
com uma versão maior e menos refinada do canalizador que Setrákus Ra
desembarcou da Anubis.
Então é isso que Legado quis dizer quando disse que Setrákus Ra
já tinha tentado coletá-lo antes. Aqui é o início de tudo, séculos atrás.
O início do mergulho do meu avô na loucura.
Quando Pittacus pousa, um jovem lorieno em um avental de
laboratório vai até ele para cumprimentá-lo. Sua pele é estranhamente
pálida para um lorieno e ele se move de uma maneira análoga a um
robô, como se seus membros não estivessem mais em sincronia com
seu cérebro. Pittacus parece se surpreender pela aparência do jovem,
mas isso não tira seu foco.
— Onde está Setrákus? — ele pergunta.
— Ele está no Libertador — o jovem lorieno responde, apontando
para o canalizador. — Ele está esperando sua visita, Ancião Lore?
— Isso não importa — Pittacus responde, e marcha até o então
chamado Libertador. O lorieno pálido sai de seu caminho, porém Pittacus
hesita. Ele se volta para o jovem. — O que ele tem feito aqui? O que ele
fez com você?
— Eu... — o jovem hesita, como se não pudesse falar. Mas então,
ele ergue as mãos, se concentra e levita um punhado de rochas com sua
telecinesia. Parece um tremendo esforço para ele.
Pittacus inclina a cabeça, surpreso.
— Você é Garde? Por que eu não o conheço?
— Aí é que está — o garoto responde. — Eu não sou Garde. Não
sou ninguém.
Durante sua fraca demonstração telecinética, veias escuras
começam a pulsar na testa do jovem lorieno. Pittacus nota isso e se
aproxima para tocar o rosto do jovem. O jovem recua.
— É... é um trabalho em progresso — o garoto pálido diz. — Eu não
tive minha dose hoje.
— Dose — Pittacus sussurra sob sua respiração, mas então anda
propositadamente em direção à máquina Libertador.
Ele passa por vários outros assistentes pelo caminho, todos
igualmente com a pele pálida e assustadora. Posso sentir a raiva
crescendo dentro dele, ou talvez seja minha própria raiva, ou talvez seja
ambas.
199
Estamos testemunhando algo legitimamente corrupto.
O Libertador está ligado. Ele emite o mesmo som agudo de
moagem que o canalizador que Setrákus Ra desembarcou da Anubis. Há
protuberâncias de loralite despejadas ao redor do perímetro de
escavação, como se os assistentes tivessem arrancado essas rochas da
terra para chegarem ao que está abaixo dela. Energia lórica é puxada do
chão e transferida para dentro de containers de vidro em forma de pílulas
enormes. Uma vez nos containers, a energia é processada – é atingida
por ondas de alta frequência e misturadas com explosões de gases
químicos em temperatura abaixo de zero, até que se solidifique de
alguma forma. Então, ela é agitada por um rolete envolto com pontas
afiadas antes de passar por uma série de filtros.
O resultado é a gosma preta com que Setrákus Ra é capaz de
encher um tubo de ensaio. Ele está no meio desse procedimento quando
Pittacus vai até ele.
— Setrákus!
Meu avô olha e sorri. Ele está orgulhoso. Há veias escuras correndo
debaixo de sua pele, também, e seu cabelo preto começou a cair.
Surpreendentemente, ele está animado por ver Pittacus e deixa de lado
seu trabalho torcido para cumprimentá-lo.
— Velho amigo — Setrákus Ra diz, se aproximando com os braços
abertos. — Quanto tempo? Se perdi outra reunião do conselho dos
Anciãos, diga a Loridas que sinto muito, mas...
Como forma de cumprimento, Pittacus agarra a gola da camisa de
Setrákus Ra e o empurra, pressionando-o contra uma das vigas de aço
do Libertador. Embora ele seja menor que Setrákus, consegue pegar o
homem grande de surpresa.
— O que é isso, Setrákus? O que você fez?
— O que você quer dizer? Me solte, Pittacus.
Pittacus põe as mãos em suas têmporas. Eu realmente desejaria
que ele não colocasse. Ele respira fundo, solta Setrákus e dá um passo
para trás.
— Você está minando Lorien — Pittacus diz, claramente tentando
juntar as peças em sua cabeça olhando para o perímetro de escavação.
— Você... o que você fez com essas pessoas?
— Com os voluntários? Eu os ajudei.
Pittacus balança a cabeça.
— Isso é errado, Setrákus. Isso parece... parece que você
contaminou nosso mundo.
200
Setrákus ri.
— Ah, não seja dramático. Isso o assusta apenas porque você não
compreende.
— Me explique, então! — Pittacus grita, e uma pequena chama
irrompe nos cantos de seus olhos.
— Por onde começar... — Setrákus diz, passando a mão em sua
cabeça. — Nós estávamos juntos em Mogadore. Você viu o ódio que os
mogs têm por nós. A selvageria. Qual benefício poderia algum dia prover
daquele lugar?
— Levará tempo — Pittacus fala. — Um dia, os mogadorianos vão
escolher a paz. Loridas acredita nisso, então eu também.
— Mas e se eles não escolherem? Eles não estão colocando em
risco apenas o nosso modo de vida, mas sim toda a galáxia. Por que
devemos contê-los e esperar uma melhora em sua mentalidade quando
podemos simplesmente acelerar sua evolução? E se os mogadorianos
que escolhermos, aqueles que virmos como aliados pacíficos – e se
pudéssemos dar Legados à eles? Transformá-los em Gardes? Líderes
dentre o povo deles, capazes de extinguir a guerra e a periculosidade?
Nós poderíamos mudar o destino de uma espécie inteira, Pittacus.
— Não somos deuses — Pittacus responde.
— Quem disse?
Um momento de silêncio se passa. Pittacus dá um passo para trás
de seu velho amigo.
— É tudo em que eu pensava desde que retornamos de Mogadore
— Setrákus continua. — Não apenas os mogadorianos. Nós
também. Todos nós. Os lorienos. Por que existem os Gardes e os
Cêpans? Nós temos paz, sim, mas a que preço? Um sistema de
linhagem onde nossos líderes decidem dentre os quais foram ou não
sortudos o suficiente para ter nascido com Legados? Nós, Anciãos,
sentamos ao redor de uma mesa que se lê “unidade” – mas como somos
iguais?
— É como Lorien deseja...
Setrákus ri amargamente.
— Natureza, destino, sorte. Somos mais do que esses conceitos
imaturos, Pittacus. Nós controlamos Lorien, não ao contrário. Você, eu,
todos – nós poderíamos escolher nosso próprio destino, nossos próprios
Legados. Minha esposa, ela poderia...
— Celwe ficaria indignada com isso e você sabe — Pittacus diz. —
Ela está preocupada com você.
201
— Você... você falou com ela?
— Sim. E vi a bagunça que você fez em sua casa.
As sobrancelhas de Setrákus Ra se erguem, boquiaberto, quase
como se ele tivesse sido atingido por um tapa. Eu meio que espero que
ele comece a gritar com Pittacus no tom arrogante que com frequência
usava comigo enquanto eu estava abordo da Anubis.
Posso ver a arrogância que conheço bem em sua expressão, mas
também algo a mais. Ele não foi longe o suficiente ainda.
Competindo com os delírios de grandeza de meu avô, há uma
pequena dose de vergonha.
— Eu... eu perdi o controle — Setrákus Ra fala após um momento.
— Você perdeu um monte de coisas e perderá mais se não parar
com isso — Pittacus responde. — Talvez nosso mundo não seja perfeito.
Talvez possamos fazer mais, Setrákus. Mas isso... isso não é a resposta.
Você não está ajudando ninguém. Está deixando-os doentes e torturando
a mãe natureza do nosso mundo.
Setrákus mexe a cabeça.
— Não. Não estou... isso é progresso, Pittacus. Algumas vezes, o
progresso precisa ser doloroso.
A expressão de Pittacus se torna dura. Ele se vira em direção ao
Libertador e observa o fluxo constante de energia lórica sendo sugada de
graça do núcleo do planeta. Ele toma sua decisão rapidamente. Fogo
toma conta de suas mãos e braços.
— Vá para casa e para Celwe, Setrákus. Tente esquecer essa
loucura. Eu vou... limpar o que você fez aqui.
Por um momento, Setrákus parece considerar. Torço por ele, de
verdade. Eu gostaria que ele percebesse que Pittacus está certo, desse
as costas para sua máquina e voltasse para a minha avó.
Mas eu já sei como tudo isso irá acabar.
A expressão de meu avô se torna obscura e as chamas intensas
crescentes de Pittacus são de repente extintas.
— Eu não posso permitir que faça isso — ele diz.
A Câmara dos Anciãos está vazia agora, exceto por Pittacus e
Loridas. O Garde mais jovem se afunda em sua cadeira alta, com o rosto
machucado e os dedos entrelaçados. O Garde mais velho fica do outro
lado da mesa, inclinando-se sobre um objeto brilhante, trabalhando no
que quer que seja com suas mãos nodosas.
— Eu não concordo com a decisão deles — Pittacus fala.
202
— Nossa decisão — Loridas o corrige, gentilmente. — Você teve um
voto. Todos os outros nove também.
— Execução foi longe demais. Ele não merece isso.
— Ele era seu amigo — Loridas responde. — Mas não é mais
aquele homem. Seus experimentos poderiam ter corrompido todas as
nossas formas de vida. Eles pervertiam tudo o que é puro em Lorien.
Não pode ser permitido a continuar. Ele deve ser removido inteiramente.
Apagado de nossa história. Até mesmo o seu assento de Ancião não
deve ser preenchido, ele também o danificou. Sua malignidade não pode
ser autorizada a formar raízes e se espalhar.
— Eu ouvi tudo isso quando fomos convocados, Loridas.
— Se o entedia, então por que ainda está aqui?
Pittacus expira profundamente. Ele olha para suas mãos.
— Nós crescemos juntos. Você nos nomeou Anciãos juntos. Nós...
— sua voz está trêmula e ele para e se acalma. — Eu quero ser aquele
que fará.
Loridas prende o olhar com Pittacus. Satisfeito que o jovem homem
está sério, ele assente.
— Pensei que gostaria.
Loridas usa seu Aeternus, suas expressões lentamente mudando
até que ele pareça bem mais jovem. Pittacus o observa com uma
sobrancelha levantada.
— Ele tirou seus Legado na última vez que o viu — Loridas diz. —
Conseguiu fazê-lo recuar.
— Não vai acontecer novamente — Pittacus responde, sua voz
aumentando.
— Mostre-me.
Pittacus foca em Loridas. Um momento depois, a pele no rosto de
Loridas se torna flácida e enrugada, seus fios de cabelo retrocedem
drasticamente e seu corpo definha dentro de seu traje cerimonial. Ele
parece muito mais velho do que antes e rapidamente percebo que esta é
sua verdadeira aparência. De alguma forma, Pittacus acabou de retirar o
Legado dele.
— Ótimo — Loridas diz, sua voz ríspida. — Agora devolva ao velho
homem sua dignidade.
Com um aceno de mão, Pittacus restaura os Legados de Loridas. O
Ancião muda de forma novamente, ainda velho, porém não tão
desconsertadamente.
— Quantos Legados você dominou com seu Ximic, Ancião Lore?
203
Pittacus coça sua nuca, parecendo modesto.
— Com o Dreynen, setenta e quatro. Nunca me incomodei em
aprendê-lo antes. Jamais pensei que iria usá-lo.
Dreynen, esse é meu Legado, um dos poucos que compartilho com
meu avô, o que nos permite retirar temporariamente os Legados alheios
com o toque ou carregando projéteis.
— Impressionante — Loridas responde, voltando sua atenção para
os objetos espalhados na mesa a sua frente. — Ximic é o nosso Legado
mais raro, Pittacus. A habilidade de copiar e dominar qualquer Legado
que observar. Não é um dom que se usa levianamente.
— Meu Cêpan costumava me dar lições sobre isso — Pittacus
responde. — Entendi a responsabilidade que vem com o poder. Tento
viver minha vida com isso em mente.
— Sim, e nós tivemos sorte que esse Legado tenha escolhido você
e não outra pessoa. Imagine, Pittacus, se seu amigo Setrákus
encontrasse uma maneira de duplicar esse Legado. Torná-lo dele. Ou
dá-lo para quem ele escolher.
Pittacus range os dentes.
— Eu não vou permitir que isso aconteça.
Loridas segura o objeto que esteve trabalhando. Parece uma corda,
com exceção de que o material trançado não se parece com nada que já
vi na Terra. É grosso e forte, com mais ou menos seis metros de
comprimento, com uma ponta enrolada em um laço complexo. A parte do
laço da corda foi moldada e endurecida, com uma ponta afiada. Loridas
demonstra apertando laço, e quando o faz, a borda letal faz o som do
movimento de uma espada.
Pittacus observa.
— Um pouco antigo, não acha?
— Já faz séculos e você é jovem, mas é assim que punimos a
traição. Algumas vezes, os meios antigos são os melhores. É feito a
partir da árvore Voron, uma planta quase tão rara quanto você. Os
ferimentos causados pela Voron não podem ser curados por Legados —
Loridas gesticula para Pittacus. — Venha. Deixe-me pegar seu Dreynen
emprestado.
Pittacus dá a volta na mesa e põe suas mãos nos ombros de
Loridas. Eu não consigo ver o que acontece, mas posso perceber –
Legado pode perceber – que Pittacus usa um Legado de transferência
igual ao de Nove, permitindo com que Loridas use seu Dreynen. Loridas
204
se concentra no laço. Ele começa a emitir um fulgor carmesim fraco,
exatamente como quando eu carrego um objeto com meu Legado.
— Você terá isso carregado com Dreynen agora, para o caso de ele
retirar seus Legados antes que você possa retirar os dele — Loridas
explica, balançando cautelosamente a ponta afiada do laço. — Encoste
isso nele e...
— Eu sei como funciona — Pittacus interrompe.
— Será rápido, Pittacus.
Pittacus pega a corda de Loridas, tomando cuidado para não tocar
no laço carregado. Ele aperta a corda com firmeza, sua expressão
determinada.
— Eu sei o que devo fazer, Loridas.
E nós – aqueles que estão assistindo do futuro – sabemos que ele
ferrou com tudo.
Setrákus rasteja através do chão do cânion, com manchas de
sujeira e cinzas, seu rosto e cabeça cobertos de pequenos cortes. Ao
fundo, um grupo de Gardes comanda o lançamento de todos os tipos de
elementos diferentes no Libertador. A máquina cospe nuvens enormes
de fumaça preta quando começa a desmoronar. Os corpos de seus
assistentes estão amontoados no chão. Entretanto, eles não foram
mortos pela Garde. Não, alguma coisa sinistra e escura vaza pelos poros
deles até na morte.
— Não fui eu quem enlouqueci... — Setrákus diz, cuspindo sangue
na terra enquanto se arrasta para longe do seu perímetro de escavação.
Ele não olha para trás quando sua máquina explode, embora uma
expressão parecida com dor física se espalhe através de seu rosto. — O
resto de vocês, todos vocês – vocês que estão errados. Vocês não
compreendem o progresso.
Pittacus segue logo atrás de Setrákus. O laço balança em suas
mãos. Seu queixo forte está estabilizado e determinado, mas seus olhos
estão brilhantes.
— Por favor, Setrákus. Pare de falar.
Setrákus sabe que ele não pode escapar, então para de rastejar.
Ele rola e fica de costas para o chão, e olha para cima, na direção
de Pittacus.
— Como eu posso estar errado, Pittacus? — Setrákus pergunta,
sem fôlego. — A própria Lorien me deu o poder de dominar outros
Gardes, de retirar temporariamente os Legados deles. Esse é a forma do
planeta dizer que me quer no controle.
205
Pittacus balança a cabeça e para em frente a seu amigo.
— Ouça a si mesmo. Primeiro você rebaixa a forma com que Lorien
distribui aleatoriamente os Legados, e agora prega que seus Legados
são o destino. Eu não sei qual pensamento acho mais perturbador.
— Nós poderíamos reinar juntos, Pittacus — Setrákus implora. —
Por favor. Você é como um irmão para mim!
Pittacus engole em seco. Com sua telecinesia, ele laça a corda ao
redor do pescoço de Setrákus. Ele se abaixa em direção ao seu amigo
Ancião, sua mão sobre espesso nó da corda que vai apertar o laço.
— Você foi longe demais — Pittacus diz. — Sinto muito, Setrákus.
Mas o que você fez...
Pittacus começa a apertar o laço. Ele deveria fazer isso
rapidamente, mas não pode acelerar, não ainda. A parte afiada encosta
no pescoço de Setrákus. Meu avô engasga em dor, porém ainda não
reagiu. De repente há um olhar de sabedoria nele, de renúncia. Setrákus
se inclina para trás. A ponta afiada perfura ainda mais sua pele. Ele olha
para o céu.
— Haverá duas luas hoje à noite — ele diz. — Elas dançarão na
praia como costumávamos fazer, Pittacus.
Sangue escurece o chão abaixo de meu avô. Ele começa a chorar,
então fecha os olhos para esconder as lágrimas.
Pittacus não consegue continuar. Ele retira o laço do pescoço de
Setrákus, o joga para o lado e se levanta. Entretanto, ele não olha nos
olhos de Setrákus. Ao invés disso, segue na direção do Libertador e da
área de pesquisa de Setrákus, observando o lugar inteiro enquanto ele é
queimado. Ele acredita com seu coração que isso significa o fim.
Ele ainda vê seu velho amigo ali, jazendo no chão. Não conhece o
monstro no qual ele irá se tornar.
O Libertador é extenso. Ninguém nota quando Pittacus usa sua
telecinesia para arrastar um dos corpos dos assistentes mortos de
Setrákus em direção à eles. Enquanto Setrákus observa, com os olhos
arregalados, Pittacus usa seu Lúmen para queimar o corpo até que ele
fique chamuscado e irreconhecível. Quando termina, Pittacus desvia o
olhar.
— Você está morto — Pittacus diz. — Saia daqui. Nunca retorne.
Talvez algum dia, você encontre uma forma de restaurar o dano que
causou, aqui e dentro de você. Até esse dia chegar... adeus, Setrákus.
Pittacus leva o corpo queimado com ele e deixa Setrákus lá no
chão. Ele fica perfeitamente parado, deixando o sangue escorrer do
206
ferimento circular causado pela ponta afiada da corda em seu pescoço
pálido. Eventualmente, ele limpa as lágrimas dos olhos.
Então, Setrákus sorri.
Nós nos demoramos no cânion enquanto os anos passam. As
cinzas da batalha foram sopradas para longe, as marcas do fogo
desaparecendo com a luz do sol. Os restos da máquina de Setrákus Ra
erodiram, engolidas pela poeira vermelha e pelo vento que sopra através
das montanhas.
Todo ano, quando há duas luas no céu, Pittacus Lore retorna para
cá. Olha para os destroços do Libertador e considera o que fez.
O que ele quase fez. Ou o que não fez.
Quantos anos se passaram assim? É difícil dizer. Pittacus nunca
envelhece graças a seu Aeternus.
E então, um dia, enquanto Pittacus estava parado no mesmo lugar
onde deveria ter matado meu avô, uma nave horrível em forma de inseto
corta o pôr-do-sol no céu e voa em sua direção. Parece com uma versão
mais antiga dos Skimmers mogadorianos que vi tantas vezes. Enquanto
a nave pousa em sua frente, Pittacus acende chamas em uma das mãos,
enquanto a outra está envolta em uma bola de gelo afiada.
A porta da nave se abre e Celwe aparece. Ao contrário de Pittacus,
ela envelheceu. Seu antigo cabelo encaracolado agora está grisalho, seu
rosto enrugado.
Pittacus arregala os olhos quando a vê.
— Olá, Pittacus — ela diz, colocando para trás os fios de cabelo. —
Você não envelheceu um dia.
— Celwe — Pittacus respira, sem palavras. Ele a pega em seus
braços, ela retribui o abraço que dura por um longo momento.
Eventualmente, Pittacus fala. — Eu nunca pensei que a veria de novo.
Quando Setrákus Ra... quando ele... eu não esperava que você fosse
para o exílio com ele, Celwe.
— Eu fui criada da forma antiga – nós, lorienos, amamos para
sempre — Celwe responde, sem frieza.
Pittacus levanta ceticamente uma sobrancelha, porém não diz nada.
Ao invés disso, ele olha para trás de Celwe, em direção ao modelo
obsoleto de Skimmer.
— Essa nave. Ela é...?
— Mogadoriana — Celwe completa simplesmente.
— É lá que ele tem se escondido durante todos esses anos? Onde
vocês tem vivido?
207
Celwe assente.
— Que lugar melhor do que um onde os Gardes estão proibidos de
ir?
Pittacus balança a cabeça.
— Ele deveria voltar. Já faz décadas. Os Anciãos o apagaram da
história, seu nome foi esquecido por todos, com exceção de nós. Eu
realmente acredito que depois de todos esses anos, os crimes dele
podem ser perdoados.
— Mas os crimes dele nunca pararam, Pittacus.
E então ele nota. As veias negras no pescoço de Celwe. Pittacus dá
um passo para trás, sua expressão enrijecendo.
— Por que você retornou agora, Celwe?
Em resposta, Celwe se volta para o Skimmer.
— Venha até aqui — ela chama e, um momento depois, uma tímida
garota, com não mais de três anos, desce pela entrada da nave. Ela tem
os cabelos encaracolados de Celwe e as feições de Setrákus Ra, e então
de repente eu me lembro da carta de Crayton. Setrákus Ra pode me
chamar de neta, mas na verdade eu sou sua bisneta. Não há como negar
agora – não apenas porque Legado sabe, mas porque eu me reconheço
nela – essa criança que vai crescer e dar à luz a Raylan, meu pai.
— Essa é Parrwyn — Celwe diz. — Minha filha.
Pittacus encara a criança.
— Ela é linda, Celwe. Mas... — ele olha para o rosto velho em sua
frente. — Me desculpe, mas como isso é possível?
— Sei que estou velha para ser mãe — Celwe responde, com um
olhar distante. — A fertilidade é a especialidade de Setrákus Ra agora.
Fertilidade e genética, para ajudar a elevar os mogadorianos. Eles o
chamam de Adorado Líder — ela ri disso, balançando a cabeça. —
Mesmo assim, ele não queria ver sua filha crescer no meio deles. Então
aqui estamos.
Parrwyn dá um passo apreensivo, escondendo-se atrás das pernas
de sua mãe. Pittacus Lore se agacha, gesticula suas mãos sobre as
pedras sem vida do Canyon e faz com que uma única flor azul floresça
do arenito. Ele a pega e entrega para Parrwyn. A garota sorri.
— Eu cuidarei da sua proteção aqui — Pittacus diz para Celwe, sem
olhar para ela, mas para a filha. — Você pode viver uma vida normal.
Mantê-la salvo. Não conte a ela sobre... sobre ele.
Celwe assente.
208
— Ele vai voltar um dia, Pittacus. Você sabe disso, certo? Com
exceção de que não será como você imagina. Ele não virá procurando
perdão.
Pittacus toca sua garganta, passando uma mão no local onde a
cicatriz de Setrákus Ra está.
— Eu estarei pronto para ele — Pittacus diz.
Ele não estava.
A visão acaba e a escuridão retorna. Há explosões da energia lórica
ao meu redor. Mais uma vez, estou flutuando no espaço aconchegante
que é o Legado.
— O que agora? — pergunto. — Por que você nos mostrou isso?
Para que vocês soubessem, a voz responde gentilmente. E
sabendo, agora conhecerão.
— Quem nós conheceremos?
Todos.
209
Capítulo vinte e um
ACORDO EM UMA BIBLIOTECA, COM O ROSTO EM UM CARPETE MACIO,
CERCADO DE todos os lados por cadeiras confortáveis.
“Acordar” provavelmente não é o termo certo, na verdade. Tudo tem uma
imprecisão nas bordas, inclusive meu próprio corpo. Posso dizer que ainda
estou no estado de sonho que Ella criou, com exceção de que não estou mais no
modo telespectador. Eu posso me mover e interagir com a sala, mesmo
sabendo que não sei que diabos eu deveria fazer agora.
Eu me levanto e olho em volta. A iluminação aqui é branda e as paredes
estão cobertas com estantes e livros de couro, todos os títulos nas lombadas
escritos em lórico. Normalmente esse seria o tipo de lugar que eu não me
importaria de explorar, exceto que de volta ao mundo real há um mogassauro
vindo na minha direção e na dos meus amigos.
Ella me assegurou de que ficaríamos bem. Porém isso não significa que
estou contente em me sentar em uma biblioteca astral esperando para ver o
que acontece em seguida.
— Cara, alguém dá um lencinho umedecido para aquele frutinha do
Pittacus Lore.
Eu me viro e encontro Nove parado no meio da sala onde não havia nada
além de um espaço vazio minutos atrás. Ele assente para mim.
— Do que você está falando?
— Você viu aquilo também, né? A história da vida de Setrákus Ra?
Eu assinto.
— Aham, eu vi também.
Nove me olha como se eu fosse um idiota.
— O cara deveria ter matado Setrákus Ra quando teve a chance ao invés
de ficar todo sentimental na situação. Qual é.
— Não sei — eu respondo, em voz baia. — Não é fácil ter a vida de alguém
em suas mãos. Ele não tinha como saber o que aconteceria.
Nove bufa.
— Que seja. Eu estava gritando para ele matar aquele pateta, mas ele não
ouvia. Obrigado por nada, Pittacus.
Para falar a verdade, não estou preparado para processar a visão,
especialmente com os comentários de Nove. Eu queria poder reproduzir
novamente para ter tempo de examinar minuciosamente meu planeta natal da
forma que era séculos atrás. Mais do que nunca, eu queria poder ver mais
210
daquele Legado Ximic. Nós ouvimos sobre histórias do quão poderoso Pittacus
Lore era, sobre como ele tinha todos os Legados. Acho que foi assim que ele
conseguiu. Vendo-o usar o Ximic, me fez pensar sobre quando desenvolvi meu
Legado de cura. Aconteceu durante uma situação desesperadora: apenas
quando eu tentava salvar a vida de Sarah o Legado se manifestou. E se não fosse
um Legado de cura que se manifestou, afinal de contas? E se fosse meu Ximic se
manifestando quando eu realmente precisei e apenas não fui capaz de
descobrir como usá-lo para nada mais além de cura desde então?
Balanço minha cabeça. É bobeira esperar algo assim. Eu não posso querer
melhorar meus Legados da mesma forma que Nove não pode desejar mudar o
passado. Temos que vencer esta guerra com o que nos foi dado.
— O que foi feito está feito — digo para Nove, franzindo a testa. — O que
importa é que paramos Setrákus Ra. Essa era a nossa missão.
— Aham. Eu também gostaria de evitar ser engolido por aquele
monstrengo gigante lá em Nova York — Nove observa, olhando em volta.
Ele não parece estar enlouquecendo por causa do estado de sonho. Ele
segue o fluxo.
— Ugh, livros. Você acha que algum desses livros fala sobre como matar
aquele Godzilla?
Olho em volta também, mas não para os livros. Estou procurando por uma
saída. Esta sala não parece ter qualquer tipo de porta. Estamos presos aqui. Ella,
a Entidade Lórica, quem quer esteja no comando disso – eles não terminaram
conosco ainda.
— Acho que estamos em algum tipo de sala de espera psíquica — falo para
Nove. — Não tenho certeza de para quê.
— Legal — Nove responde, se jogando em uma das cadeiras. — Talvez eles
vão nos mostrar outro filme.
— O que você acha que aconteceu com Sam e Daniela? Eu os vi
desmaiando ao mesmo tempo que nós.
— Não faço a menor ideia — Nove diz.
— Você deveria pensar que nós acabaríamos no mesmo lugar.
— Por quê? — Nove pergunta. — Você acha que há lógica em qualquer
operação alucinatória compartilhada telepaticamente?
— Não — admito. — Acho que não.
— Então, você acha que Ella está fazendo tudo isso, certo? Estou captando
uma total vibe Ella.
— Sim — confirmo, assentindo em consentimento.
Nove está certo. Eu não tenho certeza de como estamos na projeção
psíquica de Ella, eu apenas sei. É intuição.
211
Nove assobia.
— Droga, cara. A garota teve um melhoramento monstro. Eu meio que
sinto que estamos ficando frouxos. Quero poder copiar alguns Legados como
seu irmão Pittacus. Ou pelo menos arrumar aquela corda com a ponta afiada.
Suspiro e balanço a cabeça, um pouco envergonhado por ouvir Nove dizer
em voz alta o que eu estava pensando. Eu mudo de assunto.
— Precisamos encontrar uma maneira de sair daqui.
Nove me olha com uma expressão engraçada, então eu me viro e sigo em
direção a uma das estantes de livros. Começo a puxar os livros das prateleiras,
pensando que talvez eu abra algum tipo de passagem secreta. Nada acontece e
Nove ri de mim.
— Não deveríamos estar sentados por aí — eu digo, olhando para ele.
— Cara, o que mais podemos fazer? Você sabe o tanto que tentei matar o
jovem Setrákus Ra enquanto estávamos assistindo aquela projeção? Muitas
vezes — Nove soca uma de suas mãos na palma da outra, e então se arrepia. —
Mas, sabe, eu não tinha nem braços e nem pernas. Não podemos fazer nada
agora. Então vamos apenas relaxar. Estive lutando por dias e mesmo nessa
cadeira, tipo, que é um fragmento da minha imaginação, eu me sinto
confortável para caramba.
Desisto de puxar os livros da parede e volto para o centro da sala.
Ignorando Nove, inclino minha cabeça e grito para o teto.
— Ella? Você pode me ouvir?
— Você parece estupidamente idiota agora — Nove comenta.
— Eu não sei porque você ainda está sentado aí — eu digo, encarando-o.
— Agora não é hora para relaxar.
— Agora é a hora perfeita para relaxar — Nove responde, olhando para
um relógio de pulso imaginário. — Vamos voltar para quase sermos mortos
assim que Ella nos mostrar a droga da profecia maluca que ela teve.
— Eu concordo com Nove.
Eu me viro para a voz e encontro Cinco parado de pé a alguns metros de
distância, recentemente manifestado em nossa pequena sala. Ele morde seus
lábios e se dá de ombros para mim, como se ele não estivesse feliz em nos ver
também. Mesmo nesse mundo dos sonhos, Cinco ainda está caolho. Pelo menos
o local está coberto com um tapa-olho normal ao invés daquela gaze suja que
ele ostenta no mundo real.
— Que diabos você está fazendo aq...?
Há um grito de guerra gutural atrás de mim e então Nove passa por mim
num borrão. Ele ergue os ombros e segue com as mãos esticadas na direção do
212
pescoço de Cinco. Por alguma razão, Cinco não esperava ser atacado à primeira
vista e mal tem tempo de se proteger antes que Nove o alcance.
Exceto que, desta vez, Nove não o acerta. Ele passa através de Cinco e
acaba com sua cara no meio de uma pilha de livros que retirei das prateleiras.
— Filho da mãe! — Nove grunhe.
— Huh — Cinco diz, olhando para seu peito, que com certeza parece sólido
o suficiente para ser atingido.
— Não pode haver violência por aqui.
Todos voltamos nossos olhares para perto da parede dos fundos, onde um
vão de porta acabou de se manifestar. No meio dele há um homem de meia
idade com um corpo modulado, seu cabelo castanho ficando branco nas pontas.
Ele parece exatamente da mesma forma que eu me lembro.
— Henri?! — exclamo.
Ao mesmo tempo, Nove grita:
— Sandor?! Que diabos?
Cinco não diz nada. Ele simplesmente olha para o homem no vão da porta,
seus lábios curvados em um sorriso sarcástico.
Nove e eu trocamos um olhar rápido. Leva apenas alguns segundos para
perceber que estamos vendo pessoas diferentes. Se realmente é Ella quem está
controlando essa terra dos sonhos, ela deve ter puxado alguém de nosso
subconsciente com o qual nos sentimos confortáveis. Exceto que, na realidade,
não parece ter funcionado com Cinco. Ele mantém os punhos cerrados, como se
fosse se atirar para frente a qualquer momento. E não posso evitar sorrir ao ver
Henri, mesmo sabendo que esse momento é passageiro.
— Você é... você é real? — pergunto, me sentindo idiota por fazer essa
pergunta.
— Eu sou tão real quanto uma memória, John — Henri responde.
Quando ele fala, vejo um pequeno brilho dentro de sua boca, a mesma
energia que Setrákus Ra estava minando de Lorien. É similar à descrição que
Seis fez do seu breve encontro em grupo com a reencarnação de Oito. Eu não
acho mais que seja apenas Ella controlando essa projeção telepática. Ela está
tendo ajuda de alguma coisa superpoderosa.
— Me desculpe por ter explodido a cobertura — Nove diz. Ele pausa
esperando uma resposta, e então diz: — Sim, tudo foi totalmente culpa do
Cinco, você tem razão.
Olho primeiro para Nove, e depois para cinco, que ainda não disse nada,
porém parece estar ouvindo intensamente, e finalmente me volto para Henri.
Nós não podemos ver ou ouvir o visitante do outro, apenas o nosso.
213
— O que você...? — estou prestes a perguntar a Henri o que ele faz aqui,
mas penso melhor. Ele estar aqui faz tanto sentido quanto qualquer outra coisa.
Há perguntas muito mais importantes que precisam ser respondidas. — O
que estamos fazendo aqui?
— Vocês estão aqui para encontrar os outros — Henri responde, e então
se vira e anda em direção ao vão da porta que não estava lá segundos atrás. Ele
gesticula para seguirmos.
— Que outros?
— Todos eles — Henri diz, e então sorri para mim da mesma forma
frustrante que ele costumava fazer. — Lembre-se, John. Você terá apenas uma
chance para passar uma boa primeira impressão. É melhor aproveitá-la.
Eu não sei do que ele está falando, mas o sigo de mesmo assim. Ele é meu
Cêpan, afinal. Mesmo manifestado nesse estado de sonho maluco, ele ainda
parece real. Eu confio nele. Nove segue para a porta também, seguindo a versão
de Sandor que não posso ver, conversando sobre o Chicago Bulls. Cinco
invejosamente segue a alguns passos atrás, ainda em silêncio.
Quando chego perto dele, Henri coloca as mãos em meus ombros. Ele
abaixa sua voz, mesmo sabendo que os outros não podem ouvi-lo, como se ele
estivesse me contando um segredo.
— Comece com aqueles que você sentiu, John. Eles serão mais fáceis.
Lembre-se de como era. Visualize.
Eu encaro Henri, incerto da maluquice que ele está falando. Em resposta
ao meu olhar, ele sorri daquela maneira novamente. Me dando dicas, me
fazendo pensar sozinho nos detalhes. À moda Henri. Sei que isso me faz mais
forte e mais inteligente durante a caminhada, mas mesmo assim me irrita.
— Eu não entendi o que você quis me dizer — falo.
Henri dá palmadinhas nos meus ombros, e então começa a descer para
o hall.
— Você entenderá.
214
Capítulo vinte e dois
ESTOU ME SENTINDO UM POUCO TONTA, EM GRANDE PARTE PELO FATO
DE QUE estou sendo guiada por um longo corredor por Katarina, minha
falecida Cêpan. Marina e Adam estão alguns passos atrás de mim. Não
tivemos muito para conversar quando “acordamos” em uma biblioteca
extravagante. Todos estavam espantados pelo o que acabamos de ver ou
pelo choque da terrível batalha da qual fomos transportados. De toda
maneira, não demorou muito até que Katarina viesse nos chamar.
Exceto que acredito que os outros não estão vendo Katarina.
Marina se dirigiu à pessoa nos guiando como Adelina e Adam está
propositalmente falando baixo, então não posso ouvir o que está dizendo.
Ambos estão tendo seus próprios diálogos. É como se estivéssemos juntos;
mas cada um em uma sintonia diferente.
A expressão de Adam é de culpa desde que acordamos aqui. Mas agora
ele se posicionou um pouco a frete de Marina, ficando mais próximo da
pessoa que vejo como Katarina. Marina e eu trocamos um olhar, ambas
querendo escutar o que eles estão conversando. Nos aproximamos de Adam.
— Eu fiz a coisa certa? — ele pergunta a quem quer que seja que a
Entidade-Ella se mostra para ele.
Não ouço a resposta que ele recebe. O que quer que a Entidade diz a
ele, tudo o que Adam faz é sacudir sua cabeça.
— Isso não muda o que eu tentei fazer, Um.
Ah! Eu sei o que ele está perguntando. Adam tentou matar Ella logo
antes... ok, antes de ela basicamente se matar. Eu também tenho minha
parcela de culpa, já que eu definitivamente não tentei impedi-lo. Eu estava
disposta deixar todo episódio de lado, como algo que aconteceu no calor da
batalha. Aparentemente, Adam não consegue fazer isso.
Nem Marina. Ele agarra o cotovelo de Adam, virando-o para poder
confrontá-lo. Se tratando de Marina, sei que essa raiva vem se acumulando já
por um tempo.
— O que você estava pensando?! — ela pergunta.
Quase acreditei que Marina começaria a irradiar sua aura de gelo. Mas
imagino que isso não aconteça aqui neste lugar, dentro da mente de Ella.
Mesmo assim, seu olhar mortal conseguiu o efeito desejado.
— Eu sei... — Adam responde com a cabeça baixa. — Eu perdi o
controle.
215
— Você poderia ter matado Ella! — Marina rebate. — Você a teria
matado!
— Mas ele não matou... — eu digo, tentando manter a paz.
Ambos me ignoram.
— Eu não espero que você entenda — Adam fala, sua voz suave. — Eu
nunca, nunca realmente encontrei Setrákus Ra antes. Mas passei toda a
minha vida à sua sombra, sob seu polegar, um prisioneiro de suas palavras.
Quando tive a chance de matá-lo, de me libertar... Eu simplesmente não pude
evitar.
— Você acha que nós não queremos matá-lo? — Marina pergunta,
incrédula. — Ele tem nos caçado durante toda nossa vida. Mas nós sabíamos
que Ella teria morrido primeiro, então nós... nós nos controlamos.
— Eu sei — Adam responde, nem mesmo tentando se defender. — E
naquele mesmo momento me tornei o que sempre odiei. Eu terei que viver
com isso, Marina. Sinto muito, aconteceu.
Marina passa a mão pelo cabelo, não sabendo como responder a isso.
— Eu apenas... eu simplesmente não posso acreditar que ela se foi —
Marina fala depois de um momento. Eu não posso acreditar que ela se matou.
— Eu não acho que Ella se foi — digo a Marina, passando as mãos nas
paredes azuis no profundo de mármore do corredor que nos rodeia. — Acho
que ela tem algo a ver com a nossa situação atual, sabia? Eu vi muitos
relâmpagos lóricos saírem do corpo de Ella antes desmaiarmos.
Marina sorri apertado, olhando para mim agora, em vez de para Adam.
— Espero que você tenha razão, Seis.
— O encanto foi quebrado. Eu o testei antes de virmos para cá — falo,
lembrando com muita satisfação como me senti ao rachar a cabeça de
Setrákus Ra com uma pedra.
Marina aperta a ponte do nariz. É muito para se absorver, passar do
combate com Setrákus Ra a vê-lo como um lorieno normal e depois a isso.
— Ele...? Ele poderia estar matando gente agora?
— Não, ele sofreu o mesmo efeito do que quer que Ella tenha feito com
a gente, também. Mesmo assim, devemos criar um plano, porque tenho o
pressentimento de que uma vez que esta pequena viagem ao passado acabe,
estaremos de volta naquela bagunça.
Adam franze a testa, parecendo envergonhado.
— Eu estou mal. Acho que ele quebrou toda a minha cara.
— Eu vou te curar — Marina fala secamente. — Eu estava prestes a
fazê-lo de qualquer maneira.
— Bom, bom. E então vocês podem me ajudar a matar Setrákus Ra.
216
Adam e Marina olham para mim.
— O quê? — pergunto. — Vocês acham que teremos uma chance
melhor? As tropas dele fugiram e ele está machucado, são três contra um...
— Não temos nossos Legados — aponta Marina. — Ele os drenou. Eu
terei que arrastar Adam para fora da cratera apenas para curá-lo.
Adam balança a cabeça, me estudando. Posso dizer que ele não tem
certeza se estou sendo louca ou se ele pensa que é um bom plano. De
qualquer maneira, noto a admiração em seu olhar.
— Não será três contra um de imediato, Seis. Será um contra um.
— Eu não me importo. Eu não vou desperdiçar essa chance — lhes digo.
Olho ao redor, desejando que eu pudesse descobrir um jeito de sair daqui. —
Assim que isto finalmente acabar, eu vou matá-lo.
Marina esquece sua raiva com Adam tempo suficiente para eles
trocarem um olhar rápido. Acho que posso soar um pouco louca. Durante
essa discussão, nós paramos de andar pelo corredor. Katarina, ou quem ou o
que quer que seja que tomou sua forma, percebe nosso atraso e para,
pigarreando com impaciência.
— Nós não temos muito tempo — ela diz no mesmo tom severo que
costumava usar quando eu realmente a incomodava. — Vamos lá.
Nós começamos a andar novamente. Marina chega perto de mim, se
encosta em meu ombro.
— Vamos apenas ter cuidado, tudo bem, Seis? — ela fala baixinho. — O
Santuário... talvez Ella... já perdemos muito hoje.
Eu assinto com a cabeça, sem responder. Marina foi quem quis ficar e
proteger o Santuário de Setrákus Ra em primeiro lugar. Mas agora que temos
uma chance real para matá-lo, ela está ficando com pé atrás.
Eventualmente, o corredor se abre para uma sala abobadada com uma
grande mesa circular que cresce diretamente para fora do chão. Katarina fica
de lado para nos deixar entrar e quando me viro para olhar para ela, ela
desapareceu.
A sala é uma réplica exata da Câmara dos Anciãos da visão que todos
nós compartilhamos. A única diferença é o mapa brilhante desenhado no
teto. Em vez de Lorien, ele retrata a Terra. Existem pontos brilhantes no
mapa em lugares como Nevada, Stonehenge e Índia – as localizações das
pedras de loralite. O local está vazio, mas um dos nove lugares ao redor da
mesa já está preenchido.
Lexa parece muito desconfortável sentada em uma das cadeiras de
espaldar alto. Ela tamborila os dedos sobre a mesa, obviamente, sem saber o
que deveria estar fazendo. Ela parece aliviada quando entramos no cômodo.
217
— Não acho que eu deveria estar aqui — diz Lexa, levantando-se para
nos cumprimentar
— Eu sinto o mesmo — Adam responde, olhando para o e enorme
símbolo lórico no centro da mesa.
— Eu não sou uma Garde. Nunca sequer vi uma dessas reuniões até essa
coisa de visão. Vocês viram também, certo?
Todos acenamos com a cabeça.
— Se você está aqui, é por uma razão — diz Marina.
Lexa olha para mim.
— Eu ouvi as explosões da selva. Como o combate está indo?
Adam toca o rosto, onde Setrákus Ra o acertou, em seguida, vai em
direção a um dos lugares vazios. Tento descobrir a melhor maneira de dizer
Lexa sobre a nossa situação atual.
— Estamos sobrevivendo — respondo. — Nós empurramos os mogs de
volta e acho que nós temos uma chance real de matar Setrákus Ra. Se
sairmos daqui.
Lexa acena com a cabeça em aprovação.
— Claro que sim. Mesmo assim, estou mantendo os motores ligados.
Em caso de necessidade de fuga.
— Podemos muito bem precisar — Marina diz, me lançando um olhar.
— Você foi a que queria ficar e lutar em primeiro lugar, Marina. Agora
nós temos que terminar isso.
— Mas você não entende, Seis? O conhecimento é o que precisávamos.
Nós sabemos o que Setrákus Ra quer e sabemos como pará-lo. O encanto foi
quebrado. Ella destruiu seu aparelho para que ele não possa sugar mais da
Entidade. Apenas estar aqui — Marina gesticula, mostrando a sala. — Isto é
uma vitória. Adam está ferido, Ella está... não sabemos, e estou convencida
de que Sarah, Mark e Bernie Kosar não serão capazes de nos dar cobertura
para sempre. Talvez nos retirar seja o mais sábio a fazer. Ella nos disse que
deveríamos correr. Correr ou...
— Oh, agora você concorda com ela — devolvo, balançando a cabeça.
— Olha, eu não sei o que você aprendeu com essa visão, mas se aprendi uma
coisa, é que Pittacus Lore deveria tido a coragem de matar Setrákus Ra
quando ele teve a chance.
— Boom. Está vendo, Johnny? Seis concorda comigo!
John e Nove entram na sala a partir de uma passagem lateral. Apesar de
tudo, não posso deixar de sorrir quando os vejo. O sorriso vacila
rapidamente, porém, quando Cinco marcha atrás deles. Marina fica tensa
imediatamente e dá um passo em direção a ele, mas John coloca-se entre
218
eles, arregalando os olhos como se dissesse “agora não é o momento para
isso”. Coloco a mão no braço de Marina para mantê-la calma. Para seu
crédito, Cinco parece perceber que ele é uma presença muito indesejável. Ele
permanece na lateral da sala, evitando o contato visual.
John e Nove correm para nós e todos nos abraçamos. Rapidamente os
apresentamos a Lexa, de quem John já tinha ouvido falar através de Sarah.
— Então, vocês estão no meio de um combate com Setrákus Ra e nós
estamos prestes a ser engolidos por um mogassauro gigante — Nove
comenta, cruzando os braços. — Timing perfeito para essa merda, hein?
— Como está Sarah? — John me pergunta.
— Ela está bem — digo-lhe, deixando de fora a parte em que eu
realmente não a vi nos últimos minutos. Não há nenhuma razão para
preocupá-lo. Sua namorada pode cuidar de si mesma. — Ela se tornou uma
excelente atiradora.
John sorri e parece aliviado.
— E Sam? — pergunto.
John balança a cabeça.
— Eu não sei. Ele tem Legados e eu o vi desmaiar antes de mim. Ele
definitivamente foi puxado para o chat telepático de Ella. Eu não tenho
certeza de onde ele acabou, no entanto.
— Ele estará aqui em um segundo.
Todos nós reconhecemos a voz. Ella aparece do nada, sentada na
mesma cadeira que Loridas ocupou na visão. Seus olhos estão transbordando
com energia lórica. Suas mãos descansam sobre a mesa e em sua frente
faíscas de energia se propagam por toda parte. O cabelo dela flutua para fora
de sua cabeça, como se ela estivesse cercada por eletricidade estática. Todos
nós olhamos para ela, em um silêncio e espanto.
— Ella...? — Marina é a primeira a falar. Ela dá um passo em direção a
Ella. — Você está bem?
Ella dá um leve sorriso, mesmo sem nunca olhar em nossa direção. Seus
olhos mantêm o foco sobre o espaço vazio à sua frente. Seu comportamento
me faz lembrar da Entidade. É como se elas compartilhassem o mesmo
corpo.
— Eu estou bem — Ella responde. Há uma qualidade musical a sua voz,
como se ela não fosse a única pessoa falando, há trechos de outras conversas
também. — No entanto, não posso manter isso por muito mais tempo.
Temos que começar. Não se assustem com o que vai acontecer a seguir.
— Se assustar com o quê? — John pergunta.
219
Em resposta, Setrákus Ra aparece na cadeira ao lado de Ella, vestindo a
mesma armadura ornamentada de quando atacou o Santuário. Todos nós
recuamos. O líder mogadoriano parece não nos notar, no entanto. Ele não
pode, por conta de sua cabeça que estar coberta por um capuz preto.
Correntes incandescentes feitas de loralite azul estão enrolados em torno de
seu peito e ombros, mantendo-o preso à cadeira, apesar se seus esforços
para se libertar.
— Que diabos? — Nove pergunta, dando um passo em direção à
Setrákus Ra.
— Por que ele está aqui? — pergunto à Ella.
— Eu tive que trazer todos que foram tocados por Legado — Ella
responde. — Era tudo ou nada.
— Legado...? Você quer dizer...?
— A Entidade — ela responde. — Eu lhe dei um nome. Ela não parece se
importar.
Marina ri. Isso me faz sorrir também. Parece que a velha Ella está lá.
— E esse tal Legado vai sair e se apresentar? — Nove pergunta. — Eu
quero dizer oi e pedir novos poderes.
— Ela está aqui, Nove — Ella responde, e acho que vejo um canto de sua
boca ser curvar em um sorriso. — Está em mim. Nesta sala. Em tudo que nos
rodeia.
— Oh, ok — Nove responde.
— Ele pode nos ouvir? — John pergunta, olhando para Setrákus Ra.
— Não, mas ele sabe que algo está acontecendo — diz Ella. — Ele está
lutando contra mim. Tentando se libertar. Não sei quanto tempo posso
segurá-lo. É melhor fazer o que estamos aqui para fazer.
— Para que estamos aqui? — pergunto.
— Todo mundo, sente-se — Ella fala.
Olho em volta para ver se alguém acha que isso é uma loucura como eu.
John e Marina imediatamente puxam para cadeiras e se sentam, com Lexa e
Adam rapidamente se juntando a eles. Nove chama minha atenção, dá
piscadinha, um sorriso metido e dá de ombros como que dizendo “dane-se”.
Ele se senta ao lado de John e eu me espremo entre Marina e Ella. Isso deixa
apenas um assento, o próximo a Setrákus Ra. Ninguém estava ansioso para
se sentar lá.
A contragosto, Cinco caminha da borda da sala e senta-se ao lado de seu
antigo mestre. Parece que ele preferiria estar em qualquer outro lugar agora
e evita fazer contato visual com qualquer um de nós.
— Perfeito — Nove zomba.
220
Enquanto todo mundo se senta, eu me inclino e sussurro para Ella. Não
posso manter minha mente fora do confronto iminente com Setrákus Ra.
— Ella, você disse para correr ou morrer — começo, realmente não sei
como abordar e esclarecer uma profecia minha amiga cheia de energia e
talvez morta. — Isso é... essas ainda são nossas únicas opções? Se eu lutar
Setrákus Ra qualquer um de nós pode morrer...?
Veias se destacam na testa de Ella.
— Seis, eu não posso. Eu não posso te dizer o que fazer. É tudo... é tudo
muito incerto.
— E agora? — John pergunta a Ella, interrompendo nossa conversa.
Ela demora um momento para responder. Há tensão em seu rosto. Ela
está muito concentrada em alguma coisa.
— Agora, eu vou trazer os outros.
— Que outros? — John pergunta.
Em resposta, há um de ruído súbito à nossa volta. De repente, parece
que estamos no meio de uma festa lotada. Isso porque a galeria circundante
a mesa dos Anciãos agora está completamente cheia de pessoas. Eles são
todos da nossa idade, alguns talvez mais jovens e, à primeira vista, parecem
vir de todo o mundo.
Muitos deles conversam animadamente entre si, alguns se apresentam,
outros discutem a visão que acabamos de ver, analisam os detalhes da
história Setrákus e Pittacus. Outros sentam sozinhos, parecendo nervosos ou
com medo. Um menino bronzeado com cabelo escuro e um colar de contas
não para de chorar em suas mãos, mesmo sendo consolado por um par de
meninas loiras que parecem pertencer a um comercial de chocolate quente.
A forma como eles estão agindo, é como se tivessem sentados aqui o
tempo todo e nós é que fomos transportados para o palco neste instante.
Acho que, pela sua perspectiva, isso é exatamente o que aconteceu.
Sam se senta na primeira fila, e uma menina com olhar ranzinza com
uma confusão de tranças está sentada ao lado dele. Ele olha diretamente
para mim, sorri e sussurra um cumprimento.
Em seguida, a comoção realmente começa.
— Olhem! — grita uma menina japonesa, e levo um segundo para
perceber que ela está apontando para nós.
Um murmúrio percorre a multidão quando todos nos notam sentados
ao redor da mesa. No início, todos falam ao mesmo tempo, nos metralhando
com perguntas que não posso nem distinguir.
Lentamente, a sala fica quieta.
221
Um silêncio respeitoso eventualmente cai. Estes são os Gardes
humanos. Eu só posso imaginar quão totalmente insana essa coisa toda pode
parecer para eles.
Então, percebo que eles estão esperando por nós para explicar a
situação.
Olho em volta nossa mesa. Ella ainda está completamente distante e
apática. Ao lado dela, Setrákus Ra se debate e luta. Adam e Cinco parecem
prestes a se esconder debaixo da mesa. Mesmo Marina está corando e
parecendo desconfortável. Ao contrário dos outros, Nove sorri e acena para
o maior número de pessoas da multidão que pode.
— E aí? — ele chama.
Algumas pessoas na plateia riem silenciosamente.
Obviamente, um de nós precisa dizer algo mais inteligente do que isso.
John se levanta, sua cadeira raspando alto contra o chão de mármore.
— É o cara do YouTube — ouço alguém sussurrar, e do outro lado da
sala, alguém diz: — É o John Smith.
John olha para todos os diferentes rostos, tentando não aparecer
encabulado. Vejo Sam piscar para ele com um polegar para cima. John respira
profundamente, então hesita. Ele se vira para Ella.
— Todos falam inglês?
— Eu estou traduzindo — Ella responde simplesmente, com os olhos
brilhando intensamente.
Eu não sei quando ela aprendeu a fazer isso. Não vou perguntar e,
aparentemente, nem John.
— Oi — John fala, erguendo a mão. Algumas pessoas na multidão
murmuram saudações de volta. — John Smith é o meu nome. Nós somos o
que sobrou de Lorien.
John caminha ao redor da mesa. Ele acaba ao lado de Setrákus Ra.
— Acho que vocês provavelmente viram também, certo? Bem, essa
história termina com Setrákus Ra aqui voltando para o nosso planeta, Lorien,
e massacrando todos seus habitantes. Todos, exceto nós.
Ele permite a informação seja absorvida antes de continuar.
— Se não tem certeza do que isso tem a ver com você, bem, talvez
tenha notado todas as naves espaciais nos jornais? Setrákus Ra está aqui. Ele
vai fazer com a Terra o que fez com Lorien. A menos que possamos detê-lo.
John tenta fazer contato visual com o maior número de pessoas na
plateia possível. Ele está realmente fazendo essa coisa toda de líder muito
bem.
222
— Eu não quero dizer nós, como hã, apenas meus amigos aqui sentados
ao redor da mesa — John continua. — Quero dizer nós, todos nesta sala.
Isso faz com os jovens na plateia comecem a murmurar. O garoto
havaiano que estava chorando pelo menos parou de soluçar tempo suficiente
para ouvir, mas agora eu vejo seus olhos à procura de uma saída.
— Eu sei que isso parece loucura. Também não parece justo — John
continua. — Há alguns dias, vocês estavam levando uma vida normal. Agora,
sem aviso, existem alienígenas em seu planeta e vocês podem mover objetos
com suas mentes. Certo? Quero dizer... há alguém aqui que não possui
telecinesia ainda?
Algumas mãos se levantam, incluindo o menino chorão.
— Oh, uau — diz John. — Então, vocês devem estar muito confusos.
Experimentem quando vocês saírem daqui. Apenas, hã... visualizem algo em
sua casa se movendo através do ar. Realmente se concentrem nisso. Vai
funcionar, eu prometo. Você vai surpreender-se e provavelmente assustar
seus pais — John pensa por um momento. — Alguém já desenvolveu
quaisquer outros poderes, além de telecinesia? Nós os chamamos de
Legados. Alguém mais...?
Um indivíduo em uma das filas do meio se levanta. Ele é robusto de
cabelos castanhos e me faz lembrar de um bicho de pelúcia. Quando ele fala,
tem um leve sotaque alemão.
— Meu nome é Bertrand — diz ele, nervosamente olhando ao redor. —
A minha família e eu, somos apicultores. Ontem, eu notei, hum, as abelhas...
elas falaram comigo. Pensei que eu estava ficando louco, mas o enxame vai
para onde eu digo para ir, então...
— Que nerd — Nove sussurra para mim. — Apicultor.
John bate palmas.
— Isso é incrível, Bertrand. Isto é, foi muito rápido em desenvolver um
Legado. Prometo o resto de vocês vai recebê-los também, e não serão todos
que vão poder falar com insetos. Nós podemos treiná-los e ensinar como usá-
los. Temos pessoas que sabem, pessoas com experiência... — então, John
olha em volta da mesa. Acho todos vamos nos tornar Cêpans agora. — De
qualquer maneira, há uma razão para vocês receberem esses Legados,
especialmente agora. No caso de vocês não terem percebido ainda... é
porque vocês supostamente devem nos ajudar a defender a Terra.
Isso realmente fez a multidão falar. Algumas pessoas realmente
aplaudem como se tivessem prontos para lutar, mas principalmente
murmuraram duvidosos, conversando entre si.
— John... — Ella chama, cerrando os dentes. — Rápido, por favor.
223
Olho para Setrákus Ra. Suas tentativas de fuga estão cada vez mais
brutais.
John levanta ambas as mãos pedindo silêncio.
— Eu não vou mentir e dizer que o que estou dizendo para vocês
fazerem não é perigoso. Definitivamente é. Estou pedindo que deixem suas
vidas para trás, deixem suas famílias e se juntem a nós em uma luta que
começou em uma galáxia inteiramente diferente.
Algo sobre a forma como John diz que tudo isso me faz pensar que ele
praticou antes. Percebo que ele olha para a menina sentada ao lado de Sam.
Ela sorri de volta.
— Eu, obviamente, não posso obrigá-los a se juntar a nós. Em poucos
minutos, vocês vão acordar desse pequeno encontro para onde vocês
estavam antes. Aonde é seguro, espero. E talvez aqueles de nós que lutarem,
talvez os exércitos do mundo, todos nós... talvez isso seja suficiente. Talvez
possamos combater os mogadorianos e salvar a Terra. Mas se falharmos,
mesmo se você ficar à margem para esta batalha... eles virão atrás de você.
Então, estou pedindo a todos vocês, mesmo que não me conheçam, mesmo
que nós tenhamos abalado suas vidas. Ajude-nos a salvar o mundo.
— Claro que sim — Nove diz, batendo palmas para John. — Vocês
ouviram, novatos. Deixem de ser covardes e se juntem à essa maldita guerra.
O silêncio respeitoso que tinha sido mantido durante o discurso de John
se quebra quando Nove abre a boca, como se de repente estivéssemos em
uma conferência de imprensa. Há perguntas gritadas de todas as direções.
— Isso é um mogadoriano na mesa?
— Voltem para a sua galáxia, aberrações!
— Como posso sair quebrando coisas com minha telecinesia?
— Eu quero ir para casa!
— Como podemos pará-los?
— O que há com o seu tapa-olho, mano?
— Aquele cara assustador pode nos ver?
— Por que eles querem nos matar?
E, em seguida, elevando-se acima da cacofonia, um rapaz magro com
um corte Mohawk no estilo de algum punk aposentado levanta-se de sua
cadeira e pisa com força. Acho que a robustez de suas botas de combate foi
trazida para este mundo de sonhos, porque o som é alto o suficiente fazer
todos se calarem.
— Vocês todos estão na América, certo, companheiro? — o punk,
pergunta a John, falando com um sotaque português forte. — Digamos que
eu queira me juntar à luta e dar uma surra nestes babacas. Como vou chegar
224
até você? Caso não tenham notado, não há voos transatlânticos devido a
essas malditas naves espaciais de guerra.
John esfrega a parte de trás do seu pescoço, incerto.
— Eu...
As mãos de Ella estão tensas sobre a mesa.
— Eu posso responder a isso — ela fala, sua voz melodiosa e,
definitivamente não Ella. É Legado falando através dela.
Acima de nós, pontos de luz no mapa do mundo começa a brilhar. Todo
mundo vira a sua atenção para o teto. Lembro-me dos mais brilhantes como
os locais das pedras loralite que usamos para nós teleportar, mas há mais
luzes, tomando forma em todo o globo.
— Estes são os locais que contém pedras loralite — Ella explica. — Os
mais brilhantes existem neste planeta há muito tempo. Os outros só agora
estão começando a crescer como meu vínculo com a Terra. Logo, eles virão à
tona.
Marina interrompe.
— Nós precisamos... — ela hesita. — Precisávamos de um Legado de
teletransporte para usar aquelas pedras antes.
— Não mais. Não agora que eu acordei — Legado entoa via Ella. — A
loralite está em sintonia com os seus Legados. Quando vocês estiverem
perto, sentirão a sua força. Tudo o que vocês precisam fazer é tocar uma
delas e imaginar a localização de outra pedra. A loralite fará o resto.
— Aquilo é Stonehenge? — um britânico pergunta, focando os olhos no
mapa. — Tudo bem então. Isso é possível fazer.
— Uh, acho que uma delas fica na Somália — diz alguém.
— Haverá mais mudanças em seu ambiente — Ella continua, mas para
de repente, sacudindo violentamente. Suas mãos estão apertando a mesa e
realmente derretendo a madeira, faíscas silvando dela. Quando ela fala
novamente, é com sua própria voz, não com a de Legado.
— Ele está se soltando! — Ella grita.
As correntes incandescentes segurando Setrákus Ra à sua cadeira se
partem. Os elos quebrados voam para o outro lado da mesa que passem
através de nós sem causar danos. Ella deve ter perdido seu poder telepático
sobre Setrákus Ra. Ele não está mais isolado do resto de nós. Em um
movimento fluido, o ex-líder Ancião e atual dos mogadorianos se levanta, sua
cadeira tomba atrás dele, e lança fora seu capuz. Pessoas na galeria começam
gritar e a se levantar de suas poltronas, mesmo que não tenham para onde
fugir.
225
Primeiro, Setrákus Ra põe a mão no ombro de Ella. A luz em seus olhos
aumenta, mas ela não se move. Mantendo seu foco. Sem obter uma reação
de sua neta, ele se vira para olhar para o Garde mais próximo. No caso, Cinco.
Setrákus Ra sorri.
— Olá garoto. Gostaria de ser o primeiro a ajoelhar perante mim?
Cinco recua em terror, afastando-se da mesa. Os Gardes estão se
levantando agora. Eu estou pronta para atacar, mas, ao meu lado, Nove não
parece muito preocupado.
— Ele não pode fazer nada aqui — Nove diz me diz. — Descobri isso
quando tentei chutar o traseiro do Cinco.
Setrákus Ra muda o foco de seu olhar para os Gardes humanos na
plateia. Eu sei o que ele está fazendo.
Ele está memorizando rostos.
— Ele pode fazer alguma coisa — eu digo. — Não deixe que ele os veja,
Ella! Tire-nos daqui!
— Eu não sei o que disseram a vocês! — Setrákus Ra fala para a plateia.
— Eu lhes asseguro, é tolice. Se vocês viram o que vi, então sabem como o
lorieno tentou me assassinar pelo crime de curiosidade. Venham! Jurem
fidelidade ao seu Adorado Líder e eu lhes mostrarei como realmente
aproveitar seus poderes.
Ninguém na multidão corre para jurar fidelidade ao mogadoriano
psicótico, mas muitos deles parecem justificadamente aterrorizados.
— Estou liberando vocês — diz Ella. — Vai acontecer rapidamente.
Estejam prontos.
E, em seguida, a luz em seus olhos escurece. Ela cai. Espero que não seja
a última vez que eu possa falar com ela.
— Seis... — é John. Ele está em pé ao meu lado. — Nós estaremos em
contato em breve. Traga todos de volta em segurança.
Então ele e Nove somem de repente da existência.
O mapa no teto começa a sumir. A sala começa a ficar escura. A visão
está terminando.
Muitos dos novos Gardes já desapareceram, retornando ao mundo real.
Sam e que a menina ao lado dele já se foram. Restam alguns do lado
esquerdo da galeria ainda, e Setrákus Ra foca neles.
— Eu vi os seus rostos! — Setrákus Ra grita para os seres humanos,
ignorando totalmente o resto de nós. — Eu vou caçá-los! Vou matar vocês! Eu
irei...
Bem, não vou deixar isso continuar.
226
Eu pulo em cima da mesa, e fico frente a frente com Setrákus Ra. Ele
para seu discurso, seus olhos negros e vazios olhando diretamente nos meus.
Eu salto de pé.
— Ei, filho da puta — eu digo. — Quando nós acordamos, eu vou te
matar.
— Veremos — Setrákus Ra responde.
Sinto que começa a acontecer. Meu corpo aqui torna-se transparente.
Os detalhes do salão se tornam nebulosos. Posso sentir o cheiro da fumaça
dos incêndios ao redor do Santuário, posso sentir a poeira na minha pele. Eu
preciso me mover rapidamente. Estou forçando meus músculos a
funcionarem assim possível.
— Vamos! — Grito. — VAMOS LÁ!
É hora de acabar com isso.
227
Capítulo vinte e três
ACONTECE RÁPIDO. DA MESMA FORMA QUE O MUNDO DOS SONHOS
PARECIA real, não fez jus ao peso físico de realmente ter um corpo.
Jogada sem rodeios para o lugar aonde eu pertenço, todas as sensações
me atingem outra vez. O calor do fogo, a poeira asfixiante, meus músculos
doloridos. Meus joelhos se enfraquecem com todo o impacto. Fiquei
inconsciente por um tempo, e como resultado, meu corpo ficou mole. Não
consigo impedir que eu acabe caindo no chão.
Caio bem em cima de Setrákus Ra enquanto ele cambaleia, também.
O grande bastardo está tão desorientado quanto eu. Ouço um barulho
aos meus pés e percebo que Setrákus Ra perdeu a espada do pai do Adam.
Com um giro, empurro-o para longe com toda a força que consigo
encontrar. Lanço minhas mãos sobre as placas metálicas sobrepostas de sua
armadura.
Vamos lá, Seis. Vamos!
Encontro meu equilíbrio novamente antes de Setrákus Ra. Isso me dá
apenas um ou dois segundos de vantagem, mas é tudo o que eu preciso. Dou
uma cambalhota para frente, agarro a espada de Adam e a giro em direção à
cabeça de Setrákus Ra no momento em que fico em equilibrada sobre meus
pés.
No último segundo, Setrákus Ra levanta seu antebraço. A espada se
choca contra sua armadura com um grunhido metálico. Sangue escuro
espirra para fora quando puxo a lâmina de volta. Espero pelo menos ter
rasgado seu braço, mas a armadura é forte demais e eu apenas fiz um corte.
Mesmo assim, os olhos de Setrákus Ra se arregalam – acho que ele sabe o
quão perto cheguei. Ainda assim, ele força um sorriso, reequilibrando-se, e
olha fixamente para mim.
— Muito devagar, garota — ele grunhe. — Agora vamos ver se
consegue fazer de fato o que prometeu.
Ranjo meus dentes em resposta e avanço com toda a minha força de
vontade. Setrákus Ra desvia facilmente a espada para o lado com um de seus
punhos, desta vez, conseguindo evitar a ponta da lâmina, e então me dá um
chute no estômago. Imediatamente perco o fôlego e caio de joelhos, depois
desmorono no chão. Rolo imediatamente para o lado para desviar de sua
pisada, que provavelmente teria enterrado minha cabeça na terra.
228
A espada me acerta por baixo enquanto rolo, cortando minha coxa. Eu
nunca treinei realmente com espadas antes, nunca havia visto a utilidade.
Definitivamente eu desejaria ter visto agora. Sem meus Legados, é a única
arma que tenho contra Setrákus Ra. Ele definitivamente é mais forte que eu,
e também mais rápido. Eu estou começando a achar que deveria ter ouvido
Marina.
Falando em Marina, enquanto volto a ficar de pé a alguns metros de
Setrákus Ra, olho ao redor para localizá-la. E lá está ela – arrastando o corpo
inconsciente de Adam para a lateral da cratera. Enquanto observo, tiros são
disparados no chão ao redor dela e ela é obrigada a se esconder atrás de uma
pilha de pedras de calcário bem no topo da cratera.
Da direção dos tiros, parece que os mogs conseguiram se reagrupar ao
redor da entrada da Anubis. A nave de guerra massiva ainda paira sobre nós, a
parte de baixo de metal se transformou agora em nosso céu.
Eu recuo enquanto Setrákus Ra vem em minha direção, desviando de
vários socos massivos de seus punhos e da armadura. Quando desvio de seus
golpes, ele usa sua telecinesia para lançar pequenos pedaços de detritos em
mim. Eu os desvio com minha espada, minhas mãos suando no cabo.
— Onde está sua coragem agora, criança? — ele pergunta. — Por que
está fugindo?
Vou deixar ele pensar que estou recuando. Quero dizer,
eu estou recuando. Mas não significa que seja tudo o que estou fazendo. Meu
real objetivo é levar Setrákus Ra para mais longe possível do lado da cratera
onde está Marina. Uma vez que ela fique fora do raio do Legado de Setrákus
Ra e consiga curar Adam com sucesso, talvez possamos virar a luta.
Enquanto desvio de mais uma pedra, vejo Marina colocar a cabeça de
Adam no colo e pressionar suas mãos no rosto dele. Seus Legados devem
estar funcionando! Agora eu só preciso manter a brincadeira de gato-e-rato
até...
Uuuf.
Meu calcanhar se choca contra alguma coisa e eu caio para trás. Minha
aterrisagem é amortecida por alguma coisa macia e me leva alguns segundos
para perceber que tropecei no corpo de Ella. Ela está pálida, completamente
imóvel, e há uma trilha daquela gosma escura coagulada saindo de suas
narinas. Ela ainda parece bem morta. Eu não tenho tempo para checar seu
pulso. Setrákus Ra está parado bem na minha frente.
Ele, na verdade, para. O corpo de Ella prendeu sua a atenção. Eu não sou
boa em ler as expressões daquele rosto enrugado e olhos pretos, mas se eu
tivesse que adivinhar o que Setrákus Ra está sentido, seria algum tipo de
229
mistura louca de remorso e desapontamento. Ele se preocupava com sua
neta da maneira mais grosseira possível, querendo transformá-la em um
monstro assim como ele. Eu quero que isso o devore por dentro para ele
saber o quanto falhou.
— Ela odiava tudo sobre você — eu digo, e então levanto a espada e
aponto para a virilha de Setrákus Ra.
Setrákus tenta desviar. A lâmina se arrasta sobre a armadura que ele
está vestindo, mas então eu tenho sorte. A ponta da espada segue pela
lateral, descendo através da armadura, e encontra uma abertura perto da
parte de cima da coxa, se encravando lá. Setrákus Ra ruge em dor enquanto
eu o talho, aquele sangue escuro e viscoso espirrando de sua perna.
— Sua vadiazinha! — ele grita.
Em resposta, pego um punhado de terra e lanço contra os olhos dele.
Enquanto isso, já estou de pé, me adiantando novamente, procurando
por mais aberturas em sua armadura. Essas partes estão sempre perto de
suas juntas para permitir sua flexibilidade – seus cotovelos, joelhos, e claro,
sua cabeça e seu pescoço cicatrizado. É aonde eu tenho que acertar.
— Isso já foi longe demais! — ele grita, e não acho que ele se refere
apenas a esta luta de agora.
Nos caçar durante anos frustrou o velhote, e agora estamos tentando
arruinar seu plano de invasão meticulosamente calculado. Ele está perdendo
a paciência. Eu posso usar isso. Fazer com que ele lute estupidamente.
Setrákus Ra ruge. No espaço de alguns segundos, ele se transforma de
um mamute de três metros de altura para um gigante de cinco que me deixa
completamente em desvantagem. A coisa é que, sua armadura cresce
proporcionalmente à ele, e isso faz com que aquelas aberturas nas juntas
pareçam alvos maiores.
Agora, a única coisa que tenho que evitar é ser pisada até a morte.
Nada demais.
Eu não posso mais correr dele. Ele pode cobrir muito espaço desse
tamanho. Eu me viro para encará-lo, enquanto ele se prepara para dar um
golpe. Meu plano é conseguir desviar, talvez correr sob suas pernas e cortar a
parte de trás de seus joelhos.
Os punhos de Setrákus Ra são do tamanho de blocos de concreto. E eles
caem na minha direção. Eu não tenho certeza se vou conseguir desviar.
Eu não preciso. No último segundo, Setrákus Ra recua a mão e a leva em
direção ao seu rosto, rugindo de dor. Um leão com uma cabeça de águia, com
garras afiadas e asas com penas maravilhosas acaba de levantar voo e atingi-
lo. Um hipogrifo. Um hipogrifo acabou de se juntar à mim.
230
Bernie Kosar. Deus abençoe BK.
Setrákus Ra se vira para encarar o Chimæra, que de fato é quase alguém
do mesmo tamanho que ele. Bernie ruge e atinge Setrákus Ra com suas
garras. Mesmo sendo forte, Setrákus também é. Ele pega as garras de BK
com uma das mãos, e então o empurra para frente, contundindo-o.
Bernie Kosar grita, obviamente de dor. Com um uivo feroz, parecido
com o de uma fera como BK, senão mais, Setrákus Ra tenta atingir o pescoço
do Chimæra.
Eu não deixo isso acontecer. Com toda minha força, apunhalo a espada
na parte de trás dos joelhos de Setrákus Ra. Ela o corta facilmente, e ele ruge
de dor, perde a força contra BK e tropeça para frente. A espada é arrancada
de minhas mãos. Ele chuta para trás, e embora eu tente desviar, sua bota
gigante me atinge. Posso sentir costelas se quebrando como resultado.
— Pegue-o, BK! — grito enquanto caio com força no chão.
Bernie Kosar está prestes a descer as garras sobre ele quando um
suspiro agudo chama nossa atenção.
Ella se senta. Ela respira fundo novamente, como se tal ato fosse
dolorido. Seus olhos estão quase como antes, com exceção de que ainda há
vestígios da energia lórica nos cantos. Aquela gosma preta continua saindo
de suas narinas e ela acaba cuspindo um pouco também.
Setrákus Ra arranca a espada da parte de trás de seu joelho como se
fosse um espinho. A espada parece comicamente pequena em sua mão
gigante. Ele a arremessa em direção à Bernie, redirecionando com sua
telecinesia. BK consegue desviar da espada no último segundo, mas a espada
ainda assim consegue fazer um corte nele. Ele está ferido e sua poderosa
forma de hipogrifo começa a se reverter para sua forma normal.
Bernie Kosar balança sua cabeça para frente e para trás, rugindo,
lutando para manter sua forma e continuar na luta.
— Minha neta! — Setrákus Ra berra, sua voz parecendo um trovão
graças à sua forma gigante. Ele segue em direção à Ella. Ele realmente parece
aliviado. — Estou indo até você.
Em resposta, Ella vomita mais da gosma preta. Ela está sem condição de
agir. Entretanto, o que quer que seja a porcaria que Setrákus Ra injetou nela,
com certeza parece que seu corpo está rejeitando-a agora.
Eu não posso deixá-lo tomar posse dela novamente.
— Bernie Kosar! — eu grito. — Tire-a daqui!
O Chimæra ferido me olha com seus olhos de águia, mas não hesita. Ele
chega até Ella bem antes de Setrákus Ra, gentilmente a pega com suas garras
e então voa em direção à floresta.
231
— Não! — Setrákus Ra grita. — Ela é minha!
Setrákus Ra não para. Ele lança sua telecinesia contra Bernie Kosar,
conseguindo diminuir a velocidade do Chimæra. Setrákus quase a captura
quando uma estalactite do tamanho de um martelo voa para baixo da borda
da cratera, atingindo a lateral do rosto de Setrákus Ra e arrancando um
pedaço da sua orelha.
Marina. Ela está de pé na bora da cratera, já desenvolvendo outro
projétil de estalactite para lançar contra Setrákus Ra. Ao seu lado, Adam se
levanta. Ele pisa no chão com força e uma onda de energia sísmica desce pela
cratera, trazendo consigo pedaços de detritos e partes das naves explodidas.
Se eu já não estivesse no chão, a onda sísmica teria me derrubado. Setrákus
Ra, que já tem as pernas machucadas, cai com força no chão. Talvez seja
apenas minha imaginação, mas acho que ele grita quando ele atinge o chão.
Nós acabamos com a concentração dele o suficiente que ele está lutando
para manter todos os seus Legados. Tento usar minha telecinesia para lançar
alguns detritos contra ele, mas eu ainda estou perto demais.
Tiros de canhões saem da Anubis tendo como alvos Marina e Adam, mas
é respondida por tiros de Mark e Sarah enquanto ambos correm pela borda
da cratera. Entre os tiros deles e as rochas partidas do Santuário, nós, na
verdade, inadvertidamente conseguimos tirar toda a atenção de Setrákus Ra
e a pouca força que lhe restava.
Com um vislumbre, vejo que Mark está sangrando graças a um corte em
sua testa e Sarah tem marcas bem feias de tiros em uma das mãos. Fora isso,
eles parecem bem.
Eles parecem melhor, de fato, do que Setrákus Ra. Ele está com o rosto
machucado, faltando um pedaço da orelha, e com as pernas feridas. Ele luta
para ficar de joelhos.
Nós o pegamos. Nós realmente o pegamos.
Marina lança outra estalactite em direção à Setrákus Ra. Ele levanta um
dos punhos e a estilhaça no ar.
— Eu não vou morrer nas mãos de crianças — ele murmura.
Mas sabe de uma coisa? Ele não soa com tanta certeza.
Demasiado machucada e tonta, eu me forço a ficar de pé novamente
para correr na direção oposta do lado da cratera onde Marina e Adam estão.
Se nós ficarmos separados, então não há como Setrákus Ra conseguir manter
todos dentro do raio do seu Legado de cancelamento.
Nós podemos bombardeá-lo à distância.
Mark e Sarah me veem se aproximando, embora eles ainda estejam
trocando tiros com os mogs. Eles pararam de correr pela borda da cratera a
232
mais ou menos metade da distância entre minha posição e da Marina e Adam.
Vejo que eles trocam algumas palavras, e então Sarah se vira na minha
direção e Mark segue para os outros.
— Você parece precisar de uma mãozinha! — Sarah fala, dando alguns
passos para dentro da cratera para me ajudar a subir o resto.
— Obrigada. Você está bem?
— Aguentando — ela responde.
Posso dizer que ela está tentando não olhar para os ferimentos em suas
mãos.
Tenho uma visão muito melhor da nossa situação daqui de cima. A
quantidade de mogs que ainda está mantendo posição em frente à Anubis é
supreendentemente pequena. Os outros devem ter matado muitos deles
enquanto eu lutava com Setrákus Ra. Mesmo enquanto observo, Mark
transforma um deles em cinzas com um tiro certeiro. Há apenas alguns
sobrando.
Setrákus Ra não tem mais reforços.
Mesmo assim, ele não vai ceder facilmente. O lorde mogadoriano, ainda
em seu tamanho gigante, segue pela cratera em direção à posição de Marina
e Adam. Com suas pernas feridas, ele tem que usar as mãos para conseguir
subir. Espertos, os outros não o deixam se aproximar. Adam continua
mandando ondas sísmicas consecutivas que fazem com que Setrákus Ra
cambaleie para trás. Enquanto isso, Marina se alterna entre congelar o chão
abaixo dele e lançar pedaços de estalactites.
Setrákus Ra consegue absorver a maioria deles com sua armadura, mas
não é o suficiente. Ele não está mais falando bobeiras. Invés disso, o líder
mogadoriano parece estar desesperado.
— Você me dá cobertura? —peço à Sarah.
— Claro que sim.
Eu assinto e grito através da cratera para Marina e Adam.
— Agora! Joguem tudo o que tiverem contra ele!
Percebo o chão tremer enquanto Adam continua a criar terremotos e
Marina dobra a quantidade de estalactites que está lançando. Sarah e Mark
continuam a atirar nos mogs que estão perto da Anubis, matando alguns e
mantendo outros à distância. Eu levanto, me concentrando no clima acima, e
começo a conjurar a maior tempestade que consigo criar. A atmosfera ao
nosso redor fica pesada e úmida enquanto puxo as nuvens para baixo,
mesmo com elas estando acima da Anubis. Logo, logo, a nave estará envolta
de um nevoeiro espesso.
— Uou! — ouço Sarah dizer.
233
Não é todo dia que você vê nuvens de tempestades se juntando tão
perto do chão.
Antes que eu possa continuar, ouço um som metálico estridente.
Setrákus Ra desistiu de tentar subir até a borda da cratera para alcançar
Marina e Adam. Ele estava superconfiante e sedento por sangue antes.
Agora, ele está sendo esperto. Com sua telecinesia, ele rasga o que sobrou de
sua máquina. A peça massiva flutua no ar por um segundo antes de ele lançá-
la contra os outros.
— Cuidado! — Mark berra.
Ele e Adam se jogam para um lado, Marina para o outro. O duto se
esbarra contra o chão entre eles. Nenhum deles é atingido, mas sem nenhum
deles atingindo-o com Legados, Setrákus Ra consegue começar a escalar a
cratera, seus passos enormes diminuindo a distância com mais rapidez.
É minha vez de mantê-lo aqui embaixo.
Viro minhas mãos no ar, conduzindo o clima. Aumento a velocidade, do
vento, que leva consigo detritos e rochas. Meu rosto é atingido por pequenas
pedras e meus olhos são inundados por areia. Eu continuo.
Estou criando um tornado, bem acima de Setrákus Ra.
— Morra, seu filho da...!
Minhas costas explodem em dor. Um tiro, bem no meio delas. Caio para
frente, com minhas mãos apoiadas nos joelhos, quase caindo para dentro da
cratera. Minha concentração é tirada de mim, o vento imediatamente
começando a se dissipar.
— Seis! — Sarah geme.
Ela me segura pela cintura e juntas nós rolamos para trás de uma pilha
de pedras, quase sendo atingidas por mais tiros.
Os tiros não vieram da Anubis, entretanto. Vieram da floresta.
— Proteger o Adorado Líder! — berra Phiri Dun-Ra enquanto ela entra
no campo de visão, atirando. Ela lidera um pequeno contingente de soldados
mogadorianos. Eles devem ter se escondido dentro da floresta, encontrado e
libertado a nascida naturalmente e seguiram para nossa direção. Vendo
reforços, os mogs perto da Anubis se reagrupam. De repente, somos pegas
no meio de um tiroteio. Sarah tenta atirar de volta, mas a tempestade de tiros
é muito intensa. Ela se abaixa próxima à mim.
— Seis, o que faremos?
Espio bem a tempo de ver Setrákus Ra alcançar o topo da cratera.
Ele está com a espada de Adam novamente, usando-a como uma
bengala. Marina está bem à sua frente.
— Marina! Saia daí! — eu grito.
234
Ela não pode me ouvir. Eu vejo a próxima cena em minha mente.
Marina joga suas mãos para frente, esperando que pedaços de
estalactites voam em direção à Setrákus Ra. Nada acontece. Seus Legados
foram cancelados temporariamente. Setrákus Ra levanta suas mãos no ar, e
embora ela lute, Marina é levantada do chão. Ele a tem com sua telecinesia.
— Ah Deus — Sarah diz. — Ah não.
Setrákus Ra a joga no chão com força. A levanta. A joga no chão com
força mais uma vez. Eu observo enquanto o corpo de Marina é usado como
marionete. Cada vez, ele a levanta a mais ou menos dez metros de altura, e
então a choca contra o chão com muita força. De novo e de novo.
É Mark quem a salva. Ele desvia do maquinário estraçalhado e atira
contra Setrákus Ra, atingindo-o na lateral do rosto, aumentando o buraco
onde, antigamente, a orelha costumava estar. O mogadoriano berra de dor, e
então devolve o tiro lançando o corpo de Marina em direção à Mark.
Eles colidam e ambos caem com força no chão. Mark ainda está se
movendo, entretanto. Ele envolve Marina em seus braços e tenta levantá-la.
Mesmo a essa distância, ela parece quebrada.
Não senti nenhuma nova cicatriz se formar em meu tornozelo. Não
ainda. Ela está viva.
Adam corre em direção à Mark e, juntos, eles levantam o corpo de
Marina. Desviando dos tiros, eles conseguem recuar para dentro da floresta.
Phiri Dun-Ra e os outros mogs alcançaram Setrákus Ra. Eles o cercam
por todos os lados, embora ele esteja recusando a ajuda, violentamente
esmagando o crânio de um mogadoriano que foi ousado demais ao tocá-lo.
Eles o escoltam pela rampa. Ele quase está dentro da Anubis.
— Droga, não — eu sussurro, me forçando a ficar de pé a pesar da dor
dilacerante nas minhas costas.
— Seis! — Sarah me agarra. — Pare! Acabou!
Eu não aceito isso. Estávamos tão perto. Droga. Ele não pode fugir dessa
maneira.
Eu ainda posso matá-lo. Ainda podemos ganhar.
Eu me levanto e jogo minhas mãos para cima, fazendo com que o ar
ganhe velocidade novamente. Pedaços do Santuário, metais retorcidos dos
Skimmers explodidos, pedaços pontudos de vidro – tudo isso está
aglomerado, girando dentro de um funil mortal. Phiri e seus mogs atiram em
mim. Sinto um tiro atingir minha coxa, outro, o ombro. Mas isso não me para.
— Isso é suicídio! — Sarah grita para mim. Ela está do meu lado,
devolvendo os tiros.
— Afaste-se! — eu digo. — Corra para a floresta.
235
— Eu não vou te abandonar! — ela responde, mais uma vez tentando
me agarrar. Eu a empurro.
Setrákus Ra chega no topo da rampa. Eu grito e empurro em direção a
ele toda a minha força, combinando meu Legado climático com uma
explosão selvagem telecinética, jogando tudo que foi aglomerado pela minha
ventania em Setrákus Ra.
Dois dos mogs sobreviventes se tornam cinzas imediatamente,
esmagados pelo meu bombardeio de detritos. Phiri Dun-Ra recua,
protegendo o rosto. Mas, na porta de entrada para a Anubis, Setrákus Ra
continua parado. Ele se vira para mim, pedras e estilhaços sendo refletidos
por sua armadura, e empurra de volta. Sua própria explosão telecinética
contra a minha.
Objetos voam em todas as direções. Pelo canto do meu olho, vejo o
canhão de Sarah ser arrancado de suas mãos. O para brisa de um Skimmer
desalojado corta o chão ao meu lado como uma lâmina de guilhotina. Sou
atingida – de novo e de novo – por coisas que eu não posso nem identificar.
Ainda assim, continuo parada, meus pés afundando na terra. Eu continuo
empurrando.
Então acontece.
Um poste de metal com um símbolo de loralite cravado nele, um pedaço
da máquina destroçada de Setrákus Ra, voa através doar. O fim é nítido.
Serrilhado.
Acerta diretamente o peito de Setrákus Ra. Eu o observo tombar,
tropeçar para trás com o impacto. Eu posso ouvir Phiri Dun-Ra gritar.
A força de sua telecinesia desaparece. Eu o sinto enfraquecer.
Eu consegui.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Eu consegui.
Phiri Dun-Ra e os outros arrastam Setrákus Ra para dentro da Anubis.
A porta se abaixa com força atrás deles. A rampa se retrai.
Eu caio de joelhos. Ele está morto. Ele tem que estar morto. Tem que ter
valido a pena.
Sarah envolve seus braços em mim.
— Levante, Seis — ela diz, sua voz está tensa. Ela tosse, perde o fôlego.
Ela está ferida. Ambas estamos. — Temos que ir!
Coloco minha mão na cabeça de Sarah e nos torno invisíveis. Assim, não
preciso ver o sangue.
Muito sangue. Sangue demais.
Espero que tenha valido a pena.
236
Capítulo vinte e quatro
FIZ UM MONTE DE PROMESSAS NA CÂMARA DOS ANCIÃOS.
Eu disse àqueles novos Gardes que eu os lideraria, que nós iriamos ajudá-
los a treinar, que juntos poderíamos salvar o mundo deles. Foi bem incrível, vê-
los todos lá. Mesmo com alguns deles assustados, outros confusos, e até alguns
que pareciam enfurecidos por terem sido arrastados para isso. Mas os outros...
eles pareciam preparados. Nervosos, sim, mas preparados e querendo levantar
e se juntar à luta.
Agora, para manter aquelas promessas, preciso apenas sobreviver à um
mogassauro seriamente enlouquecido.
No segundo após eu estar de volta ao meu corpo, sinto o bafo quente da
besta enquanto ela ruge. E está bem atrás de nós. Eu ainda tenho um braço ao
redor de Sam de quando o segurei depois que nós brevemente desmaiamos. Ele
está consciente de novo, então nos esbarramos um no outro mas conseguimos
correr.
— Belo discurso — Sam grita para mim. — Nós vamos morrer agora?
— Nem fodendo — respondo.
A reunião dos Gardes não é a única coisa que mexeu comigo no sonho de
Ella do espaço. Eu ainda estou me acostumando a ver Pittacus Lore em ação.
Ximic, foi disso que Loridas chamou o Legado imitador de Pittacus. E então teve
meu rápido encontro com Henri. Visualize, ele disse. Visualize e se lembre.
A Agente Walker para de gritar no seu celular via satélite para nos encarar.
Ela parece tão confusa em nos ver em pé como deve ter ficado quando nós
desmaiamos alguns segundos atrás.
— Que diabos está acontecendo? — ela grita.
— Não se preocupe com isso! Consiga cobertura para o seu pessoal! — eu
grito, balançando meus braços.
— Como nós devemos lutar contra essa coisa? — Sam pergunta, olhando
sobre seus ombros.
— Eu não sei — respondo sombriamente.
— Nós batemos muito nele — Nove berra de volta.
Walker e a maioria dos agentes usam a Estátua da Liberdade como
cobertura. Eu não estou certo de quão bem isto fará, considerando que o
mogassauro é quase tão grande quanto a estátua. Um dos agentes, não lembro
o seu nome, entra em absoluto pânico enquanto o monstro se inclina. Ele se
237
move como um gorila, colocando o peso nos seus punhos, as garras dos seus
pés levantam pedaços de cimento enquanto caminha.
Para nossa sorte, o monstro recém-nascido ainda está se acostumando a
andar.
Entretanto isto não salva o agente caído. Tento puxá-lo com a minha
telecinesia, mas não fui suficientemente rápido. O mogassauro traz um dos seus
punhos pra baixo e esmaga o coitado. Acho que o monstro nem sentiu. Seus
olhos, cada um deles pontilhado com o que acredito ser um colar lórico
roubado, estão focados em nós.
É apenas uma questão de tempo até que ele nos pegue.
De repente eu me pego pensando na primeira noite que conheci Seis, em
Paradise. Foi também a primeira noite em que matei um píken, entretanto ele
não era nem de longe tão grande quanto esse monstro. Seis usou a sua
invisibilidade para nos tirar de muitos problemas naquela noite. Eu me lembro
do jeito que ela segurou minha mão. Lembro do efeito estonteante de ver
através do meu próprio corpo.
Lembre. Visualize.
— John? — Sam grita enquanto corremos. — JOHN?
— Que foi? — grito de volta, virando a cabeça.
— Você... — ele está me olhando e quase tropeça nos próprios pés. —
Você acabou de desaparecer.
Eu não desapareci, percebo. Eu me tornei invisível.
— Puta merda, eu consigo...
— Consegue o quê? — Nove pergunta.
Eu não respondo. Minha mente corre. Eu acabei de usar o Legado de
invisibilidade de Seis, mesmo que brevemente. E só num pensamento, como
lembrar um nome que você tinha esquecido. Eu poderia nos tornar invisíveis.
Nós podíamos escapar. Mas isso significaria abandonar Walker e seus amigos.
Todo esse poder, bem na ponta dos meus dedos, mas sempre fora de
alcance. E agora? O que posso fazer com isso? Eu preciso de tempo para
praticar, para descobrir como funciona, para treinar. Qual Legado posso trazer
nos próximos minutos que irá nos ajudar a derrotar esse monstro?
A Agente Walker e seu grupo descarregam as armas no monstro. As balas
são engolidas pela dura pele da coisa, não mais efetivas que minha bola de fogo
anteriormente. Nada além de um grupo de moscas para o mogassauro. Ele
ignora os agentes completamente, está vindo para nós.
— Vamos lá! — eu grito. — Tragam-no ele para a grama!
238
Nós teremos mais espaço para lutar lá, considerando quão desajeitado o
monstro aparenta, é provavelmente melhor continuarmos nos movendo.
Esperançosamente, consigo pensar em algo enquanto ele nos persegue.
— Ah cara, eu não me sinto em forma — Daniela diz. Normalmente uma
graciosa e rápida corredora, Daniela tropeça nos próprios pés e cai no gramado
enquanto corremos. Eu a seguro pelo braço e a arrasto comigo. — Algo
aconteceu comigo naquela merda de visão. Minha cabeça está explodindo.
Pedaços de cimento voam do último passo do mogassauro e acertam
meus ombros.
— Eu vou tentar algo, Johnny! — Nove diz, e se separa do resto de nós.
— Faça a sua coisa — eu digo, confiando que Nove não vai acabar morto.
Nove corre para a ponta da praça, onde há uma coluna de binóculos de
metal presos ao chão, aquelas coisas para turistas admirarem a vista de
Manhattan. Ele arranca dois do chão, segurando um em cada mão como tacos.
Então os carrega em direção ao monstro. Sua supervelocidade entra em ação e
ele é um borrão atravessando a praça.
Eu poderia usar isso. Tento focar no Nove, imagino como os músculos dele
trabalham, como ele cria velocidade com seu Legado. Mas nada acontece.
A criatura gigantesca, na verdade, parece confusa quando Nove corre em
sua direção. A coisa hesita, tentando decidir se parte para cima de Nove ou
continua perseguindo o resto de nós. Então, talvez raciocinando em seu
pequeno cérebro para ficar parado, o mogassauro solta um grito de “estou
indo” na direção de Nove. Levanta uma das suas patas gigantes, preparando
para esmagar Nove assim que ele estiver perto o suficiente.
— Ele sabe o que está fazendo? — Sam pergunta.
— Ele alguma vez soube? — falo de volta.
Nós atingimos o final do campo atrás da estátua da Liberdade.
Naquele ponto, Daniela tropeça e cai de joelhos, incapaz de seguir adiante.
— Ah cara, minha cabeça vai explodir — ela reclama.
Ela se agacha e massageia os olhos com os punhos.
— O que há de errado com ela? - Sam me pergunta.
— Eu não sei!
Nossos olhos se encontram e nós dois percebemos ao mesmo tempo.
Juntos, Sam e eu viramos em direção de Daniela.
— Ela está desenvolvendo um novo Legado! — Sam diz.
Eu me abaixo perto dela.
— O que quer que esteja acontecendo com você, Daniela, deixe
acontecer! Solte tudo e... — eu sou interrompido assim que o mogassauro ataca
Nove.
239
O impacto é gigante. A besta deixa um buraco de dois metros no formato
de uma mão no concreto da praça. Primeiro penso que de maneira nenhuma
Nove pode ter sobrevivido a isso. Mas então eu o vejo usando seu Legado
antigravidade para correr pelo antebraço do mogassauro.
O monstro ruge enraivecido e ataca Nove com sua outra mão. Nove corre
pela parte de dentro do antebraço da criatura no momento certo, escapando do
impacto. Ele é rápido e está preso ao mogassauro, se movendo cava vez mais
acima do braço como um inseto irritante. Não tenho certeza sobre o que ele vai
fazer quando chegar até a cabeça do monstro. Se eu tivesse que apostar, diria
que Nove também não sabe.
— John! — alguém grita atrás de mim. — John! Me solte!
Eu me viro para ver Cinco lutando através da grama de joelhos. Nós o
deixamos lá todo amarrado com as cordas que pegamos do barco da guarda
costeira. Ele não tem a sua espada ou sua bolinha para transformar a pele em
metal, então Cinco no momento é inofensivo como ele sempre vai ser.
— Ah, de jeito nenhum — Sam diz, olhando para Cinco.
— Eu sei o que é aquela coisa — Cinco fala, olhando para nós. Ele se senta
de joelhos, suas mãos atadas a sua frente e me olha. — Eu sei como matá-la. Eu
posso te ajudar.
— Me conte.
— Setrákus Ra chama isto de Caçador — Cinco fala rapidamente. — Ele
estava criando isto enquanto eu ainda estava abordo da nave Anubis. Ele tem
pingentes lóricos nos olhos e pode usá-los para sentir a localização de qualquer
Garde. Não há fuga, nós temos que matá-lo.
Enquanto Cinco fala, Nove alcança a ponta do ombro do Caçador. A besta
desiste de tentar esmagá-lo. Agora ele gira a cabeça e tenta engolir Nove
inteiro. Nove responde batendo com a ponta quebrada de uma das barras de
ferro na boca do monstro. A criatura gira a cabeça e grita.
Perto de mim, Daniela resmunga. Sam ajoelha perto dela e acaricia suas
costas.
— Vamos lá, faça o que John disse — Sam tenta, mas a única resposta de
Daniela é um resmungo. Ele olha para mim. — Nós precisamos descobrir algo!
Se algum de vocês tem um novo superpoder foda, agora é hora de usá-los!
— Ele precisa ir para os olhos, John — Cinco insiste, ignorando tudo menos
a mim. — Me solte. Eu posso te ajudar.
— Por que diabos devo confiar em você? — pergunto.
A expressão de Cinco é sombria. Eu o vejo forçando suas amarras,
testando-as. Ele me olha e posso ver que ele está fazendo um esforço imenso
para controlar a sua raiva.
240
— Porque eu poderia me libertar disso se eu realmente quisesse — Cinco
me responde. — Mas eu não vou. Você salvou a minha vida, John, e não
importa o que você pense, não sou como ele.
Eu sei exatamente de quem Cinco está falando. Setrákus Ra e Pittacus
Lore. Misericórdia seguida de traição.
— Eu quero ajudar — Cinco grita. — Me deixe ajudar.
— Que se dane-se — Sam diz, tomando a decisão por mim. Ele pega a
lâmina de punho de Cinco, a estende e destrói as amarras dele. — Todos a
bordo.
Olho novamente para o monstro. Nove bate com o resto da sua barra de
ferro na lateral do pescoço do monstro diversas vezes. Posso ver um pouco de
sangue preto espirrar, mas ele definitivamente não está fazendo muito dano ao
monstro. Então o mogassauro o ataca novamente. Desta vez ele acerta Nove e
ele é forçado a recuar para as costas do monstro.
Acima dos gritos do Caçador, escuto o som familiar do motor de
helicópteros. Um par de rápidos Black Hawks acaba de sair da ponte do
Brooklyn e está a caminho. Então a agente Walker não é totalmente inútil no
fim das contas.
— Você pode me devolver? — Cinco pede a Sam, esticando a mão para a
sua arma.
— Não — eu digo, me colocando entre eles. — Você disse que podia
ajudar. Vá ajudar.
Cinco suspira.
— Certo. Vou fazer do jeito difícil — ele flutua um pouco acima do chão e
me olha. — Vamos lá John. Me incendeie.
— O quê?
— Me incendeie! — ele grita.
Eu não preciso de motivos para machucar Cinco. Acendo meu Lúmen e
lanço uma pequena bola de fogo nele. Ele a deixa acertá-lo e imediatamente
sua pele está coberta em chamas.
— Obrigado — ele diz, e sai voando na direção do Caçador, nosso próprio
míssil em chamas.
Eu me agacho próximo a Daniela e pressiono minhas mãos contra a cabeça
dela. Deixo meu Legado de cura fluir, esperando que isto a ajude com a dor.
Não é realmente meu Legado de cura, sabe? É Ximic, e a cura é o único Legado
que eu sou realmente bom em copiar.
Não ajuda Daniela, mas algo acontece quando a energia flui entre nós. De
repente, percebo exatamente o que está acontecendo dentro dela. Eu posso
241
sentir também. Uma pressão atrás dos olhos. Um peso grande que parece estar
tentando atravessar minha face.
— Está me destruindo! — Daniela grita.
— Agh, eu sei! Eu também sinto! — respondo, segurando os lados da
minha cabeça como se meu crânio pudesse se quebrar ao meio.
Enquanto isso, Cinco, que é pura velocidade e calor, voa direto para dentro
de um dos olhos do Caçador. Há um som doentio e o monstro grita mais alto do
que nunca. Um momento depois, um buraco explode na nuca do monstro e
Cinco sai por ele. Ele segura algo, que deve ser um dos pingentes lóricos.
— Puta merda — Sam diz. — Isso foi nojento, mas funcionou.
O Caçador acabou de receber um homem bala através do seu cérebro.
Aposto que ele sente algo bem parecido com o que eu e Daniela sentimos
agora. Ele não cai morto como eu esperava. Ao contrário, ele está apenas mais
nervoso. Ele se joga na direção de Cinco, que desvia rapidamente. Ainda
agarrado à besta, mas agora tendo a noção de como realmente machucá-la,
Nove começa a subir em direção aos olhos restante.
E então os Black Hawks chegam. Eles bombardeiam o Caçador com mísseis
que apenas irritam o monstro. Embora eu aprecie a ajuda, as armas deles não
vão machucar esta coisa. Há uma boa chance de que aqueles pilotos acabem
apenas sendo mortos ou acertem Cinco e Nove por acidente.
O Caçador destrói tudo ao redor, esmagando o resto da praça e quase
derruba um dos helicópteros com as costas da mão. Isso faz com que seja
extremamente difícil para que Cinco consiga atacar novamente os olhos da
criatura. Quando o Caçador inclina a cabeça e ruge, o bafo é suficientemente
poderoso para tirar Nove do rosto do monstro.
Ele voa para longe do Caçador e despenca centenas de metros para o
chão. Tento segurá-lo com a minha telecinesia, mas estou muito longe e minha
cabeça está doendo tanto que não consigo me concentrar.
Cinco desce rapidamente, o fogo extinto. Ao invés de atacar novamente,
Cinco pega Nove no ar pelo pulso. Ele o coloca gentilmente no chão. Em
resposta a isso, Nove o soca bem no meio do rosto. Porque é isso o que ele faz.
Os pilotos dos helicópteros estão indo para um novo ataque. Cinco e Nove
estão bem na cola do Caçador. O ataque vai começar em um segundo.
— Se vocês vão fazer algo, agora é a hora! — Sam grita.
Eu não sei o que fazer. Consigo sentir o Legado que eu copiei de Daniela
crescendo dentro de mim, mas não tenho ideia do que ele faz ou como usá-lo.
Eu estou falhando aqui. Tudo o que consegui foi uma dor de cabeça gigantesca.
Tem que haver mais que isso.
242
Com um choro angustiado, Daniela levanta rapidamente. Ela empurra nós
dois ao mesmo tempo e grita:
— Eu tenho que deixar sair!
Daniela abre os olhos e solta um raio de energia prata que atinge o
Caçador. No começo, ela está completamente fora de controle, mas o raio de
energia que parece dolorosamente grande e que pode destruir a cabeça dela
atinge o corpo todo do monstro. Mas depois de alguns segundos, Daniela
assume o controle. O raio fica mais fino e mais preciso. O resultado é melhor do
que eu poderia ter imaginado.
O Caçador dá um grito confuso, olha para baixo e vê o seu corpo
gigantesco se transformando em uma estátua de pedra. Assim que vejo Daniela
fazendo, percebo que consigo fazer também. Eu me foco no peso atrás dos
meus olhos, como uma pedra começando a descer uma colina, e a empurro.
Minha visão fica cinza enquanto o raio sai pelos meus olhos. É difícil no começo,
tenho que controlar meus olhos, então não é fácil ser preciso, mas pego o jeito
rapidamente. Daniela também. Logo nos estamos pintando faixas cinzas no
corpo todo do monstro confuso.
O Caçador tenta correr em frente para pegar Nove e Cinco, mas suas
pernas não estão mais funcionando. Elas são pedaços sólidos de rocha.
Está acabado alguns segundos depois. Parado ao lado da estátua da
Liberdade existe uma tumba cinza dá mais formidável criação mogadoriana que
já vi, e vai estar aqui para sempre, congelada em uma máscara de confusão e
raiva. Cinco e Nove encaram a coisa, confusos o bastante para não brigarem um
com o outro. Os helicópteros circulam ao redor da criatura, obviamente vendo
que a besta não é mais uma ameaça.
— Minha nossa — Daniela responde, e se inclina em mim para se apoiar.
— Aquilo não foi nem um pouco gostoso de fazer.
Eu massageio meu rosto.
— Não brinca!
— Aquilo foi incrível! — Sam grita. — Você é como uma Medusa.
— Esse não vai ser meu nome de super-herói — Daniela responde
nervosa. — Ugh.
— E você é como... como... — Sam está muito excitado para conseguir
falar.
— Como Pittacus — termino por ele.
— Puta merda, sim! Isso é grande. Você percebe o quão importante isso é?
— É imenso.
— Você está, tipo, roubando os holofotes do meu novo Legado — Daniela
resmunga.
243
Balanço minha cabeça e gargalho, na verdade me sentindo aliviado pela
primeira vez em dias. Nove anda até o monumento do monstro, com as mãos
nos quadris, e bate na pedra. Enquanto ele faz isso, Cinco volta para o resto de
nós. Noto que ele pendurou o pingente lórico que arrancou do monstro ao
redor do seu pescoço. Fico imaginando se este é o seu pingente original que ele
entregou ou foi tomado por Setrákus Ra, ou se pertence a um dos Gardes
mortos. Eu não pressiono o assunto agora. Ele estende as mãos.
— Bem, eu tentei — ele diz. — Você pode me amarrar de novo se quiser.
Troco um rápido olhar com Sam. Sei que Cinco acabou de nos ajudar, sei
que ele disse que poderia ter quebrado aquelas amarras se precisasse, mas me
sinto mais confortável com ele amarrado. Ele é um descontrolado e um
assassino. Eu não sei se algum dia serei capaz de confiar nele.
Enquanto pego as cordas que Sam cortou há alguns minutos atrás, a
Agente Walker e seu time sobrevivente andam em nossa direção. Ela está em
seu telefone via satélite no meio de uma animada discussão.
Enquanto ela não está prestando atenção, agente Murray sorri para nós e
ergue os dois polegares em um sinal de agradecimento.
Os helicópteros pousam a uma distância em um dos pequenos espaços
que não foram demolidos pelo Caçador. Acho que eles vieram para nos levar de
volta ao acampamento militar. Tenho que descobrir o que aconteceu com os
outros Gardes. Eu não tenho nenhuma cicatriz nova na perna, o que significa
que a batalha foi ganha, ou que ainda está acontecendo. Preciso chegar até
eles, até Setrákus Ra, e colocar esse novo Legado em uso.
Bem, pelo menos o que aprendi a usar dele.
— Sim, senhor — Agente Walker diz ao telefone, então o segura longe do
rosto, piscando em choque como se ela não conseguisse acreditar no que está
acontecendo. Ela parece mais surpresa pela conversa do que pela estátua
gigante de monstro que eu e Daniela acabamos de fazer. Ela segura a boca do
telefone e o estende pra mim. — John, hum... o presidente quer falar com você
— ela assente com a cabeça. — Ele aparentemente... hã ... mudou sua opinião
sobre total suporte aos lorienos. Ele quer você em Washington imediatamente
para discutir a estratégia.
Deixo as cordas com Nove. Ele está todo feliz por ser ele quem irá amarrar
Cinco.
— Me salvar de cair não nos deixa quites — eu o ouço murmurar para
Cinco.
— Não, não deixa — Cinco responde.
Eu os ignoro por agora. Estou prestes a falar com o Presidente. Eu balanço
a cabeça, encarando Walker.
244
— Isto é algum tipo de pegadinha, não é?
— Não — Walker diz, balançando o telefone pra mim. — Ele é de verdade.
Soa incrivelmente louco, aparentemente, mas sua filha mais velha acabou de
experimentar algum tipo de... visão? Onde você deu um discurso?
Sam não consegue segurar a risada.
— Não pode ser.
Walker olha para nós.
— Eu perdi alguma coisa?
— Não — eu digo, sorrindo e pegando o telefone. — Eu te explico depois.
Antes que Walker possa me entregar o telefone, meu próprio telefone
começa a vibrar no meu bolso. Somente duas pessoas no mundo tem aquele
número – Sarah e Seis. A luta com Setrákus Ra deve ter acabado se elas estão
me ligando. Caramba, talvez elas até tenham matado aquele velho puto.
— Desculpa — eu digo a Walker, pegando meu próprio telefone. Ela me
olha como se eu fosse louco. — Diga para o Presidente esperar, eu tenho que
atender esta.
Atendo o telefone e imediatamente meu bom humor evapora. Ouço
barulhos, explosões a distância e muitos gritos. Acho que é Mark e ele parece
completamente louco, gritando para alguém acordar. Minha barriga dá um nó.
E então Sarah começa a falar.
— John... — sua voz parece trêmula, fraca. — Escute, eu não tenho muito
tempo...
245
Capítulo vinte e cinco
— SEGUREM FIRME! — LEXA GRITA PARA TRÁS DO ASSENTO DO PILOTO, E
A NAVE balança violentamente para o lado. Tiros de canhões passam através
do ar do lado de fora, quase nos atingindo. Ela faz outra manobra evasiva e
nos joga com força para à direita.
A Anubis está nos caçando, descarregando a energia de seu canhão toda
vez que ela tem qualquer coisa na mira. Ainda assim, tenho fé que Lexa vai
nos tirar dessa, vivos. Nossa nave é menor, mais rápida, e ela é uma excelente
piloto.
— O que está havendo aí atrás, Seis? — ela grita, suor escorrendo pelo
seu rosto enquanto ela nos leva para baixo, mais adentro da floresta, usando
as árvores como cobertura. — Seis? Fale comigo, Seis!
Do outro lado do corredor, Ella está sentada com as costas apoiada na
parede, seus joelhos dobrados, encostando-os no peito. Ela se abraça e oscila
para frente e para trás, chorando. Seu rosto está manchado com aquele lixo
oleoso, mas pelo menos ele parou de fluir para fora dela. Ainda há o crepitar
ocasional da energia lórica ao redor de sua cabeça.
— Eu o avisei — ela sussurra para si mesma, de novo e de novo. — Eu
avisei todos vocês que isso iria acontecer.
Marina jaz num sobretudo nos fundos da nave, inconsciente e muito
mal, seu corpo amarrado no chão para não ser arremessado durante mais
uma manobra evasiva. Eu não quero nem pensar em quantos dos seus ossos
estão quebrados, ou se ela vai acordar outra vez.
Isso não impede Mark, desesperado e choroso, de chacoalhá-la
violentamente pelos ombros.
— Acorde! — ele grita na frente dela. — Maldita seja você que tem o
Legado da cura! Você tem que acordar e curá-la!
Adam se joga sobre ele. O mogadoriano empurra Mark com força contra
a parede e pressiona seu antebraço direito contra o pescoço dele. Mark luta
em resposta, então Adam continua pressionando até ele parar.
— Pare! Você pode matá-la, chacoalhando-a desse jeito! — Adam rosna.
— Eu preciso — Mark implora.
Adam chacoalha a cabeça dele com força.
— Não há nada que você possa fazer — ele diz, tentando não parecer
tão frio.
Mark pressiona sua testa contra a do Adam e grita:
246
— Nós nunca deveríamos ter vindo aqui!
Todo o caos não parece incomodar Sarah. Ela olha para mim e ri, em
paz. Ela está mais pálida que nunca. Um segundo atrás, eu lhe entreguei meu
telefone via satélite para que ela pudesse ligar para John.
— John... escute, eu não tenho muito tempo — ela diz, sua voz baixa e
fraca.
Minhas mãos estão cobertas com sangue de Sarah. Estou fazendo o
meu melhor para parar o sangramento, mas o ferimento é muito grande. Eu
mal sei exatamente o que a acertou, havia tantos objetos voando através do
ar. Alguma coisa grande e pontuda. A atingiu bem na lateral, acima do quadril
e saiu pelo outro lado. Acertou grande parte de sua cintura. Eu fui atingida
por alguns tiros durante aquela luta contra Setrákus Ra, mas eu vou
conseguir.
Sem Marina, Sarah não tem chance.
Ela me arrastou para longe da pista de pouso onde eu ainda estava
paralisada. Eu não sei como ela o fez, sangrando tanto. Adrenalina? Sua força
se esvaiu quando chegamos na floresta. Eu tive que carregá-la pelo resto do
caminho até a nave de Lexa.
O chão está coberto com o sangue dela. Assim como minhas roupas.
Está por espalhado por ambas as minhas mãos. Isso aconteceu por
minha culpa. Porque ela não me deixaria enfrentar Setrákus Ra sozinha.
Garota estúpida. Ela provavelmente salvou minha vida.
— Por favor, John, não fale, apenas escute... — Sarah diz. — Você
precisa saber, que desde o primeiro momento que eu o vi em Paradise High,
eu sabia que iriamos nos apaixonar. E eu nunca me arrependi nem um
segundo sequer. Nem mesmo agora. Eu te amo com todo meu coração, John.
E sempre amarei. Tudo... tudo valeu a pena.
A nave se inclina com força para a esquerda. Mesmo se eu matasse
Setrákus Ra lá, não impediria de sermos caçados pela Anubis. Como vou
explicar isso para John? Como vou viver com isso?
Deveria ter sido eu.
— Eu queria... eu queria poder ter visto você mais uma única vez —
Sarah diz baixinho, lágrimas caindo de seus olhos. — Talvez eu ainda vá vê-lo.
Estarei esperando por você, John, onde quer que seja. Talvez seja... seja
como Lorien. Ou Paradise.
Bernie Kosar jaz perto de Sarah. Ele choraminga e lambe o rosto dela.
Isso a faz sorrir um pouco.
— BK está aqui — ela diz para John, parecendo cada vez mais distante.
— Ele disse oi.
247
Sarah suspira. Tosse. Sangue escorre pelas laterais de sua boca, vindo de
dentro dela. Eu a vejo tentando lutar. Ela está se esforçando para ficar.
— Me prometa, John... me prometa que você vai continuar lutando. Me
prometa que vai ganhar. Não desista por nada, meu amor. Por favor, apenas
se lembre, eu te amo John. Eu sempre...
Sarah para de falar. Sua boca se move por mais alguns segundos, mas
nenhum som sai, e então ela para. Eu mantenho uma das mãos contra seu
estômago e continuo com a outra atrás de seu pescoço, mesmo já sabendo.
Ela se foi.