UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO
O Cirurgião-Dentista e a responsabilidade
de indenizar o dano moral causado ao
paciente.
Ricardo Gariba Silva
Monografia jurídica apresentada em cumprimento de exigência para conclusão do Curso de Direito do Centro
de Ciências Humanas, Sociais e Aplicadas da Universidade de Ribeirão Preto, sob a orientação do Prof. Dr.
Antonio E. de Lucena.
Ribeirão Preto
1995
Você é o nosso visitante número: [Contador de acesso]
Dedicatórias
À minha esposa Grasieli, aos meus filhos Marcelo e Daniela, a mais profunda
manifestação do meu amor e carinho, incentivadores da minha luta constante
em prol do caminhar sempre avante.
Aos meus pais, Moacir e Saida, ao meu irmão Reinaldo, pela compreensão e
estímulo em todos os momentos importantes na minha vida.
Agradecimentos
Ao Prof. Dr. Antonio E. de Lucena, pela demonstração inequívoca de amizade
ao aceitar a orientação deste trabalho, em meio às suas excessivas ocupações.
Suas informações, como professor e orientador, contribuíram decisivamente
para a minha formação.
Àqueles professores do Curso de Direito, que excederam os limites da cátedra e
a mim dedicaram atenção e amizade, extrapolando o campo dos conhecimentos
jurídicos.
Aos meus amigos da Odontologia, que me ajudaram, incentivaram e
cooperaram para que eu me realizasse ao cursar o Direito.
A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, colaboraram para que eu
alcançasse o meu objetivo.
O presente trabalho foi examinado nesta data pela banca composta pelos seguintes
membros:
Dr. Antonio E. de Lucena - professor orientador.
Dr. José Arnaldo V. Cione - professor convidado.
Dr. Armando Nogara - professor convidado.
Aprovado com nota Dez (10,0)
Resumo
Pretendeu-se, com esse trabalho, discutir a responsabilidade do cirurgião-
dentista em reparar o dano moral causado ao paciente. Verificou-se, no estudo, que o
assunto é pouco encontrado na literatura, bem como nos julgados dos tribunais.
A responsabilidade civil do dentista em reparar o dano moral causado ao
paciente existe e é caracterizada pela presença dos elementos agente, ato, ausência de
dolo, dano e o nexo causal entre o dano e o ato profissional apontado como seu
causador.
Sumário
1. Introdução
1.1. Objeto do estudo
1.2. Justificativa e delimitação do objeto
2. Sobre o dano e o direito
2.1. Danos patrimoniais e danos extrapatrimoniais
2.2. A necessidade de reparação: a teoria da responsabilidade civil
2.3. Danos morais
3. Reconhecimento Jurídico da Responsabilidade Profissional do Cirurgião-Dentista
3.1. Os erros profissionais em Odontologia
4. A reparação por danos morais
4.1. Responsáveis
4.2. Titulares
4.3. Relações em que pode surgir o direito
4.4. A reparação nas relações entre pessoas naturais: as de caráter pessoal
4.5. A reparação nas relações entre pessoas naturais: as de caráter patrimonial
4.6. A cumulatividade das reparações por danos morais e materiais
5. A responsabilidade civil do cirurgião-dentista: o assunto no direito português
6. A responsabilidade civil do cirurgião-dentista: o assunto nos tribunais brasileiros
7. Considerações Finais
8 Referências Bibliográficas
1. Introdução
A Odontologia é uma profissão definida, por FERREIRA1 como está adiante
descrito:
Verbete: odontologia
[De odont(o)- + -log(o)- + -ia.]
S. f.
1. Parte da medicina que trata dos dentes e da sua higiene e afecções.
2. Conjunto de ciências que se estudam para o exercício da profissão de cirurgião-
dentista.
Segundo a resolução do CFO-179/91, de 19.12.91, que aprovou o atual
Código de Ética Odontológica, no seu artigo segundo, a Odontologia é uma profissão
que se exerce, em benefício da saúde do ser humano e da coletividade, sem
discriminação de qualquer forma ou pretexto.
O seu exercício é permitido ao cirurgião-dentista habilitado por escola ou
faculdade oficial ou reconhecida, com o diploma registrado na Diretoria do Ensino
Superior, no Serviço Nacional de Fiscalização da Odontologia na repartição sanitária
estadual competente e inscrição no Conselho Regional de Odontologia, sob cuja
jurisdição se achar o local de sua atividade. É o que preconiza a Lei 5.081, de 24 de
agosto de 19662 . Essa lei estabelece, no artigo 6o, II, que, entre as competências do
cirurgião-dentista, está a de praticar todos os atos pertinentes à Odontologia,
decorrentes de conhecimentos adquiridos em curso regular ou em cursos de pós-
graduação.
Assim, o profissional da Odontologia passa por um período de formação, que
irá capacitá-lo ao exercício profissional, ao qual se referiu MERJANE, (1993)3 :
Uma das principais funções de uma Faculdade ou Escola de Odontologia é a
formação de profissionais. Estes formam-se por meio de um plano de estudos que
compreende todas as atividades de ensino-aprendizagem nas áreas cognitivas,
psicomotoras e afetivas desenvolvidas ao longo de um curso de duração de quatro
anos. Obviamente, um plano de estudos a nível universitário deve ser determinado
por um conjunto de formulações gerais, de diferente natureza, relacionadas com as
características mais significativas de uma profissão, de um título ou grau
determinado que se pretende obter.
No Brasil existe a preocupação para adequar a formação odontológica às
necessidades da comunidade, as modalidades de doença bucal vigentes e aos planos
de desenvolvimento nacional.
Esta preocupação tornou-se cristalina na afirmação sistemática de que se deve
formar um profissional capacitado para exercer a Odontologia é outorgar atenção
primária em qualquer lugar do país em que seus serviços sejam requeridos.
Não obstante esta sistemática preocupação as valiosas conclusões a que se tem
chegado são de caráter geral e difícil de operacionalizá-las. Tem havido alguns
intentos nos últimos vinte anos para precisar as características ou traços mais
relevantes que deve reunir a profissão, o recém-graduado e o aluno.
O cirurgião-dentista vai, então, possuir uma atuação social, cujo perfil é
traçado e exigido pela própria comunidade onde ele vai exercer sua profissão. Ocorre
que, deste exercício profissional, podem surgir resultados diversos daqueles
desejados tanto para o profissional como para o paciente.
Dependendo das características e magnitude desses resultados, ter-se-ía o
dano. Segundo o escrito na obra de FERREIRA4 :
Dano. [Do lat. Damnu.] S. M. 1. Mal ou ofensa pessoal; prejuízo moral: Grande
dano lhe fizeram as calúnias. 2. Prejuízo material causado a alguém pela
deterioração ou inutilização de bens seus. 3. Estrago, deterioração, danificação:
Com o fogo, o prédio sofreu enormes danos.[...]
Pelo exposto, da atividade profissional do cirurgião-dentista, pode advir
algum dano ao paciente, o que trará, inevitavelmente, reflexos no âmbito jurídico. O
exercício da profissão pode ser o meio de realização de alguma ofensa ao paciente,
conforme os conceitos anteriormente escritos. A partir dessa ofensa ao bem
juridicamente tutelado, surge a responsabilidade de quem o praticou em indenizá-lo,
em decorrência da sua responsabilidade civil perante o ato ou fato ocorrido.
SILVIO RODRIGUES5 refere-se à regra geral da responsabilidade civil
assim: Princípio geral de direito, informador de toda a teoria da responsabilidade,
encontradiço no ordenamento jurídico de todos os povos civilizados e sem o qual a
vida social é quase inconcebível, é aquele que impõe, a quem causa dano a outrem, o
dever de reparar. Tal princípio se encontra registrado, entre nós, no art. 159 do
Código Civil. Aí se diz: ‘aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou
imprudência violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o
dano.’
1.1 Objeto do estudo
O objeto de estudo do presente trabalho é discutir a responsabilidade do
cirurgião-dentista em reparar o dano moral causado ao paciente em decorrência dos
seus atos praticados durante o exercício de sua atividade profissional, ou a pretexto
de exercê-la.
1.2 Justificativa e Delimitação do Objeto
Na maioria das situações, não se pode exigir do profissional cirurgião-
dentista um resultado determinado. O que dele deve se exigir é o exercício
profissional dentro do âmbito de ação da melhor Odontologia, dos seus melhores
parâmetros técnicos, sendo que, para isso, o profissional deve ser bem formado e
preparado, e portar-se dentro dos padrões legais e éticos.
Para melhor esclarecer, grande parte das obrigações assumidas pelo
profissional diante do paciente estão compreendidas entre aquelas denominadas como
obrigações de meio. A respeito deste assunto, escreve Monteiro1 :
As obrigações distinguem-se ainda em obrigações de meio e obrigações de resultado.
Essa divisão, que se deve a Demogue17, representa progresso notável, no dizer de
Mazeaud et Mazeaud18, pois permite precisar qual seja o exato objeto da obrigação,
dando-lhe explicação lógica sobre o ônus da prova.
Nas obrigações de resultado, obriga-se o devedor a realizar um fato determinado,
adstringe-se a alcançar certo objetivo. Por exemplo, no contrato de transporte,
obriga-se o transportador a conduzir o passageiro, são e salvo, do ponto de
embarque ao ponto de destino. Nas obrigações de meio, o devedor obriga-se a
empregar diligência, a conduzir-se com prudência, para atingir a meta colimada
pelo ato. Dessa índole é, exemplificativamente, obrigação assumida pelo médico, que
se compromete a cuidar do enfermo; da mesma natureza, obrigação do advogado, a
quem se confia o patrocínio de uma causa.
Por outras palavras, nas primeiras exige-se um resultado útil para o credor; a
obrigação não se tem por adimplida, enquanto não se atinge o objetivo colimado.
Nas segundas, o devedor somente se obriga a usar de prudência ou diligência
normais, para chegar àquele resultado.
Na primeira hipótese, a simples verificação material do inadimplemento basta para
determinar a responsabilidade do devedor; na segunda, verificada a inexecução,
cumpre examinar o procedimento do obrigado, para se averiguar se o mesmo deve
ou não ser responsabilizado.
Nessas condições, naquelas, para que o credor seja indenizado, basta evidenciar que
o resultado não foi atingido. Tal demonstração comprovará que o devedor não
satisfez a obrigação. Para que este se isente de responsabilidade, deverá evidenciar
a ocorrência de caso fortuito ou de força maior.
Nestas, torna-se imprescindível o exame do modo de proceder do devedor. O credor
terá assim de demonstrar que a meta não foi alcançada porque o obrigado não
obrou com a indispensável prudência e diligência, a que se achava adstrito19. Em
matéria probatória, referida classificação tem, pois, capital relevância.
2. Sobre o Dano e o Direito
O Direito regula, na defesa dos valores maiores da sociedade e da pessoa, os
efeitos decorrentes de fatos humanos produtores de lesões a certos interesses alheios
protegidos e, com isso, garante a fluência natural e pacífica das interações sociais. O
agente de fatos lesivos que lhe possam ser imputáveis, subjetiva ou objetivamente,
arca com o ônus correspondente, tanto em seu patrimônio como em sua pessoa, ou
em ambos, e assume a obrigação de indenizar danos provocados, contra ius, a
pessoas, ou a bens e a direitos alheios1 . Dano é, nesse contexto, qualquer lesão
injusta a componentes do complexo de valores protegidos pelo Direito, incluído, pois,
o de caráter moral.
Teresa Ancona Lopez de Magalhães2 expõe, na sua obra, o que segue:
O dano, como conseqüência do ilícito civil ou do inadimplemento contratual, é
elemento imprescindível na configuração da responsabilidade civil, sem o qual não
existe.
No campo civil, a responsabilidade é medida pela extensão do dano e não pelo grau
de culpa, podendo mesmo a culpa levíssima gerar a obrigação de indenizar (“In lege
Aquilia et levissima culpa venit”). Sabemos que a situação diferente dessa se
apresenta no Direito Penal, pois pode haver pena sem ter haido dano (Ex: tentativa
de determinado crime).
Portanto, para o Direito Civil, não havendo dano não há indenização. Aliás, nem se
pode falar em ilícito civil sem a existência de um prejuízo; é este elemento que dá
conteúdo ao ato ilícito. Por outro lado, admite-se a indenização no caso de danos
provocados por atos ilícitos, como os praticados em legítima defesa, em estado de
necessidade e no exercício regular de um direito.
Continua a autora e cita o conceito de dano:
Etimologicamente dano vem de “demere” que significa tirar, apoucar, diminuir.
Portanto, a idéia de dano surge das modificações do estado de bem-estar da pessoa,
que vem em seguida à diminuição ou perda de qualquer dos seus bens originários ou
derivados extrapatrimoniais ou patrimoniais.
O conceito clássico de dano, aquele que se encontra na maioria dos autores que
trataram do assunto, sendo por isso o mais divulgado, é o que entende o dano como
uma diminuição do patrimônio, patrimônio tanto material quanto moral.
2.1 Danos patrimoniais e danos extrapatrimonais
Cahali3 afirma que é possível distinguir-se, no âmbito dos danos, a categoria
dos danos patrimoniais, de um lado, dos chamados danos morais, de outro;
respectivamente, o verdadeiro e o próprio prejuízo econômico, e o sofrimento
psíquico ou moral, as dores, etc. A caracterização do dano extrapatrimonial tem sido
deduzida na doutrina sob a forma negativa, na sua contraposição ao dano patrimonial,
ou seja, “dano patrimonial é o dano que atinge o patrimônio do ofendido; dano não
patrimonial é o que, só atingindo o devedor (sic) como ser humano, não lhe atinge o
patrimônio”, segundo o conceito de Pontes de Miranda, citado pelo autor.
Magalhães4 escreve, sobre o assunto:
Os danos morais podem ser das mais variadas espécies. Os principais citados pela
doutrina, são os que trazem prejuízo: à reputação, à integridade física, como o dano
estético, ao direito moral do autor, ao direito de uma pessoa ao nome, às convicções
de alguém, às pessoas que a vítima do dano tem afeto, como por exemplo a morte de
um filho, à integridade da inteligência, à segurança e tranqüilidade, à honra, ao
cônjuge por aquele que ocasionou o divórcio, à liberdade, aos sentimentos afetivos
de qualquer espécie, ao crédito, etc.
Bittar5 observa que os danos materiais e danos morais são aspectos
particulares da categoria jurídica dos danos reparáveis, ou seja, dos desequilíbrios ou
das distorções injustas verificadas na esfera jurídica geral de qualquer titular de
direitos.
2.2 A necessidade de reparação: a teoria da responsabilidade civil
Cahali6 afirma na sua obra que existem as teorias positivista e negativista da
reparação civil, sendo que os adeptos desta contestam tal modalidade de reparação,
em contraposição à primeira, sendo que a discussão do tema apresenta interesses
apenas históricos. Entre os autores que respondem positivamente à reparabilidade do
dano moral, não é grande a variação dos argumentos apresentados, o que permite
deduzir uma série de princípios comuns firmados em contestação aos negativistas.
Segundo o autor, existe um sistema pretensamente intermediário, o qual afirma que o
dano moral só deve ser reparado se ele tiver sido causa indireta de um dano
econômico, patrimonial. Porém, essa teoria qualifica-se como incoerente: de certo,
pretender-se que o dano moral já venha por si próprio convertido numa redução do
patrimônio econômico, de modo que, só assim se encontre possibilidade de
indenização é teoria, sem dúvida, estreitíssima, redundando em inútil a sua
conceituação; desde que já esteja ele transformado numa soma que é a representação
do quanto foi diminuída a riqueza material de outrem, já se afasta do subjetivismo
que constitui, exatamente, a parte moral a ser reparada.
Magalhães7 divide a doutrina em duas correntes principais: a corrente
negativista, que não reconhece a reparação do dano moral, e a corrente positivista,
que propugna por sua reparação. Por outro lado, existe uma terceira corrente chamada
de escola eclética ou mista, que só admite a reparabilidade dos reflexos patrimoniais
dos danos morais. Porém, segundo a autora, se o dano moral apresenta reflexos
patrimoniais, não é mais dano moral e sim patrimonial. O que se está reparando nesse
caso é o dano patrimonial. Tal teoria tem sido freqüentemente acolhida em nossos
tribunais.
Monteiro8 afirma que, para que se conceda a reparação, preciso é que o
respectivo fato gerador seja moralmente imputável ao seu autor, isto é, que origine de
sua vontade determinada ou de sua atividade consciente. Na ausência de culpa, que
não se presume, improcederá o pedido de composição de dano formulado pela vítima.
Segundo o autor, a teoria clássica e tradicional da culpa, também chamada de teoria
da responsabilidade subjetiva, pressupõe sempre a existência de culpa (lato sensu),
abrangendo o dolo (pleno conhecimento do mal e direta intenção de o praticar) e a
culpa (stricto sensu), violação de um dever que o agente pdia conhecer e acatar.
Desde que esses atos impliquem vulneração ao direito alheio, ou acarretem prejuízo a
outrem, surge a obrigação de indenizar e pela qual civilmente responde o culpado.
Porém, essa teoria, pelas suas imprecisões e pelo fato de, na vida moderna haverem
numerosos casos de responsabilidade sem culpa, tem sido vivamente impugnada. Por
isso mesmo, numerosos e notáveis juristas têm procurado substituí-la por outra
construção jurídica, a teoria da responsabilidade objetiva, que se apresenta sob duas
faces no direito moderno, a teoria do risco e a teoria do dano objetivo. Esclarece
ainda que o risco profissional é aquele inerente a determinada atividade, sem que se
leve em conta, sem que entre em jogo a culpabilidade. Já a teoria do dano objetivo
preconiza que, desde que exista um dano, deve ser ressarcido, independentemente da
idéia de culpa. Quanto ao sistema adotado pelo nosso Código, escreve o autor:
“Nosso Código Civil manteve-se fiel à teoria subjetiva. Em princípio, para que haja
responsabilidade, é preciso haja culpa; sem prova desta inexiste obrigação de
reparar o dano. Nessa ordem de idéias, preceitua o art. 159, num de seus
dispositivos fundamentais que “aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado
a reparar o dano”.
Em face, pois, da nossa lei civil, a reparação do dano tem como pressuposto a
prática de um ato ilícito. Todo ato ilícito gera, para o seu autor a obrigação de
ressarcir o prejuízo causado. É de preceito que ninguém deve causar lesão a outrem.
A menor falta, a mínima desatenção, desde que danosa, obriga o agente a indenizar
os prejuízos conseqüentes ao seu ato.
Mas, o ato ilícito não esgota as causas da responsabilidade civil; há casos em que
existe essa responsabilidade, não obstante ser lícito o ato, como nos casos de estado
de necessidade e de legítima defesa, quando, para sua eficiência, mister se torna
danificar alguma coisa (Cód. Civil, art. 160).
Na segunda parte, estabelece o mesmo art. 159 que a verificação da culpa e a
avaliação da responsabilidade se regulam pelo disposto nos arts. 1518 a 1532 e
1537 a 1553. O primeiro desses dispositivos, por seu turno, edita que os bens do
responsável pela ofensa ou violação ao direito de outrem ficam sujeitos à reparação
do dano causado; e se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão
solidariamente.
2.3 Danos morais
Os danos morais podem atingir os aspectos mais íntimos da personalidade
humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da
pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)9 .
Localiza-se, assim, a temática dos danos morais na teoria da responsabilidade civil,
na exata medida da consideração da pessoa em si, ou em suas projeções sociais,
individualizando-se aqueles nas lesões às sedes assinaladas.
Silva10 define o que seja dano moral em sua obra:
Danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em
seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao
patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor
econômico.
Jamais afetam o patrimônio material, como o salienta Demogue.1 E para que
facilmente os reconheçamos, basta que se atente, não para o bem sobre que
incidiram, mas, sobretudo, para a natureza do prejuízo final.
Seu elemento característico é a dor, tomado o termo em seu sentido amplo,
abrangendo tanto os sofrimentos meramente físicos, quanto os morais propriamente
ditos.
Danos morais, pois, seriam, exemplificadamente, os decorrentes das ofensas à honra,
ao decoro, à paz interior de cada qual, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos
de qualquer espécie, à liberdade, à vida, à integridade corporal.
Bittar11 divide os danos morais em puros e reflexos. São puros os danos
morais que se exaurem nas lesões a certos aspectos da personalidade, enquanto os
reflexos constituem efeitos ou interpolações de atentados ao patrimônio ou aos
demais elementos materiais do acervo jurídico lesado. Confinam-se os primeiros no
âmago da personalidade, ao passo que os outros extrapolam à parte inicialmente
atingida (assim, o uso indevido de imagem alheia pode produzir somente
descontentamento ou insatisfação para o lesado; mas, dependendo de fatores outros,
até a perda da consideração social, ou de amigos, ou de certa clientela, ou de
negócios em geral, em função do vulto assumido pela divulgação e em razão das
peculiaridades da utilização).
Observa-se, na análise da categoria dos danos morais, que, no respectivo
âmago, se encontra a antinomia a atributos personalíssimos reconhecidos aos titulares
de direitos. Reveste-se, pois, de caráter atentatório à personalidade, de vez que se
configura através de lesões a elementos essenciais da individualidade. Ora, por essa
razão é que recebe a repulsa do Direito, que, como já anotado, procura realizar a
defesa dos valores básicos da pessoa e do relacionamento social12 . Nesse sentido,
tem-se que fatos lesivos a certos componentes da personalidade produzem danos
morais, os quais, na prática, devem ser ressarcidos, a fim de que se faça a devida
justiça, especialmente em razão da orientação de que todo dano há de justificar ação
tendente à obtenção da necessária reparação. A reação da ordem jurídica a ações
lesivas manifesta-se através de mecanismos de submissão do agente aos respectivos
efeitos, definidos na teoria em debate, para que se alcancem os objetivos visados, em
especial a manutenção do equilíbrio necessário nas relações privadas. Com a
superveniência do resultado danoso e presente o nexo causal - preenchidos, assim, os
três pressupostos da responsabilidade civil: ação, dano e vínculo - surge para o
lesante a obrigação de indenizar. Deve então suportar, patrimonial ou pessoalmente,
conforme o caso, as conseqüências advindas, assumindo os ônus correspondentes, na
satisfação dos interesses do lesado. A responsabilização do agente é, nesse sentido, a
resposta do Direito a ações lesivas, assentando-se, desse modo, a rejeição à idéia de
dano injurioso. Sob o prisma do lesado, funda-se a reação na necessidade de
preservação da individualidade, a fim de que se mantenham íntegros os valores
individuais e sociais da pessoa humana e possa ela, assim, cumprir os respectivos fins
na sociedade.
3. Reconhecimento Jurídico da Responsabilidade Profissional do Cirurgião-
Dentista
Historicamente, o princípio da responsabilidade profissional do cirurgião-
dentista ficou estabelecido no instante em que o Estado exigiu a prova de habilitação
como indispensável ao exercício da clínica dentária. Pelo Aviso de 23 de Maio de
1800, o “Príncipe Regente Nosso Senhor” mandou executar, em caráter provisório, o
chamado “Plano de Exames”organizado pela “Real Junta do Proto-Medicato”, a qual
assumira, pela lei de 17 de junho de 1782, as funções relativas aos extintos cargos de
Físico e Cirurgião-Mor1 . Segundo Graça Leite2 , a responsabilidade do dentista,
como a do médico, do engenheiro, do farmacêutico, etc., apresenta-se com um duplo
aspecto: o da responsabilidade pessoal e o da responsabilidade pessoal e o da
responsabilidade profissional. No primeiro caso, está em jogo a sua conduta na vida
privada, na vida social ou na vida pública ou política. No segundo, consideradas são,
apenas, as ações inerentes ao exercício da profissão.
Os médicos já pretenderam fugir às sanções da lei, através da doutrina da
irresponsabilidade profissional. Argumentavam que, com o temor de serem chamados
aos tribunais, estariam tolhidos na sua liberdade de ação. Obrigados a uma cautela
que poderia resvalar para a timidez, compelidos à não utilização de novas
terapêuticas, pelo receio de que o insucesso pudesse ser tido como efeito de falta
profissional, os médicos se restringiriam, prudentemente, à rotina de uma atividade
de repetição, anulando-se, destarte, a sua participação no desenvolvimento da própria
Medicina. Felizmente, podemos dizer que os dentistas jamais pretenderam o
privilégio de causar danos impunemente3 .
Com relação à responsabilidade profissional perante a legislação brasileira,
escreve Graça Leite4 :
O Código Civil, por exemplo, que determina a obrigação geral de reparar danos,
contida no seu artigo 159: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar
o dano”, já no seu artigo 1.545 trata, especificamente, da responsabilidade
profissional: “Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras, e dentistas são
obrigados a satisfazer a dano, sempre que da imprudência, negligência ou imperícia,
em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de serviço ou ferimento”.
Quanto ao Código Penal, o problema se enfeixa no artigo 15, número II, o qual diz
que o crime é culposo “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,
negligência ou imperícia”.
Do ponto de vista do Direito Administrativo, o Decreto n.o 20.931, de 11 de janeiro
de 1932, encara a espécie, no seu artigo 11, do seguinte modo: “Os médicos,
farmacêuticos, cirurgiões-dentistas, veterinários, enfermeiras e parteiras que
cometerem falta grave ou erro de ofício, poderão ser suspensos do exercício de suas
profissões pelo prazo de seis meses a dois anos e se exercerem função pública, serão
demitidos dos respectivos cargos”.
Consideram os autores que, para configurar-se o delito de responsabilidade
profissional, são necessários cinco elementos, a saber: o agente, o ato profissional, a
culpa, o dano e a relação de causa e efeito entre o ato e o dano.
Lutz5 escreve que a falta cometida no tratamento odontológico poderá ter
como conseqüência civil - além da impossibilidade da cobrança de honorários, da
obrigação de restituí-los e da impossibilidade de exigir do cliente o cumprimento do
contrato porventura firmado ao iniciar o tratamento - o pagamento de uma
indenização pelo dano causado (morte, inabilitação de servir ou ferimento e perdas e
danos). As ações são movidas pelas partes interessadas. No caso em apreço, o autor
será o cliente ou seus representantes legais (pai de clientes menores, tutor, curador,
herdeiros ou inventariantes, etc.).
3.1 Os erros profissionais em Odontologia
Sobre os erros profissionais praticados pelos cirurgiões-dentistas em
decorrência do exercício da Odontologia, escreve Graça Leite6 .
Na verdade, a Odontologia se enquadra entre as profissões que não se regem pelos
termos da certeza. Se, no caso de um engenheiro-construtor, cuja construção desaba
por erro de cálculo, não se pode admitir escusas, em face da natureza matemática de
sua profissão, o mesmo não ocorre com a Odontologia ou a Medicina.
Ligadas ambas à Biologia, portanto, a uma ciência não matemática, lógico que os
seus princípios não se revistam no atributo da exatidão. Ao contrário, as suas
verdades são de uma relatividade fácil de verificar. A mais ligeira indagação
histórica basta para demonstrar quão abundantes são as verdades do passado que
hoje são erros palmares.
Os erros, portanto, que são determinados pelas condições de insuficiência da própria
Odontologia, não podem, de justiça, inculpar o cirurgião-dentista, exatamente
porque decorrem, não de ignorância inadmissível, mas do aspecto conjectural,
característico da exercício da clínica odontológica.
Assim sendo, tais erros não apresentam particularidades especiais, vinculados que
estão ao aspecto geral do grau de desenvolvimento da Odontologia. Isso equivale a
dizer que, felizmente, à medida que avança a Ciência Odontológica, mais se
restringe a área dos erros inevitáveis. Há, entretanto, erros que são a conseqüência
pura e simples de um imperdoável estado de ignorância profissional.
O autor, ao dar continuidade ao assunto, define os erros profissionais como
atos incorretos, ora cometidos em virtude de manifesta ignorância dos preceitos
científicos e técnicos da profissão, ora em decorrência do caráter falível da ciência
correspondente, ora, ainda, em conseqüência de imprudência ou desleixo.
Os erros profissionais admitem divisão em várias modalidades.
Lutz7 divide os erros em seis grupos:
1. Erros e acidentes na anestesia. Embora a anestesia tenha sido aplicada de
acordo com a técnica aprovada e com os necessários cuidados, sendo necessário
demonstrar que houve falta profissional para que o profissional possa ser
responsabilizado;
2. Erros de diagnóstico:
a. por ação:
. exame feito com técnica defeituosa, com descaso ou com imprudência;
. interpretação errônea de dados semiológicos, embora corretamente
obtidos;
b. por omissão:
. falta do emprego de um recurso indispensável, por exemplo, da
radiografia.
3. Erros de tratamento:
a. por ação:
. escolha de tratamento impróprio;
. emprego de instrumentos inadequados e de remédios contra-indicados,
perigosos ou trocados, má técnica nas intervenções ou no laboratório de prótese,
inclusive na confecção dos aparelhos ortodônticos;
b. por omissão:
. falta de tratamento quando ele é imprescindível à manutenção da saúde
oral do paciente;
. falta de conselhos indispensáveis.
4. Erros de prognóstico.
5. Faltas de higiene, o que pode dar ensejo à transmissão, para o paciente, de
doenças infecto-contagiosas.
6. Erros nas perícias.
Graça Leite8 , por sua vez, divide, classifica e justifica os erros profissionais,
suas origens e graus, assim:
Não culposos resultantes da insuficiência da própria Odontologia
Divisão dos erros profissionais
Culposos simples de diagnóstico
de tratamento
magistrais de prognóstico
pressão do fator econômico
Origem dos erros profissionais culposos fragilidade moral do dentista
falta de vocação profissional
orgulhosa omissão das regras científicas
Grau dos erros profissionais culposos grosseiros (imperícia)
graves (negligência)
voluntários (imprudência)
Segundo o autor, a divisão dos erros surge dos seguintes conceitos:
Os erros culposos resultam da falta de preparo, da falta de precaução e da falta de
cuidado. Nestes casos, o evento de dano que o erro determina é sempre o resultado
óbvio do não conhecer as regras da ciência, ou do não saber fazer segundo essas
mesmas regras ou, finalmente, de ações temerárias ou desmazeladas. São erros
inevitáveis.
Os erros não culposos são os que resultam da falibilidade dos princípios científicos
que servem de suporte às profissões. São erros inevitáveis.
Por sua vez, os erros culposos são divididos em erros culposos simples e
erros culposos magistrais. Continua o autor:
Os primeiros são cometidos por quaisquer profissionais, de nenhuma, de pequena,
ou de média notoriedade.
Os segundos são os cometidos por eminentes profissionais, senhores de grande fama,
principalmente os professores.
O autor, ao continuar a sua sistematização, subdivide tanto os erros simples
como os magistrais em erros de diagnóstico, de tratamento e de prognóstico. Nos
casos de erro de diagnóstico, considera-se duas situações distintas. Primeiro, quando
o erro é o resultado de uma propedêutica insuficiente. Segundo, quando resulta de um
raciocínio falho, defeituoso, em virtude de não se saber interpretar o resultado dos
diversos dados clínicos ou laboratoriais.
4. A reparação por danos morais
Na esfera civil, ocorrido o dano e apurada a culpa do agente, tem-se na sua
reparação a meta final. Nessa órbita, há submissão pessoal ou patrimonial do lesante
à consecução dos fins visados, objetivando-se, sob o prisma moral, também a
prevenção de atentados aos direitos em questão. De fato, não só reparatória, mas
ainda preventiva é a missão da sanção civil.
A sanção civil constitui, assim, meio indireto de devolução do equilíbrio às
relações privadas. Aplicando-a na prática, estabelecem-se duas hipóteses: o agente
atua para reparar os danos causados, ou então deve dispor de parcela do seu
patrimônio para arcar com a indenização a que vier a ser condenado a pagar. Seu
papel é duplo: defende o interesse privado da vítima e possui conotações sociais.
A teoria da responsabilidade civil foi construída concentrando-se a resposta
da ordem jurídica na imposição de sacrifício ao lesante, patrimonial ou pessoal, ou de
ambas as naturezas, conforme a hipótese. Assim se inseriram no direito escrito os
regimes de responsabilidade civil e penal.
O direito à reparação compreende o poder conferido ao lesado para obter a
recomposição ou a compensação, possibilitando assim a obtenção do devido
ressarcimento por perdas havidas, nos níveis referidos, e tudo em função das
diferentes aplicações práticas do princípio central informativo do sistema.
Realiza-se a reparação mediante a devolução das coisas ao status quo ante
(restitutio in integrum), recomposição patrimonial ou reconstituição da esfera lesada;
ressarcimento de danos morais; ou, ainda, combinação de efeitos, diante do espectro
fático correspondente. Mas, sob o aspecto moral, diante de certas peculiaridades que
distinguem a espécie da de reparação de danos materiais, é do direcionamento da
atuação do lesado no caso concreto, que se podem vislumbrar as conseqüências para
o lesante e nas áreas possíveis.
A caracterização do direito à reparação depende, no plano fático, da
concorrência dos seguintes elementos: o impulso do agente, o resultado lesivo e o
nexo causal entre ambos, que são, aliás, os pressupostos da responsabilidade civil.
Entendido o direito como correlacionado à responsabilidade do lesante, tem-se que,
na configuração concreta, é da reunião dos elementos citados que se legitima a
pretensão reparatória do lesado, a qual se pode efetivar amistosa ou judicialmente,
conforme o caso1 .
4.1 Responsáveis
Responsáveis são as pessoas que, direta ou indiretamente, nos termos da lei,
se relacionam com o fato gerador do dano. Com efeito, incluem-se, de início, as
pessoas que praticam atos ilícitos, por si ou por elementos outros produtores de
danos, ou exercem atividades perigosas, compreendidas, pois, as diferentes situações
de responsabilidade por fato próprio, ou de terceiro, ou de animal, ou de coisa
relacionada.
Inserem-se, então, nesse contexto, entidades ou pessoas das quais flui a
energia danificadora, ou que estão relacionadas juridicamente com o causador da
lesão. Em princípio, podem estar nesse pólo da relação jurídica quaisquer pessoas,
físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiras, incluídos
os próprios entes políticos, ou seja, a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios; partidos políticos; sindicatos, corporações profissionais e outras.
Tem-se, pois, que por fatos próprios ou de outrem, ou de coisas sob sua
guarda ou titularidade, pode a pessoa ser enredada nas malhas da responsabilidade
civil. No âmbito dos fatos próprios, figuram a prática do ilícito, civil ou penal, e este,
quando se atinjam direitos de pessoas determinadas ou determináveis; a mora, ou o
descumprimento culposo de obrigação ou de contrato; e o exercício de atividades
perigosas. Quanto aos demais fatos, inserem-se, em sua órbita, os de pessoas
dependentes, civil ou economicamente, do agente; de animais sob sua guarda e de
coisas de que seja titular, ou de que tenha posse, nas condições descritas na lei.
4.2 Titulares
Titulares do direito à reparação - lesados ou vítimas - são as pessoas que
suportam os reflexos negativos de fatos danosos; vale dizer, são aqueles em cuja
esfera de ação repercutem os eventos lesivos. No sistema tradicional, podem
apresentar-se nessa condição quaisquer dos entes personalizados já indicados,
públicos ou privados, individualmente considerados. Mas, com a evolução operada,
na referida linha de coletivização da defesa de interesses, entes não personalizados e
grupos ou classes ou categorias de pessoas indeterminadas passaram também a
figurar como titulares de direito à reparação civil, inclusive a sociedade, ou certas
coletividades como um todo.
A titularidade de direitos, com respeito às pessoas físicas, não exige qualquer
requisito, ou condição pessoal: todas as pessoas naturais, nascidas ou nascituras,
capazes ou incapazes, podem incluir-se no pólo ativo de uma ação reparatória,
representadas, nos casos necessários, conforme a lei o determina (nesse sentido,
menores são representados pelos pais; loucos, pelos curadores; silvícolas, pela
entidade tutelar e assim por diante).
4.3 Relações em que pode surgir o direito
O direito à reparação pode projetar-se por áreas as mais diversas das relações
sociais, abrangendo pessoas envolvidas ou não em laços contratuais. Com efeito, com
ou sem prévio liame jurídico entre as partes, é possível existir o direito em questão, à
luz das distintas relações que no cotidiano se desenvolvem.
Tomando como referência a esfera da pessoa física, verifica-se que seus
relacionamentos se estendem pelas áreas pública e privada, ocupando posições
jurídicas nos dois níveis, mesmo que não exerça atividade específica em cada qual,
exatamente em razão dos diferentes estados em que se pode apresentar: o individual,
o político, o familiar e o profissional. Nesse sentido, como cidadão, relaciona-se
necessariamente com o Estado de origem ou com aquele que vive, conforme o caso,
podendo enredar-se também sob vínculos diversos com outros entes públicos em
geral (como entidades federativas e autarquias). De outro lado, no âmbito privado, os
liames jurídicos podem referir-se à própria personalidade do interessado (relações
personalíssimas), ou a outra pessoa a que se une sob vínculos íntimos ou estreitos,
conjugais ou parentais (relações familiares), ou ainda com terceiros, ou com a
coletividade em geral, em relações de cunho patrimonial, envolvendo-se, inclusive,
bens jurídicos apropriáveis (obrigacionais, contratuais e reais)2 .
4.4 A reparação nas relações entre pessoas naturais: as de caráter pessoal
Nesse nível em que vem imperando a tese da reparabilidade é o da relação
entre pessoas naturais, onde também é freqüente a invasão indevida na esfera jurídica
alheia, diante da crescente ampliação dos círculos de exposição das pessoas, ditada
pelas exigências da vida atual, a par de fatores outros, já enunciados, em que avultam
os referenciados à subjetividade humana.
A pessoa pode ser atingida em diferentes ambientes, em todos os estados e
sob posições as mais diversas no relacionamento jurídico: assim, em seu estado
individual, por interferências indevidas em seu lar, por invasão de sua intimidade, por
agressões e delitos outros, por descumprimento de obrigações assumidas por outrem
e por fenômenos lesivos outros que têm sido constatados na prática; e, de outro lado,
pode ser colhida, como cidadão comum, como chefe de família, como devedor, como
credor, como consumidor, e outras tantas situações possíveis.
Os fatos podem envolver, direta ou indiretamente, pessoas já vinculadas, ou
não, em relação jurídica, servindo-se o agente, às vezes, de pessoas diversas, ou de
coisas, para o alcance do fim lesivo. Com isso, caracterizam-se, em concreto, as
várias modalidades de responsabilidades existentes e referidas, ou seja, por fato
próprio, de outrem, ou de animal ou de coisa integrante de seu patrimônio. Ademais,
os reflexos advindos dos fatos lesivos podem estender-se pelos planos moral e
material, ensejando assim a cumulação de pedidos de reparação3 .
4.5 A reparação nas relações entre pessoas naturais: as de caráter patrimonial
Relações patrimoniais têm suscitado lesões de cunho moral, dada a
interpenetração de interesses e a diversidade de efeitos que das ações humanas podem
advir. Suscetíveis de surgir em negociações preliminares, em relações contratuais, ou
mesmo, depois de extinto o vínculo ensejam elas a reparação pela teoria citada,
como, por exemplo, de promessas unilaterais enganosas, de declarações de intenção
dissociadas da real vontade do interessado, de descumprimento de obrigações
assumidas por meio de contrato. Ademais, nessas situações podem enlaçar-se
parentes ou estranhos, respondendo pelas conseqüências o lesante, tanto por culpa ou
por dolo, ou mesmo pela teoria do risco, consoante as circunstâncias e a natureza do
fato gerador. Anote-se, também, que esses danos podem surgir nas diferentes
posições em que se apresenta a pessoa nas relações negociais, ou seja, como credor,
como devedor, ou como interveniente (garante, intermediador, associado e outros) e,
muitas vezes, como conseqüência direta e imediata do inadimplemento da obrigação,
ou do contrato celebrado.
Ora, tal posicionamento foi muito discutido na doutrina, que, de início, não
entendia pudessem surgir danos morais de liames negociais. Mas, com a evolução do
pensamento jurídico, alcançou-se essa compreensão, sendo ora a matéria admitida,
com tranquilidade, inclusive na jurisprudência.
É verdade que, normalmente, defluem danos materiais das relações
patrimoniais, pois nessa esfera buscam as partes a satisfação de interesses
econômicos, esgotando-se os seus efeitos, pois, de regra, no plano referido, com a
não execução de obrigações contratuais. Podem, no entanto, ações ou omissões de
qualquer das partes ofender a moralidade da outra, fazendo emergir, assim, a temática
em questão, em diferentes contratos, ou em negociações assumidas na vida negocial,
nas quais se atinjam a personalidade, ou bens de estimação do lesado. Assim, por
descumprimento de obrigação, por mora ou por força de cumprimento defeituoso,
conseqüências lesivas de ordem moral são freqüentes na vida de relações, a exigir a
devida reparação. Mesclam-se a esse contexto ilícitos outros, de cunho
extracontratual, que divergências, discussões, intrigas, ou outros elementos negativos
podem ocasionar, provocando, em concreto, a referida cumulação de
responsabilidades.
Inúmeras são as situações fáticas possíveis, diante da vastidão do universo
negocial em que se transitam as pessoas na satisfação de seus múltiplos e incessantes
interesses e objetivos. Nesse sentido, seja na vida comum de relações, seja no
exercício de profissão, seja em atividades de lazer, seja em vinculação de cunho
necessário, é extensa e multifária a gama de entrelaçamento possíveis, de sorte a não
permitir uma sistematização própria. Algumas relações podem, todavia, ser
lembradas, para que se discirna, desde logo, o alcance prático da problemática em
curso: assim, podem detectar-se danos morais na aquisição de produto para consumo
(como na compra de alimento deteriorado cuja constatação se verifica somente no
momento da solenidade a que se destinava); na locação de automóvel ou de imóvel
para uso (como na locação de imóvel para férias, em que se observa, depois, a
existência de vícios que impedem o seu uso); na submissão a tratamento médico ou
hospitalar contratado (como nos casos de incompetência ou imprestabilidade do
eleito); na integração a consórcio para aquisição de aparelho eletrônico (em que, por
exemplo, se constata a existência de obstáculos intransponíveis para o interessado), e
assim por diante4 .
4.6 A cumulatividade das reparações por danos morais e materiais
A reparação pode, por fim, compreender a satisfação de danos morais e
materiais, uma vez verificados reflexos nas esferas da moralidade e patrimonialidade
do lesado. Tem-se, assim, a cumulação de pedidos, por danos morais e por danos
materiais, perfeitamente admissível em uma só ação, dada a compatibilidade entre
eles existente. Ora, discutida também por certo tempo, vem atualmente sendo
concedida pela jurisprudência, uma vez firmada a tese da reparabilidade de danos
morais. É também aspecto de relevo, já assentado, na moderna teoria de reparação de
danos.
Possibilita essa orientação que o lesado consiga, em uma só demanda, a
realização plena dos direitos atingidos, sancionando-se, de modo cabal, o lesante, na
consecução dos fins visados nessa área do Direito.
O estatuto processual contempla a possibilidade de cumulação de pedidos.
Assim, não obstante sejam autônomos os pedidos, podem eles coexistir, e, quando
derivados de um mesmo fato, nada mais lógico e racional que a reclamação seja feita
em uma mesma ação. Atende essa possibilidade à economia processual e ao interesse
da Justiça, que vem sendo acolhida em nossos tribunais.
Pondere-se, entretanto, que não se trata de diretriz obrigatória para o lesado,
de vez que não pode ter interesse, ou a oportunidade não lhe parecer adequada, enfim,
ocorrer a interferência de fatores que desaconselhem os pedidos cumulados. Mas,
como regra geral, é mais conveniente a dedução de ambos os pedidos, quando
presentes os pressupostos de direito, em particular a existência de efeitos das duas
ordens oriundos do mesmo fato como, por exemplo, no ataque à honra que produza
reflexos patrimoniais, com a perda de negócios encetados, ou vice-versa; na violação
a direitos patrimoniais que fira a moral do autor, na violação a direitos contratuais
que atinjam a moralidade alheia, como o descumprimento de obrigação de entrega de
aparatos para solenidade programada, e outros já mencionados.
Conforma-se, ademais, a cumulatividade das reparações às necessidades da
própria organização judiciária, pois evita a repetição desnecessária de ações, entre as
mesmas partes e sobre a mesma base fática.
Realiza-se, assim, em sua plenitude, a satisfação dos interesses lesados em
um só processo, como o manda um sistema coerente de distribuição de justiça5 .
5. A responsabilidade civil do cirurgião-dentista: o assunto no direito português
A responsabilidade profissional dos médicos e enfermeiros (e demais
trabalhadores da saúde) por atos praticados, ou não praticados, no exercício da sua
atividade profissional foi estudada por Amaral1 . O autor se disse desanimado ao
pesquisar o assunto para patrocinar a defesa de um cliente seu, e constatar a escassez
do assunto na literatura jurídica daquele país.
O Código Civil português, no seu artigo 483, estabelece: “1. Aquele que, com
dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição
legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos
danos resultantes da violação. 2. Só existe a obrigação de indemnizar
independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”2
No mesmo diploma legal, no seu artigo 562, está previsto: “Quem estiver
obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não tivesse
verificado o evento que obriga à reparação”. Esse é o princípio geral que rege a
obrigação de indenização.
O artigo seguinte, 563, do mesmo diploma legal, por sua vez, determina o
nexo de causalidade entre a ação/omissão do agente e o dano, e estabelece: “a
obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado
provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
O Tribunal da Relação de Lisboa emitiu o seguinte acórdão, tratando do tema
da Responsabilidade Civil, Médicos - Odontologia - Ônus da prova3 :
I - Tem todo o interesse - em acção de responsabilidade civil resultante do exercício
da medicina - saber qual a natureza, contratual ou extracontratual, dessa
responsabilidade: em primeiro lugar, porque, segundo o entendimento generalizado
no domínio do Código de 1867, a culpa, relativamente à responsabilidade, deveria
ser apreciada, até porque nesse sentido apontava o artigo 717.o, 3.o, tomando
como padrão a diligência normal do agente (culpa em concreto), enquanto que, na
responsabilidade extracontratual, o deveria ser em absoluto, isto é, de harmonia com
as diligências de um homem médio, de um bom pai de família; em segundo lugar,
porque se entendia que o ônus da prova da culpa ou negligência impendia sobre o
lesador ou lesado, respectivamente.
II - No concurso das duas espécies de responsabilidade, deve dar-se ao lesado a
faculdade de optar por aquela que mais lhe convier.
III - Dano injusto, para o efeito do artigo 28.o do Decreto-Lei n.o 32171, de 29 de
Julho de 1942, é todo aquele que resulte da violação de direitos ou de interesses
juridicamente protegidos.
IV - Só age com negligência o médico que tenha procedido por forma diferente
daquela em que, em circunstâncias idênticas, teria actuado qualquer médico
prudente, sob pena de se tolher toda a iniciativa do médico, impedindo-o da
prescrição de todo o medicamento ou administração de tratamentos a respeito dos
quais houvesse a certeza da sua absluta inocuidade, o que não conviria à ciência
médica, nem à generalidade das pessoas.
V - O artigo 80.o do Estatuto da Ordem dos Médicos, ao prescrever o aviso prévio
ao doente dos riscos de certo tratamento, deve entender-se aplicável somente nos
casos em que do tratamento, resultem com frequência e com sérias probabilidades
estados mórbidos, pois o médico não deve atemorizar o doente exagerando os riscos,
que são sabidos, mas raramente se realizam.
VI - Não deve ser responsabilizado civilmente o médico estomatologista que, para
tratamento duma fístula na boca, após tratamento com antibióticos e feitura de
radiografia que nada acusou de anormal, aplicou bocalmente por instilação um
soluto de 3 cm3 de titotricina por meio de seringa rômbica, vindo a verificar-se
acidentalmente a absorpção do líqüido pelos tecidos, com edema e passagem lenta
deste a assimetria facial por hipoplasia da região, não se tendo conseguido provar se
tal absorpção resultou de contracção não aparente do doente, sensibilização, falso
trajecto não dectando no exame radiológico ou simples processo evolutivo normal da
cura de infecção antiga por cicatrização dos tecidos afectados, ou de qualquer outra
causa.
VII - Tal tratamento, por corrente, não pode considerar-se temerário e exigindo, por
isso, pré-aviso ao doente.
Acórdão de 4 de julho de 1973.
Recurso n.o 10642.
Saliente-se, no entretanto, que o enriquecimento deste trabalho com a obra
relacionada aos profissionais portugueses deve ser vista com a ressalva de que, no
nosso país irmão, a Odontologia é exercida pelos médicos-dentistas (médicos
estomatologistas), ou seja, profissionais que se graduaram na Medicina e se
especializaram no exercício da Odontologia. Apenas recentemente, nos últimos anos,
é que os cursos de Odontologia estão sendo instalados em Portugal, proporcionando
às pessoas que queiram lá exercer a profissão de cirurgião-dentista a oportunidade de
cursar a graduação pura e simplesmente em Odontologia.
6. A responsabilidade civil do cirurgião-dentista: o assunto nos tribunais
brasileiros
A mesma dificuldade enfrentada por Jorge Pessoa Amaral ao estudar a
responsabilidade profissional dos médicos e enfermeiros e demais profissionais da
saúde em Portugal também foi por nós enfrentada ao elaborar o presente trabalho: a
falta de obras na literatura que tratam do assunto.
Para a pesquisa do assunto em tela junto aos tribunais, com o evidente intuito
de enriquecer o presente trabalho e dotá-lo de atualidade, lançou-se mão da obra
informatizada JUIS - Jurisprudência informatizada Saraiva, de publicação da
Saraiva Data, publicada em CD-ROM. Para tal pesquisa, forneceram-se as palavras-
chaves para a procura do assunto RESPONSABILIDADE CIVIL. Como resposta,
encontraram-se 4.553 acórdãos proferidos pelos seguintes tribunais: Superior
Tribunal de Justiça, 1o. e 2o. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo.
Dando continuidade à consulta, delimitou-se ainda mais o campo de
pesquisa: entre os acórdãos encontrados, pesquisou-se a ocorrência das palavras
DENTISTA e CIRURGIÃO-DENTISTA para que fosse a pesquisa restrita ao tema
RESPONSABILIDADE CIVIL X CIRURGIÃO-DENTISTA. Resultado: NENHUM
acórdão que tratasse do tema foi encontrado.
A não inclusão neste trabalho de acórdãos proferidos nos tribunais a respeito
da responsabilidade civil de médicos, para que pudessem ser extrapolados para
campo do cirurgião-dentista, deve-se ao fato de que existem inúmeras diferenças
entre os dois profissionais, que vão desde a formação histórica das profissões ao
prestígio social de que cada um deles goza no meio em que vivem. A semelhança
restringe-se ao fato de que esses profissionais, nas suas atuações, procuram, sempre,
como objetivo final, a preservação ou restabelecimento da saúde das pessoas, cada
qual em sua área de atuação.
Dando enfoque ao âmbito administrativo, Ferreira1 publicou dados
estatísticos referentes aos trabalhos desenvolvidos na Comissão de Ética do Conselho
Regional de Odontologia de São Paulo - CROSP, no período de 1990 a 1994. Em
1990, instauraram-se 34 processos éticos contra os cirurgiões-dentistas; em 1991, 98
processos; em 1992, 121; em 1993, 77; e, em 1994, instauraram-se 194 processos
éticos com o intuito de apurar eventuais deslizes dos profissionais da Odontologia.
Desses processos instaurados no período citado, 524 no total, apenas 7 em
1990 e 2 em 1991 versavam sobre reclamações de tratamento odontológico, sendo
que, pelas informações, é impossível determinar se, em alguns desses casos, haveria
situação que caracterizasse a responsabilidade profissional do cirurgião-dentista sobre
o fato ocorrido, se condenado ele fosse. O autor afirma, em seu trabalho, que, para se
constituir a responsabilidade odontológica, são necessários alguns elementos: o
agente, o ato, a ausência de dolo, o dano e o nexo causal.
Assim, salvo erro no processo de levantamento de dados, verifica-se uma
quase ou total inexistência de acórdãos proferidos pelos tribunais consultados,
responsabilizando o cirurgião-dentista pela indenização do dano moral causado ao
paciente. Tal situação repete-se no âmbito administrativo, como constatado nos dados
revelados pelo CROSP. Para explicar tal fato, pensa-se em:
. o erro existe, o dano também, pois seria impossível imaginar a prática da
Odontologia pelos profissionais isenta de erro, em termos gerais;
. será que a reclamação judicial pleiteando a reparação de danos causados ao
paciente pelo cirurgião-dentista existe? Em caso afirmativo, porque não chega aos
tribunais como recurso interposto da decisão proferida pelos órgãos julgadores
inferiores?
. os pacientes têm esclarecimento suficiente sobre os seus direitos à reparação de
eventuais danos materiais ou morais causados pelo cirurgião-dentista às suas
pessoas? Se são esclarecidos, porque não os pleiteiam em juízo?
Enfim, o assunto é muito amplo, e comporta inúmeras hipóteses para tentar
explicá-lo. Talvez seja necessário até mesmo o trabalho exaustivo de levantamento da
existência desse tipo de ação nos órgãos jurisdicionais de instâncias inferiores para
estabelecer, com mais precisão, o problema da RESPONSABILIDADE CIVIL X
CIRURGIÃO-DENTISTA em juízo.
O assunto será corretamente estudado quando trabalhos científicos,
pesquisas, estudos forem empreendidos, dotados de metodologia científica adequada,
o que possibilitará o levantamento da real situação do assunto em todos os níveis
(administrativos e judiciais) possíveis, com suas possíveis explicações.
7. Considerações Finais
O profissional formado em Odontologia, cirurgião-dentista, possui uma área
de atuação delimitada pelos conhecimentos obtidos ao longo de sua formação
acadêmica. Deve ele exercer a profissão dentro dos melhores padrões técnicos, éticos
e morais.
Quando se estabelece a relação profissional de trabalho entre o cirurgião-
dentista e determinado paciente que o procura, esse liame, inevitável e
indiscutivelmente, trará reflexos no campo jurídico.
A relação paciente profissional é de natureza contratual, onde as partes
assumem, embora na quase totalidade das vezes sob a forma tácita, direitos e
obrigações. O que se verifica é o estabelecimento, entre as partes, de um contrato
bilateral de prestação de serviço, no qual o paciente contrata os serviços profissionais
e assume a obrigação de remunerá-los; por outro lado, o cirurgião-dentista assume a
obrigação de prestar os seus serviços especializados, compreendidos entre aqueles
previstos no rol de sua atividade profissional, e recebe como contraprestação os seus
honorários profissionais.
Sem dúvida, a relação paciente-profissional é de natureza pessoal.
Ocorre que, em determinadas situações, durante o exercício da Odontologia
ou a pretexto de exercê-la, embora a obrigação assumida pelo profissional seja de
meio, e não de fim, surgem resultados indesejáveis para as partes, desequilibrando a
relação privada que se estabelece entre contratante e contratado. Esse desequilíbrio,
na maioria das vezes, acontece com o paciente sendo vítima do resultado danoso, e o
profissional como agente causador. Quando isso ocorre, o cirurgião-dentista assume o
papel de responsável pela reparação, e o paciente o de titular à reparação do dano
ocorrido, segundo o previsto no artigo 1545 do Código Civil pátrio.
O dano causado pelo cirurgião-dentista ao seu paciente é, na maioria das
vezes, moral, por ser de difícil dimensionamento econômico, e por envolver, em
grande parte das situações, a integridade do paciente. Nada obsta, no entretanto, que o
profissional cause um dano patrimonial ao paciente, como decorrência da relação que
se estabelece entre as partes.
Para a caracterização do direito à reparação do paciente, pelo profissional, do
dano causado à sua pessoa, tem-se como imprescindível a ocorrência de que o
resultado lesivo tenha sido causado com a concorrência dos seguintes elementos: o
ato do profissional, o resultado lesivo, o nexo causal entre ambos, e a ausência de
dolo.
Com relação, ainda, à ação do profissional, o cirurgião-dentista deve ter
atuado com culpa, resultante de atos praticados com imprudência, negligência ou
imperícia.
A determinação do reflexo patrimonial desse dano moral causado ao paciente
é de difícil empreita, sendo que a situação fática comporta inúmeras considerações,
tais como: localização da lesão, idade do paciente, sexo, condição psicológica,
profissão, extensão da lesão, condição sócio-econômica, etc.
Há de se salientar, no entanto, que, ao longo dos anos, os profissionais da
Odontologia jamais pretenderam esconder-se sob o escudo corporativista do
argumento de que a cautela para evitar o erro profissional os levaria ao exercício
profissional limitado, como afirmaram os médicos. A classe odontológica sempre
assumiu os resultados praticados, sejam eles bons ou maus, pelos seus profissionais.
Por fim, verifica-se a pobreza do assunto em tela nas literaturas específicas
das áreas envolvidas, ou seja, da Odontologia e do Direito, sendo que, em relação à
profissão odontológica particularmente, quase não existem obras sobre Odontologia
Legal, e as existentes são antigas e carentes de atualização. O assunto deve ser mais
estudado para que se aperfeiçoem as relações entre os cirurgiões-dentistas e a
sociedade como um todo.
8. Referências Bibliográficas
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enfermeiros (e demais trabalhadores da saúde). Coimbra, edição do autor,
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Esse trabalho foi elaborado seguindo a metodologia científica preconizada na
obra:
MARCANTONIO, ANTONIA TEREZINHA et al. Elaboração e Divulgação do
Trabalho Científico. São Paulo, Atlas, 1993. 92 p.
1 Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário eletrônico da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1995.
2 Lei 5.081, de 24 de agosto de 1966. Presidente H. Castello Branco. Regula o exercício da
Odontologia. Publicada no DO de 26 de agosto de 1966.
3 Merjane, Theodoro. Perfil Profissional do professor do curso de odontologia da Universidade
Federal de Uberlândia e subsídios para avaliação curricular. Universidade de Ribeirão Preto,
Centro de Pós-Graduação, Ribeirão Preto, 1993. Pág. 16-17.
4 Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1a edição (3a
impressão). Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994. pág. 421.
5 Rodrigues, Silvio. Direito Civil - Responsabilidade Civil. Volume IV, 12a edição atualizada. São
Paulo, Saraiva, 1989. Pág. 13.
1 Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações. 1a. parte. 25a.
ed. São Paulo, Saraiva, 1991, p. 52.
1 Bittar, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo, RT, 1993, p. 12.
2 Magalhães, Teresa Ancona Lopez de. O dano estético (responsabilidade civil). São Paulo, RT,
1980, p.5.
3 Cahali, Yussef Said. Dano e indenização. São Paulo, RT, 1980, p. 7.
4 Magalhães, Teresa Ancona Lopez de. O dano estético (responsabilidade civil). São Paulo, RT,
1980, p.6.
5 Bittar, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo, RT, 1993, p. 32.
6 Cahali, Yussef Said. Dano e indenização. São Paulo, RT, 1980, p. 9.
7 Magalhães, Teresa Ancona Lopez de. O dano estético (responsabilidade civil). São Paulo, RT,
1980, p. 8.
8 Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações. 1a. parte. 25a.
edição. São Paulo, Saraiva, 1991. p. 392.
9 Bittar, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo, RT, 1993, p.41.
10 Silva, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. 3a. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p.
1.
11 Bittar, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo, RT, 1993, p. 47.
12 Bittar, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo, RT, 1993, p. 53.
1 Graça Leite, Waldemar. Odontologia Legal. Salvador, Era Nova, 1962. p. 193.
2 Id. Ibid., p. 196.
3 Graça Leite, Waldemar. Odontologia Legal. Salvador, Era Nova, 1962, p. 198-9.
4 Id. Ibid., p. 201.
5 Lutz, Gualter Adolpho. Erros e acidentes em odontologia. Rio de Janeiro, 1938. p. 41.
6 Graça Leite, Waldemar. Odontologia Legal. Salvador, Era Nova, 1962, p. 221.
7 Lutz, Gualter Adolpho. Erros e acidentes em odontologia. Rio de Janeiro, 1938. p. 50.
8 Graça Leite, Waldemar. Odontologia Legal. Salvador, Era Nova, 1962. p. 222-7.
1 Bittar, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo, RT. 1993. p. 111-32.
2 Bittar, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo, RT. 1993. p. 151-76.
3 Bittar, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo, RT. 1993. p. 176-7.
4 Bittar, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo, RT. 1993. p. 189-90.
5 Bittar, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo, RT. 1993. p. 229-31.
1 Amaral, Jorge Pessoa. A responsabilidade profissional dos médicos e enfermeiros (e demais
trabalhadores da saúde). A responsabilidade das administrações hospitalares. Coimbra, edição
do autor, 1983, 177 p.
2 Amaral, Jorge Pessoa. A responsabilidade profissional dos médicos e enfermeiros (e demais
trabalhadores da saúde). A responsabilidade das administrações hospitalares. pág. 11.
3 Id. Ibid. Obra citada, pág. 105-6.
1 Ferreira, Ricardo Alexino. No banco dos réus. Rev. Assoc. Paul. Cirug. Dent. 49 (4): 259-67
jul./ago. 1995.