Apesar de todas as dificuldades
que vivemos na rotina do passado,
sempre encontramos tempo
para nos dedicar ao
abstrato
.
Crédulos e
férteis em imaginação,
retratamos as existências de
deuses e deusas, seres mitológicos,
dezenas deles, centenas, milhares...
Pensando nisso,
após observar o que temos vivido
neste mundo que transborda conceitos
enquanto carece de cons(c)ertos,
eu me perguntei:
qual de todos os seres mitológicos
seria realmente importante para
este nosso mundo de hoje?...
Lembrei-me de Orfeu,
filho da musa Calíope e de Eagro,
rei da Trácia (região da antiga Grécia.)
De fato ele não foi um poeta e não se
dedicou à oratória ou à arte da retórica.
Foi o músico mais talentoso que já existiu.
Ganhou a sua lira diretamente de Apolo
(que, segundo a interpretação de alguns,
era o seu verdadeiro pai ― um deus.).
Por isso,
talvez, Orfeu
aprendeu a tocar
o seu belo instrumento
com tal perfeição que nada
podia escapar ao encanto
de sua música...
Os seres humanos,
e todos os outros animais,
abrandavam-se aos seus acordes
e ficavam em transe, pacíficos,
perdendo suas ferocidades.
As árvores e até
os rochedos ou as rochas
eram sensíveis ao seu canto,
“quando perdiam algo de suas
durezas: amaciadas pelas notas
harmoniosas de sua lira”.
Assim eu fiquei imaginando
a importância de Orfeu voltar
a existir entre nós neste mundo:
para abrandar nossas ferocidades
além de amaciar nossas durezas.
E ainda me resta lembrar de
que a música, relacionada a Orfeu,
teve efeitos em feitos de importâncias
históricas mais decisivas...
É o que a história deste mito revela.
Ele foi um dos 50 notáveis que atenderam
o chamado de Jason, d´os argonautas,
para buscar o Velocino de Ouro.
Na embarcação, em alto mar,
com sua lira Orfeu acalmava
as brigas que aconteciam
entre os tripulantes.
E aconteceu mesmo que,
durante a viagem de volta,
Orfeu salvou a todos, quando
seu canto silenciou as sereias,
responsáveis pelos naufrágios
terríveis das embarcações.
(!) Assim
podemos imaginar
o imenso poder da
música de Orfeu...,
capaz de silenciar as
encantadoras sereias,
cujos cantos eram
celebrados como
... irresistíveis.
Enfim, em terra,
o próprio Orfeu foi
seduzido pelo romantismo
de sua música..., este fator
que até então não tivera
a oportunidade para se
mostrar externamente.
E Orfeu foi levado ao amor,
na extrema beleza da
jovem Eurídice...,
por quem
se apaixonou
perdidamente
...,
o que deu início
à sua legendária história
propriamente dita... ou,
pelo menos em parte,
apropriadamente,
humana.
Uma história de amor e,
então, uma história com fatos
de naturezas mais comuns...
Conta a lenda que Eurídice
atraiu a atenção de outro
homem, um jovem
pastor..., Aristeu.
No dia da boda, Eurídice,
ao fugir daquele admirador
enlouquecido de amor
que a perseguia,
pisou numa cobra
que a picou mortalmente.
Orfeu, em vão
tentou socorrê-la...,
e ela, então, foi
imediatamente
sugada para
o reino dos
mortos.
Orfeu não desanimou,
mesmo em extremo desespero.
Tomou a sua lira, desceu pelo Henaro
às margens do Estige, domou pela doçura do seu canto
as divindades infernais, tornou-as sensíveis às suas dores
e obteve delas a ressurreição de sua noiva.
Porém,
os deuses Plutão e Prosérpina
impuseram-lhe uma condição,
ficando Orfeu proibido de olhar
para Eurídice antes de haver
passado o último limite
dos infernos...
E assim foi:
“... Dirigia-se Orfeu para
a saída das moradas infernais
por um caminho em aclive...
“Já os namorados alcançavam
as portas do mundo, quando,
impaciente para ver aquela
que o seguia, o desgraçado
amante se voltou...,
“― e viu Eurídice,
mas pela última vez.
“Ela se esquivou
aos seus braços...,
“e, para sempre,
recaiu nos abismos
.”
“Não tendo os deuses consentido
uma nova descida aos infernos,
Orfeu retirou-se para a Trácia
onde não cessou de chorar
e de cantar os seus
sofrimentos.”
(...)
“Orfeísmo”.
Uma das interpretações deste mito
se refere àqueles tipos de pessoas
que se dedicam a ajudar os outros
― mas que não se mostram
capazes de se ajudarem...
“Orfeísmo”.
E eu diria que a lenda de Orfeu
diz respeito a um ser de natureza
divina que amou para sentir
a plenitude de ser
humano. ...
SER HUMANO,
esta criatura inspirada em deuses
ou em Deus (se você for como este
que acredita nas necessidades da
existência de um Deus somente...).
Deste que gerou o Homem para ser
receptáculo de sua imaginação divina
e de sua inspiração musical ― para
enfim definir o alcance do imenso
poder do amor..., poder de amar!
Assim, para nós,
humanos, o amor não
tem o poder da ressurreição.
Mas mesmo assim ele nos é
imprescindível, indispensável,
e, se às vezes sofremos por amar,
sempre sofremos pela solidão
― quando vazios de amor!
Enfim, para nós,
a história de Orfeu
parece corresponder a esta
teoria existencial que nos diz:
precisamos do amor para
nos motivar a existir e,
de fato, na realidade,
só nos importamos
com a perda do
que amamos!
Uma teoria que também inegavelmente se mostra inspirada em Deus,
este que nos deu belezas dignas de filhos e habilidades especiais
dignas de serem apreciadas e até... amadas.
Por isso, pela nossa ARTE, Deus nos amou e ainda nos ama.
E por isso ainda existimos..., eu imagino..., e até penso que, se um dia
Ele deixar de nos amar..., não se importará em nos perder.
Luz, Setembro de 2011
Lanier Wcr