O PARADOXO INCLUSÃO-EXCLUSÃO: O DESAFIO DA
SUPERAÇÃO DA DISTÂNCIA TRANSACIONAL
Elton Ivan Schneider
FACINTER - Faculdade Internacional de Curitiba Mestrando EGC/UFSC – [email protected]
Eixo Temático: Formação de Professores
Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este artigo visa a apresentação de um modelo estendido de ecossistema de Educação a distância - EAD para a melhoria da distância transacional, agregando aos aspectos de interação e interatividade àqueles relacionados com a inclusão de alunos deficientes, mediante a acessibilidade, as práticas sociais e peculiaridades de linguagem. Além da fundamentação teórica, embasada nas teorias cognitivas, comportamentais e situacionais, será apresentado também um estudo qualitativo por meio de entrevistas com pessoas portadoras de deficiência visual e auditiva, buscando a correlação de algumas situações com práticas já corriqueiras da EAD. Como evidenciado nos excertos das entrevistas, as vivências dos alunos em várias situações do dia a dia de aprendizagem mostram o quão difícil é, de fato, materializar a inclusão assumindo, em certos momentos, situação de exclusão. A partir dos excertos das entrevistas também é possível perceber que apenas a melhoria oferecida por algumas facilidades tecnológicas não dá conta de todos os elementos envolvidos para um efetivo processo de ensino e aprendizagem. Isto requer uma revisão nos processo de formação de professores, pois o aprendizado de LIBRAS é insuficiente para uma prática pedagógica com alunos surdos. É necessário inclui esta indicação na mesa que aborda formação do professor.
Palavras-chave: inclusão, surdos, Interatividade, distância transacional, EAD, formação de
professores. Introdução
O Censo EAD 2009 examina os principais problemas enfrentados pelas IES que
ofertam cursos na modalidade. Entre os seis principais problemas temos: evasão dos alunos
(40%), desafios organizacionais enfrentados pelas IES (36%), acompanhamento da evolução
tecnológica (32%), aumento da demanda por novos cursos e vagas (25%), pressão de
sindicatos (16%) e adequação legal aos alunos com necessidades educativas especiais (16%)
(ABED, 2009, p. 10). O mesmo relatório aponta, ainda: em 9% das IES não existe nenhuma
política ou procedimento institucional estabelecido para o atendimento desses alunos; em
12% dos casos essa responsabilidade é transferida ao professor da disciplina; em 27% dos
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casos a responsabilidade é transferida ao curso, à faculdade ou ao departamento; e em 15%
dos casos são feitas amostragens em alguns cursos/disciplinas visando à adequação dos
materiais ao aluno portador de necessidades educativas especiais.
A evasão de alunos na modalidade EAD no Brasil envolve: uma pressuposição de que
cursos em EAD são mais fáceis que cursos presenciais, falta de tempo, não adequação à
modalidade, problemas financeiros, entre outros. No decorrer da análise a respeito dos
motivos da evasão, são apresentadas informações a respeito de críticas e sugestões de
melhoria da modalidade, entre elas, a falta de acessibilidade para deficientes visuais e
auditivos. Entre os pressupostos para a oferta de cursos na modalidade a distância há a
necessidade de equipes multidisciplinares. No mesmo sentido, enfatiza-se a necessidade de
designers instrucionais, professores conteudistas, produtores de vídeo, programadores, mas
não se fala de profissionais especialistas para o atendimento de alunos com necessidades
educativas especiais. Destaca-se, ainda, o fato de o número de alunos portadores de
necessidades educativas especiais não ser mencionado, os departamentos de apoio ao aluno de
EAD, bem como, os serviços de suporte oferecidos não mencionarem o atendimento a cegos,
surdos ou portadores de outras deficiências como fator importante a ser analisado.
Para Bruno (2006, p. 53), no atendimento a alunos deficientes visuais, o ponto de
partida para atender às necessidades específicas desses alunos é o fato de o professor saber a
respeito das possibilidades e limitações visuais do educando. Tanto o aluno cego quanto o
aluno surdo são pessoas que lidam com questões referentes aos seus limites e possibilidades,
como também com os preconceitos existentes na forma como a sociedade as trata
(DAMÁZIO, 2007. p. 13). Para a autora, esses alunos podem ser prejudicados pela falta de
estímulos ao seu potencial cognitivo, socioafetivo, linguístico e político-cultural. Ou, como
afirma Pierucci (1999), em nome da diferença pode-se também segregar. Diante disso,
Damázio (2007) nos pergunta: “Que processos curriculares e pedagógicos precisam ser
criados para atender a essas diferenças, tornando a escola verdadeiramente inclusiva?” Não se
trata apenas de ofertar áudio, leituras, linguagem de sinais ou acesso facilitado à escola, “mas
de se utilizar os recursos necessários para superar as barreiras no processo educacional e
usufruir de seus direitos escolares, exercendo sua cidadania de acordo com os princípios
educacionais de nosso País” (DAMÁZIO, 2007, p. 14). Para Silva e Nembri (2008), as
barreiras impostas ao aluno surdo durante sua vida escolar impedem que o mesmo chegue ao
Ensino Superior, pois de 46 mil alunos matriculados no Ensino Fundamental e Médio menos
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de mil chegam ao Ensino Superior, afirma a autoras com base em dados do MEC. “O maior
problema são a falta de intérpretes nas escolas e a pouca difusão da Libras na sociedade”
(SILVA; NEMBRI, 2008, p. 119).
Superando a Distância Transacional
Nos processos educacionais é preciso diminuir a distância transacional, o que segundo
Tori (2010), ao apresentar esse conceito, a educação com uso de novas tecnologias e dos
ambientes virtuais de aprendizagem vai além da separação geográfica e temporal entre
professores e alunos, pois “envolve um espaço psicológico e comunicacional a ser transposto,
denominado distância transacional” (TORI, 2010, p. 60). Em sua análise sobre o assunto, o
autor identifica o diálogo existente entre professores e alunos como uma das variáveis a serem
consideradas. Para Tori (2010), “o diálogo na relação educacional é direcionado para o
aperfeiçoamento da compreensão por parte do aluno”. A segunda variável considerada
envolve a estrutura do programa, que deve ser previamente planejada incluindo espaços para
o diálogo e a interação entre alunos e professores no desenvolvimento do curso. A terceira
variável envolve a autonomia de participação do aluno no curso e uma linguagem
comunicacional que permita a participação de todos, incluindo aí o respeito às diferenças
individuais de alunos cegos e surdos, pois para Tori (2010) muita autonomia é necessária
quando o aluno se encontra distante do professor. Logo, a autonomia é uma forma de reduzir
a distância transacional.
A distância transacional, bem como a distância espacial e temporal, que são
características do estudo on-line e a distância, podem ser reduzidas com interatividade. Tori
(2010) coloca a interatividade como condição necessária ao diálogo. Dessa forma, quanto
maior a diálogo e a interatividade do ambiente, maior o potencial de redução da distância
transacional. A interatividade a que nos referimos é entendida como a capacidade de um
sistema ou ambiente de aprendizagem de possibilitar a interação. Já a interação é entendida
como um trabalho de trocas; uma possibilidade de diálogo entre indivíduos;, uma
possibilidade de influenciar e ser influenciado; e, por fim como uma possibilidade de reflexão
e aplicação prática de conceitos estudados. Por outro lado, interativo é um indivíduo que
realiza trocas com a comunidade onde está inserido, seja com colegas, professores ou tutores.
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Para um bom entendimento das possibilidades do uso de ferramentas virtuais de
aprendizagem, faz-se necessária uma explicação de suas denominações e possibilidades. Os
Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) também são conhecidos por Learning
Management System (LMS), Instructional Management System (IMS), Course Management
System (CMS) ou Learning Content and Management System (LCMS). Qualquer que seja a
denominação utilizada, um AVA tem como características principais o gerenciamento de
conteúdos e atividades; o uso de diferentes mídias em áudio, vídeo, textos e hipermídia; as
possibilidades de interação síncrona e assíncrona; e o trabalho colaborativo.
A redução da distância transacional e o uso de AVAs requerem de professores,
instituições de ensino e alunos a quebra de paradigmas. Thomas Kuhn (1996) propõe que
paradigma constitui-se em quadro teórico, regras metodológicas e axiomas que são aceitos
por uma determinada comunidade científica durante certo período de tempo. Essa quebra de
paradigmas indica a necessidade de criação de novos “modelos pedagógicos” (BEHAR, 2009,
p. 21). Um novo modelo pedagógico, na concepção de Behar (2009), compreende a utilização
de teorias da aprendizagem que são fundamentadas em diferentes campos epistemológicos.
Do paradigma interacionista tem-se os pressupostos de que o sujeito é construtor de seu
próprio conhecimento; do paradigma instrucionista, a visão de que o conhecimento é
transmitido ou transferido ao sujeito; do paradigma humanista, a visão de que as pessoas já
nascem com um saber, uma bagagem, e à medida que crescem desenvolvem a consciência, a
organização e o entendimento de como usar o conhecimento; do conexionismo, as relações
com os modelos de simulação em computadores, as redes neurais e os mapas mentais; e, por
fim, da teoria cognitiva social, o relacionamento social entre os indivíduos, as comunidades
de prática e a aprendizagem situada.
Para Behar (2009), um novo modelo pedagógico “pode ser embasado em uma ou mais
teorias da aprendizagem”. É preciso entender que na educação on-line e na educação a
distância o aluno está distante do professor no espaço e no tempo, e que existe, também, a
“distância transacional, pedagógica” (BEHAR, 2009, p. 23). As ferramentas propiciadas pelas
Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTICs), por meio dos AVAs, têm a
função de contribuir para a diminuição dessa distância transacional e pedagógica, assegurando
que o diálogo e a interação entre os atores do processo de ensino e aprendizagem sejam
efetivos; um novo modelo pedagógico que possa “não só superar a distância, mas concretizar
situações de um novo saber pedagógico” (BEHAR, 2009, p. 24).
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Figura 1: Quebra de paradigmas e a construção de novos modelos pedagógicos. Fonte: Elaborado pelo autor
Para Rifiotis (2010), com o advento da evolução tecnológica dos meios de
comunicação e da criação do ciberespaço, criou-se também o conceito de “comunidades
virtuais”, entendidas como grupos que emergem da reunião e colaboração em torno de
interesses comuns, sejam estes objetivos ou puramente interativos (RIFIOTIS, 2010, p. 35).
Dessa forma, redes sociais como Facebook, Twiter ou Orkut podem ser consideradas
comunidades virtuais puramente interativas, ao passo que as comunidades virtuais situadas
em ambiente virtuais de aprendizagem constituem-se de grupos com interesses e objetivos
que pressupõem padrões de relações sociais, regras, normas e linguagens, desenvolvidos
durante o processo de interação ou previamente definidos pelo instrutor da comunidade.
Rifiotis (2010) coloca, ainda, a importância da “competência comunicativa” nas comunidades
virtuais. A linguagem utilizada pelo grupo na comunidade é um indicador de pertencimento
ao grupo, isto é, “tem-se um sistema de códigos e regras interativas cuja percepção e
apreensão capacita os participantes a agirem de modos socialmente apropriados” (RIFIOTIS,
2010, p. 36).
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Petters (2006) enfatiza dois aspectos como sendo primordiais para o ensino não
presencial: a acessibilidade e a qualidade dos processos interativos de ensino e aprendizagem.
A acessibilidade engloba o acesso ao material didático impresso, a vídeos, a arquivos de
áudio, a participações em comunidades virtuais síncronas e assíncronas respeitadas os limites
e possibilidades de cada aluno, ou seja, a transcrição em linguagem de sinais para surdos de
áudio e vídeo, e disponibilização de conteúdos escritos em compatibilidade com os leitores de
tela para alunos cegos. A qualidade dos processos interativos engloba a possibilidade de
diálogo entre docentes, alunos e tutores, mas, muitas vezes, no ensino on-line e na educação a
distância, esse aspecto torna-se alvo de críticas por não ser dada a devida atenção ao diálogo
entre as partes, devido à grande quantidade de pessoas envolvidas, às vezes milhares de
alunos em um mesmo ambiente. Para Petters (2006), quando os estudantes são abandonados a
sua própria sorte com materiais de estudo, sem possibilidades reais de interação, “aumenta-se
a distância transacional e desrespeitam-se as necessidades individuais dos indivíduos.” O
diálogo é a caixa de ressonância que nos diz mais sobre nós como indivíduos do que nós
podemos descobrir de nós mesmos e para nós mesmos” (PETTERS, 2006, p. 81). Quando um
aluno não consegue dialogar com colegas e professores, uma parte importante do estudo
científico lhe é negada, ou seja, lhe é retirada a possibilidade de interação do “eu-mesmo”
com outras pessoas, a possibilidade de desenvolvimento da linguagem, uma vez que no
diálogo, segundo Petters (2006, p. 81), “o falar torna-se uma ação social”. Na leitura isolada
de livros isso não acontece, pois perde-se o sentimento de pertencimento dos indivíduos.
Em um processo de comunicação e interação entre aluno-professor, aluno-aluno e
aluno-conteúdo “considera-se que todo e qualquer recurso de comunicação possível deve ser
utilizado, a fim de potencializar as interações sociais, considerando as áreas cognitivas,
linguísticas e afetivas dos alunos” (DAMÁZIO, 2007, p. 19). Portanto, cada aluno pode ler,
ouvir, ver, ir adiante, voltar atrás, receber e modificar conteúdos e mensagens, possibilidades
estas entendidas como espaços educacionais em constante construção. O projeto “Educação
inclusiva: ambiente web acessível com objetos de aprendizagem para representação gráfica”,
desenvolvido pela UFSC, trabalha com a concepção de construir ambientes adaptativos que
possam ser utilizados por um maior número de pessoas, incluindo-se deficientes auditivos e
visuais. Cada um experimentando não mais a disjunção da emissão/recepção, mas coautoria
(SILVA, 2010, p. 15).
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Produzir material para ambientes virtuais, segundo Behar (2009), não é simplesmente
digitalizar um livro ou figuras e continuar trabalhando da mesma forma A arquitetura do
material deve prever encontros presenciais, atividades individuais e em grupo, pesquisas e
discussões de temas em atividades síncronas e assíncronas. A possibilidade de atividades
interativas nos ambientes virtuais de aprendizagem abre ao aluno a oportunidade de
identificar a relevância de um tópico ou conhecimento em um trabalho prático, e toma como
referência o modelo de aprendizagem situada (PRATA; NASCIMENTO, 2007, p. 113).
O ciberespaço, também conhecido como “rede”, “é o novo meio de comunicação que
surge da interconexão mundial de computadores” (LEVY, 1999, p. 17) e é capaz de integrar
múltiplas formas linguísticas que devem ser previamente pensadas e produzidas de forma a
convergirem no objetivo. “Assim, a linguagem, matéria-prima do design e da comunicação no
ciberespaço, configura-se como elemento essencial a ser analisado” (ROYO, 2008, p. 43).
Para Wenger (2001) não existe separação entre ação e conhecimento, entre manual e mental e
entre concreto e abstrato. A prática social dos indivíduos inclui tanto aspectos explícitos –
linguagem, instrumentos, documentos, imagens, símbolos, papéis definidos etc. – quanto
implícitos – convenções tácitas, normas não escritas, instituições reconhecíveis, formas,
compreensões encarnadas, suposições subjacentes e noções compartilhadas da realidade
(VILLELA, 2006).
A Inclusão de Alunos Surdos na Educação On-line e a Distância
Para Sacristan e Gómez (2007), os alunos aprendem e assimilam teorias, disposições e
condutas não apenas como consequência da transmissão e do intercâmbio de ideias e
conhecimentos, mas também, e principalmente, na escola e na sala de aula, onde as interações
sociais acontecem. Para Damázio (2007), estudar os processos de ensino e aprendizagem de
surdos envolve uma multiplicidade de fatores, como os limites e as possibilidades desses
alunos; os preconceitos; a falta de estímulos adequados ao seu potencial cognitivo,
socioafetivo, linguístico e político-cultural; a falta de estrutura nas escolas; e a falta de
professores preparados para lidarem com essa realidade. O processo de inclusão do aluno
surdo “deve respeitar sua identidade surda, sua cultura, sua comunidade” (DAMÁZIO, 2007,
p. 14). Strobel (2009) argumenta que a humanidade construiu seus conhecimentos por meio
da linguagem, de suas crenças, de seus hábitos e costumes, entre outras manifestações,
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criando, assim, a sua própria cultura, que não vem e nem está pronta, e se moderniza. Da
mesma forma, segundo Strobel (2009), a pessoa surda e a comunidade da qual faz parte criam
e vivem sua própria cultura. Isso significa que as pessoas que fazem parte da comunidade
surda possuem língua, ideias, crenças, costumes e hábitos próprios, formando, assim, uma
sociedade com comportamentos próprios do povo surdo.
Para reforçar esse argumento de Strobel, é possível traçar um paralelo com as idéias de
Maturana e Varela sobre a relação entre fenômenos sociais e de comunicação. Para um
melhor entendimento destes fenômenos, pode-se destacar que a comunicação é o
desencadeamento mútuo de comportamentos coordenados que se dá entre os membros de uma
unidade social. Os autores ressaltam, ainda, que o que torna a comunicação peculiar não é o
fato de ela resultar de um mecanismo distinto dos demais comportamentos, mas sim o fato de
ela ocorrer no domínio do acoplamento social (MATURANA E VARELA, 2001, p. 214-215).
Entender sobre as limitações dos membros da comunidade surda, e principalmente
entendê-los como um povo com uma cultura própria, permite-nos pensar a interação social
necessária na sala de aula para uma verdadeira inclusão do aluno surdo. Strobel (2009) coloca
ainda a importância de que se perceba a comunidade surda não como sendo formada apenas
de pessoas surdas, pois, na verdade, na comunidade surda existem também as pessoas
ouvintes, representadas pelos pais, colegas de escola, intérpretes, professores, amigos e outros
que compartilham interesses comuns em uma determinada localização. Também, Brown,
Collins e Duguid (1989) dizem que o conhecimento e a aprendizagem são fundamentalmente
situacionais, sendo em grande parte produto da atividade, da cultura e do contexto social no
qual estão inseridos o aluno, a escola e o que se quer ensinar. A inclusão deve ser vista como
uma possibilidade para toda a sociedade, não somente para a escola, mas também para
shoppings, restaurantes, órgãos públicos ou qualquer outro ambiente de interação humana.
Strobel (2009), que é surda, argumenta ainda que a inclusão de sujeitos na escola na
atualidade parece mais uma adaptação forçada ao mundo dos ouvintes: “Eu me sentia como
uma pessoa estrangeira no meio do ambiente escolar” (STROBEL, 2009, p. 113). Ser forçado
a estudar em uma escola que não fala sua língua, com os alunos ouvintes falando a língua
portuguesa para se comunicar, o aluno surdo comunica-se por meio da Linguagem Brasileira
de Sinais (Libras), para a qual, muitas vezes, não se tem professores adequadamente
capacitados a se comunicar em Libras, assim como também as vezes faltam materiais
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didáticos adequados para esse grupo de pessoas na sociedade. É importante ressaltar que essa
situação pode se transformar em um verdadeiro martírio para o aluno surdo.
Maturana e Varela (2001) afirmam que o fenômeno cultural se viabiliza como um caso
particular de comportamento comunicativo (generalizando para todos os seres vivos), e que as
condutas culturais são configurações de comportamentos que, adquiridos ontogeneticamente
na dinâmica comunicativa de um meio social, são estáveis ao longo das gerações. A
afirmação de Strobel (2009) vai de encontro a esse conceito ao argumentar que tão importante
quanto a língua e a estrutura na escola são os aspectos de socialização do aluno surdo, como o
fato de ter colegas capazes de se comunicar com o aluno surdo, realizar tarefas em grupo que
o incluam, realizar atividades esportivas e culturais inclusivas, ou, como questiona Strobel
(2009): “quem foi que disse que é só o sujeito surdo utilizar-se da língua de sinais que por um
passe de mágica ele passará a ter uma aprendizagem total? E a cultura como fica?” (op. cit, p.
114).
O Levantamento de Informações
O projeto “Educação inclusiva: ambiente web acessível com objetos de aprendizagem
para representação gráfica”, desenvolvido por uma equipe de professores e alunos de pós-
graduação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tem como objetivo trabalhar a
construção de um ambiente web acessível, que possa ser utilizado pelo maior número de
pessoas possível, incluindo deficientes auditivos e visuais. Como forma de aproximação entre
o pesquisador e o objeto de pesquisa, em fevereiro de 2011 realizou-se uma atividade de
grupo focal com alunos cegos e surdos de um Polo de Apoio Presencial (PAP) para educação
a distância, com o objetivo de identificar a realidade de estudos desses alunos no contexto da
EAD.
O PAP oferta 10 cursos de graduação com 1.876 alunos ativos e 43 cursos de pós-
graduação com 917 alunos ativos. Conta com uma equipe de 19 tutores para o atendimento
aos alunos, além de bibliotecária, secretárias, gestora e pessoal de apoio para a área de
equipamentos e informática. Do total de alunos de graduação, 12 são alunos com deficiência
visual, dois apresentam deficiência visual e física com dificuldades de locomoção e quatro são
deficientes auditivos. Nos cursos de pós-graduação ainda não existem alunos com deficiência
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auditiva ou visual. O PAP dispõe ainda de tutora com mestrado em Educação Especial para
atendimento aos alunos com deficiência.
Durante a realização da atividade foram levantadas informações sobre diferentes
aspectos e necessidades do aluno portador de deficiência. Do total de 18 alunos cegos e
surdos, compareceu ao evento nove alunos com diferentes níveis de deficiência. Os alunos
foram caracterizados como: deficiente visual total (DV) –quatro alunos; baixa visão (BV) –
quatro alunos; e deficiente auditivo total (DA) – um aluno. Do total de questionamentos feitos
ao grupo de alunos, foram selecionados questionamentos e respostas inerentes ao contexto
deste artigo. As respostas não são conclusivas, servem apenas de orientação para atividades
de pesquisas futuras com alunos portadores de deficiências que estejam realizando cursos
superiores na modalidade a distância com uso de ambientes virtuais de aprendizagem.
A seguir, apresentamos o conteúdo do questionário com as respostas dos alunos:
1. Quais as barreiras impostas pela deficiência?
• Para “L” (DV), “R” (BV) e “RM” (DV), a desatenção das pessoas: “Será que
ela me viu? Se é cega, não deve ter me visto, vou ficar quieto”.
• Para “T” (BV), barreiras de comunicação, principalmente em sala de aula:
“‘Vejam a figura, que bonita! Ela diz tudo, não preciso nem falar dela’. Há
exclusão dos grupos porque entendem a deficiência visual com uma
incapacidade pelo fato de não saberem como se relacionar conosco. A
interação com os colegas e o trabalho em grupo são essenciais para
aprendermos”.
• Para “D” (DA), a língua é a principal barreira, pois a comunidade surda usa
Libras, que é desconhecida das demais pessoas alfabetizadas: “Tento fazer
sinais diferentes para que as pessoas me entendam quando estou em um grupo
que desconhece minha língua” .
2. Diante de um conteúdo novo, quais são as maneiras que você usa para assimilar
tal conteúdo?
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• Para os alunos com deficiência visual, houve uma unanimidade: a leitura do
texto (fornecido com adaptações aos leitores de tela) em conjunto com a aula
do professor (nesse caso, o áudio da teleaula) e a possibilidade de rever, ou
melhor, de poder ouvir novamente a aula do professor (no caso da IES, as aulas
são disponibilizadas aos alunos 72 horas após a sua exibição ao vivo) ajudam a
fixar os conteúdos. Quando sozinho não funciona, é hora de pedir ajuda,
principalmente em matemática.
• Para “D” (DA) o problema é a leitura: “Minha língua oficial é Libras e as aulas
são apresentadas com linguagem de sinais, mas tenho muitas dificuldades com
a leitura e a escrita. Procuro ler todos os textos disponibilizados pelo professor,
mas tenho dificuldades em entender. Minha mãe, que é professora, me ajuda
no entendimento dos textos e na prática da escrita”.
3. Como você faz para superar/vencer uma dificuldade de aprendizagem?
• Para “M” (DV) e “V” (DV) “É preciso nos conscientizarmos de que estamos
com uma dificuldade de aprender e que sozinhos na leitura não vamos
conseguir aprender. Nessas horas é essencial o acompanhamento e apoio do
tutor para tirar dúvidas e orientar sobre como funciona”.
• Para “R” (BV) e para “L” (DV), o acompanhamento e apoio do tutor; para “R”,
somente na EAD ele encontrou alguém a sua disposição para lhe ajudar com as
dúvidas de conteúdo. “No restante dos anos de estudos, os professores me viam
como desinteressado e diziam que eu teria que encontrar meu próprio jeito de
aprender”, diz “L” (DV).
• Para “D” (DA), rever a aula do professor (as aulas da IES possuem intérprete
de Libras) e muita leitura para completar.
• Para “T” (BV): “Rever e ouvir novamente o conteúdo são o melhor jeito de
aprender, mas a atuação do tutor é importante, pois nem todos se preocupam e
também não sabem como se relacionar conosco”.
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4. Quais as principais dificuldades que você enfrenta ao usar o AVA?
Nessa questão há um conjunto de situações levantadas pelo grupo que envolve:
• formato de arquivos que não são lidos pelo Jaws ou Dox Vox;
• figuras sem descrição;
• biblioteca digital que não permite leitura pelo Jaws e Dox Vox;
• as aulas, muitas vezes, são feitas para “ver” e o professor esquece dos
deficientes visuais.
5. Você prefere aprender em grupo ou sozinho? Justifique sua resposta.
• Das duas formas, pois as limitações impostas pela deficiência, seja visual ou
auditiva, fazem com que o aluno tenha que estudar mais sozinho ou
coletivamente (opinião do grupo).
• Para “R” (BV), “RM” (DV), “V” (DV), “M” (DV) e “D” (DA), ler o livro da
disciplina e poder rever e/ou ouvir a aula do professor novamente se
constituem fatores importantes para a aprendizagem deles, assim como o fato
de a IES fornecer no AVA as aulas para que eles possam revê-las novamente é
um fator importante para o aprendizado. Livros em meio magnético compatível
com Dox Vox e Jaws, também fornecidos pela IES, ajudam no aprendizado.
• Para “T” (BV), “M” (DV), “A” (BV) e “V” (DV), o compartilhamento com os
colegas também é importante porque há a possibilidade de trocas, discussão em
grupo e melhoria dos relacionamentos. Para “M” (DV), em seu último período
de aulas, foram dois momentos: um de superação de seus próprios medos de
relacionamento “[...] nos primeiros meses de aula fazia tudo sozinha, no
máximo pedia ajuda a minha tutora, que me ajudava a chegar ao ponto de
ônibus no final da aula. Com a necessidade de realização de atividades práticas
em grupo, tive que me relacionar com os colegas e hoje sou parte de minha
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turma. Cada semana um novo colega me auxilia a chegar ao ponto de ônibus,
minha tutora continua importante e meus colegas hoje são meus amigos”.
Considerações Finais
Ainda que a evolução da tecnologia na atualidade tenha facilitado em vários aspectos a
integração da maioria dos deficientes às atividades de aprendizagem, através da conversão de
conteúdos para diferentes meios, conforme a particularidade de percepções, tal fato apenas
evidenciou que o problema se diversifica em uma série de caminhos. Mesmo que a
comunidade de cegos possa ouvir um texto sintetizado, a roupagem desse texto envolve
figuras de linguagem que são de difícil assimilação por parte dos seus integrantes, revelando
incongruências de conteúdo. A comunidade surda possui um problema mais complexo ainda,
pois a inclusão tem causado um verdadeiro choque, não apenas de comunicação, mas também
de cultura, similar à inclusão de um aluno estrangeiro em uma sala de aula que não é a sua.
Fica evidenciado pelas entrevistas que o aluno surdo se considera parte de uma comunidade
exclusiva, tornando ainda mais emblemático o paradoxo inclusão-exclusão.
A compreensão de um novo modelo abordando a distância transacional passa por uma
visão sistêmica e complexa sobre a relação entre os novos modelos pedagógicos, o professor,
o tutor e os ambientes virtuais, o que exige que a formação do professor aborde estas
questões. O relacionamento entre seres humanos e tecnologia, para aumentar sua abrangência
e permitir a inclusão de alunos deficientes, precisa ser revisto e retroagido no que se refere a
seus vários elementos – linguagem e diálogo, interatividade e interação, cooperação e
colaboração – em conjunto com a acessibilidade e prática social. Um processo de
desenvolvimento de competência comunicativa é necessário, o qual deve melhorar a sinergia
dentro das comunidades de prática. A partir de uma visão integrada entre várias teorias e
correntes sobre a aprendizagem, deve-se quebrar os paradigmas sobre a aprendizagem
relacionada à aprendizagem inclusiva. É preciso cuidar também para que o próprio processo
de inclusão não exclua o público-alvo, para o qual se procura fornecer mais alternativas e
oportunidades de crescimento e desenvolvimento na sociedade.
REFERÊNCIAS
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