50 • Parques e Vida Selvagem primavera 2013
50 ENTREVISTA
Na pista dos dinossaurPortugal está entre os dez países com
melhores jazidas de fósseis de dinossauros
no mundo: quem o afi rma é Octávio Mateus,
paleontólogo e professor auxiliar
da Universidade Nova de Lisboa
A lesson from the dinosaursSome of the dinosaurs were small, but the ones we remember are the largest ones, with a size that nothing seemed to be able to topple. We spoke to Palaeontologist Octávio Mateus, who has made many and varied studies about dinosaurs.
Juvenil?
Está bem, mas não deixa de intimidar!
Mede de comprimento quatro metros
e a réplica mexe com os sentidos.
Trata-se do esqueleto de uma das várias
espécies de dinossauro encontradas apenas
na Lourinhã.
O réptil tinha uma cabeça grande e andava
apoiado nas patas traseiras. O nome,
Lourinhanossaurus antunesi, foi dado em
homenagem ao paleontólogo Telles Antunes
por Octávio Mateus.
O investigador elucida com a paixão que nutre
desde criança pelo tema: «Era um dinossauro
carnívoro e, em adulto, poderia medir nove
metros».
O que torna ainda mais interessante esta
conversa é que o nosso interlocutor descobriu
na Lourinhã a capital lusitana dos dinossauros.
E, para que não haja dúvida, sublinha que
«Portugal, face ao seu tamanho, é talvez o país
com mais espécies de dinossauros por metro
quadrado! Os cinco países mais destacados
neste aspeto são os EUA, a China, o Canadá,
a Argentina e a Mongólia. Países gigantescos –
a China é cem vezes maior que o nosso país».
Bem, contra factos não há argumentos.
A conversa decorre no Museu da Lourinhã, no
Núcleo de Paleontologia, pelo que, de repente,
vê-se um ninho fossilizado com ovos deste
predador, encontrado ali perto, em Paimogo.
Parece argiloso...
A conversa continua:
Octávio Mateus — É verdade, é mesmo um
ninho de Lourinhanossaurus antunesi. E temos
crias, dentro dos ovos. Vê ali um ossinho de
embrião? Isto é raríssimo.
Na altura em que foram descobertos, estes
eram os únicos embriões de dinossauro de toda
a Europa. Foram também os mais antigos do
mundo, mas entretanto já descobriram outros.
Seja como for este é um ninho bastante grande
e permite perceber a sua evolução, a sua
nidifi cação, o seu comportamento, etc.
É tão raro que no ano em que foi anunciado, em
97, entrou para a lista das cem descobertas mais
importantes em todos os domínios da ciência
para esse ano.
Nestes casos será possível extrair ADN?
Octávio Mateus — Depende da conservação
mas diria que sim. É muito difícil extrair ADN com
qualidade de um dinossauro com 150 milhões de
anos!
É preciso que esteja preservado ao detalhe.
Em todo o caso, estes ossinhos estão tão bem
preservados que até temos células individuais que
formam o osso. Está tudo impecável.
O osso não está petrifi cado?
Octávio Mateus — Está petrifi cado mas mesmo
assim... sabe que a fossilização ainda não é
completamente compreendida. Não se trata de
algo que é orgânico e, num estalar de dedos,
se transforme em mineral. É gradual e leva
seguramente milhões de anos. Nalguns casos até
continua a preservar a matéria orgânica original
apesar de ter mais de 100 milhões de anos.
Nunca o fi zemos, mas a julgar pelo aspeto aposto
Embrião de Lourinhanossaurus
Sim
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ateu
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Ninho de Lourinhanossaurus
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65
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206
250
290
360
410
440
510
570
0
Milhões
de anosPeríodoEra
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Câmbrico
Ordovícico
Silúrico
Devónico
Carbonífero
Pérmico
Triássico
Jurássico
Cretáceo
Paleogeno
Neogeno
Quaternário
Terciário
� ��� ��� ��uros lusitanos
que há alguma matéria orgânica ali.
Em matéria de conhecimento científi co estamos
ainda hoje numa fase de provar o que é e o que
não é matéria orgânica.
Mesmo que consigamos recolher ADN, este é uma
cadeia complexa e frágil. O máximo que vamos
conseguir dizer é que usa o mesmo sistema que
os outros vertebrados.
Isso já sabemos. É a mesma coisa que termos
um livro comido pelos bichos e conseguimos ler
umas quantas frases ou palavras. Sim, está bem,
podemos perceber a grafi a um bocado diferente,
podemos talvez compreender a língua, mas nunca
vamos conseguir compreender a prosa.
É impossível saber se cuidavam das crias?
Octávio Mateus — Não é impossível. Neste caso
há várias indicações. Temos mais de cem ovos,
aposto que eram 150 ovos pelo menos. É muita
coisa! Haveria talvez várias fêmeas a pôr ovos no
mesmo ninho, como as avestruzes fazem hoje. Isto
é possível.
Penso que seria difícil os dinossauros não presta-
rem alguma atenção a um ninho destes: era um sí-
tio tão importante! Havia tanto esforço ali, e depois
iam deixá-lo à sua sorte? Repare que os crocodilos
também cuidam do ninho e das crias.
Outra curiosidade: no meio de cem ovos de di-
nossauro havia três ovos diferentes, distintos, bem
mais pequenos, com um terço do volume e uma
casca mais fi na. A estrutura era diferente: parecem
ser ovos de crocodilo.
O que fazem estes ovos de crocodilo no meio de
cem ovos de dinossauro? Para já, é difícil que seja
coincidência. São os mais antigos ovos de crocodi-
lo de todo o mundo!
Isso é um parasitismo de nidifi cação tipo…
O do cuco?
Octávio Mateus — A cria de cuco lança fora os
ovos da ave hospedeira e esta começa a alimentá-
-la apenas a ela.
Estes crocodilos difi cilmente conseguiriam fazer
algo idêntico. Os ovos destes dinossauros eram
três vezes maiores...
O que parece acontecer é um comensalismo em
Lourinhanossaurus antunesi,
um carnívoro bípede
Extinções massivas
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que o crocodilo punha os ovos no ninho deste
dinossauro – na minha opinião devia ser o sítio
mais bem guardado à face da Terra. Quem se
atreveria a mexer num ninho de dinossauros
carnívoros daquele tamanho?
Benefi ciavam assim dessa proteção.
Podemos pensar que este pensamento é
rocambolesco, que é difícil de ocorrer, mas hoje
há tartarugas que põem ovos em ninhos de
crocodilo! Benefi ciam da sua proteção. Esse
comportamento existe.
Ora se isto estiver correto só faz sentido se
houver cuidados parentais.
É curioso que este Lourinhanossaurus foi o
primeiro dinossauro a que dei nome científi co.
Os fósseis de dinossauros do nosso país não
são as mesmas espécies que se divulga na
televisão a partir do património paleontológi-
co dos EUA?
Octávio Mateus — É fauna muito parecida com
a dos EUA. A nível genérico é idêntica, a nível
específi co é diferente.
A réplica do esqueleto que está à entrada desta
secção do museu é do Miragaia longicollum.
Não tem nada a ver com Miragaia no Porto, mas
tem a ver com a aldeia de Miragaia na Lourinhã.
Além disso, mira vem de mirabilis, maravilhoso,
e gaia equivale a deusa da Terra. Portanto, “ma-
ravilhosa deusa da Terra”; longicollum, pescoço
comprido.
Nós descobrimos toda a parte da frente deste
dinossauro e o original está aqui. Estes são os
ossos originais com 150 milhões de anos!
Uma das coisas impressionantes nesta desco-
berta é a sua anatomia: repare que os estegos-
sauros – isto é um tipo de estegossauro – nos
EUA tinham placas muito grandes e um pescoço
curto.
O nosso tem placas pequenas e um pescoço
muito longo. Tem 17 vértebras cervicais, o que
dá dez a mais que uma girafa.
Os estegossauros tinham 9 e este tinha 17.
Estão em circulação miniaturas feitas pelo
Carnegie Museum, nos EUA, famoso pelo rigor
das miniaturas que fazem para as crianças: há
dois bonecos diferentes cujo original se encontra
neste museu e está já a ser comercializado para
todo o mundo.
Se se quisesse promover Portugal desta forma
quanto custaria fazer isso? É o valor que temos
em património.
Por exemplo, a Discovery fez o ano passado um
documentário só sobre os dinossauros na Lou-
rinhã. Já passou nos EUA. Quanto nos custaria
produzir isso?
E é resultado direto desta pesquisa científi -
ca...
Octávio Mateus — Sim, por vezes as pessoas
perguntam que utilidade tem esta investigação,
a própria ciência – é a mesma utilidade de um
recém-nascido. Que utilidade tem?
Pode vir com um potencial gigantesco. Um
recém-nascido pode ser o próximo Mozart, o
próximo Newton ou Einstein...
Não sabemos. A ciência é a mesma coisa. Os
dados que recolhemos agora podem revelar-se
de grande interesse no futuro.
Já se sabe que a Lourinhã centraliza muitas
novidades fósseis de dinossauros, não é?
Octávio Mateus — É verdade, e isso ocorre por
várias razões.
Realmente havia cá muitos dinossauros mas
aqui também existem os terrenos certos, na
idade certa, com os ambientes certos.
Noutros sítios, na mesma altura era mar – os
dinossauros não eram marinhos.
No Jurássico aqui havia um sítio com muita
água, vegetação luxuriante, muitos rios, era um
sítio onde os dinossauros facilmente podiam vi-
ver. Basicamente, temos um ecossistema muito
rico com herbívoros e carnívoros.
A biodiversidade cria recursos e o padrão
repete-se na época dos dinossauros. Aliás,
estamos na Década da Biodiversidade...
Octávio Mateus — Isto mostra a grande paleo-
diversidade de Portugal.
Embora haja muito trabalho pela frente, temos
duas dúzias de espécies. Por exemplo, não tão
conhecido como outros dinossauros, temos aqui
no museu o Draconyx loureiroi.
É uma espécie única, um holótipo. Trata-se de
um espécime de referência para se classifi car
uma espécie. Sabe que sempre que surge
uma nova espécie temos de ter o exemplar de
referência. No fundo é o padrão perante o qual
todos os outros são comparáveis.
Neste museu temos cinco padrões. Veja: o
Dinheirossaurus lourinhanensis, Miragaia longi-
collum, Draconyx loureiroi, Lourinhanossaurus
antunesi e o Allosaurus europaeus. Todos eles
batizados por mim, são parte do património
O supercontinente Pangea no Jurássico já se tinha separado e o território português atual
estaria na posição assinalada no mapa com um círculo, próximo dos atuais Canadá e EUA
Octávio Mateus explica
as diferenças entre o
dinossauro lusitano
Miragaia longicollum e os
estegossauros da América
do Norte
Parques e Vida Selvagem primavera 2013• 53
português e é impressionante como um museu
de pequena dimensão como o da Lourinhã tem
este número de holótipos.
Soubemos também que descobriu o pri-
meiro fóssil de dinossauro de Angola e da
Bulgária...
Octávio Mateus — Angola é um terreno espe-
tacular. Está no começo.
Um paleontólogo deve ter uma costela de
engenharia mecânica? É que a partir de uma
vértebra vir a alcançar uma boa parte de um
esqueleto de dinossauro...
Octávio Mateus — É preciso realizar muita
anatomia comparada.
Um dos dinossauros tem um nome estranho:
Dinheirossaurus...
Octávio Mateus — Tem este nome bizarro
porque foi descoberto na praia de Porto Dinheiro
nos anos 80 e início de 90. Em termos de gran-
des escavações de dinossauros foi das minhas
primeiras. Bons tempos.
Este dinossauro tinha 25 metros de comprimen-
to e foi uma nova espécie para a ciência.
Conseguimos saber que o corpo era, em grande
parte, constituído por sacos de ar.
Eles eram ocos! As vértebras tinham buracos
onde entravam literalmente sacos de ar, o que
os tornava relativamente leves para o tamanho
que tinham.
Continuavam a ter toneladas de peso, é claro,
mas para o volume enorme dos seus corpos
eram mais leves do que seria de esperar.
Isso permitia-lhes ter um grande tamanho sem
terem de investir em matéria orgânica, osso,
músculo, etc.
Ossos ocos como os das aves?
Octávio Mateus — Exato. Na verdade as aves
descendem de dinossauros que tinham estas
estruturas.
Esse pormenor permitiu duas coisas: uma,
serem mais leves para poderem voar; depois, os
sacos de ar estão ligados à respiração.
Enquanto o nosso sistema respiratório é simples,
inspiramos e expiramos, as aves inspiram para
dentro desses sacos de ar, o ar passa então
pelos pulmões e só depois é expelido.
Isso permite às aves ter uma respiração de longe
mais efi caz que a nossa.
Outro detalhe: estes dinossauros não tinham
molares, não conseguiam mastigar. O que
faziam é o que as aves fazem hoje. Engolem
areia para a moela esmagar os alimentos. Eles
também comiam areia, só que em tamanho
dinossáurico! Os gastrólitos que eles ingeriam
serviam para esmagar os alimentos e encontra-
mo-los hoje fossilizados.
Além do Allosaurus europaeus, em Portugal
há outros fósseis de grandes predadores?
Octávio Mateus — Não havia maior que o
Torvosaurus tanneri. Toda a gente pensa que é
o Tyrannosaurus rex. Ele tem essa dimensão,
toda a estrutura é de T. rex – só que este fóssil
é do Jurássico superior e o T. rex é do Cretáceo
superior. Pensará que é tudo a mesma coisa,
mas não é assim.
Quando o primeiro T. rex apareceu já este era
fóssil há 80 milhões de anos. Veja que é maior
a distância de tempo deste para o T. rex do que
do T. rex para nós. Impressionante! Era o maior
predador terrestre do Jurássico.
Como distingue um e outro?
Octávio Mateus — Entre outras coisas, o T.
rex possui dentes mais adaptados para cortar,
enquanto o Torvosaurus tinha dentes mais adap-
tados para esmagar.
Em Portugal, as espécies de dinossauro
descobertas já passaram as duas dúzias
e recordam que a vida na Terra, por maior
que seja o domínio que algum ser aparente
ter, é sempre frágil e pode sucumbir perante
perdas de biodiversidade.
Texto Jorge Gomes
Fotos João L. Teixeira
Pegada fóssil de dinossauro com escamas perfeitamente deÞ nidas: uma impressão digital
Allosaurus fragilis
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