UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE PEDAGOGIA
Maria Verônica Neves de Lima
O ENSINO DE GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DESCRIÇÃO/REFLEXIVA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DESENVOLVIDA NA
ESCOLA PÚBLICA
NATAL/RN
2011
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Maria Verônica Neves de Lima
O ENSINO DE GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DESCRIÇÃO/REFLEXIVA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DESENVOLVIDA NA
ESCOLA PÚBLICA
NATAL/RN 2011
Trabalho apresentado ao Curso de Pedagogia, do Departamento de Educação, vinculado ao Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para conclusão do Curso e obtenção do título de Licenciada em Pedagogia.
Orientador: Dr. Francisco Cláudio Soares Júnior
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Maria Verônica Neves de Lima
O ENSINO DE GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DESCRIÇÃO/REFLEXIVA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DESENVOLVIDA NA
ESCOLA PÚBLICA
Aprovada em: ____/____/____
Profº Dr. Francisco Cláudio Soares Júnior Orientador
___________________________________________________________________
Profª Drª Giane Bezerra Vieira Membro
___________________________________________________________________
Profº Ms Francisco Vitorino de Andrade Júnior (Doutorando do PPPed/UFRN) Membro
Trabalho apresentado ao Curso de Pedagogia, do Departamento de Educação, vinculado ao Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para conclusão do Curso e obtenção do título de Licenciada em Pedagogia.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por iluminar meus pensamentos e me fazer capaz nos
momentos em que me senti desestimulada.
A meus pais, que me ensinaram desde muito cedo que o conhecimento é o
maior legado que poderiam me deixar.
Ao meu esposo amado, pela compreensão e incentivo durante o período da
elaboração desta monografia.
Ao professor Francisco Cláudio, que me acolheu, concedendo-me tempo, em
meio as suas inúmeras responsabilidades, dando suas contribuições para a
concretização desse trabalho.
Aos meus familiares pela torcida e incentivo.
A Christiane, que prontamente me ajudou revisando a formatação do meu
trabalho, obrigada pela atenção.
A Marcílio Campos pela contribuição, que consistiu na correção ortográfica
desse trabalho. Obrigada pelo presente.
A minha querida Sofia, pela felicidade que me inspira a realizar esse sonho.
Em meu ventre sei que você já compartilha da alegria dessa realização.
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Não sendo superior nem inferior a outra prática profissional, a minha, que é a prática docente, exige de mim alto nível de responsabilidade ética de que a minha própria capacitação faz parte. [...] Se não posso, de um lado, estimular os sonhos impossíveis, não devo de outro, negar a quem sonha o direito de sonhar. [...] não posso fechar-me a seu sofrimento e a sua inquietação por que não sou terapeuta ou assistente social. Mas sou gente.
Paulo Freire
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RESUMO
Propomo-nos nesta monografia refletir sobre a nossa prática de ensino na Educação
de Jovens e Adultos (EJA), em que focalizamos o ensino de Geografia em nosso
exercício docente inicial. Esta primeira experiência, além de nos possibilitar o
aprendizado teórico/prático, nos fazendo refletir sobre as contribuições dessa
experiência, ainda nos permite conhecer a rotina de uma sala de aula, executando
planejamentos e desenvolvendo um projeto pedagógico por meio de um processo de
ensino-aprendizagem que se reconhece os saberes prévios dos educandos como
elementos indispensáveis ao fazer docente. O estudo define-se como uma pesquisa
exploratória na qual fizemos uso do referencial teórico-metodológico: Brito (2005);
Rays (2003); Zabala (1998); Prazeres (2008); Araújo (2006); Benevides e Vlach
(2005); Freire (1987); Galvão e Soares (2004); Vilar (2010), entre outros,
relacionando-o ao relato de experiência como procedimento técnico que se ancorou
na abordagem qualitativa de auto-reflexão do nosso exercício docente. Para
realizarmos nossa prática, buscamos no campo empírico fazer observações
participantes em uma escola pública da rede estadual de ensino em uma turma
multisseriada da EJA, em que se faziam presentes 30 alunos do 2º e 3º ano do
Ensino Fundamental, pertencentes à classe social baixa, sendo em sua maioria
trabalhadores domésticos. Nesta investigação destacamos o valor educativo do
diálogo, de participação e da consideração do educando como sujeito portador de
saberes que devem ser reconhecidos. Portanto, buscamos considerar a
possibilidade de inserção dos saberes do educando na prática pedagógica em
formação inicial por meio da ruptura com a perspectiva convencional de ensinar
Geografia na EJA à luz da dialogicidade dos elementos didático-pedagógicos
indispensáveis no fazer docente
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Ensino de Geografia. Prática
Pedagógica.
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LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – O que sabemos sobre os direitos do empregado doméstico? ............ 32
QUADRO 2 – O que queremos saber sobre os direitos do empregado doméstico .. 32
QUADRO 3 – Confrontamento entre o que os alunos sabiam sobre os direitos dos
empregados domésticos e o que propõe a lei .......................................................... 33
QUADRO 4 – Respostas aos questionamentos sobre o que os alunos gostariam de
saber sobre os direitos do empregado doméstico .................................................... 33
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LISTA DE SIGLAS
EJA Educação de Jovens e Adultos
FNEP Fundo Nacional do Ensino Primário
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
CEAA Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos
CNEA Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo
CNE/CEB Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Básica
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
(Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a
Cultura)
MEC Ministério da Educação e Cultura
MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização
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SUMÁRIO
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................. 10
2 O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS .......... 14
3 DESCRIÇÃO REFLEXIVA SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO DE
GEOGRAFIA NA EJA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA ........................................ 25
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 48
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 51
ANEXOS ................................................................................................................... 54
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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Propomo-nos nesta monografia a refletir sobre a nossa prática de ensino na
Educação de Jovens e Adultos (EJA), em que focalizamos o ensino de Geografia,
em nosso exercício docente inicial em sala de aula. Essa experiência nos foi
oportunizada pela disciplina Prática de Ensino na Escola de 1º grau, ministrada pela
professora Karyne Dias Coutinho, na qual escolhermos uma turma da EJA para
desenvolvermos um projeto, levando-se em conta os interesses e as especificidades
desses educandos, para posteriormente socializarmos as experiências vividas,
descrevendo as etapas, conteúdos, recursos, bem como a relevância dessa prática
para a nossa formação.
Inicialmente, ao nos depararmos com uma turma composta por 30 alunos,
estando estes divididos em níveis de ensino diferentes, encontramos o nosso
primeiro desafio, que seria o de propor o mesmo conteúdo, mas para o seu
entendimento, precisaríamos pensar em atividades distintas que abordassem os
dois níveis. No entanto, também nos vimos incitados a transpor tal desafio,
visualizando possibilidades e aprendizagens mútuas. Ficamos apreensivos também
quanto à recepção que estes alunos nos dariam, pois como se tratavam, em sua
maioria, de adultos que tinham uma idade maior que a nossa, ficamos preocupados
quanto a aceitação das nossas intervenções. Para tal aceitação, sabíamos que seria
de fundamental importância alicerçar a nossa prática, desde o primeiro momento, no
diálogo, para que estes alunos se sentissem à vontade a fim de expressar suas
dúvidas e angústias, não só quanto ao conteúdo, mas também quanto à relação
professor/aluno em sala de aula.
Esta primeira experiência, além de nos possibilitar o aprendizado
teórico/prático, nos fazendo refletir sobre as contribuições dessa prática pedagógica,
tanto para o estudante de Pedagogia, como para a turma onde a prática foi
realizada, permite ainda ao professor em formação conhecer a rotina de uma sala de
aula, investigando e planejando o desenvolvimento de um projeto, não proposto por
terceiros, mas pensado para si e para os seus, objetivando sempre uma boa
formação para ambos. Nesta perspectiva, procuramos, em nosso fazer docente,
contribuir para a apreensão sistematizada dos conhecimentos dos educandos da
EJA por entender que o ato de ensinar não é uma doação ou uma imposição, “mas a
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devolução organizada, sistematizada e acrescentada dos conhecimentos que esses
alunos nos entregou.
É comum ouvirmos discursos que elevam os saberes do aluno como bases
para o desenvolvimento dos conteúdos apresentados. Com o intuito de refletir sobre
a produção da prática pedagógica em que se reconhecem, como elementos
indispensáveis no processo de ensino-aprendizagem os saberes dos educandos,
primeiramente propomos um questionamento quanto o fazer do professor: é possível
considerar, na nossa prática pedagógica, os saberes do educando como fatores
principais para o desenvolvimento dos conteúdos escolares por meio da
dialogicidade? Em nossas observações, procuramos explanar este questionamento,
acreditando que esta reflexão será de suma importância para os educadores da
EJA.
Para elucidarmos esta questão, buscando o reconhecimento da possibilidade
de inserção dos saberes do educando e sua contribuição para a prática do
professor, nos propomos a descrever sobre os processos sistematizados na prática
pedagógica em formação por meio da ruptura com a perspectiva convencional de
ensinar Geografia na EJA, objetivando a reflexão sobre o exercício docente inicial
em sala de aula, via inserção dos saberes do educando e da dialogicidade como
elementos didático-pedagógicos indispensáveis a prática do professor.
A educação de um grande contingente de jovens e adultos, que não a tiveram
em idade própria, é importante para o desenvolvimento da nação, haja vista o
avanço econômico e tecnológico, por isso o mercado passou a exigir mão-de-obra
cada vez mais qualificada. A formação dessas pessoas deve ser completa e voltada
para os problemas enfrentados diariamente pelo estudante da EJA, que são: a falta
de tempo para os estudos, (a maioria desses estudantes trabalham durante o dia), o
preconceito, a vergonha, a discriminação e as críticas vivenciadas por estes, tanto
no cotidiano familiar como na vida em comunidade. Neste aspecto, o ensino de
Geografia tem um papel central, visto que a mesma possibilita uma leitura crítica do
mundo, já que o seu objeto de estudo é a (re)produção do espaço geográfico
entendido como produto/processo histórico-social numa mobilidade da
natureza/sociedade/trabalho/cultura.
Para realizarmos nossa prática buscamos, no campo empírico fazer
observações participantes numa turma multisseriada da EJA, em que se faziam
presentes alunos do 2º e do 3º anos do Ensino Fundamental da Escola Estadual
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Governador Walfredo Gurgel, situada no município de Natal/RN. A turma era
composta por 30 alunos pertencentes à classe social baixa, sendo, em sua maioria,
trabalhadores domésticos.
Na nossa prática docente, destacamos o valor educativo do diálogo, da
participação e da consideração do educando como sujeito portador de saberes que
devem ser reconhecidos. Neste aspecto, fizemos relações entre prática pedagógica
e usos de técnicas de ensino sistematizadas por Brito (2005) e Rays (2003), como
também acrescentamos reflexões sobre a escolha dos conteúdos escolares
destinados aos alunos da EJA, sistematizados por Zabala (1998), constituindo o
corpus metodológico do nosso estudo.
Ao relacionarmos a teoria estudada com a prática pedagógica que
executamos na referida escola, fizemos uma descrição reflexiva do nosso exercício
docente, enfocando os procedimentos, a relação com os alunos no desenvolvimento
das aulas e a importância da relação professor/aluno no processo de ensino-
aprendizagem.
O estudo define-se como uma pesquisa exploratória na qual fizemos uso do
referencial teórico-metodológico apontado anteriormente, relacionando-o ao relato
de experiência como procedimento técnico que se ancorou na abordagem qualitativa
da auto-reflexão da nossa prática no processo de ensino-aprendizagem dos
conhecimentos geográficos na EJA.
Inicialmente procuramos fazer uma breve explanação sobre a realidade do
ensino de Geografia na EJA apontando suas características e deficiências nos
aspectos metodológico e formativo, principalmente no enfoque estreitamente ligado
a capacitação dos professores, ressaltando o uso de metodologias inadequadas
direcionadas aos estudantes jovens e adultos.
Em seguida relacionamos o referencial teórico estudado com o relato de
experiência da prática pedagógica, descrevendo a metodologia e os recursos
pensados para a aplicação dos conteúdos escolares no desenvolvimento das
situações de aprendizagens. Inserimos, ainda nesta parte, reflexões pertinentes
quanto à importância do diálogo no processo de ensino, bem como as dificuldades
enfrentadas em sala de aula pelo professor em sua formação inicial.
Ao refletirmos sobre a nossa experiência inicial, aprendemos que educar é
muito mais que reunir pessoas numa sala de aula e transmitir-lhes um conteúdo
pronto. É papel do professor, especialmente do professor que atua na EJA,
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compreender melhor o aluno e sua realidade diária. Enfim, educar é acreditar nas
possibilidades do ser humano, buscando seu crescimento pessoal e profissional.
Discute-se muito que a qualidade do ensino está diretamente ligada à
preparação do professor. No entanto, este professor aprende e reconstrói seus
saberes na sua experiência de vida e esta experiência é estreitamente influenciada
pelo poder público, pois sabemos que tanto a falta de capacitação dos professores
quanto seu reflexo na sala de aula, são influenciados pela falta de investimento na
educação por parte dos governantes.
O esforço em busca do aprimoramento educacional deve transpor as
barreiras políticas, cabendo ao professor da EJA se capacitar para atuar junto às
turmas de educação de jovens e adultos. Esta sua capacitação deve ser
reconhecida e valorizada, uma vez que esta modalidade de ensino acolhe jovens e
adultos que não tiveram a oportunidade de estudar no período certo e a busca do
reconhecimento da importância da EJA é, acima de tudo, compreender que
indispensável se faz erradicar o analfabetismo e não o analfabeto.
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2 O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
A educação de jovens e adultos é vista como uma modalidade de ensino
amparada por lei e voltada para pessoas que não tiveram acesso, ao ensino regular
na idade apropriada. Para melhor sistematizar o ensino na EJA, faz-se necessário
esclarecer como se deu a Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Para isso
fazemos uma retrospectiva da história dos movimentos que englobaram esta
modalidade de ensino no país.
A história da Educação de Jovens e Adultos apresenta muitas variações ao
longo do tempo, demonstrando estar estreitamente ligada às transformações sociais,
econômicas e políticas que caracterizaram os diferentes momentos históricos do
país.
Para compreendermos tais transformações, faz-se necessário a inserção de
uma proposta de ensino voltada para os estudos desses aspectos na Educação de
Jovens e Adultos o que é de fundamental importância para que esses alunos
acompanhem as mudanças ocorridas e reconheçam os aspectos sociais,
econômicos e políticos como determinantes na melhoria ou na decadência do ensino
destinado a eles.
Neste sentido, propomos a inserção do ensino de Geografia, haja vista, o
avanço sensível dessa ciência nas últimas décadas, que por meio da teoria e prática
de uma Geografia crítica, particularmente comprometida com as questões
socioeconômicas que se desenrolam no espaço geográfico, contribuir para o
esclarecimento das relações determinantes entre homem e sociedade.
Para nos situarmos melhor, cabe lembrar que a Educação de Jovens e
Adultos teve sua origem ainda com a chegada dos jesuítas no Brasil. Porém, este
ensino era voltado para a catequização e “instrução” de adultos e adolescentes.
Essa concepção foi adotada para que os colonos pudessem ler o catecismo e seguir
as ordens e instruções da corte, visando também a catequização dos índios e, para
mais tarde, serem os trabalhadores que cumpririam as tarefas exigidas pelo Estado.
Os primeiros vestígios da educação de adultos no Brasil são perceptíveis durante o processo de colonização, após a chegada dos padres jesuítas, em 1549. Estes voltaram-se para a catequização e “instrução” de adultos e adolescentes tanto de nativos quanto de colonizadores, diferenciando apenas os objetivos para cada grupo social. (PRAZERES, 2008, p. 01).
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Com a expulsão dos Jesuítas, ocorrida no século XVIII, houve uma
desorganização do ensino até então estabelecido. Recursos coletados pela coroa
que outrora eram destinados à educação popular dos adultos e adolescentes,
seriam transferidos para a educação das elites. Com isto a educação toma moldes
elitistas, excluindo a camada menos favorecida e o sistema educacional da colônia
passa a não ser mais
Uma agência de congraçamento de raças e de franca aculturação democrática. Tendia, pelo contrário, a acentuar as linhas divisórias das etnias e das classes sociais, gerando essa perniciosa mentalidade que até hoje subsiste entre nós de considerar a educação de grau médio e superior como privilégio das classes econômicas mais favorecidas e abastadas [...]. (MATTOS, 1958, p. 153).
Ao ser finalizado o sistema de ensino Jesuítico, foram tomadas algumas
providências tendentes a substituir aulas e classes que foram suprimidas. Com isso,
a educação, que era dada quase exclusivamente em escolas confessionais, passou
a ser ministrada nas escolas régias por mestres nomeados de acordo com os
bispos. No entanto, ainda não se viam vestígios do retorno do ensino destinado aos
jovens e adultos. Esse só veio a ser lembrado apenas no século XIX, quando houve
um progresso na escolarização em grande parte das nações avançadas e “em terras
brasileiras [...] promoveu-se o acesso de segmentos populares aos bancos
escolares”. (ARAÚJO, 2006, p. 12).
No ano de 1934, a Constituição estabeleceu a criação de um Plano Nacional
de Educação, que indicava pela primeira vez a educação de adultos como dever do
Estado, incluindo em suas normas a oferta do ensino primário integral, gratuito e de
frequência obrigatória, extensiva para adultos.
Neste momento, podemos perceber uma maior preocupação com a EJA, em
que a associamos ao período em que a sociedade brasileira passava por grandes
transformações. Sendo essas o processo de industrialização e a concentração
populacional em centros urbanos, o que demonstra a interrelação entre homem e
sociedade, possibilitando a inclusão do sujeito no processo de apreensão da
produção do espaço geográfico, inserindo no ensino de Geografia um método de
pensar o espaço que favorece o papel central e decisivo do trabalho social na sua
construção histórico-social.
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Apesar dessa justificativa, não é possível visualizarmos esses
esclarecimentos nos objetivos das escolas de outrora ou mesmo nas da atualidade,
pois a produção do espaço, bem como sua compreensão, está atrelada às relações
de poder determinadas pela classe dominante e pela alienação dos professores,
assim como nos afirma Benevides e Vlach (2005, p.1773).
A produção do espaço obedece a interesses e objetivos das classes dominantes, demonstrando e fazendo-os ver a dimensão política irrecusável do espaço geográfico e, em consequência, da ciência que o investiga, é papel do educador [...]. Isso exige outras habilidades do professor de Geografia, de maneira que se faz necessária uma contínua capacitação desses profissionais.
Como consequência das mudanças ocorridas no espaço social em 1934,
houve um aumento de vagas no ensino destinado aos jovens e adultos.
A oferta de ensino básico gratuito estendia-se consideravelmente, acolhendo setores sociais cada vez mais diversos. A ampliação da educação elementar foi impulsionada pelo governo federal, que traçava diretrizes educacionais para todo o país, determinando as responsabilidades dos estados e municípios. Tal movimento incluiu também esforços articulados nacionalmente de extensão do ensino elementar aos adultos especialmente nos anos 40. (BRASIL, 2001, p. 19).
Nesse sentido, o Governo tinha como objetivo ofertar mais vagas no ensino
público para aumentar a produtividade no setor industrial e qualificar a mão de obra.
No entanto, o interesse maior do Governo não era o crescimento do sujeito como
cidadão, mas sim o crescimento do capital. Por esta participação inconsciente no
crescimento da nação, o homem “tem a ilusão de que atua, quando, na realidade,
não faz mais que submeter-se aos que atuam e converter-se em parte deles”
(FREIRE, 1987, p. 66).
O ano de 1940 foi marcado por algumas iniciativas políticas e pedagógicas
que ampliaram a educação de jovens e adultos: a criação e a regulamentação do
Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP); a criação do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas (INEP); o surgimento das primeiras obras dedicadas ao ensino
supletivo; o lançamento da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos
(CEAA). Este conjunto de iniciativas permitiu que a educação de adultos se firmasse
como uma questão nacional. Ao mesmo tempo, os movimentos internacionais e
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organizações como a UNESCO exerceram influência positiva, reconhecendo os
trabalhos que vinham sendo realizados no Brasil e estimulando a criação de
programas nacionais de educação de adultos analfabetos.
Cabe destacar, a campanha promovida pelo MEC, a (CEAA), pois podemos
perceber os primeiros empenhos em não só alfabetizar os adultos, mas também em
capacitar os educadores para o ensino desses alunos. A campanha possuía duas
estratégias: os planos de ação extensiva (alfabetização de grande parte da
população) e os planos de ação em profundidade (capacitação profissional e
atuação junto à comunidade). Essas estratégias fundamentavam o trabalho
educativo voltado para a sociedade em que seu objetivo não era apenas alfabetizar,
mas aperfeiçoar o ensino oferecido aos jovens e adultos.
A capacitação dos educadores teve como intuito oferecer uma educação de
qualidade à sociedade, o que evidencia as conexões existentes entre o processo
educativo, a formação da sociedade e o desenvolvimento da nação.
Ainda para demonstrar o crescimento dos investimentos na EJA, no ano de
1947, realizou-se o 1º Congresso Nacional de Educação de Adultos. E em 1949 foi
realizado mais um evento de extrema importância para a educação de adultos: o
Seminário Interamericano de Educação de Adultos. Ainda no ano de 1950, foi
realizada a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA), que
marcou uma nova etapa nas discussões sobre a educação de adultos. Tais eventos
tinham como foco o acompanhamento do desenvolvimento das ações destinadas a
EJA, como os seus avanços e retardos; nestes eventos os participantes avaliavam
as ações realizadas na área visando propor soluções adequadas para as questões.
Percebemos que as campanhas e eventos que enfocavam a EJA foram se
expandindo e também se aperfeiçoando quanto aos seus objetivos, sendo um dos
mais relevantes, o acesso à educação de qualidade por esses educandos. Mas
muito ainda precisava ser feito para se alcançar o sucesso do ensino destinado aos
jovens e adultos, como a ampliação dos prédios escolares, a adequação do material
didático que deveria ser pensados e acessíveis a esses alunos e também a
qualificação do professor.
Para cumprir os objetivos do ensino na EJA, a erradicação do analfabetismo,
em 1958 foi realizado o segundo Congresso Nacional de Educação de Adultos,
objetivando avaliar as ações realizadas na área e visando propor soluções
adequadas para a questão. A delegação de Pernambuco, da qual Paulo Freire fazia
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parte, propôs uma educação baseada no diálogo, que considerasse as
características socioculturais das classes populares, estimulando sua participação
consciente na realidade social.
Presenciamos os primeiros vestígios da concepção de inclusão do educando
no processo de ensino-aprendizagem, partindo do princípio de que ao considerarem
as particularidades desses alunos, os mesmos seriam estimulados a participar do
processo educativo, juntando-se a este processo a metodologia de ensino de
Geografia, pois esta disciplina permite a contextualização das relações existentes
entre o aluno trabalhador da EJA e a configuração sócio-espacial.
A história da EJA no Brasil está muito ligada a Paulo Freire. O Sistema Paulo Freire, desenvolvido em 1960, teve sua primeira aplicação na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte. E, com o sucesso da experiência, passou a ser conhecido em todo País, sendo praticado por diversos grupos de cultura popular. (LOPES; SOUSA, 2005, p. 10).
As campanhas de cunho social, que visavam uma educação reconhecedora
da importância da participação dos alunos, seriam organizadas com o intuito de
erradicar o analfabetismo; porém esses movimentos e seus integrantes foram
perseguidos e reprimidos pelos órgãos do Governo Federal que os via como uma
ameaça a ordem nacional, pois ao se fundamentarem no diálogo, oportunizavam o
desenvolvimento da reflexão e criticidade das formas de governo. Com o fim desses
movimentos, em 1967 o Governo autorizou a criação do MOBRAL (Movimento de
Alfabetização).
A criação do Mobral se caracterizou como uma resposta do regime militar à
ainda grave situação do analfabetismo no país. No entanto, sua metodologia visava
tão somente os interesses do Governo, privando os alunos do desenvolvimento da
criticidade por meio do diálogo, outrora proposto por Freire.
As orientações metodológicas e os materiais didáticos do Mobral reproduziram muitos procedimentos consagrados nas experiências de inícios dos anos 60, mas esvaziando-os de todo sentido crítico e problematizador. Propunha-se a alfabetização a partir de palavras chave, retiradas “da vida simples do povo”, mas as mensagens a elas associadas apelavam sempre ao esforço individual dos adultos analfabetos para sua integração nos benefícios de uma sociedade moderna, pintada sempre de cor-de-rosa. (BRASIL, 2001, p. 26).
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Podemos perceber que a simples inserção de palavras pertinentes à
realidade dos educandos, não é suficiente para o desenvolvimento de uma
educação crítica, não é só isso que vai fazer com que os jovens e adultos se sintam
incluídos no processo de ensino. A consideração da inclusão desses alunos deve
ser levada em conta no desenvolvimento de todas as disciplinas, principalmente no
ensino de Geografia, pois o aluno ao não se sentir incluído no processo de ensino,
sente-se desestimulado a participar de aulas que não englobem sua realidade.
Estudar Geografia para quê, se estes alunos não são levados a perceber a utilidade
da apropriação desse conhecimento em suas vidas? Com isto podemos constatar
que a Geografia Escolar, como disciplina formativa, aplicada sem se fundamentar no
sujeito, não consegue despertar nos indivíduos a noção de cidadania, que consiste
na acessibilidade concreta ao direito a habitação, alimentação, saúde, educação,
trabalho, segurança e bem-estar, como também, formar cidadãos que se
reconheçam como parte integrante do mundo em que vive como indivíduos sociais
capazes de construírem suas histórias, a sociedade e o espaço que os permeiam.
A FUNDAÇÃO MOBRAL foi criada no período da Ditadura Militar1
simplesmente para responder às necessidades do Estado autoritário, dando início
ao processo de alfabetização dos Jovens e Adultos e somente isto, a preocupação
com a inserção desses estudantes na metodologia de ensino era ignorada. Para
tanto, neste movimento se recrutavam pessoas que soubessem ler e escrever para
ensinar aos que não sabiam e essas pessoas destinadas ao ensino não possuíam
capacitação para desenvolver tal atividade, muitas só detinham estes
conhecimentos (ler e escrever), e em sua maioria não possuíam nenhum grau de
escolaridade.
O Mobral surge com força e muitos recursos. Recruta alfabetizadores sem muitas exigências: repete-se, assim, a despreocupação com o fazer e o saber docentes – qualquer um que saiba ler e escrever pode também ensinar. Qualquer um, de qualquer forma e ganhando qualquer coisa (GALVÃO; SOARES, 2004, p. 45-46).
Diante dessa realidade, o programa estabelecido faz uso de um método em
que se configura tão somente a transmissão do conhecimento em que o mais
1 Período da política brasileira em que os militares governaram o Brasil. Esta época vai de 1964 a
1985. Caracterizou-se pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição e repressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar.
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importante é ensinar e aprender algo, isto é, assimilar determinados conhecimentos,
no caso o da leitura e o da escrita. Afastando o professor do papel de mediador no
processo de aprendizagem do aluno para ser um mero transmissor de
conhecimento.
Com o fim do MOBRAL em 1985, surgiu a Fundação Educar que, de forma
relevante, ofereceu aos educandos profissionais um pouco mais qualificados
focando em sua proposta na condução da formação do educador e na concepção
político-pedagógico do processo de ensino-aprendizagem. Porém conflitos entre
Estado e Movimentos Sociais marcariam esta etapa de evolução da EJA devido ao
atraso no repasse de recursos, como também a defesa que os movimentos faziam
pela autonomia dos processos pedagógicos em função de uma educação libertária
em que, partindo do princípio da dependência dos sujeitos, os professores centrados
nessa visão de ensino ajudariam os alunos a se libertarem, pois como nos diz Freire
(1987, p. 52) “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se
libertam em comunhão”.
Até o momento, é possível percebermos certa evolução no que concerne à
formação do professor e o desenvolvimento da criticidade dos alunos no ensino
destinado aos jovens e adultos. Juntando-se a esses aspectos a incorporação de
uma visão de alfabetização como processo que exige um certo grau de continuidade
e sedimentação, fazia-se notável os avanços na EJA. Porém no ano de 1990 (ano
Internacional da Alfabetização) houve um retrocesso nessa modalidade de ensino
causada pela ausência de investimentos por parte do Governo Federal. O Governo
de Fernando Collor de Mello não deu prioridade à educação e simplesmente aboliu a
Fundação Educar, sendo que não criou nenhuma outra instância que assumisse sua
função de oferecer aos jovens e adultos um ensino de qualidade. Desta forma, o
Governo ausenta-se como articulador e indutor de uma política de alfabetização de
jovens e adultos no Brasil. Em nome do enxugamento da máquina administrativa, a
União foi se afastando das atividades da EJA e transferindo a responsabilidade para
os Estados e Municípios, desconsiderando a educação como fator primordial para o
desenvolvimento da nação.
No ano de 2000, começam a surgir leis e pareceres que enfatizam a
importância da EJA para o desenvolvimento da sociedade, definindo-a como
modalidade do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, tendo como sua maior
contribuição a possibilidade de oportunizar a jovens e a adultos o início ou a
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continuidade dos seus estudos. Sendo seu maior objetivo, assegurar o direito à
educação a estes educandos, direito que lhes foi privado na idade própria. Mas não
só isso, especificamente, direito a uma educação de qualidade a que todos os seres
humanos, iguais perante a lei, têm direito, como descreve o Parecer CNE/CEB
11/2000.
Desse modo, a função [...] da EJA, significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano.
O direito à educação assegurado pela lei ultrapassa a simples entrada na sala
de aula. Esse direito assegura aos educandos o acesso a conhecimentos que
contribuirão para sua formação como cidadão, um acesso à cultura letrada que lhe
possibilite uma participação mais ativa no mundo do trabalho, da política e da
cultura.
No entanto, diante da realidade vivenciada nas escolas brasileiras, onde
presenciamos ou mesmo somos “autores” do ensino de Geografia que se
caracteriza como descritivo, monótono e sem recursos presentes que estimulem a
aprendizagem dos alunos, questionamo-nos até que ponto teremos autonomia para
mudar uma prática imposta pelos programas escolares e possibilitar a participação
desses jovens e adultos inserindo-os no mundo do trabalhado, da política e da
cultura.
A excessiva preocupação com os conteúdos e objetivos dos programas
escolares afasta o professor ainda mais da realidade do aluno. E qual seria esta
realidade? A realidade de um aluno adolescente é totalmente diferente da realidade
de um aluno adulto trabalhador. Este último terá mais interesse em reconhecer os
elementos pertinentes à sua realidade de vida, do que saber por quantos estados é
composto o território brasileiro. O conhecimento palpável da quantidade de estados
brasileiros, não supre as necessidades diárias do estudante trabalhador como, por
exemplo, a análise das diversas influências do seu trabalho e suas condições na
formação da sociedade e na configuração do espaço. Esse conhecimento permite
ao aluno trabalhador lançar um olhar na direção de sua capacidade na
transformação da comunidade em que vive. O professor na disseminação do seu
saber precisa distinguir o que é fundamental para o aluno saber no ensino de
22
Geografia, de forma que tenham a competência de saber pensar o espaço-tempo
para, de maneira consciente, poderem agir nos lugares em que vivem.
Visando a inserção social desses sujeitos e sua contribuição no
desenvolvimento da Nação, no ano de 2002 foi criado o Programa Brasil
Alfabetizado, que tem como um dos seus objetivos a erradicação do analfabetismo.
Esse programa do Governo Federal está em execução até os dias atuais. O que
possibilita um novo destaque na área da Educação de Jovens e Adultos atentando-
se para um novo discurso em que se reconhecem as particularidades desses
estudantes, bem como uma educação consequente. Além disso, é visível as
transformações no cenário da EJA, através dos investimentos destinados aos
materiais didáticos, bem como a mobilização dos órgãos públicos (estaduais e
municipais) que investem em políticas para a formação do professor, as instituições
de ensino superior e organizações sem fins lucrativos que desenvolvem ações de
alfabetização juntamente com o governo, como é o caso da Alfabetização Solidária
que é hoje indiscutivelmente um programa de relevância quando o assunto é
alfabetização de jovens e adultos, pois sua abrangência educacional transcende as
fronteiras Brasileiras e já é destaque e modelo de educação em vários países.
Visando não só o acesso desses alunos ao ensino, mas também o acesso ao
ensino de qualidade, a preparação para o mercado de trabalho e ainda mais o
desenvolvimento das funções sociais desses cidadãos, o Programa do Governo
Federal em atuação tem desafios que ultrapassam a simples legitimação da lei.
Desafios de ordem não só legislativa, mas de ordem educativa, pedagógica, que diz
respeito não só aos órgãos Federais, mas também aos educadores, co-autores do
programa, que devem lançar aos educandos um olhar de reconhecimento destes
como sujeitos de aprendizagem, detentores de saberes que devem ser incluídos no
processo de ensino.
O investimento do poder público na educação, abrangendo não só a reforma
nos prédios escolares, mas também a formação contínua do professor atualizando-o
e lenvando-o a refletir sobre sua prática para, a partir da reflexão, transformá-la,
incluindo nessa transformação da atividade docente um ensino em que se
reconheçam os sujeitos como atuantes nesse processo, em que os saberes
destinados sejam pensados para a transformação desses estudantes faz-se
necessário na medida em que se vise o desenvolvimento do país e do seu povo.
23
Os saberes a que nos referimos são os saberes para a vida incluídos nos
sentidos do ensinar e aprender conhecimentos geográficos com os jovens e adultos,
sugerindo-se que tais conhecimentos podem contribuir para a construção de uma
nova cidadania a ser vivida no âmbito da escola, da cidade e em outras escalas
geográficas, em que os diversos modos de habitar dos sujeitos possam ser
conhecidos e discutidos. A aplicação dos saberes para a vida contrapõe-se a
simples transmissão de um conteúdo pronto pensado por outros, na medida em que
este primeiro se caracteriza como um recurso primordial para o desenvolvimento
cognitivo e social dos estudantes da EJA.
Sabendo-se disso, acreditamos que o professor deve aliar ao seu
conhecimento o saber-fazer, em que não seja explanado apenas um conteúdo sem
contexto. Assim como afirma Cassab (2009, p. 50), “não basta saber geografia para
ser professor de geografia. Certamente é fundamental que o professor tenha uma
formação que contribua em sua compreensão a respeito do processo de produção
dos conhecimentos geográficos”, contudo o saber do professor não reside em saber
aplicar o conhecimento teórico, mas sim em saber transformar esse conhecimento,
adaptando-o ao contexto em que esse conteúdo irá ser trabalhado.
Ainda sobre o ensino de Geografia na EJA, a autora Edna Vilar em seu
resumo “Ensinar e aprender Geografia na Educação de Jovens e Adultos” evidencia
a importância da escola formal para as classes populares e ainda esclarece quanto
à relevância de se redefinir conteúdos e metodologias direcionada aos estudantes
da EJA, situando que essas alternativas pedagógicas devem possibilitar:
[...] a (re)construção dos saberes dos educandos/as, referentes as suas geografias e que por sua vez integram sua história de vida com seus deslocamentos, vivências e leituras espaciais, nas mais diversas subjetividades (VILAR, 2010, p. 1).
Por acreditarmos na relevância do ensino de Geografia para o alcance da
alfabetização, esclarecimento, desenvolvimento e transformação dos estudantes da
EJA, é que defendemos que a Geografia, por meio de seus conceitos, pode
contribuir para a leitura e compreensão do mundo ao qual pertencem os sujeitos
jovens e adultos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Ressaltamos
também a importância dessa disciplina na EJA e a necessidade de uma prática
24
diferenciada do seu ensino, evidenciando o papel do professor e a (oni)presença dos
conhecimentos geográficos no cotidiano dos educandos jovens e adultos.
Partindo dessa concepção, os investimentos e transformações destinados à
EJA ao longo do tempo ainda não foram suficientes para se alcançar o objetivo real
do processo educativo na Educação de Jovens e Adultos, não se resumindo esse a
simples alfabetização do estudante; a pesar de ser essa necessidade básica o único
objeto de contemplação para muitos brasileiros excluídos desse processo. Vemos
como objetivo maior a formação dos cidadãos como sujeitos participantes e críticos.
Partindo do suposto de que a herança deixada pelas experiências de
educação de jovens e adultos não é apenas digna de ser lembrada, pois vemos
nesse resgate a possibilidade de refletirmos sobre esse caminho que a EJA vem
percorrendo. O que nos possibilita analisar que essa proposta é incorporada não só
de momentos históricos, mas também de elementos intrinsecamente humanos e que
a realidade desses não muda com o tempo, pois a condição social e humana dos
jovens e adultos que inspiraram as primeiras experiências dos movimentos de
alfabetização, ainda continua a mesma. Sendo esses, em sua maioria, vítimas da
exclusão social, da miséria, do desemprego, sujeitos em luta pela terra, pelo teto,
pelo trabalho e pela vida.
Apesar de ser notória a constante busca por uma educação de qualidade para
os jovens e adultos, ainda se faz necessário que se priorize o ensino contextualizado
como fonte de esclarecimento e conscientização desses sujeitos. Sabemos que
muito já foi feito para o alcance do sucesso educacional na EJA, mas ainda há o que
se fazer. Não se pode acomodar com os avanços já conseguidos, pois a prática de
ensino na Escola Fundamental e Média, ainda tem deixado a desejar, reafirmando a
necessidade de investimentos que visem melhorar a formação e qualificação dos
profissionais da área de ensino, especificamente os que se dedicam ao ensino dos
jovens e adultos. É necessário enxergar novos horizontes na busca da total
erradicação do analfabetismo, visualizando no acesso do mundo letrado, a
consequente penetração no mundo do saber e do conhecimento.
25
3 DESCRIÇÃO-REFLEXIVA SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO DE
GEOGRAFIA NA EJA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
A prática do professor constitui-se em um espaço de construção de saberes
na qual o educador deve recorrer a procedimentos teórico-metodológico e técnico-
metodológico em que os saberes sejam construídos pelos alunos. Devemos
procurar fazer relações na prática pedagógica entre metodologia, método e a técnica
de ensino, acreditando que estas, são indissociáveis para o sucesso da educação.
Para estruturar a descrição da nossa prática inicial desenvolvida na Educação
de Jovens e Adultos, sendo essa experiência oportunizada pela disciplina de Prática
de Ensino no 1º Grau, ministrada pela professora Karyne Dias, é necessário
apresentar o que nos estimulou a realizar a nossa prática na área da EJA.
Os caminhos que iremos percorrer são determinados antes de tudo pelo
nosso modo de pensar, pela nossa ideologia e pelos nossos sonhos. Pelo modo de
pensar na medida em que nosso pensamento nos remete a transformação da
sociedade e que inspiram e servem de subsídio para a determinação da nossa
ideologia e pela busca de nossos sonhos. Embasados nessa concepção, a escolha
pelo curso de Pedagogia já estava determinada em nossas inquietações sobre a
forma em que fomos educados no espaço escolar e pela angústia de como
poderíamos contribuir de maneira significante para a mudança desse ensino. A
resposta imediata a essa pergunta só poderia ser a nossa inclusão nesse processo
como educadores reflexivos em nossa formação e prática.
O curso de Pedagogia, as teorias aprendidas e as experiências vivenciadas
nos serviram de base para a escolha da especialidade em que iríamos atuar: a
Educação de Jovens e Adultos. Porém esse “encontro” não foi tão facilmente
decidido. Fez-se necessário enveredar por outros caminhos para só assim
descobrirmos em que área iríamos nos realizar.
A partir da nossa decisão, procuramos analisar qual área poderia ser
explorada para desenvolvermos um trabalho significante, não só para a nossa
formação, mas também para os alunos que seriam envolvidos nesse processo, pois
as informações e conhecimentos que nos destinamos a construir seriam
determinantes e significantes para o esclarecimento social, cultural e político desses
sujeitos. Haja vista uma sociedade informada se caracterizar pelo
26
[...] modo de desenvolvimento social e econômico em que a aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão, distribuição e disseminação de informação condizente à criação de conhecimento e à satisfação das necessidades dos cidadãos e das empresas, desempenham um papel central na atividade econômica, na criação de riqueza, na definição da qualidade de vida dos cidadãos e das suas práticas culturais (JULIÃO, 1999, p. 3).
Pensando na importância da informação para o esclarecimento da sociedade,
vimos no Ensino de Geografia, por este abranger saberes pertinentes a sociedade,
seu modo de vida e de trabalho, podendo citar alguns desses, com base na leitura
de Resende (1986, p. 37), como o espaço como integração natureza/trabalho; o
espaço como produto da divisão social do trabalho; o espaço urbano: luta pela
moradia; o espaço político. Neste aspecto encontramos os subsídios necessários
para a apreciação de nosso objetivo no processo de ensino, o esclarecimento dos
sujeitos quanto a relação entre as forças de poder e seus aspectos de vida, levando-
os a refletirem sobre essa relação, o que pela nossa visão seria uma transformação
inicial na forma alienante da educação presente nas escolas brasileiras.
Partindo desse princípio, encontramos na Escola Estadual Governador
Walfredo Gurgel, localizada na cidade de Natal/RN, o campo perfeito para
desenvolvermos nossa prática, por essa escola se caracterizar como uma instituição
que atende a alunos de famílias predominantemente das camadas populares. A
turma em que iríamos realizar nossa prática foi determinada pela necessidade de
inserção do ensino de Geografia nas séries iniciais no Ensino Fundamental; pelo
fato de na escola só existir uma sala com essa característica, iniciamos nossas
atividades em uma turma multisseriada, composta por 30 alunos.
Ao iniciarmos nossa prática de ensino, procuramos considerar os saberes do
educando, ressignificando-os. Para isto, inicialmente observamos o que os
educandos tinham em comum, nos aspectos econômicos e sociais, não ignorando
com isto, os aspectos individuais de cada aluno, que consistia no modo de pensar,
de se expressar, de se comportar e as dificuldades na apropriação dos conteúdos,
para incluir no processo de ensino futuras intervenções. Percebemos através das
conversas que os alunos tinham interesse em aprender sobre as leis que
regulamentam o trabalho doméstico. A partir dessa observação, pensamos no
projeto proposto pela disciplina Prática de Ensino no 1º grau que deveríamos
27
abordar para a execução da nossa prática pedagógica enfocando o tema “direito dos
empregados domésticos”.
Ao fazermos investigações sobre o que eles sabiam, o direito ao salário
mínimo e a férias, por exemplo, e o que gostariam de saber sobre o tema, inserimos
em nossa prática os saberes do aluno e o interesse desses sobre os
questionamentos a respeito do tema em foco. Reconhecendo o educando como ser
atuante, sujeito detentor de conhecimentos e contribuinte do processo de ensino-
aprendizagem.
Neste momento ainda percebemos a importância do diálogo em nossa prática
e reconhecemos que é através da interação que o professor tem a chance de
conhecer as experiências dos alunos, bem como diagnosticar o que já sabem sobre
o assunto apresentado. A interação direta, ainda permite ao professor acompanhar
os processos que os alunos vão realizando na aula e a partir desse
acompanhamento faz as intervenções coerentes com o que cada um elabora,
caracterizando um ensino direcionado e sistematizado.
O diálogo, por se constituir na palavra pronunciada pelos homens para a
transformação do mundo, se impõe como caminho pelo qual os homens interagem e
ganham significação enquanto homens, por isto o diálogo se faz necessário para a
existência dos sujeitos, como nos afirma Freire (1987, p. 78).
A existência porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tão pouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo.
Acreditando na capacidade dos alunos como “seres capazes de fazer e
refazer” o caminho para o seu próprio conhecimento, inserimos no ensino as
experiências vividas no trabalho por esses educandos para o alcance de futuras
aprendizagens em que tivemos “fé na vocação” dos sujeitos de serem mais. Pelo
diálogo tivemos a oportunidade de ouvir a palavra pronunciada, o que constitui o
encontro do educador com o educando na tarefa comum de agir, rompendo as
barreiras que separa e impossibilita uma relação mais direta entre essas duas
partes.
A respeito do diálogo proposto pelo método Paulo Freire, podemos perceber o
quanto o amor, a fé e a humildade são essenciais para nos aproximarmos do outro.
28
Na medida em que “se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os
homens, não me é possível o diálogo” e ainda, se não houver humildade, não há o
diálogo, pois a pronúncia do mundo com que os homens o recriam
permanentemente, não pode ser arrogante. Em relação à fé no outro, Freire nos
afirma que esta antecede o diálogo, existindo antes mesmo que ele se instale. Por
isso, “o homem dialógico tem fé nos homens antes de encontrar-se frente a frente
com eles. Sem esta fé o diálogo é uma farsa.” (FREIRE, 1987, p. 80).
A partir do amor, da humildade e da fé no outro foi possível a verificação dos
interesses dos alunos por meio da palavra, em que nos vimos encorajados a
trabalhar um assunto que estivesse relacionado com a realidade deles, no caso, o
direito dos empregados domésticos, o que oportunizou o despertar para o
aprendizado, pois estávamos estabelecendo relações com o trabalho e a rotina de
cada um, assim como nos recomenda Zabala (1998, p. 90).
[...] ensinar envolve estabelecer uma série de relações que devem conduzir à elaboração, por parte do aprendiz, de representações sociais sobre o conteúdo objeto de aprendizagem. A pessoa, no processo de aproximação aos objetos da cultura, utiliza sua experiência e os instrumentos que lhe permitem construir uma interpretação pessoal e subjetiva do que é tratado.
Além da importância dessas relações no cotidiano escolar, na medida em que
contribuem para o processo de apropriação dos conhecimentos, a escolha dos
conteúdos relacionados às representações sociais próximas das pessoas envolvidas
no processo de ensino, faz-se essencial para o desenvolvimento das capacidades
desses alunos trabalhadores.
Cabe lembrar que uma das orientações de Freire sobre os conteúdos
programáticos destinados a dialogicidade não deve ser uma doação ou imposição
do educador sobre o educando, mas uma devolução organizada dos saberes que os
educandos lhe apresentaram.
Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos -, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada (FREIRE, 1987, p. 84).
29
Os conteúdos ministrados de acordo com o levantamento dos interesses dos
alunos foram temas de ordem reflexiva-social, podemos citar como exemplo, a rotina
do homem trabalhador, em que se inseria a reflexão sobre o dia-a-dia de milhares
de trabalhadores do nosso Brasil que saem de casa cedo acompanhados de seus
pensamentos e preocupações. A preocupação com a educação dos filhos, com a
comida, com a conta de energia elétrica etc. Questões do tipo “como é seu final de
dia quando sai do trabalho?”. “Você consegue chegar em casa e encontrar seus
filhos acordados?”. Nortearam as discussões a cerca do trabalho e de sua influência
na vida do homem trabalhador e da sociedade. Além disso, antes de apresentarmos
os textos referentes ao tema, fazíamos explanações sobre o conteúdo dos textos,
para que os alunos antes de terem contato com o texto do autor listassem as suas
próprias percepções sobre o trabalho.
No texto “Pai e eu” de Edson Veóca, bem como nas atividades referentes a
este (Anexos A e B), questionamos como era a rotina de cada um na ida para o
trabalho; que transporte eles utilizavam no percurso do trabalho para onde o
pensamento deles os levava etc. Questões que permitiam que a pós a leitura do
texto os alunos percebesse que a realidade deles não era tão diferente da maioria
do povo trabalhador.
No entanto, em nossa prática pedagógica inicial, percebemos que além de se
atentar para os conteúdos relacionados a vida dos alunos, faz-se necessário pensar
nos recursos e materiais que deverão ser incluídos nas aulas. Além disso, o
planejamento é um recurso do qual o professor não deve abrir mão, pois este
instrumento é o que o leva a refletir sobre o método e a metodologia que se vai usar,
atentando para a não aplicação do método pelo método, só assim no seu planejar é
que o professor conseguirá enveredar junto com os alunos pelos caminhos da
aprendizagem e da reconstrução dos saberes. “Nesse sentido, o método faz a
mediação entre a estrutura da matéria de ensino e as reais condições de
aprendizagem do educando” (RAYS, 2003, p.89).
Por estarmos efetivando nossa prática em uma turma mista com alunos
alfabetizados e outros em processo de alfabetização, vimos no planejamento de
ensino a melhor forma de colocarmos em prática as teorias aprendidas, porém
conscientizados de que a teoria por si só não seria o suficiente para o enfrentamento
de possíveis situações conflitantes.
30
Por o planejamento ser uma ação pedagógica essencial, pensamos em
trabalhar com esses alunos um tema abrangente, com o intuito de instigar a
curiosidade e a busca por conhecimentos que estarão incumbidos no tema
norteador da proposta: o trabalho. Propomos este assunto, por acreditarmos que um
planejamento efetivo deve provocar o interesse dos alunos, estando vinculado a
realidade social destes, atentando, assim como nos orienta (LOPES, 1998), para as
experiências de vida de cada um, bem como seus interesses e suas necessidades.
Pensando nisso, planejamos nossas aulas seguindo essa linha de interesse e
intitulamos o projeto de “Meu trabalho, minha vida, meu futuro”. Com isto demos ao
aluno o foco merecido como sujeito atuante no processo de ensino-aprendizagem,
oferecendo a estes a possibilidade de desenvolverem suas habilidades e
potencialidades de acordo com os seus interesses, no caso os direitos dos
trabalhadores domésticos. Não os vendo como meros receptores, deixamos de agir
individualmente, o que nos possibilitou refletir sobre o que nos diz Freire (2001) e
perceber que é possível atuar de maneira diferente, rompendo com os métodos de
ensino tradicionais que se caracterizam pela imposição de ideias.
Ditamos idéias. Não trocamos idéias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção (FREIRE, 2001, p. 104).
Ao ditar ideias com o intuito de que o aluno a receba de forma pronta, nos
contrapomos ao real sentido da educação, a libertação do sujeito. Não os levando a
debater sobre as formas de poder da sociedade, aprisionamos os educandos, não
permitindo que estes criem e recriem o seu aprendizado de maneira que este seja
útil para a sua vida.
Distanciando-nos desta prática de imposição de ideias, recorremos em nossa
proposta ao diálogo, partindo do princípio que este recurso é o encontro que se
“solidarizam o refletir e o agir” dos alunos, em que o ensino não é reduzido ao
simples ato de depositar ideias de um sujeito no outro.
O diálogo nos possibilitou a criação de uma metodologia pensada pelos
sujeitos atuantes no processo de ensino, sendo vistos como capazes de decidir o
31
que queriam aprender. Expondo seus saberes parciais sobre o assunto em estudo,
os alunos se identificaram com a proposta de ensino, o que foi notável em suas
participações e colocações, como veremos a seguir.
Na medida em que os alunos eram questionados sobre a relevância das
informações sobre os direitos assegurados a eles como empregados domésticos,
surgiam respostas do tipo: “sabendo do nosso direito teremos como cobrar”, “para
ninguém enganar a gente”, como também a socialização de um material intitulado
“Direito e deveres do empregado e do empregador doméstico,” trazido por uma
aluna; o que contribuiu para inserir esses alunos em um ensino em que as
aprendizagens fossem utilizadas em seu cotidiano.
O tema em estudo “direito dos empregados domésticos” estava estreitamente
relacionado com a realidade desses alunos e o interesse individual de cada um
passou a ser um interesse coletivo, pois os questionamentos explicitados em sala de
aula tinham haver com o contexto de todos como: o convívio diário com uma família
que não é a deles; o tempo destinado ao trabalho, que muitas vezes é maior do que
o tempo que esses trabalhadores passam com a sua própria família etc.
Por se tratar de uma prática em formação inicial, tivemos o cuidado de atentar
para as orientações pertinentes assistidas no processo de formação, o que vem
ressaltar a importância do embasamento teórico metodológico no momento da
prática, sendo esta contribuinte, juntamente com os aprendizados advindos da
experiência para o desenvolvimento da prática pedagógica.
Partimos do pressuposto que a prática pedagógica do professor é
determinada pela sua formação e pela sua experiência em sala de aula, sendo estas
fontes de aprendizagens. “[...] a experiência docente configura-se como importante
elemento no processo de desenvolvimento pessoal e profissional do (a) professor
(a)” (BRITO, 2005, p. 46).
No entanto, faz-se necessário a utilização de instrumentais técnico-
metodológicos pensados de acordo com o grupo que se vai trabalhar, no caso a
jovens e adultos, haja vista, o saber do professor não residir somente em saber
aplicar o conhecimento teórico, ter a sensibilidade de pensar o como, quando e o
porquê de se aplicar tal conhecimento é muito relevante, objetivando a
ressignificação do conhecimento pelo discente, conectando-o com o mundo social.
Portanto, a simples transmissão técnica do saber não basta. Os caminhos que se
32
devem percorrer para se chegar a tal objetivo precisam ser organizados e
planejados, como já nos orientou Rays (2003).
Para não reduzirmos nossa prática pedagógica à simples apresentação dos
conteúdos pertinentes às leis sobre os direitos dos empregados domésticos, como já
dito anteriormente, fizemos uma pesquisa junto aos alunos para avaliarmos o que
estes sabiam e o que gostariam de saber sobre seus direitos. Após a coleta desses
dados fizemos uma entrevista com um advogado com o intuito de confrontar os
saberes dos educandos com a real veracidade do que estes tinham afirmado e ainda
possibilitando o esclarecimento das questões advindas dos estudantes.
Com o objetivo de ilustrarmos melhor como este confrontamento foi feito,
expomos a seguir nos quadros abaixo os saberes construídos e questionamentos
pontuais. No quadro 1 representamos o que os alunos sabem e no quadro 2 as
dúvidas sobre os direitos do empregado doméstico.
QUADRO 1 – O que sabemos sobre os direitos do empregado doméstico?
1. Não temos direito ao seguro desemprego.
2. Temos direito ao PIS.
3. Temos direito à salubridade.
4. Temos direito à passagem.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
QUADRO 2 – O que queremos saber sobre os direitos do empregado doméstico?
1. O patrão é obrigado a pagar salário mínimo?
2. O patrão é obrigado a pagar passagem (vale transporte)?
3. Quando o empregado fica doente o patrão é obrigado a dar o remédio?
4. Se o empregado tiver atestado de 30 dias o patrão paga a metade do salário e o INSS a outra metade?
33
5. Sem carteira assinada o empregado tem direito a receber férias?
6. Faz tempo que a empregada doméstica tem direito a não trabalhar no feriado?
7. Quem mora na casa onde trabalha tem direito de ter folga todo fim de semana para ir ver a família no interior?
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
Após analisarmos as questões, fizemos uma entrevista com um advogado
que presta serviços para o sindicato das empregadas domésticas na cidade de
Natal. O referido profissional nos esclareceu quanto às informações sobre o que os
alunos sabiam, corrigindo alguns equívocos e acrescentando respostas às questões
que os alunos fizeram. Estas respostas foram enumeradas e listadas nos quadros 3
e 4, de acordo com as questões dos quadros 1 e 2 respectivamente.
QUADRO 3 – Confrontamento entre o que os alunos sabiam sobre os direitos
dos empregados domésticos e o que propõe a lei.
1. Verdade. A não ser que o patrão deposite o FGTS na Caixa Econômica, por ser facultativo este depósito.
2. Legalmente não tem direito.
3. Não tem direito, mesmo que trabalhe com materiais químicos, pois o empregado doméstico trabalha para pessoa física e não jurídica.
Fonte: Entrevista Semi-Estruturada – Direcionada ao advogado do sindicato das
empregadas domésticas. Natal/RN. 2010.
QUADRO 4 – Respostas aos questionamentos sobre o que os alunos gostariam de saber sobre os direitos do empregado doméstico.
1. Sim.
2. Sim. Desde que o empregado não more na residência que trabalha, nem more no mesmo bairro.
3. Não é obrigado. Vai depender da consciência do patrão
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4. A pergunta mistura atestado médico com auxílio doença. Auxilio doença: o INSS só paga a partir do 16º dia se a pessoa requerer o benefício.
5. Sim. Independente da carteira ser assinada tem direito a férias de 30 dias.
6. Desde 2006
7. Todo trabalhador tem direito a 1 dia de folga, preferencialmente no domingo.
Fonte: Entrevista Semi-Estruturada – Direcionada ao advogado do sindicato das
empregadas domésticas. Natal/RN. 2010.
Estas questões nortearam toda a nossa prática pedagógica que foi
desenvolvida em 19 aulas, sendo estas ministradas três vezes por semana do dia
14.09.2010 a 28.10.2010. Como alguns alunos ainda não detinham o domínio da
leitura, apresentamos estes quadros de forma oral, distribuindo em seguida uma
cópia para cada um. Neste momento percebemos que ao analisarem as respostas
associando-as aos números, que estes eles já reconheciam muito bem. Ficou fácil
identificar as respostas permitindo aos alunos fazerem a interpretação do que estava
escrito antes de reconhecerem o código. O que nos leva a refletir que a leitura da
palavra não se resume a simples decodificação, pois estes alunos faziam o uso do
código para socializar seus conhecimentos, o que indica que, por mais que estes
não fossem alfabetizados, eles eram letrados em relação ao tema estudado.
Concernente ao tema letramento, Soares (2001), nos afirma ser a capacidade
que o individuo tem de fazer uso de determinado assunto para se socializar, e esta
capacidade independe da alfabetização e ainda acrescenta que muitos são os casos
em que o sujeito é alfabetizado e não é letrado, ou seja, não faz o uso social do
código escrito.
Um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado, alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever, já o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita [...] (SOARES, 2001, p. 39).
Partindo dessa visão, de que só a decodificação não é o elemento essencial
para o entendimento dos assuntos estudados, pensamos em incluir em nossa
35
prática e em nosso plano de estudo recursos que facilitassem o entendimento de
todos sobre os conteúdos que ainda seriam aplicados. Para isso, ao selecionarmos
textos e mapas, tivemos o cuidado de anexar a estes imagens que pudessem de
certa forma resumir o que estava escrito.
Não queremos com esta afirmação reduzir a importância da leitura e da
escrita no processo de ensino-aprendizagem. O que queremos é apontar um
caminho para que estes objetivos sejam alcançados de forma significativa, sem
excluir os saberes e as competências desses alunos que ainda não sabem ler, nem
escrever.
Pensando no ensino de Geografia como fonte de busca do conhecimento do
mundo letrado, inserindo nesta busca o conhecimento de mundo dos alunos.
Contribuímos para o alcance do domínio do código escrito por uma via em que foi
priorizada a leitura do mundo do aluno para o alcance da leitura da palavra, ou seja,
procuramos inverter a ordem “natural” que a maioria das escolas adere na EJA
priorizando a leitura da palavra.
Refletindo nos objetivos do nosso plano de ensino e no princípio de que todo
cidadão tem direito a educação, para que essa educação seja significativa para o
educando, fez-se necessária uma atenção especial no plano destinado a estes
jovens e adultos que não receberam educação na infância, pois veem na Educação
de Jovens e Adultos a oportunidade de “dominar” algo que não foi possível
anteriormente, “dominar” os textos, palavras e letras, seja no seu processo de
codificação ou decodificação.
Ao saber da grande vontade que estes alunos têm em aprender a ler e a
escrever, cabe ao educador ter o cuidado, como já dissemos, na seleção desses
materiais, que devem ser acessíveis aos alunos, exercendo o papel de ajuda na
organização dos conhecimentos e não o contrário.
Contudo, sabemos que em seu saber-fazer o professor utiliza instrumentos
escolhidos de acordo com sua ideologia, levando em conta aspectos “sociais,
econômicos, afetivos, culturais, éticos, dentre outros” (BRITO, 2005, p 49), que
ainda acrescenta que a construção do saber-fazer do professor, resulta da
articulação de diferentes saberes da formação e os saberes mobilizados na prática
pedagógica.
Pensando nestes aspectos, estruturamos uma proposta de ensino em que
estes fatores fossem abordados explicitamente dentro do tema de estudo, levando
36
os alunos a refletirem sobre a influência determinante do social, do econômico e do
cultural no contexto do trabalho doméstico, adotando uma postura crítica em relação
à realidade do trabalhador, deixando clara a nossa intenção, de iniciar a formação
desses sujeitos como sujeitos reflexivos e críticos por meio dos conteúdos
estudados.
As atividades pensadas incluíam em seus objetivos a observação tanto da
sociedade como dos lugares ocupados pelos alunos (Anexos C e D) incitando a
estes reconhecerem a mudança do espaço geográfico como “unidade contraditória,
produzido e reproduzido por conflitos e contradições e pela superação dessas
contradições” (SILVA, 1989, p. 5).
O estudo com mapas também foi inserido nesta abordagem, por a maioria
dos alunos serem naturais do interior do Estado do Rio Grande do Norte. Ao
questionarmos sobre a vinda deles para a capital a resposta predominante foi: “em
busca de trabalho porque no interior não tem emprego para todo mundo”. Com isto,
encontramos a oportunidade de inserirmos o estudo com mapas de forma
contextualizada, procurando a localização do interior de cada um, partindo da
localização das atividades econômicas desenvolvidas nos municípios desses alunos.
No desenvolvimento dessa atividade, mais uma vez recorremos à utilização
das imagens para auxiliar a compreensão da legenda contida no mapa. Inicialmente
entregamos a representação do Rio Grande do Norte, para, em seguida,
questionarmos o que os alunos sabiam sobre as atividades econômicas fundadoras
do município de cada um. Respostas como: “no meu eu sei que foi a cana”, aluno
referindo-se ao seu município (Ceará-Mirim), “foi o sal” referindo-se ao município de
Macau... Percebemos que a maioria dos alunos já tinha conhecimento sobre este
assunto e em seguida entregamos o mapa do RN com suas atividades econômicas
fundadoras (Anexo E). Com o recurso da legenda por imagens no mapa, ficou fácil a
localização dos municípios. Esta atividade também possibilitou a relação entre a
origem, a história e a cultura da cidade de cada um.
Com isto podemos comprovar que é possível inserir os conhecimentos dos
alunos no ensino de Geografia, remetendo esta disciplina ao contexto desses
alunos, na medida em que o ensino da cartografia nas escolas possibilite
Pensar e compreender o real através das ações para a leitura e entendimento do mundo real. A observação, a percepção, a análise
37
conceitual e a síntese através das representações cartográficas possibilitam pensar significativamente o conhecimento do espaço geográfico (FRANCISCHETT, 2000, p. 1)
A compreensão do real através do contato com os lugares pertencentes aos
sujeitos da aprendizagem foi significante para a apropriação da compreensão das
relações econômicas que determinam a modo de vida da sociedade.
Na continuidade do nosso fazer-docente, ainda encontramos, dentro da sala
de aula, situações que nos serviram de recursos para o desenvolvimento da prática
pedagógica, como o caso de um aluno que até então não sabia do seu direito de
receber um salário mínimo como troca de sua força de trabalho. Com isto, nos vimos
encorajados a esclarecer sobre a divisão social do trabalho, indicando para os
alunos a extrema relação entre os detentores do capital e a exploração econômica
sofrida pela maioria desses alunos trabalhadores. Complementando que não
poderíamos aceitar esse fato como um processo natural, na medida em que, pelo
conhecimento, poderíamos modificá-lo.
Para isso, Silva (2004) nos esclarece quanto à importância de reconhecermos
a visão naturalista da Geografia nos conteúdos escolares, refletindo sobre os
processos de abstração e sistematização desses conteúdos para que os alunos
enxerguem os aspectos sociais fluentes e determinantes para a má distribuição de
renda que acarreta no acúmulo de riquezas e na deterioração da força do trabalho
do homem o levando a pobreza.
[...] o social é constituído de classes que naturalmente existem para manter o tecido social fortalecido pela cooperação dos mais fracos aos privilegiados da sociedade. Ricos e pobres, [...] existem por contingência da vida; os segundos para servirem aos primeiros (SILVA, 2004, p. 111).
Esta posição naturalista da Geografia imposta pelo positivismo de Comte,
ainda permeia em nossas salas de aula, cabendo ao professor romper com estas
amarras incluindo em sua prática pedagógica reflexões para que os alunos se
apropriem do conteúdo, mas também entendam as consequências das relações de
poder em suas vidas.
Ao incluir reflexões sobre a força de trabalho em nossa prática de ensino,
fomos além: não só questionamos estes alunos como se dava esta exploração, mas
também questionamos sobre o porquê do trabalhador se deixar explorar. Respostas
38
do tipo: “o trabalhador nem sabe que está sendo explorado”, “tem que aceitar, ficar
sem emprego é pior”; nos revela o quanto é poderoso os tentáculos de poder dos
dominantes sobre os dominados.
Ao utilizarmos textos descritivos sobre a realidade do homem trabalhador,
poesias de cunho reflexivo sobre as dificuldades enfrentadas para se alcançar um
objetivo, bem como biografias de autores-trabalhadores que realizaram seus sonhos
(Anexos F, G e H), permitíamos que os alunos refletissem e se identificassem com
os personagens, fazendo-os acreditar que através dos seus esforços, eles também
seriam capazes de conquistar o que tanto almejavam: o domínio da língua escrita.
Ainda sobre o ensino destinado aos alunos da EJA, cabe incluirmos aqui a
reflexão sobre o currículo, devendo este ser flexível, porque estes alunos tem em
vista um crescimento imediato que os possibilitem de certa forma compensar o
tempo em que ficaram sem estudo. Ao pensar no seu trabalho na EJA, o professor
precisa apresentar abordagens vinculadas à realidade do estudante, e que estas
possam atender o aluno em suas necessidades, considerando as suas diferenças
individuais, o seu ritmo de aprendizagem, a bagagem de conhecimento que traz
consigo e suas experiências de vida; para que se inclua neste currículo conteúdos
que abordem estas particularidades.
Os alunos da turma em que a prática foi concretizada, em sua maioria
acreditavam em uma mudança de vida através da aquisição da leitura,
argumentando que “quem sabe ler tem mais oportunidade de trabalho”, ou mesmo
“pode ter um trabalho melhor, que ganhe mais”. Por isso, em nossas atividades,
além das discussões sobre o trabalho doméstico e as interfaces com a sociedade,
propusemos a listagem diária das palavras relacionadas a estes conteúdos, mas
também procuramos evidenciar que só a aquisição da leitura não é essencial para
uma mudança de vida. Procedimentos como a análise, a interpretação, a reflexão e
a criticidade do que está escrito é primordial para o esclarecimento deles e
consequentemente da sociedade.
Na EJA, partindo de nossas observações, vimos que um dos fatores que
dificulta a formação do sujeito crítico é a centralização da alfabetização que se
resume à leitura e escrita, ou seja, à decodificação e a codificação, priorizando-se o
ensino da língua portuguesa. Mas vimos no ensino de Geografia a oportunidade de
permitir aos alunos o contato com a língua escrita através dos saberes geográficos,
em que este processo se caracterizou para a nossa formação inicial um convite-
39
desafio, permitindo o (re)pensar a partir dos sentidos atribuídos ao processo de
alfabetização em que Perez (2005, p. 18) esclarece:
Pensar o ensino de Geografia a partir de sua função alfabetizadora é articular a leitura do mundo à leitura da palavra, na perspectiva de uma política cultural – cultura aqui entendida como a relação do ser humano com o seu entorno – que instrumentalize as classes populares a saberem pensar o espaço, para nele se organizarem na luta contra a opressão e a injustiça.
Nesse sentido, a função alfabetizadora relacionada com os conhecimentos
dos alunos, sendo estes sistematizados, organizados, reformulados e transmitidos
aos estudantes proporciona sim o acesso da leitura da palavra através da leitura do
mundo.
Os alunos acostumados com a centralização dessa matéria questionaram se
seria possível aprender a ler estudando Geografia pois para eles este estudo estava
reduzido à simples leitura de mapas, ou seja, a um estudo descritivo e monótono.
Porém, essa visão da Geografia não se reduz só a turma em que a prática foi
exercida, é uma visão global, como nos afirma e acrescentam Benevides e Vlach
(2005, p. 1774) sobre a responsabilidade do professor na modificação dessa
concepção.
Cabe ao professor de Geografia relacionar o conhecimento prévio do aluno (acumulado ao longo dos anos) com os conteúdos escolares da Geografia, pois, quem sabe, dessa maneira, o papel dessa disciplina possa ser devidamente reconhecido, não somente por professores, pesquisadores e profissionais liberais, mas também pelos alunos, que a enxergam, na maioria das vezes, como uma ciência sem função, extirpando a idéia de que aprender Geografia é decorar nomes de países, capitais, rios, entre outros. O saber prévio deve ser visto como um saber que, se devidamente considerado, pode facilitar o acesso ao conhecimento científico da Geografia.
A inserção dos conhecimentos prévios dos alunos relacionados aos
conteúdos escolares da Geografia, só será possível na medida em que se
oportunize aos professores a capacitação contínua, em que estes acompanhem as
mudanças e avanços no ensino da ciência geográfica.
Quanto aos questionados sobre o enfoque que daríamos ao ensino da ciência
Geográfica, fizemos ressaltar neste momento a importância dos aspectos sociais e
econômicos, políticos e culturais relacionados com a vida de cada um, e ainda
40
acrescentamos a relevância dos conhecimentos desses alunos, que antes não eram
abrangidos, em que podemos perceber que outrora a leitura do mundo, ou melhor,
do mundo do adulto não era priorizada, em contraposição a orientação freireana de
que a leitura do mundo precede a leitura da palavra.
A leitura de mundo precede a leitura da palavra, [...] a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente. (Freire, 1989, p. 11-20)
Seguindo as orientações de Freire (1989), ao pensarmos os conteúdos
geográficos como forma de proporcionar o desenvolvimento da criticidade do aluno,
voltamos o nosso olhar para um ensino determinante para a inclusão social do
aprendizado na vida dos alunos da EJA, pois acreditamos que o ensino destinado
aos jovens e adultos deve propor uma mudança significativa na vida desses.
Mudanças que cumpram de maneira satisfatória a função de preparar os alunos
para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho.
Neste aspecto, sabemos das dificuldades de se cumprir tais objetivos, pois o
cotidiano da sala de aula é sempre um desafio para nós professores, sendo estes
desafios ainda maiores para os educadores em formação. Em nossa vida
acadêmica, estudamos os vários filósofos e pensadores educacionais, os quais nos
fornecem saberes sobre suas teorias para aplicarmos no cotidiano da sala de aula,
porém, nossa realidade ultrapassa muitas vezes os limites de tais teorias.
Em seu livro “Pedagogia da autonomia”, Freire (1996) nos esclarece quanto
aos saberes necessários a prática educativa: questões sobre as “exigências”
necessárias para o bom desenvolvimento do exercício docente são expostas.
Capítulos intitulados como “Ensinar exige respeito aos saberes do educando”;
“Ensinar exige criticidade”; “Ensinar exige bom senso” etc; leva-nos a refletir que as
competências exigidas ao professor ultrapassam a simples apropriação do
conhecimento, as questões subjetivas, como o comportamento dos alunos, a
condição emocional do próprio professor, sua criticidade e sua sensibilidade na
apreensão das angústias dos educandos são saberes necessários na execução da
prática de ensino.
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O meu bom senso me adverte de que há algo a ser compreendido no comportamento de Pedrinho, silencioso, assustado, distante, temeroso, escondendo-se de si mesmo. O bom senso me faz ver que o problema não está nos outros meninos, na sua inquietação no seu alvoroço, na sua vitalidade. O meu bom senso não me diz o que é, mas deixa claro que há algo que precisa ser feito (FREIRE, 1996, p. 63).
Podemos perceber com isto que a tarefa do professor vai além do simples
ensinar; conhecer, entender e refletir sobre as necessidades dos seus alunos.
Também é muito importante para o alcance dos objetivos concernentes a aplicação
dos conteúdos.
Para alcançarmos os objetivos da educação de jovens e adultos centrados no
ensino de Geografia, atentando para os saberes e as particularidades desses
educandos, coube ainda estarmos preparados para as situações conflitantes em
sala de aula. Nos diferentes contextos escolares nos deparamos com as seguintes
situações: indisciplina, dispersão e a desorganização no momento de ministrar as
aulas, o que torna mais difícil a execução de uma prática efetiva por parte do
professor.
Os aspectos afetivos e emocionais na prática pedagógica fazem parte das
condições organizativas do trabalho docente, pois o sucesso da aprendizagem está
essencialmente na forte relação afetiva existente entre alunos e professores, alunos
e alunos e professores e professores. Diante disso o professor em formação
necessita atentar para esses aspectos para que sua autoridade seja respeitada e
seu fazer-docente não seja prejudicado.
Queremos esclarecer que a autoridade do professor a qual nos referimos não
deve transformar-se em autoritária, chegando ao ponto de tirar a autonomia dos
alunos, pois
A autoridade profissional se manifesta no domínio da matéria que ensina e dos métodos e procedimentos de ensino, no tato em lidar com a classe e com as diferenças individuais, na capacidade de controlar e avaliar o trabalho dos alunos e o trabalho docente (LIBÂNEO, 1994, p. 252).
O professor autoritário não silencia os seus alunos, pelo contrário, através da
pronúncia da palavra interage com esse em busca da boa relação entre ambos.
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Ao escolhermos a Educação de Jovens e Adultos para iniciar a nossa prática
pedagógica, pensamos que, por se tratar de jovens e adultos trabalhadores,
teríamos o contato com alunos comportados e que não haveria conflitos na sala.
Mero engano. Estes alunos trazem consigo contextos familiares parecidos com o
das crianças, e que influenciam em sua aprendizagem.
Por isso Leno (2005) afirma que no processo educativo faz-se necessário
ainda considerar outros aspectos além da teoria, como: o planejamento do tempo
das aulas, do lugar em que estas serão realizadas e mais, atentar para outro
aspecto importante que diz respeito às relações afetivas entre aluno e professor,
como também a interação do aluno com os demais colegas de sala e ainda a
relação do professor com a equipe pedagógica, em fim com todos os segmentos da
escola, incluindo neste a família.
Em nossas observações iniciais, que consistiram na observação do
comportamento da turma, bem com a relação entre eles, procuramos acrescentar
uma mediação centrada no respeito mútuo, esclarecendo aos alunos que o
professor não era o detentor do conhecimento, mas que eles também possuíam
saberes importantes para o desenvolvimento das aprendizagens na escola. Com isto
se estabeleceu uma relação de troca de saberes entre o educador e os educandos.
Em que fomos instigados a pesquisar sobre o material para a elaboração das aulas
de acordo com o interesse desses alunos e um assunto que antes era totalmente
desconhecido por nós, através do contato com a turma, aprendemos e também
ensinamos sobre o tema estudado, o que fica claro, que apesar de professor e aluno
serem diferentes entre si, ambos possibilitam o aprendizado um do outro na medida
em que “quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e
forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos
[...]. Ensinar inexiste sem aprender e vive-versa” (FREIRE, 1996, p. 23).
Pensando nesta interação, incluímos em nossa proposta um planejamento
flexível, haja vista as particularidades desses alunos trabalhadores, que chegavam
atrasados, cansados, mas não desestimulados, pois vinham, em sua maioria, com
“sede” de construir e ampliar os seus conhecimentos. Percebemos também a
importância da organização dos materiais, a disponibilidade para o diálogo, como
fundamentais no início de cada dia de aula, pois estes recursos estreitam as
relações entre o professor e o aluno. Diante dessas afirmações, observamos o
43
quanto à cooperação e organização entre as partes envolvidas é determinante para
a efetivação do ensino-aprendizagem no cotidiano escolar.
Pensar na escola como local de formação humana quer dizer pensá-la como um lugar onde o processo educativo ou o processo de desenvolvimento humano acontece de modo intencionalmente planejado [...] e se sustenta pela presença de pessoas com saberes próprios do ofício de educar, pela cooperação sincera entre todas as pessoas que ali estão para aprender e ensinar [...] (BRASIL, 2005, p. 248).
Com isto, reconhecemos que no desenvolvimento do trabalho com alunos da
EJA, além de atentarmos para o planejamento, o método e a metodologia, devemos
incluir os educandos como seres cooperadores no desenvolvimento do processo de
ensino-aprendizagem. Devemos inserir também em nossas reflexões as
especificidades próprias desses educandos que devem receber um tratamento
consequente, considerando as diferenças de estilo, tempo lugar e ritmo de
aprendizagem desses alunos, envolvendo as particularidades dessa modalidade de
ensino, a realidade dos alunos e as dificuldades destes de comparecerem a sala de
aula, bem como a formação específica do professor no tratamento dessas
especificidades.
A partir dessas instruções propomos em nossa prática, como forma de ruptura
dos métodos de ensino que não abordem estas especificidades, uma nova
perspectiva de ensino para embasar os estudos de Geografia: o uso da
investigação, do diálogo e das pesquisas por parte do professor e do aluno. Este
primeiro, dado as particularidades dos alunos da EJA, busca fontes em que se
possam esclarecer as dúvidas frequentes dos estudantes, como a entrevista feita
com o advogado, e também como a pesquisa de textos que foram utilizados para a
compreensão do assunto.
Portanto, para o alcance do sucesso desse processo, é importante que na
prática do professor esteja englobado o conhecimento dos alunos, o reconhecimento
dos seus saberes e suas experiências de vida que em muitos casos ficam
esquecidos no planejamento do que e do como ensinar.
É necessário que o alfabetizador, antes de iniciar as atividades de ensino, conheça o grupo com o qual irá trabalhar. Esse conhecimento prévio pode ser pelo cadastro dos alunos e pelo diagnóstico inicial que deve servir de base para o planejamento das
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atividades. A intenção é tornar o processo de alfabetização participativo e democrático. A formação de alfabetizadores compreende a formação inicial e a formação continuada (LOPES; SOUZA, 2009, p. 8).
Conhecer os alunos e suas necessidades contribui para a investigação por
parte do professor, do que eles já sabem, o que eles gostariam de saber, bem como
possibilita o confrontamento dessas informações, sendo estas imprescindíveis para
o processo de desenvolvimento do ensino-aprendizagem. Além disso, os conteúdos
classificados para o ensino da EJA devem ser pensados de forma que os alunos
façam o uso social do aprendizado. Caracterizando a educação como um processo
histórico de construção e criação do homem para a sociedade e, simultaneamente,
de modificação da sociedade para o benefício do homem.
Os objetivos educacionais, e portanto os tipos de conteúdos aos quais se referem, influem, e inclusive às vezes determinam, o tipo de participação dos protagonistas da situação didática, assim como as características específicas que esta participação assume (ZABALA, 1998, p. 89)
Sabemos que o contexto da sociedade tem uma estrutura e são suas
relações de poder que determina quais tipos de conteúdos serão ensinados na sala
de aula. Essas relações de poder determinadas pelos dominadores, tem o interesse
de apresentar um conteúdo para os alunos no qual se esconde a real intenção
desses, que é a de alienar os educandos em sua formação. Ao se apresentar, no
ensino da Geografia, conteúdos determinados por terceiros que não incluem o
professor e o aluno no processo de construção do saber, identificamos o principal
motivo de termos professores que não conseguem incitar a curiosidade no aluno e
estudantes que a cada dia se desinteressam mais por aprender algo que não tem
nada haver com sua forma de vida.
Mas porque os sujeitos que produzem a organização didático-pedagógica dos
conteúdos excluem os principais interessados no desenvolvimento do saber? Esta
resposta pode ser dada tendo como enfoque o modo de produção em que vivemos.
O capitalismo em que os interesses da classe dominante é salientado e à classe
trabalhadora, representada pelos estudantes da EJA o que resta é “receber o
conhecimento” sem que sejam dados os subsídios para que reflitam e o critiquem.
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Para contrapor esta realidade, tentamos fazer uso do método dialético
utilizado pela Geografia crítica, pois esta, ao contrário da tradicional, não tira do
educando o direito de pensar, contestar e questionar as forma de poder presentes
na sociedade, pois ao receber os conhecimentos determinados por terceiros, o aluno
da classe trabalhadora nada mais tem a fazer a não ser aceitá-lo como verdade
absoluta, inexistindo neste fato a dualidade entre o que o estudante aprende e o que
ele pensa. O conhecimento pronto depositado na cabeça do aluno que só o utiliza
para memorizar e aplicar o que decorou na hora da prova, caracteriza o ensino de
uma Geografia tradicional, que baseada no positivismo, “poda” a capacidade de
reflexão do aluno, não o deixando enxergar a cruel relação entre o que ele aprende
e as formas de poder embutida naquela aprendizagem.
Portanto, faz-se necessário que em seu saber-fazer, o professor utilize
instrumentos escolhidos de acordo com sua ideologia, pois é preciso que este
selecione conteúdos que estejam de acordo com seu sistema de ideias. Neste
sentindo, além de se perguntar “por que ensinar”? Devemos nos preocupar com o
que ensinamos, pois “por trás de qualquer proposta metodológica, se esconde uma
concepção do valor que se atribui ao ensino.” (ZABALA, 1998, p. 27).
Neste caso vale abrir um parêntese quanto a autonomia do professor, no caso
da prática descrita, tivemos total liberdade em relacionarmos os conteúdos e expor
nossas intenções, mas no caso de professores que não têm a mesma sorte, o que
estes devem fazer para defender suas opiniões?
Para uma melhor escolha dos conteúdos e consequentemente um melhor
ensino destinado aos alunos da EJA, devemos ainda recorrer ao desprendimento
dos conteúdos de aprendizagem simplesmente ligados às contribuições das
disciplinas, haja vista, “serem conteúdos de aprendizagens todos aqueles que
possibilitem o desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas, de relação
interpessoal e de inserção social” (ZABALA, 1998, p. 30).
Estes conteúdos de aprendizagem só serão possivelmente trabalhados a
partir da sensibilidade do professor que vise não só o desenvolvimento cognitivo dos
seus alunos, mas também o desenvolvimento afetivo e social, pois estes últimos
contribuirão para o desenvolvimento do primeiro.
Anterior à escolha dos conteúdos, a investigação por parte do professor dos
assuntos que interessam aos seus alunos é imprescindível para o planejamento dos
objetivos a se alcançar com o grupo. É notório que a aprendizagem do adulto se
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estabelece a partir da relação do conteúdo trabalhado pelo professor com
aproveitamento deste conteúdo na sua vida prática, cuja escolha só será produtiva
se antecipadamente o professor detectar o interesse dos alunos.
Visando uma abordagem vinculada à realidade do aluno e o aproveitamento
de seus saberes é que propomos o ensino de Geografia na EJA. O papel de orientar
os educandos para a leitura do mundo de forma mais crítica e coerente,
capacitando-os para realizarem relações entre aspectos naturais, humanos, culturais
e de trabalho, visto que um interfere e direciona o outro.
O ensino de Geografia ainda possibilita a inclusão dos saberes dos
educandos no processo de ensino, buscando estabelecer interrelações entre os
saberes do educando/a prática pedagógica e a técnica de ensino, em que se
proporcione uma situação dialética entre a realidade dos educandos e a busca pelo
conhecimento, haja vista, que trazem consigo experiências acumuladas em suas
histórias vivenciadas em seus espaços de vida.
Neste sentido, visando a reflexão da turma quanto aos direitos do trabalhador
para concluir nossa prática de ensino, propomos a composição de uma poesia
coletiva (Anexo I) e inspirados no texto “Cântico da Rotina” de Ana Miranda e nas
atividades (Anexos J e L) a turma, a partir de suas vivências, imaginou uma forma
de ter no seu cotidiano os seus direitos respeitados, não só os direitos legitimados
pela lei, mas também os direitos por eles sonhados.
A prática pedagógica realizada nos permitiu desenvolver habilidades outrora
desconhecida, como por exemplo, pensar em uma proposta, como desenvolvê-la,
como resolver os conflitos etc. É na prática que o professor descobre o quanto ele
tem a aprender, sendo o seu processo de formação contínuo. “Esse processo exige
do professor a consciência de que sua formação nunca está terminada e que a
profissão é para ele sede de construção do saber” (ALARCÃO, 2003).
No entanto, na construção do ser professor em que se busca ações eficientes
para o ensinar, sendo essas marcadas por continuidades e descontinuidades.
Requer de quem ensina e de quem aprende o diálogo constante. Exige a
compreensão das influências sociais, econômicas e políticas presentes, não apenas
no meio educacional, mas principalmente na vida de quem aprende-ensina.
Pensando na complexidade da formação do professor, bem como na
formação do sujeito crítico, é que nos retemos na descrição de nossa prática
refletindo sobre a possibilidade de se considerar na prática pedagógica os saberes
47
do educando como fatores principais para o desenvolvimento dos conteúdos
escolares por meio da dialogicidade.
Concluímos a nossa prática pedagógica na turma da EJA, mas o nosso
processo de formação é contínuo, Os planejamentos, as vivências e reflexões
proporcionadas nesse período, oportunizou as condições necessárias de se
construir uma visão crítica da realidade dos alunos que compõem as nossas escolas
públicas. Com essa experiência, estaremos um pouco mais preparados para outras
que virão, e assim esse processo de aprendizagem nunca acaba, como já foi dito é
contínuo.
Assim sendo, reafirmamos que este trabalho não tem a pretensão de fechar
as reflexões sobre nossa prática. Na verdade vemos nele a oportunidade de
demonstrar o quanto foi significativa para a nossa formação o contato com a sala de
aula e também a certeza de futuramente nos aperfeiçoamos e preenchermos as
lacunas que existiram no desenvolvimento dessa prática pedagógica inicial.
48
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O enfoque deste relato de experiência ficou em torno de uma proposta que
possibilitasse práticas do ensino de Geografia que buscasse atender as diversas
particularidades dos alunos da EJA, inserindo no estudo dos conteúdos escolares os
saberes dos educandos.
A partir das reflexões sobre a prática pedagógica e da importância do diálogo
no contexto escolar, identificamos que os saberes geográficos não sistematizados
pelos educandos, provenientes das vivências e experiências adquiridas ao longo de
suas histórias de vida. São relevantes ao longo do processo de aprendizagem
dessas pessoas que lançam novos olhares e interpretações sobre os aspectos
estudados no espaço vivido.
Queremos ressaltar quanto à relevância do diálogo em nossa prática, não o
diálogo que se encerra ao ser pronunciada a palavra, mas aliadas a palavra a ação
e a reflexão, sendo essas duas dimensões essenciais para a transformação do
mundo. Pois o diálogo envolvendo a realidade dos estudantes concernentes às
atividades desenvolvidas no trabalho, faz com que professor/aluno problematize as
questões do cotidiano, cuja problematização unida à reflexão e a produção da
palavra voltada para o sujeito, exige um novo pronunciar (FREIRE, 1987).
Tentamos pelo diálogo propor situações de aprendizagens que contribuíssem
para o esclarecimento dos alunos sobre as relações sociais incumbidas nas relações
de poder presentes no cenário real das suas vivências, por serem estas
determinantes das histórias de vida da maioria dos estudantes, que tem uma jornada
dura de trabalho e que o salário que recebem não compensa. Enfatizamos este
aspecto por acreditarmos na capacidade desses alunos de desenvolverem a
criticidade a partir da compreensão dos temas abordados em sala de aula e fora
dela.
Atentando para a metodologia utilizada pelo professor, ressaltando a
importância dos conhecimentos prévios dos alunos, podemos comprovar que apesar
do ensino da Geografia ser apresentado com pouca frequência aos alunos,
comprovando que esta disciplina é secundarizada no Ensino Fundamental. Também
podemos comprovar que existem formas diversas de ministrar seus saberes de
forma que o aluno contribua para o aprendizado significativo e se alfabetize.
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Ao mesmo tempo em que reconhecíamos a complexidade de apresentarmos
conteúdos pertinentes ao trabalho na vida desses alunos relacionados aos saberes
que eles tinham sobre o tema, também nos questionávamos: por que não trazer
para a sala de aula as experiências que têm os alunos na rotina do seu trabalho, o
tempo gasto para cumprir as atividades domésticas, de jardinagem, de cuidado com
as crianças das residências em que eles trabalhavam. Por que não trazer também
para as nossas reflexões o salário, a diferença entre a forma de vida dos patrões e a
deles, estabelecendo relações entre os saberes curriculares e a experiência social
que eles têm como indivíduos.
A complexidade de se aplicar conteúdos pertinentes ao trabalho desenvolvido
pelos alunos da EJA foi fortalecida pela escassez de material destinado a esta
modalidade e especialmente ao assunto que abordamos em nossa prática.
Mas como foi possível, em nossa formação inicial, atender a esta
complexidade? Schön (1995) nos dá algumas indicações ao enfatizar que o
professor precisa “refletir-na-ação”, “refletir-sobre-a-ação” e “refletir-sobre-a-reflexão-
na-ação”, pensando formas de solucionar problemas que surgem em seu trabalho,
para isto, a prática deve ser o ponto de partida para tais reflexões.
Diante da apreensão das dificuldades de gestão de ensino na EJA,
consideramos que, para ultrapassá-las, é necessário uma intensa pesquisa aliada a
elaboração de atividades de nossa autoria com o olhar de algumas colegas mais
experientes. Sabemos que o ensino depende, dentre outros fatores, de análises e
decisões que cabe a nós, professores, pensar em como articular os conhecimentos
e produzir saberes para no contexto da sala de aula, conseguir ensinar.
A nossa prática pedagógica também nos permitiu reconhecer o quanto ainda
precisa ser feito na área da Educação de Jovens e Adultos, como a formação
específica dos professores dessa área, a disposição de materiais que atendam as
particularidades desses alunos, bem como os recursos para a efetivação das aulas
devendo estes permitir uma aula dinâmica em que os alunos se sintam estimulados
a participar conseguindo deixar de lado, por certo momento, o cansaço diário.
A Educação de Jovens e Adultos representa uma possibilidade que pode
contribuir para efetivar um caminho e desenvolvimento de todas as pessoas, de
todas as idades. Esta modalidade de ensino torna-se mais que um direito, torna-se
essencial para exercício da cidadania como condição para uma plena participação
na sociedade.
50
Cabe destacar a importância da inserção do Ensino de Geografia em nosso
fazer docente, pois, de alguma forma, pudemos mudar a concepção de que o Ensino
de Geografia tem como enfoque principal a simples leitura de mapas, fazendo os
alunos perceberem que o papel da Geografia é buscar a compreensão do
mundo/lugar explicável e passível de mudanças em prol de uma sociedade frente ao
combate as segregações sociais e espaciais. Foi importante esclarecer também que
a ciência geográfica tem como um de seus objetivos estudar a relação entre o
processo de produção das sociedades nas suas interfaces com a natureza pela
mediação das dinâmicas das relações de trabalho que se materializam na
construção das culturas.
Ao longo da experiência de produção, de planejamentos, estudos, confecção
de materiais e realização das atividades, compreendemos a necessidade de uma
avaliação e reflexão contínua das formas de abordagens e desenvolvimento de
nossa prática pedagógica. Por estarmos em constante processo de formação, nossa
função como educadores é buscar não só a reflexão da ação, mas também
reconhecer a nossa incompletude, a necessidade de estudar sempre, o respeito aos
saberes dos educandos, o planejamento de nossa prática, como também a criação
de laços de afetividade, entre professor-aluno e aluno-aluno.
Acreditamos que só a partir do diálogo, da inserção dos saberes do
educando, da humildade e do respeito pelo próximo é que o professor alcançará o
principal objetivo da Educação de Jovens e Adultos que é o de auxiliar cada
individuo a tornar-se tudo aquilo que ele tem capacidade para ser: sujeito crítico e
atuante na sociedade.
“A pessoa conscientizada tem uma compreensão diferente da
história e de seu papel nela. Recusa acomodar-se, mobiliza-se,
organiza-se para mudar o mundo.”
Paulo Freire
51
REFERÊNCIAS
ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo, Cortez, 2003. ARAÚJO, Marta Maria de. O debate sobre a escolarização primária organizada pela lei imperial de 1827 e reorganizada pelo ato adicional de 1834. In: PIRES, José; PIRES, Gláucia Nascimento da Luz; BALDI, Elena Mabel Brutten; GURGEL, Márcia Maria. (org.). Heterogeneidade, cultura e educação. Natal: EDUFRN, 2006.
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Paulo, Paz e Terra, 1996. ––––––. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
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SOARES, Magda. Letramento em texto didático: o que é letramento e alfabetização. In: ______. Letramento: um tema de três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica,
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54
ANEXO A – Texto “Pai e Eu”
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ANEXO B – Atividade “O cotidiano do trabalhador”
ESCOLA ESTADUAL GOVERNADOR WALFREDO GURGEL ALUNO(A): __________________________________________ DATA:__/__/__
ATIVIDADE: O COTIDIANO DO TRABALHADOR
“Para não faltar farinha para o pão”, todo dia homens e mulheres saem muito cedo de casa, acompanhados de seus pensamentos e preocupações. É a rotina diária. A preocupação com a educação dos filhos, com a comida, com a conta de energia elétrica, com o aluguel são alguns dos fatores que acompanham brasileiros diariamente.
Como é a sua rotina diária? Você se identifica com o conteúdo do texto? Faça
um relato de como é a sua rotina, desde o momento que você sai de casa
para o trabalho, até o momento que você volta para perto da sua família. Qual
o transporte que você utiliza? Neste percurso, para onde o seu pensamento
te leva?...
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Você consegue chegar em casa e encontrar seus filhos acordados?
___________________________________________________________________
_________________________________________________________
Conversa com seu companheiro(a)?
______________________________________________________________
Sua realidade é parecida com a dos seus patrões? Na sua opinião qual o fator
predominante para a diferença entre sua realidade e a deles?
______________________________________________________________
Liste as palavras do texto “Pai e eu”, que você já consegue ler:
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ANEXO C – Trabalhando com imagens ESCOLA ESTADUAL GOVERNADOR WALFREDO GURGEL ALUNO(A): __________________________________________ DATA:__/__/__
Para compreendermos melhor sobre as mudanças ocorridas ao longo do
tempo em nossa cidade vamos observar as imagens:
1)
Vista panorâmica de Natal no ano de 1915 (aproximadamente).
2)
Vista panorâmica de Natal no ano de 2010
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ANEXO D – Atividade - trabalhando com imagens
A imagem 1 representa a cidade de Natal no ano de 1915, aproximadamente e a imagem 2 representa a nossa cidade nos dias atuais. Observe e responda:
O que mudou?
____________________________________________________________________________________________________________________________
Na sua opinião o que ocasionou essas mudanças?
____________________________________________________________________________________________________________________________
Agora procure lembrar como era o bairro que você mora com sua família há
20 anos. Atualmente você percebe alguma mudança na estrutura do seu
bairro?
( ) Sim ( ) Não
Se houve mudanças anote quais foram para discutirmos em sala. Em sua opinião essas mudanças suprem as necessidades das pessoas que moram naquele local. ____________________________________________________________________________________________________________________________
Se você marcou “não”, por que você acha que não houve um maior investimento na infra-estrutura do seu bairro? ____________________________________________________________________________________________________________________________
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ANEXO E – Mapa do Rio Grande do Norte: Atividades Econômicas
Fundadoras
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ANEXO F – Biografia “Cora Coralina”
ESCOLA ESTADUAL GOVERNADOR WALFREDO GURGEL ALUNO(A): __________________________________________ DATA:__/__/__
BIOGRAFIA DE CORA CORALINA
Cora Coralina é a grande poetisa do Estado de Goiás. Em 1903 já escrevia
poemas sobre seu cotidiano, tendo criado, juntamente com duas amigas, em 1908, o
jornal de poemas femininos "A Rosa".
Mulher simples, doceira de profissão, tendo vivido longe dos grandes centros
urbanos, alheia a modismos literários, produziu uma obra poética rica em motivos do
cotidiano do interior brasileiro, em particular dos becos e ruas históricas de Goiás.
Até o ano de 1911 escreve e publica várias poesias, mas depois de fugir com
o advogado divorciado Cantídio Tolentino Brêtas, dá uma pausa nas suas
publicações. Vai para Jaboticabal (SP), onde nascem seus seis filhos e seu marido
passa a proibir-lhe de publicar suas poesias, inclusive impede que ela integre-se à
Semana de Arte Moderna, a convite de Monteiro Lobato, em 1922.
Em 1928 muda-se para São Paulo (SP). Em 1934, torna-se vendedora de
livros da editora José Olimpio. Volta a publicar seus poemas e em 1965, lança seu
primeiro livro, "O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais". Em 1976, é lançado
"Meu Livro de Cordel", pela editora Cultura Goiana. Em 1980, Carlos Drummond de
Andrade, como era de seu feitio, após ler alguns escritos da autora, manda-lhe uma
carta elogiando seu trabalho, a qual, ao ser divulgada, desperta o interesse do
público leitor e a faz ficar conhecida em todo o Brasil.
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ANEXO G – Poesia “Das Pedras” - Cora Coralina Vamos agora conhecer uma poesia dessa ilustre escritora:
Das Pedras
Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado e no sonho me perdi.
Uma estrada,
um leito, uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.
Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras e plantando flores.
Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude
dos meus versos. Cora Coralina
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ANEXO H – Refletindo sobre biografia e poesia de Cora Coralina
Para refletir:
Após a leitura coletiva e discussões sobre a biografia e a poesia de Cora Coralina, liste suas percepções
Qual a dificuldade encontrada por Cora Coralina, que poderíamos associar a
segunda estrofe?
Uma estrada, um leito, uma casa, um companheiro. Tudo de pedra.
Quais são as “pedras” encontradas no seu cotidiano que dificultam a sua vida
no:
Trabalho: ______________________________________________________ Em casa: ______________________________________________________ Na escola:______________________________________________________
O que poderia ser feito para a melhoria da rotina das suas atividades nos
locais citados anteriormente. Você acha que o poder público poderia interferir
nessa transformação ou é algo que só depende de você?
____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Liste as palavras da poesia que você já consegue ler:
____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
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ANEXO I – Poesia Coletiva
ESCOLA ESTADUAL GOVERNADOR WALFREDO GURGEL
ALUNO(A): __________________________________________ DATA:__/__/__
POESIA COLETIVA NOSSOS DIREITOS SONHADOS
Que todo trabalhador tenha direito a um lar (Daguia)
Que todo trabalhador tenha direito ao horário de almoçar (Ana Marli)
Que todo trabalhador tenha direito a estudar (Eliene e Margarida)
Que todo trabalhador tenha direito a descansar (Vicente)
Que todo trabalhador tenha direito a um futuro melhor (Andrea)
Que todo trabalhador tenha direito a um patrão que se conscientize do direito do
empregado e o respeite como cidadão (Marlene)
Que todo trabalhador tenha direito a ganhar dinheiro (Agnaldo)
Que todo trabalhador tenha direito a trabalhar mais (Francisco)
Que todo trabalhador tenha direito a carteira assinada (Eleine)
Que todo trabalhador tenha direito a trabalhar cinco horas por dia e que tenha mais
alegria (Raimundo)
Que todo trabalhador tenha direito a um salário digno (Antônio)
Que todo trabalhador tenha direito a ser muito inteligente (Eliane)
Que todo trabalhador tenha direito a namorar (Josefa S.)
Que todo trabalhador tenha direito a passear (Josefa)
Que todo trabalhador tenha direito a ser compreendido (Samara)
Que todo trabalhador tenha direito a um bom salário (Margarida)
Que todo trabalhador tenha direito a andar de avião (Lucineide)
Conhecer outros países e a sentir a sensação de não ter os pés no chão. (Verônica)
TURMA EJA 2010
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ANEXO J – Texto “Cântico da Rotina”
ESCOLA ESTADUAL GOVERNADOR WALFREDO GURGEL ALUNO(A): __________________________________________ DATA:__/__/__
CÂNTICO DA ROTINA
Ana Miranda
Todo trabalhador tem direito a bocejar Todo trabalhador tem direito a ganhar flores Todo trabalhador tem direito a sonhar Todo trabalhador tem direito a ir ao banheiro Todo trabalhador tem direito a manteiga no pão Todo trabalhador tem direito a promoção Todo trabalhador tem direito a ver o pôr-do-sol Todo trabalhador tem direito a um cafezinho Todo trabalhador tem direito a ler um livro Todo trabalhador tem direito a um rádio de pilha Todo trabalhador tem direito a sorrir Todo trabalhador tem direito a ganhar um sorriso alheio Todo trabalhador tem direito a ficar gripado Todo trabalhador tem direito a peru no Natal Todo trabalhador tem direito a festa de aniversário Todo trabalhador tem direito a jogar pelada Todo trabalhador tem direito a dentista Todo trabalhador tem direito a andar nas nuvens Todo trabalhador tem direito a tomar sol Todo trabalhador tem direito a sentar na grama Todo trabalhador tem direito a viagem de férias Todo trabalhador tem direito a catar conchas numa praia deserta Todo trabalhador tem direito a dizer o que pensa Todo trabalhador tem direito a pensar Todo trabalhador tem direito a saber por que trabalha Todo trabalhador tem direito a se olhar no espelho Todo trabalhador tem direito a seu corpo e sua alma
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ANEXO L – Atividade sobre o texto “Cântico da Rotina”
1. Qual a sua opinião sobre o texto? Você concorda com a autora sobre os
direitos listados.
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
2. Agora elabore uma frase sobre um direito que você gostaria que o
trabalhador tivesse e que não está escrito no texto.
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
3. Qual o sentido do trabalho na sua vida?
( ) Sobrevivência ( ) Realização pessoal ( ) Outra opção: _________________________________________________
4. Liste as palavras do texto que você já consegue ler:
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________