Maria de LourMaria de LourMaria de LourMaria de LourMaria de Lourdes Netto Simõesdes Netto Simõesdes Netto Simõesdes Netto Simõesdes Netto Simões
Estagiários de Iniciação Científica: Marley Conceição Santana,Marivalda Guimarães Sousa, Marcos Aurélio dos Santos Souza, Manoel
Barreto Júnior, Chirley Aragão Fonseca.
Ilhéus - BA2007
2ª edição
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
GOVERNO DO ESTADO DA BAHIAJAQUES WAGNER - GOVERNADOR
SECRETARIA DE EDUCAÇÃOADEUM HILÁRIO SAUER - SECRETÁRIO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZANTONIO JOAQUIM BASTOS DA SILVA - REITOR
LOURICE HAGE SALUME LESSA - VICE-REITORA
DIRETORA DA EDITUS:MARIA LUIZA NORA
PROJETO GRÁFICO:GEORGE PELLEGRINI
CRISTIANO MAIA
CAPA:GEORGE PELLEGRINI
CRISTIANO MAIA
© 2007 by MARIA DE LOURDES NETTO SIMÕES
1ª edição 20022ª edição 2007
Direitos desta edição reservados àEDITUS - EDITORA DA UESC
Universidade Estadual de Santa CruzRodovia Ilhéus/Itabuna, km 16 - 45650-000 Ilhéus, Bahia, Brasil
Tel.: (073) 3680-5028 - Fax (073) 3689-1126http://www.uesc.br e-mail: [email protected]
CONSELHO EDITORIAL:
ACÁCIA GOMES PINHO
ALTENIDES CALDEIRA MOREAU
DORIVAL DE FREITAS
FRANCOLINO NETO
HENRIQUE CAMPOS SIMÕES
LURDES BERTOL ROCHA
MARIA DE LOURDES NETTO SIMÕES
MARIA LAURA OLIVEIRA GOMES
NORMA LÚCIA VÍDERO VIEIRA SANTOS
REINALDO DA SILVA GRAMACHO
PAULO DOS SANTOS TERRA
SAMUEL MACÊDO GUIMARÃES
SEBASTIÃO CARLOS FAJARDO
APOIO:
PIBIC
S593 Simões, Maria de Lourdes Netto.Expressão poética de Valdelice Pinheiro / Maria de
Lourdes Netto Simões. - 2. ed. - Ilhéus : Editus, 2007.150p. : il.
ISBN: 978-85-7455-127-2Bibliografia : p. 145-150.
1. Poesia brasileira - Coletânea. 2. Pinheiro,Valdelice Soares, 1929-1993 - Biografia. I.Título.
CDD - 869.9108
EQUIPE EDITUS
DIREÇÃO DE POLÍTICA EDITORAL: Jorge Moreno;REVISÃO: Maria Luiza Nora;
COORD. DE DIAGRAMAÇÃO: Adriano Lemos;DESIGNER GRÁFICO: Alencar Júnior.
Ficha catalográfica: Elisabete Passos dos Santos CRB5/533
Eu queria ficar na tua memória/ __________ 5
VAL, UMA INSPIRAÇÃO _______________________ 11
PROCESSO DE UM RESGATE
Ninguém me mande deixar nada,/ ___________ 15
Introdução ________________________________ 17
O Projeto _________________________________ 17
Uma interpretação________________________ 30
MOSAICO - UMA AUTOBIOGRAFIA
A história é um contínuo/ ____________________ 41
Da família_________________________________ 43
Da visão de mundo ______________________ 45
Das vivências ____________________________ 47
Da vida profissional ______________________ 51
Itabuna ___________________________________ 53
POEMAS E RABISCOS
Quero apenas vagar em busca do homem/ ____ 55
Um borrão de cinza/ _____________________ 57
Minha canção de infância ________________ 58
Cyro-ciranda,/ ____________________________ 59
O olho mágico/ __________________________ 60
Canção de Paz para ninar os homens_____ 61
Descansa, meu amor./ __________________ 62
Era uma lua/ _____________________________ 63
Essas mãos/ _____________________________ 64
Eu vim/___________________________________ 65
e o canto que ouvi cantar/ ______________ 66
Meu corpo/ _______________________________ 67
Férias _____________________________________ 68
Amanheço espelho/ _____________________ 69
E há de ficar em mim/ ___________________ 70
Como Alfonsina __________________________ 71
Poema da criação ________________________ 72
Íntima voz/ _______________________________ 73
Poema do adeus _________________________ 74
O sol,/ ____________________________________ 75
Angola ____________________________________ 76
Entre a inocência/ _______________________ 77
Modelo ___________________________________ 78
Eu invento/_______________________________ 79
Viagem ___________________________________ 80
Nessas lentas madrugadas/ _____________ 81
Eu queria que/ ___________________________ 82
Como se fosse Ho Chin Min _____________ 83
Reportagem ______________________________ 84
Manoel____________________________________ 86
Carnaval __________________________________ 87
...buscar-me/ _____________________________ 88
Canção para o Camponês _______________ 89
Rememória _______________________________ 90
QUINTAL TROPICAL______________________ 91
Soltei meus pés/ _________________________ 93
Máxima I __________________________________ 94
Sentencio-me/ ___________________________ 95
Dão-me cicuta/ ___________________________ 96
meus fósforos perdidos,/ ________________ 97
Os vagalumes dessa noite/______________ 98
Poema de amor para um antigo amado __ 99
Um dia,/ _______________________________ 100
Suicídio ________________________________ 101
Ninho___________________________________ 103
Poema para quem será ou é nascido ___ 104
Dentro do ovo/ ________________________ 105
Chico Passarinho ______________________ 107
Vigília ___________________________________ 108
Eu esvaí,/ ______________________________ 109
Testemunho ___________________________ 110
Meu delírio/ ____________________________ 111
Ausência _______________________________ 112
A árvore e eu __________________________ 113
Na curva desse caminho,/____________ 114
A alma da cigarra/ ____________________ 115
E u / _____________________________________ 116
Para um menino suicida ______________ 117
Firmino _________________________________ 118
Lixo Reciclado _________________________ 119
Pitangas ________________________________ 120
Espantalho _____________________________ 121
Ser ______________________________________ 123
Poema 77 ______________________________ 124
Epitáfio _________________________________ 125
RETOMEMOS
Retomemos _____________________________127
Retomada _______________________________136
REFERÊNCIAS
Material produzido para divulgação do Projeto145
Resultados parciais publicados _________146
Referências bibliográficas _______________149
Convivi com Valdelice Pinheiro desde ostempos da Faculdade de Filosofia de Itabuna.Lia os seus escritos nos mais diversosmomentos; com freqüência, nos corredores daantiga FESPI, entre uma aula e outra.Costumava escrever à mão e nos papéis, osmais diversos. Com o seu sorriso meigo, vez poroutra mostrava os novos poemas aos amigos.Depois, nem sempre os guardava. Os seustextos espalhavam-se entre nós como sementesde idéias, olhares especialmente sensíveis etransversais da vida. Quando ela morreu,Helena dos Anjos, sua amiga de tantos anos etambém professora de Filosofia da UESC, teveo cuidado de reunir a papelada desorganizadae levar para o Centro de Estudos Filosóficos-CEFI. Eram tantos poemas que sequersabíamos quantos. Além de textos poéticoshavia também escritos filosóficos, crônicas,texto para teatro, discursos, correspondências,comentários gerais. Com o conhecimento e aconcordância da família, o espólio ficou, assim,sob a guarda do CEF da Universidade Estadualde Santa Cruz, sob a tutela de Helena que,
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juntamente com o pessoal do seuDepartamento, particularmente NiltonLavigne, Consuelo Oliveira e Norma Vídero,desenvolveram o projeto A Obra de ValdelicePinheiro, ordenando o material localizado eorganizando-o em pastas com a ajuda dosestagiários Adailson Miranda e MárcioGledson Ramos.
Uns poucos anos passaram até que propus aoDepartamento de Letras e Artes o projeto queresgataria a parte poética dos escritos deValdelice. Precisava garantir que aquela VOZnão se calasse. Foi assim a idéia desta ediçãoque, desde o início, contou com o totalrespaldo de Helena; a autorização e oentusiasmo dos familiares de Valdelice(especialmente Heloísa, Davi, Gabi eNevolanda); e o apoio institucional, asseguradopela sensibilidade de Margarida Fahel (vice-reitora) e Renée Nogueira (reitora).
Com o apoio da UESC e do CNPq, iniciei oprojeto, em agosto de 1996, com trêsestagiários de Iniciação Científica do PIBIC(Marcos Aurélio dos Santos Souza, ManoelBarreto Júnior e Marley Conceição Santana),que trabalharam na fase de recolha e deidentificação dos materiais inéditos, e na dotrato e estabelecimento dos manuscritos(cerca de 1450). Manoel e Marcos Aurélioconcluíram o curso e se engajaram na pós-
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graduação. Sucederam-lhes Chirley AragãoFonseca (IC-UESC) e Marivalda GuimarãesSouza (PIBIC/CNPq). Seguiram-se as fasesdo estudo crítico e de seleção do corpus.Depois a da preparação da edição. A partir de1998 até a sua conclusão, em agosto de 2000,o Projeto apenas contou com Marley eMarivalda (Mari), incansáveis e entusiastascolaboradoras que, embora com atribuiçõesespecíficas, participaram de todos osmomentos e decisões, desde a definição docorpus, até a da estrutura desta edição.
A esses estagiários, o meu agradecimento peloempenho e pela crença no Projeto; sem vocês,certamente, o livro não seria este. À Helena,guardiã do tesouro, o muito obrigada pelodesprendimento e confiança. E a todosaqueles que, de uma ou outra forma,contribuíram. Mas é para Val, este trabalho,realizado com muito carinho, na esperança dasua aprovação. A força da sua poesiajustificou o Projeto. O compromisso daUniversidade Estadual de Santa Cruz com apesquisa e com a memória da cultura regionalgarantiu esta publicação.
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INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO
Poetisa e filósofa, itabunense, Valdelice SoaresPinheiro, falecida em 1993, foi uma das fundadorasda Universidade Estadual de Santa Cruz, instituiçãocuja editora publica este livro.
fora textos esparsos em jornais e revistas, elapublicou em vida dois pequenos livros de poesias:
De Dentro de Mim (1961) e Pacto (1977); e doisensaios: Ser e Evolução (1973) e Retomada (in:Revista FESPI: 1984), atualmente esgotados. Noentanto, o material que deixou inédito (a maior partedo que escreveu) exigia tratamento e publicação.Antes de dar início ao Projeto, obtive da família,através do Sr. Gabriel Soares Pinheiro, irmão einventariante da poetisa, a autorização formal para oacesso ao espólio e o trabalho com o acervo.
O PROJETOO PROJETOO PROJETOO PROJETOO PROJETO
Desenvolvido no Departamento de Letras e Artes daUESC (1996 – 2000), o Projeto do qual resulta estaedição objetivou resgatar os inéditos poéticos deValdelice Pinheiro, visando a contribuir para amemória cultural da Região Sul da Bahia. A propostaintersubjetiva foi orientada no entendimento daliteratura como expressão artística e comunicadora,espaço de inter-relações de saberes, por isso mesmoinfluenciada e influenciadora da História (Simões:1999).
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A profusão e a riqueza dos materiais encontradosexigiram, não somente no processo da pesquisa,
mas para a definição e apresentação do corpus destaedição, a reflexão sobre as relações da literatura esobre as suas funções contemporaneamente. Noprimeiro caso, foi considerada sua tendênciadialética e a interrelação de linguagens, nacompreensão de que “a criatividade repousa naresposta mais do que nas premissas iniciais e nosmateriais brutos” (Jameson: 1994, p. 9-15). Nosegundo, tivemos em conta as funções da literaturano que concerne à possibilidade de seu deslocamentopara novos eixos de associação e funcionalização(Gumbrecht: 1998, p. 317-319) e no que se refere aoseu processo comunicacional (Calvino: 1988).
Tendo em conta essas orientações, a proposta doresgate poético compreendeu, além das questõesliterárias, a observação de comportamentos éticos,filosóficos e políticos, traduzidos em estratégiasdiscursivas reveladoras do imaginário da poetisaitabunense. Foi tomada a seqüência: vivência/experiência/ação (Gumbretch: 1977) para o escopodo processo metodológico devido à mesma seqüênciafuncionar como suporte para o que o teórico alemãoconsidera as funções intencionadas pelo autor(vivência), que são desencadeadoras dosprocedimentos de produção textual (experiência),por sua vez provocadoras de procedimentos decompreensão textual (ação) (1977, 196). Assim, osprocedimentos da produção autoral dos quaisresultaram os esquemas de ação (estratégias
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discursivas do texto) foram reconhecidos comosinalizadores para o estabelecimento dosmanuscritos e, depois, para a seleção do corpus destaedição.
A metodologia do trabalho foi concebida emapropriação desses princípios pelo seu carátercomunicacional e em atenção ao que o materialinédito suscitava. Ao utilizar a referida seqüência noprocesso metodológico, consideramos que asvivências e as experiências ocorreram no caminharda vida produtiva da poetisa (relacionando-se aomaterial poético que produziu). Quanto à ação,tivemos em conta não somente o interesse suscitadopela obra (a sua recepção crítica) mas, inclusive, aauto-reflexão autoral. Os procedimentos decompreensão textual, ao procurarem identificar, nosinéditos, os esquemas de ação (estratégias textuais),buscaram evidenciar a sua capacidade comunicativa.Nesse mister, portanto, os referidos esquemasfuncionaram como orientadores da interpretação,sinalizando o texto e sugerindo pontes para asconstituições de sentido possíveis, inclusivenorteadores para o tratamento dos textos inéditosmanuscritos ou datiloscritos .
ara a execução do Projeto, de forma sucessiva,contei com a colaboração de cinco estagiários de
Iniciação Científica. Três do PIBIC/CNPq, nas duasprimeiras fases. Três na terceira fase, sendo dois doPIBIC e um da UESC. Duas na última fase: uma doPIBIC e, outra, voluntária.
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PPPPPrimeira fase do prrimeira fase do prrimeira fase do prrimeira fase do prrimeira fase do projeto: rojeto: rojeto: rojeto: rojeto: recolha do materialecolha do materialecolha do materialecolha do materialecolha do material
a primeira fase, a pesquisa foi definida em duasdireções: recolha e identificação dos textos
publicados e dos textos inéditos. Simultaneamente ecom o propósito de complementaridade,levantamento dos dados bio-bibliográficos da poetisa.
A busca dos textos éditos deveu-se à necessidade deconhecimento de toda a produção publicada a fim deque pudéssemos identificar os inéditos e delimitar oacervo a ser pesquisado, pois o espólio (onde haviaoriginais manuscritos e datiloscritos) não referia taldistinção.
A fim de identificar os textos publicados, foramrealizadas pesquisas em bibliotecas, particulares epúblicas, de Itabuna, Ilhéus e cidades circunvizinhas,espaços da vivência da poetisa. Simultaneamente aisso, realizávamos entrevistas, levantando dadossobre a biografia de V.P. e recolhendo junto aparentes e amigos alguns preciosos inéditos, originaisdedicados ou especialmente escritos. O fato de setratar de uma escritora contemporânea,recentemente falecida, facilitou o conhecimento dosdados biográficos e oportunizou entrevistas compessoas da convivência da poetisa. Afora os járeferidos livros, foram identificados oitenta e oitopoemas publicados em antologias, jornais e revistas.Visando à sensibilização da comunidade, durante arecolha dos inéditos, concedemos entrevistas atravésda mídia (rádio, TV e jornais locais); produzimos
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material de divulgação do Projeto (folders ecartazes), que disponibilizamos na homepage daUniversidade, distribuímos por escolas, centros decultura e outros pontos estratégicos da cidade comobancos e correios. Através da campanha “Faça ahistória acontecer”, recebemos algum material(poemas, crônicas, fotografias, desenhos). Mas osubstancial mesmo estava sob a guarda do Centro deEstudos Filosóficos da UESC e responsabilidade daProfa. Helena dos Anjos Souza.
s materiais recolhidos estavam cuidadosamentereunidos em pastas numeradas, devidamente
inventariados, mas aguardavam um tratamentoespecializado.
O levantamento desse acervo principal (do CEFI) foirealizado, selecionando-se os inéditos consideradospoéticos (sentido largo) ou a eles relacionados, dentreos manuscritos e os datiloscritos. Havia poemas,crônicas, entrevistas, desenhos e reflexões sobre aescrita. Feito isso, concentramo-nos nos textospoéticos (poemas, prosa poética, meta-poética).Simultânea e gradativamente, recebíamos peçasprovenientes de outras fontes, que tambémcuidadosamente catalogávamos e arquivávamos,inclusive indicando a sua procedência.Todo esse material foi codificado quanto à suaprocedência e especificidade. Feito isso, delimitamoso nosso corpus primário em cerca de 1450 peças(escritos, desenhos e fotos); desses, 1196 textos,dentre datiloscritos e manuscritos (esses últimos, a
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maior parte). Para garantir a preservação dosoriginais (que devolvemos à guarda do CEF),fotocopiamos o material a fim de procedermos aotrabalho de estabelecimento do texto.
diversidade do material recolhido já sinalizavaque o nosso olhar teria que se estender para além
dos poemas. A expressão poética de Valdelice se faz,também, através de desenhos e fotos. Devido a essasua diversidade de linguagens, a pesquisa foiorientada para se ocupar da expressão poética deV.P. , sua interação e comunicabilidade.
Segunda fase do projeto: estabelecimento do textoSegunda fase do projeto: estabelecimento do textoSegunda fase do projeto: estabelecimento do textoSegunda fase do projeto: estabelecimento do textoSegunda fase do projeto: estabelecimento do textoinédito manuscritoinédito manuscritoinédito manuscritoinédito manuscritoinédito manuscrito
Procedemos ao estudo e estabelecimento dosmanuscritos, considerando, na sua gênese, asvivências da autora e o momento da escritura dotexto, portanto, o seu processo de enunciação. Nestafase do trato dos manuscritos, entendemos cadavariante como um momento único (Duarte: 1995).Catalogamos os manuscritos em ordem alfabética, eos poemas de acordo com o primeiro verso, emvirtude de a maior parte não ser titulada.Os cuidados no trato dos manuscritos foram desde areferida catalogação do material ao estabelecimentode cada texto, tendo em conta questões de caligrafia,ortografia; atentando, ainda, para marginálias,desenhos, notas, esboços e rasuras ou qualquer outrotraço que indicasse uma intenção autoral. Alémdessas, as sinalizações de estilo (associações,
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figurações, temáticas) e características poemáticas(títulos, versos, ritmos, rimas, aspectos semânticos emorfossintáticos), que contribuíssem para dirimirdúvidas sobre o estabelecimento do texto.
suporte (papel) utilizado por V.P. é de todaordem, na sua maioria folhas de caderno (uns
pautados, outros, não). O estado de conservação érazoável. Valdelice escrevia principalmente comcaneta. A sua letra, embora miúda, é razoavelmentelegível. No entanto, o hábito de escrever tanto nosentido horizontal como em marginálias, às vezesriscando e reescrevendo sobre o rasurado, oferecedificuldades ao seu leitor. São poucos os datiloscritosassinados. Há desenhos em quase todos os inéditos,seja como moldura, seja indicando fluxo deraciocínio, seja em relação temática com poemas.Relacionado ao processo criador, há um significativomaterial sobre reflexão crítica (do qual constatamosuma parte publicada).A configuração física dos poemas em poucas estrofesde versos curtos, logo se revelou prevalecente.Muitos deles (poemas) estão relacionados aosdesenhos (Valdelice prefere chamar de rabiscos),indicando uma intenção temática; outros aparentamum mero fluxo do pensamento (como aliás a própriapoetisa afirma nos textos de reflexão sobre o seuprocesso criador). A quase totalidade dos materiaisnão está datada.Estabelecidos os poemas e os textos de auto-reflexãopoética, procedemos à recatalogação dos mesmos erevimos a catalogação dos desenhos e das fotos,incluindo os materiais recebidos de outras fontes.
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TTTTTerererererceira fase do prceira fase do prceira fase do prceira fase do prceira fase do projeto: estudo crítico dos textosojeto: estudo crítico dos textosojeto: estudo crítico dos textosojeto: estudo crítico dos textosojeto: estudo crítico dos textosinéditos (manuscritos e datiloscritos)inéditos (manuscritos e datiloscritos)inéditos (manuscritos e datiloscritos)inéditos (manuscritos e datiloscritos)inéditos (manuscritos e datiloscritos)
s modificações que um segundo texto coloca sobreum primeiro são indicativas de um processo
criador dialético. O estudo das várias versões queum mesmo texto apresenta considerou ascircunstâncias de escritura, possíveis intenções, vozesde V.P. O fato de, na sua maioria, os textos nãoserem datados, dificultou-nos identificar a últimaintenção autoral. Assim, para o estudo textual,tomamos como base as matrizes de um poema emsuas versões (manuscritas ou datiloscritas),sinalizadas por rasuras, marginálias, traços que, àsvezes, expressavam uma preferência.
Nesse entendimento, conferimos autonomia a cadaesboço de um manuscrito, na compreensão de quecada versão de um mesmo texto é um momentoúnico, é uma vontade expressa. Realizamos ainterpretação crítica, reconhecendo etapas deelaboração que compuseram o texto final, o percursoda reescrita e o entendimento do porquê dasalterações e re-elaborações. Isto é, a interpretaçãodas várias versões que compõem a geração do textodefinitivo.
Para tal, sempre que o texto sinalizava, tal comofizemos no estabelecimento do manuscrito, foirespeitada a vontade última da autora, dentre asvontades por ela expressadas nas várias versões deum mesmo poema (Duarte: 1995). Nos casos (poucos)
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de não identificação por falta de indicativos desinalização direta (datações, rasuras, marginálias),fizemos valer a compreensão leitora (Gumbrecht:1977), considerando o traço estilístico da poetisa.
a exaustiva leitura e releitura dos inéditos(manuscritos e datiloscritos), foram identificados
641 poemas e 555 textos poéticos (prosa poética,meta-textos, textos de auto-reflexão). Dos poemas(uns titulados, outros não), alguns deles (121)apresentaram de duas a, até, onze versões (351versões no total). Outros 290 não apresentaramversões. Identificamos sete poemas escritos emespanhol e outros nove de autoria duvidosa, queforam excluídos do nosso corpus. Embora a pesquisanão tivesse caráter quantitativo, essas referências sãonecessárias para evidenciar o montante do materialinédito.
ara o processo de estabelecimento da versãodefinitiva e suas variantes, convencionamos
menções (3,2,1), que conferimos a cada poemaestudado. O procedimento referido foi realizado emobservação dos aspectos fônicos, semânticos,morfossintáticos, pragmáticos e temáticos (Todorov:1980). Para efeito da seleção desse corpus primárioda pesquisa, nos textos com várias versões, onde nãofoi possível a identificação da vontade expressa doautor por uma delas (seja por datas, marginálias, ououtras marcas significativas), foi assumido o mesmoprocedimento do estudo das várias versões, isto é, de
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considerar a função intencionada do leitor(Gumbrecht: 1977); além disso, foi dado privilégio àcomunicabilidade da linguagem, seja através dapalavra, seja através do desenho (Calvino: 1988).
Imprescindível à pré-seleção do corpus desta edição deinéditos, esta etapa de crítica textual cumpriu umobjetivo próprio. Cabe aqui esclarecer que os estudosdesenvolvidos até esta fase (que inclui textosdefinitivos e suas versões) integrarão uma posterioredição crítica. Desta edição que aqui apresentamos,somente constam os textos considerados definitivos.
Quarta faseQuarta faseQuarta faseQuarta faseQuarta fase do projeto do projeto do projeto do projeto do projeto: : : : : aaaaa edição, sua estrutura. edição, sua estrutura. edição, sua estrutura. edição, sua estrutura. edição, sua estrutura.Seleção final do Seleção final do Seleção final do Seleção final do Seleção final do corpuscorpuscorpuscorpuscorpus
Se os novos tempos exigem um olhar alargado quecontemple a perspectiva da interdisciplinaridade, omesmo se pode dizer em relação às expectativas doleitor desses tempos de comunicação midiática(Sarlo: 1997).Atentos a isso, relemos os mais de trezentos poemaspré-selecionados, procurando identificar aqueles que,no conjunto (inclusive, agora, considerando osrabiscos), atendessem, por suas especificidades, aoscritérios de comunicabilidade. Paralelo a esteprocedimento foram lidos, também, os textos auto-referenciais e auto-biográficos. O propósito era terum material que correspondesse à exigência de umaedição que tivesse como fundamento as propostas davisibilidade, leveza, exatidão, rapidez (Calvino:1988) e consistência (Simões: 1999). Uma edição que
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primasse pelo aspecto comunicativo e contemplasseas várias linguagens de V.P.
A estrutura foi definida em três partes, quecompreenderiam a seqüência teórica inicialmenteproposta: vivência - dados biográficos; experiência -corpus poético; ação: recepção crítica. Apesar dosmateriais que possuíamos (depoimentos, entrevistas,textos críticos), a riqueza da VOZ de Valdelice fez-nosentender ser mais pertinente deixá-la falar sozinha.
uscando captar a mais próxima interação entrepoemas e rabiscos, fotos e textos, enquanto
linguagens que confluem para significação ecomunicabilidade, procedemos a uma cuidadosaanálise, em observação da temática e de traços, tendoem conta as suas referidas especificidades. Aslinguagens expressariam a VOZ. No que toca àrelação entre poemas e rabiscos, tal procedimento,em alguns casos, já havia sido identificado comointenção autoral. Outros foram relacionados pornós, depois de cuidadoso estudo temático inter-linguagens (textos e desenhos; ou textos e fotos),então tomando a função leitora como decisória. Aintenção da pesquisa é evidenciar a expressãopoética que se realiza pelo diálogo dessas linguagens.
efinida a estrutura e vencida a idéia de que, naedição, somente figuraria a Voz de Valdelice
Pinheiro, o corpus ampliou-se, constituindo-se nãosomente dos poemas e dos rabiscos (corpusprincipal), mas também dos textos auto-biográficos,
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dos textos auto-referenciais, das epígrafes, dosdesenhos que compõem as folhas de guarda (corpuscomplementar). Atendíamos, dessa forma, àseqüência teórica proposta com a Voz que falava davivência (em textos e fotos); a Voz que produziu aexperiência, através de estratégias discursivassingulares (poemas e rabiscos); a Voz que, fazendo-seleitora de si mesma, deixou a ação do texto agir emdiscurso auto-interpretativo. O caráter decomunicabilidade do texto ficava assegurado, assim,através das várias linguagens. Redimensionamos,dessa forma, a estrutura da edição em: Mosaicoautobiográfico, Poemas e rabiscos, Retomemos (textoauto-reflexivo) e, ainda, com as folhas-de-guardatemáticas de aves e peixes.Como ficou dito, esta edição é composta commateriais inéditos. Os poemas e textos digitalizadosforam cuidadosamente revistos à luz dos originais.Optamos por apresentar alguns materiais na suaforma manuscrita: uns, por ser impossível separar aslinguagens, tão imbricadas são; outros, porressaltarem o processo da gestação autoral (videdobradura). Os rabiscos e manuscritos foramdigitalizados rigorosamente atentando aos formatos,mas limpos dos traços estranhos à peça em foco.Excepcionalmente, integra a parte final deste livro otexto “Retomada”, publicado na Revista FESPI(1984). Complementar de Retomemos, a suareedição se justifica, num trabalho que se afirma deinéditos, devido à Revista onde foi publicado estaresgotada, extinta e ter sido de pequena circulação.Além do mais, tal inclusão fica coerente com a última
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proposição da seqüência teórica: ação, já que setrata de uma auto-reflexão sobre a obra (por serrealizada pela própria autora, ao nosso ver, maisvaliosa).
ntegra esta edição, ainda, a relação dosmateriais de divulgação produzidos e resultados
parciais publicados e apresentados em congressos aolongo da execução do projeto.
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Eu vimde noites úmidas,quando as sementesfecundavamo corpo virgemda mata.Eu vimda branca paisagemde pequenas floresgerminando ourono ventredos cacauais.E acordei na manhãdos deuses,no mundodo chocolate.
Poemas e rabiscos
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Eu inventocristaisà flor da terrae crioo inexistente.Meu universonem aparece.Por issoé maior,eterno,indestrutível.
Poemas e rabiscos
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Sentencio-me.O corpo verga e caisob o poderdo que não aparece.Espanto-me.E me descubro de repenteum animalque não se conhece.
Poemas e rabiscos
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Retomemos...
Há dias, ou há momentos em que o silêncio me toma,me leva. O silêncio não da Voz, mas da palavra.(Deixa-me dizer “loucamente” tudo, sem a obrigação(social? lógica?) da linguagem. Dizer como se osilêncio chegasse à mão e libertasse o gesto absoluto,mesmo que esse silêncio ou esse gesto só possa sertraçado, no espaço, na conformidade da palavra).Retomar-me sem que me tome nada de anteriorsenão a própria “prisão” da palavra... Da palavra quefinge que me liberta... Mas não é a palavra que meliberta, é a voz! Não a voz, a simples voz, um somemitido pela competência de um aparelho fonador,mas a Voz, a VOZ, aquilo que sem dúvida não meantecipa, mas é certamente o que me diz. A Voz...Esse silêncio que chega aflito e, precisando do grito,tem que inventar o som...Terá sido assim que nasceua palavra.
igo sem nexo, mas a palavra ainda é forte ...Não, não é a palavra que é forte, é a Voz, que cria
o nexo, que encontra o elo (perdido?) entre o gesto, ogrito e... e o som que se fez palavra.Retomemos...Preciso dizer-me como se sonhasse...
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